histÓria do ensino primário rural em cianorte-pr (1950-1990)

186
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: EDUCAÇÃO HISTÓRIA DO ENSINO PRIMÁRIO RURAL EM CIANORTE-PR (1950-1990) ROSANGELA DE LIMA MARINGÁ 2015

Upload: dangnga

Post on 12-Feb-2017

230 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARING CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    REA DE CONCENTRAO: EDUCAO

    HISTRIA DO ENSINO PRIMRIO RURAL EM CIANORTE-PR (1950-1990)

    ROSANGELA DE LIMA

    MARING 2015

  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARING CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    REA DE CONCENTRAO: EDUCAO

    HISTRIA DO ENSINO PRIMRIO RURAL EM CIANORTE-PR (1950-1990)

    Dissertao apresentada por ROSANGELA DE LIMA, ao Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Estadual de Maring, como um dos requisitos para a obteno do ttulo de Mestre em Educao. rea de Concentrao: EDUCAO. Orientadora: Profa. Dra. ANALETE REGINA SCHELBAUER

    MARING 2015

  • ROSANGELA DE LIMA

    HISTRIA DO ENSINO PRIMRIO RURAL EM CIANORTE-PR (1950-1990)

    BANCA EXAMINADORA

    Profa. Dra. Analete Regina Schelbauer (Orientadora) UEM

    Profa. Dra. Elizabeth Figueiredo de S UFMT Cuiab/MT

    Profa. Dra. Elaine Rodrigues UEM

    Profa. Dra. Maria Cristina Gomes Machado UEM

    Aprovada em 17/04/2015

  • Analete Regina Schelbauer,

    H pessoas que nos falam e nem as escutamos, h pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam,

    mas h pessoas que simplesmente aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre.

    (Ceclia Meireles)

    Voc uma dessas pessoas que marcam!

  • AGRADECIMENTOS

    Depois de concluda esta etapa da minha vida, sinto que os agradecimentos

    so uma forma de equilibrar os sentimentos de quem vive momentos de

    tranquilidade e de inquietude no processo da pesquisa. Por isto, agradeo:

    A Deus, amor que se manifesta nas pessoas, nas coisas e nas escolhas.

    Concedeu-me os dons da pacincia e da perseverana, to necessrios para mim

    nestes dois anos!

    Professora Doutora Analete Regina Schelbauer, profissional e humana,

    pessoa que transborda uma leveza necessria vida. Obrigada, porque no me

    ensinou aonde chegar, mas me fez pensar em possibilidades e caminhos para que

    eu pudesse escolher o meu. Este trabalho no seria possvel sem as suas

    orientaes!

    minha famlia, afetos que do suporte s convices e aspiraes de um

    futuro melhor. Renovo-me a cada dia ao lado de vocs!

    Aos amigos e amigas, porque uma conversa, uma brincadeira, um porre ou

    um abrao nos inspira a confiana de que tudo vai dar certo e, acima de tudo, de

    que no estamos sozinhos. No vou guard-los a sete chaves... deixo-os livres

    porque sei que sempre voltam!

    Aos mestres que me ajudaram nesta caminhada rumo ao conhecimento. Em

    especial s Professoras Doutoras Elaine Rodrigues, Maria Cristina Gomes Machado

    e Elizabeth Figueiredo de S, que enriqueceram este trabalho com seus olhares

    atentos e sugestes valiosas. Sero, para mim, como a professora primria,

    inesquecveis!

    s pessoas guerreiras, membros do Grupo de Pesquisa Histria da

    Educao, Intelectuais e Instituies Escolares, pelo dilogo e generosidade

    dispensados em nossos encontros, os quais contriburam significativamente com a

    minha formao durante a pesquisa.

    s pessoas que fazem parte do Programa de Ps-Graduao da

    Universidade Estadual de Maring, coordenadores, professores, colegas de turma e

    funcionrios, que caminham juntos rumo excelncia.

    Secretaria de Estado da Educao do Paran, por possibilitar que eu me

    dedicasse pesquisa.

  • 6

    s pessoas que representam a Secretaria de Educao do Municpio de

    Cianorte e Escola Municipal Castro Alves, por me concederem o privilgio de

    esmiuar os vestgios de sua histria!

    Ao meu querido esposo Rodrigo Ferreira da Silva e minha amada irm

    Rosimeire de Lima, por no medirem esforos para me ajudar na difcil tarefa de

    produo e organizao dos mapas, imprescindveis nesta pesquisa.

    Ah, Rosilene de Lima Calegari, irm-amiga, e Andressa Lariane Paiva

    Gonalves, companheira, o que posso fazer por vocs?

    E a todos que dedicaram um pouco de seu tesouro, o tempo, e me ajudaram

    neste processo, em especial: Lbia Aparecida Silva Linhares, Esdras Linhares,

    Ciclia Rodrigues Monteiro, Joo Marcelo Calegari, Zilda de Assis Gracioli, Dora

    Lcia de Oliveira Garcia, Edvaldo Rodrigues, Nadir Leandro de Souza, Silene

    Cristina de Almeida Arnoni, Cidinia Miloche Ecks, Jssica de Paiva Gonalves,

    Sebastiana Maria Figueiredo de Oliveira, Valdecir Kepe, Rosana de Lima, Donizetti

    Antnio de Lima e Ins Lucas de Lima. Cada um, de um jeito especial, me atendeu e

    socorreu nos momentos em que precisei. Valeu!

    No poderia deixar de mencionar meus amores Rodrigo, Filipe e Camila:

    minha razo de existir e persistir... Cada um, sua maneira, me fez e me faz feliz

    nesta passagem.

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 Demonstrativo: nmero de Escolas Rurais em funcionamento por ano em Cianorte, de 1962 a 1999 ...................................................

    125

    Grfico 2 Demonstrativo: percentual dos nveis de formao dos professores ......................................................................................

    137

    Grfico 3 Demonstrativo: percentual de habilitao especfica dos professores em docncia no ensino primrio .................................

    138

    Grfico 4 Demonstrativo do nmero de alunos atendidos (aprovados e reprovados) por ano nas escolas rurais, no perodo de 1962 a 1999 .................................................................................................

    145

  • LISTA DE IMAGENS

    Imagem 1 Ata de Exame (1962) ................................................................... 47

    Imagem 2 Livros Ata de Exames das Escolas Rurais (1962-1979) .............. 48

    Imagem 3 Boletim Mensal de Ajuda (1985) .................................................. 53

    Imagem 4 Livro Registro (1979) ................................................................... 55

    Imagem 5 Projeto de Nucleao das Escolas Rurais Municipais ................. 58

    Imagem 6 Projeto de Nucleao da Escola Rural Municipal Tiradentes (1997) ..........................................................................................

    61

    Imagem 7 Escola Rural Municipal Acre, antes da ampliao e reforma (1961) ..........................................................................................

    62

    Imagem 8 Escola Rural Municipal Acre, depois da ampliao e reforma (1995) ..........................................................................................

    63

    Imagem 9 Ata de Reunio da Associao de Pais e Mestres das Escolas Rurais Municipais de Cianorte (1999) .........................................

    64

    Imagem 10 Documento sem nome frente (1971). ....................................... 66

    Imagem 11 Documento sem nome verso (1971) ........................................ 68

    Imagem 12 Curso de Higiene Escolar ofertado s professoras primrias (1977) ..........................................................................................

    94

    Imagem 13 Escola Rural Princesa Isabel (ano de construo 1961) ............. 95

    Imagem 14 Escola Rural Marechal Rondon (ano de construo: 1968) ........ 96

    Imagem 15 Escola Rural Arthur Bernardes (ano de construo: 1960) ......... 98

    Imagem 16 Escola Rural Alagoas (ano de construo: 1963)........................ 101

    Imagem 17 Escola Rural Afonso Pena (ano de construo: 1962) ................ 102

    Imagem 18 Escola Rural 19 de Dezembro (ano de construo: 1961) .......... 103

    Imagem 19 Escola Rural Marechal Rondon (ano de construo: 1968) ........ 104

    Imagem 20 Impresso: Plano de Implantao da Lei 5692/71 Ensino de 1 grau ........................................................................................

    128

    Imagem 21 Nota de requisio de materiais (1997) ....................................... 159

    Imagem 22 Memorando n 149/97, de 15/12/1997 ........................................ 160

    Imagem 23 Prdio da antiga Escola Rural Alagoas (2014) ............................ 162

    Imagem 24 Prdio da antiga Escola Rural Nilo Peanha (2014) .................... 163

  • LISTA DE MAPAS

    Mapa 1 Localizao das escolas rurais no Municpio de Cianorte, criadas nas dcadas de 1950, 1960 e 1970 ...................................................

    92

    Mapa 2 Localizao das escolas rurais nucleadas, desativadas e transformadas em urbanas em Cianorte ............................................

    154

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Livros Ata de exames finais das Escolas Rurais (1962-1979) ....... 49

    Quadro 2 Dados sobre os Processos de Cessao das Escolas Rurais de Cianorte (2006) ..............................................................................

    73

    Quadro 3 Dados de dirios oficiais sobre a cessao de Escolas Rurais em Cianorte ...................................................................................

    75

    Quadro 4 Livros Registro (1998 a 2001) ...................................................... 78

    Quadro 5 Relao de Escolas Rurais, incio de funcionamento e localizao ....................................................................................

    79

    Quadro 6 Relao de Escolas Rurais, localizao e ano de construo ....... 89

    Quadro 7 Demonstrativo do espao fsico das escolas rurais: nmero de escolas com as dependncias .......................................................

    97

    Quadro 8 Especificidades de cada Escola Rural, moblia e materiais disponveis .....................................................................................

    109

    Quadro 9 Dados sobre a acomodao dos alunos nas Escolas Rurais ........ 115

    Quadro 10 Dados sobre oferta de cursos, turnos, salas de aula em funcionamento nas Escolas Rurais e nmero de alunos ..............

    123

    Quadro 11 Comparativo entre os documentos/disciplinas ministradas nas Escolas Primrias Rurais de Cianorte (1962-1999) .......................

    130

    Quadro 12 Nmero de crianas em idade escolar residentes na zona rural de Cianorte (2010) ........................................................................

    155

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Evoluo da populao urbana e rural de Cianorte ........................ 38

    Tabela 2 Nmero de Escolas Rurais criadas por ano, em Cianorte, de 1956 a 1974 ..............................................................................................

    80

    Tabela 3 Demonstrativo do nmero de escolas rurais e de salas de aula que possuam ..................................................................................

    110

    Tabela 4 Nmero e percentual dos alunos atendidos nas escolas rurais, por dcada, no perodo de 1962 a 1999 ................................................

    146

    Tabela 5 Nmero e percentual aproximado de alunos aprovados (AP), reprovados (REP), desistentes (DES) e transferidos (TRA) por ano, de 1980 a 1999 ........................................................................

