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GUERREIRO Ivan Almeida da Silva, o "Ivan Piro" ([email protected])
I – O lenhador incomodado
O machado arqueou e se deixou cair preciso sobre a tora, rachando-a em duas. A
ferramenta ficou presa no resto de árvore e seu dono aproveitou para limpar o suor do rosto.
Diek era um homem forte: braços grossos como troncos, mãos calosas e também
grosseiras, corpo compacto e rijo, tal qual os arvoredos. As copas peneiravam o sol
cinzento, raios hesitantes em fitar a calvície grisalha e os traços decididos e maduros como
os frutos caídos nas folhas secas.
A expressão de seus escuros olhos manchados de cansaço ou desilusões adiantou o
monólogo preocupado:
– O inverno está chegando. – disse, e respirou fundo.
Os onipresentes cricris, pios e o cheiro de mato eram-lhe agradáveis, embora ainda
não acostumado às sombras constantes da atmosfera pesarosa. Era um cenário comum em
Tollon, nação dominada pelo verde das florestas – agora alaranjado – e preto das barbas dos
anões.
Esses pequenos podiam ser facilmente encontrados nessa parte do continente, talvez
porque se sentissem à vontade em meio à negritude, ecos do subterrâneo. Mais do que isso,
as matas fechadas como os pêlos dos rostos rabugentos atrapalhavam as viagens, tornando
o lugar ideal para reclusão.
Línguas bêbadas retrucavam que eram fugitivos de uma catástrofe sob a terra, ao
que os anões argumentavam compartilhar o amor pelo machado e o trato do quindarkodd,
espécie de madeira de qualidade superior e principal artigo do reino.
Quanto a Diek, alheio a tais discussões, apenas almejava escapar de choro e ranger
de dentes.
Pegou o pedaço de madeira e lançou ao amontoado próximo. Ela não pesava, mas
uma pontada na coluna respondeu ao esboço de esforço. Vergou-se sob o peso da dor,
apoiando-se no cabo, abafando gemido e uma imprecação.
– Até quando vou pagar pelo que fiz? – sussurrou, quase um rosnado. Nesses
momentos, deixava transparecer um fulgor e uma ferocidade indomadas sob as
sobrancelhas grossas.
– Vem, pai! O almoço está pronto. – controlou-se quando ouviu a voz gentil do
pequeno Tristão.
Ele correndo para abraçá-lo, cabelos e roupas bagunçadas, braçinhos e coração
abertos.
"Ele não há de ser como eu." – concluiu, abandonando machado e se limpando na
encardida camisa. Espremendo os olhos em dúvida, obteu foco, e arregalou perigo.
Um anão correndo para matá-lo, armadura e elmo ensangüentados, escudo e martelo
de batalha preparados.
Surpreendido desarmado, recuou e tropeçou, ao passo que o inimigo aproveitou a
fraqueza e apertou a carreira.
– Me deixe em paz! – suplicou, ofegando terra e folhas.
– Pai! Tá bem? – a voz anã era de Tristão, inclinando-se.
– Sim, estou, filho... – olhar ziguezagueando exclamado. "Onde está ele?" – Vamos,
me ajude a me levantar. Isso, Tristão... Mas que braço forte, heim, garoto! Vai ser um bom
lenhador...
– Como o senhor, pai! – sorriu.
Sua introspecção foi perfurada pelas farpas da portinhola do cercado, assim como o
cheiro cozido que vinha da cozinha humilde. A fumaça subia rodopiando devagar o
pequeno caldeirão balançado por colher de pau, círculos menos perfeitos que seus cachos
ruivos. Mãos suaves deixaram-no e se esfregaram no avental, para logo em seguida
erguerem-se às prateleiras.
– Eu te ajudo, amor. – Diek tirou carinhoso os pratos de ferro e roubou um beijo nas
bochechas rosadas e úmidas. Ela retribuiu com um olhar azul afetuoso.
O homem puxou uma das três cadeiras (a última estava cheia de roupa) da mesa
quadrada que consertaria um dia e se ajeitou após mulher e criança. Molhou a boca com a
visão do pão caseiro, mergulhando-o em pensamento na carne. Então se lembrou da oração
e seu rosto assumiu um tom solene, tal qual um clérigo a passar sermão. Deteve-se sem
querer na faca enfiada na comida.
Sermão. Faca. Espada...
...A espada é a maior pregação que um padre da guerra faz! – ecoou uma voz
autoritária. Obedecendo ao comando, sua mão foi inconscientemente lenta e firme à faca.
– Bem? Estamos esperando. – disse Madeleine, estranhando o fato dele tê-la pegado
sem rezar.
– Ah, sim, claro... – respondeu desconcertado. Largou a lâmina e assumiu uma
postura e tom profundos.
– Lena e Marah, deusas da vida e paz. Agradecemos a dádiva do alimento generoso
e rogamos por vida longa e paz. Que assim seja.
– Assim seja. – seguiu as duas vozes e seguiu a cacofonia dos talheres.
– Não me vá derrubar a floresta toda, querido! – brincou Madeleine, voz doce entre
pedaços salgados de galo.
Diek esboçou um sorriso que parecia fora de lugar naquele rosto sofrido. Sua
mulher interpretou como simples cansaço, afinal, o outono dava seus últimos suspiros e era
imprescindível o ajuntamento de lenha para aquecê-los na estação vindoura. Por isso seu
marido se esforçava e podia lhe permitir um ou outro desânimo.
– Diek?
– Oi? – levantou a cabeça.
– Querido, os Grandes Jogos estão chegando. Não te faz lembrar de algo?
