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DOUTORAMENTO MESTRADO & ESTUDOS SÉRIE M 4 HÉLDER VILELA A PROPOSTA DA ACÇÃO 6 DO PLANO BEPS DA OCDE: PROBLEMAS DE COMPATIBILIDADE COM O DIREITO DA UNIÃO

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DOUTORAMENTO

MESTRADO&ES

TUDO

S

SÉRI

E M

4

HÉLDER VILELA A PROPOSTA DA ACÇÃO 6 DO PLANO BEPS DA OCDE:

PROBLEMAS DE COMPATIBILIDADE COM O DIREITO DA UNIÃO

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EDIÇÃOInstituto Jurídico

Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

COORDENAÇÃO EDITORIALInstituto Jurídico

Faculdade de Direito Universidade de Coimbra

CONCEPÇÃO GRÁFICA | INFOGRAFIAAna Paula Silva

Jorge Ribeiro

[email protected]

www.fd.uc.pt/ institutojuridicoPátio da Universidade | 3004-528 Coimbra

ISBN978-989-8787-69-9

© OUTUBRO 2016

INSTITUTO JURÍDICO | FACULDADE DE DIREITO | UNIVERSIDADE DE COIMBRA

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HÉLDER VILELA A PROPOSTA DA ACÇÃO 6 DO PL ANO BEPS DA OCDE:

PROBLEMAS DE COMPATIBILIDADE COM O DIREITO DA UNIÃO

Doutoramento

Mestrado

E S T U D O S

&

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A ProPostA dA Acção 6 do PlAno BEPs dA ocdE:

ProBlEmAs dE comPAtiBilidAdE com o dirEito dA União

Hélder Vilela

RESUMO: A OCDE, no seu plano de combate à erosão da base tributária e “profit shifting”, inclui uma acção relativa ao uso indevido de convenções com vista à prevenção da dupla tributação. Neste trabalho analisamos a proposta avançada pela OCDE neste âmbito. Começamos por dar uma perspectiva geral do problema do abuso de convenções e do “treaty shopping”, e ainda de um dos métodos mais utilizados para combater estes abusos – a cláusula de limitação dos benefícios. Analisamos a admissibilidade, em geral, de uma cláusula de limitação de bene-fícios perante a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, e ainda a admissibilidade de cada um dos “testes” que a proposta da OCDE inclui. Concluímos que a proposta da OCDE precisa de importantes ajustamentos para se tornar compatível com o Direito da União.

PALAVRAS-CHAVE: BEPS, treaty shopping, limitação de benefícios, TJUE, Direito da União.

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ESTUDOS | Doutoramento & Mestrado

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thE Action 6 ProPosAl of

thE oEcd BEPs PlAn: issUEs of comPAtiBility

with EU lAw

Hélder Vilela

ABSTRACT: The OECD includes in its approach against base erosion and profit shifting an action concerning the inappro-priate use of tax treaties. This paper analyses the OECD draft proposal in this matter. We start with an overview of the pro-blem of the abuse of tax treaties and treaty shopping, and one of the most used methods to fight these abuses – the limitation on benefits clause. We then analyse the compatibility, in general, of a limitation on benefits clause in the light of the case law of the European Court of Justice, and the compatibility of each test present in the OCDE proposal. This paper concludes that the proposal of the OCDE requires significant revision in order to achieve compatibility with EU law.

KEYWORDS: BEPS, treaty shopping, limitation on benefits, ECJ, EU law.

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A Proposta da Acção 6 do Plano BEPS da OCDE

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I. Uso indevido de convenções

Erosão da base tributária e “profit shifting” (BEPS) re-ferem-se «ao planeamento fiscal que utiliza discrepâncias entre diferentes sistemas fiscais para reduzir artificialmente o lucro tri-butável ou deslocar lucros para jurisdições de baixa tributação nas quais pouca ou nenhuma actividade económica é desempenhada».1 Um dos meios usados pelas sociedades para escapar à tributação é precisamente o abuso de convenções com vista a evitar a dupla tributação. Uma das acções propostas pelo plano da OCDE sobre a BEPS, a Acção 6, trata dos abusos de convenções.

Os abusos podem classificar-se teleologicamente como:• abuso das convenções• abuso pelas convenções.Será abuso das convenções a situação em que o sujeito passivo

tenta ultrapassar limitações previstas nas convenções de dupla tri-butação, enquanto que o abuso pelas convenções se refere às situações em que o sujeito passivo usa ou tenta usar benefícios previstos nas convenções para iludir normas tributárias domésticas.2

O mais comum abuso das convenções denomina-se “treaty shopping”. O “treaty shopping” refere-se às situações em que su-jeitos de determinado país estabelecem entidades noutro país ou entidades aí estabelecidas encetam transacções artificiais de modo a obter benefícios ao abrigo de uma Convenção de Dupla Tributa-

1 OCDE, OECD Secretary-General report to the G20 leaders, Brisbane, Novem-bro de 2014, disponível em <https://g20.org/wp-content/uploads/2014/12/OECD_secretary-generals_report_tax_matters.pdf>, p. 7 – tradução nossa.

2 OCDE, Preventing the Granting of Treaty Benefits in Inappropriate Circumstanc-es, 2014, 10.

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ção. Normalmente será uma entidade de um país terceiro a instalar uma subsidiária num país com convenção de dupla tributação para aproveitar os benefícios em relação ao rendimento que obtém no outro Estado contratante, mas também sucede uma entidade re-sidente estabelecer uma subsidiária no outro Estado contratante para obter benefícios.3

Um caso paradigmático é o caso Johansson vs Estados Unidos. Johansson era um boxeur sueco, que lutou no campeonato mun-dial de boxe (nos Estados Unidos) e no qual auferiu rendimentos. Johansson reclamou o benefício da Convenção de Dupla Tributação EUA – Suíça, ao abrigo do qual residentes na Suíça e que tivessem recebido aquele item de rendimento como contratado por uma en-tidade suíça, não estariam sujeitos a tributação. Sendo Johansson formalmente residente na Suíça, e único funcionário e única fonte de rendimento de Scanart, SA, uma empresa suíça, Johansson con-seguiria diminuir a sua carga fiscal em cerca de um milhão de dólares em 1960 e 1961, não tivesse o Inland Revenue Service negado o be-nefício da Convenção a Johansson, com base no propósito artificial por detrás do funcionamento da sociedade suíça4.

Hoje o “treaty shopping” assume formas mais complexas – desde o uso de “stepping stone conduits”5, ao uso de institutos que os vários direitos enquadram de forma diferente (os chamados

3 PricEwAtErhoUsEcooPErs, PwC’s comments on Action 6, disponível em <http://www.pwc.com/gx/en/tax/tax-policy-administration/beps/assets/trea-ty-abuse-april-2014.pdf>, 2-3.

4 Johansson vs United States, 336 F.2d 809 (United States Court of Appeals Fifth Circuit, 2 de Setembro de 1964). Veja-se ainda como o tribunal ajuíza da substancialidade da declaração de residência emitida pela autoridade fiscal suíça.

