hierarquização do mercado mundial e a desigualdade social - hirano e estenssoro

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FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS (FFLCH) UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP) HIERARQUIZAÇÃO DO MERCADO MUNDIAL E DESIGUALDADE SOCIAL – DEZ ANOS DEPOIS Sedi Hirano Pró-Reitor de Cultura e Extensão da Universidade de São Paulo (USP); Professor Doutor da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP). Luis Estenssoro Administrador Público pela Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV) e Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). SÃO PAULO - SP

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Estudo sobre o processo de hierarquização dos mercados mundiais em função do progresso econômico concentrado em pólos tecnológicos no centro dinâmico do sistema capitalista, bem como também sustentado pela formação e crescimento de um mercado financeiro privado internacional cada vez mais independente da regulação estatal. Observamos também a consequente concentração de renda e riqueza, bem como a tendência crescente de diferenciação entre setores econômicos, regiões geográficas e classes sociais, conformando um processo de expansão capitalista que agrava a desigualdade social e está consolidando uma plutocracia em nossas sociedades.

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  • FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS (FFLCH) UNIVERSIDADE DE SO PAULO (USP)

    HIERARQUIZAO DO MERCADO MUNDIAL E DESIGUALDADE SOCIAL DEZ ANOS DEPOIS

    Sedi Hirano Pr-Reitor de Cultura e Extenso da Universidade de So Paulo (USP);

    Professor Doutor da Faculdade de Filosofia Letras e Cincias Humanas (FFLCH) da Universidade de So Paulo (USP).

    Luis Estenssoro Administrador Pblico pela Fundao Getlio Vargas (EAESP-FGV) e

    Doutor em Sociologia pela Universidade de So Paulo (USP).

    SO PAULO - SP

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    NDICE

    Introduo ........................................................................................................3

    Globalizao da Economia e sua Hierarquizao ...........................................8

    Concentrao e Centralizao do Capital em Conglomerados .......................20

    Globalizao Financeira e Capital-Dinheiro ...................................................24

    Dvida Externa como Mecanismo de Transferncia de Excedente .................32

    Hierarquizao Tecnolgica Mundial .............................................................39

    Desigualdade Social na Amrica Latina (o caso do Brasil) ............................49

    Desigualdade Social no Mundo Globalizado ..................................................63

    Consideraes Finais .......................................................................................78

    Bibliografia ......................................................................................................86

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    Introduo Quando nos engajamos, dez anos atrs, no estudo da tendncia da globalizao

    de hierarquizar o mercado mundial1, apenas era possvel entrever o carter da Nova Ordem Internacional, mas j era possvel descrever a sua configurao. Sobre esta nova configurao do Sistema Internacional, que veio substituir a bipolaridade das superpotncias, Estados Unidos e Unio Sovitica, durante a chamada Guerra Fria, deve-se reconhecer inicialmente a liderana militar, poltica, cultural, cientfica e econmica dos Estados Unidos sobre o resto do mundo, consolidando esta nao como epicentro do sistema capitalista globalizado. Entretanto, no plano econmico, o desenvolvimento do capitalismo proporcionou o surgimento de novos plos: o Leste Asitico, comandado pelo Japo, que conta ainda com a China como potncia econmica emergente do sculo XXI, e a Unio Europia, liderada pela Alemanha. Observamos, portanto, nesta fase de transio entre a mera interdependncia de mercados nacionais internacionalizados e uma verdadeira economia mundial, a estruturao de grandes blocos geo-econmicos que giram em torno a preferncias comerciais e decises de investimento em comum. No h dvida que, nesta configurao, o policentrismo econmico um fator condicionante do prprio desenvolvimento das relaes econmicas internacionais. Em segundo lugar, nesta etapa ocorre tambm o predomnio, na economia, de manufaturas e servios ligados s novas tecnologias, com os produtos que privilegiam o conhecimento e a inveno destacando-se como fatores do crescimento econmico. Em outras palavras: o saber desempenha-se como elemento do capital, passando a ser responsvel maior pelo crescimento de setores de ponta da economia.

    O Sistema Internacional assim configurado tem, basicamente, trs dimenses: poltico-militar, cultural e econmica. No plano poltico-militar, a Nova Ordem Internacional que se instaurou aps a Guerra Fria manifesta-se com mais clareza: as invases do Afeganisto e do Iraque evidenciaram o fato de que as organizaes internacionais, principalmente o sistema das Naes Unidas, no prevalecem sobre os interesses dos EUA, especialmente sobre seus interesses geopolticos, sugerindo, portanto, uma forma imperial dominao deste pas no plano internacional. Na dimenso cultural, a difuso (preponderncia em alguns casos) da cultura ocidental, i. e., indstria cultural norte-americana, tem se dado de uma forma sem precedentes mundo afora, principalmente com o avano das telecomunicaes e da informtica nesta Era da Informao. A influncia incomparvel dos EUA sobre o conjunto das indstrias de comunicao de massa e de agncias de informao, aliada ao fato da lngua inglesa ser mundialmente dominante, proporciona uma presena cultural norte-americana muito forte em diversos pases e em amplos setores sociais, especialmente sobre as elites colonizadas culturalmente. Isto se traduz, economicamente, na assimilao de padres de consumo norte-americanos. Neste plano econmico, entretanto, a dominao da nao mais poderosa torna-se mais difusa, uma vez que as grandes corporaes transnacionais prevalecem na estruturao da

    1 A tendncia do processo de globalizao de hierarquizar o mercado mundial provocada pela descontinuidade abissal entre

    o crescimento das economias centrais em relao s economias perifricas, resultante do adensamento do avano tecnolgico e dos investimentos produtivos nos espaos geo-econmicos do mundo desenvolvido. Em texto precedente reunimos evidncias sobre este processo. Cf. Hirano, Sedi. A Amrica Latina Dentro da Hierarquizao do Mercado Mundial. Congresso da Sociedade Latino-Americana de Estudos sobre Amrica Latina e Caribe, 1996. PROLAM (org.). Amrica Latina e Caribe e os Desafios da Nova Ordem Internacional. So Paulo, PROLAM-USP, 1998, pp. 139-150.

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    economia mundial. O crescimento dos mercados capitalistas em todo o globo acontece ao mesmo tempo em que estas corporaes ampliam e descentralizam suas operaes ao redor da terra. A prpria integrao entre os mercados nacionais, principalmente a integrao dos mercados financeiros, proporcionou um dinamismo adicional aos setores e corporaes mais destacados da economia mundial. A tecnologia, por sua vez, mantm seu carter estratgico, e sua deteno claramente concentrada nos pases desenvolvidos e nas empresas mais dinmicas, entre as quais se destacam os conglomerados transnacionais. Se o capitalismo se dilata e se aprofunda, generalizando-se, a concentrao de recursos tecnolgicos estratgicos, contrariamente, torna-se cada vez mais acentuada, resultando na excluso de pessoas, classes sociais e at pases inteiros dos frutos do progresso econmico.

    Submetida historicamente dependncia econmica, principalmente com relao aos EUA, a Amrica Latina insere-se de forma subalterna, mais uma vez, nesta Nova Ordem Econmica Internacional. Carente que de investimentos em novas tecnologias e produtos resultantes da Terceira Revoluo Industrial, que se apresentam oligopolizados nos pases centrais pelos conglomerados transnacionais, a regio entra nesta nova diviso internacional do trabalho compondo a base da hierarquia geo-econmica e tecnolgica mundial, precedida apenas pela maioria dos pases africanos. No poderia ser de outra forma, uma vez que a constituio das economias nacionais na regio foi um processo que se deu sobre a base do mercado mundial, no qual se insere como exportadora de matrias-primas, e no sobre a base do desenvolvimento econmico interno ou do intercmbio regional. Aps esta fase primrio-exportadora, na qual predominou a oligarquia como classe dominante, a regio comea sua industrializao. Criam-se, ento, as condies para o surgimento de uma composio de classes peculiar, que seria a base do populismo e de sua ideologia, o desenvolvimentismo. Entretanto, a forma subordinada de insero destas economias no mercado mundial manteve-se na fase de industrializao com substituio de importaes, pois, apesar do crescimento do mercado interno, no houve ruptura das relaes de dependncia com os centros imperialistas, pelo contrrio: a industrializao assentou-se nas empresas transnacionais que penetravam na regio.2

    Estas duas fases terminaram devido a crises econmicas: da mesma forma que a Depresso de 1929 arrasou o modelo primrio-exportador, a Crise da Dvida dos anos 1980 acabou com a fase desenvolvimentista das economias latino-americanas.3 monopolizao e internacionalizao das economias latino-americanas, na segunda metade do sculo XX, seguiu-se a sua liberalizao e desregulamentao, nos anos 1990, que, alm de exacerbar as desigualdades sociais, setoriais e regionais, imps a reconverso destas economias novamente em exportadoras de produtos voltados para o mercado internacional. Ou seja, ocorre uma especializao produtiva assentada sobre uma massa salarial comprimida.

    2 Segundo Marini, a dinmica da economia regional se caracterizava pela dependncia que mantinha frente aos centros

    industrializados em matria de bens manufaturados. A industrializao modifica o problema, mas no o suprimira, limitando-se a substituir a importao de mercadorias destinadas ao consumo final pela de insumos e equipamentos industriais o que implicava contar com uma massa maior de divisas. (...). Para fugir do estrangulamento da capacidade para importar, a Amrica Latina era forada a recorrer a capitais externos, seja pela via do endividamento, seja pela via do investimento estrangeiro direto. Como sabemos, este ltimo movimento foi responsvel pelo grande endividamento e pela extrema internacionalizao das economias da regio que, assim, aprofundaram ainda mais sua dependncia com relao ao centro desenvolvido. Marini, Ruy Mauro. Amrica Latina: Dependncia e Integrao. So Paulo, Pgina Aberta, 1992, p. 129.

    3 Cf. Bulmer-Thomas, Victor. The Economic History of Latin America Since Independence. Cambridge, Cambridge Univ.

    Press, 1994.

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    Assim, a desigualdade social no somente permanece, mas aumenta, levando concentrao de poder, riqueza, renda e informao em uma elite dominante que est conectada com o ncleo transnacional do capitalismo. Neste contexto, o Estado, pobre em recursos devido dvida interna e externa, cumpre as funes de promover a acumulao de capital nacional e estrangeiro, e de desempenhar-se como mecanismo de controle social das massas.