Ele sorriu novamente, desta vez com um pouco de ternura.
– Como não? – mas não queria continuar a conversa. O frango escapou da garfada e
escorregou no pano de mesa com motivos floridos. – Foi quando nos conhecemos.
À visão do antebraço rude, Madeleine resgatou a imagem do homem encostado em
uma árvore enquanto assistia de braços cruzados aos arremessos de troncos, demonstrações
de força e orgulho dos tollonienses, durante as festividades do fim da primavera. Ele não
vestia o sahurim, o tradicional poncho xadrez dos nativos e, apesar de não participar das
disputas, alguns lhe lançavam olhares de desafio à compleição guerreira.
Ela nunca havia visto aquele estrangeiro atraente. Pediu para Gilden, seu amigo (e
protetor) acompanhante em todos os festivais, que o apresentasse, de acordo com o
costume. Finalmente encontrara alguém mais interessante que os homens peludos e suados.
Lembrava-se da reação sóbria e calma dele à medida que lhe era rosnado em
segredo a intenção. Então, suas pernas tremeram e seu coração bateu mais forte quando lhe
percebeu o olhar penetrante. O andar simples e a postura ereta sem afetação davam a
impressão de uma energia serena, que se confirmou quando ouviu a voz viril.
Madeleine conjeturava se ele era como os outros machistas, que super-protegiam as
mulheres de Tollon, num resquício dos modos antigos sempre presentes naquelas matas.
Não sabia que este comportamento era, na verdade, fruto podre dos estupros cometidos
pelos ancestrais às bárbaras que habitavam tais paragens antes da colonização.
Diek catou a coxa, meteu-a na boca e limpou a mão escondido na toalha de mesa.
Alguns encontros às escondidas, e a primavera durou um pouco mais naquele ano.
– Brr, mas que vento frio! – Madeleine, arrepiando-se despertando das
reminiscências.
– É o inverno. – Diek, seco. – Vou fechar a janela.
Ninguém o notou levantar apoiado um pouco mais que de costume nas costas da
cadeira. Segurava firmemente a dor enquanto caminhava até a janela, agradecendo os
rangidos do assoalho, mais altos que um eventual murmúrio.
Folhas murchas dançavam ao sabor do ar sussurrante e uma ou outra se aventurava
para dentro, uma no rosto de Diek, que a afastou displicente. Logo se juntavam ao tapete de
relva já não tão macio que adentrava a floresta.
Elas não encontravam obstáculo, pois era em cima das árvores, altas como gigantes,
que o cotidiano acontecia. Geralmente onde a vista se erguesse, havia a cena incomum:
escadarias se emendavam nos troncos à semelhança de trepadeiras ou cobras, terminando
em habitações construídas entre os galhos, todas ligadas com pontes de cordas. As vidas
suspensas eram o modo de Tollon.
Diziam que havia coisas perigosas ao nível do chão, onde Diek erguia sua casa. Ele,
como reinol de Petrynia, lugar que abrigava tantas histórias a ponto de se tornar impossível
acreditar em todas, conhecia o valor dos contos de fadas e, assim, preferiu manter-se no
solo. Por um momento, permitiu-se rir mentalmente dessas narrativas, mas uma olhada
atenta para fora o fez morrer.
Distante, na estrada de terra batida, divisava duas, três figuras negras, andando a
passo lento e certo até sua direção. Mesmo longe, identificava o símbolo costurado nas
capas ou mantos em que se cobriam. Reconheceria em qualquer lugar o medo e a escuridão
que invocavam. Seu sangue gelou.
– Está vendo alguma coisa, amor?
– Vá para o quarto. – ordenou friamente, pisando forte e atrapalhado; apanhou a
faca. – Leve a criança.
– O que foi? – ergueu-se preocupada, buscando Tristão. – Outro troll?
– Vá para o maldito quarto, mulher! – meteu a arma no cinto.
Ela respondeu magoada um monossílabo, mas que soou como um “vá para a
tormenta!”, e empurrou o filho assustado. Ora, ele que resolvesse!
Tardiamente arrependeu-se do azedume ao ver o marido arrastar-se para fora.
Diek sentia o cheiro de chuva iminente, gotas que lhe eram vermelhas, pesadas e
que o angustiavam. Jogou uma cusparada e esfregou a boca para espantar o medo. Eriçava-
se, revolvendo a terra como um touro enquanto as botas se aproximavam lentamente,
inexoráveis...
II – O outro lado das águas
O pequeno bote deslizava vagarosamente na escuridão, moroso sobre as águas geladas do
Rio dos Deuses. Apesar do ar brumoso impedir a visão, os cinco clérigos continuavam. O
jovem Diek Braço Forte, silencioso, estava entre eles, sustindo cabisbaixo o leme, tal qual
um barqueiro da morte.
De fato, havia um clima de fatalidade. Eles iriam matar.
Entre uma remada e outra, de repente ouviu-se um baque metálico. Ao perceber a
armadura de Tusk Dois Machados ajeitando-se inquieto, Diek deixou escapar uma bufada
de cansaço e raiva, lembrando-se de como fora inútil tentar convencer o grandalhão a não
vestir o peitoral de aço. “Nunca se sabe quando alguém vai jogar uma bola de fogo!”,
respondera, afivelando as tiras.
O lutador teimoso era de Wynlla, torrão estranho possuidor do maior número de
usuários de magia em todo o continente. Todavia, o físico bruto, a argola no nariz, bem
como a ausência de pêlos (mas não de letras) ironizavam sua origem.
Se Diek era um touro, Tusk era um górgona.
