hibridismo cultural burke

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  • Publ. UEPG Ci. Soc. Apl., Ponta Grossa, 22 (2): 229 -231, jul./dez. 2014Disponvel em

    Doi: 10.5212/PublicatioCi.Soc.v.22i2.0009

    RESENHA DO LIVRO HIBRIDISMO CULTURAL DE PETER BURKE

    BURKE, Peter. Hibridismo Cultural. So Leopoldo: Ed. Unisinos, 2006.

    Anderson Lopes da Silva1

    1 Mestrando em Comunicao pela Universidade Federal do Paran (PPGCOM / UFPR). Especialista em Comunicao, Cultura e Arte (PUCPR) e Jornalista (FACNOPAR). Bolsista da Capes. E-mail: [email protected].

    Peter Burke nasceu em 1937, em Stanmore, no subrbio de Londres (Reino Unido). O historiador, que possui doutorado pela Universidade de Oxford, comeou sua carreira acadmica na Universidade de Sussex, na Inglaterra, e atualmente leciona na Universidade de Cambridge. reconhecido inter-nacionalmente pelos temas ligados Histria da Cultura e, especialmente, por sua abordagem his-toriogrfica sociocultural acerca do Brasil e alguns pensadores como Gilberto Freyre. Burke tambm foi professor-visitante na Universidade de So Paulo durante os anos de 1994-1995.

    O historiador cultural apresenta, em tom de en-saio, uma literatura que pode ser considerada bsica, didtica e, por isso mesmo, hipertextual. Esta ltima caracterstica se deve principalmente pela reiterao de alguns autores dos Estudos Culturais trabalhados em Burke (como Stuart Hall, Homi Bhabha e Nestr Garca Canclini) e o direcionamento que ele oferece ao leitor para potenciais aprofundamentos. Durante toda obra o enfoque do autor ingls detm-se sobre a ideia de variedade, sob uma perspectiva histrica, que tenta analisar a mistura, a mixrdia, ao invs de replic-la to somente (2006, p. 21).

    Na obra Hibridismo Cultural (2006), o autor apresenta a temtica a partir de uma diviso que diz respeito s vrias formas de leitura da hibridizao: a) seja pela variedade de objetos considerados hbri-dos; b) pelas nomenclaturas utilizadas para a descri-o do processo; c) pelas distintas situaes nas quais as ocorrncias hbridas so potenciais; d) as reaes possveis hibridizao; e, por fim, e) os resultados destes processos numa perspectiva de longo prazo.

    Acerca da variedade de objetos hbridos, Burke cauteloso em explicitar o lugar de onde fala. Assim, ao apresentar as trs subdivises dos objetos, isto , os artefatos, prticas e povos hbridos, o autor

    deixa claro que o sentido dos processos hbridos no pode ser considerado sinonmico em sua ocor-rncia nas religies sincrticas, nas lnguas hbridas, nas culinrias mestias, nos estilos literrios que se misturam, nas filosofias de abordagem ecltica, na arquitetura, na msica e em outras formas. Em cada espao social e histrico essas ocorrncias possuem sentidos distintos.

    Assim, ele trata dos artefatos hbridos apre-sentando exemplos da arquitetura, das imagens de culto e de gravuras, alm dos textos e sua estilstica que passam por processos de mistura em dois nveis. O primeiro est relacionado aos esteretipos ou es-quemas culturais presentes na estrutura da percep-o e interpretao do mundo (que so acionados no momento da construo destes) e o segundo relacio-nado s afinidades ou convergncias de distintas tradies, nas quais a origem do artefato hbrido pode possuir semelhanas comungadas pela sua represen-tao e sentido nos espaos sociais de sua produo (BURKE, 2006, p. 26). Um aspecto que merece des-taque, segundo o autor, que nos artefatos hbridos possvel perceber caractersticas de inovao, efeitos equivalentes e assimilaes e uma total recusa imi-tao pura e simples (BURKE, 2006, p. 27-28).

