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Henrique Serafini

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Quantas Chances Houver

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Quantas Chances Houver

Por

Henrique Serafini

José Henrique Moura Serafini

Henrique Serafini

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Quantas Chances Houver

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Quantas Chances Houver

Quantas chances a vida pode te dar?

Uma história emocionante de superação, uma amizade nascida das

dificuldades da vida.

São José Dos Pinhais

2012

Henrique Serafini

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Quantas Chances Houver - José Henrique Moura Serafini

Quantas Chances Houver

Todos os direitos protegidos por lei. Proibida a reprodução total ou parcial sem autorização.

Autor: Henrique Serafini

Capa: Henrique Serafini

Revisão: Luca Matheus da silva

Impressão: clubedeautores.com.br

Pedidos: www.clubedeautores.com.br

1° edição. 2012

SERAFINI, José Henrique Moura.

Quantas chances houver / Henrique Serafini

São José dos pinhais –PR.

clubedeautores.com.br / 2012.

1. Drama. 2. Ficção 3. Conto

Quantas Chances Houver

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Henrique Serafini

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Índice:

Capítulos Páginas

Capitulo um. O carro-----------------------09

Capitulo dois. A fuga-----------------------18

Capitulo três. O susto ---------------------22

Capitulo quatro. O recomeço?----------26

Capitulo cinco. As lembranças ---------32

Capitulo seis. Esperança -----------------37

Agradecimentos----------------------------45

Quantas Chances Houver

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Capítulo um:

O carro

empre fui uma pessoa tranquila, um homem de respeito, frequentava a

igreja periodicamente com minha família, minha mulher Sofhie e meu

filho Felipe, pagava meus impostos em dia, era um membro ativo da

sociedade. Acreditava que era uma pessoa sem pecados e que nada de ruim

poderia me ocorrer, era feliz com meu trabalho de escritor com bons livros

lançados, um deles até vendeu muito bem. Morávamos em uma linda cidade

do interior com uma praça aconchegante, cortada por um rio de águas

límpidas e pedras redondas, onde as pessoas se banhavam e as crianças

brincavam tranquilamente, sem correr riscos. Tínhamos Escolas boas e

professores bem formados, pessoas educadas nas ruas, e havia trabalho para

todos, era realmente o paraíso.

Eu olhava pela janela e admirava aquela paisagem linda que me inspirava a

escrever mais e mais, meu escritório ficava na sala de estar, minha mulher

Sofhie saía todos os dias pela manhã para trabalhar na escola primaria como

professora e levava nosso filho Felipe. Em uma manhã tranquila, Ela saiu para

o trabalho com Felipe e ao cruzar a rua foram brutalmente atropelados por

um carro em alta velocidade, enquanto eu observava sem palavras o que via,

minha voz sumiu, meus lábios se secaram e meus olhos ardiam, minhas

pernas mal aguentavam o peso do meu corpo, eu tremia e suava frio, não

podia acreditar no que estava acontecendo. Saí em disparada em direção à

rua, mas não tive coragem de ver, o socorro já havia chegado, o tumultuo

tomava toda a rua com curiosos de todo lugar, logo os socorristas me

procuraram, mas eu estava transtornado, sem ação, e a notícia era muito

pior do que eu imaginava.

S

Henrique Serafini

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Minha mulher que tanto havia me ajudado em minha vida, e meu filho...

Não podia acreditar que minha querida Sofhie e meu amado Felipe haviam

morrido...

Foram semanas, meses, até anos de choro desespero e lagrima, escrever era

quase impossível, então não lancei mais nada durante anos, minha situação

foi piorando, saúde já não era a mesma, não havia dinheiro nem para pagar

as contas, minha casa já não tinha aquele cheiro de limpeza, a comida foi

acabando, só o que me restava eram umas garrafas de bebida. Pouco tempo

depois a situação era insuportável minha casa até parecia um chiqueiro de

tantas roupas sujas e coisas velhas jogadas pelo chão, comida velha

estragando nos armários. Cheguei a um ponto que fui obrigado a vender a

minha casa onde fui tão feliz.

Com o dinheiro da venda de minha casa comprei outra muito menor e mais

barata, com o resto do dinheiro paguei minhas contas que eram enormes, eu

devia realmente para todo o mundo, padaria, mercado, mercearia, lojas de

bebidas, que por sinal eram as contas mais altas, o meu carro eu já havia

vendido, já não sobrara muito coisa que era minha, e já não tinha muito

gosto pela vida. As coisas materiais e até as espirituais, não me interessavam

mais. A casa, ou melhor, o quartinho que acabava de comprar era muito

pequeno e sem luxo, mas já não ligava mais pra isso, vivia apenas por viver,

me matar? Eu era muito covarde pra isso e acho que ainda sou. Minha vida

era apenas me lamentar.

Algum tempo depois voltei a trabalhar, mas não como escritor e sim como

carpinteiro, a profissão do meu pai, ganhava muito menos que escrever, mas,

era o que eu conseguia fazer no momento, minha rotina era trabalhar e

beber, trabalhar e beber. Por ironia do destino meu primeiro trabalho foi na

igreja do bairro, por meses trabalhei e reformei toda a igreja por fora, saía do

trabalho e passava direto em um bar que havia uma quadra a baixo, eu

chegava em casa já completamente bêbado.

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Em um dia de muito sol, pássaros cantando, crianças brincando, até eu

estava um pouco mais alegre. Um padre muito carismático e divertido, seu

nome era Valentino, era gordinho, parcialmente careca, com cabelos apenas

em volta das orelhas, e com aquelas roupas estranha de padre, me pediu

para que eu o ajudasse no pátio da igreja, então perguntei a ele o que havia

naquele pátio, fechado por sinal, então ele respondeu que fora alugado à

prefeitura para guardar carros batidos e apreendidos pela polícia. A surpresa

foi quando entrei no pátio, e avistei o carro... Aquele carro, o mesmo que

havia matado minha mulher e meu filho, a dor voltou como se eu vive-se

aquele dia novamente, então lembrei que o motorista havia fugido depois do

acidente e indaguei o padre sobre o carro, foi ai que veio a explicação:

—Logo após abandonar uma criança recém-nascida e sua mãe praticamente

morta na praça da cidade, o homem arrancou com o carro atropelando uma

mulher e seu filho, fugindo da polícia em completo desespero, não aguentou

fazer uma curva fechada e capotou o carro morrendo na hora, o pior é que

antes de fugir ele praticamente matou a mãe do bebê no momento em que a

abandonou na praça, logo após ela dar a luz a um bebê, muito debilitada.

Sem ao menos pedir ajuda.

— É padre. Respirei fundo. —a mulher que foi atropelada com o menino

era minha mulher e meu filho. - O pior é que ele já esta morto, e nem posso

me vingar. Resmunguei serrando os dentes.

— O ódio é um erro, se sentira melhor se perdoar, e verás que a felicidade

só depende de você, e do perdão.

— Como posso perdoar alguém que fez o que fez?

— O perdão não depende dele e sim de você, e faz muito bem perdoar,

verá quando o fizer!

O ajudei e voltei ao meu trabalho contrariado, como se a culpa fosse

minha, aquilo tudo era tão terrível para mim que me tirava o ânimo. Mas

estava cansado de sofrer, fazia tanto tempo..., aquela situação me

Henrique Serafini

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transformou em um homem rude, mesquinho, egoísta, mal humorado, não

tinha amigos e não falava com ninguém, se não fosse realmente necessário.

Muitas vezes fui chamado para ir a igrejas, encontros, festas, mas nunca fui a

nenhum lugar desses.

Havia se passado cinco anos desde o dia do acidente. Poucas vezes sentava

na praça nos fins de semana para pensar na vida e ler um livro, de pouco em

pouco retomei meu gosto por livros a pesar de ainda nem pensar em

escrever, mesmo lendo não largava a garrafa e passava a tarde bebendo

sentado na praça. Em um sábado ensolarado de inverno daqueles que o

vento corta o rosto, o sol ameniza o frio, e todos parecem ser mais amigáveis,

sentei na praça ainda de manhã com minha garrafa e meu livro, o sol brilhava

iluminando e nos aquecendo daquele frio que só uma boa bebida ajuda. Foi

quando senti uma dor no peito larguei a garrafa deixei o livro cair e fui

escorregando no banco até parar no chão. Gemia de dor como um porco, e

de repente tudo se apagou, a luz do sol já não havia mais em meu rosto.