    149

    Tabela 6 Nmero de alunos matriculados (Mat.), concluintes (Conc.) e no concluintes (No conc.), por srie e ano, de 1980 a 1999 ...............

    151

    Tabela 7 Nmero de matrculas no ensino de 1 grau nas redes estadual e municipal e nas sries primrias em Cianorte (1991 e 1995). .........

    156

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    APM Associao de Pais e Mestres

    CBA Ciclo Bsico de Alfabetizao

    CMNP Companhia Melhoramentos Norte do Paran

    CNER Campanha Nacional de Educao Rural

    CTNP Companhia de Terras Norte do Paran

    FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao

    FUNDEPAR Fundao Educacional do Estado do Paran

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IPARDES Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econmico e Social

    IRE Inspetoria Regional de Ensino

    LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    MEC Ministrio da Educao e do Desporto

    MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetizao

    NRE Ncleo Regional de Educao

    PAF Programa de Alfabetizao Funcional

    PEI Programa de Educao Integrada

    PPP Projeto Poltico-Pedaggico

    SANEPAR Companhia de Saneamento do Paran

    SEEC Secretaria de Educao e da Cultura

    SEED Secretaria de Estado da Educao

    SME Secretaria Municipal de Educao

  • LIMA, Rosangela de. HISTRIA DO ENSINO PRIMRIO RURAL EM CIANORTE-PR (1950-1990). 186f. Dissertao (Mestrado em Educao) Universidade Estadual de Maring. Orientadora: Analete Regina Schelbauer. Maring, PR, 2015.

    RESUMO

    Este trabalho se insere no campo da Histria e Historiografia da Educao e se consubstancia em uma representao da histria do ensino primrio rural no Municpio de Cianorte, Estado do Paran, entre as dcadas de 1950 e 1990. Inclui-se, portanto, nos estudos acerca da Educao Rural sob uma perspectiva regional. O recorte temporal marca, na dcada de 1950, a fundao do Patrimnio de Cianorte em 1953, sua elevao a municpio em 1955 e a construo das primeiras unidades escolares rurais em 1956. Nos anos de 1990, ocorreu a nucleao e, em seguida, a extino das escolas primrias rurais, mediante a transferncia da ltima escola rural e dos alunos para a zona urbana. A pesquisa, de carter bibliogrfico e documental, pautou-se na anlise de fontes histricas e na historiografia produzida na rea, tendo como objetivo investigar a contribuio das escolas primrias rurais para a escolarizao do municpio. A existncia de um acervo documental expressivo, porm disperso, sobre tais instituies no municpio apontou a necessidade de interveno nos arquivos, consubstanciando em um inventrio de fontes, que, alm de subsidiar esta e outras pesquisas, contribui para a preservao do patrimnio histrico escolar da comunidade em questo. Com base em tais documentos, na bibliografia sobre o tema e em documentos oficiais da poca, como a legislao educacional e mensagens e relatrios de secretrios e governos do Estado do Paran, foram caracterizadas as escolas primrias rurais quanto organizao do ensino. Como resultado, considera-se que o ensino primrio rural teve papel relevante frente escolarizao primria no municpio. Concomitante a este processo, os documentos favorecem o entendimento de que a questo da cessao das atividades escolares nestas instituies ocorreu de maneira compulsria tanto em relao aos processos de nucleao das escolas rurais quanto sua extino. So apontados, dentre os fatores, a municipalizao do ensino de 1 4 sries, no incio da dcada de 1990 no Estado do Paran, e questes referentes subveno das escolas. Como consequncia tem-se a reorganizao da administrao municipal com o intuito de atender s demandas impostas pelo aumento do nmero de matrculas neste nvel de ensino.

    Palavras-chave: Histria da Educao. Educao Rural. Ensino Primrio Rural em Cianorte-PR.

  • LIMA, Rosangela de. HISTORY OF RURAL PRIMARY TEACHING IN THE CITY OF CIANORTE-PR (1950-1990). 186 Sheets. Thesis (Masters in Education) State University of Maring. Adviser: Analete Regina Schelbauer. Maring, PR, 2015.

    ABSTRACT

    This research work is grounded in the field of History and Historiography of Education and it constitutes a representation of the history of rural primary teaching in the municipality of Cianorte, state of Paran (Brazil), between 1950 and 1990. It is therefore included in studies on Rural Education from a regional perspective. The time frame highlights, during the 1950s, the foundation of the Heritage of Cianorte in 1953, its raising to the category of municipality in 1955 and the construction of the first rural school units in 1956. In the 1990s, there was first the nucleation, and then the extinction of rural primary schools, through the transference of the last rural school and its students into the urban area. This bibliographic and documental study is mainly based on the analysis of historical sources and on the historiography produced in the area, aiming to investigate the contribution of primary rural schools to the municipality schooling process. The existence of an expressive documental archive on those institutions within the municipality, though widely spread, pointed to the need of intervention, constituting an inventory of sources, which, besides supporting this and other studies, contributes to the preservation of the school historic heritage of the community under study. Based on these sources, on the bibliography about the theme and on official documents of the time, such as the educational legislation and messages and reports from secretaries and governments of the state of Paran, rural primary schools were characterized regarding the organization of teaching. As a result, it is considered that the rural primary teaching had a significant role in face of the primary schooling in the municipality. At the same time, the documents favor the understanding that the issue concerning the cessation of activities in these institutions was compulsory both in relation to the processes of nucleation of rural schools and to their extinction. Among the factors pointed out, there are the municipalization process of the teaching from 1st to 4th grades, in the beginning of the 1990s in the state of Paran, and issues referring to the subvention of schools. As a consequence, there was a reorganization of the city administration, in an attempt to respond to the demands imposed by the raise of registrations in this teaching level.

    Key words: History of Education. Rural Education. Rural Primary Teaching in Cianorte-PR.

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ..............................................................................................

    16

    2 INVENTRIO DAS FONTES DOCUMENTAIS SOBRE A HISTRIA DO ENSINO PRIMRIO RURAL EM CIANORTE-PR ...........................................

    28

    2.1 A EDUCAO RURAL NO CENRIO CIANORTENSE............................. 32

    2.1.1 A constituio do Municpio de Cianorte .......................................... 33

    2.1.2 A escola rural no contexto de Cianorte ............................................. 39

    2.2 DOCUMENTOS LOCALIZADOS NA PREFEITURA DO MUNICPIO DE CIANORTE .......................................................................................................

    45

    2.3. DOCUMENTOS LOCALIZADOS NA ESCOLA MUNICIPAL CASTRO ALVES ..............................................................................................................

    72

    3 AS ESCOLAS PRIMRIAS RURAIS DE CIANORTE-PR E A ORGANIZAO DO ENSINO ..........................................................................

    85

    3.1 O ESPAO ESCOLAR RURAL .................................................................. 87

    3.2 A CULTURA MATERIAL ESCOLAR .......................................................... 108

    3.3 ORGANIZAO E FUNCIONAMENTO ESCOLAR RURAL ...................... 119

    3.4 OS PROGRAMAS DE ENSINO E OS CONTEDOS ESCOLARES ......... 127

    3.5 O CORPO DOCENTE ................................................................................

    134

    4 AS ESCOLAS RURAIS E A ESCOLARIZAO PRIMRIA NO MUNICPIO DE CIANORTE ............................................................................

    142

    4.1 A ESCOLARIZAO DA POPULAO RURAL ........................................ 143

    4.2 A EXTINO DAS ESCOLAS RURAIS .....................................................

    153

    CONSIDERAES FINAIS .............................................................................

    165

    REFERNCIAS ................................................................................................ 172

    APNDICE 1 CD: Histria do ensino primrio rural em Cianorte-PR (1950-1990): fontes histricas .....................................................................................

    186

  • 1 INTRODUO

    Sinto que no h como separar identidade pessoal e identidade profissional.

    Desde criana, estudante de escola pblica, a escola era o abrigo que me fazia

    pensar em possibilidades que a vida difcil desesperanava. A imagem da

    professora primria passou a fazer parte da minha histria, mesmo sem que eu

    tivesse conscincia disso1.

    O ano de 1996 marca o momento em que no pude realizar um sonho, uma

    vez que a educao profissional do Estado do Paran passava por mudanas, entre

    elas, a cessao gradativa dos cursos de habilitao profissional ofertados pela

    Rede Estadual, inclusive do Curso de Magistrio, por meio da Resoluo n 4.056,

    de 18 de outubro de 1996 (PARAN, 1996). Esta Resoluo previa que as

    matrculas iniciais do ano de 1997 ocorressem exclusivamente em Cursos de

    Educao Geral (ALMEIDA, C. M. de, 2004, p. 120). Coincidentemente, era o ano

    em que eu ingressaria no Curso de Magistrio.

    No por coincidncia, ingressei no Curso de Pedagogia da Universidade

    Estadual de Maring em 2001 e me formei em 2004. Habilitada profissionalmente,

    atuei como professora das sries iniciais do ensino fundamental nos quatro anos

    seguintes. Alm disso, em 2005, iniciei meu trabalho como pedagoga na rede

    estadual de ensino, no Municpio de Cianorte, onde tive a satisfao de lecionar no

    Curso de Formao de Docentes.

    A minha trajetria profissional na carreira do magistrio estadual foi marcada

    por determinados slogans educacionais (RODRIGUES, 2012; SCHEFFLER, 1974).

    Os discursos da Secretaria de Estado da Educao do Paran eram sedutores a

    princpio, falava-se em uma educao de qualidade para a formao do cidado, do

    homem crtico e participativo, e que cabia escola pblica formar. Defendia-se que

    teramos a melhor educao do pas e, como consequncia, os melhores salrios.

    Com o tempo e o ciclo de mandatos de governo, ficou evidente que as

    capacitaes, denominadas Formao Continuada ou Semana Pedaggica,

    ficavam em nvel de troca de experincias entre profissionais da rede. Este modelo

    1 Na introduo deste estudo, utilizada a primeira pessoa do singular, uma vez que, nesta seo,

    est includa a trajetria pessoal da pesquisadora. Nas demais, emprega-se a primeira pessoa do plural.

  • 17

    de formao (ou posso dizer formatao?) sempre demonstrava os problemas da

    educao e descentralizava a responsabilidade para a sua resoluo.

    Mas a porta se abriu para mim e para outros (poucos) professores do Estado

    do Paran com a Resoluo n. 7282-GS/SEED, que normatizou o afastamento de

    servidores da Secretaria de Estado da Educao do Paran SEED/PR para

    aperfeioamento em cursos de ps-graduao stricto sensu (PARAN, 2012). Era a

    chance que eu precisava.