    Algo diferente ocorre no leste do globo: neste sculo que se inicia h consenso que assistiremos o despontar das economias asiticas como uma nova fronteira do capitalismo transnacional. De fato, o desmanche do comunismo burocrtico na URSS (e no Leste Europeu), a converso da China e do Vietn ao modelo de socialismo de mercado, com participao de capitais estrangeiros, e a expanso econmica da ndia e do Sudeste Asitico (ASEAN), alm do bem sucedido desenvolvimento japons, apontam para o predomnio desta nova fronteira econmica do capitalismo num futuro prximo. Principalmente porque no Leste Asitico houve um aumento continuado das exportaes, da poupana domstica e do investimento, em termos absolutos e com relao ao PIB, o que no ocorreu no caso latino-americano4. Alm do mais, investiu-se maciamente em educao e infra-estrutura, o que foi possvel em grande parte porque estes pases no sofreram com a evaso de divisas ocasionada pela dvida externa, como aconteceu na Amrica Latina. Nas sociedades do Leste Asitico, tambm se insistiu na transferncia de tecnologia, e hoje, como sabemos, o Japo, pioneiro da regio, uma potncia financeira, comercial, e principalmente tecnolgica5. Os outros pases asiticos tendem a segu-lo neste

    4 Analisando a experincia do Leste Asitico com relao acumulao de capital no processo de industrializao acelerada,

    Akyz, Chang e Kozul-Wright introduzem os conceitos de nexo lucro-investimento e nexo exportao-investimento para apontar a interdependncia de elementos-chave no processo de desenvolvimento daquela regio. A importncia do nexo lucro-investimento relaciona-se com um aumento sustentado da produtividade baseado no incentivo do Estado aos investimentos essenciais, via reinvestimento dos lucros, num ambiente de liberalizao domstica acelerada e a total integrao com a economia mundial. Neste ambiente macroeconmico pr-investimento, sacrifica-se o consumo, aumentando a poupana domstica, o que permite o redirecionamento dos recursos para o aumento dos investimentos. J o nexo exportao-investimento presente nessas economias canalizou os recursos acumulados para estratgias de mercado orientadas exportao. Por sua vez, os recursos crescentes das exportaes aumentavam a poupana domstica, garantindo-se que a expanso da produo local se traduzisse em maiores investimentos de maneira sustentada. Akyz, Yilmaz, Chang, Ha-Joon e Kozul-Wright, Richard.New Perspectives on East Asian Development Journal of Development Studies, vol. 35, n 6, ago 1999, pp. 4-36

    5 Segundo Tavares, o Japo estrutura-se, principalmente, como ponto de fuga do novo paradigma tecnolgico, frente ao

    dominante potencial cientfico e militar dos EUA, pas dono de uma economia continental que o torna decisivo no sistema econmico mundial. A economia japonesa avanou para um novo tipo de sistema industrial, centrado na informtica e suas derivaes (telemtica e mecatrnica) que levam a um aumento de competitividade sistmica, inclusive na produo manufatureira para consumo de massa em escala mundial. (...) O Japo agregou ainda a este novo sistema manufatureiro, totalmente desenvolvido a partir da sua base produtiva nacional, um sub-sistema mundial de filiais industriais, comerciais e bancrias. Os dois, em conjunto, constituem um embrio de sistema industrial global que representa um desafio para o antigo sistema internacional sob hegemonia americana, mantendo, alm disso, uma ntida superioridade para a economia japonesa na nova diviso internacional da atividade industrial. No entanto, escapa-lhe, at hoje, o controle do mercado internacional de matrias-primas, sobretudo do petrleo, e do padro monetrio internacional [dlar], que continuam sob hegemonia americana, apesar da dimenso dos bancos japoneses. Mais adiante Tavares afirma ainda que em um sentido mais amplo, no est terminado o processo de reestruturao da economia mundial no que concerne a estabelecer claramente uma nova diviso internacional do trabalho ou uma Nova Ordem Econmica Internacional, na qual se confirme de vez a perda da hegemonia norte-amercana substituda por uma aliana de iguais restrita aos governos da Trade. Tavares, Maria da Conceio. Tendncias de Globalizao, Crise do Estado Nacional e seus impactos sobre o Brasil. Rio de Janeiro, nov 1993, Mimeo.

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    modelo de crescimento econmico com maior igualdade social6. Deve-se recordar tambm o fato desses pases contarem com um Estado forte e desenvolvimentista que possibilitou este progresso por meio de polticas pblicas, incentivos, e legislao adequada.7

    Entretanto, neste cenrio econmico mundial antevemos uma outra macro-tendncia global, que diz respeito ao carter desta Nova Ordem Econmica Internacional: a real impossibilidade de generalizar o padro de desenvolvimento das economias desenvolvidas ocidentais (em especial o american way of life) para as massas do Terceiro Mundo. No h sustentabilidade no modelo de crescimento econmico capitalista como ele se apresenta atualmente, no somente em termos ecolgicos, mas, principalmente, em termos sociais. No plausvel esperar que o modo de crescimento das economias desenvolvidas possa generalizar-se para todo o globo, incorporando inteiramente sequer o grupo dos pases mais dinmicos do Terceiro Mundo. Na verdade, o padro de acumulao capitalista tem se revelado concentrador e excludente, no mnimo seletivo, particularmente nas economias dependentes, configurando formaes sociais nas quais a ordem social injusta e desigual. Se, por um lado, a globalizao aumenta a riqueza dos pases, graas ao aumento da produtividade, que est em funo da socializao de tecnologias, por outro lado, ela reproduz a pobreza e aumenta a desigualdade social, por causa de variados mecanismos que analisaremos ao longo deste texto. Os vencedores da globalizao so aqueles que tem capital8, maior especializao e mais educao, recursos socialmente concentrados nas elites scio-econmicas. Resultado: pases ricos com pessoas pobres. Mesmo nas economias desenvolvidas, a desigualdade social crescente: se h um ponto que revela a suposta decadncia dos EUA, este certamente diz respeito aos problemas sociais decorrentes do aumento da desigualdade social e da pobreza neste pas9.

    6 O Japo um pas bastante igualitrio. Na dcada de 1990, o ndice de Gini, que mede a desigualdade da distribuio de

    renda na sociedade, era de apenas 24,9, sendo que no Brasil este ndice era de 60,0, nos EUA 40,8 e na China 40,3. Banco Mundial. World Development Indicators on CD-ROM. Washington, Banco Mundial, 2000.

    7 Evans faz uma anlise dos Estados desenvolvimentistas (Japo e Coria do Sul) contrastando-os com aqueles onde se

    mesclam caractersticas desenvolvimentistas e subdesenvolvidas (Brasil e ndia). Singer tambm reconhece a importncia do Estado como fator determinante do modo de desenvolvimento, nesta fase de globalizao econmica. Evans, Peter. O Estado como Problema e Soluo. Lua Nova, n 28-29, 1993, pp. 107-156; Singer, Paul. Globalizao Positiva e Globalizao Negativa: a Diferena o Estado. Novos Estudos CEBRAP, n 48, julho 1997, pp. 39-65.

    8 Em 2001, o mundo tinha cerca de 425 bilionrios e 7,2 milhes de milionrios (5,2 milhes em 1997). Em 2006, a lista das

    400 pessoas mais ricas dos EUA elaborada pela Revista Forbes passou a incluir somente bilionrios, sendo que, em 1982, quando comeou a ser feita a lista, a linha de corte era de apenas US$ 90 milhes. Segundo o World Wealth Report, do Banco Merril Lynch, a riqueza total comandada pelos mais ricos do mundo era de US$ 7,2 trilhes, em 1986, quadruplicando-se para US$ 27 trilhes, em 2000. Ora, o PIB mundial, em 2000, era de US$ 31,48 trilhes. Isto significa dizer que apenas 0,12% da populao mundial controlava 85,7% do PIB mundial. A riqueza financeira destes milionrios crescia 12% ao ano, e esperava-se que alcanasse US$ 44,9 trilhes em 2004, uma extraordinria concentrao de renda!

    9 Nos EUA o ndice de Gini, que mede a desigualdade na sociedade, aumentou 22,4% entre 1968 e 1994. No mesmo perodo

    a renda mdia do quintil mais rico cresceu 44%, enquanto que a renda mdia do quintil mais pobre cresceu somente 8%. Outro estudo mostra que, entre 1967 e 1998, o ndice de Gini aumenta de 0,399 para 0,456, sendo que os 5% mais ricos aumentam sua participao na renda de 17,5% para 21,4%. Considerando o perodo entre 1979 e 1997, a renda mdia dos 20% mais ricos da populao em relao renda mdia dos 20% mais pobres passou de 9 para 15 vezes. Segundo The Economist, a parcela da renda que vai para o 1% mais rico aumentou de 8% , em 1980, para 16% , em 2004. Weinberg, Daniel. A Brief Look at Postwar US Income Inequality. US Census Bureau, Current Population Reports, jun 1996; Weinberg, Daniel e Jones Jr., Arthur. The Changing Shape of the Nations Income Distribution. US Census Bureau, Current Population Reports, jun 2000; Does Inequality Matter?. The Economist, 14 de junho de 2001; Inequality and the American Dream. The Economist, 17 de junho de 2006.

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    Por outro lado, as desigualdades entre os pases desenvolvidos e os em desenvolvimento crescem e se acentuam10, principalmente devido a duas formas de transferncia de recursos: a primeira se d pelos mecanismos do sistema financeiro internacional, em particular o pagamento da dvida externa do Terceiro Mundo; em segundo lugar aparece o diferencial de propriedade e posse da tecnologia e da inovao como causa de um fluxo constante de divisas da periferia do sistema para o centro desenvolvido. Mais que vtimas da falta de globalizao, os pases subdesenvolvidos podem ser considerados vtimas da globalizao: o prprio desenvolvimento do capitalismo nas formaes sociais perifricas ocasiona a perpetuao da dependncia destas economias em relao ao centro desenvolvido, reproduzindo as caractersticas do subdesenvolvimento nestas sociedades subdesenvolvimento entendido como uma situao de pobreza aliada a uma dinmica de perpetuao da desigualdade social.

    Pretendemos demonstrar que a Nova Ordem Econmica Internacional centrada no capitalismo global como sistema scio-econmico hegemnico tende a agravar as condies de reproduo social da grande maioria da populao mundial, especialmente no mundo em desenvolvimento. Esta Nova Ordem Social Global revela-se uma realidade marcada pela pobreza e, sobretudo, pela desigualdade social. O verdadeiro carter do capitalismo global na atualidade consiste no aumento acentuado da desigualdade social e internacional, evidenciado de maneira inequvoca em todos os indicadores disponveis. Se a erradicao da pobreza pode ser uma meta alcanvel, dentro deste sistema econmico, ainda neste sculo teoricamente o mesmo no concebvel em relao desigualdade interna e entre as naes, pelo menos dentro do atual padro de acumulao capitalista11.

    Construiremos nossa argumentao analisando primeiramente a globalizao da economia e a hierarquizao dos espaos geo-econmicos no planeta, que se baseiam, fundamentalmente, em dois pilares: a) em primeiro lugar, a globalizao financeira, isto , a criao de um mercado financeiro global integrado e privado, contexto no qual se destaca um de seus braos: o endividamento do Terceiro Mundo; b) em segundo lugar, mas no menos importante, a produo, difuso e proveito dos avanos da Terceira Revoluo

    10 Korzeniewicz e Moran chegam concluso que a desigualdade entre os pases o componente mais significativo da composio da desigualdade da renda no mundo, pois, entre 1965 e 1992, a contribuio da desigualdade entre naes para o total da desigualdade de renda mundial cresceu de 78,8% para 85,6%, enquanto que a desigualdade dentro das naes que contribua com 21,2% para a desigualdade mundial, passa a ser responsvel por apenas 14,4% do total. Mas no podemos esquecer que estes componentes se somam: segundo o PNUD, a proporo da renda de 20% dos pases mais ricos e da renda dos 20% mais pobres era, em 1988, de 65 para um. Mas, a proporo das 20% pessoas mais ricas sobre os 20% pessoas mais pobres era de 140 para um. Em estudo que leva em conta a desigualdade mundial (entre indivduos) e no, como outros, a desigualdade internacional (entre pases), Milanovic afirma que, considerando a desigualdade de renda mundial em 1988 e em 1993 (ndice de Gini em amostra de domiclios vlida para 91 pases), a desigualdade dentro dos pases corresponde uma proporo de 2%, e a desigualdade entre os pases a 88%. Cf. Korzeniewicz, Roberto e Moran, Timothy. World-Economic Trends in the Distribution of Income, 1965-1992. American Journal of Sociology, vol 102, n 4, jan 1997, pp. 1000-1039; PNUD. Human Development Report 1992. New York, Oxford University Press, 1992, p. 36; e Milanovic, Branco. True World Income Distribution, 1988 and 1993: First Calculation Based on Household Surveys Alone. Banco Mundial, Development Research Group, 1999.