Acordei em um quarto de hospital, totalmente sem rumo, chamei a

enfermeira que passava ao meu lado e perguntei:

— O que estou fazendo aqui?

— Olá Sr. Dimas, o doutor já o atenderá.

Pouco tempo depois o médico vem ao meu quarto:

— Então Sr. Dimas, como se sente?

— Me sinto bem, eu acho, mas como vim parar aqui?

— O senhor está bem! Só peço pra que pare de beber, pois dessa vez não

foi nada, mais na próxima talvez não de tempo de fazer nada, a bebida pode

destruir seu corpo mais rápido que você pensa.

Antes da minha alta o médico me entregou o livro que eu lia quando

desmaiei, então sem entender peguei o livro e o agradeci, então ele me

explicou rindo:

Quantas Chances Houver

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— Está aqui o seu livro, mas a garrafa eu não posso devolvê-lo! —O senhor

tem muita sorte de ter o filho que tem. — De bons exemplos a ele!

— Desculpe-me Dr. Mas não tenho filho! Do que o senhor está falando?

— O garoto que pediu ajuda para o senhor! Não é seu filho? —Foi ele quem

entregou o seu livro aos médicos do resgate!

— Como lhe disse Doutor. —Não tenho filhos!

— Então foi um anjo! Risos... —Mas de qualquer forma você esta liberado,

e pense bem no que vai fazer de hoje em diante! —Tudo bem?

Saí do hospital pensando no tal garoto, quem seria, por que me ajudou, sem

nem saber quem eu era! Chegando a minha casa, antes de abrir o portão o

dono do mercadinho corre em minha direção enxugando as mãos no guarda

pó e me pergunta assustado:

— Como o senhor está? O Respondi espantado, por que ele nunca havia

falava comigo:

— Estou bem obrigado. Então ele falou:

— Foi deus quem colocou aquele garoto na praça àquela hora, em senhor

Dimas!

— Quem é o tal garoto? Então ele respondeu empolgado:

— É um garoto de rua que apareceu aqui por esses dias, ele deve ter uns

cinco anos de idade, o que me espanta é como ele soube pedir ajuda com tão

pouca idade, e não havia mais ninguém na praça. Tentando fugir da conversa

respondi:

— Com certeza! —Mas agora tenho que entrar, eu estou muito cansado.

Despedi-me dele e entrei. Mas o resto do dia e também a noite toda fiquei

pensando no tal garoto, e porque havia me ajudado. No outro dia acordei

Henrique Serafini

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mais disposto e resolvi encontrar o garoto, era segunda-feira, dia de

trabalho, mas meio dia não iria fazer mal, então fui até a praça sentei no

mesmo banco e fiquei observando, então avistei um garoto de

aproximadamente cinco anos, todo sujo, mal vestido e com aparência de

faminto, baixinho para sua idade, cabelos ralos e louros, olhos verdes, pele

mais branca que papel. Estava muito frio e ele estava totalmente

desprevenido, resolvi o agradecer pela ajuda, me aproximei e puxei assunto:

— Olá garoto, lembra-se de mim?

Antes que terminasse a frase ele se levantou de onde estava me abraçou e

exclamou contente:

— Que bom que o senhor esta bem senhor!

Um pouco assustado pela reação dele perguntei:

— Por que se preocupa tanto comigo se nem me conhece?

— Não preciso conhecer o senhor para que eu te ajude ou até mesmo me

preocupe. Respondeu sorrindo e agarrando minha perna.

Achei exagero da parte dele e até pensei que estaria com segundas

intenções, mas mesmo assim resolvi retribuir a ajuda convidando-o para um

café da manhã, pois ainda era sedo para o almoço. Sem pestanejar aceitou o

meu convite salivando só de pensar em comer algo. Confesso que me deu dó

daquele menino, era impossível não comparar aquele com meu filho, que

coincidentemente tinha a mesma idade quando veio a falecer. Então nos

dirigimos a uma padaria próxima da praça e o servi com muitos doces bolos

guloseimas, e ele comeu tudo aquilo com a fome de um leão, ele devorava

cada pedaço com um prazer incomparável, que eu nunca havia visto, e

aproveitei o momento para perguntar algumas coisas sobre ele:

— Como é seu nome e de onde você vem garoto?

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— Não sei bem, mas acho que daqui mesmo, há e meu nome é Benjamin!

Respondeu com a boca cheia de Comida.

— Onde você mora Benjamin? —Você tem família?

— Moro na rua mesmo, e não tenho família, não conheci minha mãe nem

meu pai, morava em um orfanato, mas me batiam muito então eu Fugi de lá

faz um tempo.

— Pois bem, aproveite seu café da manhã por que eu tenho que trabalhar.

Levantei e paguei pelo café e fui em direção à porta quando ele me chamou:

— Senhor, eu sem onde trabalha! —O senhor trabalha na igreja, certo? —

Posso lhe ajudar?

— Acho que não garoto, trabalho não é para criança, e volte para o

orfanato, pois a rua é muito perigosa. Falei tentando despistá-lo. E conclui:

— Muito obrigado por me ajudar ontem. Virei às costas e saí em direção ao

trabalho, me senti satisfeito por ter ajudado aquele garoto, mas como meu

coração ainda estava travado pelo passado não tão distante, eu preferi parar

por ali mesmo e voltar ao meu mundo particular de rancor e tristeza. O bom

padre já com conhecimento da história toda, me encontrou já na entrada

sorrindo contente. Então perguntei:

— Posso saber qual é a graça padre? Perguntei rindo ironicamente.

— Que bom que tenha ajudado uma alma caridosa meu filho, mesmo

sendo por obrigação.

— Como sabe dessas coisas padre?

— Esta cidade e muito pequena filho, e as pessoas falam demais.

— Nisso eu concordo.

Henrique Serafini

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Entrei e fui ao trabalho. Passou-se uma semana, diminui drasticamente a

bebida por medo de me acontecer coisa pior, tomava poucas doses antes das

refeições, mas todos os dias durante as refeições eu me lembrava de

Benjamin e como ele estaria, então em um dia de trabalho perguntei ao

padre se conhecia Benjamin e antes que ele responde-se ouvi uma voz meiga

e infantil me chamando, era o garoto, que foi me encontrar no trabalho logo

pela manhã.

— O que quer? — Não vou lhe pagar nada hoje em! Falei me mostrando

nervoso a pesar de feliz ao velo.

— Não senhor! —Vim ver como está, se melhorou!

— Diga-me o que quer, pois tenho muito a fazer! Virei às costas e voltei ao

trabalho.

— Quer minha ajuda senhor? —Não tenho o que fazer!

— Você não tem tamanho nem força para me ajudar garoto! —O que

pensa?

— Penso que se o ajudar eu terei dinheiro para comer! Respondeu com a

cabeça baixa.

Meus olhos se encheram de lágrimas e meu peito uma dor que me

sufocava, após ouvir aquelas palavras da boca de uma criança tão pequena.

Sem jeito e totalmente envergonhado, engolindo o choro olhei para o padre

que somente balançou a cabeça me entendendo sem explicações, então o

chamei e o perguntei:

—Há quanto tempo não come?

— Há três dias, eu acho.

— Por que vamos comer antes do trabalho.

Quantas Chances Houver

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Claro que não iria colocá-lo para trabalhar, mas falei para animá-lo, pois

funcionou muito bem. O peguei pela mão e levei até a mesma panificadora

para comer, e como antes se esbaldou em bolos Pães e etc.

— Por que não voltou ao orfanato? Perguntei a ele.

— Não quero mais apanhar senhor. Respondeu com a boca cheia

novamente.