Nesse momento, como que por mágica, a névoa se esvaiu. No entanto, não tinham
motivos para se preocuparem, pois fardavam-se com a cor do luto. Sabiam da necessidade
de cobrirem-se com o mínimo de couro, dado o caráter rústico dessas “missões especiais”,
nas palavras de Justifer Espada Mortal. Este yudeniano, para quem a guerra corria nas
veias, comandava aquele grupamento, a Segunda Lâmina de Keenn, do Templo da Primeira
Espada em Petrynia.
Ainda assim, Bradeken Late Sangue (apenas coturnos, calças, uma faixa na cabeça e
pinturas guerreiras) não deixava de se incomodar com o volume da proteção do
companheiro, mesmo que ele tomasse o cuidado de não a polir. Rosnou, lobo das
Montanhas Sanguinárias:
– Por que você não tira essa droga? – uma catarrada.
Como já soubessem a resposta, Justifer interveio, ríspido:
– Quietos. – sussurrou firme, e foi obedecido. Inclinou-se para a borda da
embarcação, farejando à procura de desgraça. Em seguida, virou-se para Solog Morte Uma
Vez e assentiu calado.
Mesmo na treva, adivinhava a visão do rosto severo de seu comandante, marcado
por um rasgo no olho leitoso e sem expressão, em um contraste com as faces de rosas que
haviam perfumado sua vida anterior em Ahlen. Solog agora estava no meio de espinhos.
Perfurou Bradeken, que grunhiu um “filho do Nimb”, ruminando e babando expectativa
assassina.
Então, olhos adestrados na penumbra, logo podiam distinguir melhor no outro lado
das águas a fronteira de Tapista, o lar dos minotauros. Os lampiões das casas de madeira
pontilhavam e roçavam nos campos de cereais que dominavam a paisagem, rodeados por
ocasionais bosques, cujas copas iam dar no horizonte azul marinho. O cenário campestre
terminava abruptamente no barranco às margens do rio, onde rapidamente se esconderam.
– Já sabem o que fazer. – ofegou Justifer, água até os joelhos e empurrando o batel.
Viraram-no de cabeça pra baixo e começaram a cobri-lo toscamente de relva.
– Me ajude com a terra aqui, Solog!
Ele vigiava pendurado na beira do barranco quando o pedido incômodo de Diek
diminui-lhe as forças. Deixou-se cair sem muita elegância, respingando em Bradeken, que
esquivou um atrapalhado rolo de cordas nos ombros. Não queria aumentar a carga, que de
peso bastava sua maça.
Quando julgou tudo pronto, Justifer gesticulou atenção e disse:
– Muito bem. Vamos em dois grupos: eu e Tusk; Bradeken, Solog e Diek. Avancem
pelo campo, libertem os escravos e, se encontrarem resistência, já sabem o que fazer.
– Deixa eu ir sozinho. – disse Bradeken. – Eles só vão atrapalhar.
– O bárbaro e suas esquisitices de animal... – bocejando forçadamente, relevou
Solog. Diek mantinha-se calado, em sinal de respeito ao pretérito do montanhês. Não lhe
havia comentários maldosos por se solidarizarem com a morte de seu irmão gêmeo, o qual
tivera que matá-lo em duelo ritual para se sagrar sacerdote.
– Já te fiz o favor de levar o górgona aqui. – dois tapinhas no metal opaco. – Agora
cale a boca e vão com Keenn.
Assomaram a elevação e se espalharam soturna e furtivamente pelo campo,
misturando-se ao trigo.
III – Não ao passado
Diek cuspiu a boca seca querendo cerveja e que tudo aquilo fosse a droga de um sonho.
Empertigou-se.
– Não são bem-vindos. Que querem? – outra cusparada.
Foi Solog quem respondeu o convite:
– Ora, isto são modos de receber velhos amigos?
O lenhador iria se desfazer em mais injúrias, porém o olhar de Morte Uma Vez,
mais turvo do que se lembrava e agora tão distante de seu passado aristocrático, deixou-o
sem reação.
Nunca havia entendido por que Solog se ordenara na Igreja de Keenn. Afinal, todos
conheciam a reputação dos habitantes de Ahlen, avessos à violência explícita. Cogitavam-
lhe dívida de jogo, falência ou desengano amoroso, mas o homem de aparência frágil e
modos patrícios encontrara apenas ódio e sofrimento. No fim, fora um verdadeiro escândalo
de armas quando milagrosamente sobrevivera aos treinamentos, conquistando o direito de
ostentar orgulhosamente sobre as finas roupas o símbolo do escudo cruzado por espada,
martelo e machado. Por isso, haviam-no apelidado de Morte Uma Vez.
Se a primeira baixa de Solog fora sua vida na corte, os outros cortes haviam sido
uma reação do seu sabre de prata – uma arma bela e brilhante – que foi-se manchando com
o passar do tempo, juntamente com o fidalgo decaído, seus cabelos loiros empalidecendo, e
logo os olhos azuis de um céu romântico tornaram-se um lago morto – olhos de morte,
várias vezes.
Como que adivinhando seus pensamentos, atalhou:
– Nós não mudamos tanto assim. Veja: o Justifer ainda não encontrou a fada que o
picou o olho. – piscou-lhe um, referindo-se ao caolho.
A coluna chiou e Diek rilhou os dentes. “Talvez sejam as sombras, sombras demais.
Não mudamos – nós somos as sombras.”, suspirou tristemente.
“Não, não sou mais um clérigo. Não envergo a batina suja de sangue.”
– Não sou mais um clérigo... – mais para si que para os outros.
