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HABITAÇÃO E EXPANSÃO URBANA: ANÁLISE DO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA NAS CIDADES DE CAMPINA GRANDE, PB E CARUARU, PE 1 Wilma Guedes de Lucena Doutoranda PPGG/ UFPB [email protected] _____________________________________________ Doralice Sátyro Maia Professora Associada UFPB [email protected] 1. INTRODUÇÃO O presente texto tem como objetivo revelar as repercussões do Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV na produção e expansão das cidades de Campina Grande na Paraíba e Caruaru em Pernambuco. A discussão recai sobre estas duas cidades, cotejando informações e dados sobre a implantação de empreendimentos habitacionais do referido programa governamental e as suas implicações socioespaciais identificadas no decorrer da pesquisa. As questões norteadoras deste trabalho emergem da necessidade de entender a repercussão da construção das habitações efetivadas pelo PMCMV na expansão e na dinâmica socioespacial das cidades. Assim, partimos dos seguintes questionamentos: estar-se-ia reproduzindo o modelo de cidade espraiada com intensos vazios urbanos? Qual o papel do Estado enquanto agente produtor do espaço urbano neste processo? Desse modo, mais que apresentar as particularidades das cidades estudadas, buscamos incitar o debate acerca dos processos e agentes envolvidos na acelerada expansão urbana das cidades médias. A escolha das cidades enquanto área de estudo deu-se particularmente pela centralidade que as mesmas apresentam nas redes urbanas estaduais e regionais, pela incidência do PMCMV nas cidades localizadas no interior do território brasileiro e nordestino e ainda por possuírem contingentes habitacionais diferentes, os quais o IBGE 1 Este trabalho sintetiza alguns resultados e discussões desenvolvidos a partir do Projeto Interinstitucional intitulado “Grandes Infraestruturas Urbanas, o Ensino Superior e o Desenvolvimento Regional: reconfigurando as relações entre as cidades médias, as cidades pequenas e o campo. Este projeto aprovado no ano de 2013, cujo financiamento advém da CAPES, Edital nº 055/2013 Pró-Integração. As instituições participantes são: UFPB, Unesp Presidente Prudente e UERJ.

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HABITAÇÃO E EXPANSÃO URBANA: ANÁLISE DO PROGRAMA MINHA

CASA MINHA VIDA NAS CIDADES DE CAMPINA GRANDE, PB E

CARUARU, PE1

Wilma Guedes de Lucena – Doutoranda PPGG/ UFPB

[email protected]

_____________________________________________

Doralice Sátyro Maia – Professora Associada UFPB

[email protected]

1. INTRODUÇÃO

O presente texto tem como objetivo revelar as repercussões do Programa

Minha Casa Minha Vida - PMCMV na produção e expansão das cidades de Campina

Grande na Paraíba e Caruaru em Pernambuco. A discussão recai sobre estas duas

cidades, cotejando informações e dados sobre a implantação de empreendimentos

habitacionais do referido programa governamental e as suas implicações socioespaciais

identificadas no decorrer da pesquisa.

As questões norteadoras deste trabalho emergem da necessidade de entender a

repercussão da construção das habitações efetivadas pelo PMCMV na expansão e na

dinâmica socioespacial das cidades. Assim, partimos dos seguintes questionamentos:

estar-se-ia reproduzindo o modelo de cidade espraiada com intensos vazios urbanos?

Qual o papel do Estado enquanto agente produtor do espaço urbano neste processo?

Desse modo, mais que apresentar as particularidades das cidades estudadas, buscamos

incitar o debate acerca dos processos e agentes envolvidos na acelerada expansão

urbana das cidades médias.

A escolha das cidades enquanto área de estudo deu-se particularmente pela

centralidade que as mesmas apresentam nas redes urbanas estaduais e regionais, pela

incidência do PMCMV nas cidades localizadas no interior do território brasileiro e

nordestino e ainda por possuírem contingentes habitacionais diferentes, os quais o IBGE

1 Este trabalho sintetiza alguns resultados e discussões desenvolvidos a partir do Projeto Interinstitucional

intitulado “Grandes Infraestruturas Urbanas, o Ensino Superior e o Desenvolvimento Regional:

reconfigurando as relações entre as cidades médias, as cidades pequenas e o campo. Este projeto

aprovado no ano de 2013, cujo financiamento advém da CAPES, Edital nº 055/2013 Pró-Integração. As

instituições participantes são: UFPB, Unesp – Presidente Prudente e UERJ.

apontava estimativas para 2015 de 405.072 habitantes em Campina Grande e 347.088

em Caruaru, o que contribui para a afirmativa de que a centralidade regional não está

diretamente relacionada com o dado populacional.