— Então me responda onde você está dormindo?

— Na praça senhor, no banco da praça. Quando Terminou de comer, fui até

o caixa pagar a conta, então à moça do caixa me perguntou:

— É seu filho?

— Não! Respondi pensativo, pois ela havia me dado Uma ideia. O levei até a

igreja onde arrumei roupas limpas, sapatos, e muitas outras coisas. O deixei

com o padre que lhe ensinou várias coisas durante o dia, enquanto

trabalhava na reforma da igreja ele se divertia com o padre e os outros

meninos da catequese, muitas vezes preocupado com o trabalho ele me

procurava para saber se deveria trabalhar, mas eu o mandava estudar

novamente e dizia que o trabalho começaria no dia seguinte. Como uma

criança tão pequena, moradora de rua, sem ter em quem se espelhar podia

ser tão educada, com tantos valores morais como ele!

Ao anoitecer o levei para minha casa, como havia uma só cama o coloquei

para dormir e arrumei uma cama feita de cobertores em um dos cantos do

quarto para eu dormir, ele dormiu como um anjo, após ter comido algo junto

comigo no jantar, eu já não posso dizer nada, pois minhas costas estavam

destruídas pela noite mal dormida, porém muito feliz por ter ajudado aquele

garotinho que daquele dia em diante tanto dependeria de mim, era o inicio

de uma grande amizade, mais do que isso, eu recebi uma nova chance de

viver e redimir os erros de minha vida.

Henrique Serafini

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Capítulo dois:

A fuga

quele garotinho havia trazido meu ânimo de viver, pois tinha um

porquê em minha vida, daquele dia em diante comecei a me

preocupar mais com o trabalho, parei de beber definitivamente, me

divertia muito mais, parei de comer só porcarias e passei a me preocupar

com o Benjamin, sua vida e sua alimentação. Passeávamos na praça, nos

parques no fim de semana, durante a semana enquanto eu trabalhava, ele

estudava com o padre, pois não tinha idade para entrar na escola e o padre

era uma boa influencia para ele.

Para Benjamin, tudo aquilo era mais que um sonho, nunca em sua vida

alguém o tratou com carinho amor ou qualquer compaixão que fosse. Apesar

de pouco dinheiro, não faltava comida e não havia nada que ele precisa-se

que eu não compraria. Sem que ele soubesse eu fui descobrindo tudo da sua

curta vida, e seu triste passado, não entendia como uma pessoa podia fazer o

que fez com uma criança tão pequena e indefesa. Fui descobrindo que o

passado dele era mais complicado que eu havia pensado. Após ter estudado

em jornais, cartórios, órgãos públicos, todos me ajudaram a descobrir a vida

dos pais de Benjamin.

Ele não chegou a ter o que chamamos de família, nem mesmo antes de ser

abandonado. A mãe dele, Catarina, morava com a mãe e o padrasto, que por

sua vez, abusava sexualmente dela desde criança, o pai de Catarina morreu

bêbado pelas ruas e bares da cidade antes dela fazer cinco anos, o padrasto

era cruel e a maltratava muito, com quatorze anos fugiu de casa para escapar

do padrasto. A sua mãe soube de tudo sempre, e nunca a ajudou por medo.

Como não tinha para onde ir, acabou em uma casa de prostituição, ao menos

teria um lugar para dormir, com dezesseis anos conheceu Rafael, um cliente

da casa que acabou por gostar de Catarina. Passaram a se relacionar também

A

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fora do prostíbulo. Rafael era um garoto de classe alta, seu pai era dono de

várias empresas, e sua mãe era uma médica muito bem sucedida, ele sempre

ganhou de tudo, brinquedos caros, roupas de marca, relógios caros, motos

esportivas, carros do ano, uma mesada bem gorda. Muitos garotos da idade

dele já trabalhavam para se sustentar, mas Rafael não precisava de trabalho,

pois seus pais o davam de tudo, menos atenção carinho e uma família de

verdade, coisas que não se compra. Com quinze anos por más influencias

começou a roubar e se envolver em brigas de gangues nas ruas ou em

qualquer lugar, com dezessete foi preso pela polícia pela terceira vez, um ano

mais tarde conheceu Catarina e começaram a se ver. Catarina devia muito

dinheiro para a dona da casa e era praticamente uma escrava, Rafael não

podia ajudar, pois nesta época estava sendo caçado por traficantes a quem

devia horrores, em suas festas com os garotos da alta sociedade, rolava de

tudo. Até se endividar na sua ultima festa onde destruiu a casa de seus pais e

quase teve uma overdose. Foi expulso de casa quando descobriram toda a

verdade.

Na tentativa de saldar sua dívida com o tráfico, juntou-se com alguns

comparsas para roubar caixas eletrônicos. Em um assalto mal sucedido a

polícia foi acionada, e um tiroteio começou. Vários carros de polícia cercaram

o local, só se ouvia o “clac” “clac” das armas, a tensão cada vez maior, Rafael

se sentiu acuado e com medo, vendo seus colegas de crime ser mortos um a

um como patos em tempos de caça, e viu que só teria duas opções no

momento, se entregar, coisa que arruinaria seu futuro por mais sujo que

fosse, iria piorar muito. Ou então tentar a fuga, por mais maluco que

parecesse, era uma chance de fugir e tentar uma vida nova, se não fosse

morto. Em um ato de desespero entrou no carro que ele gostava tanto, preto

brilhante, potente. Arrancou com o carro passando por uma chuva de balas e

cantadas de pneus, e por um milagre ele escapou da polícia, batendo em

duas viaturas paradas, atropelando alguns policiais, com vários tiros pelo

carro todo, mas escapou, por enquanto. Aproveitou para pegar a Catarina e

fugir antes que a polícia fosse atrás dele, mas Catarina não queria, pois

estava grávida dele e estava prestes a ganhar aquele filho que toda vês que

Henrique Serafini

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citado, Rafael torcia o nariz, o desprezando, dizendo que seria um atraso de

vida ter esse filho. Pegou Catarina a força e colocou-a no carro com

brutalidade e arrancou em direção ao interior do estado.

Após horas de estrada na escuridão, o sono começa a bater atrapalhando a

atenção do volante, então Rafael resolve parar em um hotel de beira de

estrada e passar a noite. Quando amanhece o sol batendo na janela do

quarto, Rafael é acordado por gritos de dor de Catarina:

—O que está havendo? Perguntou Rafael.

—Acho que vai nascer! Gritou Catarina com medo.

—Aonde vou achar um hospital para te levar? Perguntou nervoso.

—Não sei se vai dar tempo de ir até um hospital! —A bolsa rompeu!

Sem saber o que fazer, Rafael vai até Catarina tremendo de medo e acaba

fazendo, sem querer, o parto de seu filho que até então estava bem, tudo

havia corrido bem. Um pouco mais calmo Rafael se sentou na cama e por

alguns minutos não se lembrou de ser um fugitivo da polícia, e pensou em

como sua vida havia mudado em tão pouco tempo. Porém logo se lembrou

de que teria que fugir, levantou-se e puxou Catarina pelo braço, pedindo que

o acompanha-se, mas Catarina não estava em condições de sair daquele

quarto, pois acabava de ter um filho, era loucura querer sair dali nesse

momento, Rafael sem pensar puxou-a novamente e a colocou de pé

ordenando que entrasse no carro, neste momento Catarina muito fraca

desmaiou caindo e batendo a cabeça no chão fortemente, em um ato

repugnante de desespero arrastou Catarina sangrando muito, colocou-a no

carro, pegou o bebê e saiu logo depois de limpar o quarto. Alguns

quilômetros depois, Catarina já não aguentava mais, havia perdido muito

sangue. Vendo que Catarina morreria, sentiu medo e a necessidade de ter

que fugir sozinho, Sabendo que a poucos quilômetros dali haveria uma

cidade onde deixaria o bebê e Catarina abandonados à própria sorte, para

continuar sua fuga até as fronteiras do Brasil. Nesse momento a polícia de

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todo o estado já sabia de sua fuga e estavam todos em alerta, e já enviavam

reforço para região que sofria com poucas viaturas para as rondas na cidade,

uma das viaturas recebeu um chamado do hotel onde Rafael passou a noite,

então sabiam que estavam na cola de Rafael.

