historia da educacao_cap1 - nelson piletti

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  • 7/29/2019 Historia Da Educacao_cap1 - Nelson Piletti

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    ConfCioeaeduCaooriental

    Estudo sem pensamento trabalho perdido;

    pensamento sem estudo perigoso.

    (Confcio, 551-479 a.C.)

    Confcio, o mais clebre filsofo chins, viveu em um tempo de caose corrupo na China antiga. Sua filosofia priorizava a tica nas relaespessoais e polticas. Valorizava a famlia, principalmente o respeito aospais. Criou um sistema de moral bem de acordo com a maneira de serdo povo chins. Tal sistema valorizava a tradio, o culto aos mortos, oensino da virtude e o altrusmo. E a melhor maneira de transmitir esseensinamento era, segundo ele, o bom exemplo.

    Confcio no deixou sua filosofia registrada sob a forma de escritos.Seus discpulos que o fizeram. Eles resumiram os ensinamentos do mes-

    tre em uma obra chamada Analetos. Esses ensinamentos espalharam-sepor todo o mundo e continuam muito influentes at hoje.Num desses ensinamentos, Confcio resumiu da seguinte maneira

    as ideias dos chineses a respeito do mundo e da vida: O que o cuconferiu chama-se Natureza; a conformidade com ela chama-se sendado saber; a direo deste caminho do saber chama-se instruo (apudLarroyo, 1970: 51).

    A educao, ento, consistia em comunicar a cada indivduo, desde

    a infncia, como devia caminhar na senda do saber. E essa senda nadamais era do que um conjunto de usos e costumes, de conhecimentos eartes, consagrados pela milenar tradio.

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    A educao inicial realizava-se na famlia. Cabia ao pai ensinar a seufilho, desde a mais tenra idade, a mover-se, a manter-se de p, a falar, aconduzir-se em sociedade e a conhecer os deveres para com os velhos

    e os jovens. O aprendizado da leitura comeava aos 7 anos de idade.A importncia concedida educao familiar derivava do fato de

    que a famlia era considerada a base da organizao social. O bem doEstado dependia de como andava a vida familiar. Quando os negciosda casa esto bem ordenados, os do Estado tambm estaro bem, poisestes repousam naqueles. E aquele que venera seus pais, certamente,tambm haver de venerar o Imperador.

    As ordens do Imperador tinham um carter divino. E, se os manda-rins as acatavam e as faziam cumprir, tambm mereciam ser venerados.O pai, por sua vez, o ltimo elo dessa hierarquia divina. No lar, elerepresentava o prprio Imperador e tinha poder ilimitado. E, o mandarim,era obrigado a castigar o filho de quem o pai se queixava.

    Na China, no havia um sistema de ensino juridicamente regulamen-tado. A tradio, no entanto, estabeleceu dois graus: o ensino elementare o superior.

    O ensino elementar era ministrado s crianas por professores par-ticulares, na casa paterna ou em pequenas escolas. A principal tarefa daescola elementar era a de conservar a unidade da nao e de manteras tradies ancestrais. Mesmo no sendo obrigatrio, esse ensino eraministrado a alunos de 7 a 14 anos e durava o dia todo.

    Ensinava-se leitura e escrita. Por ser a lngua chinesa bastante com-plicada, tal estudo prolongava-se por toda a vida. O ensino era dogmticoe memorizado. As crianas, observando os caracteres impressos, repetiam

    cada palavra pronunciada pelo professor. Depois liam uma linha com-pleta que deveria ser memorizada com a mesma entonao do professor.Os livros didticos utilizados para o aprendizado da leitura e da escritaestavam repletos de preceitos e sentenas morais, tais como:

    O homem ao nascer , por natureza, radicalmente bom.

    Criar e no educar um erro dos pais.

    Pedras no lavradas no podem formar nada til.

    Alm da leitura e da escrita, a escola elementar ensinava os rudi-mentos de clculo. Para isso, os alunos se serviam de um baco.

