história do xadrez

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ARTIGOS PUBLICADOS NESSA SESSÃO A história do xadrez Curiosidade Lenda A origem do xadrez - Por Sam Sloan (Traduzido por Francisco Lo Fiego) A história do xadrez - Por Antônio Villar A HISTÓRIA DO XADREZ O Xadrez é um jogo muito antigo, e não existem relatos históricos sobre sua origem, podemos então determinar a época e o local onde este jogo surgiu apenas indiretamente. Existem evidências de que o xadrez foi primeiramente inventado na China em 204-203 a.C. por Han Xin, um líder militar, para dar às suas tropas algo para fazer durante um acampamento de inverno. O próprio Rei Arthur é cogitado como um dos possíveis inventores do jogo. E até mesmo a teoria de que foram os gregos no cerco à Tróia que o inventaram, possui defensores. A origem na Índia é a mais aceita, com o nome de chaturanga, sem data determinada, sabendo- se apenas que foi há muito tempo antes de Cristo. Chaturanga, do sânscrito chatur, significa "quatro", e anga, significa "partes". Esse nome refere-se às quatro divisões dos exércitos da antiguidade - infantaria, cavalaria, carruagens e elefantes. O xadrez era então, claramente, um jogo de guerra. O uso da expressão sânscrita "quatro partes" também pode significar que em sua forma original o xadrez era jogado por quatro jogadores. O chaturanga era jogado por 4 adversários, cada um com 8 peças: um rajá, um elefante, um cavalo, um navio e quatro infantes. Eles se correspondem atualmente ao rei, bispo, cavalo, torre e peões, respectivamente. A partida era jogada com dados e as peças valiam pontos quando capturadas: 5,4,3,2,1, na ordem acima citada. Depois os dados foram tirados, diminuiu-se a quantidade de jogadores para 2, que se posicionaram um defronte ao outro e as peças unificadas em cada jogador. A palavra xadrez, em português, veio de variantes axadrez, enxadrez, acendreche, que originaram-se do sânscrito: chaturanga, no século XVI. As palavras ajedrez (espanhol), shatranj (árabe), chatrang (persa antigo), também tiveram sua origem deste mesmo termo sânscrito. A palavra italiana scacchi, a francesa échecs, e a inglesa chess, vêm da palavra árabe-persa shah (rei), que forma a expressão "shah mat" (o rei está morto, ou como conhecemos hoje xeque-mate). Em alemão Schachspiel (jogo de xadrez), tendo Schach vindo da mesma origem que do italiano, francês e inglês. O jogo expandiu-se para a China, Coréia, Japão e Russia, atingindo depois a Escandinávia, a Alemanha e a Escócia. O jogo é mencionado na literatura chinesa escrita por volta do ano 800. Só que a forma moderna que conhecemos hoje do chaturanga (xadrez) veio por outro intinerário. Segundo o poeta persa Firdusi, o jogo teria penetrado na Pérsia (hoje Irã) por volta do ano 531 a 579 a.C.. Da Pérsia para o mundo islâmico provavelmente entre 650 e 750, tendo seu nome alterado para chatrang e depois para shatranj, pelos árabes, que tomaram dos persas, aproximadamente no ano 950 da era Cristã. Espalhando-se rápido pela Ásia e chegando à Europa durante as Cruzadas, cerca do séc. X e XI (Espanha, Itália, França, Escandinávia, Inglaterra). Nos séculos XV e XVI foram fixadas as regras atuais do jogo.

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ARTIGOS PUBLICADOS NESSA SESSÃO

A história do xadrez

Curiosidade

Lenda

A origem do xadrez - Por Sam Sloan (Traduzido por Francisco Lo Fiego)

A história do xadrez - Por Antônio Villar

A HISTÓRIA DO XADREZ

O Xadrez é um jogo muito antigo, e não existem relatos históricos sobre sua origem, podemos então determinar a época e o local onde este jogo surgiu apenas indiretamente.

Existem evidências de que o xadrez foi primeiramente inventado na China em 204-203 a.C. por Han Xin, um líder militar, para dar às suas tropas algo para fazer durante um acampamento de inverno. O próprio Rei Arthur é cogitado como um dos possíveis inventores do jogo. E até mesmo a teoria de que foram os gregos no cerco à Tróia que o inventaram, possui defensores. A origem na Índia é a mais aceita, com o nome de chaturanga, sem data determinada, sabendo-se apenas que foi há muito tempo antes de Cristo.

Chaturanga, do sânscrito chatur, significa "quatro", e anga, significa "partes". Esse nome refere-se às quatro divisões dos exércitos da antiguidade - infantaria, cavalaria, carruagens e elefantes. O xadrez era então, claramente, um jogo de guerra. O uso da expressão sânscrita "quatro partes" também pode significar que em sua forma original o xadrez era jogado por quatro jogadores.

O chaturanga era jogado por 4 adversários, cada um com 8 peças: um rajá, um elefante, um cavalo, um navio e quatro infantes. Eles se correspondem atualmente ao rei, bispo, cavalo, torre e peões, respectivamente. A partida era jogada com dados e as peças valiam pontos quando capturadas: 5,4,3,2,1, na ordem acima citada. Depois os dados foram tirados, diminuiu-se a quantidade de jogadores para 2, que se posicionaram um defronte ao outro e as peças unificadas em cada jogador.

A palavra xadrez, em português, veio de variantes axadrez, enxadrez, acendreche, que originaram-se do sânscrito: chaturanga, no século XVI. As palavras ajedrez (espanhol), shatranj (árabe), chatrang (persa antigo), também tiveram sua origem deste mesmo termo sânscrito. A palavra italiana scacchi, a francesa échecs, e a inglesa chess, vêm da palavra árabe-persa shah (rei), que forma a expressão "shah mat" (o rei está morto, ou como conhecemos hoje xeque-mate). Em alemão Schachspiel (jogo de xadrez), tendo Schach vindo da mesma origem que do italiano, francês e inglês.

O jogo expandiu-se para a China, Coréia, Japão e Russia, atingindo depois a Escandinávia, a Alemanha e a Escócia. O jogo é mencionado na literatura chinesa escrita por volta do ano 800. Só que a forma moderna que conhecemos hoje do chaturanga (xadrez) veio por outro intinerário. Segundo o poeta persa Firdusi, o jogo teria penetrado na Pérsia (hoje Irã) por volta do ano 531 a 579 a.C.. Da Pérsia para o mundo islâmico provavelmente entre 650 e 750, tendo seu nome alterado para chatrang e depois para shatranj, pelos árabes, que tomaram dos persas, aproximadamente no ano 950 da era Cristã. Espalhando-se rápido pela Ásia e chegando à Europa durante as Cruzadas, cerca do séc. X e XI (Espanha, Itália, França, Escandinávia, Inglaterra). Nos séculos XV e XVI foram fixadas as regras atuais do jogo.

A forma atual do xadrez internacional - também conhecida como xadrez ocidental ou xadrez ortodoxo, para distingui-lo do xiangqi (xadrez chinês), shogi (xadrez japonês) e outros jogos relacionados - permaneceu completamente inalterada nos últimos 400 anos.

Jogos semelhantes ao xadrez existem a milhares de anos e estão representados inclusive em antigas tumbas egípcias. Mas até hoje não foi possível estabelecer uma ligação entre essas semelhanças e o jogo como o conhecemos.

CURIOSIDADE

No século XIX, a ascensão das rainhas Isabel II (Espanha) e Vitória (Inglaterra) deu força à rainha no xadrez. Hoje a peça se movimenta quantas casas quiser e é a mais ofensiva do jogo. Mas não ameaça a supremacia do rei.

Outra peça que ganhou poder foi o peão. Quando chega a ultima linha do lado do adversário, pode se trocado por qualquer peça, exceto o rei. A jogada reflete o pensamento liberal dos séculos XVIII e XIX, segundo o qual qualquer pessoa podia subir na vida, embora jamais pudesse se tornar rei.

LENDA

Uma famosa lenda sobre o aparecimento do xadrez é a que o atribui a Sissa, filósofo indiano. Teria ele inventado o jogo de xadrez a fim de curar o tédio do enfastiado rei Kaíde. Como este lhe houvesse prometido a recompensa que desejasse, Sissa pediu um grão de trigo pela primeira casa do tabuleiro, dois pela segunda, quatro pela terceira, oito pela quarta e assim sucessivamente, dobrando a quantidade, até chegar na casa de número sessenta e quatro. O rei ficou espantado perante um pedido que lhe pareceu tão humilde; e cedeu imediatamente à aparente insignificância da petição. Mas ... feitos os cálculos, verificou-se que todos os tesouros da Índia não eram suficientes para pagar a recompensa pedida.

O número de grãos que Sissa tinha pedido, corresponde à formula 2 elevado à (64 - 1), ou seja: 18.446.744.073.709.551.615

Imagine que para contar de um até esse número ("um, dois, três", etc.) durante 24 horas por dia, e supondo que demorasse só um segundo para cada um dos números consecutivos seriam necessários 58.454.204.609 séculos, isto é, quase sessenta bilhões de séculos!

A ORIGEM DO XADREZ - Por Sam Sloan (Traduzido por Francisco Lo Fiego)

Na década de 50, em certa época o mais famoso programa de televisão chamava-se a "Pergunta de $64.000". Os participantes, que dizia-se serem cuidadosamente avaliados previamente e eram experts, mas não profissionais, nos campos de sua escolha, respondiam a perguntas de dificuldade crescente. Esse foi o primeiro dos programas de jogos de TV de grande popularidade. Primeiro, havia a pergunta de $64. Se fosse respondida corretamente, o participante poderia abandonar e ficar com seu dinheiro, ou seguir em busca do dobro. As apostas iam de $64 para $128, $256, $512, $1000, $2.000, $4.000, $8.000, $16.000, $32.000 e $64.000.

A maioria dos participantes subia bastante na escala, e a tensão e a emoção cresciam de semana a semana à medida que eles se encaminhavam para seus objetivos. Apenas uma vez vi acontecer de um participante não acertar a primeira pergunta, de $64.

Na ocasião, um garoto de uns doze anos foi apresentado. Seu assunto era o xadrez. Ele foi, é claro, anunciado como um prodígio do jogo. Como de hábito, o apresentador começou com uma pergunta de $64 relativamente fácil. "Onde o xadrez foi inventado?", perguntou.

"Na China", o garoto respondeu.

"Errado!", disse o apresentador. "A resposta correta é Índia."

Assim, o garoto foi logo retirado de cena. Nunca mais se viu ou ouviu a respeito do suposto menino prodígio no mundo do xadrez.

Bem mais tarde, foi revelado que muita coisa no programa era falsa. Alguns participantes eram simples atores, a quem se dizia antecipadamente quais as respostas corretas. Muitas pessoas famosas, inclusive principalmente Mark Van Doren, que apareceu num programa similar chamado "21", tiveram suas reputações destruídas por causa desse escândalo.

Contudo, há ainda mais um escândalo não exposto a respeito desse programa em particular. O menino que respodeu China à primeira pergunta deveria ser trazido de volta para tentar os $128. A resposta que ele deu estava correta. O xadrez não foi inventado na Índia. O xadrez foi inventado na China!!

Quando digo isso aos meus, em outros aspectos, bem informados colegas enxadristas, eles me olham fixamente com uma expressão que indica horror, consternação ou desgosto, ou uma mistura de tudo isso.

Finalmente, depois de uma pausa educada, normalmente dizem "Desculpe-me. Você está errado. O xadrez foi inventado na Índia. Veja em H.J.R. Murray."

É claro, o fato é que eu olhei em H.J.R. Murray. Também procurei nas fontes que ele cita. Isso não é tão fácil, na medida em que as páginas envelhecidas se esmigalhavam sob meus dedos, mas também não é tão difícil. Todas as fontes citadas por Murray podem ser achadas na Biblioteca Pública de Nova Iorque e locais similares.