2. A PRODUÇÃO DA HABITAÇÃO E DO ESPAÇO URBANO NAS CIDADES

DE CAMPINA GRANDE – PB E CARUARU – PE

A atual política habitacional brasileira tem no PMCMV um marco da atuação

estatal tanto no que concerne à produção de habitações, sendo quantitativamente

expressiva, como também ao favorecimento do mercado imobiliário. Com esse

Programa criaram-se as condições favoráveis para facilitar o acesso à moradia,

sobretudo para os grupos de mais baixo rendimento, mas também para acelerar a

produção de cidades cada vez mais desiguais, onde se observa a intensificação da

expansão do tecido urbano e a consequente e rápida transformação da paisagem nas

áreas periféricas, decorrentes do processo de valorização seletiva do espaço intraurbano

e da especulação imobiliária a ela relacionada.

Quanto à sua importância frente ao problema habitacional no Brasil, o

PMCMV tem demonstrado um considerável desempenho. Desde sua criação (em 2009)

o Programa contratou 4,2 milhões de moradias (o que corresponde a 65,6% do déficit

nacional em 2013) das quais 2,6 milhões foram entregues, com investimentos no valor

de R$ 292 bilhões2, viabilizando desse modo o conhecido “sonho da casa própria”.

Além disso, observam-se outros avanços importantes. Na redação final da lei que

instituiu o programa, deu-se prioridade aos municípios que adotassem a desoneração

tributária para a produção de Habitação de Interesse Social (HIS) e os instrumentos do

Estatuto das Cidades para conter a especulação imobiliária, como também incluiu um

capítulo inteiro sobre Regularização Fundiária3.

Contudo, vale ressaltar que as condições nas quais foi criado o PMCMV

desfavoreceram o cumprimento daqueles pré-requisitos. Alguns autores como Rolnik e

Nakano (2009), Cardoso e Aragão (2011), Shimbo (2010; 2011) e Campos (2011)

2Dados obtidos no site do Ministério das Cidades, 2016. 3Cf: Cartilha: Regularização Fundiária Urbana: como aplicar a Lei Federal nº 11.977/2009, BRASIL

(2010).

dentre outros, alertam para o fato do PMCMV ter sido desenhado a partir de uma lógica

e com uma racionalidade totalmente empresarial, qual seja, a de somente produzir e

comercializar casas; de que o Programa não só foi criado para como também pelo setor

imobiliário e que o volume de recursos mobilizados, ao garantir um mercado

consumidor sólido e seguro, ampliou a demanda por terra, elevando os preços

imobiliários, provocando posteriormente o aumento do teto dos financiamentos, como

foi anunciado em 2012 pelo Conselho Curador do FGTS, além de outras tantas

consequências.

Dessa forma, entendemos que a produção habitacional do PMCMV, mesmo

sendo quantitativamente expressiva na escala nacional e sendo importante socialmente e

institucionalmente, tem contribuído para intensificar processos como a acelerada

expansão das cidades, estimulando dessa maneira o aprofundamento das desigualdades

socioespaciais, especialmente no que diz respeito ao acesso a serviços e infraestruturas.

Nesse sentido, argumentamos que as divergências entre o que está previsto

para implantação do PMCMV e do que vem sendo realizado na prática, no que diz

respeito à aplicação do que foi previsto no Plano Nacional de Habitação – PlanHab,

somando-se ao protagonismo do mercado imobiliário na proposição e execução dos

projetos habitacionais do Programa, tem estimulado os processos supracitados, dentre

os quais a expansão das cidades. Este processo, por sua vez, tem implicações não só na

intensificação dos problemas relacionados ao acesso à infraestrutura e serviços urbanos,

como também tem retroalimentado as estratégias de reprodução e acumulação dos

capitais investidos no mercado imobiliário, transformando principalmente a paisagem e

os conteúdos das áreas onde são implantados os projetos habitacionais e até mesmo no

seu entorno. O capital imobiliário e o Estado têm revelado papéis determinantes nesse

processo. O primeiro, selecionando os lugares nos quais serão alocados os recursos

públicos a fim de atender os próprios interesses e não os do todo social e o segundo,

criando condições de realização, acumulação e reprodução do primeiro.