    Eu estava determinada a retomar os estudos, uma vez que as reunies

    pedaggicas e formaes continuadas advindas da SEED no satisfaziam mais a

    minha libido cognoscente. Participei do processo de seleo do Programa de Ps-

    Graduao, Mestrado em Educao, da Universidade Estadual de Maring e fui

    aprovada para desenvolver uma pesquisa sob orientao da Professora Doutora

    Analete Regina Schelbauer.

    Ao iniciar as atividades do Programa, no ano de 2013, comecei a estudar as

    disciplinas Escola Pblica e Pensamento Educacional na Contemporaneidade e

    Histria da Educao no Brasil. Surpreendentemente, descobri que desconhecia o

    meu campo de trabalho, no qual atuo profissionalmente h dez anos!

    Ante o descontentamento a respeito do pouco que conhecia e, mais ainda,

    quanto ao que desconhecia, meu olhar direcionou-se ao objetivo de buscar

    elementos que contribussem para o conhecimento da histria da educao, uma

    vez que, pela grande extenso territorial e regionalizao que apresenta o pas, a

    apropriao e constituio do processo educacional, embora sob a gide legal

    nacional, constri-se singularmente. Para tanto, os estudos regionais sobre o

    processo de escolarizao primria tm-se apresentado como uma das

    possibilidades de produo de conhecimento que podem servir de base a estudos

    comparados da histria da educao brasileira (SAVIANI, 2007).

    No Brasil, iniciativas de pesquisadores tm voltado a ateno para o processo

    educacional brasileiro, valendo-se de investigaes sobre a institucionalizao da

    escola primria, abordando aspectos acerca da formao de professores, da cultura

    escolar, das reformas educacionais, da expanso das instituies escolares, entre

    outros. Sempre com a preocupao de conhecer as prticas e as formas de

    apropriaes que ocorreram e esto acontecendo no interior da escola.

  • 18

    Entre os resultados de pesquisas na rea, destaca-se Cultura material

    escolar: a escola e seus artefatos (MA, SP, PR, SC e RS, 1870-1925), organizada

    por Castro (2011); Escola primria na primeira repblica (1889-1930): subsdios para

    uma histria comparada, organizada por Arajo, Souza e Nunes Pinto (2012);

    Reformas educacionais: as manifestaes da Escola Nova no Brasil (1920 a 1946),

    organizada por Miguel, Vidal e Arajo (2011); Grupos Escolares: cultura escolar

    primria e escolarizao da infncia no Brasil (1893-1971), organizada por Vidal

    (2006); Alicerces da ptria: histria da escola primria no Estado de So Paulo

    (1890-1976), de Souza (2009); Educao Rural em perspectiva internacional:

    instituies, prticas e formao de professores, organizada por Werle (2007).

    Produes como estas organizam os resultados de pesquisas e evidenciam

    ausncia de informaes na historiografia da educao brasileira, dentre elas, a

    questo da educao rural.

    Neste sentido, concorda-se com Schelbauer (2014) quando afirma que a

    historiografia da educao paranaense carece de investigaes que aprofundem a

    pesquisa no mbito da escolarizao primria no meio rural. Seguindo nesta

    direo, este estudo se volta investigao desta modalidade de ensino, a qual

    esteve presente no Municpio de Cianorte, situado ao norte do Estado do Paran.

    A minha ateno foi despertada para este tema em uma reunio com o Grupo

    de Pesquisa Histria da Educao, Intelectuais e Instituies Escolares, em que

    apresentavam estudos anteriores acerca da escolarizao primria em Cianorte,

    realizados pelas pesquisadoras Gonalves e Schelbauer (2011) e Gonalves (2012).

    Tais pesquisas apontaram a existncia de documentos sobre o ensino primrio rural

    do municpio que poderiam subsidiar outras investigaes.

    Vale reiterar que a educao rural no Brasil um tema ainda no explorado

    suficientemente. O recente Dossi Representaes, prticas e polticas de

    escolarizao da infncia na zona rural, organizado por Souza e vila (2014b),

    assim como o livro Educao Rural em perspectiva internacional: instituies,

    prticas e formao de professores, organizado por Flvia Obino Corra Werle

    (2007), e o artigo Estudos sobre educao rural no Brasil: estado da arte e

    perspectivas, de Damasceno e Beserra (2004), afirmam a necessidade de

    investimento em pesquisas regionais sobre o assunto. Quanto preocupao com a

    educao rural no campo das pesquisas, vila (2013, p. 175) conclui que [...] essa

  • 19

    modalidade de ensino no tem assegurado o seu lugar na histria da educao

    brasileira, assumindo, na melhor das hipteses, um lugar secundrio nas pesquisas

    historiogrficas.

    Instigada por tais afirmaes e por ser Cianorte um municpio jovem, fundado

    em 26 de julho de 1953, procurei conhecer o tratamento dado questo da

    educao rural brasileira no perodo anterior sua fundao, em que o tema

    desponta como uma necessidade para o desenvolvimento do pas. Assim, encontrei

    na tese de vila (2013) aspectos que contribuem para a abordagem histrica da

    escolarizao primria rural no Brasil na primeira metade do sculo XX. Tratada

    como questo social a partir da dcada de 1930, [...] esse momento marca a

    projeo da escola rural no cenrio nacional (VILA, 2013, p. 174).

    No menos importante, o conhecimento sobre os discursos da poltica da

    educao rural no pas, obtido por meio do artigo Escola como agncia de

    civilizao: projetos formativos e prticas pedaggicas para a educao rural no

    Brasil (1946-1964) de Andrade (2014) auxiliou-me sobremaneira para a

    compreenso dos mecanismos de formao de valores e atitudes presentes em

    escolas rurais.

    Com relao ao Estado do Paran, Schelbauer (2014), ao analisar os

    relatrios e mensagens de governo, aponta a existncia de 120 escolas primrias

    rurais subvencionadas pelo governo federal na dcada de 1920 e 254 na dcada

    seguinte. Ressalta, ainda, a presena de 1.288 escolas isoladas na dcada de 1930,

    sendo este o modelo de escola que predominou em relao oferta do ensino

    primrio no Estado, as quais se encontravam nas regies mais afastadas dos

    centros urbanos e em reas rurais.

    Ante a constatao de Bareiro (2007) de que, aps a intensificao do

    movimento de colonizao e de povoamento do interior do Estado, as escolas

    primrias rurais passaram a ser disseminadas no norte do Paran e com o intuito de

    contribuir para a produo de conhecimento na rea da histria e historiografia da

    educao rural paranaense, deparei-me com a seguinte problemtica: Em que

    medida o ensino primrio rural esteve presente no processo de escolarizao

    primria no Municpio de Cianorte durante o perodo de colonizao e de expanso

    deste municpio? Decorrente desta questo, outros questionamentos despontaram:

    De que forma foi implementada a organizao do ensino nestas escolas? Como se

  • 20

    configuraram os espaos escolares rurais neste contexto? Quais fatores propiciaram

    a ascenso das escolas primrias rurais em Cianorte e, posteriormente, a extino

    dessas instituies?

    Diante de tais indagaes, foi traado como objetivo geral investigar a histria

    do ensino primrio rural em Cianorte entre as dcadas de 1950 e 1990, cujo perodo

    marca a inaugurao do Patrimnio de Cianorte, em 26 de julho de 1953, sendo

    elevado a municpio em 13 de julho de 1955. tambm na dcada de 1950 que

    aparecem os registros das primeiras escolas rurais, no ano de 1956. O recorte

    investigativo encerra-se na dcada de 1990, justificado pelo fato de que nesta

    dcada que as escolas rurais deste municpio passaram pelo processo de

    nucleao2, sendo extintas no ano de 1999 (CIANORTE, 1999).

    A primeira iniciativa de nucleao de escolas rurais em Cianorte data de

    1985, com o projeto intitulado Nuclealizao (sic) Escolas Rurais Municipais,

    referente Escola Rural Municipal Nereu Ramos, a qual absorveria os alunos das

    escolas rurais Cear, Fernando de Noronha e Minas Gerais aps melhorias nas

    instalaes e recursos. Explicitava-se como objetivo [...] oferecer melhoria

    qualitativa e quantitativa de ensino [...] (CIANORTE, 1985b), concentrando alunos e

    professores no mesmo espao escolar, introduzindo condies para organizar o

    ensino seriado na zona rural. Porm, s na dcada de 1990, os processos de

    nucleao se efetivaram, transformando seis escolas rurais em ncleos para

    atendimento da populao, tendo suas escolas desativadas. Essas escolas

    permaneceram em funcionamento at o ano de 1998, com a utilizao de transporte

    escolar precrio (CIANORTE, 1978-1999; FOLHA DE CIANORTE, 1999). Em 1999,

    os alunos foram transferidos, compulsoriamente, para a Escola Rural Municipal

    Castro Alves, que foi transferida para outro local, na zona urbana, em um prdio

    amplo, reunindo cerca de 500 alunos. No ano seguinte 2000, oficialmente, esta

    escola deixou de ser denominada rural, por meio do Decreto Municipal n 018/2000,

    de 25/04/2000, que alterou sua denominao e domiclio (CIANORTE, 2000).

    Os documentos textuais e iconogrficos que fazem parte dos acervos

    existentes sobre o ensino primrio rural de Cianorte me conduziram abordagem

    fundamentada na Nova Histria Cultural, uma vez que este referencial amplia as

    2 A nucleao [...] consiste no agrupamento de pequenas escolas unidocentes de uma regio rural

    em uma Escola-Ncleo, com caractersticas prprias de organizao e funcionamento, a ideia proporcionar um ensino de qualidade com instalaes e materiais didticos concentrados em uma nica sede escolar (BAREIRO, 2007, p. 58).

  • 21

    possibilidades de leitura das fontes disponveis. A perspectiva da anlise construda

    com base nesta concepo permite considerar que este trabalho se consubstancia

    em uma representao da histria do ensino primrio rural neste municpio, aqui

    tratada como resultado de uma pesquisa histrica em tempo e espao

    determinados, sendo possveis outras leituras do objeto em questo. Segundo

    Chartier (1990, p. 59),

    [...] essa historicidade exige em primeiro lugar que o consumo cultural ou intelectual seja ele prprio tomado como uma produo, que evidentemente no fabrica nenhum objecto, mas constitui representaes que nunca so idnticas s que o produtor, o autor ou o artista, investiram na sua obra.

    Neste sentido, considerando que a apropriao do contedo dos documentos

    singular ao historiador que os analisa (CHARTIER, 1990), a presente produo

    uma das leituras possveis sobre esta modalidade de ensino em Cianorte.

    Assim, a fim de sistematizar uma representao dessa histria no perodo

    delimitado, outros objetivos, mais especficos, perpassaram a construo deste

    trabalho: inventariar os acervos documentais preservados, encontrados na Diviso

    de Documentao Escolar da Secretaria Municipal de Educao e na atual Escola

    Municipal Castro Alves, antiga Escola Rural e ltima instituio escolar primria rural

    que esteve em funcionamento at o ano de 1999; analisar as caractersticas das

    escolas primrias rurais de Cianorte e a organizao do ensino; refletir sobre a

    contribuio das instituies escolares rurais municipais para a escolarizao

    primria no municpio.