    11 O aumento da desigualdade mundial foi provado por Milanovic: o ndice de Gini total mundial, coeficiente que mede a desigualdade de renda era de 62,8, em 1988, e, em 1993, passou a 66,0. Este autor dividiu o mundo em trs estratos de renda: o Terceiro Mundo com renda igual ou menor que o Brasil (US$ 3.470 PPP), o Primeiro Mundo com renda superior ou igual que a Itlia (US$ 8.000 PPP), e, entre estes estratos, a Classe Mdia de pases com renda superior ao Brasil e inferior Itlia. Milanovic afirma que este ltimo grupo ficaria com apenas 8% do total da populao mundial, significando que praticamente no existe classe mdia no mundo. O Primeiro Mundo seria constitudo por 16% da populao mundial e o Terceiro Mundo por 76% da populao total mundial. Milanovic, Branco e Yitzhaki, Shlomo. Decomposing World Income Distribution: Does the World Have a Middle Class? Banco Mundial-Hebrew University, s/d

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    Industrial e Tecnolgica. Em seguida analisaremos a principal e mais destacada conseqncia social destes processos econmicos e progressos cientficos: a concentrao espacial, setorial, e social, em nvel mundial, da renda e da riqueza; concentrao esta que se apresenta tambm no interior de cada pas na forma de desigualdade social. Esperamos proporcionar elementos suficientes para confirmar nossa hiptese, que consiste na afirmao de que a acelerao e a escala da globalizao, da maneira como esto se configurando, tendem somente a acirrar as contradies do sistema capitalista, isto , tendem a aumentar a desigualdade de renda, riqueza, poder e informao entre as regies do planeta, reforando os mecanismos e estruturas da dependncia scio-econmica dos pases do Terceiro Mundo, e entre as classes sociais, o que provoca uma polarizao social entre uma minoria que se enriquece e uma maioria que vai sendo excluda. Tentaremos avaliar esta realidade nos seus meandros para demonstrar, com dados, a incompatibilidade entre o sistema econmico vigente e o desenvolvimento social de vastos setores sociais hoje marginalizados. Globalizao da Economia e sua Hierarquizao

    Para cada poca histrica existe uma forma social, um modo de atividade social, uma estrutura social, como pressuposto que comanda e determina a articulao dos momentos fundamentais constitutivos do processo de produo e reproduo social. A apropriao social do processo de produo determinada pelo modo de atividade social: a relao social de produo. s formas que assume a articulao dos elementos constitutivos do processo de produo social foras produtivas e relaes de produo e s formas assumidas pelas distintas combinaes de relaes sociais de produo, cristalizadas nas estruturas sociais, Marx denomina modos de produo. Assim, para cada poca histrica, teramos modos de produzir historicamente determinados. Sendo assim, o poder social dos indivduos determinado pelo modo como os agentes sociais se inserem nas relaes sociais de produo. Conseqentemente, o poder social dos grupos sociais revela-se, na conscincia social dos agentes, a partir das condies objetivas de produo, isto , a partir do resultado das atividades produtivas e do modo pelo qual estas so apropriadas por um grupo social restrito. Por outro lado, a posse do aparato material e simblico de dominao social revela o poder poltico, que aparece na conscincia dos homens como ltima instncia de deciso sobre a forma de organizao social comunitria. Este poder poltico, e sua derivao (o sistema poltico), bem como o exerccio monopolizado da violncia social, personalizado no Estado, so determinados pela forma como os agentes sociais se apropriam das condies objetivas, matrias e simblicas da produo social. Ou seja, o modo de produo cria as condies objetivas da existncia do poder social como estrutura jurdico-poltica numa sociedade de classes12.

    Segundo Hirano, dentro do modo de produo capitalista encontramos diversos modos de desenvolvimento das foras produtivas e das relaes sociais de produo. O modo de desenvolvimento capitalista vigente caracteriza-se pela hierarquizao dos mercados de capitais, pela hierarquizao dos espaos geo-econmicos e tecnolgicos e pela hierarquizao dos centros produtores de conhecimento e tecnologia de ponta, caractersticas que favorecem alguns pases desenvolvidos de maneira avassaladora. Sim, pois a reproduo ampliada do capital acontece, na sua maior parte, nas economias

    12 Hirano (1998), Op. Cit.

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    desenvolvidas de alta renda: os indicadores econmicos mostram claramente que capitais, tecnologias e mercadorias migram para as regies onde a reproduo altamente concentrada em valores agregados, ou seja, do ponto de vista da acumulao capitalista, extremamente produtiva e rentvel. A desconcentrao espacial da produo, o policentrismo de que falamos acima, atinge, alm da Trade (EUA, EU e Japo), um pequeno nmero de economias emergentes, somente. Por isso, fala-se que o processo de globalizao restrito a um sub-globo13, camuflando, na verdade, os processos de: 1) centralizao e concentrao de capitais em grandes conglomerados globais14; 2) de crescente e acelerada oligopolizao de mercados15; e 3) de concentrao crescente da riqueza mundial16.

    Para Furtado17, existe uma interdependncia entre a Ordem Econmica Internacional e o modo de desenvolvimento capitalista. Do modo de desenvolvimento do capitalismo atual resulta o duplo processo de concentrao de renda: em benefcio dos pases centrais e dentro de cada pas perifrico. J a Ordem Social Global resultante da correlao de foras nas relaes de dominao poltica e de apropriao do excedente

    13 O argumento de Batista Jr. que a globalizao um mito, no tem base real e apia-se em meias verdades. O processo de internacionalizao em curso nas ltimas dcadas no nem to abrangente e nem to novo quanto sugerem os arautos da globalizao. Tambm no tem o carter inexorvel e irreversvel que se lhe atribui com freqncia. A mitologia da globalizao seria uma simplificao intimidadora das tendncias econmicas mundiais. Os mercados continuariam segmentados por critrios nacionais, e as tendncias do investimento e do mercado de trabalho obedeceriam ainda, na sua maior parte, os condicionantes locais. O comrcio, os investimentos (IDE), o mercado financeiro e as prprias empresas transnacionais estariam internacionalizando-se apenas em um sub-globo. Batista Jr., Paulo N. Mitos da Globalizao. Estudos Avanados, 12 (32), 1998.

    14 Furtado afirma que o crescimento das empresas no mercado norte-americano, inicialmente, e no mercado mundial, posteriormente, tomou a forma de concentrao do poder econmico em conglomerados. O conglomerado , essencialmente, um fenmeno de busca de estabilidade pela heterogeneidade. [...] Estar presente em distintas reas maximizar as oportunidades de investimento. Desta forma, o conglomerado aloca recursos financeiros vultuosos nas possibilidades imediatas mais lucrativas, ao mesmo tempo em que planeja num horizonte temporal mais amplo. O conglomerado uma amlgama de capacidade gerencial-administrativa e controle de uma massa crtica de recursos financeiros. [...] O fenmeno da conglomerao apresenta-se tanto sob a forma de diferenciao funcional como de disperso geogrfica, ou sob ambas as formas combinadas. [...] Nos dois casos a fora principal do conglomerado deriva de seu poder financeiro e de que os seus recursos esto dispersos. [...] A unio das duas formas de conglomerao amplia consideravelmente as possibilidades de concentrao do poder econmico. Com efeito, a unidade multifuncional e multinacional constitui a forma superior de organizao da economia capitalista. Furtado, Celso. Transformao e Crise na Economia Mundial. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, pp. 52-55.

    15 A globalizao estende as estruturas de oligoplio maior parte dos mercados internos, provocando intenso impacto nas firmas locais: positivos, dado os impulsos ascendentes sobre os fornecedores locais; ou negativos, dada a considervel soma de recursos financeiros e a diferena de produtividade em favor das multinacionais (empresas transnacionais). Segundo Andreff, somando o comrcio intra-multinacionais e o comrcio extra-multinacionais (o de uma matriz ou de uma filial de uma empresa transnacional com firmas mononacionais), obtm-se a parte do comrcio exterior de um pas realizada pelas multinacionais (MN). Assim calculado, pode-se dizer que h duas dcadas, todo ano, mais de 50% das exportaes americanas so engendradas por MN (americanas e estrangeiras), e perto de 80% das exportaes britnicas, mais de 90% em Singapura, mais de 40% no Brasil. A economia mundial forma-se, portanto, atravs da globalizao dos mercados. Por outro lado, a parte da produo internacionalizada, aproximada pelo agregado das atividades das MN em seu pas de origem e das vendas de suas filiais estrangeiras, atinge em 1989 32% do PNB para os Estados Unidos, 24% para o Japo, 42% para os Pases Baixos; e no nvel global, esta produo internacionalizada, sob controle direto das MN, estimado em um tero do produto mundial. [...] Resulta da um alto grau de interdependncia entre os processos de produo localizados em pases diferentes e em uma perda de autonomia dos sistemas produtivos nacionais. Andreff, Wladimir. Multinacionais Globais .Bauru, SP, Edusc, 2000, pp. 126-138.

    16 Sobre as condies de pobreza estrutural e de crescente desigualdade na distribuio pessoal, social e internacional de renda e riqueza, na Amrica Latina e no mundo, ver: Estenssoro, Luis. Capitalismo, Desigualdade e Pobreza na Amrica Latina. So Paulo, FFLCH Universidade de So Paulo, 2003 (Tese de Doutoramento).

    17 Furtado (1987), Op. Cit., captulos IV e V.

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    econmico. A Ordem Econmica Internacional, ao fazer a prosperidade das empresas transnacionais, aprofunda as desigualdades regionais e agrava as injustias sociais nos pases de baixo nvel de acumulao. Conseqentemente, falar na Ordem Econmica Internacional colocar simultaneamente o problema da estrutura de poder em escala mundial e o das formas de organizao scio-econmica no planeta. Isto , coloca-se no centro do debate o tema da falncia do Sistema Internacional resultante de Bretton Woods, e o tema da crise do capitalismo na Era da Globalizao.

    Neste sentido, podemos dizer que a globalizao18 no significa a universalizao do bem-estar material, mas a reestruturao da Ordem Econmica Internacional segundo os imperativos da Terceira Revoluo Industrial e Tecnolgica e das novas formas de organizao da produo e do trabalho, processo que generaliza os contrastes entre a riqueza e a pobreza. Neste contexto, as diferentes velocidades de ajustamento e reestruturao setorial das economias nacionais derivam de movimentos do investimento direto externo (IDE), dinamizado pelos mercados financeiros integrados globalmente, bem como de fluxos comerciais internacionais, facilitados ou no pela filiao a blocos geo-econmicos regionais, muito mais do que do poder de deciso (decrescente) dos Estados Nacionais, que perdem eficcia na sua funo planejar, regular, investir e financiar estratgias de desenvolvimento nacional. Num mundo onde as atividades de concorrncia monopolista tm preponderncia, principalmente na Era da Informao, dada a apropriao de rendas de monoplio pela inovao e diferenciao de produtos com base em tecnologia avanada, a funo do Estado muda e limita-se, fundamentalmente, a viabilizar a taxa agregada de formao de capital.