– Que disse? – perguntou Solog, arqueando a sobrancelha, embora tivesse ouvido.
– Não é da sua conta.
O lenhador examinou os três que já não conhecia tão bem, todos cobertos pelas
capas de viagem à semelhança de ponchos. Podia adivinhar que, sob os panos grosseiros,
Tusk, coçando a careca e com algumas cicatrizes (ou rugas?) a mais, ainda envergava o
colete metálico, além dos machados que lhe davam a alcunha.
Um trovão riscou o céu, reverberando melancolicamente pela floresta.
– Vai chover. – concluiu Tusk, o rosto em leve desânimo para o tempo de ocaso. –
Deixe-nos entrar Diek, que não quero me molhar novamente.
– Já disse que não são bem-vindos. – sacou lentamente a faca, torcendo para que as
gotas caíssem logo e se misturassem ao seu suor frio.
– Abaixe isso, guerreiro. – a voz tranqüila e grave de Justifer foi acompanhada por
outro trovão.
Diek deteve-se no flanco do clérigo, cujo manto avolumado sugeria a mão que
descansava no cabo de Pacificador, sua espada bastarda. Esquecera-se de que ele sempre
estava em guerra.
– Não sou mais um clérigo. Não devo nada a vocês. O que fiz está feito.
“Está feito...”
IV – Anátema
... – Vamos, faça, Diek! – o rosnar gemido escapou de Bradeken, atracado com um
minotauro, raça meio homem meio boi, em uma rinha mortal. Os lutadores tropeçaram nos
vasos de palha cheios de grãos e rolaram até tremerem a parede de madeira.
As coisas corriam mal. Braço e cabeça bovina jaziam a alguns passos de seus dois
cadáveres, as poças empapando a palha. Os clérigos não esperavam que fossem legionários
disfarçados de agricultores-feitores, incumbidos justamente de fazer cessar tais agressões
clandestinas. A Legião – força de segurança do império – sabia dos danos que a falta de
controle num caso desses podia causar à política escravista do reino. E, caso essas
informações sigilosas continuassem escapando, a falta de controle generalizada para um
costume que as outras nações mal toleravam, temia que nem mesmo o hábil corpo
diplomático conseguisse evitar uma guerra.
Justifer Espada Mortal e sua Segunda Lâmina certamente queriam a guerra. Foram
ações como essa que semearam o clima de insatisfação para que, anos depois, debelasse a
guerrilha em Hershey.
As espadas curtas dos mortos tremiam nas mãos de um par dos seis escravos,
acuados no fundo da choupana que lhes servia de senzala enquanto esperavam aflitos o fim
da refrega, separados dos clérigos por um fogo de chão.
– Mate-os logo. – disse firme Solog, vigiando a entrada. A falta de sutileza do
cavalheiro traía seu receio de, a qualquer momento, aparecerem reforços. Os gritos enchiam
a noite.
Braço Forte não entendia por que devia matá-los. Afinal, não tinham ido até ali para
dar-lhes a liberdade? A corda que seu companheiro havia trazido não era para amarrar-lhes
as cinturas e guiá-los?
– Por quê? – ousou, incrédulo.
Solog arrepiou-se rápida e involuntariamente de perplexidade. O que ele estava
fazendo?! Teria tempo para resolver tal conduta depois que sobrevivessem. Pouco
acostumado a justificar seus assassínios, ainda assim lançou as palavras mais simples
possíveis:
– Fracos; as armas.
– O quê! – perguntou-se sem acreditar no que ouvira. A resposta em sua mente
veio-lhe com uma simplicidade aterrorizante: eles são fracos e estão armados.
Maldição! Se não tivessem apanhado as malditas espadas, tudo seria diferente. Mas
agora representavam ameaça – esta era a doutrina de Keenn.
“Se encontrarem resistência, já sabem o que fazer.”
– Não. – disse, e abaixou a espada longa. – Está errado.
– Seu covarde! – vociferou Bradeken, erguendo-se com dificuldade, corpo e olhos
sangrentos.
Não sabia por quê, mas o bárbaro sempre antipatizara com ele. Seu rosto se fechava
ao se lembrar de como o havia saudado com um arroto quando passara pelo portal, trazido
pelo pai ferreiro. O jovem queria aprender a usar o aço, procurando disciplina e esperança
na Primeira Espada. Mas ele seguia um caminho reto demais, tal qual o gume da lâmina
que se adestrara habilmente. Até que – blasfêmia! – de súbito recusara-se a matar.
No começo, os escravos, duas mulheres e quatro homens, cujos trapos sumários mal
escondiam as magrezas, exclamaram felicidade quando os algozes foram mortos pelos
homens de preto. Depois, não tiveram tempo de expirar gratidão, pois que o sobrevivente
atirou-se sobre o guerreiro de juba e se bateram. Nesse ínterim, dois deles alcançaram as
espadas curtas, caso houvesse necessidade de defesa.
Quando perceberam que também iam ser vítimas da sanha assassina, nenhum se
arriscou a passar pelo loiro, uma vez que ainda acorrentados pelos pescoços, enfraquecidos
demais para desafiar homens tão fortes. Apenas apertaram as espadas com resignação e
olhos úmidos.
– Eu te esconjuro. Tu não és meu irmão. – ofegou Bradeken, caminhando aos
condenados, indiferente às lágrimas e gritos de receio e clangores de ferrugem.
Sua maça ultrapassou terror e afundou no tronco de um inimigo antes que reagisse.
Esquivou-se desprendendo a arma com o pé, desenhando um sorriso maligno à tentativa de
corte do outro. Seu globo cheio de cravos voou atingindo o queixo e o gorgolejo
acompanhou o gládio batendo na terra.