Acredito que algum dia, relativamente próximo, a declaração sem base de Murray de que o xadrez foi inventado na Índia irá desmoronar como o clássico exemplo do cego conduzindo outro cego. Há muitos outros exemplos desse fenômeno, mas esse em particular é especialmente notável. Virtualmente todo ocidental de certo nível cultural, seja ou não jogador de xadrez, parece saber ou pelo menos aceitar como um fato cientificamente provado que o xadrez foi inventado na Índia. Toda fonte dessa informação cita Murray. Porém, Murray, de fato, não cita fonte alguma.

Ainda mais incrivelmente, a verdade sobre as origens do xadrez está há muito tempo encarando qualquer um que tenha estudado a questão. Esse caso é quase tão extremo quanto o dos astrônomos medievais. Na Idade Média, havia muitos astrônomos que estudavam o céu a olho nu. Realizaram cálculos matemáticos precisos que ainda são considerados válidos. Compreenderam em grande detalhe todos os ciclos e epiciclos que os corpos celestes seguiam em seus movimentos em torno da Terra, o centro do universo. À medida que seus cálculos se tornavam mais precisos, eles tinham crescente dificuldade em sua atividade, mas sempre era possível, postulando um novo epiciclo dentro de outro epiciclo, propor uma explicação matematicamente sólida.

Um dia, Copérnico estava olhando essa riqueza de dados coletados por outros, quando lhe ocorreu que tudo isso poderia ser explicado mais facilmente dizendo que a Terra se movia em torno do Sol, e não contrário.

Do mesmo modo, no caso em questão a evidência sempre mostrou claramente que o xadrez foi inventado na China e não chegou à Índia senão após cerca de um milênio, ou talvez bem mais. Contudo, como quase todo autor e pesquisador aceitou de forma acrítica a suposição de que o xadrez foi inventado na Índia no sexto ou sétimo século de nossa era e depois foi para os outros países, foi-lhes necessário executar um complicado processo de raciocínio para explicar seu aparecimento em outros lugares em épocas anteriores.

Já foi demonstrado que o xadrez apareceu na Índia em época não anterior ao século 6 d.c., e os próprios estudiosos indianos parecem acreditar que a época real foi consideravelmente mais recente que mesmo essa. É improvável que possa haver qualquer erro aí, porque há uma profusão de material literário disponível em sânscrito, indo até 1500 a.c. Se o xadrez tivesse existido na história antiga da Índia, é quase certo que isso teria sido mencionado em algum lugar. Ao mesmo tempo, pessoas que são consideradas autoridades em seus campos sabem há muito que o similaríssimo jogo de xadrez chinês, ou pelo menos um atepassado desse, existiu na China pelo menos desde o segundo século a.c. Como eles conciliam esses dois fatos?

Em essência, levantam duas questões. Primeiro, dizem que os antigos manuscritos chineses estão simplesmente errados. O jogo a que eles se referiam era talvez go, ou algum outro jogo, mas certamente não poderia ser xadrez, porque, como todo mundo sabe, o xadrez não foi inventado até o século 6 d.c.

A segunda é que o xadrez chinês é um jogo totalmente diferente, sem relação com o xadrez ocidental. Enfatizam que o xadrez chinês tem um rio, um canhão, um cavalo que não pula, e que as peças no xadrez chinês têm inscrições em caracteres chineses e são colocadas nos "pontos" em vez de nas casas. O fato de o xadrez chinês também ter uma torre, um rei, um peão e um bispo, todos eles ocupando as mesmas posições iniciais no tabuleiro e com os mesmos movimentos e os mesmos nomes que no conhecido antecessor medieval do xadrez ocidental, é simplesmente ignorado. Em alguns casos, é evidente que os chamados estudiosos nem sequer sabem as regras do xadrez chinês.

Há duas referências ao xadrez na literatura antiga chinesa. A primeira foi de uma coleção de poemas conhecida como " Chu Chi ". O autor chamava-se Chii Yuan. Ele foi o mais famoso escritor da dinastia Chou (1046 - 255 a.c.). Matou-se pulando num lago. A segunda é de um famoso livro de filosofia conhecido como " Shuo Yuan " que citava Chu Chi. É da dinastia Han (206 a.c.- 221 d.c.). Ambos são bem conhecidos de qualquer estudante de literatura chinesa.

Uma referência mais recente ao xadrez veio da dinastia Song (960 - 1279 d.c.). Havia uma famosa poetisa chamada Li Ching Zhou. Ela escreveu um livro intutilado " Retrato da Batida no Cavalo". Naquele tempo, as peças tinham os mesmos nomes que hoje.

Com o objetivo de, por exemplo, descobrir a origem de uma língua, os linguistas realizam um processo conhecido como reconstrução linguística. Primeiro, identificam os membros de uma família de línguas observando características que não podem ser explicadas de nenhum outro modo senão dizer que todas elas surgiram de uma origem comum. Depois disso, apontam com precisão as mudanças sonoras uniformes que se pode demonstrar terem ocorrido em uma vasta gama de ítens de vocabulário conforme as línguas estavam surgindo. Finalmente, estão aptos a desenvolver, em detalhe, uma proto-língua com uma descrição de como a língua original gradualmente se separou nas muitas línguas daquela família existentes hoje. Então, podem determinar quase o local exato do mundo onde a língua mãe se originou e o período em que começou a se difundir e dividir.

Por exemplo, sabe-se que o proto-indo-europeu se originou, ou pelo menos começou a se espalhar, 5000 anos atrás em uma área ao norte dos mares Negro e Cáspio e ao sul dos Urais, muito antes de a história escrita ter existido naquela região. O único sério desacordo nesse ponto gira em torno de um raio de 200 milhas dessa área. Teorias propagadas por grupos de interesses particulares, tais como as afirmações nazistas de que que as línguas indo-européias foram inventadas por uma raça de cabelos louros e olhos azuis na costa sul do mar Báltico, foi demonstrado que são simplesmente falsas. Como, alguém pergunta, eles podem estar tão certos disso, quando tudo isso ocorreu milhares de anos antes de qualquer história escrita daquela área?

O modo como o lugar de origem é determinado é por meio de palavras que são semelhantes em todas as línguas indo-européias e cuja semelhança não pode ser explicada por "empréstimo". Por exemplo, as palavras para "bétula", "cavalo", "carroça" e "biga" são comuns para todas as línguas indo-européias da Europa à Índia. Entretanto, cavalos, carroças, e bigas não existem naturalmente nem na Europa nem na Índia, mas existem em abundância nas áreas ao norte dos mares Negro e Cáspio, como também as bétulas, então essa é uma das muitas evidências que apontam para aquela área. (A especial relevância da não existência de cavalos e bigas naturalmente na Índia se tornará aparente em breve).

O próximo passo lógico é aplicar esse processo ao jogo de xadrez. Felizmente, assim como há muitos tipos de línguas indo-européias, também há muitos tipos de xadrez. Existe xadrez ocidental, xadrez chinês, xadrez japonês ("shogi"), xadrez coreano, xadrez burmês, xadrez cambojano, xadrez tailandês, xadrez malaio, xadrez indonésio, xadrez turco e possivelmente até xadrez etíope.

Seguindo o processo linguístico mencionado acima, o primeiro passo é determinar se, de fato, esses são todos ramos do mesmo jogo. Isso realmente não é difícil. Todos os jogos acima têm o objetivo de dar xeque-mate ao rei. Todos eles têm um rei no centro, uma torre no canto, um cavalo próximo a ela e peões em frente e os movimentos dessas peças é idêntico ou quase idêntico ao do xadrez ocidental. Nenhum deles, além do xadrez ocidental, tem uma dama, mas nós sabemos que a dama foi primeiro inventada na Itália no século 15, muito depois que os outros ramos da árvore tinham se dividido. Em relação ao bispo, apenas o xadrez japonês tem um bispo em estilo ocidental, mas os japoneses acreditam que essa coincidência é relativamente moderna. Outra formas de xadrez têm um elefante, como as versões árabe e persa do jogo. Entretanto, sabemos que o bispo moderno é uma inovação puramente ocidental que foi derivada do elefante, muito provavelmente no século 15.

No xadrez japonês, cada lado tem apenas um bispo, e ele começa num estranho lugar bem em frente ao cavalo do lado esquerdo. Essas diferenças indicam que o bispo japonês foi desenvolvido independentemente do ocidental e as semelhanças entre eles são puro acaso, ou que os ocidentais levaram o bispo ao Japão (ou os Japanese trouxeram seu bispo para o ocidente) em tempos relativamente modernos. Os elefantes do xadrez chinês claramente se tornaram os pratas do xadrez japonês, enquanto as bigas (torres) do xadrez chinês foram reduzidas às lanças do xadrez japonês.

Há muitas outras semelhanças entre todos esses jogos, mas já sabemos bastante para estarmos absolutamente certos de que eles têm uma origem comum, então agora precisamos determinar quando e onde essa origem se deu.

Primeiro, vamos nos livrar da afirmação de que o xadrez foi inventado na Índia. Sabemos que há escritos chineses sobre xadrez datados do século 2 a.c. A maioria dos autores, incluindo H.J.R. Murray, de fato não sabe disso, enquanto outros escritores de história do xadrez, como meu bom amigo Fred Wilson, apressadamente omitem isso e passam a um assunto que conhecem bem melhor, como a vitória de Bobby Fischer sobre Boris Spassky em 1972. Um escritor, que ao menos merece crédito por enfocar a questão, é Harry Golombek, que, em seu "Xadrez, uma História", afirma:

"Vi um poema datado do século 2 a.c. no qual, segundo o tradutor, há duas referências ao jogo de xadrez. Se o jogo era de fato jogado na época, isso iria causar uma completa reviravolta em todas as teorias atuais; mas há duas explicações possíveis para as referências, cada uma das quais deixaria as modernas teorias intactas. Eles poderiam ser relativas ao jogo de 'wei-chi', ou 'go', que sabe-se ser bem mais velho que o xadrez (ou

que qualquer jogo de tabuleiro, o gamão, por exemplo). Ou elas poderiam se referir ao jogo de xadrez chinês com um rio, que de fato não é em absoluto xadrez como o conhecemos." Golombek, Xadrez, uma História, G. P. Putnam's Sons, New York, 1976, p. 10.

Algumas páginas depois torna-se claro que, por "jogo de xadrez chinês com um rio", Golombek refere-se ao moderno xadrez chinês, que tem um rio no meio. Ele passa a descrever as regras aproximadas desse jogo:

"O Jogo do Rio tem semelhanças com o chaturanga e o xadrez que são notáveis. Mas as diferenças também o são - tanto que ainda não está provado se é uma variante ou um derivado do chaturanga, ou se origina-se de algum jogo mais antigo (talvez o que é descrito em 'O Palácio Dourado') e foi então misturado com (ou fortemente influenciado pelo) chaturanga, à medida que seguiu para a China desde a Índia."

"Chaturanga" é o suposto ancestral do xadrez moderno que era jogado na Índia. Como tantos outros autores, Golombek está cego para a possibilidade de que o xadrez não se originou na Índia. Na página seguinte, afirma:

"Go, um jogo muito mais antigo que chaturanga, não tem qualquer semelhança com o xadrez. Conhecido como wei-chi, há muitas referências a ele na literatura chinesa antiga. Vi traduções destas que, erroneamente em minha opinião, os apresentam como xadrez. Um exemplo disso é o 'Palácio Dourado', um poema anônimo escrito no século 1 a.c." Ibid, p. 23.

Notavelmente, quando diz que o "jogo do rio" pode ter descendido de algum ancestral antigo, como descrito n'O Palácio Dourado, ele omite a clara possibilidade de que o antigo jogo, qualquer que fosse, pode ter sido o ancestral comum tanto do chaturanga como do xadrez chinês. Um linguista profissional teria notado essa possibilidade instantaneamente. Golombek, contudo, é apenas um mero jogador de xadrez.