    Ora, o diferencial favorvel aos pases desenvolvidos nesta obra incomparvel em todos os sentidos: possuem melhor formao educacional da mo-de-obra, com maior acumulao de capital humano, melhor infra-estrutura, melhor organizao dos servios, maior investimento em unidades de Pesquisa e Desenvolvimento estratgicas, maior integrao dos mercados, o que permite economias de escala, mais e melhores redes de informao e intercmbio tcnico-cientfico, melhor e maior estrutura de telecomunicaes e informtica, maior volume de crdito e subsdios s empresas, etc. J os pases em desenvolvimento so pobres em capital e desenvolvimento social. Como resultado constatamos que a globalizao no global: existe um sub-globo (algumas classes sociais em certos pases) crescentemente integrado e altamente dinmico, no qual o desenvolvimento humano alto (maior capital humano e melhor qualidade de vida), e que tende a absorver a maior parte da renda e do capital de todo o mundo, em detrimento da eqidade regional e social. A globalizao, neste sentido, no universalizadora do dinamismo econmico, mas criadora de uma repolarizao regional e de uma

    18 Entendemos a globalizao como uma nova configurao do capitalismo nascida da desregulamentao e liberalizao do comrcio internacional, dos investimentos produtivos diretos e dos fluxos financeiros, juntamente com a internacionalizao da produo, circulao e consumo configurao esta que se coloca dentro de um processo de mundializao que remonta s cruzadas, passa pelos descobrimentos, conquista, colonizao, imperialismo, transnacionalizao de empresas, internacionalizao dos mercados, principalmente os financeiros, e, agora, culmina com a formao de um espao econmico, poltico, estratgico, informacional e tecnolgico cada vez mais integrado e global. Segundo Ianni, este cenrio organizado pelas corporaes transnacionais e pelas organizaes multilaterais, que estruturam os processos de dominao poltica e apropriao econmica que caracterizam a globalizao. Ver: Gonalves, Reinaldo. Globalizao e Desnacionalizao. So Paulo, Paz e Terra, 1999; e Ianni, Octavio. Teorias da Globalizao. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1995.

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    reconcentrao social dos recursos, recriando desequilbrios distributivos entre pases, regies, setores e classes sociais.19

    Trs grficos abaixo mostram o estgio atual das imensas desigualdades na economia internacional. Observemos que, em 2004, somente 15,4% do total da populao mundial correspondiam aos pases desenvolvidos, mas estes respondiam por 54,6% do PIB agregado e 71,6% das exportaes de bens e servios; enquanto que os pases em desenvolvimento contavam com 84,6% da populao e respondiam por apenas 45,4% do PIB e 28,2% das exportaes. A frica comportava 12,5% da populao mundial, mas tinha apenas uma participao de 3,3% do PIB e 2,2% das exportaes. Os nmeros da sia eram, respectivamente: 52,1%, 24,6% e 11,1%, indicando um potencial enorme de crescimento econmico naquela regio. A Amrica Latina tinha uma participao um pouco mais proporcional: 8,5% da populao, 7,5% do PIB e 4,2% das exportaes de bens e servios. No total, os pases de renda baixa e mdia respondiam por apenas 20,83% do PIB mundial, em 2000, embora fossem constitudos por 5,15 bilhes de pessoas, ou 85,09% da populao mundial.

    Participao das Regies no Total da Populao Mundial, 2004Fonte: Banco Mundial, World Economic Outlook, 2005.

    sia em Desenvolvimento51%

    frica12%

    Amrica Latina9%

    rea do Euro5%

    EUA5%

    Comunidade de Estados Independentes

    5%

    Oriente Mdio4%

    Outros Desenvolvidos4%

    Europa Oriental3%

    Japo2%

    19 Cf. Singer, Paul. Alternativas para o Futuro Brasileiro. In: Rattner, Henrique (org.). Brasil no Limiar do Sculo XXI. So Paulo, Edusp, 2000; e Pacheco, Ricardo. Perspectiva Locacionais Face Economia Globalizada: uma Introduo Conceitual. Pesquisas, Konrad Adenauer Stiftung, n 8, 1997.

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    Participao das Regies no PIB Agregado Mundial, 2004Fonte: Banco Mundial, World Economic Outlook, 2005.

    Europa Oriental3%

    Comunidade de Estados Independentes

    4%

    frica3%

    Amrica Latina8%

    sia em Desenvolvimento24%

    Oriente Mdio3%

    EUA21%

    rea do Euro15%

    Outros Desenvolvidos12%

    Japo7%

    Participao das Regies nas Exportaes, 2004Fonte: Banco Mundial, World Economic Outlook, 2005.

    rea do Euro32%

    Outros Desenvolvidos24%

    sia em Desenvolvimento11%

    EUA10%

    Japo6%

    Europa Oriental4%

    Amrica Latina4%

    Oriente Mdio4%

    Comunidade de Estados Independentes

    3%

    frica2%

    Uma estatstica interessante para analisarmos o que acontece na economia mundial o valor adicionado nas manufaturas20. Os dados so os seguintes: os pases de renda baixa, em 1999, adicionavam apenas US$ 150 milhes (mi) s manufaturas, os pases

    20 Utilizamos os dados do Banco Mundial como base para este estudo. Quando no citada a fonte, os dados podem ser atribudos seguinte publicao: Banco Mundial. World Development Indicators. Washington, Banco Mundial, 2002.

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    de renda mdia, US$ 1,2 bilhes (bi), enquanto que os pases de renda alta US$ 4 trilhes (tri), ou 75% do total mundial. A Unio Europia contribua com 22,9% do total, o Japo com 17,9%, o Leste Asitico e Oceania com 10,8%, e a Amrica Latina com 6,12%, sendo que a participao da frica Sub-Sahariana era de apenas 0,72% do total mundial do valor adicionado nas manufaturas. Fica evidente a extrema concentrao da estrutura produtiva mundial, na qual as economias desenvolvidas agregam valor s matrias-primas do Terceiro Mundo para depois revender-lhes manufaturados. Ora, isto causa um fluxo de recursos constante e de grandes dimenses em direo aos pases desenvolvidos.

    importante notar que o valor adicionado nas manufaturas no Leste Asitico mais que dobrou nos anos 1990, o que expe o extraordinrio desenvolvimento econmico daquela regio. Como sabemos, o Leste Asitico tem liderado o crescimento mundial, esboando um cenrio no qual os pases em desenvolvimento atuam como locomotivas do capitalismo. Esta dinmica pode ser atribuda ao crescimento da renda per capita das classes mdias21 nos pases em desenvolvimento, que passam a consumir mais produtos e servios, aumentando a massa crtica do mercado local e obrigando a importao de, principalmente, bens de capital, servios comerciais e bens de consumo patenteados das economias desenvolvidas, puxando desta forma o crescimento econmico mundial. Como veremos, este modelo de crescimento no sustentvel, pois implica um aumento da desigualdade social interna dos pases em desenvolvimento, o que, somado desigualdade entre os pases, decorrente da hierarquizao dos mercados mundiais, cria sociedades onde no h justia social e onde a distribuio de renda piora cada vez mais.

    Definitivamente, neste comeo de sculo, o crescimento econmico mundial concentra-se no Leste Asitico: enquanto a sia em Desenvolvimento cresceu notveis 7,9% na dcada de 1980, e 7,2% na dcada de 1990, a Amrica Latina cresceu apenas 1,7% na primeira dcada e 3,3% na seguinte; e a frica 1,6% e 2,5%, respectivamente. Os EUA cresceram 3,5% em todo o perodo O Japo 4,1% entre 1980 e 1990, e 1,3% entre 1990 e 2000. A rea do Euro 2,4% e 1,9%, respectivamente22. De 1966 a 200423, o PIB per capita dos pases do Leste da sia e Pacfico cresceu, em mdia, 5,77% ao ano (7% para a China e 4,03% para a Indonsia), enquanto que, na Amrica Latina, o PIB per capita cresceu somente 1,46%; na sia do Sul (ndia includa) 2,56%; no Oriente Mdio e Norte da frica 1,23%; e na frica Sub-Sahariana apenas 0,18% de crescimento do PIB per capita ao ano, em mdia. Na OCDE, este crescimento foi de 2,49% ao ano, em mdia, entre 1966 e 2004. Estes dados revelam que a Amrica Latina e principalmente a frica tiveram fraco desempenho em termos de crescimento econmico nesta fase global de desenvolvimento do capitalismo. A tendncia , portanto, perpetuar sua marginalizao. Um outro dado que indica a diferena do modelo de desenvolvimento entre as economias dinmicas e a

    21 A OCDE estimou que, crescendo 6% ao ano em mdia, entre 1994 e 2010, cerca de 700 milhes de pessoas seriam incorporadas s classes mdias (renda per capita equivalente da Espanha) em apenas trs pases: China, ndia e Indonsia. No Brasil, em 2005, num universo de 176 milhes de pessoas, 31,9% dos trabalhadores ocupados (22 milhes de pessoas) ganhava at um salrio mnimo, 29,8% (20,5 milhes) entre um e dois salrios mnimos e 38,3% (26,4 milhes de pessoas) mais e dois salrios mnimos. Considerava-se, ento, que a classe mdia era constituda por cerca de 57,8 milhes de pessoas, ou 15,4 milhes de famlias (31,7% do total de famlias). Fontes: The Economist, 1 de Outubro de 1994; Jornal Folha de So Paulo; Guerra, Alexandre, Pochmann, Mrcio, Amorim, Ricardo e Silva, Ronnie. Atlas da Nova Estratificao Social no Brasil. So Paulo, Cortez, 2005.

    22 Banco Mundial (2002), Op. Cit.

    23 Dados do Banco Mundial. Fonte: O Estado de So Paulo, 19 de setembro de 2006.

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    Amrica Latina a pauta de exportaes: os pases latino-americanos exportavam, em 2000, 21% do total em commodities, enquanto que os pases asiticos e os de renda alta apenas 6%. J com relao s manufaturas ocorria o contrrio: a Amrica Latina exportava somente 48% em manufaturas, enquanto que o Leste Asitico e os pases de renda alta exportavam, respectivamente, 83% e 82% do total em manufaturas.

    A hierarquizao das economias em nvel mundial no se resume a uma situao inicial desigual e sua perpetuao, mas diz respeito prpria dinmica das relaes econmicas. Tomemos como exemplo as relaes comerciais internacionais24: como vemos no grfico a seguir, os termos de troca de Argentina, Brasil e Mxico declinam considerveis 30 pontos no perodo 1977-2001. Confirma-se, portanto, o acerto da teoria da deteriorao dos termos de troca da CEPAL, que afirma que os produtos primrios da periferia tendem a ter preos baixos e declinantes com relao aos produtos manufaturados do centro. Uma exceo regra o petrleo, produto do qual o Mxico exportador e que o favoreceu durante a crise do petrleo, como tambm vemos no grfico.

    ndice de Termos de Troca (1977=100)

    0

    20

    40

    60

    80

    100

    120

    140

    160

    1977

    1978

    1979

    1980

    1981

    1982

    1983

    1984

    1985

    1986

    1987

    1988

    1989

    1990

    1991

    1992

    1993

    1994

    1995

    1996

    1997

    1998

    1999

    2000

    2001

    Argentina Brasil Mexico

    Fonte: A partir de dados do Institute of International Finance (IFF).