E foi no chão que Diek manteve o olhar, evitando encher seus pesadelos com as
imagens do massacre covarde dos casais restantes. Mas os ganidos de dor o perseguiriam.
– Eu te esconjuro. – suspirou, passos vermelhos.
A essas palavras, somente agora Solog desviou-se da vigília, pois que aquele era um
momento grave – se o sacerdote Bradeken Late Sangue repetisse aquela litania, Diek seria
excomungado da Igreja da Guerra, conforme o Regulamento talhado no altar de pedra
maciça localizado no templo-fortaleza da Primeira Espada. Ele seria o primeiro a receber
tal punição desde os tempos de Chirakg Meio-Orc.
– Anátema... – sussurrou para si o clérigo.
Apesar de não ter ouvido, Diek se defendeu:
– Eles eram inocentes.
– Então por que não os protegeu? – provocou o ahleniano.
Inútil responder.
O dom de Keenn era diferente para cada combatente. A uns, concedia-lhes a
ausência de medo; outros, o destemor de ferimentos, assim como a fúria selvagem no
campo de batalha. O bárbaro dos montes pertencia a esta categoria. Para Bradeken, a névoa
continuava e só havia violência além.
Inútil tentar impedir.
Diek manteve-se em silêncio, encarando os sacerdotes.
“Não tenho medo.”
Mas já havia sido um covarde.
Bradeken eriçou-se e sentenciou, tremendo de ódio, tom de frase solene:
– Eu te esconjuro! – a respiração profunda foi a mesma de quando o irmão lhe
morrera. Dando vazão à raiva, catou a cabeça desgrenhada e, com um arremesso, bateu-a
em Diek. Ele manteve-se inalterado, embora explodisse de vergonha e revolta e seu deus o
abandonando. Tudo o que conseguiu fazer foi caminhar até a saída e, enquanto Solog lhe
flanqueava a passagem, ainda ouvia:
– Nós não precisamos mais de você!
V – É o destino do combatente
– Nós precisamos de você. – disse Justifer, molhado de chuva. As gotas alisavam seu
cabelo curto crespo e clareavam sua pele parda, pesando no manto. No entanto, ele não se
curvava.
Na verdade, Justifer era o único que chegava perto de entender Diek, não porque
fosse mais veterano, mas simplesmente às vezes também sentia remorso em matar,
esforçando-se por reprimir esse sentimento, escondendo-o de si e dos outros.
No entanto, com o passar de vítimas e tempo, o semblante se carregava de
sofrimento. Esta era a primeira etapa da sina do combatente: muitos os chamados, poucos
os escolhidos.
Para os que continuavam, havia a tristeza suave e depois prolongada... Então o
vazio. Esta era a fase mais dura do guerreiro, quando suas convicções postas em jogo.
Alguns não agüentavam o fardo e desistiam. Justifer estava há tempo demais no caminho
da espada para se entregar.
Não podia haver arrependimentos. Somente resignação e, logo, os que
perseveravam alcançavam a distinção e a sobriedade. Mas nunca a paz. Nunca a paz.
Para Justifer, Diek errara ao pretendê-la. Sua alma pedia a guerra pois, quando esta
acaba, o guerreiro sente o vazio.
Para o Espada Mortal, a guerra era um destino. Sua história era um conflito.
Criminoso e vítima ao mesmo tempo, sua imolação vinha na forma do preconceito
para com sua etnia, herança dos antigos habitantes de Svalas, matas anexadas pelo belicoso
Yuden. Viver em uma nação de soldados significava não perdoar derrotados, mas era duro
sofrer por uma batalha que nem lutara, pois que o sangue desses primitivos pavimentara a
expansão séculos antes dele ter nascido.
A desgraça de sua pele cor de terra também atingira os pais, enviados
arbitrariamente para a Fortaleza Hardof, conhecida por abrigar presos políticos, e as duas
irmãs, desaparecidas misteriosamente. Justifer ainda tentara se juntar ao exército
convencional, mas este o escorraçou. Então, como só sabia ser soldado, decidiu ingressar
na Ordem de Keenn e se desterrar, que os padres-em-armas sempre precisavam de alguém
para pregar a palavra do aço adiante.
E foi com um aço sem orgulho e honra que peregrinara até a Primeira Espada.
Longe da terra natal, a própria dor doía menos. Só sabia fazer guerra.
Antes que o ex-clérigo Diek pudesse dizer algo, uma voz feminina saiu da entrada:
– Tudo bem, amor?
Solog também ficou curioso e espiou o canto.
– Ora, e eu pensando que Braço Forte fosse um ermitão, sentindo prazer na
solidão...
– Entre, mulher! – voltou-se. – Não façam nada com ela. – firmou a bota.
Madeleine surgiu vagarosamente pela metade, encostada de dentro da cozinha, seu
vestido claro de chita amarrotado de encontro à lateral bem talhada, sugerindo curvas
formosas.
– Diabos, entre!
Justifer ergueu a manopla em paciência.
– Acalme-se, Diek.
A faca amoleceu-lhe na mão, pois algo de muito grave havia acontecido.
Servos de Keenn nunca pediam por paz.
Em sua cólera contida, somente agora notara que o barbudo Bradeken Late Sangue,
seu excomungador, não os acompanhava.
– Onde está? Resolveu voltar para as montanhas?
– Ele morreu. – respondeu Tusk, um tanto mal humorado pela chuva, cujo
murmurar pesado desabava as copas e caía grosso.
– Então estamos quites. – jogou uma cusparada, deixando a saliva escorrer junto
com as gotas pelo queixo duro.