Há muitos outros exemplos disso, mas deixemo-los de lado e passemos diretamente à fonte: H.J.R. Murray. O trabalho de Murray, "Uma História do Xadrez", foi publicado em 1913. Seu outro volume, "Uma Breve História do Xadrez", foi primeiramente publicado em 1963, mas havia sido escrito em 1917 e foi encontrado em seus escritos depois de sua morte. Logo, seu trabalho mais recente acerca da história do xadrez foi escrito em 1917.

Em quase qualquer outro campo de pesquisa acadêmica, um trabalho de tal idade está obsoleto. Porém, muito surpreendentemente, pesquisadores sérios aparentemente não se interessaram muito pela história do xadrez e não se importaram ou sequer pensaram em voltar e reexaminar a base subjacente à conclussão de Murray. Também surpreendentemente, no trabalho de Murray, que em outros aspectos é aparentemente bem documentado, ele parece ter apenas uma fonte concreta para sua declaração de que o xadrez foi inventado na Índia. A fonte é H.J. Raverty.

"Raverty", exclamei quando vi. Conheço Raverty bem, porque ele é a maior autoridade em outro assunto totalmente diferente, no qual por acaso tenho um profundo interesse. É a língua pashtu, que é falada no Afeganistão e na província noroeste da fronteira do Paquistão. Tenho o dicionário completo pashtu-inglês em casa, e o estudo frequentemente. É um execelente trabalho, obviamente compilado depois de anos de esforço prodigioso. Entretanto, é claro que Raverty era nada mais que um leigo, não um linguista treinado. Por exemplo, Raverty não entendia realmente a diferença entre consoantes retroflex and palatais. Essa diferença por acaso é crítica na língua pashtu e nenhum linguista treinado cometeria esse erro.

Raverty era um oficial inglês do século 19. Sua principal qualificação foi ter servido nas guerras perpétuas contra o Afeganistão durante aquele período. Aparentemente acreditando no adágio "conheça seu inimigo", Raverty estudou a língua, a cultura e a literatura das pessoas que ele estava combatendo. Murray, por outro lado, indubitavelmente era incapaz de ler uma só palavra em hindi, urdu ou pashtu, muito menos sânscrito, então teve que confiar naqueles que eram, como Raverty.

Em 1902, nos últimos anos de sua vida, Raverty publicou um artigo no Jornal da Sociedade Real Asiática de Bengala. Intitulava-se a "História do Xadrez e do Gamão". Raverty, H.J., "História do Xadrez e do Gamão", Jornal da Sociedade Real Asiática de Bengala, Vol. 71, Parte I, p. 47, Calcutá, 1902 .

Esse artigo pela primeira vez contou a história que agora é conhecida por todo jogador de xadrez. A história, em suma, é a seguinte: Havia uma vez um sábio chamado Shashi em Sind, no reino do rei Rai Bhalit, no noroeste da Índia. Uma noite Shashi inventou um maravilhoso jogo novo. Na manhã seguinte, levou-o ao rei, que ficou encantado e perguntou qual a recompensa que ele desejava. O rei disse que qualquer pedido cabível seria concedido. Shashi disse que apenas queria que um grão de trigo fosse colocado na primeira casa do tabuleiro de xadrez, dois na segunda, quatro na terceira, oito na quarta, e assim por diante, até que todas as 64 casas tivessem sido preenchidas. O rei prontamente concordou com seu pedido.

Todos nós sabemos o fim dessa história. De qualquer modo, de acordo com Raverty, Shashi tinha um filho chamdo Shah, e daí veio o nome "shak" ou xadrez. No mesmo artigo, Raverty também relata como o gamão supostamente foi inventado, segundo ele, apenas um pouco antes do xadrez. Está agora provado que pelo menos essa parte da história não tem o menor sentido.

Apesar de Murray considerar a história sobre a invenção do xadrez uma lenda, sem dar os devidos créditos a Raverty (é Davidson que esclarece que Raverty foi a fonte original para a história), ele a mantém mesmo assim. Diz que o xadrez foi inventado em uma única noite por um filósofo que vivia no noroeste da Índia. No tempo de Murray, antes da divisão da Índia em 1947, que a quebrou em duas partes, noroeste da Índia significava o que agora é a província noroeste da fronteira do Paquistão e, possivelmente, partes do Afeganistão.

Essa região geográfica era a área de especialidade de Raverty. Sind, entretanto, agora é a província mais ao sudeste do Paquistão, e inclui Karachi. Talvez Murray não soubesse exatamente onde era Sind. De qualquer modo, todo o atual Paquistão, incluindo Sind, poderia possivelmente ter sido então chamado noroeste da Índia.

Acontece que o Paquistão é um país sobre o qual eu sei alguma coisa. Escrevi um dicionário de uma língua falada lá e viajei e vivi bastante naquela região, especialmente na província noroeste da fronteira do Paquistão e também no Afeganistão. As pessoas de lá são basicamente habitantes do deserto. São grandes comerciantes e mercadores. Suas caravanas podem facilmente penetrar desde a Arábia até a China. Porém, dizer que essas pessoas, cuja vasta maioria ainda hoje não sabe ler nem escrever, inventaram um jogo como o xadrez, é ridículo, e tenho certeza de que meus vários amigos no Paquistão vão concordar comigo.

Os próprios indianos ficam perplexos com a afirmação de que o xadrez foi inventado por eles. Isso é o que foi dito no Trimestral Histórico Indiano, um jornal acadêmico sério: Chakravarti, Chintaharan, "Trabalhos em Sânscrito sobre o Jogo de Xadrez", Trimestral Histórico Indiano, Calcutá, Junho, 1938, Vol. 14, No. 2, Parte I, p. 275.

"Apesar de geralmente os estudiosos suporem ser o jogo de xadrez de origem indiana e dizer-se que se encontram referências ao mesmo em vários trabalhos indianos de época muito antiga, trabalhos em sânscrito a respeito do xadrez e descrevendo sua complexidade são comparativamente raros. De fato, não se conhece nenhum trabalho indiano antigo a respeito e até recentemente a obra acadêmica tinha pouquíssimas descrições do xadrez."

O jornal também cita certas declarações de que há referência ao xadrez em vários escritos de autores indianos antigos. Mas deixa claro que isso era um truque comum naqueles tempos. Quando alguém queria ganhar crédito por suas idéias, dizia que tal e tal pessoa famosa, morta tempos antes, disse ou escreveu aquilo. O jornal então passa a listar uma quantidade de autores famosos que supostamente escreveram sobre xadrez, e nega todas essas evidências. Finalmente, não consegue encontrar sequer uma fonte na literatura indiana concernente a xadrez datada de antes de Sulipani, no século 15 d.c. (mais de 900 anos depois que Murray diz que o xadrez foi inventado lá)!! Em suma, toda e qualquer fonte citada por Murray, Davidson, Forbes, Golombek, Eales e outros, que supostamente estabelece que na Índia se escreveu sobre xadrez durante o primeiro milênio depois de Cristo, está desacreditada. A conclusão é: "Isso é bastante curioso e aparentemente levanta uma dúvida com relação à genuinidade do trabalho."

É improvável que possa haver qualquer engano quanto a esse ponto. H. J. R. Murray cita dois trabalhos do século sete e mais dois do século nove, que ele diz conterem referências ao xadrez. Murray diz que referências ao xadrez estão contidas no Harshacharita de Bana e no Vasavadatta de Subhandu. Essas citações são seguidas sem critério por Golombek, Eales e outros. Mas essas são as obras clássicas famosas na literatura indiana. Se elas realmente contivessem referências ao xadrez, então qualquer garoto de escola indiano saberia disso. Murray também diz que o xadrez é discutido em pré-persa (pahlavi) no Karnamak e no "Chatranj Namak". O Karnamak é uma obra perdida que Murray não teria possibilidade de ler e que não é certo sequer ter existido. O "Chatranj Namak" parece ser uma obra puramente inventada por Murray que ninguém mais viu ou sobre a qual sequer ouviu. Obras mais recentes citadas por Murray, Haravijaya de Ratnakara e Kavyalankara de Rudrata, não contêm, de acordo com os estudiosos, qualquer referência ao xadrez. Murray sustenta que o famoso viajante Al-Beruni observou xadrez sendo jogado na Índia no ano 1030. Apesar disso, os eruditos árabes que estudaram as obras de Al-Beruni no original dizem que ali não há nenhuma citação sobre o xadrez.

"Chaturanga" era a palavra indiana para o familiar tabuleiro de damas de 8x8, sobre o qual muitos jogos eram e ainda são jogados. O uso do termo "chaturanga" na liteartura indiana não prova que o jogo que conhecemos agora como xadrez era jogado nesse tabuleiro.

Parece que Murray, um simples professor primário sem nenhuma credencial erudita, nunca leu essas obras, mas em vez disso confiou em material publicado na Alemanha no fim do século dezenove. (Murray parece nunca citar sua verdadeira fonte). Ou seja, a afirmação de que na literatura clássica indiana há referência ao xadrez tem base tão sólida quanto dizer que o xadrez era jogado pelos faraós do Egito e que Alexandre, o Grande, era um forte jogador de xadrez.

O fato de o xadrez não ser muito popular na Índia ainda hoje também é significativo. Os hindus são grandes filósofos, mas não se interessam muito por jogos. A Índia só se filiou à F.I.D.E. (a Federação Internacional de Xadrez) recentemente e não mandava times às competições internacionais até há poucos anos. O único grande jogador de xadrez indiano da História, Sultan Khan, não veio de onde hoje é a Índia em absoluto. Ele era um muçulmano de perto de Lahore, Paquistão, e sua fama de grandeza deriva em parte do fato de ter vindo de um país que era considerado não-jogador de xadrez. Há outras fontes para a afirmação de que o xadrez foi inventado na Índia, mas são todas baseadas em Murray. Antes de Murray, as maiores autoridades frisavam que a Pérsia era o local mais provável para a origem do xadrez. Mais ainda, por várias razões históricas, o próprio Murray indica que para que sua tese esteja correta, o xadrez não pode ter sido inventado antes da dominação huri do norte da Índia em torno de 500 d.c. Murray, H.J.R., "Uma Breve História do Xadrez" com B. Goulding-Brown e H. Golombek, Oxford at the Clarendon Press, p. 1 (1963). Depois de citar uma fonte datada de 600 d.c., Davidson diz "Essa é a mais antiga referência ao xadrez em toda a literatura."

Infelizmente, o problema de Murray parece ter sido que, não só ele não lia hindi or urdu, como também não sabia chinês. Raverty, em seu artigo, diz que Shuli, um dos primeiros grandes jogadores e discípulo do inventor, Shashi, morreu em 946. Também menciona várias figuras históricas desconhecidas, como o rei Rai Bhalit, que viveu no tempo de Shashi, também escrito Sassi, Sissa, Sahsih ou mesmo Shashi. (A pronúncia "Shashi" é a mais acurada para um falante anglófono, porque os dois sons /sh/ são ambos retroflex). Raverty também diz que Shashi era filho de Dahir, um soberano de Sind que morreu em batalha no ano de 712 d.c. durante a dinastia Akasirah. Isso indicaria uma origem para o xadrez no século oito.

As outras fontes são semelhantes a Murray. Por examplo, o Professor D. W. Fiske, que diz:

"O xadrez é um antigo jogo primeiramente mencionado em documentos datados dos primeiros anos do século 7 d.c. e associado ao noroeste da Índia e à Persia. Antes do século sete de nossa era, a existência do xadrez em qualquer lugar não é demonstrável por qualquer evidência contemporânea." Fiske, D.W., The Nation, 1900.