    24 Diante do problema da parte da mais-valia que no absorvida no circuito do capital e que se acumula para o circuito seguinte, e assim sucessivamente, Rosa Luxemburg prope a tese da demanda crescente, forma de entender o comrcio mundial como meio de ampliao da produo de mercadorias, cuja demanda seria criada pelos pases da periferia do sistema econmico. Esta demanda crescente permitiria que os capitalistas continuassem convertendo mais-valia em capital, viabilizando assim a acumulao capitalista. Nesta hiptese, o equilbrio entre a oferta e a demanda dos capitalistas, isto , entre a criao e a realizao de mais-valia, seria garantido pelos mercados externos (economias pr-capitalistas ou demanda governamental) que permitiriam desafogar a economia capitalista e perpetuar o processo de acumulao de capital. Desta forma, o processo histrico a acumulao de capital dependeria, em todos os pontos, das camadas sociais e formas de organizao social no capitalistas, assim como do consumo governamental. Assim, segundo os dois pontos de vista, o da realizao da mais-valia e o da aquisio dos elementos do capital constante, o comrcio mundial uma condio histrica de vida do capitalismo; comrcio mundial, que, nas circunstncias concretas, essencialmente uma troca entre as formas de produo capitalistas e as no-capitalistas. Luxemburg, Rosa. A Acumulao de Capital. Rio de Janeiro, Zahar, 1976, p. 309.

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    Porm, durante o perodo considerado, houve um processo de reestruturao produtiva das economias destes trs pases, que passaram a fabricar e exportar mais produtos manufaturados, o que um fato novo para aquela teoria. Como podemos observar, o fato de esses pases exportarem manufaturados no garante que seus termos de troca sofram alteraes positivas. Ao contrrio do que poderamos esperar, a queda dos termos de troca desses pases apenas se suavizou e no se nota recuperao consistente dos 30 pontos perdidos desde 1977. Este dado, apesar de tratar de preos, pode ser tomado como uma aproximao da perda de valor das exportaes dos pases latino-americanos, desvendando o muito que se perdeu em perodos anteriores. A situao de dependncia estrutural destas economias no contribui para superar os obstculos ao desenvolvimento, pois a industrializao perifrica tende a perpetuar a troca desigual, entre outros mecanismos de manuteno da hierarquia das naes na economia mundial. A deteriorao dos termos de intercmbio e a troca desigual25 so, portanto, dois mecanismos de expropriao e explorao capitalista26, baseados em transferncias de excedente econmico na esfera da circulao. As desvalorizaes monetrias e a instabilidade dos preos agem como aceleradores e maximizadores dessas transferncias.

    Marini alerta para a confuso entre deteriorao dos termos de troca e troca desigual, embora defenda, por razes prticas, o uso dos ndices de preos como proxy para os valores no longo prazo. Tambm acha vlido examinar a evoluo dos termos de troca (preos relativos) quando se analisa a troca desigual, pois este comrcio, assim estruturado, a exemplo de outros mecanismos da economia capitalista, tm seus reflexos no mundo do trabalho, onde se d a explorao e no qual pode-se verificar a diferena entre pases desenvolvidos e em desenvolvimento pela intensidade diferenciada da explorao sobre a fora de trabalho. Para Ianni, h uma relao entre a distribuio do excedente econmico e a extrao de mais-valia, no quadro da dependncia estrutural e do imperialismo. Ianni combina os conceitos de mais-valia e de excedente econmico ao analisar as estruturas de

    25 A deteriorao dos termos de troca (tese Prebisch-Singer, encampada pela CEPAL) uma constatao emprica que revela que, no longo prazo, os produtos manufaturados, na sua maioria produzidos e exportados pelos pases desenvolvidos, tm uma curva ascendente constante, enquanto que, inversamente, as matrias-primas exportadas, na sua maioria produzidas pelo Terceiro Mundo, sofrem um processo de desvalorizao crescente. O poder econmico e a oligopolizao do setor industrial explicam em grande parte esta tendncia. J o conceito de troca desigual (tese de Arghiri Emmanuel) consiste em considerar a diferena de quantidade de matrias-prima (transformada ou no) e de quantidade de fora de trabalho includas nos produtos trocados pela mesma unidade monetria entre os pases pobres e ricos. Historicamente ocorre um ntido favorecimento destes ltimos. Isto se explica pela participao diferenciada da mo-de-obra na composio do preo dos produtos, nos pases desenvolvidos e subdesenvolvidos. Assim, a troca desigual torna-se possvel graas s diferenas de remunerao do fator trabalho que, por sua vez, devem-se ao diferencial de organizao sindical da fora de trabalho e aos recursos polticos tambm diferenciados que as populaes tm para escapar da misria e alcanar a cidadania. Cf. Brewer, Anthony. Marxist Theories of Imperialism. A Critical Survey. Londres, Routledge, 1990; e Kay, Cristbal. Latin American Theories of Development and Underdevelopment. London, Routledge, 1989.

    26 O conceito de explorao compreendido alm dos limites marxistas permite entender como uma pequena parte dos habitantes enriquece a custa da grande maioria. Isto , para Casanova, nem toda explorao acontece com a mediao do mercado de trabalho, como observada por Marx, mas acontece tambm enquanto luta pelo excedente econmico e pela distribuio do produto dentro e entre as naes. Ou seja, seria um tipo de explorao que acontece sem efeitos diretos e lineares na luta de classes. Por isso, nem todo tensionamento da explorao implica conseqncias imediatas nas lutas polticas e sociais, i. e., luta de classes. Na verdade, temos diversos conceitos que expressam diferentes tipos de relaes de explorao: mais-valia (Marx), excedente econmico (Baran e Sweezy), troca desigual (Emmanuel), deteriorao dos termos de troca (Prebisch-Singer), e distribuio do produto e distribuio do capital (Casanova). Casanova, Pablo Gonzlez. Explorao, Colonialismo e Luta pela Democracia na Amrica Latina. Petrpolis, Vozes, 2002, pp. 142-146; Casanova, Pablo Gonzlez. Lexploitation globale. Alternatives Sud, vol. VI, n 1, 1999, pp. 165-187.

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    dominao poltica e apropriao econmica do imperialismo norte-americano na Amrica Latina. So relaes carregadas de ambigidade, controvrsia e contradies, nas quais as classes dominantes (burguesia hegemnica e burguesia subalterna) disputam a apropriao do excedente econmico. Porm, quando se passa a considerar os interesses das classes assalariadas, a disputa ocorre em torno da apropriao do lucro, ou mais-valia27. Marini, por sua vez, sugere que h uma relao estreita entre troca desigual e superexplorao do trabalho, que veremos adiante, a qual sintetiza da seguinte maneira:

    A nica coisa que sustento que, em condies de intercmbio marcadas por uma clara superioridade tecnolgica dos pases mais avanados, as economias dependentes deveriam lanar mo de um mecanismo de compensao que, permitindo o aumento da massa de valor e de mais-valia realizada, assim como de sua taxa, se contrapusesse, pelo menos parcialmente, s perdas de mais-valia a que tinha de se sujeitar; esse mecanismo foi a superexplorao do trabalho. Esta explica o forte desenvolvimento da economia exportadora latino-americana, apesar do intercmbio desigual.28

    Vemos ento que a superexplorao do trabalho um mecanismo defensivo e compensatrio que permite a produo, principalmente nos pases subdesenvolvidos, de excedente econmico com base, fundamentalmente, na extrao de mais-valia absoluta, isto , lanando mo da explorao direta do trabalhador, ao invs de apoiar-se no aumento da produtividade, via avano tecnolgico e barateamento dos bens-salrio (mais-valia relativa). Diante disso, as possibilidades dos pases subdesenvolvidos criarem condies para o desenvolvimento com incluso social ficam reduzidas. A dinmica enviesada da acumulao e dos mecanismos de articulao econmica, que privilegiam os centros desenvolvidos, impede que se combata a pobreza, a desigualdade e a excluso social com o rigor necessrio. Afinal, estas so geradas pelo prprio modelo de desenvolvimento. No caso da Amrica Latina a situao ainda pior, pois a regio sequer acompanha o crescimento econmico e o desenvolvimento social de outros pases emergentes os pases do Leste Asitico, por exemplo, so muito mais igualitrios29.

    No grfico abaixo podemos visualizar o resultados destes mecanismos de expropriao e explorao, internos e externos, das economias capitalistas na sua feio final: o nvel de desenvolvimento das pessoas (aqui estimado pelo PIB per capita). Este varia tremendamente de uma regio a outra. Podemos observar a grande distncia que separa os pases desenvolvidos dos pases em desenvolvimento, distncia que aumenta a cada dcada de maneira impressionante. O PIB per capita talvez seja o indicador que melhor traduz esta desigualdade de desenvolvimento scio-econmico que h entre os

    27 Para Ianni, o conceito de excedente econmico efetivo pode ser til para descrever os movimentos de capital, em termos do conjunto do sistema econmico (nacional ou internacional) ou dos seus setores. Ao passo que o conceito de mais-valia se torna necessrio quando entram em questo: 1) a diferena entre o trabalho necessrio e o trabalho excedente, na produo da mercadoria e 2) as relaes entre os compradores e os vendedores de fora de trabalho. Ianni, Octvio. Imperialismo na Amrica Latina. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1988, p. 204.

    28 Marini, Ruy Mauro. Dialtica da Dependncia. Petrpolis, Vozes, 2000, p. 176.

    29 Em artigo anterior observamos a existncia de dois modos de desenvolvimento diferentes nas regies da Amrica Latina e do Leste Asitico, este ltimo conjugando crescimento econmico com igualdade social, contrariamente aos pases da Amrica Latina. Cf. Hirano, Sedi e Estenssoro, Luis. A Amrica Latina e os Pases Asiticos: um Paralelo sobre os Modos de Desenvolvimento Capitalista. In: Dos Santos, Theotnio. Globalizao. Dimenses e Alternativas. So Paulo, Loyola, 2004, pp. 196-242.

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    pases ricos e pobres, e que transforma o mundo num verdadeiro apartheid social global, denominao adequada se formos ser sinceros com os nmeros. O cenrio que vemos abaixo, a distribuio da renda per capita no mundo, somente compreensvel a partir da hierarquizao do mercado mundial, que engendra as desigualdades regionais (e sociais tambm).

    PIB per Capita, 1980-2000

    0

    5000

    10000

    15000

    20000

    25000

    30000

    35000

    40000

    45000

    50000

    Jap

    o

    Alem

    anha

    Estad

    os

    Unido

    s

    Unio

    Mone

    tria

    Euro

    pia

    Argen

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    Mund

    o

    Brasil

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    ca

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    Mexic

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    e Pa

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    China

    frica

    Sub-S

    ahar

    iana

    India

    sia

    do

    Sul

    Fonte: Elaborado a partir de: Banco Mundial. World Development Indicators, 2002.