5 Basicamente, em vez de se usar apenas uma entidade intermediária, usar várias através de várias jurisdições.

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“híbridos” - que podem ser entidades ou transacções).6 7

Os Estados, quando acordam uma convenção para elimi-nar a dupla tributação, fazem-no tendo em conta as características particulares dos seus regimes – o seu propósito é eliminar o en-trave ao investimento e ao desenvolvimento do comércio interna-cional que uma dupla tributação no Estado da fonte e no Estado da residência implica. Se se permitisse a residentes de Estados ter-ceiros usufruir dos benefícios de uma convenção de eliminação de dupla tributação, estar-se-ia a permitir que uma jurisdição cujas características não foram tidas em conta aquando da celebração da convenção interaja com essas outras duas jurisdições, levando muitas vezes a situações de dupla não tributação.8

Há várias formas para abordar este problema, desde solu-ções de “substância sobre a forma” jurisprudencial, restrições de direito interno e soluções previstas nas próprias convenções. No Comentário ao artigo 1 da Convenção Modelo da OCDE, pro-põem-se várias alternativas: i) uma “look-through provision”, que nega benefícios a entidades dominadas por entidades não-residen-tes; ii) restringir benefícios no Estado da fonte apenas quando haja sujeição desse rendimento a imposto no Estado da residência; iii) uma “channel approach”, que é semelhante à “look-through pro-vision” mas considerando também se o rendimento acabará nas mãos de não residentes; iv) uma cláusula abrangente de limitação

6 Acordos de recompra, p. ex., que podem ser encarados como um mú-tuo ou como património.

7 Para uma perspectiva geral dos problemas que se levantam no “treaty shopping”, vide Anna KorniKovA, «Solving the problem of tax treaty shopping through the use of limitation on benefits provisions», Richmond Journal of Global Law and Business, 8/2 (2008) 251-258.

8 Vide Ruth mAson, «U.S. tax treaty policy and the European Court of Justice», Tax Law Review, 59 (2005) 73-75.

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de benefícios9. O Comentário elenca depois também algumas for-mas de corrigir eventuais excessos de zelo destas cláusulas.

Para atacar a prática do “treaty shopping”, a OCDE, na sua Acção n.º 6 do Plano BEPS, propõe uma cláusula de limitação de benefícios.

1. A cláusula de limitação de benefícios (limitation on benefits)

A claúsula de limitação de benefícios tem a sua origem na Convenção Modelo de Impostos sobre o Rendimento dos Estados Unidos. Prevista hoje no art. 22 desta convenção, a limitation-on--benefits restringe o âmbito de aplicação da Convenção de Dupla Tributação aos chamados “residentes qualificados”, que, para além de incluir pessoas colectivas de população e território e pessoas singulares, inclui também outras pessoas colectivas, desde que se encontrem verificados determinados testes.10 Testes estes que se terão de verificar em adição à previsão das demais normas da con-venção de dupla tributação e que visam assegurar que os benefí-cios da convenção são concedidos apenas e só aos seus destinatá-rios previstos.

Estes testes não se confundem com o “beneficial owner” que vemos na Convenção Modelo dos Estados Unidos sobre a Tributação do Rendimento11, e também na Convenção Modelo da OCDE12. Este conceito não é definido nos modelos de convenção mas deve-se entender que “beneficial owner” é quem tem o direito

9 OCDE, Model Tax Convention on Income and on Capital: Condensed Version, 2014, 61-69.

10 Os Estados Unidos incluem esta cláusula nas suas convenções desde os anos 80, mas têm vindo a acrescentar sucessivos requisitos desde então.

11 Artigos 10, 11, 12, 17 e 21 da Convenção Modelo de 2006.12 Artigos 10, 11 e 12 da Convenção Modelo da OCDE (2014).

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A Proposta da Acção 6 do Plano BEPS da OCDE

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de usar, sem restrições, o rendimento obtido.13 Conceito que, servin-do para atacar alguns casos de obtenção indevida de benefícios de convenções de dupla tributação, não corresponde ao conceito de re-sidente qualificado que subjaz à cláusula de limitação de benefícios.14

II. compatibilidade das cláUsUlas de limitação de benefícios com o direito da União

1. A aplicabilidade do Direito da União às convenções de dupla tributação

Duas questões a que se deve, primeiramente, responder: i) se os Estados-membros podem celebrar Convenções de Dupla Tributação; ii) se o Direito da União é aplicável a essas Conven-ções de Dupla Tributação, que podem envolver Estados não per-tencentes à União Europeia ou ao Espaço Económico Europeu.

A resposta à primeira questão é pacífica. Como decorre do acórdão Gilly,15 os Estados-membros têm ampla liberdade16 para delinear a sua competência fiscal em colaboração com outros Es-tados, ainda para mais seguindo a prática internacional estabeleci-da pela OCDE.

Quanto à segunda questão, a resposta é também positiva – como resulta dos acórdãos “open skies”,17 nem os acordos in-ternacionais celebrados com países terceiros estão salvaguardados

13 Vide OCDE, Model Tax Convention on Income and on Capital: Condensed Version, 188-191.

14 Diferentemente, considerando que esta cláusula visa clarificar o que en-tende por “beneficial owner”, Eric ostErwEil, «Are LOB provisions in double tax conventions contrary to EC Treaty freedoms?», EC Tax Review, 18/5 (2009) 238.

15 Processo C-336/96, em especial as p. 23-30.16 Em matéria de impostos directos e fora das poucas matérias uniformi-

zadas por Directiva. 17 Processos C-466/98, C-467/98, C-468/98, C-469/98, C-471/98,

C-472/98, C-475/98, C-476/98 e ainda C523/04.

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do respeito pelas liberdades comunitárias. Neste caso, a Comissão Europeia contestou no Tribunal de Justiça os acordos de “open skies” celebrados entre nove Estados-membros e os Estados Uni-dos com base na falta de competências dos Estados e com base na violação da liberdade de estabelecimento, dado que os ditos acordos continham cláusulas que permitiam aos Estados Unidos recusar autorizações a transportadoras cuja propriedade e contro-lo efectivo não pertencesse a nacionais dos Estados Unidos ou desses Estados-membros. O Tribunal considerou que havia vio-lação da liberdade de estabelecimento e do respectivo dever de tratamento nacional.

Há alguma doutrina que, baseando-se também nos já mencionados acórdãos “open skies” e partindo do princípio da cooperação leal (art. 4.º/3 do Tratado da União Europeia), defende que os Estados devem inclusive procurar pôr fim aos acordos internacionais que tenham celebrado e que estejam em desconformidade com o direito da União18 19.

Resulta assim que a liberdade dos Estados em matéria de tributação directa é pois conformada pelo respeito das liberdades da União. Como diz o Tribunal no acórdão Schumacker, «embora, no estado actual do direito comunitário, a matéria dos impostos direc-tos não se encontre enquanto tal incluída na esfera de competên-cias da Comunidade, não é menos certo que os Estados-membros devem exercer as competências que detêm respeitando o direito comunitário»20. Neste sentido vão também os acórdãos Columbus

18 Luc hinnEKEns, «Compatibility of Bilateral Tax Treaties with EC Law», EC Tax Review, 3/4 (1994) 148

19 Vide, noutro contexto, Acórdão AETR, processo 22/70, ponto 21 da fundamentação.

20 Processo C-279/93, ponto 21.

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Container Service e Bouanich,21 estes versando sobre convenções de dupla tributação. E mesmo que não caiba às autoridades do Esta-do-membro a recusa do benefício, não tem aceitação o argumento que o Reino Unido aduziu no seu acórdão “open skies”, «de que a faculdade de recusar direitos de tráfego a companhias aéreas que não são controladas nem detidas pelo Reino Unido ou por na-cionais britânicos é uma opção soberana dos Estados Unidos da América, que o Reino Unido não estava em posição de influenciar ou proibir»22. A partir do momento em que o Estado-membro te-nha acordado com outro Estado a possibilidade de discriminação, a violação do direito comunitário ser-lhe-á imputável23.