Quando entrou na cidade, logo avistou a praça com um belo riacho que a

cortava, poucas pessoas andavam por ali, pensou que seria o local perfeito

para deixar a criança e Catarina. Parou, desceu do carro, pegou o bebê e o

levou até o banco da praça, o enrolou com uma manta e o deitou no banco,

arrastou Catarina já desacordada até a praça, junto ao bebê, quanto ouviu as

sirenes que apontavam ao longo da estrada prestes a chegar, entrou em seu

carro novamente e saiu em alta velocidade, fazia curva depois de curva, para

tentar ganhar tempo e fugir dos policiais, então em um cruzamento sem

olhar ou se preocupar, cruzou em alta velocidade atropelando uma mulher e

seu filho, sentiu o estrondo na lataria do carro, sentiu o solavanco, ouviu o

barulho de estouro quando passou, o seu corpo se arrepiou todo, o cheiro de

sangue tomou conta do carro, o desespero aumentava a cada centímetro, os

carros da polícia cada vez mais perto, uma curva mais aberta, acelerou o

carro e se perdeu, se jogando em uma arvore, dobrando o carro ao meio e

morrendo despedaçado como um animal atropelado. Então este foi o fim da

família de Benjamim, que foi criado no orfanato até o dia em que, eu Dimas o

encontrei.

Não foi fácil descobrir que o pai de benjamim era o motorista que havia

atropelado minha família, foi uma surpresa pra mim, como o destino pregava

peças, e como tudo estava ligado. Mas a esta altura, o ódio que sentia nem

se comparava com o amor que eu sentia pelo garoto, que nesse momento se

tornava meu mais novo filho.

Henrique Serafini

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Capítulo três:

O susto

m ano se passou desde o dia em que Benjamin veio morar comigo,

agora ele já está com seis anos, me trata como pai, é muito

inteligente, e está louco para começar a ir à escola. Nesse tempo

fizemos muitas coisas, fomos muito felizes, foi o melhor ano da minha vida

desde a morte da minha esposa, Viajamos para vários lugares, o ensinei a

pescar, está aprendendo a andar de bicicleta, aprendeu a ler e escrever e

estamos nos preparando para viajar novamente, estou o levando para

conhecer o cinema, e aproveitarei para dar entrada na documentação de

adoção, quero adotar Benjamin dentro dos trâmites da lei. Comprei um novo

carro para eventuais emergências e acabou por servir muito bem, vamos

viajar com ele, depois do trauma acho que estou mesmo recuperado.

Dias antes de viajarmos recebi uma visita inesperada, ouvi as batidas no

portão, abri a porta e lá estava um agente do conselho tutelar, dizendo

receber uma denúncia de que eu estava com uma criança do orfanato sem

autorização. Tentei negar, mas era inútil, estavam levando minha única

chance de viver, estavam levando o garoto. Acompanhei o agente até o

orfanato, para tentar contornar a situação, porém seria difícil, então

perguntei o que poderia ser feito, e o agente me respondeu:

—vai ser difícil sem a ajuda de um bom advogado e de muita paciência.

Saí de lá novamente destruído, pensando no que fazer, como poderia

conseguir benjamim de volta. Fui até a igreja pedir conselhos ao padre.

— Então padre, o que posso fazer?

— Conheço um bom advogado, e tenho certeza que se eu pedir, ele vai te

ajudar. —Vá para casa e descanse, e amanhã me procure que lhe

apresentarei ao advogado.

U

Quantas Chances Houver

23

Passei a noite olhando para as fotos de Benjamim, e pensando em que fazer

para trazer o garoto de volta, ele era tudo para mim. Pensava como seria

tratado lá dentro, e como ele estaria sentindo minha falta, já que para tudo

ele dependia de mim e eu o mimava o quanto podia. No outro dia fui até a

igreja falar com o Padre Valentino:

—Então Padre, falou com o advogado?

—Sim!— Ele vai assumir seu caso, prepare os seus documentos e o encontre

aqui na igreja, pois ele vai dar entrada no pedido de adoção, porém ele já

adiantou que será um processo demorado e doloroso.

—Enfrentarei qualquer coisa para recuperar minha única família.

Voltei rapidamente para casa e revirei todo meu escritório atrás de todos os

documentos necessários, ajuntei tudo em uma pasta e voltei à igreja, e lá

estava o Dr. Martins, o advogado e amigo do Padre.

Dr. Martins quando me viu logo abriu um sorriso simpático típico de um bom

vendedor, em seu terno azul escuro, cabelos penteados como se fosse

lambido por uma vaca, um óculos quadrado, e uma caneta brilhante no

bolso. Cumprimentou-me, e batendo em meu ombro me perguntou:

— Então, pronto para começar?

— Sim! Respondi sem muito floreio.

Com o rosto franzido de preocupação, entreguei a pasta a ele e perguntei:

—quanto tempo vai levar para resolver tudo?

—Fique Calmo garoto! Respondeu sorrindo.

—Vamos analisar a situação e entrar com o pedido de adoção, logo após,

terá que atender as exigências feitas por eles, e lembre-se, não importa

Henrique Serafini

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quanto dinheiro você tenha, o que importa é a vida e a educação que poderá

oferecer ao garoto!

Depois de dar entrada na documentação, começaram as visitas da assistente

social, psicólogos, e etc.. Meses se passaram e a angústia só aumentava. Eles

revistaram minha vida, minha casa, meus pensamentos, eu já não aguentava

mais fazer tudo pensando na assistente social e no que ela iria achar de mim.

Durante este tempo eu fazia visitas frequentes ao orfanato para ver

Benjamim, e saía de lá pior do que entrava, pensando naqueles olhos tristes

me perguntando:

— Pai, por que não posso voltar pra casa com você? Estou com saudades.

Sempre saía uma desculpa esfarrapada, que nem ele acreditava, mas, o que

eu poderia falar? Se nem falar eu conseguia, com os olhos cheios d’água, a

voz me fugia, e o que me sobrava era disfarçar para que não notasse e

engolir o choro, tudo era motivo onde arrumar mais forças para lutar. Não

entendia por que os avós de Benjamim o negaram, e por que eu um estranho

se preocupava mais com o garoto de que eles.

No meu tempo livre preparei um quarto para ele, arrumei toda a casa para a

chegada dele, brinquedos, roupas, até desenho nas paredes do seu quarto eu

coloquei. Nem acreditei como um homem tão desprovido de emoções

poderia mudar tanto por uma criança, porém, não sabia se era pela criança

ou pela segunda chance que a vida me dava. Algum tempo depois, recebi a

visita da assistente social me dizendo que meu cadastro havia sido aprovado,

e que eu deveria comparecer em certo endereço para assinar os termos de

adoção.

Depois de assinar todos os papéis possíveis, me pediram uma ultima coisa,

porém, não menos importante, que eu levasse Benjamim a um médico e

fizesse todos os exames necessários.

Em fim fui busca-lo no orfanato e desta vez não precisava de desculpas, pois

hoje eu o levaria para casa. Nunca em minha vida eu vi um sorriso tão

Quantas Chances Houver

25

espontâneo e verdadeiro quanto o de Benjamim naquela hora. No mesmo

dia fizemos os exames pedidos e fomos curtir o resto do dia, o levei ao

parque, ao cinema que havia lhe prometido há tanto tempo, comprei tudo o

que ele me pediu e fomos para casa.

Foram muitos dias felizes, coisa que nem eu, nem o garoto tínhamos há

muito tempo, a vida realmente voltava ao normal, Benjamim estava muito

saudável e fazia muita bagunça. O Matriculei em uma escola e todos os dias

ele levantava animado para começar a estudar, e dizia que seria escritor

como eu, ele era meu orgulho.

