hidronefrose antenatal

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1 P r oj eto Di r etri zes Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina O Projeto Diretrizes, iniciativa conjunta da Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina, tem por objetivo conciliar informações da área médica a fim de padronizar condutas que auxiliem o raciocínio e a tomada de decisão do médico. As informações contidas neste projeto devem ser submetidas à avaliação e à crítica do médico, responsável pela conduta a ser seguida, frente à realidade e ao estado clínico de cada paciente. Autoria: Sociedade Brasileira de Urologia Elaboração Final: 26 de junho de 2006 Par ticipantes: G iron AM, Monti PR, Lara RC Hi d r o n e f r o s e An t e n a t a l : Di a g n ó s t i c o e T r a t a m e n t o

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Page 1: Hidronefrose Antenatal

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Projeto DiretrizesAssociação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina

O Projeto Diretrizes, iniciativa conjunta da Associação Médica Brasileira e Conselho Federalde Medicina, tem por objetivo conciliar informações da área médica a fim de padronizar

condutas que auxiliem o raciocínio e a tomada de decisão do médico. As informações contidasneste projeto devem ser submetidas à avaliação e à crítica do médico, responsável pela conduta

a ser seguida, frente à realidade e ao estado clínico de cada paciente.

Autoria: Sociedade Brasileira de Urologia

Elaboração Final: 26 de junho de 2006Participantes: G iron AM, Monti PR, Lara RC

Hidronefrose Antenatal:Diagnóstico e Tratamento

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2 Hidronefrose Antenatal: Diagnóstico e Tratamento

DESCRIÇÃO DO MÉTODO DE COLETA DE EVIDÊNCIA:Revisão da literatura .

GRAU DE RECOMENDAÇÃO E FORÇA DE EVIDÊNCIA:A: Estudos experimenta is ou observac iona is de me lhor consistênc ia .B: Estudos experimenta is ou observac iona is de menor consistênc ia .C: Re latos de casos (estudos não controlados).D: Opinião desprovida de ava liação crít ica , baseada em consensos, estudos

f isiológicos ou mode los anima is.

OBJETIVO:Descrever as princ ipa is recomendações de diagnóst ico e tra tamento dahidronefrose antenata l.

CONFLITO DE INTERESSE:Nenhum conf lito de interesse dec larado.

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3Hidronefrose Antenatal: Diagnóstico e Tratamento

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PREVALÊNCIA

Um por cento das gestações evolui com anomalia estruturalfetal significativa. Destas, 50% envolvem o sistema nervoso central,20% são geniturinárias, 15% gastrintestinais e 8% cardiopul-monares. Hidronefrose (HN) antenatal é a presença no feto deum ou ambos os rins com algum grau de dilatação do sistemapielocalicial e está presente em 50% das anomalias urogenitais.As causas de HN pré-natal podem ter ou não origem no tratourinário (Tabela 1)1(D). O diagnóstico é feito pela ultra-sonografia(US) obstétrica, que utiliza como parâmetros o diâmetro ântero-posterior (DAP) da pelve renal, a relação DAP pelve/DAP rim e apresença de caliectasia. Atualmente, o critério mais utilizado é oDAP pelve que indica HN quando acima de determinados limites.A definição destes limites é objeto de muita controvérsia, o quedificulta comparações e confunde os dados estatísticos. Os valo-res mais citados, acima dos quais a HN estaria presente, são 5mm ou mais (18 a 20 ou 24 semanas), 10 mm ou mais (32semanas). A relação DAP pelve/DAP rim é citada como patológicaacima de 0,35 ou 0,5, mas tem sido pouco utilizada2(C). A inci-dência reportada de HN fetal varia de 0,65% a 2,2% das gesta-ções, dependendo dos critérios diagnósticos, é mais freqüente emmeninos (3 a 4/1) e apenas 20% delas terão significado clínicopós-natal. A US pós-natal confirma HN em 95% dos fetos comdiagnóstico pré-natal. US pós-natal normal significa rins nãoobstruídos em 98% dos casos3(C). O exame tem, entretanto,limitações: o diagnóstico pré-natal de HN não implica necessa-riamente em obstrução, e não informa sobre a função do rim afetado.A capacidade de detecção depende da experiência do examinador eaumenta no fim da gestação, quando o feto é maior e a anomaliamais facilmente visível. Anomalias do trato urinário podem serdiagnosticadas tão precocemente quanto com 12 a 14 semanas degestação, porém, entre 15 e 21 semanas, apenas 1/3 das gestantesde fetos com anomalias terão US anormal3(C).