    Tendo em vista tais objetivos, na reviso da literatura, consegui tecer sentidos

    sobre a temtica da educao rural no Brasil e no Estado do Paran, os quais

    apontaram caminhos para o entendimento da configurao do ensino primrio rural

    em Cianorte. Mas por que Cianorte? Entre as questes que envolvem a localizao

    espacial que delimita esta pesquisa, justifico minha escolha tanto pela ausncia de

    conhecimentos sistematizados no campo da historiografia da educao rural em

    Cianorte-PR, assim como pelo volume de fontes documentais que se encontram

    preservadas no municpio. Alm disso, convm ressaltar a importncia desse

    patrimnio histrico escolar tanto para a comunidade local como para a comunidade

  • 22

    cientfica, tendo em vista a possibilidade de outras investigaes com os acervos

    existentes sobre a escolarizao primria do municpio.

    Com a preocupao de compreender os desdobramentos do ensino primrio

    rural no Estado do Paran, voltei o olhar para as produes historiogrficas sobre o

    tema no Estado. As leituras de Schelbauer (2014) e Schelbauer e Gonalves Neto

    (2013) sinalizaram para o conhecimento das modalidades de escolas primrias

    rurais e os processos histrico, poltico e econmico que envolveram a expanso

    dessas instituies, entre eles, a poltica da economia voltada para a colonizao e o

    povoamento do interior, a preocupao com a agricultura e, consequentemente, com

    o transporte para o escoamento da produo e as discusses em torno da

    necessidade de democratizar o acesso educao para o desenvolvimento do

    Estado.

    Com relao ao processo de colonizao do territrio onde se localiza

    Cianorte, ao norte do Estado, destacam-se os estudos de Kohlhepp (2014), Mota e

    Noelli (1999), Noelli e Mota (1999), Souza (2010), Steca e Flores (2002) e Tomazi

    (1999), que evidenciam a presena de habitantes no local antes do processo de

    ocupao e de momentos conflitantes no decorrer do povoamento dessa regio,

    alm das consequncias climticas oriundas do processo colonizador.

    No que se refere formao docente, os estudos de Miguel (2007; 2011), em

    nvel estadual, e de Hegeto (2007) e Hervatini (2011), em nvel regional,

    contriburam para a compreenso dos aspectos a respeito da formao de

    professores para atuarem no interior do Estado. Tendo em vista a questo da

    feminizao do magistrio ser um dado presente na histria do ensino primrio rural

    de Cianorte, as pesquisas de Almeida, J. S. de (2004) e Bonato (2002) foram

    utilizadas no processo de investigao sobre a formao dos professores que

    atuaram nas escolas rurais do municpio. Alm disso, para o entendimento acerca

    da formao oferecida, na poca, pelo Estado do Paran aos docentes leigos, Andr

    e Candau (1984) e as Mensagens de Governo (PARAN, 1970; 1978; 1984a)

    subsidiaram a anlise dos documentos que demonstram esta situao em Cianorte.

    Outras pesquisas de autores como Ramos (1991), Capelo (2000), Bareiro

    (2007), Tibucheski (2011) e Cattelan (2014) favoreceram o entendimento sobre a

    organizao das escolas rurais e o processo de nucleao no Estado do Paran,

    com vistas racionalizao do processo educacional e melhoria da qualidade do

  • 23

    ensino. A nucleao de escolas rurais objetivava minimizar os gastos com as

    escolas isoladas dispersas na rea rural, concentrando professores e alunos em um

    nico espao fsico, o que possibilitaria a organizao seriada nestas instituies.

    As escolas isoladas rurais de Cianorte, do Paran e do Brasil trazem os

    vestgios da organizao do ensino em classes multisseriadas. Assim, para

    compreender o que significa este tipo de organizao que se fez presente no sculo

    XX e ainda permanece no cenrio educacional brasileiro no sculo XXI, pautei-me

    na tese de Cardoso (2013) e nas pesquisas sobre a escola graduada no Brasil de

    Souza (2004).

    Em se tratando de uma pesquisa de carter regional, as produes

    memorialsticas que remetem configurao do Municpio de Cianorte foram

    consultadas, destacando-se Cioffi, Praxedes, Varella e Mesquita (1995) e

    Companhia Melhoramentos Norte do Paran CMNP (1975).

    Os documentos oficiais da poca, como a Legislao Educacional e

    Mensagens e Relatrios de Governo e Secretrios do Estado do Paran3, tambm

    deram suporte pesquisa; assim como os acervos documentais textuais e

    iconogrficos existentes sobre a escolarizao primria rural em Cianorte. Esses

    documentos foram inventariados para esta investigao e se encontram localizados

    na sede da atual Escola Municipal Castro Alves antiga Escola Rural Municipal

    Castro Alves (CIANORTE, 2000) e na Diviso de Documentao Escolar, que faz

    parte da Secretaria de Educao do Municpio.

    No decorrer da pesquisa, outros autores, como Barra (2013), Bastos (2005),

    Bencostta (2001; 2006), Cainelli (1994), Carvalho e Bernardo (2012), Castro (2009),

    Castro e Silva (2011), Coelho (2007), Drea (2013), Faria Filho et al. (2004), Faria

    Filho e Vidal (2000), Larocca e Marques (2010), Parra (2008), Pinesso e Mori (2008),

    Rodrigues (2012), Santos (2003), Saviani (2007; 2010), Souza (2001; 2009; 2013),

    Veiga (1995), dentre outros, subsidiaram a anlise dos documentos e a

    interpretao dos dados sobre a iconografia, a cultura material escolar, os contedos

    escolares, o espao fsico e a organizao e funcionamento escolar nas instituies

    primrias rurais de Cianorte.

    3 Estes documentos fazem parte do acervo do Arquivo Pblico do Paran. Por ocasio das citaes

    presentes ao longo dos textos que compem esta dissertao, optou-se por manter a ortografia tal como se apresentam nos documentos originais da poca.

  • 24

    Como procedimentos metodolgicos, foi adotada a pesquisa bibliogrfica e

    documental, visto que, embora os acervos sobre o objeto de estudo sejam

    volumosos, entende-se que a histria no se faz com mera descrio de dados. No

    atravessamento dos documentos, perceber as recorrncias, os indcios como formas

    de pensar a educao e as mltiplas relaes scio-poltico-econmicas, que

    produzem os discursos (LUCHESE, 2014, p.151) so tarefas fundamentais no

    exerccio da pesquisa. Para tanto, h que se estabelecer as devidas relaes com

    as produes historiogrficas existentes.

    Igualmente importante analisar as normas e finalidades que regem a escola,

    presentes nos documentos oficiais, os quais se tem acesso mais facilmente, no

    entanto, como insistiu Julia (2001, p. 19): [...] os textos normativos devem sempre

    nos reenviar s prticas; mais que nos tempos de calmaria, nos tempos de crise e

    de conflitos que podemos captar melhor o funcionamento real das finalidades

    atribudas escola.

    No caminho da investigao, os procedimentos e os instrumentos para as

    anlises foram sendo construdos e organizados, tomando forma singular diante do

    manuseio das fontes histricas. Os primeiros passos encontram-se explicitados na

    seo dois desta dissertao e os seguintes foram sendo tratados ao longo do

    trabalho, respondendo aos questionamentos e hipteses criados diante dos

    arquivos.

    Neste processo, as consideraes de Dominique Julia (2001) foram

    pertinentes, ao destacar que a presena de determinados tipos de fontes possibilita

    a organizao dos documentos em sries. Este procedimento permitiu que se

    inferisse sobre o atendimento realizado nas escolas rurais. Tais documentos foram

    problematizados em seu contexto histrico, a fim de aproximar-me da cultura escolar

    produzida no meio em estudo.

    Assim sendo, este trabalho est organizado da seguinte maneira: a primeira

    seo constitui a Introduo, ora apresentada a fim de iniciar um dilogo acerca da

    temtica, do objeto e objetivos da pesquisa; bem como iniciar uma interlocuo com

    o estado da arte do tema em questo, porque, como aponta Alves-Mazotti (2006), a

    fragilidade da reviso bibliogrfica um dos problemas enfrentados pela pesquisa

    no campo da Histria da Educao, uma vez que [...] a m qualidade da reviso da

    literatura compromete todo o estudo (p. 26). Segundo a autora, a reviso da

  • 25

    literatura [...] no se constitui em uma seo isolada, mas, ao contrrio, tem por

    objetivo iluminar o caminho a ser trilhado pelo pesquisador, desde a definio do

    problema at a interpretao dos resultados (p. 26). Comungando com essas

    ideias, o estado da arte desta investigao no se encerra nesta seo, mas se

    prolonga por toda a extenso do estudo.

    Na segunda seo, o olhar est voltado para os documentos que ajudaram a

    elucidar os vestgios do objeto de pesquisa, consubstanciando-se em um inventrio

    de fontes documentais. Predominaram os objetivos de mapear e descrever os

    documentos existentes sobre a escolarizao primria rural no Municpio de

    Cianorte. Para tanto, as produes de pesquisadores como Belloto, (2002), Lopez

    (2002), Vendrameto (2002), Magalhes (2004), Vidal e Zaia (2002), Moraes (2002),

    Moraes e Alves (2002), Bacellar (2014), Gatti Jnior e Pessanha (2010), entre

    outros, serviram de subsdios no sentido de enriquecer e justificar esta proposta.

    Uma vez verificado o grande volume documental preservado, porm disperso,

    este passo foi fundamental para esta pesquisa, por possibilitar a anlise dos

    documentos que poderiam subsidi-la, bem como direcionar o recorte investigativo.

    Alm disso, esta etapa da pesquisa se constitui como uma forma de contribuir para a

    preservao do patrimnio histrico escolar do municpio. Segundo Gatti Jnior e

    Pessanha (2010), a conservao da memria e da cultura institucional tem levado os

    historiadores da educao a organizarem grupos de pesquisas com a finalidade de

    organizar os arquivos e preservar as fontes documentais escolares.

    Neste sentido, o inventrio aqui produzido poder servir de base para

    pesquisas posteriores. Muitas pesquisas, no campo da histria da educao, que

    poderiam ampliar o acesso a informaes e conhecimentos e fomentar novos

    debates e investigaes, por vezes, naufragam diante da ausncia de acervos que

    poderiam guardar a memria e a histria dos processos educacionais.

    Meu compromisso com este campo de pesquisa possibilitou o inventrio de

    documentos e me motivou a intervir na organizao dos arquivos escolares.

