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Hipátia e suas reverberações Se outras filósofas antigas mal tiveram seus nomes mantidos como evidências posteriores de sua existência, Hipátia, ou a imagem de Hipátia, e os acontecimentos do seu entorno cultural e geográfico, ecoaram desde a própria Antiguidade até os dias de hoje numa miríade de releituras, defesas, ataques, homenagens, apropriações. Esta é uma lista por certo incompleta destas revereberações. Cada uma destas menções comporta- ria um estudo em separado ou, por que não?, um estudo comparativo interno, entre pinturas e romances, entre encenações e filmes, entre menções e nomeações de outras mulheres que também deveríamos co- nhecer - como Dora Russell, Diodata Saluzzo Roero e Hypatia Bradlaugh Bonner. Deixamos aqui as referências para as curiosas e curiosos que desejarem seguir as pistas destas re- verberações. Eudócia Makrembolitissa (1021-1096) - segunda mulher do imperador bizantino Constantino X, descrita por Nicéforo Grégoras como uma “segunda Hipátia”. John Toland (1670-1722) - faz uso da figura de Hipátia em seu panfleto anti-católico, na terceira parte do seu Tetradymus (1720), cujo título já dá um pedaço da história: Hypatia: Or the History of a most beautiful, most vertuous, most learned, and every way accom plish’d Lady; who was torn to pieces by the Clergy of Alexandria, to gratify the pride, emulation, and cruelty of their Archbishop, commonly, but undeservedly, stil’d St. Cyril. E que é respondido em seguida por omas Lewis: omas Lewis (1689-1737) - não se escusa em chamar Hipátia de impudente e toma a defesa do Bispo Cirilo, no texto de 1721: e History of Hypatia, a most Impudent School-Mistress of Alexandria: Murder’d and torn to Pieces by the Populace, in Defence of Saint Cyril and the Alexandrian Clergy from the Aspersions of Mr. Toland. Diderot (1713-1784) e D’Alembert (1717-1783) citam Hipátia no verbete sobre o ‘ecletismo’ de sua Enci- clopédia. Voltaire (1694-1778) traça elogiosos comentários sobre Hipátia e sua racionalidade e anti-dogmatismo em dois momentos diferentes: Examen important de Milord Bolingbroke ou le tombeau du fanatisme (1736) e Dictionnaire philosophique (1772). Edward Gibbon (1737-1794) se vale da morte de Hipátia na História da decadência e da queda do Império Romano, em benefício de sua tese de que o cristianismo deve ser responsabilizado pela queda do Impé- rio Romano. Como em Voltaire no Dictionnaire, as discussões de Gibbon não se importam de fato com Hipátia, mas com as várias acusações de culpa entre os implicados por sua morte.

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Page 1: Hipátia e suas reverberações - WordPress.com · 2020. 5. 14. · Julia Margaret Cameron (1815-1879), faz uma “fotografia” de Hypatia em 1867 ... Marcel Proust (1871-1922):

Hipátia e suas reverberações

Se outras filósofas antigas mal tiveram seus nomes mantidos como evidências posteriores de sua existência, Hipátia, ou a imagem de Hipátia, e os acontecimentos do seu entorno cultural e geográfico, ecoaram desde a própria Antiguidade até os dias de hoje numa miríade de releituras, defesas, ataques, homenagens, apropriações.

Esta é uma lista por certo incompleta destas revereberações. Cada uma destas menções comporta-ria um estudo em separado ou, por que não?, um estudo comparativo interno, entre pinturas e romances, entre encenações e filmes, entre menções e nomeações de outras mulheres que também deveríamos co-nhecer - como Dora Russell, Diodata Saluzzo Roero e Hypatia Bradlaugh Bonner.

Deixamos aqui as referências para as curiosas e curiosos que desejarem seguir as pistas destas re-verberações.

Eudócia Makrembolitissa (1021-1096) - segunda mulher do imperador bizantino Constantino X, descrita por Nicéforo Grégoras como uma “segunda Hipátia”.

John Toland (1670-1722) - faz uso da figura de Hipátia em seu panfleto anti-católico, na terceira parte do seu Tetradymus (1720), cujo título já dá um pedaço da história:

Hypatia: Or the History of a most beautiful, most vertuous, most learned, and every way accom plish’d Lady; who was torn to pieces by the Clergy of Alexandria, to gratify the pride, emulation, and cruelty of their Archbishop, commonly, but undeservedly, stil’d St. Cyril.

E que é respondido em seguida por Thomas Lewis:

Thomas Lewis (1689-1737) - não se escusa em chamar Hipátia de impudente e toma a defesa do Bispo Cirilo, no texto de 1721: The History of Hypatia, a most Impudent School-Mistress of Alexandria:

Murder’d and torn to Pieces by the Populace, in Defence of Saint Cyril and the Alexandrian Clergy from the Aspersions of Mr. Toland.

Diderot (1713-1784) e D’Alembert (1717-1783) citam Hipátia no verbete sobre o ‘ecletismo’ de sua Enci-clopédia.

Voltaire (1694-1778) traça elogiosos comentários sobre Hipátia e sua racionalidade e anti-dogmatismo em dois momentos diferentes: Examen important de Milord Bolingbroke ou le tombeau du fanatisme (1736) e Dictionnaire philosophique (1772).

Edward Gibbon (1737-1794) se vale da morte de Hipátia na História da decadência e da queda do Império Romano, em benefício de sua tese de que o cristianismo deve ser responsabilizado pela queda do Impé-rio Romano. Como em Voltaire no Dictionnaire, as discussões de Gibbon não se importam de fato com Hipátia, mas com as várias acusações de culpa entre os implicados por sua morte.