Assim esclarecidos relativamente à primazia do Direito Comunitário sobre as convenções internacionais, resta-nos agora saber se as provisões recomendadas pela OCDE no seu Plano de Acção são ou não compatíveis com o Direito da União Europeia.

2. A compatibilidade de cláusulas de limitação de benefícios com o Direito da União

A OCDE desenhou uma cláusula de limitação de benefí-cios, prevista no relatório relativo à acção 6, Preventing the Granting of Treaty Benefits in Inappropriate Circumstances. Para além das pessoas singulares, que serão sempre “residentes qualificados”, limitam-se então os benefícios da convenção de dupla tributação:

21 Processo C298/05, pontos 27 e 28 e processo C265/04, ponto 28, respectivamente.

22 Processo C-466/98, ponto 35.23 Processo C-466/98, ponto 51.

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• a pessoas colectivas de população e território e entida-des detidas na totalidade por estes entes;24

• a pessoas colectivas sem fins lucrativos reconhecidas;• a fundos de pensões e entidades gestoras destes fun-

dos;• às demais pessoas colectivas, desde que se verifiquem

determinados testes. São eles:• o teste da cotação em mercado de valores mobiliários

reconhecido (divisível em “direct publicly traded test” e “indirect publicly traded test”)

• o teste da propriedade e da erosão da base• o teste dos beneficiários derivados (derivative benefits).

Há ainda determinadas concessões que são feitas a deter-minados rendimentos, que são abordadas nos pontos 3, 5 e, po-tencialmente, também em relação ao teste dos beneficiários de-rivados. Referimo-nos ao teste da “active conduct of business” (que traduzimos aqui como actividade comercial substantiva) e à possibilidade de as autoridades competentes concederem benefí-cio a determinado rendimento (teste subjectivo).25 Para finalizar, a OCDE inclui também uma regra de combate ao abuso em geral, o “principal purpose test”.

A ideia geral de restringir os benefícios de determinada convenção de dupla tributação apenas a residentes, e mesmo estes definidos restritamente com recurso a um conceito de “residente qualificado”, parece desde logo confrontar as liberdades comunitá-

24 Poderão neste ponto os Estados fazer as suas observações quanto ao tratamento de fundos de investimento soberanos.

25 Este último teste também pode resultar na concessão dos benefícios da convenção em geral, e não apenas em relação a determinados rendimentos em particular.

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rias de circulação de capitais e, especialmente, a liberdade de estabe-lecimento, de tal modo que, em 2005, a Comissão Europeia publi-cou um documento onde se tratava precisamente esse problema.26 Nesse documento afirma-se o potencial incumprimento do Direito comunitário resultante da inclusão de determinadas cláusulas anti--abuso, nomeadamente a cláusula de limitação de benefícios27.

Pistone defendia que não há diferenças estruturais entre a cláusula da nacionalidade desconforme dos acórdãos “open skies” e as cláusulas de limitação de benefícios, afirmando que o Tribunal de Justiça da União Europeia devia reconciliar as cláusulas de limi-tação dos benefícios com a jurisprudência “open skies”.28

O acórdão ACT Class IV29 é muito relevante neste âmbito. O Reino Unido previa uma tributação antecipada para as empresas que distribuíssem dividendos (Advance Corporation Tax, ou ACT), sendo que uma companhia residente ou um indivíduo residente recipientes de dividendos teriam direito a um crédito de imposto equivalente ao que tinha sido pago antecipadamente pela socieda-de distribuidora. Os não residentes não teriam direito a este cré-dito de imposto, a menos que estivesse expressamente previsto numa convenção de dupla tributação.30

26 comissão EUroPEiA, EC Law and Tax Treaties, Working Document (2005), referência: TAXUD E1/FR DOC (05) 2306.

27 Vide p. 8, ponto 19.28 Pasquale PistonE, «The Impact of European Law on the relations with

Third countries in the field of direct taxation», Intertax, 34/5 (2006) 239. O autor estava expectante em relação ao processo ACT Class IV, na altura ainda pendente. No mesmo sentido, Braedon clArK, «The Limitation of Benefits Clause under an Open Sky», European Taxation, 43/1 (2003).

29 Processo C-374/04.30 Nem todas as convenções de dupla tributação que o Reino Unido pre-

viam esse crédito de imposto, e as que o previam não o concediam todas na mesma medida.

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O órgão de reenvio questionou directamente, neste proces-so, acerca da admissibilidade da distinção feita pelo Reino Unido por via das suas convenções de dupla tributação, nomeadamente se era admissível o «Estado Membro A (como o Reino Unido) não conferir o direito a um crédito de imposto parcial, relativamente aos dividendos em causa, a uma sociedade residente num Estado Membro C (como os Países Baixos) controlada por uma sociedade residente num Estado Membro B (como a Alemanha), quando o Estado Membro A aplica disposições de convenções para evitar a dupla tributação que conferem esse direito»31. O Tribunal respon-deu que «quanto ao mecanismo destinado a evitar ou a atenuar a dupla tributação económica através da concessão de um benefício fiscal ao accionista final, importa referir que, normalmente, o Es-tado-Membro de residência deste último é o mais bem colocado para avaliar a capacidade contributiva pessoal do referido accionis-ta»,32 mas, mais importante para o nosso estudo, é que o Tribunal aceitou a bilateralidade inerente às convenções de dupla tributação como justificação para o tratamento diferenciado entre residen-tes de diferentes Estados-membros. Concluiu o Tribunal que «a concessão de um crédito de imposto … não pode ser considerada um benefício destacável do resto das referidas convenções, antes sendo sua parte integrante e contribuindo para o seu equilíbrio geral»33, na esteira do Acórdão D.34 35

31 Acórdão ACT Class IV, processo C-374/04, ponto 29.32 Acórdão ACT Class IV, processo C-374/04, ponto 60.33 Acórdão ACT Class IV, processo C-374/04, ponto 88.34 Processo C-376/03.35 O seguimento da jurisprudência do acórdão D no caso ACT Class IV

foi muito criticado pela doutrina – Pasquale PistonE, «Tax Treaties and the Internal Market in the New European Scenario», Intertax, 35/2 (2007); e José Calejo GUErrA, «Limitation on Benefits Clauses and EU Law», European Taxation, 51/2-3 (2011).

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O caso D é um caso sobre um imposto sobre o património que os Países Baixos aplicavam sobre a totalidade do património global dos seus residentes e sobre o património neerlandês de não residentes, sendo que, para os seus residentes, o Reino dos Países Baixos concedia deduções e abatimentos. Um cidadão residente na Alemanha, que tinha cerca de 10% do seu património situado nos Países Baixos, reclamou à Administração tributária neerlandesa as deduções e abatimentos previstos na lei desse país para os sujeitos aí residentes.