    Por sua vez, as prticas culturais hbridas tam-bm podem ser identificadas na msica, na religio, na linguagem, no esporte e nas festividades a partir das relaes entre as instituies e as pessoas. Fica ntida a correlao entre o conceito de hibridizao para Burke e pelo pesquisador indiano Homi Bhabha, baseando-se na inter-relao identidade, representa-o social e linguagem. Para Bhabha s possvel entender as representaes criadas acerca da hibridi-zao a partir da esfera do discurso, em outras pala-vras, na linguagem que se encontram os caminhos desenhados pela identidade hbrida e mestia. Outros

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    exemplos dados pelo autor ingls como prticas cul-turais so o carnaval brasileiro, as igrejas e as forma-es religiosas que se apropriam de diversas formas de culto, cones e filosofias (BURKE, 2006, p. 28-35).

    J a variedade de objetos que diz respeito aos povos hbridos est mais ligada figura do hbrido como um mediador cultural e as formas de repre-sentao social dos que nascem hbridos, isto , aqueles que j nascem com uma conscincia dplice, os frutos de dois ou mais povos e que, por isso, pos-suem uma relao extremamente peculiar com sua origem e identidade.

    Como exemplo de correlao entre vises sobre a hibridizao possvel ver em Burke a variedade de povos hbridos quando este apresenta os anglo-irlan-deses, os anglo-indianos, os afro-americanos, os sino--americanos, os gregos de Constantinopla e os judeus e mulumanos que viveram em Andaluzia (Espanha). A esta viso, pode-se acrescentar a leitura que o jamai-cano e terico da cultura Stuart Hall faz dos sujeitos que migram de seus pases como no exemplo daque-le que sai de uma ex-colnia para o antigo pas coloni-zador e que comeam a viver experincias que j no os classificam como indivduos estrangeiros e nem como nativos, mas sim como hbridos ps-coloniais.

    A variedade de terminologias usadas para a descrio dos processos de interao e consequn-cias da hibridizao cultural so, ao contrrio dos artefatos, nomenclaturas que representam um mes-mo valor semntico. Segundo o historiador ingls, as metforas que dominam as discusses acerca da hibridizao so advindas de outros campos (como economia, lingustica e biologia): emprstimo, hibri-dismo, caldeiro cultural, ensopadinho cultural, tra-duo cultural e crioulizao.

    Entretanto, mesmo que tenham significados correlatos, cada uma das terminologias pode referir--se a processos especficos de hibridizao cultural como a imitao e a apropriao cultural; a acomoda-o e a negociao; a mistura, o sincretismo e a hibri-dizao e, finalmente, a traduo cultural (BURKE, 2006, p.39-54). No nvel discursivo esta variedade de termos pode referir-se ora a um vis mais descritivo e explicativo, ora a um vis no qual o agente indivi-dual ou as aes coletivas so capazes de promover a hibridizao. Alm disso, novos sentidos comeam a ser dados a termos como mestiagem, que era

    entendida preconceituosamente por dar origem a su-jeitos bastardos ou de fecundao-cruzada, mas que, hoje, j possui uma conotao que se descolou da carga pejorativa (BURKE, 2006, p. 51).