O estado da Paraíba recebeu através do PMCMV, até este ano de 2016,

investimentos de R$ 7,7 bilhões, enquanto que o estado de Pernambuco recebeu um

recurso de R$ 8,7 bilhões4. Considerando esse montante e o quantitativo de habitações

aprovadas até o ano de 2015, podemos dizer que os dados são expressivos se

observarmos o déficit habitacional total de ambos os estados (Tabela 01), sobretudo no

caso da Paraíba, quando comparamos a quantidade de UH’s contratadas com o déficit

dos municípios, mesmo que este seja um dado de 2010. Pois, considerando a Paraíba,

tinha-se um déficit de 120.741 UH’s em 2010 e em 2015 a quantidade de unidades

entregues contemplou 57,3% do déficit total. Já em Pernambuco, em 2010 era déficit

de 302.377 e em 2015 o número de unidades habitacionais entregues representa 26,2%

deste déficit. O menor percentual em Pernambuco quando comparado à Paraíba também

se observa nos dados referentes à Campina Grande (PB) e Caruaru (PE).

Contudo, essa produção habitacional aliada às localizações dos conjuntos

habitacionais (Mapas 01 e 02) criam as condições em que se dão o processo de

expansão das áreas periféricas, que por sua vez, intensifica as desigualdades

socioespaciais nas cidades.

Tabela01: Déficit habitacional e produção do PMCMV nos estados da Paraíba e do Pernambuco e

nos municípios de Campina Grande e Caruaru (2010 – 2015).

Unidade

Territorial

Déficit Habitacional

(2010)

Quantidade de UH’s

contratadas pelo PMCMV

até 2015

Quantidade de UH’s

entregues pelo PMCMV

até 2015

- Total Relativo

%

Total % Relativo ao

Déficit

Total % em relação

ao Déficit total

Paraíba 120.741 11,2 102.759* 85,1* 69.152* 57,3*

Campina

Grande

14.620 13,1 12.860 88,0 3.299 22,6

Pernambuco 302.377 11,9 145.653* 48,2* 79.340* 26,2*

Caruaru 11.925 12,4 8.681 72,8 2.726 22,8

Fonte: Fundação João Pinheiro (2010) e Ministério das Cidades (2015). Elaboração própria.

* Esses dados estão atualizados para o ano de 2016.

Para as construtoras e incorporadoras proponentes dos projetos, as áreas

periféricas são atrativas financeiramente tanto porque é onde se encontra a terra urbana

mais barata como também porque esses investimentos possibilitam a valorização

4 Dados obtidos no site do Ministério da Cidade (2016). Disponível em:

<http://www.minhacasaminhavida.gov.br/resultados-do-programa.html> [ Acesso em Junho de 2016]

seletiva do espaço, na medida em que convergem alguns fatores, tais como: a

transformação do uso do solo (de rural para urbano); a formação de vazios urbanos e as

práticas de antecipação espacial do mercado, de que trata Corrêa (2007). Visualizando

os mapas 01 e 02, é possível perceber as condições em que se dá essa convergência. Em

Campina Grande os conjuntos habitacionais de Faixa 01 e 025 do PMCMV se localizam

nas bordas da cidade. No caso de Caruaru a situação ainda é mais alarmante, tendo em

vista que há um conjunto habitacional localizado fora da área delimitada como urbana

pela prefeitura municipal, portanto oficialmente está na zona rural, mas o projeto não

faz parte da modalidade Rural do Programa. Nas duas cidades praticamente todos os

projetos que atendem à famílias que têm rendimento mensal entre 0 e 3 ou 3 e 6 salários

mínimos se localizam no sentido completamente oposto às áreas onde se encontram os

produtos imobiliários de padrão mais elevado, além dos empreendimentos comerciais

como shopping centers dentre outros.

5 A Faixa 1 destina-se às famílias com renda mensal bruta de até R$ 1,8 mil. O valor do imóvel pode ser

custeado até 90% do valor total. Já o Faixa 2 é destinado a famílias com renda entre R$ 2.351,00 e 3,6

mil.(http://www.brasil.gov.br/infraestrutura/2016/04/site-do-minha-casa-minha-vida-faz-simulacao-de-

financimento-e-subsidio - Acesso em 02 de maio de 2016).

Mapa 01: Localização dos Conjuntos Habitacionais por Faixas de Renda no município de Caruaru – PE.

Fonte: IBGE, 2010; CEF, 2015. Elaboração: Eliane Campos dos Santos.

Mapa 02: Localização dos Conjuntos Habitacionais por Faixas de Renda no município de Campina

Grande - PB. Fonte: IBGE, 2010; CEF, 2015. Elaboração: Eliane Campos dos Santos.