Tratar-se-ia, segundo D, de uma restrição ao livre movi-mento de capitais (cuja proibição está hoje no art. 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia). Defendia o reque-rente que a doutrina do acórdão Schumacker36, segundo a qual há que distinguir entre residentes e não residentes, visto que estes não estão em situação comparável, não era aplicável em virtude da di-ferente natureza da fortuna e do rendimento («importa pouco … que o essencial da fortuna do sujeito passivo esteja concentrado no seu Estado de residência»37) - aliás, «a circunstância de os não residentes estarem sujeitos ao imposto sobre a fortuna de modo limitado ... enquanto os residentes estão sujeitos a este imposto de modo ilimitado»38, deriva da delimitação da competência fiscal dos Estados e não de uma diferença objectiva. Segundo a doutrina firmada pelo tribunal, «a situação do residente é diferente da do não residente, na medida em que o essencial dos seus rendimentos está normalmente centralizado no Estado de residência»39, o que não se verifica no caso do património. O Tribunal não aceitou este argumento. Também a fortuna se encontra normalmente concen-

36 Processo C-279/93.37 Acórdão D, processo C-376/03, ponto 22.38 Acórdão D, processo C-376/03, ponto 21.39 Acórdão D, processo C-376/03, ponto 27.

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trada no Estado da residência, e ademais, só o Estado de residên-cia tem capacidade para avaliar a situação contributiva global do sujeito passivo para lhe conceder as deduções correspondentes.

Outro argumento deduzido por D era que havia no orde-namento neerlandês uma importante discriminação adicional – é que os Países Baixos concediam deduções a residentes na Bélgica, ao abrigo de uma convenção de dupla tributação. Sucedia então que um residente na Bélgica, com 10% do seu património situado nos Países Baixos, usufruiria de deduções. Havia aqui, segundo D, uma situação discriminatória.

O Tribunal entendeu que, considerando o espaço de liber-dade de conformação dos Estados-membros do seu respectivo ordenamento jurídico, em especial no que concerne à tributação directa, e ainda considerando que as Convenções de Eliminação de Dupla Tributação têm, ex natura, a sua aplicação limitada aos residentes dos Estados-membros contratantes, não estão em situação comparável um residente da Bélgica e um residente da Alemanha face ao ordenamento jurídico neerlandês.

Este caso responde ao problema de saber se uma delimi-tação estrita de residência não é contrária ao Direito Comunitário por constituir uma discriminação indirecta. De facto, consideran-do que as Convenções de Dupla Tributação são uma realidade uni-tária e bilateral, cujo equilíbrio é necessário preservar, evitam-se muitas dificuldades na celebração e manutenção destas conven-ções com países terceiros.40

O caso D releva ainda e especialmente noutro sentido – o Tribunal admite que um Estado pode conceder determinado bene-fício a residentes de um Estado-membro e recusá-lo a membros de

40 E evitava as confusões previstas por Luc hinnEKEns, «Compatibility of bilateral tax treaties with European Community law. The rules », EC Tax Re-view, 3/4 (1994) 152-154.

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outro Estado-membro. Encontra-se, pois, afastada a ideia de prefe-rência comunitária, a aplicação, no seio da União, do princípio da nação mais favorecida, segundo o qual um Estado deveria conceder, aos residentes de outros Estados-membros, o tratamento que mais favorável que concedesse a residentes de qualquer outro Estado.41

Admite-se pois que um Estado procure limitar os efeitos das convenções de dupla tributação que celebra aos seus verdadei-ros destinatários, residentes do outro Estado. O que não implica, desde logo, que os requisitos de que faz depender a obtenção de benefícios sejam, sem mais, admissíveis.

3. Compatibilidade dos vários requisitos da cláusula de limitação de benefícios propostos pela OCDE com o Direito da União

3.1. O teste da cotação em mercado de valores mobiliários reconhecido

A proposta da OCDE abre com o requisito da cotação em mercado de valores mobiliários reconhecido. Este requisito pode ser ainda desdobrado em dois testes: o “direct publicly traded test” e o “indirect publicly traded test”.42

Segundo este teste, é considerada residente qualificado a pessoa colectiva cujas participações sociais estejam cotadas em bolsa de valores mobiliários reconhecida, devendo, alternativa-mente, as respectivas acções ordinárias ser transaccionadas numa bolsa de valores reconhecida do Estado da residência, ou a direc-ção efectiva da sociedade estar no Estado da residência.

41 Para uma análise deste conceito em relação à cláusula de limitação de benefícios, vide Anitza ZEstEr, «Can the most-favoured nation principle influen-ce the use of Limitation on Benefits clauses in tax treaties?», Intertax, 34/3 (2006).

42 Vide art. X/2/c), na proposta de cláusula que reproduzimos em apên-dice a este trabalho.

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Este teste reconhece que dificilmente uma sociedade cujas acções são transaccionadas publicamente foi estabelecida com propósito fraudulento.43 Depois serão também elegíveis para ob-ter os benefícios da convenção as subsidiárias destas sociedades, definindo-se estas em relação à detenção de 50% dos votos e do valor das acções ordinárias e ainda 50% de qualquer categoria de acções preferenciais. Estes sub-requisitos são cumulativos, e estes direitos podem ser detidos directa ou indirectamente (neste último caso, com recurso até cinco sociedades intermediárias) – trata-se aqui do “indirect pubicly traded test”.

Estabelecer a cotação em mercados de valores mobiliários reconhecidos traz os seus problemas em sede de compatibilidade com o Direito da União, como foi reconhecido por alguns em res-posta à proposta da OCDE.44

No acórdão Royal Bank of Scotland,45 a República Helénica estabelecia um regime de tributação diferenciado consoante a for-ma, o tipo de acções emitidas, e se estas estavam cotadas na Bolsa de Valores de Atenas. Para as sociedades anónimas gregas cotadas na Bolsa de Atenas, a taxa aplicável era de 40%. Para as demais so-ciedades gregas e para as sociedades estrangeiras a taxa era de 35%.

O Governo Helénico defendia esta posição afirmando que a tributação mais favorável das empresas cotadas em bolsa se jus-tificava por razões de desenvolvimento económico e que, ademais, 80% das sociedades anónimas gregas estavam sujeitas à taxa de 40%. Considerava que a questão era da compatibilidade de uma

43 ocdE, Preventing the Granting of Treaty Benefits in Inappropriate Circum-stances, 35, ponto 11.

44 PricEwAtErhoUsEcooPErs, PwC’s comments on Action 6, disponível em <http://www.pwc.com/gx/en/tax/tax-policy-administration/beps/assets/trea-ty-abuse-april-2014.pdf>, 3.

45 Processo C-311/97.

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norma que previa uma taxa de 40% para as sociedades estrangei-ras bem como para as sociedades gregas, que, excepcionalmente, poderão usufruir de uma taxa de 35%.

Como os bancos gregos estavam, por força de outra lei, a cotar as suas acções na Bolsa de Atenas, a taxa ordinária para os bancos nacionais era de 35%. O Royal Bank of Scotland operava na Grécia através de uma sucursal que foi sujeita, pela Administra-ção Tributária grega, a uma taxa de 40%.

O Governo francês alegava aqui46 que os critérios da forma e do tipo de acções não levantavam nenhuma questão, de per si, de discriminação, mas o mesmo já não se poderia dizer do requisito da cotação na Bolsa de Atenas. Deveria, nesta linha, ser admissível que a sociedade estivesse cotada em Bolsa em qualquer Estado--membro e não apenas na Bolsa de Atenas, sob pena de estarmos perante uma discriminação indirecta.

O Tribunal não abordou esta questão, apesar da exposição do Governo francês. Mas cremos que aqui estava também uma segunda questão de discriminação e que, se viesse a ser alterada a legislação de modo a fazer do factor “cotação na Bolsa de Atenas” o factor essen-cial, esta seria declarada desconforme ao Direito Comunitário.

