guimarães arte e cultura | ciajg | jornal 2º ciclo expositivo 2015

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PLATAFORMA DAS ARTES E DA CRIATIVIDADE Neste novo ciclo expositivo convivem as obras de dois artistas de diferentes gerações, mas cujo trabalho tem incidido e de certa forma traduzido, de maneiras bem distintas, as relações que se constroem num mundo marcado pelo advento do colonialismo. Assim, é sob o signo da alteridade – os encontros e desencontros, as simetrias e as assimetrias, as identificações e as representações com e do outro, o diferente, o distante ou o exótico – que abordamos estes dois universos autorais, num contexto particularmente propício a tal reflexão. O CIAJG reúne peças oriundas de diferentes épocas, lugares e contextos em articulação com obras de artistas contemporâneos, propondo uma re(montagem) da história da arte, enquanto sucessão de ecos, e um novo desígnio para o museu, enquanto lugar para o espanto e a reflexão. The CIAJG's programming for 2015 opens under the central theme of drawing. “Oracular Spectacular” gathers together a group of artists who work intensively, and in most cases inclusively in the field of drawing. The exhibition aims to reveal an extraordinary and unique territory of artistic practice, in which visible and invisible dimensions reveal one another and in which form and energy are merged and (con) fused through a ritual process that A COMPOSIÇÃO DO AR COLEÇÃO PERMANENTE E OUTRAS OBRAS RITUAIS COM MÁSCARAS UM FACE-A-FACE ATÉ 05 JULHO conjures up the different entities that inhabit the world – human, animal, plant and geological – towards the same material and sensory, conscious and unconscious plane. The CIAJG has brought together works from different times, places and contexts in articulation with works by contemporary artists, proposing a re(assembly) of art history, as a succession of echoes, and a new purpose for the museum – as a place for wonder and reflection.

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Page 1: Guimarães Arte e Cultura | CIAJG | jornal 2º ciclo expositivo 2015

—PLATAFORMA DAS ARTESE DA CRIATIVIDADE

Neste novo ciclo expositivo convivem as obras de dois artistas de diferentes gerações, mas cujo trabalho tem incidido e de certa forma traduzido, de maneiras bem distintas, as relações que se constroem num mundo marcado pelo advento do colonialismo. Assim, é sob o signo da alteridade – os encontros e desencontros, as simetrias e as assimetrias, as identificações e as representações com e do outro, o diferente, o distante ou o exótico – que abordamos estes dois universos autorais, num contexto particularmente propício a tal reflexão.

O CIAJG reúne peças oriundas de diferentes épocas, lugares e contextos em articulação com obras de artistas contemporâneos, propondo uma re(montagem) da história da arte, enquanto sucessão de ecos, e um novo desígnio para o museu, enquanto lugar para o espanto e a reflexão.

The CIAJG's programming for 2015 opens under the central theme of drawing. “Oracular Spectacular” gathers together a group of artists who work intensively, and in most cases inclusively in the field of drawing. The exhibition aims to reveal an extraordinary and unique territory of artistic practice, in which visible and invisible dimensions reveal one another and in which form and energy are merged and (con)fused through a ritual process that

A COMPOSIÇÃO DO ARCOLEÇÃO PERMANENTEE OUTRAS OBRAS—RITUAIS COM MÁSCARASUM FACE-A-FACEATÉ 05 JULHO

conjures up the different entities that inhabit the world – human, animal, plant and geological – towards the same material and sensory, conscious and unconscious plane.The CIAJG has brought together works from different times, places and contexts in articulation with works by contemporary artists, proposing a re(assembly) of art history, as a succession of echoes, and a new purpose for the museum – as a place for wonder and reflection.