    Compartilho com Rodrigues (2012) e Magalhes (2004) a ideia de que, muitas

    vezes, o pesquisador necessita criar formas que possibilitem a anlise de

    documentos em determinadas instituies. Destarte, ainda na segunda seo, no

    poderia deixar de situar as instituies escolares estudadas no contexto de Cianorte

  • 26

    e do Paran, onde tais documentos foram produzidos, veiculados e apropriados,

    como bem explicita Magalhes (2004, p. 142):

    Sob a modalidade de monografia institucional, a narrativa historiogrfica deve refletir, em sntese, um processo investigativo de complexificao e integrao, compreendendo e explicando a evoluo institucional no quadro da realidade sociocultural envolvente [...].

    Dessa forma, foi lanado um olhar panormico sobre a constituio do

    municpio e levantados os elementos que influenciaram a expanso das escolas

    rurais na regio investigada.

    A terceira seo do trabalho resultado da leitura dos dados presentes nos

    documentos inventariados, cujas atividades possibilitaram a descrio, anlise e

    interpretao das caractersticas dos espaos escolares rurais e a organizao do

    ensino nestas instituies. Para isto, foram pesquisadas nos documentos textuais e

    iconogrficos as evidncias sobre o espao fsico, a cultura material escolar, a

    organizao e o funcionamento escolar rural, os programas para o ensino e as

    informaes sobre o corpo docente que atuou nessas escolas. Durante este

    processo, descobri o meu jeito de escrever, porque, de acordo com Luchese (2014,

    p. 151), [...] na anlise do corpus construdo, o pesquisador cria formas mais

    adequadas para o seu objeto e problema de pesquisa, de percepo de

    recorrncias, regularidades e irregularidades. Mas no h um modo nico de faz-

    lo.

    Assim sendo, transitei entre os documentos da poca, a memria do

    municpio e a historiografia produzida por entender que, [...] na anlise documental,

    o dilogo com as referncias especializadas tambm importante para a construo

    da anlise (LUCHESE, 2014, p. 152-153). As inferncias que constru durante o

    processo de investigao e sistematizao dos textos que compem esta

    dissertao tentaram concatenar-se neste dilogo.

    Na quarta seo, feita uma reflexo sobre a contribuio das instituies

    escolares rurais para a escolarizao primria no municpio. Para tanto, so

    explorados os dados quantitativos presentes nos documentos, problematizando o

    que representam mediante o contexto das escolas rurais. Estas escolas, muitas

    vezes construdas pela iniciativa da populao e com subsdios da companhia

    colonizadora, contaram com a subveno em grande parte da esfera municipal.

  • 27

    Tendo em vista a extino desta modalidade de ensino no municpio, no possvel

    deixar de analisar este processo, refletindo sobre os fatores que contriburam para o

    declnio das escolas rurais neste local.

    Ao concluir o trabalho, so tecidas consideraes acerca dos principais

    aspectos, a meu ver, que configuraram a histria do ensino primrio rural no

    municpio, na tentativa de responder aos questionamentos que me mobilizou para a

    pesquisa. No entanto, h uma certeza de que no se esgotaram as possibilidades

    de leitura dos documentos histricos e que outros pesquisadores podem investigar,

    questionar ou complementar o presente estudo.

    Tendo em vista que [...] o ensino primrio foi formalmente eliminado da

    ordenao escolar brasileira em 1971 (SOUZA, 2004, p.111), cabe justificar que a

    expresso ensino primrio foi utilizada, ao longo dos textos, para se referir s

    primeiras sries do 1 grau, de acordo com a Reforma do Ensino dada pela Lei

    5692/71 (BRASIL, 1971) e, mais tarde, s sries iniciais do ensino fundamental,

    previsto na LDB 9394/96 (BRASIL, 1996).

    Entre as prticas escolares e seus registros, a histria do ensino primrio rural

    de Cianorte foi construda por seus atores entre as dcadas de 1950 e 1990. Entre

    os documentos histricos e a historiografia, as pginas que seguem convidam a

    conhecer uma parte desse processo.

  • 2 INVENTRIO DAS FONTES DOCUMENTAIS SOBRE A HISTRIA DO ENSINO PRIMRIO RURAL EM CIANORTE-PR

    Esta seo resultado de idas e vindas aos arquivos onde se encontra o

    acervo documental que subsidia esta pesquisa. Trata-se de um instrumento de

    pesquisa produzido com o propsito de tornar passvel de anlise os documentos

    existentes sobre o ensino primrio rural no Municpio de Cianorte.

    Ousamos nome-lo de Inventrio, de acordo com a definio dada pelo

    Dicionrio de Terminologia Arquivstica e que se aplica aos nossos objetivos: [...]

    instrumento de pesquisa em que a descrio exaustiva ou sumria de um fundo4 ou

    de uma ou mais de suas sub-divises (sic) toma por unidade a srie, respeitada ou

    no a ordem de classificao (1996, p. 45, apud VENDRAMETO, 2002, p. 44).

    Portanto, no s a classificao, como a descrio dos documentos fazem parte da

    construo de um inventrio, sendo esta ltima fundamental, uma vez que [...]

    somente a descrio arquivstica garante a compreenso ampla do contedo de um

    acervo, possibilitando tanto o conhecimento como a localizao dos documentos

    que o integram (LOPEZ, 2002, p. 12).

    certo que muitos acervos existentes em instituies escolares no so

    tratados adequadamente. Mais por falta de conhecimento, talvez, do que de vontade

    dos funcionrios. Em muitos casos, a prpria instituio [...] no sabe o que fazer

    com seus documentos (WERLE, 2004, p. 31). Quanto a esses papis acumulados

    ao longo do tempo, Belloto (2002, p. 10-11) afirma que

    Documentos existem, independentemente de sua organizao, de suas possibilidades de acesso, de sua dimenso, de seu estado fsico, ou da extenso, profundidade ou densidade da informao contida nos documentos que o compem. Podem ser amontoados disformes e ininteligveis, o que os arquivistas denominam massa documental acumulada [...]. Se bem ou se mal organizados, cumprem bem ou menos bem o seu papel de dar o necessrio suporte de atos dispositivos e de provas e de circulao da informao, que uma entidade necessita no dia-a-dia de sua atuao.

    4 Fundo de arquivo refere-se a um [...] conjunto de documentos, de qualquer formato ou suporte, produzidos organicamente e/ou reunidos e utilizados por uma pessoa fsica, famlia ou organismo no exerccio das atividades e funes deste produtor (LOPEZ, 2002, p. 51).

  • 29

    A citao anterior nos remete importncia que os arquivos tm, mesmo que

    amontoados informalmente, para a histria e a memria de uma instituio. Alguns

    documentos so guardados e outros descartados, cujas aes guardar e

    descartar trazem influncias e/ou intenes das pessoas envolvidas com a

    documentao em determinada funo ou momento.

    Em sua organizao, cabe ao historiador reconhecer as marcas da

    subjetividade presentes nas instituies e nos documentos existentes e [...] saber

    fazer perguntas, questionar e dialogar com os documentos (LUCHESE, 2014, p.

    148), desnaturalizando cada um deles nos caminhos da investigao. Mas no h

    um caminho a seguir, o pesquisador que constri o seu caminho. Assim, [...] a

    descoberta desses modos de construo pode ser feita atravs de vrios itinerrios

    e com outras fontes, impressas ou no (NUNES, 1996, p. 67), descobri-los, porm,

    no uma atividade simples.

    Nos caminhos desta pesquisa, as aes de investigar, catalogar, selecionar e

    analisar as fontes documentais sobre o ensino primrio rural em Cianorte foram

    tarefas desafiadoras.

    Com certeza, no excessivo destacar, a Escrita da Histria da Educao realizada com base nos vestgios que conseguimos localizar. Catalog-los, organiz-los e dar-lhes uma forma passvel de anlise o desafio enfrentado pelos pesquisadores comprometidos com a produo no campo da Histria da Educao [...] (RODRIGUES, 2012, p. 20).

    Com o compromisso da escrita a respeito desta histria, iniciamos as

    atividades do processo de investigao. Em reunio com o Grupo de Pesquisa

    Histria da Educao, Intelectuais e Instituies Escolares, a pesquisadora

    Andressa Lariani Paiva Gonalves, orientada pela Professora Doutora Analete

    Regina Schelbauer, apresentou alguns dados sobre sua pesquisa intitulada Histria

    e memria: fontes documentais da escolarizao primria no Municpio de Cianorte.

    Entre os dados apresentados, estava a informao de que havia documentos (Atas

    de exames finais) sobre a escolarizao primria rural na Prefeitura do Municpio.

    Com base nesta informao, iniciamos a busca por estes e outros

    documentos referentes s escolas rurais. Nosso primeiro passo foi entrar em contato

    com a Secretaria Municipal de Educao SME, localizada na sede da Prefeitura do

    Municpio de Cianorte. No setor denominado Diviso de Documentao Escolar,

  • 30

    que faz parte da SME, encontramos, no primeiro momento, apenas alguns

    documentos relacionados escolarizao primria rural do municpio.

    No desistimos e continuamos nossa busca por outras fontes. Assim, por

    meio de informaes de profissionais que atuaram, na poca, no Departamento de

    Educao de Cianorte, criado em 1970, os vestgios do nosso objeto foram sendo

    desvelados. Comeamos por um processo de conquista e de convencimento

    daqueles que mantinham a guarda dos documentos. Tarefa rdua e que necessitou

    de um tempo para que uma relao de confiana se estabelecesse entre

    pesquisados e pesquisadora.

    Processo que nos concedeu grata satisfao ao encontrar inmeros

    documentos sobre nosso objeto, mediante nossa proposta de organizar os arquivos

    existentes, j que, para organiz-los, foi necessrio manuse-los e, dessa forma,

    conhec-los. Ainda na sede da Prefeitura, no setor denominado Secretaria de

    Assessoria de Comunicao Social, em meio a muitos lbuns, foi possvel encontrar

    fotografias e recortes de jornais antigos que remetem histria do municpio e,

    consequentemente, da educao.

    Num segundo momento, com a autorizao da SME, visitamos a Escola

    Municipal Castro Alves, antiga Escola Rural Municipal Castro Alves e ltima unidade

    escolar rural em funcionamento no municpio at o ano de 1999, onde encontramos

    grande volume documental preservado.

    procura de outros vestgios, seguimos para o Ncleo Regional de Educao

    de Cianorte NRE. Nesse local, encontramos arquivos escolares antigos de

    instituies extintas de Cianorte e regio, os quais no foram selecionados para a

    pesquisa por no adentrarem ao nosso recorte investigativo.

    Diante de tantos documentos, ainda que arquivados de maneira inapropriada

    de acordo com os princpios da arquivstica, tomamos como tarefa primeira catalog-

    los para, na medida do possvel dentro do espao-tempo desta investigao,

    inventari-los de maneira que pudssemos organizar e selecionar os documentos

    que nos dariam suporte.