– Nunca a compaixão... – sussurrou Solog balançando levemente a cabeça, sorriso
de satisfação melancólica. “Ele ainda vive seu próprio abismo, ainda arrasta sua mancha de
sangue.” Adiantou-se e disse:
– O que aconteceu naquele capoeirão é passado. Não há mais ódio.
– Não me venha com palavras pomposas!
Sem aviso, Tusk iniciou andar até a porta, sacudindo a capa.
– Mais um passo e vou matá-lo. – faca novamente em riste.
– Espere que me seque, pelo menos. – reclamou o grandalhão continuando.
O restante da Segunda Lâmina o acompanhou, rostos escuros entediados pela
bravata vazia. E, à medida que sumiam para dentro, Diek ensaiou outro cuspe, mas este
saiu desconcertado como ele.
– É a chuva. – tentou se desculpar.
Logo devoravam restos de galinha e cerveja e Diek de pé ruminando pensamentos,
bebendo amargo. Madeleine um enfeite de canto entre os bonequinhos de madeira da
parede, olhando receosa para as roupas espalhadas no chão úmido, o filho indeciso calado
entre os braços. Velas em pratinhos de cerâmica perto do lavatório, junto às cabaças e na
entrada do quarto suavizavam a tristeza.
O arrastar das botinas barrentas e as gargalhadas sarcásticas feriam Diek mais do
que um talho de lâmina. E foi com dor que se lembrou de sua cicatriz nas costas, de quando
salvara Justifer durante as tentativas fratricidas em 1384, quando a Terceira Lâmina e seu
líder trovador Caithax tivera visões de sangue. Aqueles eram tempos ruins, uma vida
errante e incerta em que a única certeza era matar ou morrer. Ia pousar a faca, mas teve uma
idéia melhor.
Tusk entornava quando uma perfuração repentina e violenta na mesa fez os
petrechos pularem, derramando sua bebida amarela e desenhando seu antigo ferimento que
quase havia deformado o queixo. Grunhiu uma insatisfação, mirando rapidamente a faca de
Diek e depois terminando o copo. Mas a mão foi no cabo do machado, só por precaução.
– Acabou a piada, seus bufões, acabou minha comida, acabou a chuva. Acabou
minha hospitalidade.
– Muitas coisas encontraram o fim. – sussurrou suavemente Solog, massageando a
boca.
Justifer suspirou fundo e disse:
– Aguça tua espada novamente, Diek, e venha conosco. Mais uma vez houve
dissidência no Templo, houve dissidência, e eles chacinaram todos.
– Não há mais espaço para receios. Se não agirmos, a Igreja de Keenn não existirá
mais em Petrynia. – afirmou Tusk.
– Ora, pro inferno você e Keenn! Eu é que não preciso de vocês.
O Espada Mortal encarou o comandado, que se calou. Conhecia o suficiente do
Braço Forte para saber que não lutaria mais por seu deus. Continuou:
– Dizem haver uma nova ordem da guerra em Petrynia. Eles se denominam os
Arautos, mas são hereges. Mataram todos os sacerdotes da Primeira Espada como uma
espécie de eucaristia profana. Seu líder, Erup Filho da Guerra, proclama possuir a Espada e
Armadura Negras, artefatos de nossa Igreja.
– Esse Erup pertencia à Sexta Lâmina juntamente com o elfo Enssiê, o pequeno
Pindio e o Odi Sorriso na Guerra, portanto, são traidores. Bradeken estava no
aquartelamento quando eles atacaram, mas conseguiu nos deixar um sinal em sangue. E
nós, que estávamos em incursão, ao chegarmos nos deparamos apenas com morte. – uma
pausa proposital.
– Eles defendem a morte, Diek. Esta não é a iluminação, este não é o caminho de
Keenn. Por isso nós o procuramos além-reino e estamos aqui para lhe pedir que saia na
chuva mais uma vez.
Enquanto explicavam confusões, o lenhador lhes ficava de costas, olhando o
exterior pela porta aberta. Ele estava depois das tempestades e agora lhe queriam nas
sombras novamente.
Mas isto ele não podia recusar. Desta vez, não se tratava apenas de homens
perturbados ou evangelhos de sangue. Desta vez, inocentes podiam ser feridos. Os escravos
mortos lhe pediam a redenção pela espada. No fundo, Diek pensava simples como um
soldado.
Afinal de contas, ainda era um guerreiro. E, em sua concepção simplória e lógica,
guerreiros guerreiam.
– O que querem que eu faça?
Lágrimas negras brotando e escorrendo de Madeleine.
VI – Peixes, cheiros e bobos
A madeira molhada do píer rangeu com o pisão das alpercatas de Diek. Junto com o
desconforto veio o fedor de peixe e fábulas velhas.
– Isto aqui não mudou desde que saí, 10 anos atrás. – refletiu, passando a visão em
panorama pelo porto de Malpetrim, cidade costeira de Petrynia.
Logo caminhava entre os vendedores, que continuavam sujos como suas barracas,
oferecendo a fungadas e berros uma diversidade de mercadorias tais quais frutos do mar,
cacarecos, temperos e artesanatos dispostas em tabuleiros de madeira. Injúrias que
misturavam aos cheiros confusos e se confundiam com as sagas sobre Cyrandur Wallas, o
maior herói do reino, desbravador dessas terras fantásticas nos tempos antigos da
colonização.
Assim, a energia perene e onipresente do errante-santo impregnara o ar com a
expectativa de aventura, característica epítome sempre atraindo tipos exóticos dos três
cantos do mundo.