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CIAJG 2PISO 0 / SALAS #9-11 | GROUND FLOOR / ROOMS #9-11

O trabalho de Vasco Araújo (Lisboa, 1975) tem incidi-do de forma sistemática sobre a história do colonialis-mo europeu e sobre os seus efeitos tragicamente du-radouros, do ponto de vista das dinâmicas relacionais de poder e de submissão entre homens de lugares e culturas diferentes. Após décadas de silenciamento, o período colonial tem sido objeto de um escrutínio crítico abrangen-te e consistente, com origem na academia mas tam-bém no campo das artes ou da literatura. Contudo, em Portugal, aquilo que terá mudado com a presen-te geração, que surgiu na década de 70 e depois, é um interesse que tem origem em inquietações tam-bém de ordem biográfica, que se ancora em vivên-cias pessoais e que reage a um ensurdecedor silên-cio e a uma prolongada amnésia que marcaram e ainda marcam a memória desse período que tantos traumas deixou por tratar. De facto, aquilo que torna particular a investigação do artista em torno desta temática é o seu interesse nas relações domésticas, íntimas, não confessadas, entremuros, à volta da mesa e na cama – relações tanto mais problemáticas, e consequentemente di-fíceis de circunscrever, quanto difusas, turvas, que misturam o exercício de poder, de controlo e de do-mínio com uma tessitura de relações humanas, de ordem afetiva ou sexual.

O artista traz para o seu terreno de investigação fer-ramentas e dados usados e recolhidos por outras dis-ciplinas, tais como a história, a antropologia, a socio-logia, para construir narrativas que se materializam em vídeo, escultura, pintura e fotografia. A exposição, produzida especificamente para o CIAJG, cruza di-versas fontes, visuais ou de texto, recorre à história oral ou de proximidade, à literatura, ao património vi-sual, da pintura de história à história da fotografia. Vasco Araújo constrói um discurso plural, sobrepõe planos de representação, o texto à imagem - não tem pudor no uso das palavras, das imagens ou dos obje-tos, faz-nos confrontar, por excesso e por defeito, com as nossas escolhas, as omissões, a preguiça da lingua-gem que usamos no quotidiano, com anos de auto-censura, com o adiamento de um exame de consciên-cia, a sós, perante nós próprios. Afinal, a história do colonialismo implica-nos, fazemos parte dela por he-rança, de memória, porque ouvimos falar, porque a vi-vemos ainda no dia-a-dia, por imperativo ético. Com a exposição individual de Vasco Araújo, “Dema-siado pouco, demasiado tarde”, o CIAJG continua e aprofunda a sua vocação de perscrutar e revisitar, sob um ponto de vista simultaneamente poético e crítico, empático e distanciado, as tensões, os desejos, os afe-tos ou as angústias que os objetos corporizam e trans-portam e aquilo que revelam dos homens e da histó-ria que construímos.

CURADORIA NUNO FARIA

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3 PISO 0 / SALAS #9-11 | GROUND FLOOR / ROOMS #9-11

▲ Vasco Araújo · “É nos sonhos que tudo começa”, 2014 · Pintura | Painting · Tinta negra sobre tecido impresso | Black paint on printed fabric · 180x120cm

▲ Vasco Araújo · Capita 4, 2012 · Instalação | Installation · 14 Fotografia Digital a Cor | 14 Colour Digital Photographs · Dimensões variáveis | Variable dimensions

VASCO ARAÚJOTOO LITTLE, TOO LATECurator Nuno Faria

The work of Vasco Araújo (Lisbon, 1975) has sys-tematically focused on the history of European colonialism and its tragically long-lasting effects, from the perspective of the relational dynam-ics of power and submission between peoples from different places and cultures.After decades of silence, the colonial period has recently been subject to comprehensive and consistent critical scrutiny, that began in both academia and the arts or literature. However, in Portugal, the main aspect that has changed for the present generation, which emerged from the 1970s onwards, is an interest rooted in con-cerns which are also of a biographical nature, anchored in personal experiences and in re-action to a deafening silence and prolonged amnesia that has marked, and still marks, the memory of this period, that has left so many untreated traumas.In fact, what distinguishes the artist’s research in this field is his interest in domestic, intimate, unconfessed relationships, engendered behind closed doors, around the table and in the bed. Such relationships are even more problematic, and consequently difficult to circumscribe, the more diffuse and cloudy they are, given that the exercise of power, control and domination in-terweaves with a complex fabric of emotional or sexual human relationships.Vasco Araújo brings tools and data to his field of research that are normally used and collect-ed by other disciplines – such as history, anthro-pology, sociology – in order to construct narra-tives that he materializes using video, sculpture, painting and photography. The exhibition, pro-duced specifically for the CIAJG, intersects var-ious visual or textual sources and draws on oral stories or proximity to literature, visual heritage, ranging from historical paintings to the history of photography.