Henrique Serafini

26

Capítulo quatro:

O recomeço?

udo voltava ao normal, a vida corria lenta e sossegada, de pouco em

pouco fui voltando a escrever, porém, como fiquei muito tempo sem

lançar nada estava difícil voltar a vender livros, então consegui um

emprego em um pequeno jornal da cidade, O Noticiário urgente, que quase

não tinha o que escrever, pois a cidade era muito pequena e além das

notícias do campo e das lavouras não havia muito o que escrever. Sobravam-

me apenas poucas matérias sobre culinária, histórias bizarras contadas pelos

moradores, que por não terem muito que fazer, criavam lendas e mistérios a

partir do nada, como a história da senhora que ligava para a polícia toda vez

que ventava e a plantação ao redor de sua casa se mexia, ela dizia que estava

sendo atacada! Ou a cozinheira mais famosa da cidade por fazer o maior

biscoito de amendoins da região. Não era fácil aguentar este tipo de matéria,

mas era o que me sustentava.

Algum tempo trabalhando no jornal e comecei a conhecer pessoas diferentes

e até me relacionar melhor. Em uma das confraternizações do jornal, na

verdade a primeira em que eu havia comparecido, eu conheci uma mulher, a

secretária do editor do jornal, na verdade, não era uma mulher qualquer.

Cabelos longos, castanhos e cheirosos, vestido longo mostrando seu estilo

mais recatado, cachecol xadrez, coisa que eu achava um pouco estranho,

olhos verdes, aparentava uns trinta anos, e não usava nenhum tipo de aliança

ou anel de qualquer espécie.

T

Quantas Chances Houver

27

Fiquei a noite toda olhando para ela, porém, me faltou coragem para iniciar a

conversa, apesar de ela ter me notado, e respondido aos meus olhares, mas a

preocupação com Benjamim era maior, pois havia o deixado com o padre, e

já era muito tarde, deveria buscá-lo para que não atrapalhasse mais o padre.

Passou-se uma semana e não a vi no trabalho, já estava conformado com a

ideia de não a ver novamente, sem muitas esperanças me dediquei a levar

Benjamim ao pequeno parque que havia na cidade, em certo momento

sentado em um banco, olhei a diante e a vi, vindo em minha direção. Seus

cabelos dançavam com o vento, o sol brilhava formando um contraste com a

pele do seu rosto, seus olhos transmitiam certa calma, e eu me sentia um

garoto novamente.

Peguei Benjamim pela mão e fui até ela, minhas pernas tremiam como se eu

fosse à primeira vez com uma mulher, até pensei em desistir, mas ela já havia

me visto, então aproveitei para me apresentar:

—Olá, tudo bom?

Maneira ótima de iniciar uma conversa!

—Olá, eu me Lembro de você! —Foi na festa do jornal semana passada, qual

é o seu nome mesmo?

—Meu nome é Dimas, e o seu?

— Me chamo Maria.

— Lindo nome!

Ela soltou um lindo e luminoso sorriso, e perguntou:

—O garoto é seu filho?

—Sim, este é meu filho Benjamim!

—Nossa ele é lindo!

Henrique Serafini

28

A conversa se estendeu a tarde toda, Benjamim e ela se deram muito bem, e

eu estava achando tudo ótimo. A Convidei para o jantar em minha casa, e ela

se ofereceu para ajudar no preparo, foi desse dia em diante que começamos

a nos entender melhor, ela frequentava nossa casa toda semana, eu e

Benjamim frequentávamos a casa dela, e a relação foi tomando forma.

Quando menos percebi estava apaixonado cegamente. Realmente não sei

quais eram as pretensões dela, mas as minhas eram cada vez mais sérias,

pensava até em, quem sabe, um dia morarmos juntos como uma família. Eu

tinha certo medo de estar indo rápido demais, porém, ela se mostrava tão

interessada quanto eu.

Algum tempo depois ela começou a dormir em minha casa, estava tudo

muito bem, até que um dia de manhã, levantei, fui até a cozinha procurando

Maria, e só encontrei uma carta escrita à mão em um papel qualquer, com os

dizeres:

Desculpe-me Dimas, mas a nossa relação estava ficando séria demais para

mim, peço desculpas novamente se lhe dei esperanças, irá encontrar outra

pessoa!

Maria.

Coloquei as roupas, e fui até ao jornal a procurando, porém, ela havia se

demitido, fui até a sua casa e encontrei tudo vazio, perguntei aos vizinhos e a

única coisa que descobri foi que ela havia acabado de se mudar, deixando até

os móveis. Nunca entendi o que ocorreu, o porquê da mudança repentina, e

por que a letra do bilhete estava tão tremida?

Voltei para casa, arrasado, deixei Benjamim na escola e não fui trabalhar,

sentei na escada da frente de casa com uma garrafa de bebida nas mãos, e

aquele foi meu primeiro porre depois de conhecer Benjamim. Pedi ao padre

Quantas Chances Houver

29

que buscasse o garoto na escola, porque só conseguia pensar no motivo de

Maria me abandonar.

No outro dia resolvi que não iria me deixar abalar por isso, eu me aprontei,

levei o Benjamim à escola, e fui trabalhar. Chegando ao jornal, me ocorreu de

pesquisar os arquivos de adoção, não sei por quê. Mas isso talvez me

dissesse algo. Fui até ao orfanato onde ficavam todos os arquivos de adoção,

e com alguns minutos de pesquisa, descobri que tudo ficava ainda mais

confuso. Encontrei uma foto de Maria que por acaso tinha o mesmo

sobrenome que o pai de Benjamim, pelo que dizia a ficha, Maria era tia dele

e provavelmente se aproximou de mim apenas para vê-lo, mas, com que

intenção? E por que ela não adotou o garoto se era tia dele?

Continuei a ler sua ficha e mais a diante descobri a resposta de pelo menos

uma pergunta, ela não conseguiu a guarda de Benjamim por ter passagens na

polícia por porte de drogas, e por ter se envolvido com as mesmas pessoas

que o pai dele. Como eu não havia notado nada diferente nela? Eu pensava

se ela continuava a usar quando estava comigo, ou se estava tentando parar,

pois eu podia ter ajudado mais se soubesse. E por que não falou que era tia

de Benjamim? Tanta duvida estava me deixando louco. Voltei ao jornal,

quando estava na portaria passei por um homem com uma jaqueta cinza,

óculos estilo aviador e com um palito de dentes no canto direito da boca, ele

chegou até a recepcionista, perguntou por Maria. Eu disfarcei e quando ele

saiu, o segui. Ele foi até o seu carro a quase uma quadra do jornal, parou na

porta do carro, disfarçou pegando suas chaves, e quando eu passei, em um

movimento brusco, ele se virou para mim, e com sua mão fedendo a cigarro

agarrou em meu pescoço, e perguntou:

—por que você está me seguindo cara?

Eu engoli seco, e respondi gaguejando:

—Não. —Não estou te seguindo senhor!

— está sim! —Agora entra no carro que vou te levar pra dar uma voltinha!

Henrique Serafini

30

Entrei no carro a um empurrão só, fui levado até uma casa afastada da

cidade, ele parou o carro, me puxou pela camisa para fora, e me jogou no

chão de terra vermelha, e me perguntou:

— Onde está a Maria?

— Eu não sei! Eu não a vejo há quase dois dias!

—Eu sei que está dormindo com ela. —Agora me responda, onde ela está?

—Estou falando a verdade! —Não sei onde ela está! —Só te segui para tentar

descobrir o paradeiro dela, pois ouvi você perguntando dela no jornal. —Por

que está a procurando?

— Aquela vagabunda me deve muita grana, e você é quem vai pagar. – no

mínimo á esta hora ela deve estar chapada com as minhas drogas, e sem

pagar.

— Por favor! Deixe-me ir, não tenho nada a ver com seus negócios com

Maria.

— lamento, mas agora tem sim! – e se não tiver o dinheiro, garanto que

aquele garotinho vai ter.