Page 2: Hipátia e suas reverberações - WordPress.com · 2020. 5. 14. · Julia Margaret Cameron (1815-1879), faz uma “fotografia” de Hypatia em 1867 ... Marcel Proust (1871-1922):

Diodata Saluzzo Roero (1774-1840), uma cientista e poetisa!, uma das primeiras a entrar na Accade-mia dell’Arcadia, escreveu o poema Ipazia ovvero delle Filosofie em que supõe que Hipátia teria sido convertida ao cristianismo e morta por um padre traidor.

Leconte de Lisle (1818-1894), oferece dois poemas sobre Hipátia - cuja tradução parcial está presente neste blog - em Hypatie de 1852 e Hypatie et Cyrille de 1857.

Charles Kingsley (1819-1875), escreveu um romance de nome Hypatia or New Foes with an Old Face, de caráter anti-católico, e com uma verve romântica a respeito de sua figura, que inspira uma conti-nuidade de trabalhos, entre as traduções de sua obra e peças teatrais, a primeira delas escrita por uma mulher, Elisabeth Bowers.

Elisabeth Crocker Bowers (1830-1895), atriz e administradora teatral!, desempenhou ela mesma o pa-pel de Hipátia nos palcos de Filadélfia em 1859, ao adaptar a obra de Kingsley.

G. Stuart Ogilvie (?), adapta para os palcos de Londres em 1893, Hypatia, A Play in Four Acts, Hipátia sendo representada por Julia Neilson e música de Hubert Parry.

Julia Margaret Cameron (1815-1879), faz uma “fotografia” de Hypatia em 1867, inspirada também em Kingsley.

Hypatia, 1867, impressão em papel albuminado. 33,5 × 24,6 cm. The J. Paul Getty Museum, Los Angeles.

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Charles William Mitchell (1854-1903), pintou uma Hypatie em 1885, nua e branca como neve.

Hypatie, 1885, óleo sobre tela . 244,5 x 152,5 cm. Galeria de Arte Laing, New-castle upon Tyne.

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Julius Kronberg (1850-1921), fez uma pintura “contextualizada” de Hypatia em 1889.

Hypatia, 1889, óleo sobre tela. 173 x 111cm. Coleção privada.

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Judy Chicago (1939-), artista plástica feminista, realizou a instalação The Dinner Party, entre 1974 e 1979, na qual Hipátia se senta ao lado de várias outras filósofas e feministas - entre elas, Hildegarda de Bingen e Christine de Pizan.

The Dinner Party (detalhe do local da Hypatia à mesa), 1974–79, cerâmica, porcelana, tecido. Brooklyn Museum, Nova York, doado pela Fundação Elizabeth A. Sackler. Re-gistro fotográfico: Jook Leung Photography.

Desenho para a iluminura de Hypatia, 1977, técnica mista sobre papel. Aproximadamente 22,9 × 30,5 cm. Registro fotográfico: Donald Woodman.

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Wilhelm Gottlieb Soldan (1803-1869) e Heinrich Heppe (1820-1879) publicaram, em 1843, o livro Ges-chichte der Hexenprozesse, no qual afirmam que Hipátia teria sido a primeira “bruxa” a ser queimada pelo Cristianismo.

Hypatia Bradlaugh Bonner (1858-1935), escritora, livre-pensadora, pacificista e ateia, foi assim nomeada em homenagem à filósofa antiga.

Dora Russell (1894-1986), escreve Hypatia or Woman and Knowledge em 1925, já inserida no contexto de uma releitura feminista de Hipátia.

Mario Luzi (1914-2005), coloca Hipátia novamente em cena em 1978 no Libro di Ipazia.

Jean Huré (1877-1930) - Ópera: Hypathie, a partir do libreto de Gabriel Trarieux (1870-1940).

Literatura de ficção:

Alexandra Barriol (?): Hypatie, la lionne de l’apocalypse, 1987.

Andrée Ferretti (1935-), escritora quebequense: Renaissance en Paganie, 1987.

Jean Marcel Paquette (1941-2019), escritor quebequense: Hypatie ou la fin des dieux, 1989.

Charlotte Kramer (?): Holy Murder: the Death of Hypatia of Alexandria, 2006.

Ki Longfellow (1944-): Flow Down Like Silver. Hypatia of Alexandria, a novel, 2009.

Paul Lenvinson (1947-): The Plot to Save Socrates, 2006; Unburning Alexandria, 2013; Chronica, 2014.

Youssef Ziedan (1958-): ‘Azāzīl, 2008. (Prêmio internacional da ficção árabe).

Marcel Proust (1871-1922): No caminho de Swann, À sombra das Raparigas em Flor, Em Busca do Tempo Perdido.

Ian Pears (1955-): The Dream of Scipio, 2002.

Umberto Eco (1932-2016): Baudolino, 2002.

Audiovisual:

Filme: Agora (ou Alexandria), Alejandro Amenábar, 2009Série: The Good Place, Michael Schur, Quarta temporada, episódio 12.Carl Sagan (1934-1996), dedica o último episódio do Cosmos: A Personal Voyage, à morte de Hipátia, com imprecisões historiográficas relativas ao seu contexto cronológico, no entanto.

Revista acadêmica:

Hypatia: A Journal of Feminist Philosophy: http://hypatiaphilosophy.org/