    As situaes nas quais a hibridizao cultural pode ocorrer so apresentadas pelo autor a partir de quatro pressupostos bsicos, elencadas na seguinte ordem: a noo de iguais e desiguais (ligada princi-palmente s relaes de poder nas quais o mais for-te impe sua forma de cultura, ainda que existam elementos que assegurem a resistncia dos mais fra-cos); a ideia das tradies de apropriao, tambm chamadas de tradies de modificao de tradies (aqui h variados nveis de aceitao e adaptao por parte do embate entre as culturas); h tambm a dis-cusso acerca da situao entre a metrpole e as regi-es ao redor (em especial sobre a questo das trocas culturais entre centro e periferia) e fronteiras (o cho-que entre culturas diferentes promove elementos h-bridos que so lidos pelo olhar das interculturas); e a concepo de classe como culturas, isto , a situao na qual mais uma vez o poder relacional e a luta de classes, com destaque para processos de resistncia e consensualidade, so estimuladores da hibridizao (BURKE, 2006, p. 65-75). Acerca desses fatores interessante observar que o que antroplogo argenti-no Garca Canclini entende por hibridizao cultural como o desmoronamento da separao entre cul-tura popular, erudita e massiva relaciona-se per-feitamente com a viso de Burke acerca das ideias compartilhadas por ambos sobre as redes transfron-teirias de cultura e troca de smbolos.

    Ao falar das reaes aos processos hibridiza-dores, Peter Burke pergunta: A troca uma conse-quncia dos encontros: mas quais so as consequn-cias da troca? (2006, p. 77). A resposta indagao pode ser descrita em quatro principais reaes: a aceitao, a rejeio, a segregao e a adaptao. A reao de aceitao hibridizao exemplificada pelo autor como a londonizao cultural do Brasil no incio do sculo XIX (BURKE, 2006, p. 95), em que costumes, vestimentas e valores da zona tempe-rada eram transpostos para a zona tropical (sempre por interaes culturais que conseguem harmonizar o conflito e, por fim, a aceitao). A rejeio escla-recida atravs da resistncia ao diferente, da estrat-gia de defesa contra a invaso das fronteiras culturais

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    Resenha do livro Hibridismo Cultural de Peter Burke

    e por uma purificao cultural (entretanto, de acor-do com o autor, tambm existe aqui a valorao po-sitiva da rejeio, aquela que por meio da educao tenta manter a cultura oral, as tradies e outros elementos que a constituem frente ideia de uma cultura globalizada) (BURKE, 2006, p. 80-86).

    A reao de segregao ocorre quando tudo o que distinto da cultura local visto como ameaa-dor e evitam todas as formas mesmo que em fran-ca desvantagem de hibridizao com um potencial mosaico cultural (BURKE, 2006, p. 88). A tendn-cia, de acordo com Burke, que a segregao radical venha, com o tempo, a transformar-se em adaptao e negociao, ou seja, um emprstimo no varejo para as partes em uma estrutura tradicional que descon-textualiza e recontextualiza (2006, p. 91) o objeto original para uma nova significao em sua cultura (como a tropicalizao brasileira da culinria, ar-quitetura e vestimentas de outros pases e seus imi-grantes). A metfora da circularidade (reexportao do item hibridizado ao local de origem) e o papel dos tradutores (e a necessidade da equivalncia scio-se-mntica para o exerccio da profisso) encaixam-se na reao adaptativa (BURKE, 2006, p. 94-97).

    Por fim, os resultados possveis de longo pra-zo esperados da hibridizao cultural, de acordo com Peter Burke, so direcionados pela quase erradica-o das chamadas culturas insulares, isto , nenhu-ma cultura pode sobreviver sem interaes com o diferente (BURKE, 2006, p. 101).

    Tais resultados podem ser descritos em qua-tro cenrios (BURKE, 2006, p. 103-115): como a contraglobalizao (uma nfase na identidade local e forte tendncia rejeio s culturas externas, aos sujeitos e seus modos de vida); a diglossia cultural (presena e quase exigncia do bilinguismo cultural, em especial nas zonas fronteirias); a homogeiniza-o da cultura (aqui as ideias de imperialismo cul-tural so parecidas homogeinizao, entretanto, a produo de hibridizao j comea pela glocaliza-o) e o cenrio da hibridizao com a metfora da crioulizao e sua abertura s novas culturas, re-configurao dos elementos j existentes e criao fluida de ambientes hbridos peculiares.

    Recebido em fevereiro de 2014Aceito em abril de 2014