Não sabia o que fazer, estava preocupado com Benjamim, será que o garoto

estava bem? Notei que ele estava sozinho quando tentou chamar seu

comparsa, e não teve respostas, em um segundo de bobeira ele entrou para

procurá-lo, eu levantei rapidamente e notei que a chave do carro estava na

ignição, entrei, dei a partida, e arranquei o mais rápido que pude, e fui

deixando para trás o som dos tiros. Parei na frente do jornal, peguei o meu

carro e deixei o dele ali estacionado, fui direto à escola de Benjamim que

nesse momento já estava me esperando, ao chegar lá, perguntei por ele:

— Desculpe senhor, mas já vieram buscá-lo!

— quem o levou? Perguntei desesperado!

Quantas Chances Houver

31

—não sei lhe dizer senhor!

Saí dali como louco, a procura do garoto, quando recebi uma ligação do

padre Valentino que dizia:

— Não se preocupe, o Benjamim está aqui comigo, o pessoal da escola te

ligou, mas você não atendeu então eles me ligaram, a pedido de Benjamim.

Cheguei aliviado a igreja, dei um apertado abraço em Benjamim, que não

entendeu nada, e me sentei à mesa com o Padre Valentino e o expliquei a

situação. Passamos a noite na igreja por precaução, para no outro dia pensar

no que fazer.

Henrique Serafini

32

Capítulo cinco:

As lembranças

ue tipo de destino o de Benjamim, seu pai o abandonou recém-

nascido ao lado de sua mãe praticamente morta, sua tia era uma

viciada com problemas com traficantes, os mesmos envolvidos com

seu pai por sinal, seus avós não se importavam com ele, e agora eu recebia

de herança a divida de sua tia. Eu ainda pensava em Maria, por mais

problemas que ela me trouxe, não conseguia esquecer os momentos bons

que passamos juntos, e pensava no que poderia ter ocorrido a ela. Passei a

noite acordado ao lado da cama de Benjamim, pois não podia dormir de

preocupação, aqueles dois podiam entrar ali a qualquer momento, mas

padre Valentino me dizia que ali seria seguro, mesmo assim dormir era

impossível.

Toda noite me Lembrava das histórias que Benjamim me contava, sobre sua

vida nas ruas e no orfanato. Um garoto de cinco anos tendo que comer

comida do lixo, brigar com cachorros por comida, pedir dinheiro ou qualquer

coisa nas ruas, ser enxotado da frente de comércios e residências, ser tratado

como animal por pessoas que muitas vezes não merecia o que tinha. No

orfanato era mau tratado por quase todos, os garotos mais velhos se

aproveitavam dos mais novos em quase todos os sentidos, as zeladoras se

aproveitavam de todos os garotos, e a diretora e mais meia dúzia de pessoas

se aproveitavam do dinheiro doado por empresas e pessoas de bom coração.

Muitas vezes ele era obrigado a dormir no chão por não ter camas suficientes

para todos, não podia chorar por qualquer coisa que fosse, pois não havia

remédios E nem muito menos médicos pra ajudar, a comida melhor era

Q

Quantas Chances Houver

33

roubada por funcionários, e o que sobrava era sopa de arroz quase todos os

dias, aos cinco anos nunca havia comido um pedaço de bolo ou qualquer

coisa que não fosse pães dormidos ou sopa de arroz. Mesmo depois de ter

passado por tudo isso, e levando em consideração sua pouca idade,

Benjamim nunca mostrou tristeza ou qualquer sentimento ruim. Sempre foi

um garoto feliz e de bem com a vida apesar de tudo, e mesmo comendo sopa

de arroz no orfanato, comida do lixo nas ruas, ou comendo bem como ele

come agora, ele sempre foi o mesmo garoto, isso é o que me dava mais

forças.

A morte é sem duvida muito ruim, porém a vida pode ser muito pior para

quem fica, e por pior que sua vida pode ser sempre haverá alguém em piores

condições, por isso, toda vez que for reclamar da vida olhe a sua volta, a vida

de outras pessoas. A vida pode ser boa ou ruim, só depende do seu ponto de

vista. Foi isso que Benjamim me ensinou. Fico imaginando quais eram as

lembranças que ele tinha de sua vida, do que sentia saudades ou do que não

lhe fazia bem lembrar. Ele me dizia que a única coisa que o aborrecia era

deixar seus amigos no orfanato, pois a vida lá dentro realmente não era fácil.

Benjamim tinha um amigo com o nome de Daniel, o conheceu no tempo em

que morou nas ruas, andavam juntos e cuidavam um do outro, se protegiam

como uma família. Muitas vezes Daniel que era mais velho, conseguia comida

para os dois. Quase sempre roubavam de mercearias, bancas de frutas e

mercadinhos, pois dinheiro era uma coisa não muito fácil de conseguir. Pedir

era inútil, os comerciantes da região já os conheciam, e estavam saturados

com os pequenos furtos cometidos por garotos do orfanato, muitas das vezes

fugidos. Mas qual seria a saída para os pequenos senão furtar para comer, já

que ninguém dava se quer um vintém para matar a fome. E o orfanato que

deveria cuidar e proteger fazia justamente o contrário, e até roubavam de

quem já não tinha nada. As poucas doações feitas por empresários e grandes

produtores da região acabavam nas mãos de quem realmente não precisava.

Um destes empresários, dono do mais novo mercado da região, pertencente

a uma rede nacional de mercados, abriu uma filial na cidade, com belas

Henrique Serafini

34

vitrines, produtos a mostra, tudo muito bonito e convidativo. Todos

comentavam sobre o mercado, como havia produtos bons, e tantas

novidades. Como todo garoto é curioso de natureza, e esta curiosidade

munida de muita fome, fez Daniel ir até ao mercado, e como de costume

apanhou algumas frutas e saiu correndo pelo estacionamento, neste

momento um segurança o pegou e tomou as frutas de sua mão, o colocou

para fora do portão, lhe dizendo:

—Não volte mais aqui garoto, aqui não é lugar para você.

O segurança tão imponente com sua arma e seu uniforme não preocupava

tanto quanto a fome que muitos enfrentavam. As frutas tiradas de suas mãos

deixavam um perfume cruel que só não era pior do que o cheiro de frango

assado que vinha do mercado. Para quem está em casa com a barriga cheia

não se da conta de quanto dói ter fome. Porém para aqueles dois era muito

pior, Daniel com sete anos a mais que Benjamim se sentia responsável, e

fazia o que tinha que fazer para não ver aquele pequenino amigo de apenas

quatro anos, encolhido de frio e fome, lhe pedindo encarecidamente por

comida. Escondidos em vielas escuras como de costume, Daniel deixava o

mais novo, e partia em direção ao mercado sonhando com aqueles pães,

doces, frutas e muito mais, sem ter certeza de que traria algo para matar a

sua fome e a do amigo, e para isso enfrentava empreitadas perigosas, E na

maioria das ocasiões voltava sem nada. Daniel pedia trabalho para todos na

cidade, porém não arrumava, e quando arrumava, o cidadão tinha a pachorra

de não o pagar. Em um dia de muito frio, a fome batia mais forte, e os dois

não comiam nada há quase dois dias, estavam quase apelando para a lata de

lixo da mercearia, onde os cachorros eram mais bem tratados do que os

pobres garotos. Daniel resolveu ir ao mercado mais uma vez, mesmo com

Benjamim pedindo para que ele não fosse, andou até lá, e com toda a sua

agilidade de garoto pegou um pacote de pães, saiu em disparada em direção

à praça. O segurança cansado dos roubos e da reclamação de seu supervisor

que o observava pelas câmeras, tirou a sua arma, apontou para o garoto de

aproximadamente onze anos que sofria pela fome e tentando ajudar a um

Quantas Chances Houver

35

amigo que já sentia o gosto dos pães que carregava, e em um minuto de

completo desespero e raiva, um tiro é disparado. Um silêncio toma conta do

lugar que pela primeira vez nota o garoto no meio da rua, a mesma onde ele

viveu vários anos de sua vida sem ser notado. Porém agora caído envolto em

sangue, e arrependimento. Benjamim continuava a esperar com a esperança

de ver o amigo trazer a única refeição do dia, porém em alguns metros dali,

na rua do mercado, o movimento aumentava espantosamente, Benjamim

esperou o amigo por mais alguns minutos com medo de se perder, mas a

curiosidade lhe falou mais alto, então andou até a multidão que o ignorava

dando total atenção ao corpo no chão, chegou mais perto e lá estava Daniel

caído em seu próprio sangue, um homem que se desmanchava em lagrimas e

desespero, ajoelhado com seu uniforme sobre o corpo morto de Daniel.