The artist thereby builds a plural discourse, in which he overlaps different planes of represen-tation, from the text to the image – and unreserv-edly uses words, images or objects, to force us to confront, through excess, and by default, our choices, omissions, and the lazy language that we use in everyday life, which reflects years of self-censorship, postponing an examination of our conscience, on our own, before ourselves. After all, the history of colonialism involves all of us by ethical imperative - we form part of it, by inheritance, through our memories, and be-cause we hear other people talk about it and still experience it in our day-to-day lives.With Vasco Araújo’s solo exhibition, “Too little, too late”, the CIAJG continues and furthers its vocation to scrutinise and revisit – from a simul-taneously poetic and critical, and empathetic and distanced perspective – the tensions, desires, affections or anxieties that different objects embody and carry with them, and explore what they reveal about mankind and human history.

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CIAJG 4PISO -1 / SALAS #12-13 | LOWER FLOOR / ROOMS #12-13

No contexto da obra heterogénea de José de Guimarães, a pintura emerge como o principal continente, o território de onde tudo parte e aonde tudo chega. Trata-se de uma produção imensa, plural nos formatos e suportes, marcada pelas diversas incursões que o artista tem feito pelas mais distantes regiões do mundo. Uma produção porosa, aberta à experimentação, em que se pode discernir com nitidez as diferentes conquistas, as influências, os processos de maturação, a reinvenção formal, a proliferação dos materiais, a construção de um imaginário povoado de bestiários e marcado pela sucessão de diferentes alfabetos ideográficos. Apesar de ter sido na gravura que JG se iniciou e em que produziu os seus primeiros trabalhos mais relevantes, como ficou bem patente na exposição “Provas de Contacto”, que o CIAJG dedicou em 2014 aos processos de transferência da imagem na obra do artista, a pintura surge como a disciplina onde, por excelência, se processam, sintetizam e consolidam os métodos e características da obra. A exposição dará particular destaque ao período angolano, um dos mais estimulantes de todo o percurso de JG, reunindo um conjunto de trabalhos produzidos entre 1967 e 1974 que remetem para uma prática expandida da pintura, em termos de suportes, técnicas e materiais, mas sobretudo pelo seu forte pendor experimental e crítico, operando, então, uma inédita e idiossincrática síntese entre a arte pop europeia e os signos que aprendia no seu contacto com a cultura africana.

CURADORIA NUNO FARIA

Neste contexto, mostramos vários trabalhos que faziam parte da mítica exposição que realizou no Museu de Luanda, em 1968, seguramente a primeira mostra relevante do autor, e as séries “feitiços” e “máscaras”, realizadas no início da década de 70, entre 1971 e 1973, já claramente marcadas pelos novos códigos linguísticos que seriam plasmados no seu “alfabeto africano”, realizado no mesmo período, e que viriam a ser apresentadas, respetivamente, na Galeria do CITA, em Luanda, e na galeria Dinastia, em Lisboa e no Porto, em 1973 e 1974. Contrastando com os pequenos e médios formatos apresentados neste primeiro núcleo, a segunda parte da presente exposição é constituída por pinturas de grandes dimensões reunidas sob o signo do desastre e sob o tema “Impérios do Fim”. São pinturas que questionam o sentido da história, que marcam um desencanto com o rumo sociopolítico do mundo, que denunciam os nefastos e duradouros efeitos do colonialismo europeu e dos imperialismos que lhe sucederam. “2004”, “Cartago” e “Pátria”, apresentadas em 2004 na SNBA, em Lisboa, estão entre as mais poderosas pinturas realizadas pelo artista, impressivas pela escala monumental e pelo particular processo de montagem que as constitui, como se o artista tivesse operado como um cineasta documentalista que remonta e nos reapresenta os acontecimentos a partir dos estilhaços da história.