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    O objetivo do ensino superior era o de formar os funcionrios emandatrios do Estado. Era um estudo literrio e dogmtico e abrangiatoda a histria antiga da China. Estudavam-se, tambm, os grandes sal-

    mos chineses e, ainda, a filosofia atravs dos comentaristas de Confcio.No campo das cincias naturais, eram ensinadas noes sobre mi-

    nerais, plantas, astros e sobre grandes feitos da natureza.Os exerccios mais importantes nesse grau de ensino eram as com-

    posies literrias sobre os textos lidos. Aos 18 ou 19 anos, o aluno sesubmetia a exames. Se tivesse xito, poderia ter acesso s mais cobiadasoportunidades de sua vida.

    Amy Chua, professora de direito na Universidade de Yale, umanorte-americana descendente de chineses casada com um judeu comquem teve duas filhas Sofia, 18 anos, e Louisa, 15 anos. Ela escre-

    veu recentemente um livro intitulado Grito de guerra da me-tigre.Neste livro relata com orgulho a forma rgida como educa as filhas.Eis algumas restries: nada de tv, videogameou sair com as amigas.

    Alm disso, so obrigadas a tirar as mais altas notas, no tm direitode escolher as atividades extracurriculares e devem tocar piano por,

    no mnimo, quatro horas dirias.No decorrer do livro, para justificar suas exigncias, cita inme-

    ros exemplos dos triunfos das filhas. Apesar dos triunfos alcanados,o mtodo gerou muita controvrsia. Segundo especialistas, no dpara seguir regras como se fossem receitas de bolo. preciso refletirsobre o assunto. Para tanto a classe pode ser dividida em grupos, ametade dos quais desenvolve argumentos a favor da forma de Amyeducar suas filhas; a outra metade argumenta contra. Algumas questespodem facilitar a discusso:

    o excesso de disciplina combina com criatividade? possvel alcanar sucesso nos estudos sem uma rgida

    disciplina? nossas crianas, geralmente, no perdem muito tempo com

    tv, videogameetc.? como as escolas poderiam trabalhar com essas questes?

    o ConfuCionismoeotaoismo

    Desde h dois milnios e meio, na China, ao confucionismo da classeadministrativa se contrape o liberalismo individualista dos taoistas. A

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    palavra Taotraduz-se como O Caminho. A obra que contm a doutrinataoista o Tao Te Ching(Caminho da Retido), atribuda a um filsofochamado Lao-Ts.

    Os taoistas acreditam que h um projeto invisvel e onipresente parao Universo. E o Tao seria uma fora eterna, amorfa e incognoscvel quegoverna o Cosmos.

    O Tao Te Ching uma obra escrita na forma de uma srie de ver-sos. Nela, so utilizados diversos paradoxos para explicar o caminho ea harmonia do universo: ser e no ser, dificuldade e facilidade, alto ebaixo, longo e curto, so todas formas complementares. O materialismo,considerado um obstculo para a iluminao, rejeitado. A aceitao um caminho para a paz interior. Talvez a frase mais conhecida includana obra seja esta: Uma jornada comea com um nico passo.

    O Tao Te Chingcontinua desafiando a suposta oniscincia da hie-rarquia burocrtica e dos acadmicos. Tal desafio se encontra resumidoem seu ltimo captulo:

    Verdades desagradamInverdades agradam

    O certo inconvincenteO convincente incertoO culto no ostentaO ostentador incultoQuem sabe no ocultaQuanto mais doe mais temE doando se enriquece

    A rota celestialTraz dita no desdita

    Quem sabe atm-se rotaAtuando sem atrito.(apud Nelson Ascher. Confucianos vs. taoistas.Folha de S.Paulo, 13 de outubro de 2003)

    Um conselho que perpassa toda a obra Tao Te Ching o desempre poupar energia, algo que fazia muito sentido numa sociedadeagrria como a chinesa. Em nossos dias, certamente, faz ainda maissentido, considerando os altos nveis de desenvolvimento econmico

    da China atual e suas consequncias ambientais.A questo saber se h uma maneira de harmonizar o desenvol-

    vimento econmico com a necessidade de preservar o meio ambiente.

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    Esse o problema do que, hoje, se denomina sustentabilidade. Quala proposta da sustentabilidade? Voc a considera o melhor caminho?O que a educao pode fazer nesse sentido?

    aeduCaono Japo

    A fundao do Imprio japons remonta ao sculo vii a.C. O Impe-rador exercia a autoridade. Com o tempo, no entanto, ela passou a serexercida pelo xogum, um funcionrio militar, passando o Imperador aser mero chefe religioso.