    Ao reconhecer o papel de pesquisadora/historiadora, lancei-me na tarefa de

    organizar tais documentos, destarte, sem a pretenso de inventari-los tal como

    pressupe a arquivstica, mas no sentido de mape-los, dando suporte tanto a esta

    como a outras possveis pesquisas. Ao todo, organizamos 179 novas caixas de

  • 31

    arquivo com os documentos histricos que se encontravam dispersos e catalogamos

    2.044 exemplares que se encontravam em 67 caixas.

    Foi muito interessante viver este processo. Alm de mapear a documentao

    existente, o objetivo se estendeu no sentido de envolver os funcionrios da Diviso

    de Documentao Escolar da Prefeitura Municipal com relao sua importncia,

    organizao e preservao do patrimnio histrico escolar do municpio. A cada

    etapa do contato, fomos organizando e encontrando mais e mais documentos. Com

    a inteno de sistematiz-los, identificamos, etiquetamos e acomodamos os

    documentos em caixas de arquivo, preservando a organizao original, de acordo

    com a orientao de manter a ordem em que os documentos se encontram

    (BACELLAR, 2014). Quanto a estes procedimentos, Magalhes (2004, p. 136)

    sinaliza que, [...] a inexistncia de um arquivo organizado, a disperso da

    documentao por vrios espaos e a precariedade das condies de conservao

    desafiam o historiador, mediante um protocolo, a intervir na construo do arquivo.

    Segundo o autor, alguns riscos devem ser evitados nesse processo de

    organizao, para que [...] o arquivo a construir e organizar seja uma representao

    orgnico-funcional da instituio (MAGALHES, 2004, p. 136). Para tanto, salienta

    a necessidade de envolver a participao de um arquivista e de representantes da

    instituio. Diante da impossibilidade de termos um arquivista nos auxiliando,

    trabalhamos com a participao de uma representante da instituio.

    Quanto aos documentos existentes na antiga Escola Rural Municipal Castro

    Alves, atualmente denominada Escola Municipal Castro Alves, a funcionria

    responsvel pela documentao escolar foi muito solcita e nos auxiliou para que

    pudssemos fazer a catalogao de fontes.

    Para efeito de conhecimento, descrevemos o material encontrado no decorrer

    deste texto. Antes, porm, rever o contexto em que estes documentos foram

    produzidos tarefa importante e necessria pesquisa historiogrfica, uma vez que

    [...] impossvel falar de histria das instituies educativas sem situ-las na regio

    que esto inseridas e, ante a outras escolas, situ-las no contexto socioeconmico

    da poca (WERLE, 2004, p. 32). Alm disso, segundo Belloto (2002, p. 9),

    [...] os documentos de arquivo so testemunhos inequvocos da vida de uma instituio. [...] Esto na raiz de todos os atos de causa, efeito e resultados do para qu, do como, do porqu, do quando e do

  • 32

    quanto, sob todos os pontos de vista, do ser e do existir dessa entidade.

    Portanto, preciso estabelecer as relaes entre [...] o nacional/universal, o

    regional, o local (MAGALHES, 2004, p.134), visto que construir os nexos entre a

    instituio, seus documentos e o contexto a que esto vinculados que nos permite

    reconstruir uma narrativa que almeja abarcar a totalidade da instituio estudada.

    Com este intuito, reportamo-nos ao processo de constituio de Cianorte

    para, ento, contextualizar a escola rural no Municpio e no Estado.

    2.1 A EDUCAO RURAL NO CENRIO CIANORTENSE

    A necessidade de expandir a escolarizao primria no Brasil fez com que se

    constitusse um modelo de escola com baixo custo e que chegasse populao que

    se encontrava mais afastada dos centros urbanos. Segundo vila,

    [...] embora consideradas sinnimos de atraso ou um mal necessrio, essas escolas desempenharam, revelia da precariedade de suas instalaes e de formao de seus professores, importante papel na difuso do ensino primrio nas diferentes regies do pas (VILA, 2013, p. 176).

    As escolas rurais, tambm denominadas isoladas, expandiram-se no cenrio

    da educao paranaense. Em meados do sculo XX, a proporo de escolas rurais

    aumentou significativamente no norte do Paran, tendo em vista o intenso processo

    de ocupao territorial (BAREIRO, 2007).

    Assim sendo, nesta subseo, temos o objetivo de contextualizar a

    constituio e a insero da escola rural no Municpio de Cianorte, a fim de que

    possamos traar a gnese do nosso objeto de estudo e concaten-lo nas discusses

    e anlises ao longo dos textos.

  • 33

    2.1.1 A constituio do Municpio de Cianorte

    O processo de colonizao do territrio localizado ao norte do Estado do

    Paran iniciou-se por volta da dcada de 1920, por meio de concesses a

    companhias de colonizao (STECA; FLORES, 2002). A possibilidade de

    concretizao desse processo, segundo Kohlhepp (2014), teve incio pouco tempo

    depois da Proclamao da Repblica, em 1889. Foram concedidas Companhia

    Estrada de Ferro So Paulo-Rio Grande milhares de quilmetros quadrados de

    terras para que o espao que compreende o noroeste e oeste do Estado do Paran

    fosse colonizado. Porm o no cumprimento dos termos da concesso pela

    companhia ferroviria fez com que, anos depois, as terras fossem devolvidas ao

    Estado.

    Nesse sentido, a [...] Revoluo de 1930 trouxe a revogao de vrias

    concesses de terras que no tinham preenchido as condies legais dentro de

    prazo de 5 anos (KOHLHEPP, 2014, p. 54). Alm disso, o autor afirma que a

    colonizao agrria do norte do Paran foi dificultada pela presena de dois grupos

    distintos na regio: os intrusos, que ocupavam as terras e delas saam mediante

    uma compensao financeira, e os posseiros, cujas famlias cultivavam as terras

    desocupadas e tinham interesse de obter sua posse.

    Aps o incio da dcada de 1930, em que as crises cafeeira e econmica

    mundiais atingiram o grau mais elevado no perodo (KOHLHEPP, 2014), a

    colonizao do Norte Novo do Paran iniciou seu processo por intermdio do

    planejamento colonizador da Companhia de Terras Norte do Paran CTNP, em

    parceria com a Paran Plantations Ltd. Tais empresas eram de origem inglesa e

    privadas, fundadas por Lord Lovat, um escocs especialista em reas como a

    agricultura, o reflorestamento e a colonizao (KOHLHEPP, 2014).

    A sede da CTNP era em So Paulo e tinha como objetivos realizar operaes

    de compra e explorao de terras, alm de conseguir pessoas que se interessassem

    em coloniz-las (KOHLHEPP, 2014). A Paran Plantations, por sua vez, com sede

    em Londres, financiava o grande projeto de colonizao. A aquisio das terras do

    norte paranaense pela CTNP, contou com o apoio do governador do Estado na

    poca, Senhor Munhoz da Rocha, e foi efetivada, mediante a compra de todos os

  • 34

    ttulos de terras legais ou falsificados e por compensaes financeiras realizadas a

    posseiros ou intrusos, por preos muito baixos (KOHLHEPP, 2014).

    Entre os motivos que levaram o Estado a apoiar as aes colonizadoras de

    empresas privadas, estava o fato de que acreditava que ganharia com este tipo de

    colonizao. De acordo com Steca e Flores (2002, p. 138),

    [...] primeiro porque a venda das terras para Companhias privadas, ainda que por preos baixos e doze anos para pagar, dariam maiores lucros do que as simples concesses; depois, ao serem emitidos os ttulos de posse, poderiam recolher impostos dos donos dos lotes e da produo e comercializao neles desenvolvidos.

    Por ocasio da II Guerra Mundial, a CTNP foi vendida a um grupo de

    brasileiros, entre eles funcionrios da prpria companhia e banqueiros de So Paulo

    e Rio de Janeiro, em 1944. No mesmo ano, a rea denominada gleba Cruzeiro,

    situada no norte novssimo, foi adquirida pela Companhia. Em 1951, a empresa

    recebeu o nome de Companhia Melhoramentos Norte do Paran CMNP

    (KOHLHEPP, 2014; SOUZA, 2010).

    Na dcada de 1950, a colonizao avanou em direo s terras do noroeste.

    Em 26 de julho de 1953, o Patrimnio de Cianorte foi fundado pela CMNP, cujo

    nome homenageia a empresa. Cianorte foi elevada a municpio em 13 de julho de

    1955. Assim como muitos municpios da regio, fez parte de um processo de

    colonizao sistematicamente planejado pela CMNP (COMPANHIA

    MELHORAMENTOS NORTE DO PARAN, 1975).

    Muitas disputas envolveram a questo da posse de terras no Estado do

    Paran. A ausncia de uma poltica confivel de compra e venda de terras pela ao

    colonizadora estatal, bem como os diversos problemas com relao ao transporte e

    acesso s reas urbanas, no mbito pblico, diferenciavam o planejamento de

    colonizao e povoamento das reas pertencentes CTNP e, mais tarde, CMNP

    (KOHLHEPP, 2014).

    A historiografia tem apresentado questionamentos acerca desses processos

    de colonizao, demonstrando que no foram pacficos, muito menos ideais,

    entretanto as condies com relao prestao de servios oferecidas pela CTNP

    aos colonos implementaram um projeto que favoreceu uma colonizao mais

    intensiva no norte do Estado em meados do sculo XX. Segundo Kohlhepp (2014),

  • 35

    entre os servios prestados pela CTNP, estavam o fornecimento de meios de

    transporte, subsdios para o desmatamento, cuidados mdicos, construo e

    manuteno de escolas.

    Convm esclarecer que historiadores demarcam a presena de habitantes no

    local muito antes do processo de colonizao do norte do Estado, regio em que se

    encontram municpios como Maring, Londrina, Campo Mouro, Cianorte,

    Umuarama, entre muitos outros (TOMAZI, 1999; NOELLI; MOTA, 1999; MOTA;

    NOELLI, 1999; KOHLHEPP, 2014). A ao colonizadora da CTNP/CMNP, nesse

    sentido, retirava de seu caminho qualquer obstculo que pudesse interromper seus

    projetos, inclusive as pessoas que j habitavam as terras, mesmo que pela via da

    indenizao.

    Alm dessas questes, os impactos ambientais que resultaram de um

    processo de colonizao intenso com o [...] desflorestamento radical no norte do

    Paran teve como consequncia uma crescente instabilidade de fatores climticos,

    bem como eroses extremamente fortes, cujas consequncias so imprevisveis

    (KOHLHEPP, 2014, p. 194).