Então, aparece Davidson, outro conhecido escritor de história do xadrez. Ele diz:

"A trilha do xadrez conduz até cerca de 500 d.c. Então esbarramos em uma barreira atrás da qual a pequisa histórica não penetrou. Tudo o que sabemos é que, durante o século seis, os cidadãos jogavam chaturanga, um jogo essencialmente parecido com o xadrez moderno." Davidson, H.A., Uma Breve História do Xadrez, Greenberg, New York, 1949, p. 22.

Das fontes acima, podemos razoavelmente concluir que o xadrez apareceu na Índia não antes do século 6 d.c., e talvez bem depois. Mas também sabemos que se escreveu sobre o xadrez chinês muito antes disso.

Agora, precisamos lidar com a declaração, já que ela foi feita, de que o xadrez chinês não tem real relação com o xadrez ocidental. Quanto a isso, devemos usar a evidência bem estabelecida sobre as origens do moderno xadrez ocidental. Sabemos dos escritos de Lucena (do famoso "mate de Lucena") que a forma moderna do xadrez foi inventada ou pelo menos codificada na Itália durante o período de 1475 a 1497 d.c. e espalhou-se rapidamente por toda a Europa. Esse jogo trouxe três características que o xadrez medieval não tinha: a dama moderna, o bispo moderno e a captura de peão en passant. Roque em um lance e promoção automática de peão ainda não haviam sido codificados. Todavia, essas mudanças foram suficientes para fazer com que Ruy Lopez publicasse em 1561 suas famosas análises de aberturas. A partida mais antiga na "Enciclopédia Oxford de Partidas de Xadrez" é datada de 1490, só que não é jogada legalmente de acordo com as regras do xadrez moderno. Levy, David e O'Connell, Kevin, The Oxford Encyclopedia of Chess Games, Oxford University Press, 1983.

O jogo na Europa anterior a 1475 era ainda substancialmente idêntico àquele jogado pelos persas, indianos e árabes no século sete. De fato, os termos xadrez persa, xadrez indiano, xadrez árabe e xadrez medieval são aqui usados com sentidos mais ou menos idênticos, já que não parece haver diferenças marcantes conhecidas entre eles. O xadrez a quatro mãos, que alguns, começando com Forbes, acreditam que fosse o jogo original (Forbes, Duncan, The History of Chess, W.H. Allen 5 Co., London, 1860), está provado ser somente uma variante malsucedida.

Em outras palavras, o jogo, ou pelo menos o mais popular dos referidos, permaneceu o mesmo por cerca de 800 anos. Então, subitamente, três grandes mudanças foram feitas mais ou menos simultaneamente e o velho jogo foi quase imediatamente esquecido. Realmente, durante esses 800 anos, houve constantes experimentos com diferentes tipos de peças, como os griffins, os unicórnios e outros animais estranhos, como ainda ocorre hoje. Sem dúvida, o bispo moderno e a dama moderna foram primeiro pensados muito antes de 1497. Mas não foi senão aproximadamente naquele ano que todos esses elementos foram combinados no mesmo jogo ao mesmo tempo. O processo parece ter sido essencialmente darwiniano, com inumeráveias mutações, mas apenas as raras superiores sobrevivendo ao final.

O jogo original persa ou indiano tinha exatamente as mesmas peças com o mesmo movimento que no jogo medieval, mas as peças tinham nomes ligeiramente diferentes. A peça no canto não era uma torre, mas uma biga. (Lembre-se do que foi dito sobre as línguas indo-européias). Depois, veio o cavalo. (O cavaleiro é um termo puramente europeu). Depois disso, veio o elefante. (Ainda é um elefante em russo e em vários outros idiomas atuais. Também em espanhol é "alfil", que vem do árabe "al-fil", que significa "o elefante". "Al" quer dizer "o" e "fil" significa "elefante". Foram, é claro, os árabes que levaram o xadrez para a Espanha). O elefante pulava duas casas diagonalmente, nem mais nem menos. Depois, veio o chanceler ou ministro, que se movia apenas uma casa diagonalmente. Finalmente, no centro, apareceu o rei, que se movia como o nosso rei. O nome persa para o jogo era, e ainda é, shatranj. O tabuleiro era formado de 8x8 casas sem cor.

Agora, vamos examinar o xadrez chinês. O nome em mandarim para xadrez chinês se pronuncia shaingchi. Às vezes se escreve "hsiang-chi", e, usando o sistema pinyin de ortografia da República Popular da China, escreve-se "xiangqi". Mas nesse sistema, "X" é pronunciado "SH" (retroflex) e "Q" pronuncia-se "CH" (retroflex). O nome chinês, shiangchi, soa muto similar ao nome persa, shatranj. De fato, elas são tão similares quanto uma palavra persa e uma chinesa podem soar. Shiangchi também soa mais ou menos como "shakmat", a palavra russa para xadrez, como "shogi", que é o xadrez japonês, e como "chaturanga", o nome indiano. Qualquer linguista vai concordar que isso é uma forte, se não definitiva, evidência apontando para a conclusão de que todas essas são versões do mesmo jogo.

Agora, vamos dar uma olhada nas peças, da esquerda para o centro. A peça do canto no xadrez chinês chama-se biga. (Os jogadores chineses modernos às vezes a chamam de carro). O nome também é biga no xadrez persa. O movimento também é o mesmo. Move-se como a nossa torre. A peça a seguir é o cavalo ("asp" em persa, que eu conheço um pouquinho). Também é um cavalo em xadrez chinês. O movimento é o mesmo em ambos os jogos, exceto que o cavalo não pula no xadrez chinês. (Os chineses dizem que essa restrição foi uma inovação mais moderna, para reduzir a força do cavalo). A terceira peça é o elefante. Outra vez, o nome é o mesmo em persa e chinês, como também em árabe, russo e muitas outras línguas. O movimento também é o mesmo. Ambos se movem exatamente duas casas diagonalmente. No xadrez chinês, o elefante não pode pular sobre outra peça. Alguns dizem que ele podia pular no xadrez persa e indiano, mas isso não está claro. Em seguida, há o conselheiro, ministro ou chanceler. De novo, ambos têm essencialmente o mesmo nome tanto no xadrez chinês como no persa. O movimento também é o mesmo: uma casa diagonalmente. Contudo, aqui há uma diferença significativa. O xadrez chinês tem dois conselheiros ou guardas e, por essa razão, há nove peças enfileiradas, e não oito como no xadrez persa e no ocidental. Também, no xadrez chinês, os conselheiros e o rei não podem sair de uma área central conhecida como os "nove palácios". Finalmente, no centro de ambos os jogos está o rei.

Em vista de tudo isso, como é possível, então, que qualquer pessoa sensata e informada possa dizer que esses dois jogos não têm relação? A resposta é que os detratores valem-se princimente da existência do canhão e do rio. O canhão é uma peça única. Move-se como uma torre, mas só captura pulando a peça intermediária e capturando a peça atrás dessa. Não só essa peça não existe no xadrez ocidental, mas ela não existe no xadrez japonês ou em qualquer outra versão do jogo, exceto no xadrez coreano. A explicação para isso é simples. O canhão é uma inovação que os chineses dizem ter sido inventada não antes do século 10 d.c., depois que os outros ramos do jogo tinham se separado.

Quanto ao rio, tem sido colocada ênfase excessiva sobre ele. O rio é simplesmente uma fronteira artificial entre as forças opostas, sem nenhum significado real independente exceto prover um ponto de referência e realizar essencialmente a mesma função que ter as casas coloridas de branco e preto no xadrez ocidental. As bigas, cavalos e canhões podem mover-se para trás e para a frente ao longo do rio livremente. Além de marcar o centro do tabuleiro, apenas duas regras têm qualquer relação com o rio. A primeira é que os elefantes não podem cruzar o rio, logo são peças puramente defensivas. A segunda é que os peões adquirem o poder de se mover de lado ao cruzar o rio. A promoção de peão, como no xadrez ocidental, não existe no xadrez chinês. Sem essa regra, os peões no xadrez chinês estariam liquidados assim que atingissem a última fileira. No xadrez chinês, eles passam então a poder se mover para os lados e frequentemente cumprem um papel fundamental no mate ao rei inimigo no final de jogo. Finalmente, está claro que a criação do rio é apenas outra inovação relativamente recente. Até o similaríssimo jogo de xadrez coreano não tem rio, porque não precisa de um, apesar de o xadrez coreano ser também jogado num tabuleiro 9x10. A razão óbvia para isso é que, no xadrez coreano, o elefante tem um tipo diferente de movimento, e não está restrito a apenas um lado do tabuleiro, enquanto os peões podem se mover para os lados imediatamente e não precisam primeiro atingir o território inimigo.

O fato é que o xadrez chinês, como o xadrez ocidental, evoluiu gradualmente e as regras mudaram ao longo de um vasto período de tempo. Os chineses estudaram isso com mais zelo que seus colegas ocidentais e sabem muito mais sobre a história do seu jogo. Encontrei-me com o sr. Liu Guo Bin, Diretor e Árbitro Chefe da Federação Chinesa de Xadrez Chinês na rua Tiyuguan 9, Pequim, China, em abril de 1985, e ele vem a ser uma das autoridades na matéria. Diz ele que as regras modernas do xadrez chinês foram completadas na dinastia Song, que existiu em torno de 1000 d.c. Há controvérsia sobre esse ponto, mas é fato que os chineses estudaram cuidadosamente a história do seu jogo, ao passo que nós obviamente negligenciamos a nossa.

A escrita chinesa não mudou muito em 2000 anos, apesar de a linguagem falada ter naturalmente estado em constante mudança. As mesmas letras eram usadas para escrever o nome do xadrez chinês naquela época e agora. Quando um ocidental como Golombek assevera que os chineses não sabem seu próprio idioma e confundiram xadrez com go nas suas histórias antigas, ele está apenas mostrando uma opinião apressada indigna de consideração. Ao mesmo tempo, os próprios chineses têm que dividir parte dessa culpa, porque eles não protestaram mais vigorosamente, exceto em publicações escritas em sua própria língua.

Há dois grandes jogos chineses: "shiang-chi" e "wei-chi". Wei-chi é o jogo conhecido no Japão como go. Está bem estabelecido que o wei-chi é realmente um jogo antigo, datado talvez de 4000 anos, mas originalmente jogado num tabuleiro menor. (É interessante, os detratores dessa teoria asseguram que os antigos escritores estavam se referindo ao xadrez, e não ao go). O símbolo para "wei" é uma letra chinesa cujo significado é similar ao da palavra pronunciada "go" em japonês (que também usa as letras chinesas). Isso explica a diferença entre os dois nomes.

O outro jogo, shiang-chi, usa a letra chinesa que se pronuncia "shiang", que significa, ou significou, "elefante". A letra chinesa para "chi", que pode ser entendida como significando "jogo", é a mesma em ambos os jogos. Então, "shiang-chi" quer dizer "jogo do elefante". O xadrez japonês chama-se shogi no Japão. Como foi dito antes, isso se pronuncia semelhantemente a shiang-chi e até a shatranj. Só que em japonês são usados outros caracteres chineses. Como a palavra para "elefante" é pronunciada muito diferentemente em japonês, os japoneses, em sua atitude típica, procuraram uma palavra cuja pronúncia fosse a mais próxima possível de "shiang". Foi proposto "sho", que significa "general". O nome "jogo do general" é uma boa descrição para o jogo de shogi, então ficou. (Os japoneses chamam nosso jogo ocidental de "shogi internacional" e o xadrez chinês de "shogi chinês").

Há, porém, duas diferenças significantes entre o xadrez chinês e o persa ou o ocidental que não mencionei até agora. A primeira é que no xadrez chinês (e no coreano) as peças são colocadas nas interseções ou "pontos", enquanto no xadrez ocidental (e no japonês ) elas são colocadas nas casas.