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▲ José de Guimarães · Formas Africanas | African Forms, 1972 · Acrílico sobre tela | acrylic on canvas ·200 x 149 cm · Fotografia | Photography Atelier José de Guimarães · CIAJG – Coleção | Collection José de Guimarães

▲ José de Guimarães · Pátria | Homeland, 2001-2002 · Técnica mista sobre tela | Mixed technique on canvas · CIAJG - Coleção José de Guimarães | José de Guimarães Collection

Com mais uma exposição monotemática dedicada ao trabalho de José de Guimarães, o CIAJG prossegue uma das linhas da sua missão: revisitar, reler e reapresentar a obra de um autor central do panorama artístico em Portugal, a partir do significativo espólio reunido nas suas reservas.

JOSÉ DE GUIMARÃESPAINTING: MONUMENTAL SUITES AND VARIATIONS

Within the context of José de Guimarães’ heterogeneous oeuvre, painting emer-ges as the main continent – the land from which everything sets forth and to whi-ch everything arrives. It is an immense oeuvre, that uses multiple formats and media, marked by several incursions by the artist in the most distant regions of the world. His oeuvre is porous, open to experimentation, it which it is possible to clearly discern the different achieve-ments, influences, maturation processes, formal reinvention, proliferation of ma-terials, and the construction of an ima-ginary universe populated by bestiaries and marked by a succession of different ideographic alphabets.Although José de Guimarães initially be-gan working in the field of engraving and produced his most relevant initial works in this medium, as highlighted in the 2014 exhibition, “Provas de Contacto (Con-tact Sheets)”, that the CIAJG dedicated to the image transfer processes used in the artist's oeuvre, painting nonetheless emerges as the discipline in which, par excellence, he processed, summarized and consolidated the methods and cha-racteristics of his works.

This exhibition will place special emphasis on the Angolan period, one of the most exciting phases in his overall career, en-compassing a collection of works produ-ced between 1967 and 1974 that indicate an expanded practice of painting in terms of the media, techniques and materials used, and above all a strong experimen-tal and critical outlook, which at the time achieved a unique and idiosyncratic syn-thesis of European pop art and the signs that he discovered through his contact with African culture.In this context, we display several works that were shown within the mythical exhi-bition at the Museum of Luanda in 1968, undoubtedly the artist’s first major exhi-bition, and from the series “spells” and “masks”, produced in the early 1970s, be-tween 1971 and 1973, that were already cle-arly marked by the new linguistic codes that were later embodied in his “African Alphabet”, produced in the same period, presented, respectively, in CITA's gallery, in Luanda, and in Dinastia gallery, in Lis-bon and Porto, in 1973 and 1974.In contrast to the small- and medium-sized formats presented in this first set of works, the second part of this exhibition consists of large-scale paintings collected under the sign of disaster and the theme of “Empires of the End”. They are paintings that question the sense

of history and reveal disenchantment with the planet’s current socio-political trajectory, denouncing the harmful and lasting effects of European colonialism and its subsequent imperialist movements. “2004”, “Carthage” and “Fatherland”, presented in 2004 in the SNBA, in Lisbon, are among the most powerful paintings made by the artist, impressive in terms of their monumental scale and their specific assembly process – as if the artist had worked as a documentalist filmmaker who returns and re-presents events from the shards of history.By means of another monothematic exhi-bition dedicated to José de Guimarães’ oeuvre, the CIAJG is hereby pursuing one of the axes of its mission: to revisit, re-read and re-present the work of a key artist in Portugal’s art scene, using its sig-nificant collection of his works. ▲ José de Guimarães · Fim | End, 1968 · Serapilheira pintada | Painted

hessian · 252 x 110 cm · Fotografia | Photography Atelier José de Guimarães · CIAJG - Coleção José de Guimarães | José de Guimarães Collection