    US$

    c

    on

    sta

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    s de

    19

    95

    198019902000

    Paralelamente a esta situao, alguns autores observam que ocorre uma crise econmica capitalista que atravessa a segunda metade do sculo XX. Esta crise consiste na queda acentuada das taxas de lucro, que se verifica a partir dos anos 1960, e que se traduz nas taxas baixas de investimento, poupana e crescimento. Tomemos o indicador de crescimento do produto mundial por habitante: segundo Chesnais30, este indicador estava na faixa de 4%, entre 1960 e 1973, caindo para 2,4%, entre 1973 e 1980, at atingir 1,2%, entre 1980 e 1993. Mas a crise no se resume ao queda nas taxas de crescimento e de lucro: pela tabela abaixo vemos que o padro de acumulao sob hegemonia financeira veremos adiante que se trata do regime que permite que os ganhos de produtividade sejam apropriados pelo capital financeiro revela-se, nos EUA e na Europa, como um regime com taxas de crescimento decrescentes do PIB, do emprego, da produtividade e da acumulao, apesar destas regies estarem no topo da hierarquia econmica mundial e apesar do imenso desenvolvimento tecnolgico.

    30 Chesnais, Franois. A Fisionomia das Crises no Regime de Acumulao sob Dominncia Financeira. Novos Estudos CEBRAP. N 52, nov de 1998, p. 27.

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    TAXAS MDIAS ANUAIS DE CRESCIMENTO DOS EUA E UE (1960-1999) Pas 1960-1973 1980-1999*

    PIB 3,9 2,5 Emprego 1,8 1,5 Produtividade** 2,6 0,9

    Estados Unidos

    Acumulao 4,5 2,9 PIB 4,7 2,1 Emprego 0,3 0,3 Produtividade** 5,1 1,9

    Unio Europia

    Acumulao 5,6 1,9 Fonte: A partir de dados do OECD Economic Outlook. In: Mattoso, Jorge. O Brasil Desempregado. So Paulo, Fundao Perseu

    Abramo, 1999. * Dados estimados e projetados para 1998 e 1999; ** Refere-se ao Perodo 1979-1997.

    Nos ltimos anos (2001 a 2005)31, o PIB dos EUA cresceu 2,6% ao ano, em mdia, o do Japo 1,4% e o da Alemanha apenas 0,7%. Este baixo crescimento pe em evidncia que a economia mundial capitalista est enfrentando um agravante estrutural: a falta de dinamismo nas economias centrais. Alm das crises financeiras recorrentes e das recesses mundiais que se verificaram em 1948-49, 1952-53, 1957-58, 1960-61, 1966-67, 1970-71, 1974-75, 1980-82 e 1990-9432, h uma desacelerao do crescimento econmico. , portanto, um desenvolvimento do sistema no mnimo conturbado. Adicionalmente, pode-se dizer que o capitalismo est se alimentando ultimamente do crescimento das economias asiticas, como um esforo que faz para superar suas crises. O crescimento na China, entre 2001 e 2005, foi de 9,5% ao ano, o da Rssia 6,1% e o da ndia 5,4% (2000-2003). O sistema econmico capitalista necessita apelar aos mercados externos para crescer, como diria Rosa Luxemburg33. O sistema capitalista internacional recorre sistematicamente a reas e camadas sociais no-capitalistas para expandir-se e reproduzir-se, dado que de outra forma no conseguiria realizar a mais-valia gerada na produo.

    O que queremos destacar a clara dificuldade que o capitalismo tem para torna-ser um sistema que propicie condies de vida aceitveis para todos, na medida em que no consegue sustentar seu prprio crescimento de maneira a incluir as populaes

    31 Economist Intelligence Unit (EIU). Country Briefings, The Economist, em: , acessado em 10-10-2006.

    32 Cf. Marini, Ruy M. Proceso y Tendencias de la Globalizacin Capitalista. In: Marini, Ruy M. e Milln, Mrgara (orgs.). La Teora Social Latinoamericana. Mxico, UNAM, 1996, Tomo IV, p. 54; e Coggiola, O. A Crise Estrutural do Capital in: Coggiola, O. (org.). Estudos. Capitalismo: Globalizao e Crise. So Paulo, Humanitas, 1998, p. 317.

    33 uma questo polmica esta: qual tem sido a maior fonte de acumulao que permitiu e sustenta a expanso do capitalismo? O centro ou a periferia? Creio que somente se supera essa dicotomia difcil de mensurar quando adotamos um critrio scio-econmico, ao invs de um critrio geogrfico. Como argumenta Rosa Luxemburg: Considerada historicamente, a acumulao capitalista uma espcie de metabolismo que se verifica entre os modos de produo capitalista e pr-capitalista. [...] A acumulao no apenas uma relao interna entre os ramos da economia capitalista, mas sobretudo uma relao entre o capital e o meio no-capitalista [...]. Ou seja, pelo menos a mais-valia destinada capitalizao deve, necessariamente, buscar realizar-se em camadas sociais e pases no-capitalistas. Assim, se a acumulao capitalista necessita, para seu desenvolvimento, de um meio ambiente de formaes sociais no-capitalistas e de camadas sociais fora do sistema capitalista para se expandir e realizar a mais-valia, ento fica indiferente saber qual a regio do planeta que contribuiu mais para a acumulao de riquezas. Portanto, a fronteira entre os mercados externo e interno scio-econmica e no geogrfica. Ou seja, todas as transaes efetuadas entre os setores capitalistas da economia, mesmo que estes se situem em diferentes pases, constituem operaes de mercado interno, de mercado capitalista. Por outro lado, todas as transaes entre um setor capitalista e um setor no-capitalista (como o caso da agricultura camponesa), mesmo que ambos se localizem dentro de um mesmo pas, constituem operaes de mercado externo. Assim, tanto pelo lado da criao, quanto pelo lado da realizao de mais-valia, o capitalismo nutre-se de camadas sociais e formaes sociais que esto fora do sistema capitalista. Luxemburg (1976), Op. Cit., Captulos XXVI a XXIX.

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    marginalizadas34. Se observarmos as tendncias e os indicadores da economia mundial, perceberemos logo que esta situao tende a se agravar, pois processos relacionados com a globalizao (integrao econmica; financeirizao dos mercados; melhoria das comunicaes), e com as inovaes da Terceira Revoluo Industrial e Tecnolgica (microeletrnica, informtica, biotecnologia, qumica fina, economia de matrias-primas e energia, busca de novos materiais), ou mesmo com o fenmeno da substituio do fordismo pelo toyotismo35 (nova modalidade de organizao da produo; transformao da organizao do trabalho), somam-se para produzir uma situao crtica de excluso das naes subdesenvolvidas nesta Nova Ordem Econmica Internacional, realidade que se desdobra em mais explorao da fora de trabalho.

    Comandando este Sistema Internacional, est presente o Estado que representa a elite econmica da maior economia do mundo e da nao militarmente mais poderosa, para dizer apenas duas caractersticas decisivas do Estado norte-americano. Os Estados Unidos da Amrica assumem, assim, a liderana no processo de reconfigurao da dominao e da explorao capitalistas sob uma Nova Ordem Internacional. Com a recente e radical transformao da tecnologia militar, que mudou a concepo estratgica e logstica do poder blico dos EUA, bem como com a queda do muro de Berlim, o fim da URSS e do antagonismo bipolar que forava um equilbrio de poder, a capacidade dos EUA de controlarem estruturas transnacionais militares, financeiras, produtivas, miditicas, culturais e ideolgicas passa a ter alcance global36. A associao desta estrutura imperial planetria37 com as elites locais (burguesia, tecnocratas e segmentos da classe mdia) criou uma dupla desigualdade para a populao do Terceiro Mundo: a primeira consiste na desigualdade entre as naes ricas e as naes pobres, que responsvel pela maior parte

    34 Na verdade, a crise econmica capitalista a crise de todo o modo de produo globalmente hegemnico, que no se sustenta enquanto sistema econmico capaz de garantir a reproduo social da populao mundial. o mnimo que se pode dizer de um mundo onde h 507 milhes de pessoas que no esperam sobreviver aos 40 anos, onde 1,2 bilho de pessoas no tem acesso gua potvel, onde 842 milhes de adultos so analfabetos, onde 158 milhes de crianas menores de cinco anos so subnutridas, e onde um 1,3 bilho de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza, com privaes de toda ordem. PNUD. Relatrio do Desenvolvimento Humano 1997. Lisboa, Trinova, 1997, p. 27.

    35 Com a crise do padro de acumulao, o paradigma fordista perde centralidade para o toyotismo. Este baseado numa acumulao mais flexvel, que maximiza ganhos a partir de diferentes formas de contratao de mo-de-obra, produo de bens, servios e investimentos do capital, decorrendo da a panacia apologtica das organizaes enxutas e flexveis: reengenharia, downsizing, terceirizao, etc. Valendo-se de novas tecnologias organizativas baseadas na filosofia just-in-time (que conjuga estoque mnimo, sistemas kanban e planejamento da produo), o toyotismo torna os processos de produo mais eficientes e produtivos, barateando os custos e aumentando a qualidade. Paes de Paula, Ana Paula. Tragtenberg Revisitado: as Inexorveis Harmonias Administrativas. In: Anais do 24 ENANPAD, 2000, Florianpolis, http://www.nobel.com.br/cdmt/tragtenberg_revisitado.htm; Para toyotismo e fordismo, ver tambm: Antunes, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho. So Paulo, Boitempo, 2000; e Antunes, Ricardo. Adeus ao Trabalho. So Paulo, Cortez, 1999.

    36 Fiori, Jos Luis. Imprio e Pauperizao. Folha de So Paulo, 16 de setembro de 2001.

    37 Quijano aborda o tema da globalizao e do bloco de poder imperial no mundo caracterizando, inicialmente, o fenmeno do poder como um tipo de relao social constitudo pela presena permanente de trs elementos: dominao, explorao e conflito. Depois afirma que: la globalizacin consiste, ante todo, en una re-concentracin de la autoridad pblica mundial, en rigor una re-privatizacin del control de la autoridad colectiva, sobre cuya base se impulsa la profundizacin y la aceleracin de las tendencias bsicas del capitalismo. Se trata, as, de una reconfiguracin del sistema de dominacin poltica, asociada a las ms recientes tendencias de la explotacin o control capitalista del trabajo. La correspondiente expresin institucional en el centro es, de un lado, la configuracin de un Bloque Imperial Mundial, integrado por los estados-nacin que ya eran mundialmente hegemnicos, bajo el predominio del principal de ellos, el de Estados Unidos; del otro lado, el bloque de corporaciones mundiales de capital financiero (...). Quijano, Anbal. Colonialidad del Poder, Globalizacion y Democracia. Forum Social Mundial, dez 2000, em: , acessado em 02/09/2003.

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    da desigualdade mundial, e, em segundo lugar, a desigualdade interna, que na Amrica Latina chega a ser maior que em outros continentes. Esta associao de classes dominantes estrangeiras e locais constitui o cerne do imperialismo econmico mundial e da dependncia em nossas sociedades.