Daquele dia em diante ficaria sozinho, e continuaria com a mesma fome de

sempre. Penso que uma pessoa tem que morrer para ser notada. Benjamim

passou um ano entre as ruas e o orfanato. Sempre voltava para lá quando a

fome apertava para comer a famosa sopa de arroz e fugia sempre que sentia

saudades de seu amigo. Muitas vezes sentava na mesma viela escura na

esperança vaga e perdida de que Daniel voltasse.

Em uma destas escapadas do orfanato, Benjamim foi parar na praça onde

ficava sempre esperando por seu amigo, sentou-se, esquentou-se no sol, pois

o frio estava cortante. Quando olhou a diante percebeu que havia um

homem passando muito mal e se retorcia no chão com muita dor, viu que era

o único na praça e que deveria ajudar, correu até a mercearia e pediu ao

atendente que chamasse ajuda. Voltou rapidamente até o homem e com a

voz doce falava ao seu ouvido que tudo estaria bem, porém o homem já não

o respondia. Ele deu com as mãos, a ambulância parou ao lado e

rapidamente atendeu ao homem. Após o atendimento o médico veio até ele

e o agradeceu:

—Graças a você, o seu pai se salvou.

Henrique Serafini

36

Ele envergonhado e ao mesmo tempo triste por não ter conhecido seus pais,

deu um sorriso amarelo e entregou o livro que se encontrava ao lado do

homem nas mãos do médico, e disse:

—Por favor, o senhor pode entregar este livro a ele.

Sem mais explicações, virou as costas e saiu correndo em direção a sua velha

e conhecida viela escura e despareceu nas sombras. Este homem, no entanto

era eu.

Quantas Chances Houver

37

Capítulo seis:

Esperança

Amanhece o dia, me levanto e encontro o padre Valentino já na cozinha

preparando o café da manhã. Olhou-me e disse:

—Bom dia, dormiu bem?

—Não preguei os olhos.

—Não se preocupe, cuidarei de tudo para você por aqui. — O meu carro está

pronto no pátio, saia por trás que ninguém vai lhe notar.

—Não sei para onde ir padre, como vou proteger Benjamim?

—Vá para longe da cidade, pegue a autoestrada e vá até o quilômetro 731,

entre à direita e você vai encontrar a Chácara Esperança. Lá você estará

seguro, eles o ajudarão.

— Vou passar em casa para pegar as nossas roupas e alguma comida.

— Não! Vá direto aonde eu lhe falei, pois sua casa está toda revirada, e com

certeza estão lhe esperando. — Passei lá por frente discretamente e a porta

foi arrombada. — acho melhor você deixar Benjamim comigo até as coisas se

acalmarem.

—Melhor não padre. — isso vai colocá-lo em risco, e eu prefiro que ele fique

perto de mim neste momento.

Henrique Serafini

38

Após terminarmos o café da manhã, coloquei Benjamim ainda sonolento no

carro, me despedi do padre Valentino e saí pelo portão de trás do pátio como

o padre havia me falado. Ainda lembrava-me de como era o carro dos dois

que procuravam por Maria, então fui atento a cada carro que passava. Em

poucos minutos já estava na autoestrada na saída da cidade. Depois de

alguns quilômetros de plantações a estrada corta uma serra e no

acostamento os arbustos escondem muitas vezes abismos e ribanceiras

enormes.

Durante a viagem meus pensamentos giravam em torno de Maria, sem saber

onde ela estava ou o que havia a ocorrido. Por que não me pediu ajuda? A

saudade que já era companheira de longa data me fazia lembrá-la sempre.

Enquanto isso Benjamim dormia tranquilamente no banco de trás.

Enquanto dirigia lembrava-me da minha antiga vida com Sofhie, como era

feliz ao lado dela. Eu a conheci em uma ocasião inusitada. Estava indo em

uma entrevista de emprego, o escritório ficava no último andar do prédio, eu

a encontrei no elevador, entramos juntos, ela era séria e nem olhava para os

lados, eu não conseguia tirar os olhos dela, nunca havia visto uma mulher tão

linda quanto ela. Dei bom-dia, e ela nem se deu ao trabalho de me

responder. Fiquei calado no meu canto, quando de repente o elevador travou

entre os andares seis e sete, nos primeiros cinco minutos ela continuou ali,

parada como se nada acontecesse. Após comunicar o que acontecia, o

porteiro nos avisou que iria demorar a concertar.

Neste momento vi as primeiras gotas de suor escorrendo de seu rosto, após

meia hora de espera o desespero já havia tomado seu corpo, e a única coisa

que fazia era chorar. Eu havia perdido a conta de quanto tempo se passou, e

a mulher que me esnobou no inicio já se pendurava no meu pescoço me

pedindo ajuda, eu fiquei tão feliz que até esqueci-me do trabalho que perdi,

e o medo de ficar preso lá dentro já não era um problema.

Quando saímos lá de dentro já era tarde e como em toda cidade pequena, já

não havia ônibus funcionando. Ela estava na calçada sem saber o que fazer,

Quantas Chances Houver

39

eu parei meu carro ao seu lado e a ofereci uma carona. Sofhie pestanejou.

Então eu disse:

— É a sua única opção! — Como vai para casa?

Abriu um sorriso brilhante como o sol, me agradeceu e entrou no carro.

Daquele dia em diante ficamos juntos, e nunca mais passamos uma dia longe

um do outro. Até que um maluco qualquer sem um pingo de

responsabilidade, em um ato impensado, tira a vida de três pessoas, e teria

arruinado a vida de Benjamim se eu não o ajudasse. Embora Benjamim

ajudou-me muito mais.

Após acordar de minhas lembranças, comecei a notar um carro estranho que

me seguia já há algum tempo, acelerei o carro e tentei tomar distância, e logo

em seguida o carro aproximou-se ainda mais, continuei a acelerar, mas não

adiantava, o carro continuava a aproximar-se, cada curva que se passavam

mais próximo estava. Já se ouvia o grito dos pneus, eu fazia cada curva no

limite, e temia não podre segurar o carro, pois as curvas estavam cada vez

mais perigosas. Foi então que ouvi um barulho e senti um solavanco, e cada

quilômetro que se passava as batidas eram mais fortes, Benjamim acordou

assustado com os barulhos, tentei acalmá-lo, mas foi em vão, ele chorava

cada vez mais, eu ficava cada vez mais nervoso.

O carro continuava a bater, e bater cada vez com mais força, já estávamos

em alta velocidade e meu carro não suportava mais nem as batidas, nem a

velocidade em excesso, minha vida passava diante dos meus olhos, e o medo

de que ocorresse alguma coisa com Benjamim. Em uma das curvas, os pneus

cantavam, meus pensamentos estavam a mil, então eu senti o último dos

solavancos fazendo meu carro perder o controle capotando várias vezes. É

como se tudo ficasse em câmera lenta, como em um filme de terror, e cada

segundo parecia uma eternidade. Alguns metros adiante o carro parou

batendo em uma árvore, sentia o gosto de sangue em minha boca, uma dor

insuportável em minha cabeça, não sentia as pernas e mal podia me mexer,

os olhos ficavam cada vez mais pesados, e o desespero me tomava por não

Henrique Serafini

40

poder ver Benjamim que não me respondia. Não tinha mais forças quando

meus olhos se fecharam. O carro que me tirou da pista desapareceu sem

deixar rastros. Estava eu ali, embebido em sangue e dor, passando por mais

um teste em minha miserável vida. Fiquei desacordado um bom tempo,

como se eu deixasse de existir, como se tudo pelo que eu lutei escorresse

entre meus dedos.