Os objetivos ideais do diagnóstico pré-natal são a detecção deanomalias associadas, determinar o diagnóstico diferencial, defi-nir os riscos fetal e neonatal e identificar os fetos com potencialde deterioração renal reversível por medidas terapêuticas pré oupós-natais.

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4 Hidronefrose Antenatal: Diagnóstico e Tratamento

CRITÉRIOS DE GRAVIDADE

A história natural da HN é pouco conhe-cida, mas sabe-se que, a partir do momento dodiagnóstico, ela pode aumentar, diminuir ouse estabilizar. Fetos com 18 a 32 semanas degestação e DAP pelve entre 5 e 10 mm, consi-derada HN mínima, foram 2,2% das gesta-ções, e deles, 86% mostraram estabilização oumelhora, e 14% aumentaram até o nasci-mento3(C). A probabilidade de haver anoma-

lia urinária significativa é diretamente propor-cional à gravidade da HN. A época do inícioda obstrução do trato urinário condiciona otipo de alteração renal observada: quanto maisprecoce na gestação, maior a probabilidade dedisplasia e quanto mais tardia, maior a proba-bilidade de haver somente HN. A Sociedadede Urologia Fetal definiu critérios para a clas-sificação da HN fetal, com o objetivo de uni-formizar parâmetros e possibilitar comparações(Tabela 2).

Tabela 1

Diagnóstico Ultra-Sonográfico Diferencial da Dilatação Renal Antenatal

Urinárias Não Urinárias

HN transitória (48%) Cisto ovariano

HN fisiológica (15%) Hidrocolpos

Obstrução de junção uretero-piélica (11%) Teratoma sacrococcígeo

Refluxo vésico-ureteral (9%) Duplicação entérica

Megaureter (4%) Atresia duodenal

Rim multicístico (2%) Meningocele

Ureterocele (2%)

Cistos renais (2%)

Válvula de uretra posterior (1%)

Ureter ectópico

Prune-bellyAtresia uretral

Cisto de úraco

Tabela 2

Classificação Ultra-Sonográfica da HN Fetal

Grau 0: Não há hidronefrose. O complexo ecogênico central é fechadoGrau 1: Leve separação do complexo ecogênico centralGrau 2: Complexo ecogênico central mais aberto e aparecem alguns cálicesGrau 3: Pelve dilatada com quase todos os cálices visíveisGrau 4: Características do grau 3 mais afilamento do parênquima

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Cistos renais corticais e parênquimaecogênico implicam em displasia e grave lesãorenal. O fator primordial para a sobrevivêncianeonatal é o desenvolvimento pulmonar, cujoperíodo crítico é o 2o trimestre e se relacionaestritamente com o volume do líquido amnióticoque, por sua vez, depende do débito urináriofetal. O oligohidrâmnio é o principal indicadorde mau prognóstico: detectado no 2o trimestre,evolui com mortalidade de 80% a 100%, a qualreduz para 13% se aparecer no 3o trimestre2(C).Outros fatores de mau prognóstico são: cariótipoalterado, HN progressiva e a presença de ano-malias associadas.

AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO RENAL FETAL

No feto, os rins começam a ser formadosna 5a semana e a urina a partir da 12a semana.A taxa de filtração glomerular é de 6 ml/min/1,73m2 de superfície corporal na 28a semana,vai a 25 ml/min ao termo, triplica aos três mesesde vida, e alcança valores de adulto em tornodos dois anos. A produção de urina pelo feto éalta e, no final da gestação, pode chegar a 50ml/h. No feto sadio, esta urina é hipotônicacomparada aos soros materno e fetal, devido àfunção de reabsorção dos túbulos renais. A lesãorenal leva à produção de urina isotônica. Após

16 semanas de gestação, o volume de líquidoamniótico é mantido pela produção deurina fetal, e permanece constante até onascimento2(C).

A uropatia obstrutiva fetal pode ser leve ougrave. No primeiro caso, o volume do líquidoamniótico é normal ou discretamente diminuí-do e o prognóstico é favorável. Estão neste grupoas obstruções urinárias supravesicais. No segun-do caso, há oligohidrâmnio grave, causandosérias deformações fetais, hipoplasia pulmonare displasia renal. Aqui são incluídas as obstru-ções infravesicais. Nestes casos, a desobstruçãoprecoce recompondo o volume do líquidoamniótico poderia evitar as complicações citadas.A urina fetal, obtida por punção vesical, foiestudada em busca de fatores prognósticospara a função renal e os seguintes valoresforam correlacionados com boa evolução(Tabela 3)4(B).