Neste âmbito a proposta da OCDE enfrenta problemas. Como se viu, erigir a cotação em Bolsa no Estado da residência como requisito é discriminatório.

Notamos ainda que, apesar de a proposta da OCDE apresentar alguma abertura neste ponto,47 a prática mostra que os esforços para alargar o reconhecimento a bolsas de valores

46 Para a posição do Governo francês, vide pontos 24 a 26 da Opinião do Advogado-Geral, processo C-311/97.

47 ocdE, Preventing the Granting of Treaty Benefits in Inappropriate Circum-stances, 36, ponto 36.

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externas ao país da residência têm falhado.48 Deve fazer-se refe-rência no texto da convenção a bolsas de valores mobiliários reco-nhecidas no Espaço Económico Europeu, em vez de se remeter para protocolos posteriores.

3.2. O teste da propriedade e da erosão da base

O teste da propriedade e da erosão da base49 estende os benefícios da convenção às entidades controladas, detidas e cria-das para benefício de indivíduos, pessoas colectivas públicas de população e território, fundos de pensões e entidades gestoras de fundos de pensões, organizações sem fins lucrativos reconhecidas e ainda as sociedades que cumprirem com o “direct publicly traded test” que vimos supra (são os chamados beneficiários equivalen-tes50). Este critério da propriedade avalia-se em relação ao limiar de 50% - beneficiários equivalentes devem deter, directa ou indirecta-mente, pelo menos metade do valor das acções ordinárias, metade do poder de voto, e, se as houver, metade das acções preferenciais. No que concerne a este teste, o rascunho da OCDE refere que podem as participações sociais (ou interesses) ser detidas directa ou indirectamente, sendo que os proprietários indirectos devem ser residentes desse Estado contratante51 (imposição que levanta alguns problemas que trataremos adiante).

O critério da erosão da base refere-se à titularidade dos pagamentos, sendo que mais de metade do rendimento bruto

48 René offErmAnns (relator), «Tax treaties in conflict with the EC Trea-ty: The incompatibility of anti-abuse provisions and EC Law (Conference 13 March 1993, Fiscal Institute of Tilburg)», EC Tax Review, 4/2 (1995) 97-99.

49 Art. X/2/e) da proposta em apêndice.50 Art. X/6/f)/ii) da proposta.51 OCDE, Preventing the Granting of Treaty Benefits in Inappropriate Circum-

stances, 40, ponto 26.

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(excluindo pagamentos feitos no curso normal da actividade por serviços ou propriedade tangível)52 deve acrescer a beneficiários equivalentes residentes em qualquer dos Estados contratantes.

Impõe-se aqui um importante problema. Prima facie, limitar os benefícios a entidades detidas por residentes pode constituir um entrave injustificado à liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49 do Tratado de Funcionamento da União Europeia. Para responder a este problema trazemos à colação o acórdão Saint-Gobain.53

A Saint-Gobain, através de uma sucursal na Alemanha, de-tinha uma série de participações sociais noutras empresas – uma sociedade suíça, uma sociedade austríaca e ainda uma sociedade italiana. A Alemanha tinha então acordos de dupla tributação com os Estados Unidos e com a Suíça que previam a isenção dos rendi-mentos de dividendos do imposto sobre as sociedades alemão. À luz dessas convenções, esse benefício estaria reservado às socieda-des residentes na Alemanha, pelo que a Administração tributária alemã recusou a concessão desta isenção à Saint-Gobain NZ, o estabelecimento estável da Saint-Gobain SA na Alemanha. Havia ainda a questão de um benefício de imputação do imposto so-bre os lucros das sociedades-filiais à sociedade-mãe, mas por essa questão ser meramente interna não a trabalharemos aqui.

Parece-nos um problema análogo àquele que se visa abordar no plano de acção 6 com a cláusula de limitação de benefícios. Como vimos, esta cláusula limita a aplicabilidade das convenções de dupla tributação e respectivos benefícios aos “residentes qualificados”.

Estando em causa a liberdade de movimentos de capitais,

52 OCDE, Preventing the Granting of Treaty Benefits in Inappropriate Circum-stances, 40-41, ponto 29.

53 Processo C-307/97.

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o Governo alemão contra-alegou que: i) as sociedades residentes e não-residentes não estão em situação comparável; ii) estava em causa uma convenção de dupla tributação, fora da esfera de com-petências da Comunidade; iii) estava em causa a perda de receitas iv) os estabelecimentos estáveis gozam de outras vantagens de que as sociedades residentes não usufruem. Quanto a estes dois últi-mos aspectos, o Governo alemão avançou que «não tendo perso-nalidade jurídica distinta, os estabelecimentos estáveis não podem distribuir os seus lucros à sociedade principal, como fazem as fi-liais independentes, sob a forma de dividendos.»54

O Tribunal não aceitou estas justificações - respondeu que «a recusa de concessão dessas vantagens às sociedades não-resi-dentes que explorem na Alemanha um estabelecimento estável tem por consequência que a sua obrigação fiscal, teoricamente li-mitada aos rendimentos e ao património “nacionais”, incida, na realidade, sobre dividendos de fonte estrangeira e sobre participa-ções em sociedades de capitais estrangeiras.»55 Considerou ainda que, tendo os estabelecimentos estáveis vantagens, «não podem justificar uma violação da obrigação, enunciada no artigo 52.° do Tratado, de conceder o tratamento nacional no que concerne às vantagens fiscais em questão»56. Assim, concluiu que «o princípio do tratamento nacional exige ao Estado-Membro parte na referida convenção que conceda aos estabelecimentos estáveis das socie-dades não-residentes os benefícios previstos pela convenção, nas mesmas condições que são aplicáveis às sociedades residentes.»57

Em resposta a observações do Governo Sueco, o Tribunal disse que tal extensão em nada prejudicava os direitos dos países

54 Acórdão Saint-Gobain, processo C-307/97, ponto 52.55 Acórdão Saint-Gobain, processo C-307/97, ponto 41.56 Acórdão Saint-Gobain, processo C-307/97, ponto 53.57 Acórdão Saint-Gobain, processo C-307/97, ponto 58.

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terceiros nem lhes impunha obrigações novas.Como se viu neste acórdão, os Estados-membros podem

ser obrigados a alargar a concessão de determinado benefício quando não estejam em causa as obrigações do outro Estado con-tratante. Mas sucede que, numa extensão da abrangência de um benefício previsto numa convenção de dupla tributação, a outra parte está sempre em causa, desde logo porque pode deixar aberto um buraco de dupla não tributação que os Estados têm natural interesse em tentar evitar. Aliás, o relatório da administração fiscal norte-americana Tax Havens and their Use by United States Taxpayers vai no sentido de negar benefícios a todas as entidades detidas por residentes de países terceiros.58

A doutrina do acórdão Saint-Gobain não se opõe apenas à ideia geral de limitação de benefícios – aliás, como vimos já no acórdão D, a aplicação da doutrina da nação mais favorecida às convenções de dupla tributação foi rejeitada – mas deve consi-derar-se oposta à limitação dos benefícios a entidades detidas por residentes qualificados. Se, como vimos, um Estado deve estender a estabelecimentos estáveis os benefícios das suas convenções de dupla tributação, por maioria de razão, deverá também reconhecê--los a entidades com personalidade jurídica detidas por residentes de outros Estados-membros.