Sabemos o motivo disso. É que no bem mais antigo jogo go, as pedras eram colocadas nos pontos, então, quando um novo jogo foi inventado, a convenção foi seguida. Apesar disso, não temos certeza se, no jogo de xadrez original, as peças eram posicionadas nos pontos ou nas casas. Mas isso não nega a origem comum desses dois jogos. Ao contrário, o fato explica a razão de outra diferença. O moderno tabuleiro de xadrez chinês tem 9x10 pontos. Isso vem a ser o mesmo que um tabuleiro de 8x9 casas, incluindo o rio no centro. Se o rio é eliminado (e o rio não pode mesmo ser chamado de casas), então temos realmente 8x8 casas num tabuleiro da xadrez chinês, exatamente o mesmo que no xadrez ocidental. Novamente, isso aponta para uma origem comum, e nós simplesmente não podemos ter certeza se a complexa versão chinesa do xadrez foi a primeira e então foi reduzida à simplificada versão persa, ou vice-versa. (Diga-se de passagem, o xadrez chinês é definitivamente mais complexo que o ocidental, ainda que essa afirmação possa ferir o orgulho dos ocidentais. Há mais tipos diferentes de peças no tabuleiro no xadrez chinês, mais jogadas legais e/ou razoáveis possíveis nas posições típicas, e o jogo dura mais, às vezes centenas de lances, no xadrez chinês. O xadrez japonês é, por sua vez, mais complicado que ambos.)

Há ainda outra pista tentadora a ser retirada da observação de que o xadrez chinês é jogado nos pontos devido a uma convenção do go. O go tem a peculiar propriedade de poder ser jogado num tabuleiro de qualquer tamanho, exceto que o número de pontos deve ser preferencialmente ímpar (para reduzir a possibilidade de empate). Ao longo da história, o go foi jogado em tabuleiros de muitos tamanhos diferentes. Hoje, três tamanhos são de uso comum: 19x19 (o padrão), 13x13 e 9x9. O tamanho 9x9 agora é usado principalmente para ensinar crianças e principiantes, mas mesmo assim é um jogo complexo e desafiador. Acontece que um tabuleiro de go de 9x9 também equivale a um tabuleiro de xadrez de 8x8. Isso é especilamente significativo, porque os tabuleiros de xadrez originais na Índia e na Pérsia não tinham casas brancas e pretas. (Essa, também, é uma inovação moderna). Murray diz que nos áridos tabuleiros de xadrez originais de 8x8, havia "marcas" misteriosas. Seria possível que essas "marcas" fossem os pontos fracos no go? (Infelizmente, há outra possibilidade perturbadora. A arte persa antiga, como a mostrada por Golombek (pp. 31, 36, 53), mostra os nomes das peças escritos em árabe no tabuleiro, em vez de peças "em pé". Além dessas, não fui capaz de localizar nenhuma marca. É quase inacreditável, mas talvez Murray não entendesse o que essas "marcas" árabes fossem.)

Ou seja, é fácil postular que quando o xadrez foi da China para a Índia, era jogado num tabuleiro de go de 9x9. Quando os indianos (ou persas ou árabes, quais tenham vindo primeiro), que não sabiam nada de go, viram aquilo, eles simples e naturalmente tiraram as peças dos pontos e puseram nas casas. Assim, um tabuleiro de go de 9x9 tornou-se um tabuleiro de xadrez de 8x8. Contudo, havia ali uma peça a mais, então os indianos simplesmente eliminaram um dos chanceleres. Também acrescentaram três peões, para preencher o espaço vazio em frente. (O xadrez chinês agora só tem cinco peões, mas pode ter tido mais em versões mais antigas do jogo). Dessa forma, é possível que eles tenham convertido o xadrez chinês em xadrez indiano de um só golpe.

A outra diferença restante é que o xadrez ocidental usa peças "em pé", enquanto a maioria das versões orientais do xadrez, inclusive o xadrez chinês, o coreano e o japonês, usam peças chatas com caracteres chineses escritos sobre elas. (Há pequenas diferenças entre esses três tipos de peças: as chinesas são circulares, as coreanas são octogonais, e as japonesas, pentagonais). Portanto, o cavalo chinês, o cavalo coreano ou o cavalo japonês simplesmente têm o caractere chinês para cavalo escrito sobre a peça, enquanto o jogo ocidental tem a figura verdadeira de um cavalo entalhada.

Qual veio primeiro? Novamente, não temos como saber a resposta. Entretanto, deve-se notar que a antiga arte persa e árabe relativa ao xadrez não mostra fisicamente as peças no tabuleiro, mas em vez disso tem os nomes das peças escritos em árabe sobre o tabuleiro, exatamente como as peças chinesas são agora escritas em chinês. A primeira evidência de peças físicas reais não aparece até que o jogo chegou à Europa cristã. Talvez isso explique o fato de os arqueólogos não terem tido muito sucesso em desenterrar jogos de xadrez realmente antigos, considerando saber-se quão popular o xadrez foi. Possivelmente, os nomes das peças eram escritos em simples papel, e os próprios tabuleiros de xadrez fossem desenhados na terra.

Segundo, alguns historiadores chineses acreditam que as peças originais no xadrez chinês eram peças "em pé" ao estilo ocidental. Eles dizem que foram desenterrados túmulos antigos da dinastia Song que contêm peças "em pé". A teoria é que, como a China sempre foi um país pobre, as pessoas não podiam comprar peças entalhadas individualmente, então acabaram aceitando usar simples discos com os caracteres chineses manuscritos sobre eles. Além disso, assim as peças podiam ser usadas para outros jogos. Por exemplo, uma variedade que ainda é jogada no parque em Chinatown em São Francisco é um jogo de apostas em que os jogadores começam com a face das peças voltada para baixo, para ocultar o tipo de peça do oponente. Gradualmente, à medida que o jogo avança, as peças são desviradas e seu caractere, revelado. Similarmente, os japoneses puseram essa característica a bom uso, porque o lado de baixo da maioria das peças deles contém outra peça para a qual a peça de cima pode ser promovida.

Aqui, resta ainda um aspecto que evitei até agora. É a afirmativa soviética de que o xadrez foi inventado no Uzbequistão. Todo mundo zomba disso, por causa da conhecida tendência soviética a dizer que tudo foi inventado na Rússia. Mas a verdadeira tendência deles é dizer que tudo foi inventado pelos russos, uma raça nórdica que originalmente veio da Escandinávia. Os nativos do Uzbequistão, por outro lado, não são uma das raças fovoritas dos soviéticos. Os uzbequistaneses são turcos, que são os arqui-inimigos dos russos. Na verdade, os uzbequistaneses são um tipo mongol que chegou ao que hoje é chamado Uzbequistão apenas em período histórico recente, e que aprenderam a falar turco com outras raças. Quem quer que tenha estado lá antes foi exterminado pelas hordas de Genghis Khan (que dizem ser ancestral de minha filha, Shamema, mas isso é uma outra história). De qualquer forma, o Uzbequistão, que se localiza numa área muito maior antes conhecida como Turquestão, é apenas um trajeto de caravanas tanto chinesas quanto indianas, e não pode ser totalmente descartado como uma possível fonte de ambos os jogos.

Por outro lado, o Uzbequistão é basicamente uma área deserta, como o Afeganistão, e seus habitantes sempre foram principalmente nômades. É difícil acreditar que eles inventaram um jogo como o xadrez. É mais provável que eles o tenham trazido de caravana de algum outro lugar. A alegação atual de que o Uzbequistão criou o xadrez é baseada principalmente no que parecem ser talvez peças de um antigo jogo de xadrez mostrando, entre outra coisas, a figura de um elefante, que foi desenterrado em 1972. Foi datado do século 2 d.c. (que, previsivelmente, causou alvoroço entre aqueles que têm certeza de que o xadrez ainda não havia sido inventado).(Dickens, A.S.M., Revista Britânica de Xadrez, Julho, 1973) Porém, muito antes disso, de fato antes do estabelecimento do moderno império soviético, o Uzbequistão havia sido aventado como um possível local de origem do xadrez. (Veja Savenkov, I.T., A Evolução do Jogo de Xadrez, Moscou, 1905, (em russo) citado por Murray) Realmente, sempre que a existência do xadrez no Uzbequistão é mencionada, na maioria das vezes é dito que isso evidencia uma origem do xadrez nas proximidades da China. Ninguém parece acreditar que os tão difamados uzbequistaneses sejam capazes de inventar tal jogo.

O Uzbequistão ainda é uma origem muito mais provável para o xadrez do que a Índia. Isso torna-se evidente quando adotamos a abordagem linguística examinando os nomes das peças. As peças maiores são a biga, o cavalo e o elefante. Cavalos, como foi dito antes, não existem naturalmente na Índia. Cavalos domados podem ser vistos, mas não cavalos selvagens. Acredita-se que os arianos da Ásia central usaram cavalos e bigas há 4000 anos para conquistar a Índia. Em tempos mais modernos, os ingleses facilmente conquistaram a Índia e o que é hoje o Paquistão atacando-os com cavalos. Os exércitos indianos fugiram assustados,

porque eles nunca haviam visto cavalos. Nunca estive no Uzbequistão (exceto no lado afegão), mas recentemente passei um mês próximo a Kashgar, no lado chinês da fronteira, e não vi nada além de milhares, talvez milhões, de cavalos, muitos dos quais selvagens. Quer dizer, existem cavalos em grande número ao norte, mas não ao sul, das montanhas Kush Hindu e do Himalaia. Também os há ao longo de todo o norte da China. Duas das peças tanto no xadrez chinês quanto no persa e também supostamente no antigo xadrez indiano envolvem cavalos, chamados cavalo e biga. Um jogo de origem indiana ou paquistanesa envolveria mais provavelmente um camelo. Ao mesmo tempo, existiram elefantes na Índia e provavelmente na China, mas não na Pérsia, no Paquistão ou no Uzbequistão, apesar de que os persas tinham ouvido a respeito de elefantes. Por esse processo, parece que eliminamos a Pérsia, a Índia, o Paquistão e o Uzbequistão como possíveis locais para o origem do xadrez, sobrando apenas a China.

Realmente, muitos entre os próprios chineses acreditam que seu nome, "jogo do elefante", para o xadrez chinês, aponta claramente para uma origem indiana. Contudo, outros chineses dizem que (1) existiam elefantes na antiga China, mas se extinguiram devido a mudanças climáticas e (2) apesar de o caractere "shiang" em "shiang-chi" significar ou ter significado elefante, também teve outros significados anteriormente, e quando o significado do caractere mudou, mudou também o nome do jogo. Por examplo, quando "shiang" é combianda com outro caractere chinês, significa uma constelação no céu, e por esse motivo às vezes se diz que "shiang-chi" é um jogo astrológico. Também, o elefante é uma das peças mais fracas em quase todas as versões do xadrez. Sendo o elefante de verdade um animal forte, isso dá sustentação à alegação chinesa de que esse caractere significou alguma outra coisa em tempos antigos.

Finalmente, há um ponto, talvez o mais importante, que encerra meu caso. É que o xadrez chinês é o jogo mais popular do mundo, com centenas de milhões de jogadores em atividade. É muito mais popular que o xadrez ocidental numa comparação homem-a-homem. Aonde quer que se vá na República Popular da China, constantemente se encontra partidas de xadrez chinês sendo jogadas. Vêem-se jogos no trem, no ônibus, em hotéis, escritórios e outros pontos de encontro comuns, e até nas calçadas das ruas. É nitidamente mais difundido que o xadrez ocidental em termos de população. O jogo está também enraizado na cultura chinesa. Virtualmente toda pessoa do sexo masculino, no mundo, de origem chinesa conhece as regras do xadrez chinês e já jogou ao menos uma ou duas partidas, tendo aprendido durante a infância. Se alguém quer jogar uma partida de xadrez chinês na China, tudo o que tem que fazer é colocar um tabuleiro e as peças na calçada da rua e um adversário vai se materializar instantaneamente. Passados mais um ou dois minutos, uma multidão estará reunida para assistir ao jogo (e para fazer comentários e sugestões não solicitados sobre as jogadas). Além disso, há diversas variedades de xadrez chinês, algumas das quais desapareceram, mas outras ainda sendo jogadas.