    Duas religies dividiam as preferncias na poca antiga: o xintosmoe o budismo. A primeira (xinto, voz dos deuses) a primitiva religio doJapo. Caracterizava-se pela venerao dos ancestrais da casa imperial ede deuses que representavam animais e foras da natureza.

    O budismo, introduzido no sculo vi d.C., foi, pouco a pouco, con-quistando a preferncia dos japoneses, cuja cultura tambm passou a sertributria da cultura chinesa. J no ano 270 d.C., um letrado chins levouao Japo a escrita chinesa. At ento, a maioria dos japoneses ignorava

    a arte de escrever.A educao no Japo se iniciava entre 13 e 16 anos. Dois livros cons-

    tituam a sua base: o Kotio livro dos deveres familiares e o Rongoou seja, a filosofia de Confcio. semelhana da China, o sistema deexames era muito importante. Os mestres eram escolhidos pela monar-quia, mas havia, tambm, mestres particulares.

    No incio do sculo vii d.C., surgiu a Universidade de Tquio, ondese ensinava Cincia Poltica, Jurisprudncia, Matemtica, Medicina, Astro-nomia e os clssicos chineses. Mais tarde, a Universidade foi substitudapelo Colgio de Confcio, que chegou a ter at trs mil alunos. As mu-lheres recebiam uma educao limitada.

    aeduCaonandia

    No incio do sculo v a.C., o budismo se propagou na ndia. Noconseguiu, porm, sobrepor-se ao bramanismo, a mais antiga religiodo pas.

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    O bramanismo uma religio monotesta, que admite a imortalidadeda alma e supe que o Universo e o Homem provm do corpo de Bramaou substncia csmica. A alma, por sua vez, experimenta sucessivas re-

    encarnaes em diversos seres, de acordo com a conduta observada navida. Segundo os Vedas, os quatro livros sagrados da ndia, atribudos revelao de Brama, h uma trindade (Trimrti), composta de Brama, ocriador, Vishnu, o conservador, e Shiva, o destruidor.

    A primeira caracterstica da educao na ndia a de ser uma edu-cao de castas. Todo indivduo nasce e permanece numa das castas.As castas hindus so quatro: os brmanes ou sacerdotes, os xtrias ouguerreiros, os vaixs ou classe industrial e os sudras ou classe servil.

    Totalmente fora da organizao social estavam os prias ou sem casta.A instruo se restringe s trs castas superiores. Havia, no entan-

    to, algumas diferenas quanto instruo que cada classe recebia: osbrmanes (sacerdotes) iniciavam seus estudos aos 8 anos de idade; osxtrias, aos 11, e os vaixs, aos 12.

    As castas eram classes hereditrias. Assim, a categoria social e odestino de cada indivduo estavam determinados pelo nascimento. Porisso, de nada valiam os talentos, as inclinaes e os esforos individuais.

    Os mestres pertenciam s classes superiores, sendo que, para ensinaraos brmanes, o mestre tinha que ser brmane. Todos os mestres, noentanto, eram profundamente venerados. O que honra sua me ganhao mundo terrestre, o que honra seu pai, o mundo celeste de Brama. O

    que ofende seu mestre, aps a morte passar para o corpo de um asno.

    Geralmente, a escola funcionava ao ar livre, sombra de uma rvore.Em caso de mau tempo, transferia-se para uma rea coberta.

    Todos os estudos tinham fundo religioso e se realizavam seguindo

    formas rituais. Estudava-se o catecismo budista e os vedas. O ensino moralera dado atravs de provrbios e fbulas. O aprendizado tanto da leituracomo da escrita era feito na areia e, depois, em folhas de palmeiras e,por fim, em folhas de pltanos com uma espcie de tinta. O ensino daAritmtica compreendia as quatro operaes elementares. A disciplina,de maneira geral, era suave e paternal.