3.3. O teste dos beneficiários derivados

O número 4.º do artigo X da proposta alarga o conceito de “residente qualificado” a uma companhia residente de qualquer

58 Richard Gordon, Tax havens and their use by United States taxpayers : an overview : a report to the Commissioner of Internal Revenue, the Assistant Attorney General (Tax Division) and the Assistant Secretary of the Treasury (Tax Policy), Washington: De-partment of the Treasury / Internal Revenue Service, 1981, 172-173.

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dos Estados contratantes, desde que se verifiquem o requisito da erosão da base (que vimos já) e o requisito da propriedade, que é aqui mais apertado. O número 4.º exige que menos de sete beneficiários equivalentes detenham pelo menos 95% do valor das acções ordinárias e dos direitos de voto e pelo menos me-tade de qualquer categoria de acções preferenciais. No caso da detenção indirecta, propõe a OCDE, os detentores intermediários deverão ser, todos eles, beneficiários equivalentes.

Para saber se este último ponto enfrenta problemas de compatibilidade com a liberdade de estabelecimento prevista nos Tratados, analisamos um acórdão do Tribunal de Justiça relativo à limitação do rastro de propriedade – o acórdão Papillon,59 que resolveu uma disputa entre a Société Papillon e a administração fiscal francesa.

O Côde Général des Impôts previa que uma sociedade pudesse ser tributada pelo resultado consolidado do grupo que esta enca-bece, ou seja, pelos seus próprios resultados e ainda pelos resulta-dos das empresas de que detenha pelo menos 95% do capital so-cial, fossem estas detidas directamente ou indirectamente. Mas só podiam fazer parte do grupo as sociedades que estivessem sujeitas a imposto sobre as sociedades em França.

A Société Papillon detinha, em 1989, 1990 e 1991, 100% de uma sociedade holandesa que, por sua vez, detinha 99,99% do capital de uma outra sociedade francesa. A Administração tribu-tária negou esse benefício da tributação pelo lucro consolidado à Papillon, dado que a segunda sociedade francesa era detida por uma sociedade que não pagava qualquer imposto em França (se a sociedade holandesa tivesse em França um estabelecimento está-vel, então a Papillon já poderia usufruir deste regime). A Papillon

59 Processo C-418/07.

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alegou violação da sua liberdade de estabelecimento.Tratar-se-ia, segundo o Tribunal, de uma restrição proibi-

da, «na medida em que desfavorecem, no plano fiscal, as situações comunitárias em comparação com as situações puramente inter-nas».60 O Governo francês, face a isto, alegou a necessidade de compensar as perdas dentro do grupo e lutar contra a evasão fiscal – justificações afastadas pelo Tribunal. Pôs-se ainda a necessidade de preservar a coerência do sistema fiscal, visto que o regime neu-tralizava determinados negócios realizados entre as sociedades, e evitava uma dupla compensação das perdas.61

O Tribunal entendeu que a França restringiu a liberdade de estabelecimento e que, tendo ao seu alcance medidas menos restritivas da liberdade de estabelecimento, essa restrição não en-contrava justificação.

Decorre desta jurisprudência que a cláusula de limitação de benefícios deverá adequar-se à liberdade de estabelecimento no seio da União Europeia, permitindo que seja detentor intermediá-rio qualquer residente da União Europeia ou do Espaço Econó-mico Europeu.62

3.4. O teste da actividade comercial substantiva

O número 3.º estatui que serão ainda concedidos benefícios em relação a determinados rendimentos, independentemente de o residente ser ou não um residente qualificado, se este estiver envolvido em actividade comercial substantiva (“active conduct of

60 Acórdão Papillon, processo C-418/07, ponto 32.61 As perdas da subfilial, quando a filial não seja residente, seriam com-

pensadas duas vezes – a primeira vez pelas perdas da própria subfilial e a segunda pelas provisões da sociedade-mãe para compensação das perdas da filial.

62 Com fundamento diferente, mas resultado igual, José cAlEjo GUErrA, «Limitation on Benefits Clauses and EU Law»..

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business”) no Estado da residência, não se incluindo nesta noção fazer ou gerir investimentos.63 Esta “actividade substantiva” refe-re-se a actividades operacionais e de gestão substanciais, ou seja, o sujeito desempenha, facticamente, uma actividade negocial – uma empresa que funciona apenas como sede não cumprirá este crité-rio.64 O rendimento obtido no outro Estado (e beneficiário da con-venção) deve ter sido obtido em ligação com,65 ou incidentalmente à actividade que pratica no Estado da residência, e essa actividade deve ser substancial em relação à actividade que leva a cabo no outro Estado, tendo em conta as características das economias de um e outro Estados.

Este teste parece ser uma simples aplicação do princípio de “substância sobre a forma” e não levanta, a nosso ver, problemas de compatibilidade com o Direito da União.66

3.5. Teste subjectivo

A proposta prevê ainda a possibilidade de a autoridade competente conceder o benefício apesar de o sujeito candidato não se qualificar ao abrigo dos demais requisitos da cláusula de li-mitação de benefícios, caso verifique que o estabelecimento e ma-

63 A menos, claro está, que a entidade em causa seja uma instituição fi-nanceira.

64 ocdE, Preventing the Granting of Treaty Benefits in Inappropriate Circum-stances, 48, pontos 47-48.

65 Este “em ligação” refere-se a actividades dentro da mesma linha de negócio – quando as actividades tratam dos mesmos tipos de produtos e serviços ou, quando essas actividades partilhem o mesmo risco negocial – id est, o sucesso ou o fracasso de determinada actividade contribua para o sucesso ou fracasso da outra. Assim, ocdE, Preventing the Granting of Treaty Benefits in Inappropriate Circumstances, 48-50.

66 Há até quem considere que este critério “salva” a incompatibilidade das demais disposições - Eric KEmmErEn, «Where is EU Law in the OECD BEPS discussion?», EC Tax Review, 23/4 (2014).

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nutenção da sua residência e as suas operações não foram levadas a cabo tendo como principal propósito a obtenção de benefícios da convenção - art. X/5. Autoridade competente será a adminis-tração fiscal do Estado do qual se pretende obter o benefício - normalmente será o Estado que não o da residência, mas não é necessário que assim seja.

Poderia ver-se este último teste como possibilidade de compatibilizar as demais cláusulas com o direito comunitário, na medida em que possibilita que as administrações fiscais corrijam os excessos formalistas dos testes anteriores. Contudo, parece-nos inadequado fazer depender o cumprimento das liberdades previs-tas nos tratados de um acto administrativo, que pode vir ou não a ser praticado em resultado de um moroso cumprimento adminis-trativo,67 com grande prejuízo para a segurança jurídica dos parti-culares.

Assim também o decidiu o Tribunal de Justiça. No acór-dão Comissão vs França,68 a França mantinha na sua legislação uma disposição violadora da liberdade de prestação de serviços. In casu, tratava-se de uma norma que restringia o transporte marítimo en-tre os portos do mesmo departamento ultramarino, e ainda entre os portos de Guadalupe, da Guiana e de Martinica, a embarcações de pavilhão francês. Esta restrição podia ser afastada por acto ad-ministrativo da administração marítima local. A França alegou que garantia a aplicação do direito comunitário através de uma circular.

O Tribunal considerou que «a incompatibilidade da legis-lação nacional com as disposições comunitárias, mesmo directa-mente aplicáveis, não pode ser definitivamente eliminada senão

67 PricEwAtErhoUsEcooPErs, PwC’s comments on Action 6, disponível em <http://www.pwc.com/gx/en/tax/tax-policy-administration/beps/assets/trea-ty-abuse-april-2014.pdf>, 7.