Estes valores indicam ausência de displasiarenal. Fetos com valores acima destes limitesapresentam lesão renal irreversível. O objetivoda avaliação pré-natal de fetos com uropatiaobstrutiva é a identificação dos que podem serbeneficiados com a cirurgia fetal, evitando aintervenção nos demais. Na determinação do

Tabela 3

Dosagens na Urina Fetal Relacionadas a HN com Boa Evolução

1 – Sódio < 100 mEq/l2 – Cálcio < 8 mg/dl3 – Cloretos < 90 mEq/l4 – Osmolaridade < 210 mOsm/l5 – β 2 microglobulina < 4 mg/l6 – Proteínas totais < 20 mg/dl

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6 Hidronefrose Antenatal: Diagnóstico e Tratamento

tratamento pré-natal, também são importantes:a condição geral do feto, a idade gestacional,HN uni ou bilateral e o volume do líquidoamniótico.

INTERVENÇÃO INTRA-UTERINA

A lógica da cirurgia fetal em casos de HNé promover o alívio da obstrução urinária, evi-tar a deterioração renal, e restaurar o volumeadequado do líquido amniótico, garantindo odesenvolvimento pulmonar do feto. O pro-cesso de seleção do candidato à cirurgia é com-plexo, multidisciplinar, envolve dilemas éti-cos e legais (direitos da mãe e do feto), alémde incertezas médicas (precisão diagnóstica,tempo da intervenção e segurança do proce-dimento). O risco peri-operatório para a mãeé aceitável. O principal problema é o contro-le das contrações uterinas pós-histerotomia,o que determina, com freqüência, parto pre-maturo. A intervenção fetal não comprome-te a fertilidade futura. A cesariana da gravi-dez subseqüente não tem maior risco5(C ).Atualmente, admitem-se a possibilidade deintervenção apenas em feto masculino comobstrução infravesical, dosagens urináriascompatíveis com bom prognóstico renal eoligohidrâmnio. Neste caso, há quatro con-dutas possíveis:

1. Observação e planejamento pós-natal;2. Interrupção da gestação para correção

precoce da anomalia;3. Cirurgia intra-útero:

• Aberta: Vesicostomia, pielostomia;• Percutânea:! Shunt vésico-amniótico;! Tratamento endoscópico de válvula de

uretra posterior.

4. Interrupção da gestação (onde for legal-mente possível).

A cirurgia fetal aberta não tem sido maisutilizada devido aos altos índices de complica-ções e perda fetal.

O tratamento endoscópico ainda é poucoeficaz porque tecnicamente é muito difícil, e devemelhorar com a evolução do instrumentalendoscópico.

O shunt vésico-amniótico é a cirurgia fetalmais realizada, apesar dos pobres resultados. Emnove séries, envolvendo 252 fetos operados, asobrevida geral foi de 44% e dos sobreviventes,46% evoluíram para insuficiência renal crôni-ca. A cirurgia fetal não alterou o prognósticoda função renal, nem a necessidade futura dederivação/reconstrução urinária, mesmo quan-do somente fetos com dosagens urinárias favo-ráveis foram operados6(C). Entretanto, a au-sência de estudos controlados impede a verifi-cação objetiva dos resultados da cirurgia.

A interrupção prematura da gestação só podeser considerada na presença de oligohidrâmniograve no 3o trimestre, objetivando umadesobstrução urinária o mais precoce possível,apesar de faltarem evidências clínicas que com-provem os benefícios desta conduta. Obviamen-te, esta decisão implica na avaliação do quadroobstétrico em sua totalidade e, em particular,na avaliação da maturidade pulmonar, uma vezque a prematuridade carrega uma morbidadeprópria associada7(C).

A tendência atual para conduta em HNpré-natal é a observação “in útero”, planeja-mento pós-natal e aconselhamento dos pais.A intervenção pré-natal continua em fase ex-

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perimental e só deve ser realizada de formacontrolada e em centros com experiência7(C).Há evidências clínicas de que a correção dooligohidrâmnio pode melhorar a função pul-

monar de alguns pacientes. Não há evidên-cias sólidas de que a desobstrução do tratourinário melhore a função renal ou previnadisplasia5(C ).

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REFERÊNCIAS

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