    Quanto a esses impactos no contexto de Cianorte, Souza (2010) salienta que,

    ao se reportar

    [...] histria de urbanizao de Cianorte, fica evidente a sua inadequao em relao aos elementos fsicos, com destaque para as reas de drenagem periurbana, mesmo levando em conta o fato do agente colonizador (CMNP) ter imprimido em todos os ncleos

    urbanos, de sua rea de colonizao, o planejamento (p. 70).

    Acrescenta a autora que o domnio, por parte da CMNP, das reas vegetadas

    constantes no projeto original de Cianorte apenas visava lucros por meio das vendas

    dos terrenos e lotes urbanos (SOUZA, 2010).

    Entre os impactos causados pelo intenso processo de povoamento do

    municpio, tendo em vista o rpido desmatamento e as condies do solo dessa

    regio5 somadas s aes humanas, entre os anos de 1960 e 1970, surgiram

    grandes eroses na extenso do municpio. Uma delas ficou muito conhecida como

    5 A regio de Cianorte [...] encontra-se inserida quase que por completo no domnio da Formao

    Caiu (SOUZA, 2010, p. 71). Explica a autora que este tipo de solo caracteriza-se pela fragilidade, porque contm [...] elevados teores de areia e quantidades irrisrias de argila em superfcie. Quando ocorre o desflorestamento em reas com esse tipo de solo, os processos erosivos so imediatos (p. 69).

  • 36

    Buraco da Me Biela por se referir a uma senhora que perdeu sua casa na

    ocasio (SOUZA, 2010).

    Tal processo de povoamento, aps a inaugurao de Cianorte, contou com

    pessoas de diversos pontos do Brasil e de outros pases. No livro memorialstico,

    cujo objetivo preservar a histria e a memria de Cianorte desde sua gnese, as

    autoras apresentam o resultado da pesquisa realizada no Cartrio de Registro Civil

    do municpio:

    Em 1955, o Cear contribuiu com o maior fluxo populacional (25%), seguido pela Bahia, Minas Gerais, So Paulo, com 16.66% cada um e 8.33% de contribuio de paranaenses. [...] A partir de 1956, o Estado de So Paulo passou a ser o maior contribuinte na migrao, para, progressivamente, ir dando lugar aos paranaenses, que em 1980, passaram a compor cerca de 44% da populao de Cianorte. No ano de 1960, registra-se o pico do fluxo paulista com 45.16% da populao entrante (CIOFFI et al., 1995, p. 54).

    Durante a execuo desta pesquisa, encontramos documentos de

    trabalhadores que atuaram no Departamento de Educao do Municpio entre as

    dcadas de 1950 e 1990, denominados Cadastros Funcionais, que registram a

    origem de pessoas de outras localidades, como: municpios do interior do Paran,

    So Paulo, Minas Gerais, Pernambuco, Cear, Bahia, Rio Grande do Sul e Santa

    Catarina, alm dos pases Portugal e Espanha. Assim, [...] a populao que veio a

    se instalar na cidade era derivada de vrias partes do estado, do pas e do mundo, o

    que formou uma populao mista, sem a presena de nenhuma colnia especfica

    ou predominante (GONALVES, 2013, p. 7).

    Sobre a histria de Cianorte, pertinente destacar que o livro memorialstico

    Cianorte: sua histria contada pelos pioneiros apresenta alguns depoimentos de

    pessoas que participaram do processo de desenvolvimento e expanso do

    municpio, os quais indicam a presena de moradores na rea, chamados pelos

    pioneiros de sutis. Vale a pena transcrever alguns deles:

    Eu cheguei a ter contato com os sutis bem no incio de Cianorte. A Companhia tinha interesse em remov-los daqui porque a presena deles criava obstculos colonizao da regio de Japur, local onde se encontravam. [...] Eles apresentavam ser uma mistura de ndios e caboclos [...]. Em conversa com eles, disseram que

  • 37

    moravam ali h muito tempo [...] (Depoimento de Celso Antonio Broetto)6 medida que a civilizao ia chegando, ia empurrando-os para mais longe, e era uma gente esquisita [...]. Quem teve mais contato com eles foi o Sr. Wilsom Ferreira Varella7 [...] ele fez amizade com os sutis [...]. Como ele ficou amigo deles, na hora que foi necessrio tir-los daqui para recoloc-los mais adiante, foi o Sr. Wilsom que entrou nas negociaes e ajudou [...] (Depoimento de Helena de Moraes Barros). [...] eles eram uns caboclos que estavam se apossando da Companhia. A companhia pagou a eles, indenizou-os, mas tirou eles de l. (Depoimento de Jos Sebastio Pereira) (CIOFFI et al., 1995, p. 43-45; 47).

    Em consonncia com estes depoimentos, afirmamos, amparados em

    Schelbauer (2014) e Tomazi (1999), que a questo do povoamento do territrio da

    regio de Cianorte no ocorreu de forma pacfica, uma vez que as terras no

    estavam totalmente desabitadas. Tomazi (1999) veicula a informao de que a

    violncia esteve presente na questo da posse da terra no norte do Paran, j que

    [...] existiam milhares de posseiros com suas roas e ranchos, os quais lutaram pelo domnio pleno da terra que ocupavam desde h anos, contra terceiros, geralmente de pessoas e famlias ricas que viviam nas cidades e que se utilizavam dos mais variados expedientes (inclusive a grilagem de terras, bem como pistoleiros e jagunos) para manter os seus domnios. De sorte que muitos captulos da histria da (re)ocupao da terra do Paran, neste sculo, foram escritos com fogo e sangue [...]. A questo das terras na regio norte do estado do Paran, portanto, no uma questo

    pacfica como muitos querem afirmar (p. 66-67).

    No caso de Cianorte, embora os depoimentos revelem a presena dos sutis

    e que os mesmos tiveram que ser retirados do local, j que eram vistos como

    ameaas colonizao, ao mesmo tempo informam que eram [...] super pacficos,

    gente muito tranquila, caboclos mesmo. Gente boa (CIOFFI et al., 1995, p. 45).

    Percebem-se, assim, contradies existentes entre os depoimentos dos pioneiros e

    a historiografia. Tais contradies evidenciam a forte presena dos discursos

    voltados ao progresso, veiculados pela CMNP, muitas vezes reproduzidos

    acriticamente.

    6 Primeiro funcionrio do primeiro posto de sade de Cianorte (CIOFFI et al., 1995).

    7 Primeiro prefeito de Cianorte, eleito em outubro de 1955, aps a elevao de Patrimnio Municpio

    de Cianorte (CIOFFI et al., 1995).

  • 38

    Assim como em outros municpios do Estado, inicialmente, a populao

    habitava, em maior nmero, a zona rural. Este quadro teve suas modificaes ao

    longo dos anos que recortam esta pesquisa, demonstrando a mobilidade do campo

    para a cidade. Entre as dcadas de 1960 a 2010, dados do censo demogrfico,

    obtidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IBGE, demonstram o

    progressivo aumento da populao urbana e o consequente decrscimo da

    populao rural. A tabela a seguir demonstra esta afirmativa:

    Tabela 01 Evoluo da populao urbana e rural de Cianorte.

    Localizao Ano

    1960

    1970

    1980

    1991

    2000

    2010

    Urbana

    ...

    23.936

    29.406

    37.852

    49.637

    62.282

    Rural

    ...

    29.089

    20.232

    11.997

    7.753

    7.676

    Total

    31.987

    53.025

    49.638

    49.849

    57.390

    69.958

    Fonte: Dados de Censos Demogrficos organizados pela autora (IBGE,1960, 1970, 1980, 1991, 2000, 2010).

    Alm da movimentao evidenciada por meio da tabela 1, observa-se que o

    nmero populacional total teve uma queda entre as dcadas de 1970 e 1980,

    obtendo pequeno aumento em 1991. A partir de 2000, o nmero total de residentes

    em Cianorte aumentou consideravelmente, mas o nmero de moradores da zona

    rural continuou a diminuir.

    Com a desocupao do espao rural de Cianorte em grande escala, os

    investimentos em educao tomaram rumos diferenciados na poltica do municpio,

    diante da suposta ausncia de necessidade de manter escolas no campo. Sobre a

    questo da educao rural em Cianorte, nosso prximo passo ser a

    contextualizao das escolas rurais neste municpio. Neste sentido, h que se

    considerar que a histria se constri singularmente, porm sob influncias de um

    contexto maior. Portanto, os aspectos que engendram a educao rural no Paran e

    no Brasil fazem parte da abordagem que contextualiza o tema em Cianorte.

  • 39

    2.1.2 A escola rural no contexto de Cianorte

    Em meados do sculo XX, a escolarizao primria se constitua um desafio a

    ser vencido no Estado do Paran. O nmero de instituies primrias no atendia

    demanda de crianas em idade escolar. O governador Moiss Lupion relatou a

    preocupao do Estado:

    No que se refere ao ensino primrio, sabido de todos o nosso profundo dficit em unidades escolares, em todo Estado. Evidentemente, tal dficit no pode ser sanado no primeiro instante e as medidas adotadas para enfrent-lo tinham de ser medidas de emergncia. Com essa preocupao, determinamos que, na abertura das aulas das escolas daquele grau, se procurasse recolher em nossos grupos e escolas isoladas existentes tdas as crianas que batessem s suas portas. [...] Parece-nos que mais justo dar um pouco a todos, do que recusar a muitos e muitos o que se d a alguns (PARAN, 1956, p. 12).

    A presente citao faz parte da Mensagem de Governo do Estado do Paran,

    Senhor Moyss Lupion, por ocasio da abertura da Sesso Legislativa Ordinria no

    ano de 1956. Ela nos permite interpretar, inicialmente, o contexto da educao no

    Estado do Paran na dcada de 1950, especialmente nos anos de 1955 e 1956,

    momento em que Cianorte apontava como um ncleo em desenvolvimento, com sua

    elevao a municpio em 1955, aps sua fundao em 1953.

    Segundo a mensagem, as escolas isoladas deveriam atender a todas as

    crianas, cujas famlias procurassem por escolarizao. Possivelmente, a medida

    tomada pelo governo sobrecarregou as escolas que, por sua vez, no tinham os

    recursos necessrios sua manuteno. No caso de Cianorte, as escolas isoladas

    estavam por ser construdas.

    No contexto do Brasil, durante o sculo XX, as escolas isoladas se

    configuravam como um modelo de escola que atuaria com muitos objetivos e poucos

    recursos a fim de democratizar o acesso educao s populaes menos

    favorecidas. Dadas as condies especialmente agrrias do pas, a maioria da

    populao concentrava-se na zona rural e em locais mais afastados da zona urbana

    (SCHELBAUER, 2014).

    Os grupos escolares, modelo de escola graduada, situavam-se nos centros

    urbanos e no estavam disposio do povo trabalhador rural. Segundo Faria Filho

  • 40

    e Vidal (2000), os grupos escolares se constituram como escolas-monumentos, com

    uma arquitetura que se propunha superar o atraso das escolas de primeiras letras

    que vigorou antes da Repblica.