A imensa popularidade do xadrez chinês é um ponto omitido por quase todas as fontes ocidentais. Golombek diz, por exemplo, que quando o xadrez entrou na China, foi eclipsado pelo bem mais popular jogo de go. (Golombek, Xadrez, uma História, Id., p. 22.) Na verdade, o oposto ocorreu. O xadrez chinês é o mais recente entre os dois jogos. Atualmente, na China, a quantidade de jogadores de xadrez chinês é muito maior que a de jogadores de go. Go é o jogo da elite intelectual. Xadrez é o jogo das massas.

Além do mais, voltando à lenda de Shashi sobre a invenção do xadrez, na qual o inventor queria um grão de trigo na primeira casa do tabuleiro, dois na segunda e assim por diante, sabemos ao menos que quem que inventou a lenda era tanto jogador de xadrez como matemático, que percebeu que 2 elevado à 64a. potência era um número bem grande. Sabemos também, por nossa própria experiência, que esse é o caso geral. Muitos jogadores de xadrez são matemáticos e a maioria dos matemáticos joga xadrez. A relação entre o xadrez e a matemática é bem conhecida. Agora mesmo, todo departamento de matemática em qualquer universidade dos Estados Unidos está buscando receber seu justo quinhão dos matemáticos que estão sendo mandados para fora pela República Popular da China em grande número. O envolvimento chinês com a matemática é parte de sua cultura e sua história, e não um desenvolvimento recente. É difícil para um ocidental entender o significado disso, porque, no mundo ocidental, as pessoas estão acostumadas a fazer as coisas por preferência pessoal, e não devido a sua origem cultural ou religiosa. É incomum para o ocidental compreender ou acreditar que, com a extensão com que se jogava o xadrez na Índia, ele era jogado pelos muçulmanos mas não pelos hindus. Entretanto, por toda a Ásia, a religião de um homem é um fator muito maior que sua preferência pessoal na determinação do que ele come, como se veste, qual o seu trabalho ou o que ele faz em seu tempo livre.

De tudo isso, parece não haver outra escolha senão concluir que o xadrez se originou na China. Partindo desse ponto, podemos perceber como o xadrez se desenvolveu e se difundiu ao longo dos séculos. A China sempre tendeu a ser um país isolacionista, durante sua história registrada. Construiu a Grande Muralha em época antiga e ainda hoje reluta em permitir o acesso de turistas. Marco Polo é famoso, não tanto porque foi à China, já que a viagem física não era tão difícil, mas porque sobreviveu para retornar e contar sobre isso. Somente durante o curto reinado mongol de Kublai Khan foi permitido a alguns estrangeiros entrar e sair da China. Antes e depois disso, a porta esteve fechada. Em vista dessa conhecida história, é improvável que um jogo de origem estrangeira possa ter entrado na China vindo da Índia e se tornado tão imensamente popular tão rápido. Em vez disso, é mais lógico que ele tenha sido inventado na China em época não posterior ao século 2 a.c., e tenham se passado 800 anos até que penetrasse em outros territórios. Chegou à Pérsia em

torno do ano 650 d.c. Sua chegada lá se deu num momento oportuno, pois o islamismo estava em seu início e começava a se expandir.

Os árabes levaram o xadrez junto com o Corão por todo o norte da África até a Espanha e a França, em menos de cem anos. É por esse motivo que o xadrez parece ter aparecido em toda parte quase simultaneamente. (Murray, por outro lado, achava que o jogo se espalhou rapidamente a partir de uma única origem devido a seu grande mérito intrínseco). Ao mesmo tempo, indo na direção oposta, os árabes penetraram na China, resultando que o islamismo é ainda hoje a segunda religião mais difundida lá. Talvez tenha sido assim também que os árabes conheceram o xadrez, e não com os persas ou indianos.

Há uma tradição muçulmana que diz que, passados poucos anos da morte de Maomé, em 642 d.c., os califas Omar e/ou Ali já conheciam o jogo e talvez eles mesmos o jogassem. (Mais recentemente, os muçulmanos, todavia, passaram a afirmar que o jogo de xadrez é pecaminoso e tal fato jamais poderia ter ocorrido). Em todo caso, é fato historicamente provado que no período Ommayad da soberania síria, no século oito, que começou com a morte de Ali, o xadrez era popular em todo o mundo muçulmano. Desnecessário dizer, a aprovação do califa (ou de Ali, o primeiro imã, dependendo de a qual ramo do islamismo se pertença) foi suficiente para garantir que todos os muçulmanos iriam se dedicar ao jogo.

O xadrez também partiu da China na direção oposta. A visão tradicional é que ele atingiu o Japão no perído Nara, que durou de 704 a 790 d.c. Se isso é verdade, seria também forte evidência contra a origem indiana do xadrez, porque é improvável que pudesse ser inventado na Índia no século 6, cruzado desde Kashmir até a China (a rota suposta), e então atravessado toda a China e o Mar do Japão, para chegar ao Japão em apenas cerca de cem anos. Realmente, são tantas as diferenças entre o xadrez chinês e o japonês que os especialistas no Japão não acreditam que ele tenha vindo diretamente da China, ou mesmo da Coréia (o xadrez coreano é relativamente semelhante ao xadrez chinês). Ao contrário, eles supõem que o processo evolucionário demorou muito mais, certamente centenas ou talvez até mil anos. Não foi senão em torno do século 5 d.c. que o próprio go chegou ao Japão vindo da China, apesar do go ter se desenvolvido na China por mais de dois mil anos até então, e o Confúcio o mencionar no século 5 a.c.

O xadrez japonês evoluiu na direção oposta à do xadrez ocidental. No xadrez ocidental, as peças foram ficando cada vez mais fortes. No xadrez japonês, elas ficaram gradualmente mais fracas porém mais agressivas, já que geralmente perderam sua capacidade defensiva. A peça do canto tornou-se a lança japonesa, que, como a torre, pode se mover para a frente, mas, ao contrário da torre, não pode ir para os lados ou para trás. (Um dos caracteres para a lança japonesa ainda é o mesmo que o caractere chinês para a biga). O cavalo do xadrez chinês tornou-se a "kiema" no xadrez japonês, que se move como um cavalo, mas somente para a frente, não para os lados ou para trás. Talvez o nome "kiema" seja derivado de "ma", que é a palavra falada para cavalo em chinês. (O "cavalo" em si, no xadrez japonês, é uma peça totalmente diferente, o bispo promovido, e foi acrescentado muito depois). O elefante no xadrez chinês tornou-se o "prata" no xadrez japonês, que se desloca uma, e não duas, casas diagonalmente e também pode se mover uma casa para a frente. O chanceler tornou-se o "ouro" japonês, uma peça um tanto diferente mas também fraca. O rei continuou um rei e os peões continuaram peões. Os peões japoneses andam e capturam do mesmo modo que os peões chineses, uma casa para a frente, e não capturam diagonalmente como no xadrez ocidental.

Já que essas diferenças, que são bem maiores que as diferenças entre o xadrez ocidental e o chinês, não podem ser explicadas apenas pela entrada no Japão, os japoneses acreditam que o jogo seguiu uma improvável rota através da península malaia e de lá entrou no Japão. Apóia essa tese o fato de que o xadrez burmês e o tailandês têm uma peça que se move exatamente como um prata no xadrez japonês. Finalmente, acreditam os japoneses que o período entre os séculos 13 e 15 trouxe a reintrodução da torre e a introdução do bispo. Isso explica a estranha posição da torre e do bispo no shogi, comparando com outros jogos similares ao xadrez. Kimura, Yoshinori, "Uma Introdução ao Shogi – Passado e Presente", Revista Trimestral de Shogi Ocidental, Federação Norte-Americana de Shogi, No. 3, p. 3, Outono, 1985.

Acredita-se que a maior parte dessa evolução ocorreu dentro do próprio Japão. Os japoneses experimentaram largamente, e sugeriram mais de trinta tipos diferentes de peças num jogo chamado "grande shogi" e 21 peças no "médio shogi", comparadas às apenas oito do shogi moderno, sete do xadrez chinês, sete do xadrez coreano e seis do xadrez ocidental. Havia também o "grande shogi" e muitos outros tipos de shogi, vários dos quais gozaram de considerável popularidade em alguma época. O resultado final foi o jogo atual, tradicionalmente chamado "pequeno shogi", que contém muitas características que nenhuma outra forma popular de xadrez tem, inclusive o fato de as peças capturadas tornarem-se parte do exército inimigo, podendo reentrar no jogo, e de seis dos oito tipos de peças terem a possibilidade de ser promovidas a outra peça, uma vez que adentram o território inimigo. As peças japonesas também perderam sua cor e tornaram-se pentagonais em vez de circulares. Essas enormes mudanças não podem ser explicadas por qualquer processo evolutivo, que normalmente é lento. A única explicação possível é o fascínio japonês pela exerimentação e pelo aperfeiçoamento de qualquer idéia que se introduza em seu país.

O xadrez chinês também chegou à Coréia, mas relativamente poucas mudanças foram feitas. Os nomes e caracteres chineses para as peças antigas permaneceram os mesmos: biga, cavalo e elefante. O movimento do elefante mudou radicalmente, contudo. Agora move-se como um cavalo gigante, três para cima e duas para o lado, que é mais adequado para um elefante. As peças não são circulares, mas sim octogonais, e têm as cores verde e vermelho em vez de vermelho e preto. A posição inicial do rei é uma casa para a frente, e o cavalo e o elefante às vezes invertem suas posições iniciais entre si.

O xadrez também se disseminou em outras regiões sujeitas à influência chinesa. Indo para o sul, ele entrou em Burma, no Laos, no Vietnã e no Camboja. Dali atingiu a Tailândia e a Malásia e atravessou para a ilha de Java, na Indonésia, onde foram encontrados vestígios do xadrez. (Chien Chun Ching, "Pesquisa em xadrez chinês das dinastias Tang e Song", p. 86, Hong Kong, 1984 (em chinês). Apesar de o xadrez chinês ainda ser jogado também no Vietnã, outras variantes do jogo dominaram a maioria dos outros países. Algumas delas já desapareceram ou, como no caso do xadrez malaio, sofreram mudanças radicais em época recente com o intuito de se adequar melhor às regras do xadrez ocidental moderno. ("Regras do Xadrez Malaio", Real Sociedade Asiática - Striates Branch Journal, Cingapura, No. 49, p. 87-92 (1907), também No. 8, p. 261 (1917)). Porém, muitos, tal como o xadrez coreano, ainda são jogados com zelo fanático no país onde se estabeleceram.

Finalmente, e possivelmente o último de todos, o xadrez chegou ao ocidente. Foi provavelmente levado de caravana através do deserto de Gobi até o Uzbequistão, onde as mais antigas peças conhecidas, inclusive um elefante "em pé" datado do século 2 d.c., foram encontradas. De lá cruzou o Afeganistão, chegando à Pérsia por volta do século 7 d.c. Na época, a Pérsia tinha a cultura dominante na região. Até a língua indiana, o hindi, é substancialmente derivado do Persa. A história daquela região nos diz que naqueles dias a maior parte das coisas passava da Pérsia para a Índia, e não o contrário. O xadrez também atravessou da Pérsia para a Etiópia, onde uma forma pouco conhecida do jogo, na qual ambos os lados se movem simultaneamente e o mais rápido possível, ainda é jogada. "Xadrez Etíope", Jornal da Escola de Estudos Orientais e Africanos, Londres, 1912. (Suspeita-se, contudo, que isso na verdade não é xadrez como nós o entendemos.)