68 Processo C-160/99.

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através de normas internas de carácter coercivo com o mesmo valor jurídico que as que devem ser modificadas … nem a circu-lar nem a simples remissão para o regulamento na nota de pé de página podem ser qualificadas de disposições com tal natureza».69

Noutro acórdão, relativo a tributação do rendimento, o entendimento do Tribunal foi semelhante. No caso Biehl,70 o Lu-xemburgo não devolvia o excesso de imposto de rendimento co-brado por retenção na fonte a quem deixasse de ser residente du-rante o decurso do ano, o que constituía um impedimento à livre circulação de trabalhadores.

A administração fiscal luxemburguesa contra-alegou que o Luxemburgo previa um procedimento administrativo destinado a corrigir as injustiças decorrentes da aplicação desse normativo. O Tribunal não aceitou este argumento, dado que o Luxemburgo não demonstrou que a administração estava vinculada a remediar todas as situações de sobre-dedução.

3.6. Principal purpose test

O “principal purpose test” insere-se no âmbito da cláu-sula de limitação de benefícios. Incluído no número 7 do art. X do rascunho, estatui que nenhum benefício será concedido se for razoável concluir que obter o benefício era um dos principais ob-jectivos do negócio ou do esquema que, directa ou indirectamente, deu origem ao benefício. Este teste é um teste, ainda que baseado numa avaliação objectiva, propositadamente aberto.71

Kemmeren vê nesta disposição duas falhas: i) a incerteza

69Acórdão Comissão vs França, processo C-160/99, ponto 23.70 Processo C-175/88.71 ocdE, Preventing the Granting of Treaty Benefits in Inappropriate Circum-

stances, 68 e ss.

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gerada pela expressão “se for razoável concluir”; ii) a desconformi-dade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Euro-peia do significado da expressão “um dos principais objectivos.”72

Quanto à incerteza gerada pela expressão “se for razoá-vel concluir”, este autor baseia-se no acórdão Itelcar.73 Estava em causa que o termo “relações especiais” não estava suficientemente definido, que não satisfazia o princípio da segurança jurídica, e que, por isso, não poderia constituir uma restrição das liberdades fundamentais justificada. Pondo de lado os problemas intrínsecos a este acórdão, cremos que Kemmeren não tem razão. Se, de facto, uma expressão como “relações especiais” é ambígua, o mesmo não se pode dizer de uma expressão como “um dos principais objectivos”, que, apesar de ser um critério mais aberto, não traz grandes dúvidas quanto ao seu possível conteúdo hermenêutico. Ademais, é um teste subjectivo deste género que o Tribunal de Justiça manda aplicar em vários acórdãos.74

Quanto ao segundo ponto, a divergência entre as expres-sões “o principal objectivo” da jurisprudência comunitária75 e “um dos principais objectivos” da proposta da OCDE, também não tem cabimento. De facto, o Tribunal de Justiça, tendo sido chama-do a clarificar a doutrina do acórdão Halifax, disse que «quando observou, no n.° 82 do mesmo acórdão, que, em todo o caso, as operações em causa no processo principal tiveram o único ob-jectivo de obter uma vantagem fiscal, o Tribunal de Justiça não elevou essa circunstância à categoria de condição da existência de uma prática abusiva, tendo simplesmente sublinhado que, no lití-

72 Eric KEmmErEn, «Where is EU Law in the OECD BEPS discussion?».73 Processo C-282/12.74 Acórdão Part Serice, processo C-425/06, ponto 58; Acórdão Halifax,

processo C-255/02.75 Acórdão Halifax, processo C-255/02, ponto 81.

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gio submetido ao órgão jurisdicional de reenvio, o limiar mínimo que permite qualificar uma prática de abusiva tinha sido ultrapas-sado».76 Parece assim bastante claro de que não se deve fazer uma leitura literal da expressão do acórdão Halifax, e que se admitirá um “principal purpose test” como aquele que a OCDE prevê.

Iii. conclUsões

As considerações de incompatibilidade da acção do Plano da OCDE contra a BEPS face ao Direito da União Europeia são, em parte, justificadas. De facto, o Plano da OCDE não considera suficientemente os desafios que a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia põe à adopção das suas propostas pela maior parte dos seus membros. Dos testes objectivos contidos na cláusula de limitação de benefícios, apenas um é admissível sem mais; os demais são contrários ao Direito da União e requerem correcções significativas. Quanto ao teste subjectivo da cláusula de limitação de benefícios, este não responde a qualquer problema e trata-se apenas de uma última salvaguarda a que o sujeito passivo poderá recorrer apenas com grandes custos em termos de tempo.

Quanto ao “principal purpose test”, apenas aparentemente levanta problemas. Uma análise da jurisprudência leva-nos a con-cluir que está em linha com o Direito da União.

76 Acórdão Part Serice, processo C-425/06, ponto 44.

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apêndice

ARTICLE X

ENTITLEMENT TO BENEFITS

1. Except as otherwise provided in this Article, a resident of a Con-

tracting State shall not be entitled to a benefit that would otherwise

be accorded by this Convention (other than a benefit under para-

graph 3 of Article 4, paragraph 2 of Article 9 or Article 25), unless

such resident is a “qualified person”, as defined in paragraph 2, at

the time that the benefit would be accorded.

2. A resident of a Contracting State shall be a qualified person at a

time when a benefit would otherwise be accorded by the Conven-

tion if, at that time, the resident is:

a) an individual;

b) a Contracting State, or a political subdivision or local authority

thereof, or a person that is wholly-owned by such State, political

subdivision or local authority;

c) a company or other entity, if, throughout the taxable period that

includes that time

i) the principal class of its shares (and any disproportio-nate class of shares) is regularly traded on one or more recognised stock exchanges, and either: A) its principal class of shares is primarily traded on

one or more recognised stock exchanges located in the Contracting State of which the company or en-tity is a resident; or

B) the company’s or entity’s primary place of mana-

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gement and control is in the Contracting State of which it is a resident; or

ii) at least 50 per cent of the aggregate voting power and value of the shares (and at least 50 per cent of any disproportionate class of shares) in the company or entity is owned directly or indirectly by five or fewer companies or entities entitled to benefits under sub-division i) of this subparagraph, [provided that, in the case of indirect ownership, each intermediate owner is a resident of either Contracting State];

d) a person, other than an individual, that i) is a [list of the relevant non-profit organisations found

in each Contracting State], ii) was constituted and is operated exclusively to adminis-

ter or provide pension or other similar benefits, provi-ded that more than 50 per cent of the beneficial inte-rests in that person are owned by individuals resident in either Contracting State, or

iii) was constituted and is operated to invest funds for the benefit of persons referred to in subdivision ii), pro-vided that substantially all the income of that person is derived from investments made for the benefit of these persons;

e) a person other than an individual, if i) on at least half the days of the taxable period that inclu-

des that time, persons who are residents of that Con-tracting State and that are entitled to the benefits of this Convention under subparagraph a), b) or d), or subdivision i) of subparagraph c), of this paragraph own, directly or indirectly, shares representing at least