    De acordo com Souza (2009, p. 29), este modelo de escola [...] colocava em

    correspondncia a distribuio do espao com os elementos da racionalizao

    pedaggica em cada sala de aula uma classe, para cada classe, um professor e

    denotava a modernizao educacional que a Repblica queria projetar. Tinha

    carter de monumento, por sua vez muito oneroso, ficando visvel a contribuio

    massiva dos outros modelos de escolas na educao do povo, sobretudo as escolas

    isoladas. Estas, segundo Saviani (2010, p. 172),

    [...] chamadas tambm de primeiras letras, eram classes isoladas ou avulsas e unidocentes. Ou seja, uma escola era uma classe regida por um professor, que ministrava o ensino elementar a um grupo de alunos em nveis ou estgios diferentes de aprendizagem.

    Informa vila (2013, p. 32) que [...] as escolas primrias localizadas na zona

    rural brasileira receberam ao longo da Primeira Repblica diferentes denominaes

    conforme a regio em que estavam instaladas, tais como: escolas preliminares,

    escolas rurais, escolas isoladas, escolas isoladas rurais e escolas rudimentares8.

    No cenrio nacional, na primeira metade do sculo XX, o debate sobre a

    necessidade de manter o homem no campo se configurava como discurso a fim de

    manter a economia do pas pautada na agricultura, alm de delegar escola pblica

    o papel de formar o campons para a lida com a terra por meio de conhecimentos

    sistematizados sobre as tcnicas agrcolas. Como explicam Schelbauer e Gonalves

    Neto (2013, p. 87):

    O potencial agrcola da maior parte dos estados da federao conduzia o olhar sobre a vocao agrria do pas, no qual o centro da questo consistia em criar estmulos ao trabalhador do campo para deixar a economia de subsistncia e produzir dentro das novas regras de um mercado mundial. Sob este aspecto, a escola pblica

    8 Segue a denominao das escolas por Estado, de acordo com vila (2013, p. 32): [...] No Estado

    de So Paulo, por exemplo, eram conhecidas como escolas preliminares, depois, como escolas rurais e escolas isoladas (SO PAULO, 1912; 1915; 1919). Em Santa Catarina, escolas rurais e, na sequncia, escolas isoladas (SANTA CATHARINA, 1908; 1920a). No Territrio do Acre, escolas isoladas (TERRITRIO DO ACRE, 1922), no estado do Mato Grosso, escolas isoladas rurais (MATO GROSSO, 1927), na Bahia, escolas rurais (BAHIA, 1925), no Rio Grande do Norte, escolas isoladas e escolas rudimentares (RIO GRANDE DO NORTE, 1925a, 1925b) e, em Minas Gerais, escolas rurais (MINAS GERAES, 1927).

  • 41

    passava a ser concebida como sada emergente, especialmente pela difuso das escolas primrias por causa do alto nmero de analfabetos residentes no meio rural. Mas tambm, pelo ensino agrcola tcnico-profissional e superior, o qual formaria o trabalhador do campo, apto ao conhecimento das novas tcnicas de produo e plantio, fundamentais ao desenvolvimento econmico do pas.

    As escolas rurais promoveriam, alm dos necessrios conhecimentos sobre

    higiene, habitao, alimentao e instruo para a sobrevivncia, o conhecimento

    pertinente ao trabalho com a terra, priorizando a modernizao do campo e,

    consequentemente, alargando a produo e a economia (MIGUEL, 2007).

    Schelbauer (2014) aponta a existncia de 120 escolas primrias rurais,

    relatadas em mensagem de governo, referente ao exerccio dos anos de 1924 a

    1928, e descreve as suas caractersticas, evidenciando sua presena no perodo de

    colonizao: Essa escola primria, subvencionada mediante acordo com o governo

    federal, situava-se, sobretudo, nas zonas de colonizao e configurava-se como

    escolas isoladas, regidas por um nico professor, em salas multisseriadas (p. 81).

    O Paran viveu um intenso processo de colonizao e povoamento de suas

    terras em meados do sculo XX. Com relao ao perodo de 1930 a 1960,

    Schelbauer (2014) afirma que os governos do Estado9 foram [...] caracterizados por

    prticas administrativas voltadas ao povoamento do territrio, por meio dos trabalhos

    de colonizao das regies Norte, Oeste e Sudoeste do Estado [...] (p. 77). Nesse

    sentido, os esforos para desenvolver e modernizar o Estado, no perodo,

    transitavam entre a agricultura, o transporte para o escoamento da produo e a

    educao do povo.

    Tendo em vista a ocupao do interior do territrio paranaense e o baixo

    custo, as escolas isoladas se disseminaram, sustentando a expanso da

    escolarizao primria. Assim, a escola rural teve papel relevante no movimento de

    colonizao do Estado do Paran, uma vez que as famlias concentravam-se na

    zona rural e lutavam pela educao de seus filhos.

    A colonizao do Norte e Sudoeste do Estado ocorreu com a ocupao da rea rural pelas frentes pioneiras o que contribuiu para a predominncia da populao rural sobre a urbana no Estado do Paran. medida que ocorria a fixao das comunidades rurais

    9 No perodo mencionado, temos [...] os governos de Manoel Ribas, como interventor (1932-1935 e

    1937-1945) e governador (1935-1937), Moyss Lupion (1947-1951 e 1956-1961) e Bento Munhoz da Rocha Neto (1951-1955) como governadores (SCHELBAUER, 2014, p. 77).

  • 42

    tambm eram implantadas as escolas para essas comunidades fruto da iniciativa destas (BAREIRO, 2007, p. 98).

    Quanto s modalidades de escolas rurais existentes no Paran, Schelbauer

    (2014) descreve os tipos de denominaes e modelos que favoreceram o acesso

    educao no meio rural entre as dcadas de 1930 e 1960, paralelamente s escolas

    urbanas. So elas: [...] as escolas de trabalhadores rurais e de pescadores, [...]; o

    grupo escolar rural e a escola primria rural, modelo de escola isolada que atendia

    s populaes rurais, tambm denominadas nos documentos como Casa Escolar

    Rural (p. 80).

    Em Cianorte, as escolas rurais que permaneceram em funcionamento entre

    as dcadas de 1950 e 1990 se ajustam ao modelo de escola isolada informado por

    Schelbauer (2014), com estrutura simples e edificada no meio rural, embora com

    vrias denominaes nos documentos, tendo como organizao classe

    multisseriada e unidocente.

    As denominaes encontradas nos arquivos escolares deste municpio foram:

    Escola Isolada, Escola Rural, Escola Rural Municipal, Escola Municipal ou apenas

    Escola. Souza (2009), ao analisar as condies dessas escolas no Estado de So

    Paulo entre 1890 e 1976, afirma que [...] caracterizavam-se durante o sculo XX

    pela carncia e abandono. [...] Casas de tbuas, barracos, casebres e algumas

    edificaes em alvenaria (p. 149), nas quais os professores realizavam vrias

    tarefas alm de ensinar; tais como, fazer a merenda e cuidar do asseio. Essas

    funes, muitas vezes desempenhadas pelos docentes, devem-se ao fato que no

    havia funcionrios para servios gerais ou administrativos. Em Cianorte, a

    iconografia e demais documentos existentes sobre as escolas rurais aproximam

    nosso entendimento da afirmao de Souza (2009) quanto s suas caractersticas.

    Com relao educao do municpio, segundo Gonalves e Schelbauer

    (2011), a primeira escola foi criada em 1955, na zona urbana, em ao conjunta

    entre a CMNP e moradores. A CMNP doou a madeira para a construo e os mveis

    foram feitos pela comunidade. Dois meses depois foi registrada na Inspetoria de

    Peabiru com o nome Casa Escolar Cianorte. Dona Alvina Gavioli foi a primeira

    diretora, permanecendo no cargo at 1962 (CIOFFI et al., 1995, p. 359-360). Antes

    disso, porm, os depoimentos de dois pioneiros lembram a iniciativa dos primeiros

    colonizadores, preocupados com a educao de seus filhos.

  • 43

    No havia escola. Dentre os primeiros moradores se apresentou como sendo professora a Dona Alvina Gavioli. Havia vindo de Minas Gerais onde exercia a funo de professora e se props a lecionar. Os lderes da comunidade mostraram interesse porque tinham filhos que precisavam frequentar a escola. Em contato com o prefeito de Peabiru, que era sede do municpio na poca, o mesmo credenciou-a para lecionar. Num salo comercial cedido por algum foi organizada a escola onde Dona Alvina passou a lecionar para dezenas de alunos (Depoimento de Celso Antonio Broetto). Ento l estava D. Alvina sentada no assoalho porque no havia carteiras. Estava com um caderno na mo fazendo as matrculas dos primeiros alunos (Depoimento de Mateus Biazzi) (CIOFFI et al., 1995, p. 359-360).

    Com base nos documentos disponveis sobre a escolarizao primria rural

    referente ao perodo de 1950 a 1990, constatamos que as trs primeiras escolas

    rurais no municpio foram construdas no ano de 1956. Gradativamente, esse

    nmero aumentou de acordo com o crescimento da populao rural. Segundo

    registros nos documentos da poca, nos anos seguintes, foram construdas mais

    oito escolas rurais, chegando a onze construes na dcada de 1950. A dcada de

    1960 se apresentou com registro de maior nmero de construes, totalizando 48,

    enquanto que, na dcada de 1970, encontramos o registro de construo de apenas

    trs escolas: Marechal Costa e Silva, General Emlio Garrastazu Mdici e Dom Joo

    Bosco. O nmero total chegou a 62 unidades na extenso rural de Cianorte

    (CIANORTE, 1962-1979; 1978-1999; 1989; s/dc).

    A partir da dcada de 1970, poucas unidades escolares foram construdas.

    Nesse perodo, ocorreu a geada de 1969, que causou srios prejuzos na colheita do

    caf em 1970, e acelerou-se a migrao de parte da populao rural para a zona

    urbana no norte do Estado (KOHLHEPP, 2014). Alm disso, de acordo com Capelo

    (2000), o baixo preo do caf, o aumento da produo internacional e as exigncias

    do mercado somados insero da legislao trabalhista no meio rural e a

    consequente mudana para a forma de trabalho assalariado contriburam para a

    policultura e para a desocupao progressiva do campo desde meados da dcada

    de 1960, evidenciando a queda da cafeicultura.

    Em Cianorte, comeou a ocorrer, com incio em 1970, uma inverso na

    estatstica populacional entre as zonas rural e urbana. Os ndices, nessa dcada,

    apontavam que 45,14% da populao residiam na zona urbana e 54,86% na zona

    rural. Dez anos depois, no ano de 1980, registrava-se o percentual de 59,24% de

  • 44

    residentes na zona urbana contra 40,76% na zona r