Há base sólida para afirmar que o xadrez ocidental é realmente a versão mais recente do jogo. O primeiro escritor sério de xadrez moderno que era capaz de produzir um bom jogo foi aparentemente Lucena, em 1497. (De fato, seus estudos de finais, tais como aquele famoso de torre e peão, se aplicavam igualmente bem ao xadrez medieval). Ruy Lopez, que claramente escrevia sobre a versão moderna do jogo em 1561, provavelmente não era melhor que um jogador de classe C pelos padrões atuais. Até McDonnell, da fama de LaBourdonnais - McDonnell, talvez não estivesse acima da classe A, e isso foi em 1834 e ele era o melhor jogador da Inglaterra. É evidente que, antes de Morphy, em 1860, nenhum jogador na história do xadrez havia jamais atingido o moderno padrão de grande mestre.

Em contraste, no Japão do ano de 1604 havia jogadores que, se vivos hoje, poderiam disputar o campeonato contra os maiores profissionais de shogi, sem necessidade de nenhum retoque nas aberturas. Similarlmente, no go, os melhores jogadores da história viveram há mais de cem anos, não hoje. Veja, por exemplo, "Invencível: Os Jogos de Shusaku, o maior gênio japonês de go que já existiu", traduzido por John Power, The Ishi Press, Chigasaki, Japão, 1983. Apenas por ser o xadrez ocidental tão novo é que existe a necessidade da mais nova versão da "Enciclopédia de Aberturas de Xadrez" para que nos mantenhamos em dia com os últimos desenvolvimentos. Daqui a duzentos anos, o conhecimento das novidades em teoria de aberturas pode não ser mais tão importante como é hoje.

SOBRE O AUTOR Sam Sloan, também conhecido como Mohammad Ismail Sloan, especialmente no Oriente Médio, é um expert ranqueado em xadrez (ou candidato a mestre). Também é oficialmente graduado como shodan* em shogi (xadrez japonês) pela Shogi Renmei (a Associação Japonesa de Shogi) em Tóquio. Morou um ano no Japão, onde se associou à Ishi Press, Inc., uma das maiores editoras de livros de go, shogi e outros jogos orientais. Viajou bastante pela República Popular da China, onde aprendeu a jogar xadrez chinês, e pelo Paquistão, Afeganistão e Índia. Bacharelou-se em linguística na New York University, e é autor de um Dicionário Khowar-Inglês, que é um dicionário de uma língua falada apenas no noroeste do Paquistão, onde Sloan é famoso. Fala khowar, pashtu e espanhol, além de um pouco de persa, árabe e chinês mandarim. Esteve em 62 países, inclusive quase todos os mencionados aqui. É Presidente e Secretário Chefe Executivo da Berkeley Computer Chess, Inc. e tem trêm filhos: Peter, Mary e Shamema.

A HISTÓRIA DO XADREZ - Por Antônio Villar

A origem exata do xadrez é misteriosa, conhecendo-se, até o presente momento, cerca de quarenta lendas a este respeito. Uma dentre elas menciona o herói grego Palamedes como o criador do xadrez, durante o cerco de Tróia, com o objetivo de distrair seus guerreiros. A tradição mitológica indicava Palamedes como um personagem de grande criatividade, atribuindo-lhe, entre outras invenções, o alfabeto e os números.

Entretanto é no Noroeste da Índia que se encontram as primeiras fontes arqueológicas reconhecidas como verdadeiras. Aproximadamente no ano 570 de nossa era, nasce o "jogo dos quatro membros" (Chaturanga, em sânscrito), o ancestral direto do xadrez. Participavam dele quatro parceiros, possuindo cada um oito peças, sendo um Ministro (mais tarde a Rainha; no presente, a Dama), um Cavalo, um Elefante (hoje o Bispo), um Navio (mais tarde uma Carruagem; nos nossos dias, a Torre), e quatro Soldados (atualmente os Peões), dispostos nos quatro cantos do tabuleiro de sessenta e quatro casas unicolores. As peças diferenciavam-se pelas cores pretas, vermelhas, verdes e amarelas. Os adversários jogavam individualmente e o lançamento de dados designava a peça a ser movimentada. Quando a face um do dado surgia movia-se um Soldado ou o Ministro. O número dois obrigava o movimento do Navio. O três movia o Cavalo. O quatro movia o Elefante. Caso o dado mostrasse o número cinco ou seis, eles eram considerados, respectivamente, um ou quatro.

A evolução deste jogo indiano fez-se em três etapas:

1) Supressão dos dados. Esta modificação excluiu o fator sorte e os jogadores passaram a contar apenas com seus raciocínios para vencer.

2) Reunião dos adversários diagonalmente opostos. Os pretos e verdes opunham-se aos vermelhos e amarelos. Após a vitória parcial, os dois membros restantes disputavam entre si a vitória definitiva.

3) Substituição das alianças diagonais por alianças lado a lado. Esta mudança denota o nascimento da noção de estado em detrimento das sociedades tribais.

Por ocasião das trocas comerciais e culturais entre países vizinhos, o Chaturanga é exportado em duas direções:

1) Para o Leste, onde ele transforma-se no "jogo do elefante (Siang K'i, na China) e no "jogo do general" (Tjyang Keui, na Coréia, Sho-gi, no Japão).

2) Para o Oeste, onde ele é chamado de "jogo de xadrez" (Chatrang, na Pérsia) e conhece uma imensa popularidade. Ainda na Pérsia é criada parte do vocabulário enxadrístico utilizado até hoje, e o número de parceiros é reduzido a dois (brancos e vermelhos). Simultaneamente, cria-se uma nova peça: o Xá (Rei).

Na literatura persa, Fidursi (940-1021) em sua poesia épica Schanamekh, o livro dos reis, refere-se a um presente de altíssimo valor oferecido pelo embaixador indiano ao rei persa Chosroes I, cujo reinado foi de 532 a 579. O presente nada mais era do que um rico tabuleiro com suas peças. Assim, o Chaturanga passou da Índia para o Irã, onde chamou-se Chatrang.

Por volta do ano 651 d.C., com a conquista da Pérsia, os árabes adotam este jogo, valorizando-o e difundindo-o por todo o Norte da África, assim como por todos os reinos europeus dominados nos séculos seguintes, em particular para a Espanha (onde recebe, sucessivamente, os nome de: Acedrex, Axedres, Axedrez, Ajedrez), Portugal (Xadrez), a Sicília (Scachi Scacchi), a costa francesa do Mediterrâneo (Eschec, Eschecz, Eschecs, Échecs) e a Catalunha (Escacs, Eschacs, Scacs, Schacs, Eschacos, Schachos).

Os mais antigos manuscritos consagrados inteiramente ao xadrez, denominados Mansubas, aparecem em Bagdá, durante a Idade de Ouro Árabe. Não tendo em sua língua nem o som inicial nem o som final da palavra Chatrang, eles a modificam para Shatranj. Aproximadamente em 840, Al Adli, melhor jogador do seu tempo, publica um manuscrito Livro do xadrez (este original foi perdido). É dele o problema apresentado no diagrama 1.

Seu contemporâneo Ar Razi (847) escreve Elegância no xadrez e, no século seguinte, Al Suli ( 946) faz dois volumes do seu Livro do xadrez. Rabrab apresenta o Livro de problemas de xadrez (1140) com o primeiro estudo sobre o final Rei e Torre versus Rei e Bispo! (Até então, a vitória ocorria através do mate, do pate e do rei solitário).

No início do século IX o califa de Bagdá Haroun-al-Rachid (766-809) oferece a Carlos Magno (768-814) um jogo em mármore, hoje desaparecido. Conservam-se, no entanto, na Biblioteca Nacional de Paris, algumas peças denominadas Charlemagne...

No século XI, o xadrez é conhecido em toda a Europa, onde ele sofre uma curiosa modificação: o Ministro torna-se a Rainha!

A transformação de uma peça masculina em Rainha pode ser considerada como um indício da crescente valorização da mulher durante o período medieval, mas também como metáfora de uma sociedade dominada por um casal monárquico. Porém, para o psicanalista Isador Coriat é possível que esta metamorfose tenha sido motivada por uma tendência a identificar-se inconscientemente o xadrez com a estrutura do complexo de Édipo, o Rei simbolizando o pai e a Rainha a mãe.

Pelo menos quatro obras hebraicas sobre o xadrez são escritas na Idade Média, sendo três delas em verso. A mais bonita é o Poema de Xadrez atribuído ao célebre rabino sefardita Abraham Ibn Ezrah (1092-1167), um dos mais notáveis representantes do Século de Ouro Espanhol (tradução de Reuven Faingold):

"Canto uma canção sobre uma batalha preparada,

Antiga e imaginada em dias passados,

Arranjada por homens de prudência e inteligência,

Disposta em oito fileiras."

Assim inicia-se este importante poema de 76 linhas que descreve as regras deste passatempo composto por peças de duas cores, simbolizando os Etíopes (pretas) e os Edomitas (vermelhas).

Na Idade Média, o "jogo dos reis" adquire, rapidamente, o status de passatempo favorito da sociedade aristocrática européia, sendo proibida a sua prática entre os pobres. Recomenda-se começar sua aprendizagem aos seis anos de idade. As mulheres nobres não hesitam em sentar-se em frente do tabuleiro, mostrando-se, inclusive, tão hábeis quanto os homens. Estes, só têm o direito de entrar em um aposento feminino com o objetivo explícito de jogar xadrez.

A maior parte dos divertimentos são comuns a todas as categorias sociais (passeios, teatro, música, canto, dança, jogos de azar e de salão). Mas há outros, como os torneios (a cavalo), a caça e o xadrez, que são exclusivos da aristocracia, embora os espectadores possam pertencer a qualquer camada social.

Até o final do século XII, as casas do tabuleiro (seja ele de madeira ou de metal) eram monocromáticas, geralmente brancas, com os traços horizontais e verticais apenas esculpidos, às vezes realçados em vermelho.

No século XIII, as casas passam a ser divididas em duas tonalidades, o que facilita a visão dos lances e conseqüentemente, o raciocínio dos enxadristas.

Paralelamente, a Igreja católica proíbe a prática deste jogo, muito relacionada com apostas em dinheiro. Em 1212, o Concílio de Paris anatemiza o xadrez, após sua condenação pelos bispos Guy e Eudes de Sully. Esta sentença é confirmada na Polônia pelo rei Casimiro II e na França por São Luis (1226-1270). Pode-se, entretanto, admirar, nos dias de hoje, um belo jogo de cristal de rocha, conservado no Museu do Louvre de Paris, cuja propriedade remontaria ao próprio santo...

Estas proibições não surtiram os resultados esperados e o xadrez continuou a ser praticado pelos nobres e pelos religiosos, a tal ponto que o padre espanhol Ruy Lopez de Segura é reconhecido como o melhor enxadrista de sua época. Em 1561, ele publica um tratado impresso sobre a "abertura espanhola", ainda em voga em nosso tempo: Libro de la invención liberal y art del juego del axedrez. Esta obra foi traduzida para vários idiomas.

Nesta data, Ruy Lopez idealiza a criação do roque, lance que será aceito por volta de 1630 na Inglaterra, França e Alemanha. O roque não se efetuou sempre da mesma maneira. No início, o Rei e a Torre, que não haviam se movimentado, trocavam seus lugares. Mais tarde, uma das Torres instalava-se ao lado do Rei e este, no mesmo lance, saltava-a colocando-se em qualquer das casas adjacentes.

Embora não se conheça o inventor da captura en passant, coube a Ruy Lopez o mérito de difundi-la em 1560, aproximadamente, quando passou a adotá-la em suas partidas.