PISO -1 / SALAS #12-13 | LOWER FLOOR / ROOMS #12-13

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CIAJG 6

RITUALS WITH MASKS: FACE-TO-FACECurator Nuno Faria

Organised in partnership with the Abade de Baçal Museum, the exhibition, “Ritu-als with Masks: face-to-face”, establishes symbolic links between the extremely rich universe of José de Guimarães’ collection of African art, donated to the CIAJG, and an important set of materials that allude to winter rituals organized during various festivities of the Trás-os-Montes region. The latter materials have been selected from the collection of the Abade de Baçal Museum, in Bragança. They were collect-ed during research conducted by the an-thropologist and museologist Benjamin Pereira between 1999 and 2001, in collab-oration with the Museum’s team.The CIAJG aims to use this exhibition in order to continue its scrutiny, inves-tigation and presentation of materials that have been collected and processed during ethnographic fieldwork – an area that is particularly enticing and familiar to the world of contemporary art. We’ve set ourselves the challenge to subvert the codes that have sustained the interpre-tation and recontextualization of such materials, thus rescuing them from the discourse of their original academic dis-

cipline, in order to (re)present and (re)es-tablish them in the undisciplined and (a)disciplinary context of contemporary art .

We will thus present a broad and diversi-fied set of objects used in these initiation rites of adolescent boys, together with pre-existing or original materials video and sound recordings. A dialogue will then be created between these items and the masks and other ritual objects chosen from the African art collection, many of which were produced for simi-lar ceremonies. These items will be artic-ulated with works by contemporary art-ists who, in various ways, have become interested in the imaginary universe of the Trás-os-Montes region and, in certain cases, have participated in the region’s festivities and rituals, or have drawn in-spiration from this ancient culture in or-der to trace parallels with other cultures in other parts of the world.Oscillating between the material vs. im-material, tradition vs. a contemporary out-look, familiar vs. strange, full involvement vs. a detached and ironic perspective, the assembly of this exhibition can extend the operating field of the approach and understanding of the power of a terri-tory that has a unique vitality.

Realizada em parceria com o Museu do Abade de Baçal, a exposição “Rituais com Máscaras: um face-a--face” estabelece uma aproximação simbólica entre o riquíssimo universo da coleção de arte africana de José de Guimarães, em espólio no CIAJG, e um importante conjunto de materiais alusivos aos rituais de inverno de várias festas transmontanas, oriundos da coleção do Museu de Abade de Baçal, em Bragança, recolhidos a partir da investigação conduzida pelo etnólogo e museólogo Benjamin Pereira entre 1999 e 2001, em colaboração com a equipa do museu bragantino.Com esta exposição, o CIAJG prossegue o escrutínio, a indagação e a apresentação de materiais recolhidos e tratados no âmbito do trabalho de campo etnográfico, uma área particularmente apetecível e familiar ao território operativo da arte contemporânea. O desafio a que nos propomos é de subverter os códigos que têm sustentado a leitura e recontextualização desses materiais, resgatando-os de um discurso disciplinar para os (re)apresentar e (re)propor no contexto indisciplinado e (a)disciplinar da arte contemporânea. Apresentamos, assim, um amplo e diversificado conjunto de objetos utilizados nesses rituais de iniciação dos rapazes bem como de materiais sonoros e videográficos, preexistentes ou originais, em diálogo com máscaras e outros objetos ritualísticos da coleção de arte africana, muitos deles produzidos para serem usados em cerimónias análogas, articulando-os, por sua vez, com obras de artistas contemporâneos que, de diversas formas, têm vindo a interessar-se pelo imaginário e, em alguns casos, a participar nas festas e nos rituais

da região transmontana, ou que partem dessa cultura ancestral para traçar paralelismos com outras culturas de outras geografias. Oscilando entre o material e o imaterial, a tradição e a contemporaneidade, o familiar e o estranho, a implicação total e o olhar distanciado e irónico, esta montagem poderá alargar o campo operativo de abordagem e entendimento da potência de um território vitalista como poucos.