E, junto com tudo, as narrativas. Séculos de declamações marcavam com um traço
de credulidade indefinida cada rosto de mal imberbe carregador, donzela de magote ou
baixo burguês afundado no colarinho torto.
Braço Forte, um chapisco entre as casas caiadas, passava por esse mosaico de
mesma cor de rosto fechado pelo sol já forte da manhã, remexendo inquieto o bolso do
colete e a outra apertada no fecho do saco de ombro. Seguia solitário pois, a fim de não
chamar atenção, fora decidido que tomariam caminhos diferentes até o subúrbio, onde se
supririam.
Enquanto sem perceber criticava o polimento da parede de tábuas de certa
estalagem, deteve-se distraidamente no paradoxo de Justifer, usando a desculpa de “tática
de guerra irregular” para a separação. Justo o yudeniano, que crescera admirando as
grandes e vistosas formações de combate comuns em seu terreno pátrio.
Eles haviam mudado, mas será que Diek mudara?
– Um tibar, meu senhor.
Alcançou por instinto a espada na cintura, até perceber que a voz trêmula não tinha
sido uma ameaça.
– Um tibar de cobre, mestre-guerreiro, para um bobo caído na sarjeta.
A entonação deixava entrever um hálito ébrio pelos dentes amarelados, em contraste
com o rosto pintado de cal, assim como os lábios e nariz rubros. Garrafas vazias (algumas
quebradas) eram uma platéia silenciosa para a sanfona torta ao lado e as roupas
espalhafatosas de cores malcheirosas. Apenas um beco escuro úmido, comum em
localidades litorâneas.
A figura bizarra soergueu-se com dificuldade para escapar do cão desgrenhado que
lhe tentava lamber o rosto em manchas e, quando um sorriso entre o cômico e o trágico,
interrompeu-se com uma careta seguida de um arroto.
– Tome. – deixou cair algumas moedas na poça ardendo a mijo.
– Muito obrigado, meu senhor. – uma mesura desajeitada de cabeça. Soluçou,
saltando o chapéu de várias pontas, imediatamente furtado pelos dentes do cachorro,
grunhindo e rosnando satisfeito com o novo brinquedo.
Diek passava em meio aos tinires dos guizos, quando foi interrompido:
– Para onde vais? – num tom quase ingênuo.
Braço Forte quase escorregou um pé no paralelepípedo, descontente. Ao pensar que
embarcara justamente para evitar passar pelas terras vizinhas de Lomatubar e Fortuna, com
suas pragas e superstições idiotas, a pergunta inconveniente daquele palhaço bêbado
carregara-lhe o cenho. Mesmo assim, respondeu entre seco e ameaçador:
– Para o templo da Primeira Espada de Keenn. – esperando que o assustasse, pois o
credo possuía uma reputação de medo.
– Ó, sim, mestre! – exclamou, batendo palmadas irregulares de uma satisfação
infantil mas não inocente. – A Primeira Espada, o matadouro!
Sem saber o que responder pela reação, Diek apenas confirmou com a cabeça um
tanto atrapalhado. Grunhindo um monossílabo, deu de ombros, continuando a andar.
Então, algo aconteceu. Se não estivesse ali, onde o limite entre realidade e fantasia
era constantemente desafiado – pelo menos na boca de qualquer daqueles reinóis – e,
principalmente, se não fosse também um conterrâneo, julgar-se-ia vítima de um embuste.
Estava em um beco escuro com um palhaço de cheiro bêbado, apenas um "cabra bicho
insólito" (conforme o dissera Praticus, mago da Academia Arcana que ganhara no baralho
meio metro de sabre no estômago, quando em jogo com Solog). Estava na escuridão,
condição em que coisas esquisitas aconteciam.
O homem no lixo começou a esboçar movimentos espasmódicos, remexendo-se
como um boneco de pano, derrubando garrafas, chiando com um esbarrão a sanfona,
assustando o cão, que começou a latir em desafio. A respiração grave e entrecortada
ondejava do agudo doentio ao grave...
– Possuído pelo demônio... – sem perceber, disse baixo o lenhador, a espada saindo
devagar da bainha.
A fim de enfrentar esse acontecimento, Diek pôs-se a agarrar de volta suas
reminiscências, imagens de treinamentos na floresta noturna, onde clérigos sentavam-se a
volta da fogueira e ouviam o druida, o fogo desenhando formas bizarras, quando o velho,
num estado alterado de consciência, servia de mensageiro para as vozes do Outro Reino. E
foi com uma voz gutural que o bobo ou demônio grunhiu:
– Cuidado com o credo assassino, homem de arma. As histórias não mentem: o
Filho da Guerra despertou e está solto, pronto para devorar criancinhas indefesas. – mal
terminou e ruidosamente afundou-se numa gargalhada macabra, o cãozinho fugindo em
carreira.
O Filho da Guerra, dito em meio à cacofonia e à profecia, fê-lo lembrar de que era
esta a alcunha de Erup, quando na Sexta Lâmina de Keenn. Justifer havia contado que o
comando do templo nunca sentira-se à vontade com o fanatismo do insurgente, tanto que o
haviam enviado, juntamente com os outros clérigos do grupo, para "resgatar" a Espada e
Armadura Negras.
Diek fora excomungado bem antes dessa história, desconhecendo as intrigas. Para
ele, haviam simplesmente transformado um sacerdote dado como morto em um anjo-
guerreiro, bem ao gosto de Petrynia. Achando graça no seu pensamento, soltou uma
imprecação para se livrar do receio e acompanhou a risada ruidosa do mendigo.