De pouco em pouco fui recuperando meus sentidos, e a primeira coisa que

senti, foi o perfume cítrico que Maria usava, então abri os olhos lentamente,

e após o choque da claridade fui entendendo tudo em minha volta. Lá estava

eu acordando novamente em um hospital. Logo que abri os olhos busquei

pelo quarto todo ver Maria, mas o que me restava era apenas o seu perfume.

No canto esquerdo do quarto, sentado em uma cadeira, estava padre

Valentino. Cabisbaixo, com o animo de um condenado, com as mãos

entrelaçadas como se rezasse. Com a voz falhada tentei chamar seu nome,

mas o que saiu foi apenas um resmungo, então me olhou, se levantou, e

tentando me mostrar alguma felicidade, me apertou as mãos dizendo:

— graças a Deus, você acordou! — Fico feliz que esteja bem meu filho!

— Há quanto tempo estou aqui?

— Há uma semana.

— Me responda. — como está Benjamim? — não minta pra mim a esta altura

da minha vida padre.

— Não acha melhor sair deste hospital primeiro?

Tentei com todas as minhas forças levantar, mas não foi possível, então gritei

com o fôlego que não tinha:

— Me responda padre!

Quantas Chances Houver

41

O padre arrastou a cadeira até ao lado da cama, sentou-se, segurou minha

mão, enxugou seus olhos, e com a mão trêmula me respondeu:

—Lamento não ter boas notícias para você. —terá que ser forte neste

momento. —Benjamim não sobreviveu ao acidente.

Um silêncio tomou o quarto, e por alguns minutos segurei a mão do padre

sem dizer uma só palavra, um desejo mórbido me tomava, e uma pergunta

que ficava rodando em minha cabeça. Por que comigo?

—você tem que ser forte, meu filho.

Minha vontade naquele momento era de morrer no lugar de Benjamim, ou

matar a todos que tocassem no assunto. Passei dias naquele quarto sem

dizer uma palavra, remoendo o ódio que me destruía o peito. O pobre padre

Valentino me visitava todas as noites, se sentava ao lado da cama, e tentava

me animar ou puxar conversa, mas era em vão.

Minhas lembranças era o que me doía mais, me lembrar dos momentos

felizes que passei ao seu lado, o ajudando com as tarefas da escola, jogando

bola no quintal, correndo pra lá e pra cá. Os passeios pelo parque, os

sorvetes nos fins de tarde, os sorrisos brilhantes com a boca toda suja de

chocolate, as histórias que lia para ele antes de dormir, e muitas outras

coisas que nunca mais iria fazer junto dele.

Minha recuperação foi lenta, e mesmo depois de sair do hospital ainda fiquei

alguns meses me apoiando em muletas e cadeiras de rodas. Voltar para casa

foi à parte mais dolorosa, me deparar com as roupas dele, com o quarto que

havia construído e os adesivos nas paredes, os brinquedos jogados pelo chão,

era muito difícil. Só pude voltar depois que o padre me ajudou a limpar a casa

e doar as coisas de Benjamim.

Aborrecia-me não ter nem me despedido dele, debilitado em uma cama de

hospital, nem em seu enterro pude ir, enterro este providenciado por padre

Valentino, que novamente cuidou de tudo. Para mim a vida acabou por ali.

Henrique Serafini

42

Não havia mais animo para continuar, não me sobrou nada, roubaram-me a

chance de ter uma família novamente. Roubaram-me tudo. O padre

Valentino se mostrou meu único amigo de verdade, com quem pude contar

nesses anos todos, mesmo assim, não saía de casa para quase nada. Nem

para vê-lo.

Fiquei meses dentro de casa olhando a vida por uma janela, mesmo depois

de ter melhorado, vivia do dinheiro do seguro e mais nada. Muitas vezes

ouvia Benjamim me chamar de pai, corria até onde fosse, porém, jamais

passou de delírios da minha mente me pregando peças. A bebida voltou a ser

minha companheira novamente.

Várias vezes observava a janela que dava para a rua, algumas vezes

embriagado, outras não, mas em quase todas às vezes percebi uma mulher

que se sentava do outro lado da rua e observava minha janela, com a mesma

tristeza que tinha em meus olhos. Vestia-se de maneiras diferentes a cada

dia, talvez na tentativa de que eu não a notasse, porém era difícil confundir o

seu perfume cítrico que cruzava a rua, e aquele estranho cachecol xadrez

pendurado no pescoço, que quase nunca combinava com a roupa. Pergunto-

me por que ela nunca me procurou, por que preferiria sentar-se do outro

lado da rua do que me procurar.

Talvez por vergonha, ou por medo. Pois ela sabia que tudo ocorreu devido

aos seus erros de um passado não tão distante, e que o maldito vício havia

destruído de vez a vido do pobre garoto.

A vida não deu muitas chances a Benjamim, pois nasceu em uma família

conturbada, com pais irresponsáveis, e quando se pensou que estava livre da

vida nas ruas, de passar fome, e de pessoas que o maltratava, eu que deveria

tê-lo protegido, lhe aproximei novamente de sua maldita tia. Isso é o que me

doía mais, ser o responsável por sua morte, que consequentemente deu por

terminada as minhas chances de uma vida normal, pior ainda, teria que

carregar aquele peso pelo resto de minha inútil vida.

Quantas Chances Houver

43

Será que a vida me daria outra chance? Será que eu teria forças para

enfrentar tudo mais uma vez? Talvez seja o que a maioria das pessoas faz,

enfrentam as suas vidas cruéis, tantas vezes que já estão calejados, e

enfrentariam quantas vezes fosse preciso.

Nas noites frias de inverno, penso se seria diferente se eu estivesse com

Maria, mas eu nunca teria coragem de perdoá-la depois de tudo, sei também

que a culpa não foi somente dela, que era apenas a vida correndo seu cruel e

incompreensível curso.

Talvez se eu deixasse as mágoas de lado, fosse atrás dela, quem sabe eu teria

mais uma chance. Porém nem eu sei se queria mais uma chance da vida, pois

todas que eu tive foram tiradas de mim com brutalidade. Hoje estou com

noventa anos. A vida me fez carregar a culpa e a tristeza por esses anos

todos. Por trinta anos meu grande amigo padre Valentino me ajudou a

carregá-las, mas ele me abandonou, me deixando sozinho nesta vida há

quase vinte anos. Depois desses anos todos, o único livro que consegui

terminar é este, que levei a vida toda pra escrever, com a dor e a tristeza

como personagens, uma vida covarde e uma velhice solitária como enredo.

Realmente não sei se tudo o que eu disse foi apenas para esconder minhas

fraquezas, ou a falta de coragem de continuar, só sei que agora é tarde para

reclamar ou arrepender-se de alguma coisa. E se alguém me perguntasse o

que eu faria se a vida me desse outra chance? Eu lutaria, e lutarei quantas

vezes a vida me derrubar. Quantas chances houver. Porque é isto que nos

resta.

Henrique Serafini

Henrique Serafini

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Agradecimentos

Quero agradecer primeiramente a Deus por me permitir fazer todas as coisas

que amo. Agradeço também ao site Clube De Autores, por disponibilizar este

espaço tão importante para os escritores, tanto populares quanto iniciantes,

de publicar seus livros, sem desembolsar verdadeiras fortunas. Agradecer

também a minha família que me apoia sempre, e a todos os leitores que

prestigiaram meu livro, lendo, comprando, indicando a um amigo, dando de

presente, ou de qualquer forma dando valor ao meu trabalho. Cada palavra

que eu escrevo é pensando em vocês leitores, trabalhando cada vez mais

para que cada livro, conto, ou uma linha que seja, agrade e os faça desligar

do mundo, esquecer os problemas, e viver ao menos um instante, o seus

sonhos, aventuras, ou romances. A todos o meu muito obrigado.

Henrique Serafini

Henrique Serafini

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