◀ Rui Moreira Sem Título, 2004 • Tinta de caneta sobre papel • 121x160 cm | Fountain pen ink on paper | Coleção Fundação Luso-americana

◀ Máscara | Mask • Palha; Casca de silva | straw; osier bark • Autor | Author Desconhecido | unknown • Proveniência | Source Baçal • Cortesia | Courtesy Direção Regional de Cultura Norte | Museu de Abade de Baçal, Bragança

PISO 1 / SALAS #1-8 | 1ST FLOOR / ROOMS #1-8

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"Não admira que durante milénios o ar, que ninguém vê, fosse imaginado como um ser sobrenatural que penetrava no corpo dos homens e lhes concedia a vida. Um deus, portanto. Assim, foi considerado o ar como um deus muito temido, umas vezes protetor, quando se deixava aspirar em haustos reconfortantes, outras vezes terrível, quando bramia, soprava, assobiava, fazia estremecer as robustas árvores e as arrancava do solo, tombando-as. Um deus que merecia toda a veneração e respeito." Rómulo de Carvalho, A Composição do Ar

—Representar o ar, ou seja, representar aquilo que não se vê, é, talvez desde tempos de que já não nos lembra-mos, uma das aspirações da prática artística. O ar é ma-téria e meio. É matéria (vital) sem estrutura, sopro sem corpo. É um meio: transporta coisas, engendra ideias, faz-se respirar. A tentação do ar é também uma aspira-ção ao voo, uma fuga ao peso, a superação da gravida-de. Subir acima do horizonte para ver mais e melhor. Se pensarmos bem, o ar é aquilo que nos liga – na mais integral aceção da palavra ligação – aos corpos, às coi-sas, aos objetos em geral. À ínfima camada de ar, im-palpável e imperscrutável, que envolve um objeto, de arte ou não, chamamos aura. Trata-se de uma qualida-de inexplicável que algumas coisas transportam e que as transforma em objetos de desejo, em coisas ama-

das e contempladas. No CIAJG os objetos atravessam o tempo e cruzam fronteiras para estabelecerem en-contros cujo sentido é mais ou menos evidente, mais ou menos visível. Porquê fazer, recolher e guardar objetos? Entre as mui-tas respostas plausíveis e possíveis, para além do mis-tério que engendra o gesto artístico ou o simples acto criador, poderíamos dizer que fazemos, recolhemos e guardamos para preservar e projetar a memória, ou se-ja, para sobreviver ao desaparecimento. Tanto ou mais misterioso é saber qual o íntimo, o profundo significado de mostrar, de dar a ver. Não seria demasiado arriscado afirmar que mostramos para fundar um lugar, para nos constituirmos enquanto comunidade que partilha as-pirações e temores, medos e desejos que estão para lá da nossa própria compreensão. Exumamos, escavamos, fazemos, construímos mais para compreender do que para explicar, mais para perguntar do que para afirmar. No CIAJG juntamos objetos e imagens de tempos e lugares muito distantes, por vezes sem aparente liga-ção, como se viessem até nós trazidos pelo vento, co-mo se fossem sementes voadoras. Queremos refun-dar o museu como lugar do espanto e da reflexão, como corrente de ar e como espelho, como horizon-te a perder de vista. Para isso, cruzamos diferentes linguagens e metodologias, desde a arqueologia à et-nologia, passando pela história da arte; procuramos fazer conviver dimensões tantas vezes inconciliáveis como o popular, o ancestral, o artesanal, o vernacu-lar, o conhecimento transmitido pela oralidade ou pela gestualidade; propomos lançar um olhar do lu-gar e do tempo em que nos encontramos sobre as mais diversas manifestações e sobrevivências mate-riais e imateriais da nossa cultura. Devolver ao visi-tante o espaço entre os objetos, as pausas para ins-pirar, mostrar o ar.

