henri acselrad - cartografia e territorialização

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ANAIS DA 66ª REUNIÃO ANUAL DA SBPC - RIO BRANCO, AC - JULHO/2014 Cartografia social e processos de territorialização Henri Acselrad (IPPUR/UFRJ) A aprovação da Convenção 169 da OIT, em 1989, iniciou uma série de amplas mudanças políticas nas relações entre os indígenas - e, em menor medida, a população negra - e suas terras tradicionais nas terras baixas tropicais de América Latina. Dos 19 países que ratificaram esta Convenção nos últimos vinte anos, 13 foram da América Latina. Esta Convenção estabelece uma base legal para os direitos culturais, a autodeterminação e o reconhecimento das terras tradicionais. Além de converter-se em lei nacional uma vez ratificada, esta Convenção foi incorporada a muitas reformas constitucionais que se generalizaram na região desde 1990. Um dos resultados destes desenvolvimentos tem sido o mapeamento dos direitos a terras por comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas. Historicamente, os mapas serviram como instrumentos do império para despossuir os indígenas e os povos negros rurais de suas terras, mas agora estas populações estão re-mapeando os espaços: apreenderam que devem mapear ou serão mapeados. Os ubícuos projetos de cooperação internacional sobre mapeamento que hoje encontramos através de toda a América Latina, alteraram a forma pela qual as pessoas expressam sua relação com a terra e entre si, assim como redefiniram a maneira pela qual confluem a identidade, o território e as práticas políticas. Tal como discutido no presente projeto, os processos sociais e políticos que envolvem a produção de “contra- mapeamentos” estão afetando as relações entre território, identidade e direitos. Assim, desde o final dos anos 1980, milhares de pessoas de diferentes origens, que não pensavam em si como cartógrafos, começaram a fazer mapas para melhorar suas vidas. Algumas o fizeram com lápis e papel; outras com GPS, laptops e software de SIG. O que talvez haja de mais interessante nesta recente revolução da cartografia social - ou mapeamento participativo – é que as pessoas, em geral, o fizeram coletivamente para obter avanços em objetivos específicos pelos quais vinham lutando por muitos anos – terra e direitos territoriais predominantemente. A idéia do potencial emancipatório da cartografia feita pelos “de baixo”, porém, deveria ser moderada por uma preocupação com o fato de que os mapas têm consequências colaterais não intencionadas. Por sua natureza, os mapas usam pontos e linhas para criar lugares e limites; os mapas tornam estático o que na realidade são, frequentemente, processos fluidos e negociados. Os mapas podem ser constitutivos de, e ao mesmo tempo constituídos por, relações sociais que conectam pessoas a lugares, identidade a território, e, por essa razão, eles têm o potencial de criar novas, e com frequencia, perturbadoras relações de poder. Os mapas, portanto, conformam e refletem o poder. Cinco fatores-chave ajudam a entender a rápida adoção de mapeamento participativo e cartografia social na América Latina: as forças transferenciais, inerentes ao multiculturalismo neoliberal, associadas a reformas constitucionais; a ratificação, em 1989, da Convenção de Povos Indígenas e Tribais da OIT (OIT 169) por 14 países latino-americanos até 2009; o surgimento de movimentos sociais e das complexas redes, com frequencia globais, que os sustentam; o crescimento sustentado do ambientalismo global e a rápida difusão das tecnologias geomáticas. Cada um desses temas foi, em maior ou menor grau, importante para o desenvolvimento e a difusão da cartografia social, objeto de discussão pela presente comunicação..

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Ordenamento territorial e conflitos

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  • ANAIS DA 66 REUNIO ANUAL DA SBPC - RIO BRANCO, AC - JULHO/2014

    Cartografia social e processos de territorializao

    Henri Acselrad (IPPUR/UFRJ)

    A aprovao da Conveno 169 da OIT, em 1989, iniciou uma srie de amplas mudanas polticas nas relaes entre os indgenas - e, em menor medida, a populao negra - e suas terras tradicionais nas terras baixas tropicais de Amrica Latina. Dos 19 pases que ratificaram esta Conveno nos ltimos vinte anos, 13 foram da Amrica Latina. Esta Conveno estabelece uma base legal para os direitos culturais, a autodeterminao e o reconhecimento das terras tradicionais. Alm de converter-se em lei nacional uma vez ratificada, esta Conveno foi incorporada a muitas reformas constitucionais que se generalizaram na regio desde 1990. Um dos resultados destes desenvolvimentos tem sido o mapeamento dos direitos a terras por comunidades tradicionais, indgenas e quilombolas. Historicamente, os mapas serviram como instrumentos do imprio para despossuir os indgenas e os povos negros rurais de suas terras, mas agora estas populaes esto re-mapeando os espaos: apreenderam que devem mapear ou sero mapeados. Os ubcuos projetos de cooperao internacional sobre mapeamento que hoje encontramos atravs de toda a Amrica Latina, alteraram a forma pela qual as pessoas expressam sua relao com a terra e entre si, assim como redefiniram a maneira pela qual confluem a identidade, o territrio e as prticas polticas. Tal como discutido no presente projeto, os processos sociais e polticos que envolvem a produo de contra-mapeamentos esto afetando as relaes entre territrio, identidade e direitos. Assim, desde o final dos anos 1980, milhares de pessoas de diferentes origens, que no pensavam em si como cartgrafos, comearam a fazer mapas para melhorar suas vidas. Algumas o fizeram com lpis e papel; outras com GPS, laptops e software de SIG. O que talvez haja de mais interessante nesta recente revoluo da cartografia social - ou mapeamento participativo que as pessoas, em geral, o fizeram coletivamente para obter avanos em objetivos especficos pelos quais vinham lutando por muitos anos terra e direitos territoriais predominantemente. A idia do potencial emancipatrio da cartografia feita pelos de baixo, porm, deveria ser moderada por uma preocupao com o fato de que os mapas tm consequncias colaterais no intencionadas. Por sua natureza, os mapas usam pontos e linhas para criar lugares e limites; os mapas tornam esttico o que na realidade so, frequentemente, processos fluidos e negociados. Os mapas podem ser constitutivos de, e ao mesmo tempo constitudos por, relaes sociais que conectam pessoas a lugares, identidade a territrio, e, por essa razo, eles tm o potencial de criar novas, e com frequencia, perturbadoras relaes de poder. Os mapas, portanto, conformam e refletem o poder. Cinco fatores-chave ajudam a entender a rpida adoo de mapeamento participativo e cartografia social na Amrica Latina: as foras transferenciais, inerentes ao multiculturalismo neoliberal, associadas a reformas constitucionais; a ratificao, em 1989, da Conveno de Povos Indgenas e Tribais da OIT (OIT 169) por 14 pases latino-americanos at 2009; o surgimento de movimentos sociais e das complexas redes, com frequencia globais, que os sustentam; o crescimento sustentado do ambientalismo global e a rpida difuso das tecnologias geomticas. Cada um desses temas foi, em maior ou menor grau, importante para o desenvolvimento e a difuso da cartografia social, objeto de discusso pela presente comunicao..