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50 per cent of the aggregate voting power and value (and at least 50 per cent of any disproportionate class of shares) of the person, [provided that, in the case of indirect ownership, each intermediate owner is a resi-dent of that Contracting State], and

ii) less than 50 per cent of the person’s gross income , as determined in the person’s Contracting State of resi-dence, for the taxable period that includes that time is paid or accrued, directly or indirectly, to persons who are not residents of either Contracting State entitled to the benefits of this Convention under subparagraph a), b) or d), or subdivision i) of subparagraph c), of this paragraph in the form of payments that are deductible for purposes of the taxes covered by this Convention in the person’s Contracting State of residence (but not including arm’s length payments in the ordinary course of business for services or tangible property);

f) [omitido]3.

a) A resident of a Contracting State will be entitled to bene-fits of this Convention with respect to an item of income derived from the other Contracting State, regardless of whether the resident is a qualified person, if the resident is engaged in the active conduct of a business in the first--mentioned Contracting State (other than the business of making or managing investments for the resident’s own account, unless these activities are banking, insurance or securities activities carried on by a bank or [list financial institutions similar to banks that the Contracting States agree to treat as such], insurance enterprise or registered

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securities dealer respectively), and the income derived from the other Contracting State is derived in connection with, or is incidental to, that business.

b) If a resident of a Contracting State derives an item of in-come from a business activity conducted by that resident in the other Contracting State, or derives an item of inco-me arising in the other Contracting State from an associa-ted enterprise, the conditions described in subparagraph a) shall be considered to be satisfied with respect to such item only if the business activity carried on by the resident in the first-mentioned Contracting State is substantial in relation to the business activity carried on by the resident or associated enterprise in the other Contracting State. Whether a business activity is substantial for the purposes of this paragraph will be determined based on all the facts and circumstances.

c) For purposes of applying this paragraph, activities con-ducted by persons connected to a person shall be deemed to be conducted by such person. A person shall be con-nected to another if one possesses at least 50 per cent of the beneficial interest in the other (or, in the case of a company, at least 50 per cent of the aggregate vote and value of the company’s shares or of the beneficial equity interest in the company) or another person possesses at least 50 per cent of the beneficial interest (or, in the case of a company, at least 50 per cent of the aggregate voting power and value of the company’s shares or of the benefi-cial equity interest in the company) in each person. In any case, a person shall be considered to be connected to ano-ther if, based on all the relevant facts and circumstances,

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one has control of the other or both are under the control of the same person or persons.

4. A company that is a resident of a Contracting State shall also be entitled to a benefit that would otherwise be accorded by this Convention if, at the time when that benefit would be accorded: a) at least 95 per cent of the aggregate voting power and

value of its shares (and at least 50 per cent of any dispro-portionate class of shares) is owned, directly or indirectly, by seven or fewer persons that are equivalent beneficiaries, provided that in the case of indirect ownership, each inter-mediate owner is itself an equivalent beneficiary, and

b) less than 50 per cent of the company’s gross income, as determined in the company’s State of residence, for the taxable period that includes that time, is paid or accrued, directly or indirectly, to persons who are not equivalent beneficiaries, in the form of payments (but not including arm’s length payments in the ordinary course of business for services or tangible property) that are deductible for the purposes of the taxes covered by this Convention in the company’s State of residence.

5. If a resident of a Contracting State is not entitled, under the preceding provisions of this Article, to all benefits provided under this Convention, the competent authority of the Con-tracting State that would otherwise have granted benefits to which that resident is not entitled shall nevertheless treat that resident as being entitled to these benefits, or benefits with respect to a specific item of income or capital, if such com-petent authority, upon request from that resident and after consideration of the relevant facts and circumstances, deter-

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mines that the establishment, acquisition or maintenance of the resident and the conduct of its operations did not have as one of its principal purposes the obtaining of benefits under this Convention. The competent authority of the Contracting State to which the request has been made will consult with the competent authority of the other State before rejecting a request made under this paragraph by a resident of that other State.

6. For purposes of the preceding provisions of this Article: a) the term “recognised stock exchange” means:

i) [list of stock exchanges agreed to at the time of signa-ture]; and

ii) any other stock exchange agreed upon by the compe-tent authorities of the Contracting States;

b) the term “principal class of shares” means the ordinary or common shares of the company, provided that such class of shares represents the majority of the voting power and value of the company. If no single class of ordinary or common shares represents the majority of the aggregate voting power and value of the company, the “principal class of shares” are those classes that in the aggregate re-present a majority of the aggregate voting power and value of the company. In the case of a company participating in a dual listed company arrangement, the principal class of shares will be determined after excluding the special vo-ting shares which were issued as a means of establishing that dual listed company arrangement;

c) the term “disproportionate class of shares” means any class of shares of a company resident in one of the Con-tracting States that entitles the shareholder to dispropor-

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tionately higher participation, through dividends, redemp-tion payments or otherwise, in the earnings generated in the other Contracting State by particular assets or activities of the company;

d) A company’s “primary place of management and con-trol” will be in the Contracting State of which it is a re-sident only if executive officers and senior management employees exercise day-to-day responsibility for more of the strategic, financial and operational policy decision making for the company (including its direct and indirect subsidiaries) in that Contracting State than in any other State and the staff of such persons conduct more of the day-to-day activities necessary for preparing and making those decisions in that Contracting State than in any other State;

e) [omitido][f) the term “equivalent beneficiary” means a resident of any

other State, but only if that resident i)

A) would be entitled to all the benefits of a com-prehensive convention for the avoidance of dou-ble taxation between that other State and the State from which the benefits of this Convention are claimed under provisions analogous to subparagra-ph a), b) or d), or subdivision i) of subparagraph c), of paragraph 2 of this Article, provided that if such convention does not contain a comprehensive limitation on benefits article, the person would be entitled to the benefits of this Convention by rea-son of subparagraph a), b) or d), or subdivision i)

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of subparagraph c), of paragraph 2 of this Article if such person were a resident of one of the Con-tracting States under Article 4 of this Convention; and

B) with respect to income referred to in Articles 10, 11 and 12 of this Convention, would be entitled under such convention to a rate of tax with respect to the particular class of income for which benefits are being claimed under this Convention that is at least as low as the rate applicable under this Con-vention; or

ii) is a resident of a Contracting State that is entitled to the benefits of this Convention by reason of subpa-ragraph a), b), subdivision i) of subparagraph c) or subparagraph d) of paragraph 2 of this Article;]

g) the term “dual listed company arrangement” means an arrangement pursuant to which two publicly listed com-panies, while maintaining their separate legal entity status, shareholdings and listings, align their strategic directions and the economic interests of their respective sharehol-ders through: i) the appointment of common (or almost identical)

boards of directors, except where relevant regulatory requirements prevent this;

ii) management of the operations of the two companies on a unified basis;

iii) equalised distributions to shareholders in accordance with an equalisation ratio applying between the two companies, including in the event of a winding up of

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one or both of the companies; iv) the shareholders of both companies voting in effect

as a single decision-making body on substantial issues affecting their combined interests; and

v) cross-guarantees as to, or similar financial support for, each other’s material obligations or operations except where the effect of the relevant regulatory require-ments prevents such guarantees or financial support; and

h) with respect to entities that are not companies, the term “shares” means interests that are comparable to shares.

7. Notwithstanding the other provisions of this Convention, a benefit under this Convention shall not be granted in respect of an item of income or capital if it is reasonable to conclude, having regard to all relevant facts and circumstances, that ob-taining that benefit was one of the principal purposes of any arrangement or transaction that resulted directly or indirectly in that benefit, unless it is established that granting that benefit in these circumstances would be in accordance with the object and purpose of the relevant provisions of this Convention.

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