    A educao superior era ministrada em colgios chamadosparisha-des, que, em sua origem, contavam com trs professores. Mais tarde che-

    garam a ter uma vintena e converteram-se numa espcie de universidade.Durante muito tempo, o ensino superior esteve reservado aos brma-nes. Com o crescimento das cidades, foram surgindo escolas de Direito e

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    de Astronomia, abertas s outras classes. Estudava-se Religio, Gramtica,Literatura, Matemtica, Astronomia, Filosofia, Direito e Medicina.

    Os livros sagrados constituam a base intelectual dos hindus. Cada

    um dos quatro Vedas requeria uma mdia de 12 anos de estudo. Nosprimeiros 5 anos os alunos apenas ouviam. Mais tarde expressavam seupensamento. Nem todos, porm, concluam o estudo dos Vedas. Demaneira geral, abandonavam a escola aos 20 anos.

    A vida intelectual do hindu sempre se caracterizou pelo ideal mstico-contemplativo, o que, juntamente com o sistema de educao superior,contribuiu para que a ndia produzisse muitos ascetas e gramticos.

    A educao hindu, de um modo geral, caracterizada como rotineirae memorizadora, excluindo as mulheres e os prias e estando a serviode um regime aristocrtico de castas, constituindo-se, assim, numa bar-reira ao desenvolvimento de muitos talentos. preciso reconhecer, noentanto, a importncia dada formao do jovem e o respeito e vene-rao pelo mestre.

    obudismo

    O budismo originou-se da vida e dos ensinamentos de um prncipeindiano chamado Siddharta Gautama (563-483 a.C.), posteriormente maisconhecido como Buda, palavra que significa o Iluminado.

    Buda descartou diversas tradies hindus, tais como o sistema decastas, o poder, a influncia e o formalismo dos brmanes. Descartou,tambm, muitos dos escritos sagrados dos hindus. Depois de ver as con-

    dies de misria em que a maior parte da populao vivia, abandonousua vida repleta de riquezas, na qual no encontrava significado e alegria.Aos 29 anos, deixou o palcio, abandonou a famlia e passou seis anosa se formar junto a grandes mestres.

    Buda no deixou nada escrito sobre os seus ensinamentos. Foramseus seguidores que registraram sua vida e sua filosofia. A essncia dobudismo est nas chamadas As Quatro Verdades Nobres:

    1) a vida dor;

    2) a causa da dor o desejo;3) a cessao da dor se obtm com a cessao do desejo;4) existe um ctuplo caminho que conduz cessao da dor.

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    O ctuplo caminho consiste 1) na justa viso; 2) na justa resoluo;3) na justa linguagem; 4) na justa conduta; 5) no justo viver; 6) nojusto esforo; 7) na justa mentalidade; 8) na justa concentrao.

    O cdigo budista no se baseia na aceitao de poderes sacerdo-tais nem na necessidade de dispendiosos sacrifcios aos deuses, mas naconduta moral do indivduo.

    A maior novidade representada pelo budismo, no entanto, a nodiscriminao de casta ou classe, ocupao ou riqueza. Assim, ele atraiu ascastas inferiores e as recentes classes de mercadores. Durante sua vida, edurante os dois sculos que se seguiram sua morte, por volta de 480 a.C.,a influncia de Buda restringiu-se a uma pequena rea da ndia. Mas, seusensinamentos, que correspondem a uma revoluo humanista, influrame continuam influindo tanto na cultura oriental como ocidental.

    frasesde ConfCio

    As naturezas dos homens so parecidas; so seus hbitos que os afastam uns

    dos outros.

    O operrio que deseja fazer bem seu trabalho deve comear por afiar os seus

    instrumentos.

    Ouvir ou ler sem refletir ocupao v; refletir sem livro nem mestre perigoso.

    Estuda o passado se quiseres adivinhar o futuro.

    Quando a natureza excede a cultura temos o rstico. Quando a cultura excede

    a natureza, temos o pedante.

    O sbio no se aflige por no ser conhecido dos homens; ele se aflige por no

    conhec-los.

    Eu no posso ensinar a falar a quem no se esfora para falar.

    Aplicai-vos em guardar em toda a coisa a justa medida.

    Eu sei por que a justa medida no seguida: o homem inteligente vai alm; o

    imbecil est aqum.

    Ultrapassar os limites no um defeito menor do que permanecer aqum.