Vale destacar que, de maneira geral, no processo de transformação de usos do

solo, principalmente nos casos da mudança do uso rural para o urbano, as melhores

localizações são destinadas aos empreendimentos de alto padrão, enquanto que os

terrenos localizados nas áreas mais distantes e desprovidos de infraestrutura, serviços,

comércio etc. são destinados aos empreendimentos que atendem a população de menor

rendimento. Nessa perspectiva, estamos de acordo com Melazzo (2013) quando destaca

o papel fundamental do incorporador imobiliário na condução desse processo.

Nesse movimento de constante valorização do espaço da cidade, em que atuam

proprietários fundiários, incorporadores e construtores e até mesmo o Estado,

produzem-se cidades cada vez mais espraiadas (SANTOS, 1993) e fragmentadas, onde

se forma a “periferia pobre” e a “periferia rica”, como infere Rodrigues (2001).

Sem dúvida, é preciso reconhecer que no atual processo de urbanização

brasileira, a periferia tem adquirido um conteúdo cada vez mais diverso6, resultado da

disseminação das “novas formas de morar” e das “novas formas de consumir”, com os

condomínios fechados, shopping centers e as grandes redes de mercado, como destaca

Costa (2013) ao se referir à cidade de Campina Grande. No entanto, entendemos que a

periferia ainda continua sendo predominantemente o “lugar do pobre” ou no mínimo

sinônimo de precariedade nas condições de moradia para as famílias que têm como

fonte de renda apenas o salário mínimo, motivo pelo qual buscam os lugares de menor

custo com habitação. Observamos nas cidades pesquisadas a produção daquelas duas

periferias citadas anteriormente. Tanto em Caruaru como em Campina Grande, o

mercado tem atuado na produção desses distintos espaços e o Estado tem corroborado

com esse processo quando oferece as condições materiais para que ele se realize.

3. O ESTADO E O MERCADO IMOBILIÁRIO NA PRODUÇÃO DAS

PERIFERIAS: OS EFEITOS SOCIOESPACIAIS DO PMCMV

As cidades de Campina Grande e Caruaru têm sido efetivamente inseridas na

atual política habitacional brasileira, tanto com a participação no PMCMV como

também participando de programas e ações desenvolvidas anteriormente à criação desse

Programa. Assim, no ano de 2009 foi aprovada a lei Nº 088/2009 em Campina Grande,

que dispunha da criação da Política Municipal de Habitação e instituía o Conselho

Gestor do Fundo Municipal de Habitação. O governo municipal de Caruaru, por sua

vez, apresentou a proposta de elaboração do Plano Local de Habitação de Interesse

Social (PLHIS) no ano de 2014, tendo sido concluído em 2016. Estas ações constituem

pré-requisitos para que os governos municipais possam acessar o Fundo Nacional de

Habitação de Interesse Social (FNHIS) e para que sejam implantadas as ações da

política urbana e fundiária em escala local baseadas no Estatuto da Cidade.

O PMCMV, por conseguinte, incorporou muitas medidas adotadas pelo

PlanHab, a exemplo do aumento significativo dos subsídios e créditos habitacionais, a

desoneração tributária para incentivar a produção de HIS, o barateamento do seguro e o

6Para aprofundar, consultar Sposito, 2004.

uso do fundo garantidor. No entanto, Nascimento Neto et al (2012, p 92) mostram que

“a forma de efetivação das diretrizes do PlanHab por meio do PMCMV conduziu a uma

série de distorções entre a intenção inicial e o resultado efetivo”. Aqui destacaremos

uma dentre essas distorções: a deficitária integração entre a política habitacional e a

política fundiária. Essa distorção se evidencia ao confrontarmos a produção habitacional

do PMCMV com as diretrizes e pressupostos do PlanHab.

Em ambas as cidades pesquisadas, observamos que mesmo com a existência de

um PLHIS, os instrumentos legais de contenção da especulação imobiliária não são

aplicados pelos governos municipais. Isto não é novidade nas cidades brasileiras! Essa

situação aliada ao fato de que os projetos do PMCMV têm sido implantados

desconsiderando completamente as diretrizes e os pressupostos dos Planos Locais de

Habitação, impulsiona o crescimento acelerado das cidades que são alvo dessas ações.

Tanto em Campina Grande como em Caruaru, os PLHIS foram aprovados quando já

havia um grande número de projetos contratados pelo PMCMV, o que comprova a total

falta de integração entre esse Programa e a Política Urbana e Fundiária em curso, tanto

em nível nacional como local. As pesquisas de campo que temos realizado desde 2012

nos mostram que os projetos que foram aprovados e contratados para receber

financiamento do PMCMV e cujas UH’s ainda não foram entregues estão em fase de

execução. Assim, considerando o quantitativo apresentado na Tabela 01, podemos

inferir que a produção habitacional será impactante frente à demanda habitacional das

referidas cidades, mas tem desconsiderado completamente as ações previstas pelo

PLHIS.