    Concentrao e Centralizao do Capital em Conglomerados A origem da Nova Ordem Econmica Internacional est na projeo

    internacional de um conjunto de grandes empresas nutridas pelo mercado unificado, integrado e de dimenses continentais dos Estados Unidos. Segundo Furtado38, como as empresas esto estruturadas em oligoplios no mercado norte-americano (Canad includo), sua projeo internacional permitiu que um sistema similar de decises se reproduzisse em escala multinacional. Assim, o que era um mercado internacional de produtos comeou a definir-se como um sistema de decises de mbito multinacional, cuja coerncia deriva de critrios valorativos estabelecidos a partir da realidade interna da economia norte-americana. Esta ltima, ao conservar uma margem de autonomia grande em relao ao resto do mundo, estaria em condies privilegiadas para exercer o papel de centro estabilizador e orientador da economia mundial. Na verdade, a economia dos EUA cresce mundializando-se, isto , a difuso mundial do padro tecnolgico surgido naquele pas permite que, agora, sua economia comande e integre em seus circuitos os recursos (naturais, de mo-de-obra, financeiros, mercadolgicos) localizados no exterior.

    Este crescimento econmico assume a forma de expanso de determinadas empresas, que se estruturam em mercados ologopolizados. O poder econmico se concentra cada vez mais nos oligoplios transnacionais39, assegurando o controle dos mercados mundiais, do progresso tecnolgico e dos fluxos financeiros em escala planetria. Este controle de decises econmicas por parte dos oligoplios transnacionais aumentou o grau de desarticulao das economias nacionais, reduzindo a possibilidade de coordenar internamente (e democraticamente) as decises econmicas de carter estratgico, que poderiam estar em funo de um projeto de desenvolvimento coletivo e autnomo. Como diz Furtado,

    O controle de um fluxo crescente de recursos lquidos e a possibilidade de condicionar o comportamento do consumidor mediante propaganda, no quadro de uma economia de preos administrados, abrem caminho para a concentrao do poder econmico pela conglomerao. [...Na economia latino-americana,] as empresas estrangeiras na sua maioria conglomerados norte-americanos controlam de cinqenta a 75 por cento das indstrias dinmicas [...] Sendo assim, at que ponto

    38 Furtado (1987), Op. Cit.

    39 Andreff faz uma boa anlise das empresas transnacionais e observa a grande centralizao internacional do capital, cujos resultados so uma forte concentrao nos mercados mundiais e o reforo da multinacionais (MN) estruturadas em grupos. O mercado mundial de computadores permanece concentrado apesar do declnio da parcela da IBM: as dez primeiras MN detinham 67% dele em 1984 e 64% e 1988; 91% da produo mundial de automveis eram realizados por vinte MN em 1982 e 90% em 1992; 90% do material mdico mundial so produzidos por sete MN em 1989; em 1988, 85% dos pneus por seis MN, 92% do vidro, 87% do tabaco, 79% dos cosmticos por cinco MN. Em outro trecho, afirma: O negcio internacional dos produtos de base est quase totalmente sob controle das MN; elas realizam 90% do comrcio mundial de trigo, caf, milho, madeira, tabaco, juta e minrio de ferro, 85% do comrcio de cobre e bauxita, 80% do de ch e estanho, 75% para as bananas, a borracha natural e o petrleo bruto. Os mercados dos produtos acabados industriais so globais, especialmente na eletrnica, nos quais normas internacionais se impe aps terem sido aperfeioadas por MN. Andreff (2000), Op. Cit., p. 89 e 126.

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    adequado utilizar o conceito de sistema econmico nacional para estas economias?40

    Obviamente que um sistema econmico nacional supe a unificao das decises em funo de interesses especficos de uma coletividade nacional. No entanto, quais so as condies destas sociedades para decidir sobre o destino do produto de suas prprias atividades econmicas quando grande parte da economia est sob controle estrangeiro e obedecendo a lgica da economia mundial? Esta tendncia est sendo acentuada pelo processo de globalizao: o capital transnacional cresceu rapidamente, passando de 17% do PIB mundial nos anos 1960, para 24% em 1982, e 31,2% em 1995; aumentando, portanto, o seu controle sobre as economias nacionais. Em 1982, o faturamento dos 200 maiores conglomerados equivalia a 27,2% do PIB mundial. Comparativamente, podemos dizer que o PIB de 150 pases no pertencentes OCDE representava 28,6% do PIB mundial. Em 1998, estas mesmas 200 empresas j ultrapassavam esses 150 pases na proporo de 26,3% a 24,5%, poca em que o PIB mundial era US$ 26,8 trilhes41. Em 1995, estas 200 grandes firmas, na sua maioria originrias de apenas oito pases desenvolvidos, tiveram lucros de US$ 251 bilhes sobre um faturamento de US$ 7,85 trilhes, o correspondente a 31,1% do PIB mundial na quele ano, que era de US$ 25,2 trilhes42. Como vemos, a taxa de crescimento das 200 maiores empresas tem sido superior taxa de crescimento do PIB mundial.

    AS CORPORAES TRANSNACIONAIS NA ECONOMIA MUNDIAL INDICADOR 1960 1975 1980 1985 1991

    Estoque de IDE*/ PIB Mundial (%) 4,4 4,5 4,8 6,4 8,5 Fluxo de IDE*/ PIB Mundial (%) 0,3 0,3 0,5 0,5 0,7 Fluxo de IDE*/ FBCF* Mundial (%) 1,1 1,4 2,0 1,8 3,5 Vendas / Exportaes Mundiais (%) 84 97 99 99 122

    Fonte: Andreff, Wladimir. Multinacionais Globais. Bauru, SP, EDUSC, 2000, p. 125. * IDE = Investimento Direto Externo; FBCF = Formao Bruta de Capital Fixo.

    Observamos acima que, em trinta anos, o estoque de investimento direto externo (IDE) capital investido na propriedade de ativos reais para implantar uma filial no estrangeiro ou para assumir o controle de uma empresa estrangeira dobra em relao ao produto mundial. Vemos tambm que o fluxo de IDE triplica em relao formao bruta de capital fixo e que as vendas das transnacionais aumentam 45% mais que as exportaes mundiais. Este fenmeno se relaciona com a expanso de empresas transnacionais mundo afora e com a desregulamentao dos mercados de capitais nas ltimas dcadas. A flexibilizao das normas nacionais possibilitou o livre fluxo de capitais e removeu as restries criadas aps a crise de 1929 e a Segunda Guerra Mundial. Assim, principalmente depois dos anos 1970, a acumulao de capital combina uma expanso colossal de fluxos financeiros, acrescidos pelas fuses e aquisies de empresas, em movimentos que intervm diretamente sobre as decises de investimentos, inclusive a deciso de investir no

    40 Furtado (1987), Op. Cit., pp. 54-57.

    41 Estimativa feita por Clairmont. J pelos clculos de Andreff, as 200 maiores multinacionais do mundo faturaram o equivalente a 24,2% do PNB mundial em 1982 e 26,8% em 1992. Clairmont, Frderic. Ces firmes gantes qui se jouent des Etats. Le Monde Diplomatique, dez 1999, p. 19 ; Andreff (2000), Op. Cit 123-124.

    42 Clairmont, Frdric. Ces deux cents socits qui contrlent le monde. Le Monde Diplomatique, abr 1997, pp. 1 e 16.

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    estrangeiro, cujo resultado podemos observar acima. Em outras palavras, a concentrao e a centralizao do capital permitiram a conquista de novos mercados no exterior, aumentando a acumulao de capital dos oligoplios transnacionais.

    Entretanto, este investimento (IDE) est extremamente concentrado nas economias mais dinmicas do planeta. As regies geo-econmicas onde h maior concentrao de recursos e capital fsico, humano e social so as regies para onde se dirige o fluxo de IDE. Os capitais migram para onde sua reproduo mais lucrativa, devido a diferenciais de produtividade e salrio, isto , migram para regies onde, apesar dos salrios mais altos, h maior rentabilidade para o capital, porque estas concentram mais recursos humanos qualificados, infra-estrutura adequada, e tecnologia avanada, o que permite maior produtividade43. Desta forma, hierarquizam-se os espaos em termos de preferncia para o investimento das firmas. Os pases de alta renda da OCDE tornam-se o destino preferencial deste capital, enquanto que os pases em desenvolvimento so marginalizados neste fluxo de capitais na economia mundial. A recente atrao de capitais para algumas economias do Terceiro Mundo pode ser creditada, em grande parte, a movimentos de capital especulativos e a aquisies de empresas locais, sendo que somente uma parte est comprometida concretamente com novos investimentos no pas de destino. Em 2002, os pases de desenvolvidos receberam US$ 610,7 bilhes de IDE44, enquanto que os principais destinos do Terceiro Mundo receberam somente US$ 99,9 bilhes, sendo US$ 16,6 bilhes para o Brasil (16%) e US$ 49,3 para a China (49%). No grfico abaixo vemos o crescimento deste fluxo e sua concentrao na Unio Europia e nos Estados Unidos, alm de China (Leste Asitico), e Brasil e Mxico (Amrica Latina).

    43 Segundo Marx, a produo em massa, sempre em expanso, no se restringe aos limites do mercado, mas se rege nica e exclusivamente pela grandeza do capital disponvel e pelo desenvolvimento da produtividade do trabalhador, transbordando sempre o mercado disponvel. Ainda mais: o capitalista compara os seus custos, no somente com o mercado local, mas com os de todo o mercado mundial. O capitalista tem diante de si o mercado mundial. Marx. Karl. O Rendimento e suas Fontes: a Economia Vulgar. In: Marx. Karl. Marx. So Paulo, Abril Cultural, 1982, (Srie Os Economistas).

    44 Entradas brutas de IDE para os pases de renda alta da OCDE, o que inclui EUA, Japo e Unio Europia. OCDE. International Investment Perspectives: 2005 Edition. OCDE, 2005.

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    East Asia & Pacific

    Europe & Central Asia

    Latin America & Caribbean

    Middle East & North Africa

    South Asia

    Sub-Saharan Africa

    European Monetary Union

    United States

    Fonte: A partir de: Banco Mundial. World Development Indicators on CD-ROM. Washington, Banco Mundial, 2002.

    Investimento Direto Externo, Entradas Lquidas

    As estratgias de internacionalizao destas organizaes globais incluem a sua financeirizao. Assim, tanto a existncia de um mercado financeiro internacional quanto a prpria aglomerao de empresas so fatores que permitem as economias de escala no mercado mundial. Isto , o fato das holdings financeiras dos conglomerados transnacionais assumirem a gesto dos seus vultuosos recursos, internamente e nos mercados financeiros internacionais, proporciona-lhes dimenso e mobilidade para aproveitar as oportunidades de investimento nos diversos setores e mercados em que atuam. Nas ltimas dcadas, o rpido processo de internacionalizao da economia mundial tem feito com que o IDE seja mais dinmico do que a formao do capital domstico agregado, e tem feito tambm que o crescimento dos fluxos financeiros internacionais supere em muito as variveis financeiras nacionais.45 Para Andreff, a globalizao no se reduz ao resultado das polticas de liberalizao, de desregulamentao e de privatizao, mas tem conseqncias mais profundas relativas participao crescente dos oligoplios das empresas transnacionais na economia mundial.