CURADORIA NUNO FARIA

COMPOSITION OF AIRPERMANENT COLLECTION AND OTHER WORKS

"It’s unsurprising that during millen-nia, the air - which no one can see - was imagined as a supernatural being who penetrated the body of men and gave them life. A god, in effect. Thus, the air was considered to be a God who should be feared, sometimes protective, when he allows people to breathe in soothing vacuums, but at other times terrible, when he bel-lowed, blowed, whistled, and shook robust trees and uprooted and top-pled them. A god who deserved our every reverence and respect."Rómulo de Carvalho, A Composição do Ar (Composition of Air)

To represent the air, i.e. to represent that which we can’t see, has perhaps been one of artists’ greatest aspirations, since ti-me immemorial. Air is both matter and medium. It is matter (life) without struc-ture, it blows but has no body. It is also a medium: it transports things, engenders ideas, enables us to breathe. The temp-tation posed by the air is the desire to fly, to flee from weight, to overcome gra-vity. To rise above the horizon and see things with greater amplitude and clarity. In fact, the air is what connects us toge-

ther – in the most comprehensive mea-ning of the word, “connection” – it con-nects us to bodies, to things, to objects in general. We use the word “aura” to describe the tiny, impalpable and inscru-table layer of air, that encompasses an object, whether an artwork or any other item. This is an inexplicable quality that some things transport and which turns them into objects of desire, into things that are loved and contemplated. At the CIAJG, objects traverse time and cross borders in order to establish en-counters whose meaning is more or less clear, more or less visible. Why should we do make, collect and sto-re objects? Amongst the many plausible and possible answers to this question, in addition to the mystery that engen-ders the artistic gesture or the simple creative act, we could say that we make, collect and store things, in order to pre-serve and project memory, i.e., to guaran-tee their longevity. Equally mysterious is to understand the intimate, profound meaning of showing, giving and seeing. Would it be too risky to assert that we show things in order to establish a pla-ce, to constitute ourselves as a commu-nity that shares aspirations and anxie-ties, fears and desires that lie beyond our understanding. We exhume, dig, make and build things more because we want to understand them, rather than to ex-

plain them, more in order to ask ques-tions than to assert things. At the CIAJG, we combine objects and images from very distant times and pla-ces, sometimes without any apparent con-nection, as if they came to us brought by the wind, as if they were flying see-ds. We want to refound the museum as a place of wonder and reflection, as an air stream and mirror, as an infinite horizon. For this reason, we intermingle different languages and methodologies, from ar-chaeology to ethnology, passing throu-

gh the history of art. We try to blend di-mensions that are often irreconcilable, such as the popular, ancestral, artisanal, vernacular, and knowledge that is trans-mitted orally or by gestures. We propo-se to cast a gaze from the time and pla-ce in which we find ourselves, regarding the wide array of tangible and intangible manifestations and vestiges of our cul-ture. To return to visitors the space be-tween objects, the pauses in which they can breathe. To show the air.

PISO 1 / SALAS #1-8 | 1ST FLOOR / ROOMS #1-8

Page 8: Guimarães Arte e Cultura | CIAJG | jornal 2º ciclo expositivo 2015

CIAJG 8

f. marquespenteadoCATARINA’S RING

"Catarina’s ring", is one of a set of items de-signed by the artist, f.marquespenteado, during his residency in Guimarães for preparation of the Beyond History ex-hibition, inaugurated by the José de Gui-marães International Centre for the Arts. Inspired by the subject of Catholic rel-ics, f.marquespenteado worked with lo-cal artisans to produce a set of items that establish strong resonance with some of the city’s most deeply-rooted rituals, in-cluding the festivities of São Gualter. By means of this work, hand-embroidered on animal casings, the artist evokes one of the Catholic Church’s most precious relics, the holy prepuce that was removed from the infant Jesus during circumcision, in observance of Jewish tradition. This rel-ic - that is claimed to have worked many miracles - was worn by Catherine of Si-ena, a devout worshipper who lived be-tween 1347 and 1380 (and died in Rome at the age of 33), to signal her vaunt-ed “mystic marriage” with Jesus in 1368, when she was 21.