Dessa forma, percebemos que os avanços obtidos com a Política Nacional de

Habitação e com o PlanHab estacionaram, devido o PMCMV divergir , mais do que

convergir, da compreensão de que uma política habitacional e um programa que faça

parte de sua estrutura, só pode alcançar o objetivo de oferecer acesso à moradia digna e

garantir o direito à cidade, se estiver intimamente ligado à uma política urbana e

fundiária que vise atender a esses mesmos objetivos. Não há novidade nessa

constatação, percebem-se velhas estratégias reproduzindo antigos problemas, dentre os

quais a periferização da cidade, no qual se produz cidade sem urbanidade e a

intensificação das desigualdades socioespaciais e dos conflitos a elas inerentes. O que é

novo nesse caso é a forma como tem se dado a relação Estado-capital imobiliário, a

conjuntura política e econômica do país, as formas e estratégias de expansão e

reprodução do capital em geral e suas implicações no processo de urbanização brasileira

(LUCENA, 2014).

Nessa perspectiva, pode-se afirmar a garantia da realização do “sonho da casa

própria” para uma parcela considerável da população. Também percebemos as rápidas

transformações na paisagem das áreas onde são implantados os projetos, sobretudo

porque se localizam em áreas periféricas, onde as mudanças se apresentam mais

nitidamente. Dentre estas transformações destacam-se: o incremento das edificações

nessas áreas, a construção de muros no entorno das casas, e em alguns poucos casos a

ampliação da edificação. A forma como se dá a apropriação dos espaços, tanto o da

moradia como o de encontros, também se diversifica na medida que se busca suprir a

ausência de comércio, serviços e equipamentos urbanos. No entanto, em proporções

bem maiores se formam “vazios urbanos” entre estas áreas e o tecido urbano daquelas

cidades. Esses vazios urbanos constituem “bancos de terras” que serão utilizados em

empreendimentos imobiliários que possam auferir uma maior renda fundiária. O nó da

terra cotinua!

4. PARA DAR CONTINUIDADE.

O processo de expansão urbana destacado no presente texto como um dos

efeitos socioespaciais do PMCMV é apenas um dentre tantos outros processos

decorrentes da implantação do referido Programa. Nesse debate é preciso compreender

os seus determinantes políticos e econômicos mais gerais observados em cada cidade,

bem como as particularidades que se dão na escala local.

Neste texto elucidamos, mesmo que brevemente, os agentes envolvidos na

produção do espaço intraurbano que articularam aqueles determinantes nas cidades de

Campina Grande – PB e Caruaru – PE. A comparação entre essas cidades possibilita

identificar as implicações que podem ser generalizadas e as que são singulares.

Algumas afirmações podem ser feitas a partir dos dados e informações aqui elencados

que ficam como questões para o debate, como proposta de continuidade desta pesquisa

ou como sugestão para que essas análises possam ser realizadas em outras cidades. Tais

afirmações podem ser pontuadas da seguinte forma:

a) Considerando a relação entre o tempo de existência, produção habitacional e

disponibilidade de crédito e recursos, o PMCMV é um marco histórico na política

habitacional no Brasil. Porém, à medida que se busca sanar o déficit habitacional com a

provisão de novas moradias, reproduz-se os problemas que são inerentes à questão

habitacional, quais sejam: a dificuldade do acesso à terra urbana nas áreas consolidadas,

com disponibilidade de serviços e infraestrutura urbana; a valorização seletiva do

espaço favorecendo a especulação imobiliária e as estratégias do mercado; e, a

consequente intensificação das desigualdades e por sua vez das diferenciações

socioespaciais, como discute Sposito (2011);

b) Com o PMCMV as cidades médias têm passado por um acelerado processo

de expansão urbana. Este fato até então era predominante nas metrópoles e grandes

centros e revela o quanto aquelas cidades têm se tornado espaços cada vez mais

importantes para a reprodução dos capitais que compõem o mercado imobiliário. Nesse

contexto, faz-se importante analisar o Estado nas suas diferentes escalas de atuação e as

nuances a nível local quanto à sua articulação com o mercado, bem como o papel que

tem exercido na produção das periferias rica e pobre das cidades onde se dá aquele

processo.

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