    As empresas multinacionais globais so principalmente o indcio de que a formao de um capitalismo mundial est bem avanada, implicando no fundo que o desenvolvimento capitalista efetua-se na desigualdade, arritmia e hierarquia entre firmas, capitais, setores, economias nacionais e grupos sociais, em escala mundial.46

    Neste contexto, as organizaes transnacionais definem suas estratgias de internacionalizao, sejam industriais, comerciais ou financeiras, levando em conta sua dimenso financeira e sua dimenso tecnolgica diante da relao produtividade-custo

    45 Cf. Agosin, Manuel e Tussie, Diana. Globalizao, Regionalizao e Novos Dilemas da Poltica Comercial para o Desenvolvimento. RBCE, n 35, abr-jun 1993, pp. 47-62.

    46 Andreff (2000), Op. Cit., p. 10.

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    salarial em cada pas, e considerando tambm as alianas e rivalidades com os outros conglomerados transnacionais. Estes fatores, somados, levaram-nas a realizar o investimento do seu capital concentrando-se nos EUA, Japo e Unio Europia, e discriminando o Terceiro Mundo, principalmente os pases menos desenvolvidos47. Conseqentemente, os mercados nacionais tornam-se hierarquizados na sua confluncia nesta economia global. Pode-se acrescentar que o dinamismo desta economia global limita-se a alguns setores e atinge somente as camadas sociais privilegiadas de uma quantidade reduzida de pases.

    A seguir, analisaremos dois aspectos primordiais deste processo de hierarquizao do mercado mundial que contribuem sobremaneira para o aumento da desigualdade social no planeta: a concentrao de recursos no mercado financeiro, processo que se inicia com a autonomizao do capital-dinheiro, e que atualmente acentuado pela globalizao; e a hierarquizao tecnolgica mundial que se d em torno aos produtos e tecnologias resultantes do que foi chamado de Terceira Revoluo Cientfica e Tecnolgica Mundial.

    Globalizao Financeira e Capital-Dinheiro O dinamismo do processo de mundializao, e de sua atual configurao

    (globalizao), no esconde a sua incapacidade de prover o sustento da populao mundial. Nisto consiste a crise do capitalismo. E esta crise que se d em trs nveis48: 1) crise do modelo neoliberal de crescimento econmico; 2) crise do padro de acumulao dependente49; e 3) crise do modo de produo capitalista. Pode-se falar tambm da existncia de uma gesto capitalista da crise comandada pelas instituies econmicas internacionais50, pelos grandes conglomerados transnacionais51 e pelo sistema financeiro

    47 Segundo Andreff, O IDE concentra-se nos pases da Trade, EUA, Unio Europia e Japo, sendo que os EUA so importadores lquidos do resto da Trade, e o Japo o investidor lquido nos outros dois plos. O estoque de IDE, em 1960, era de 63,1 bilhes de dlares, sendo 67,3% concentrado nos pases desenvolvidos e 32,7% nos pases em desenvolvimento. J em 1991, o estoque sobre para US$ 1.799 bilhes e concentrou-se ainda mais: 80,1% nos pases desenvolvidos e somente 19,9% nos pases em desenvolvimento. A repartio do estoque de IDE que entra nos pases em vias de desenvolvimento cada vez mais desigual e concentrada nos novos pases industriais ou NICs, ocorrendo uma marginalizao crescente dos outros, principalmente dos pases africanos. Andreff (2000), Op. Cit., pp. 19-22.

    48 Cf. Estenssoro (2003), Op. Cit.

    49 Para Salama e Valier, os padres de insero na economia mundial das regies perifricas (que na Amrica Latina so, basicamente: economia primrio-exportadora e industrializao por substituio de importaes) foram os responsveis pela distribuio de renda vertical que est na origem do crescimento destes pases. Isto , houve a instaurao de um regime de acumulao que harmonizava o perfil da distribuio de renda com o da produo: uma distribuio de renda que favorecia as classes mdias, excluindo ainda mais os de renda menor; uma produo dinamizada pela expanso do setor de bens de consumo durveis destinados principalmente a essas classes mdias [...] e s camadas superiores, bem como pela demanda induzida dirigida ao setor de bens de capital. Ou seja, trata-se de um regime de acumulao excludente. Posteriormente, a situao dos excludos dos benefcios da acumulao agravou-se com a inflao, as crises econmicas e a expanso do domnio financeiro. Cf. Salama, Pierre e Valier, Jacques. Pobrezas e Desigualdades no Terceiro Mundo. So Paulo, Nobel, 1997.

    50 Na Conferncia de Bretton Woods (1944) estabeleceram-se as bases da ordem econmica internacional do ps-guerra, criando-se o Fundo Monetrio Internacional (FMI) e Banco Mundial (BIRD). A Organizao Mundial do Comrcio (OMC) surge apenas em 1995, como sucessora qualitativamente superior do GATT (acordo comercial criado em 1944).

    51 Para estimar a fora desses conglomerados podemos dizer que, em 2001, a regio da Amrica Latina e do Caribe tinha um PIB de US$ 2 trilhes, equivalente dimenso de apenas 14 grandes corporaes transnacionais naquele ano; em 2000, o PIB do Mercosul de US$ 900,89 bilhes equivalia ao faturamento das 5 maiores empresas transnacionais daquele ano

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    internacionalizado52, que so responsveis pela crescente transnacionalizao do processo decisrio, tanto econmico quanto poltico.

    Essas foras econmicas da globalizao reduzem e at anulam a capacidade dos Estados Nacionais de se contraporem aos mercados em nome dos direitos sociais do cidado, criando o que se chamou de regimes globalitrios53, onde no se admite outra poltica econmica que no seja subordinada razo competitiva (dado o acirramento da concorrncia internacional), e onde os mercados financeiros tm a direo das sociedades, no que j se chamou de regime de acumulao mundializado sob dominncia financeira54. Segundo Chesnais, este regime de acumulao est estruturado como totalidade sistmica mundial ao mesmo tempo diferenciada e fortemente hierarquizada, tendo como contraponto a convergncia para o centro das contradies (EUA), e como caracterstica primordial o domnio do capital financeiro e sua reproduo na forma dinheiro (D D), embora lembre que os emprstimos aos governos (dvida pblica) traduzem-se em investimentos na economia real (D M M D)55. No padro de acumulao sob hegemonia financeira os ganhos de produtividade so apropriados pelo capital financeiro mesmo se as taxas de crescimento dos outros setores forem baixas. Nesta globalizao financeira56, a autonomia relativa dos mercados financeiros decorre do grande diferencial da taxa de crescimento destes em relao dos investimentos produtivos57.

    (Exxon Mobil, Wal-Mart, General Motors, Ford, Daimler Crysler). Fortune, Global 500, http://www.fortune.com; Banco Mundial, http://www.worldbank.org/data/.

    52 O crescimento dos mercados financeiros excepcional nesta poca da globalizao. O mercado de derivativos, por exemplo, passou de US$ 1,6 trilho, em 1987, para US$ 10 trilhes em 1993, sendo que em 1998 j era de US$ 70 trilhes e, em 2002, chegou a US$ 128 trilhes. Coggiola, Osvaldo A Crise Estrutural do Capital. In: Coggiola, Osvaldo (org.). Estudos: Capitalismo: Globalizao e Crise. So Paulo, Humanitas, 1998, p. 342; The Economist, 13 de maro de 2003.

    53 Ramonet, Ignacio. Rgimes Globalitaires. Le Monde Diplomatique, jan 1997. 54

    Cf. Chesnais (1998), Op. Cit., pp. 21-53. 55 Na teoria da acumulao de Marx, com uma quantidade inicial de dinheiro (D) um capitalista compra mercadorias (M),

    constitudas por bens de produo (capital constante C) e fora de trabalho (capital varivel V), que se transformam durante o processo de produo em produtos e novas mercadorias (M). Ao serem vendidas no mercado, estas mercadorias retornam sua forma de dinheiro (D), sendo que D>D, graas ao lucro (P) que , fundamentalmente, a mais-valia obtida pelos capitalistas na realizao do capital. A taxa de mais-valia P/V. A taxa de lucro P/(C+V). A composio orgnica do capital expressa pela frmula C/V. Assim, o capital-dinheiro (D) transforma-se em capital-mercadoria (meios de produo e fora de trabalho M), o qual se transforma, durante o processo de produo, em mercadorias (M) que, por sua vez, ao realizarem o ciclo do capital, voltam a ser capital dinheiro (D=C+V+P). O circuito do capital ento: D M M D. A realizao do capital se d, portanto, quando o capitalista vende M. Estenssoro (2003), Op. Cit., pp. 44-52; e Miglioli, Jorge. Acumulao de Capital e Demanda Efetiva. So Paulo, T. A. Queiroz, 1982, pp. 77-96.

    56 Segundo Chesnais, o conceito de globalizao financeira abrange tanto o desmantelamento das barreiras internas anteriores entre diferentes funes financeiras e as novas interdependncias entre os segmentos do mercado, como a interpenetrao dos mercados monetrios e financeiros nacionais e sua integrao em mercados mundializados, ou subordinao a estes. Chesnais, Franois. A Mundializao do Capital. So Paulo, Xam, 1996, p. 261.

    57 Na verdade, esta autonomia relativa do capital financeiro em relao ao capital produtivo est compreendida na prpria constituio do capital a juros como parte do capital, juntamente com o capital comercial e o capital industrial. O capital a juros, enquanto unidade do processo de produo e do processo de circulao, pode ser vendido como fonte de lucro. Ou seja, o capital financeiro pode ter a mesma funo que a terra, na medida em que esta possibilite captar uma parte da mais-valia. Mas, ao contrrio da terra ou da indstria, o capital financeiro representa a transformao da propriedade do dinheiro em si (soma de valor considerada como mercadoria) em propriedade do capital (potncia econmica da sociedade burguesa), isto , em valor que se valoriza a si mesmo. Neste sentido, o juro representa o valor da mera propriedade do capital. O capitalista de dinheiro A no enfrenta, de maneira alguma, o trabalhador, mas unicamente outro capitalista B. Este lhe vende, de fato, o uso do dinheiro, os efeitos que produzir quando convertido em capital

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    Detenhamo-nos nesta questo da autonomia relativa do poder financeiro. Viabilizado pelo dficit norte-americano, a criao e crescimento do euromercado foi a principal origem do mercado financeiro fora do alcance das regulamentaes governamentais. Este mercado internacional foi alimentado pelos petrodlares e por todo tipo de divisas no-regulamentadas, ou mesmo ilegais (narcodlares), e logo se tornou fonte de divisas para os pases do Terceiro Mundo, que assim constituram sua dvida externa. Posteriormente, a securitizao (titularizao) dos ativos destas dvidas pblicas realimentou o mercado financeiro internacional. Igualmente, a desregulamentao e descompartimentao dos mercados financeiros nacionais, bem como a existncia de praas offshore, proporcionou, maioria das corporaes que se internacionalizavam, bem como aos bancos multinacionais, a possibilidade de realizao de operaes financeiras num mercado de capital internacionalmente integrado. Criou-se, portanto, um verdadeiro sistema financeiro global privado, que permitiu ao capital movimentar-se por todo o globo livremente.

    Segundo Andreff, entre 1970 e 1990, o volume das divisas em bancos multinacionais multiplicou-se por 12 (doze), seus crditos internacionais por 32 (trinta e dois), e seus depsitos transnacionais por 23 (vinte e trs). O tamanho dos mercados financeiros internacionais era estimado em US$ 43 trilhes58 em 1992; hoje este montante deve ser muito maior devido aos novos produtos financeiros e produtos derivados de vrios tipos