▲ f. marquespenteado • anel de catarina | catarina’s ring, 2012 • Bordado à mão e à máquina sobre tripas de animal | hand and machine embroidery on animal tripe • Coleção | Collection CIAJG

José de Guimarães International Arts Centre (CIAJG)Platform of Arts and Creativity

Opening hourstuesday to sunday10am to 7pm (last visit 6.30pm)

Tariffs4 eur / 3 eur Holders of the Cartão Jovem, Under 30 years, Students, Holders of the Cartão Municipal de Idoso, Reformados (Senior and Pensioner’s Card), Over 65 years, Handicapped patrons and the person accompanying them / Cartão Quadrilátero Cultural 50% discount / Free Entrance children until 12 years old / sunday morning (10 am to 2.00 pm)

Centro Internacional das Artes José de Guimarães (CIAJG)Plataforma das Artes e da Criatividade

Horário de funcionamentoterça a domingo10h00 às 19h00 (última entrada às 18h30)

Tarifário4 eur / 3 eur Cartão Jovem Municipal, Cartão Jovem, Menores de 30 anos, Estudantes, Cartão Municipal de Idoso, Reformados, Maiores de 65 anos, Cartão Municipal das Pessoas com Deficiência, Deficientes e Acompanhante / Cartão Quadrilátero Cultural desconto 50% /Entrada Gratuita crianças até 12 anos / domingos de manhã (10h00 às 14h00)

“anel de catarina” faz parte de um conjunto de peças concebi-das aquando da residência que o artista  f.marquespenteado realizou em Guimarães durante a preparação da exposição “Para além da História” que inaugurou o Centro Internacional das Artes José de Guimarães.Partindo do tema das relíquias católicas, f.marquespenteado trabalhou com artesãos locais para realizar um conjunto de pe-ças que estabelecem forte ressonância com alguns dos mais enraizados rituais da cidade, nomeadamente as festas dedi-cadas a São Gualter. Com esta peça, bordada à mão sobre tripas de animais, o artis-ta evoca uma das mais preciosas relíquias da Igreja Católica, o prepúcio sagrado, retirado do corpo de Jesus Cristo aquando do ritual de circuncisão a que, em obediência à tradição ju-daica, foi submetido enquanto jovem. Esta relíquia, a que são atribuídos diversos milagres, terá sido usada por Catarina de Siena, reconhecida devota que viveu entre 1347 e 1380 (tendo morrido em Roma aos 33 anos), para assinalar o seu propalado casamento místico com Jesus, quando tinha 21 anos, em 1368.

Central de Informação | 2015

Morada / AddressAv. Conde Margaride, nº 1754810-535 GuimarãesPortugalTelefone / Phone + 351 253 424 715www.ciajg.ptN 41.443249, W 8.297915

HALL CIAJG | HALL OF THE CIAJG

4 aos 10 anosDesalfabeto (grafismo, pintura, conto)Trocar os pés pelas mãos (escultura, figura, cartão)

10 aos 14 anosO avesso do volume (escultura, moldes, barro)GLOBO – rota do corpo à imaginação (desenho, corpo, geografia)

M/ 15 anosSuperfície da pele (escultura, moldes, cera)De 20000 a.C a 2000 d.C. (história, artes visuais)Fora do papel (desenho, arquitetura, espaço)

Terça a domingo, por marcação através do e-mail [email protected]ção 90 min. a 2 horasLotação 1 turma / 25 pessoas /Preço Oficinas 2,00 eur Preço Vai e Vem (1 visita ao CIAJG + 1 oficina na escola) 2,00 eur (oferta exclusiva para IPSS e escolas públicas de Guimarães)

Terça a domingo, das 10h00 às 19h00, por marcação através do e-mail [email protected] (a última visita terá início até às 18h00) Público-alvo Maiores de 4 anosDuração 60 a 90 min.Lotação min. 10 pessoas, max. 20 pessoas Preço 2,00 eur (grupos escolares) / 5,00 eur (outros públicos)

09 maio, 06 junho e 11 julhoHorário 16h00Público-alvo dos 4 aos 12 anos Duração 90 min. Lotação min. 10 pessoas, máx. 20 pessoas Preço 2,00 eur Atividade sujeita a marcação prévia com, pelo menos, 48h de antecedência através do e-mail [email protected]

Organização