A possibilidade de o Peão avançar uma ou duas casas no início do seu movimento surge três séculos antes, durante o reinado de Alfonso X, o Sábio, quando aparece um dos primeiros manuscritos europeus: o Libro del acedrex (1283), conservado atualmente na Biblioteca do Museu Escorial de Madri.

Todavia, a invenção que revolucionará a estrutura do xadrez origina-se na Renascença Italiana (em torno do ano 1485), com o então chamado "o xadrez da rainha enlouquecida"! Até esta época a Rainha deslocava-se apenas em diagonal, e uma casa por vez.

Os Bispos acompanham a Rainha, passando a ter movimentos mais longos. Até esta ocasião, eles deslocavam-se em diagonal de duas em duas casas, com a particularidade de que podiam saltar outra peça.

Os Peões que atingem a última linha são promovidos a uma peça anteriormente capturada.

Em vinte anos as inovações espalham-se e as duas modalidades de xadrez coexistem por toda a Europa. A nova maneira de jogar imprime um maior dinamismo às partidas, devido à grande riqueza combinatória que ela proporciona, e o antigo xadrez é, rapidamente, relegado ao esquecimento.

Em 1619, Gioachino Greco (1600-1634) publica em Roma seu primeiro livro: Trattato del nobilissimo e militare esercitio de scacchi, onde suas partidas já denotam uma audácia e um dom de invenção extraordinários para o ataque. Seu principal defeito_ é atacar sem ter mobilizado todas as suas peças. Il Calabrese, como era cognominado, representa o apogeu do estilo primitivo que ignora os objetivos intermediários (ganho de material, criação de Peão passado, etc.) e conhece apenas os ataques diretos ao Rei adversário.

Em 1737, o sírio Felipe Stamma publica em Paris o livro Le noble jeu des échecs, utilizando pela primeira vez na história um sistema curioso e sintético de anotação: a Notação de Stamma, mais conhecida, hoje, como "notação algébrica". Ela designa as casas do tabuleiro por duas coordenadas: uma abscissa alfabética e uma ordenada numérica. Embora ofereça vantagens evidentes, pois é sucinta, uni-referencial (partindo sempre da base das brancas), e de fácil compreensão (independente dos idiomas dos enxadristas), ela precisará esperar quase dois séculos e meio para ser aceita a nível mundial: desde 1980 é, enfim, o único sistema de notação reconhecido pela Federação Internacional de Xadrez - FIDE.

Porém, se os gênios enxadrísticos dos séculos XVI e XVII foram, respectivamente, o espanhol Lopez e o italiano Greco, o astro indiscutível do século XVIII foi o francês François-André Danican Philidor, que publicou, em 1749, L'Analyse du jeu des échecs. Nesta obra, o xadrez é apresentado como ciência, possuindo princípios teóricos próprios. A célebre expressão "os peões são a alma do xadrez" irá modificar de forma radical a conduta da partida. É possível que este "Copérnico" do xadrez tenha sido influenciado pelos filósofos Diderot, Voltaire e Rousseau, que, por outro lado, muito influíram para o advento da Revolução Francesa.

Além disso, no final de sua obra, ele propõe um dos primeiros regulamentos enxadrísticos: casa branca à direita do jogador; peça tocada, peça jogada; peça largada, lance efetuado; promoção ilimitada; captura en passant; roque; etc.

Algumas propostas, tais como a obrigatoriedade de dizer-se "xeque ao rei", não foram aceitas; outras, como a promoção ilimitada, irão dividir a comunidade enxadrística por um século, antes de impor-se. Atualmente, se existem regras internacionais, muito se deve a Philidor.

A situação de pate ilustra bem o caos em que se encontravam os jogadores: na Arábia e na Espanha o lado imobilizado perdia a partida. Ao contrário, na Itália (por sugestão de Greco) e na Inglaterra o pate ganhava a partida! Na França e em outros países considerava-se empate.

Philidor era também um grande músico: foi o criador da ópera-cômica. Foi ainda recordista mundial, jogando três partidas simultâneas "às cegas". (Este recorde foi superado várias vezes, desde então, até 1951, quando Koltanowski, sem ver os tabuleiros, enfrentou cinqüenta adversários!).

Em 1813, o periódico inglês Liverpool Mercury inicia a publicação da primeira crônica enxadrística.

Em 1836, surge em Paris a primeira revista inteiramente consagrada ao xadrez: Le Palamède, assim intitulada em homenagem ao herói grego.

Em 1850, a promoção ilimitada e o pate são definitivamente aceitos e no ano seguinte abre-se a era moderna do xadrez com o Primeiro Torneio Internacional de Mestres, disputado durante a Primeira Exposição Universal de Londres. Este torneio foi vencido pelo alemão Adolf Anderssen (1818-1879), um professor de matemática, considerado o maior representante da Escola Romântica, sempre sacrificando material em busca do xeque-mate. Anderssen associa um perfeito conhecimento da teoria em vigor com a grande imaginação dos primitivos, destacando-se por seus mates de Bispos e Cavalos, construídos após sacrifícios

de Dama e/ou Torre(s). Duas de suas partidas, popularmente conhecidas como Sempreviva e Imortal, tornaram-se célebres na história do xadrez.

Durante o Torneio de Londres (1851), Anderssen venceu uma partida amistosa, inaugurando o Sacrifício Imortal das duas Torres brancas apresentado no diagrama abaixo.

Evocar todos os sucessores de Anderssen seria tedioso, mas como falar do xadrez moderno sem citar Wilhelm Steinitz (1836-1900) e Emanuel Lasker (1868-1941)?

Com o primeiro, o positivismo filosófico entra no mundo deste jogo, apresentando-o como um sistema lógico fechado, com regras bem definidas e estáticas.

Steinitz é considerado o criador da Escola Clássica, distinguindo-se por lances profundamente lógicos que visam a realização de planos inovadores: exploração de erros microscópicos (peões isolados, casas fracas, peças sobrecarregadas,...), paralisia progressiva das peças do adversário, bloqueio central antes de atacar nas alas, maré de peões, etc.

Mestre da defensiva, mais que da ofensiva, grande especialista em aberturas fechadas, Steinitz é considerado o "pai" do Gambito da Dama, além de ter contribuído para o aperfeiçoamento de inúmeras outras aberturas, entre elas : Gambito Evans, Gambito do Rei, Giuoco Piano, Abertura Escocesa, Abertura Ponziani, Ruy Lopez, Abertura Vienense, Defesa Francesa, Defesa Holandesa e Defesa Petrof. Steinitz, que na sua juventude jogava no estilo romântico, sintetizou e renovou completamente a teoria de sua época, sendo ainda um dos maiores finalistas de todos os tempos. Foi, talvez, o pensador mais original e profundo de toda a história enxadrística. Apesar disso, quando o peso da idade já se fazia sentir, perdeu o título de Campeão do Mundo em 1894 e morreu em extrema pobreza alguns anos depois.

Seu vencedor, Emanuel Lasker, foi a maior personalidade da história do xadrez. Lasker, Doutor em filosofia (seguidor de Schopenhauer), era também teatrólogo e um bom matemático (tendo escrito um livro no campo da álgebra). Em 1895, publica o seu Common Sense in Chess (Bom-senso em xadrez) onde apresenta o xadrez e a vida como uma constante luta e procura desvendar os princípios fundamentais que regem a conduta da partida.

Seu estilo de jogo extremamente pessoal e que poderíamos chamar de "dialético", consiste em desequilibrar a posição, nem sempre realizando as melhores jogadas, mas sim as mais desagradáveis para cada adversário. Seus lances arriscados, e até teoricamente incorretos, levavam a luta psicológica ao paroxismo, induzindo, com freqüência, o oponente ao erro à derrota.

De todos os campeões mundiais, ele é aquele que mais colocou seu título em jogo: sete vezes, perdendo-o, apenas em 1921, para o cubano José Raúl Capablanca, após 27 anos de reinado.

Nesta época, alguns preceitos fundamentais da Escola Clássica de Wilhelm Steinitz, cujos principais representantes são Siegbert Tarrasch (1862-1934), o já mencionado Emanuel Lasker e Akiba Rubinstein (1882-1961), são questionados por um grupo de jovens mestres oriundos sobretudo do leste europeu.

Assim, inicia-se a chamada Escola Hipermoderna, cujos maiores representantes foram o tcheco Richard Réti (1889-1929), o húngaro Gyula Breyer (1893-1921), o russo-francês Xavier Tartakover (1887-1956) o letão-dinamarquês Aron Nimzovitch (1886-1935), o austríaco Ernst Grünfeld (1893-1962) e, mais discretamente, o russo-francês Alexander Alekhine (1892-1946).

A essência do hipermodernismo, que foi comparado na Pintura tanto ao Impressionismo quanto ao Cubismo, baseia-se em sua descrença dos dogmas clássicos. Ele ampliou os horizontes da conduta da partida, com a contribuição de novas teorias que não negavam a importância do centro, mas propunham um método inovador para controlá-lo à distância, sem ocupá-lo: os Bispos em fianchetto (nas maiores diagonais do tabuleiro). Assim, o centro de peões do inimigo poderia ser atacado com o auxílio dos Cavalos e dos Peões laterais.

Estas novas idéias foram apresentadas por Réti em numerosas obras, entre as quais destacam-se Die neuen Ideen im Schachspiel (As novas idéias no jogo de xadrez) (1921) e Die Meister des Schachbretts (Os mestres do tabuleiro de xadrez) (1930). Estes dois livros foram capitais para a evolução do xadrez.

Enquanto Nimzovitch, Grünfeld e Alekhine desenvolveram novos sistemas defensivos para as pretas, Réti criou para as brancas uma variedade de aberturas: o "Sistema Réti". Ele foi um notável estrategista e um

genial compositor de finais. Para ilustrar o quilate deste grande artista, que jamais foi campeão mundial, apresenta-se uma de suas composições de maior originalidade no diagrama 3.

Em 1924, é fundada em Paris a Fédération Internationale des Échecs FIDE, que conta atualmente com 175 países membros (a segunda maior federação esportiva do mundo, visto que a FIFA possui 180 filiados). Sua divisa Gens una sumus (somos um só povo) proclama com orgulho (e ingenuidade) os ideais de seus iniciadores.

Em 1946, Alekhine, que detinha o título de campeão mundial, arrebatado em 1927 a Capablanca, morre solitário em um hotel de Lisboa. A FIDE assume então a organização dos campeonatos mundiais de xadrez, e promove, em 1948, a primeira disputa do título mundial sob suas próprias regras, através de um torneio reunindo os cinco mais fortes grandes mestres da época. Venceu esse histórico torneio, tornando-se o primeiro campeão mundial da FIDE, o engenheiro eletrônico, cidadão soviético, Mikhail Botvinnik (1911-1995).

Botvinnik foi o patrono da Escola Soviética, na qual se destacam os campeões mundiais Vassili Smyslov, Mikhail Tal, Tigran Petrosian, Boris Spassky, Anatoli Karpov e Garri Kasparov.

Em dezembro de 1986, a FIDE e a UNESCO criam, em Paris, a Commission for Chess in Schools, que representará um importante papel na difusão, no ensino e na democratização do xadrez enquanto instrumento pedagógico utilizado nas escolas.

No Brasil, em 1993, o Ministério da Educação e do Desporto (MEC) financiou os custos de produção e impressão de 15.000 exemplares do livro Xadrez: cartilha, distribuídos gratuitamente em centenas de escolas públicas do país.

Após mais de quatorze séculos, continua crescente o interesse despertado pelo xadrez, pois suas inúmeras mudanças vieram sempre ao encontro das aspirações dos homens. É de se esperar, portanto, que com a rápida evolução da sociedade moderna, novas modificações serão incorporadas, em breve, a este belo esporte.