Mas a alegria fugaz pereceu tão rápida quanto surgiu, porque o lenhador,
concluindo não um conluio, intuiu morte. Ainda iria sangrar, e esta perspectiva encheu-o de
reflexões soturnas, enquanto abandonava nas sombras a figura em êxtase, pronto para
passá-la na espada ao menor descuido.
Dentro em breve chegava ao lugar acordado, uma mistura de taverna e armazém,
cujas três grandes janelas engorduravam-se pelo movimento de refeição. A Segunda
Lâmina o esperava perto dos cavalos, abrigados sob um telheiro rústico. Entre relinchos e
estrumes e respingos de água suja, preparavam as trouxas.
Muito embora tentasse Diek dissimular sua preocupação, Solog, acostumado a
decifrar as emoções alheias, notou-lhe e perguntou:
– E então, que achou de Malpetrim? – ergueu a mão com uma rudeza delicada,
oferecendo-lhe um fardo.
Diek tomou-o indiferente à provocação, querendo mudar de assunto, mas não
deixou de revidar:
– Poupe-me de seu veneno, ou o farei morrer mais uma vez.
O ex-fidalgo Morte Uma Vez retribuiu com um sorriso condescendente e irônico.
– Não se preocupe, meu amigo bruto. Para onde iremos, certamente hás de
encontrar a morte. – amarrou seu equipamento a tiracolo com uma nobreza quase afetada,
não percebendo que, enquanto o fazia, o companheiro em pé reprimia um esgar de nojo,
resolvendo não gastar mais palavras.
– Ah! Já ia me esquecendo. – ainda agachado, alcançou um terçado com bainha de
couro e o lançou a ele, que o apanhou sem reclamar. Para onde iriam, decerto precisariam.
Tão logo quis examiná-lo, chiou:
– Diabos! Gastaram mais com ração que com armas! Com essa ferrugem, nem é
preciso envenenar a lâmina!
– Sempre reclamando, Diek... – sorriu Tusk recém-aprestado, apoiado num
garanhão castanho. Era estranho ver um traço de contentamento naquela figura grande
como o cavalo, marcada por cicatrizes. Se lhe soubesse ler os sentimentos como o
ahleniano, identificaria uma alegria comedida, comum a pessoas ponderadas ou
experientes. Tusk era um matador experiente.
– Guarde seu chanfalho com cuidado, que ele ainda pedirá por inimigos. – por seu
vocabulário apurado, o petryniano suspeitava que ele já tivera passado de mago.
"Sei disso, filho do aço." – retrucou mentalmente, uma ponta de tristeza. "Sei disso."
– Muito bem! – chamou Justifer, alertando os guerreiros. Seu facão de mato também
já descansava ao lado de Pacificador. – Vamos.
O último guerreiro enfiou a arma de volta e terminou de amarrá-la na cinta.
Inconscientemente, ainda o obedecia.
"Sempre de poucas palavras, Justifer..."
A conclusão despertou-lhe a curiosidade e o fez esquivar um rápido exame no
clérigo, entre um nó e outro dos suprimentos. O Espada Mortal passara por invernos
suficientes para que o branco lhe tomasse os cabelos e, no entanto, apenas alguns fios de
neve riscavam a cabeça penteados para o lado, em estilo militar yudeniano. O semblante
continuava grave, como se estivesse sob o peso de uma dor constante mas, ao mesmo
tempo, tranqüilo. Um cão velho, ainda com dentes fatais, ainda um cão de briga.
Logo empoeiravam suas botas na estrada batida que se perdia no horizonte
aventureiro. Mesmo assim, a terra continuava calma, com algumas reses abocanhando a
grama e evitando flores como sardas, vagarosas de irem até o conforto das árvores esparsas.
Às vezes um mugido escapava e pulava a cerca ladeando o caminho.
Provavelmente reclamações do calor, que logo também castigava a procissão,
cuidando por embaralhar os pensamentos de todos (em verdade, somente os de Diek, pois
os outros calavam as mentes), até que uma última reflexão o assaltou antes de se fechar em
si:
"Então aqui é onde as palavras terminam, e nós começamos. Nós somos a guerra."
Sombras silenciosas da guerra.
VII – Sombras da guerra
Um ambiente verde, sufocante de umidade e falta de sol. Mas o calor persistia, pontilhado
pelos cimos das árvores. O descontentamento era externado a cada golpe de facão, abrindo
caminho na mata fechada. Aquela era a grande área florestal ao norte de Petrynia conhecida
como os Bosques de Allihanna e, de todos os lugares do mundo, aquele agora era o último
que Diek gostaria de estar.
Muito embora a grande extensão das matas não permitisse que os mapas a
chamassem de bosque, a deusa da natureza fora generosa ao enchê-la com seus favoritos:
pios, cricris, gorgolejos, uns raros mourejares formavam o concerto da floresta, numa
profusão de vida que orgulhava sua amiga Lena.
Diek sabia que a desapontava assim como o fizera com a esposa, porque mais uma
vez iria matar. Havia dormido com ela na última noite da partida, e ainda sentia o toque
macio de seus seios, bem como o prazer de suas pernas envolventes, sensações que agora
apenas faziam por deixá-lo excitado e nervoso. Ao jogar o alforje sobre o ombro, ordenara
a Tristão que a protegesse. Ela nunca entenderia: a espada é o bem mais precioso que um
homem possui.
Desceu novamente o braço com força num galho teimoso, irritadiço por saber não
haver ali nenhuma seiva, porque sede e fome avassaladoras tomavam-lhe conta. As
provisões haviam acabado ainda nas regiões de fazenda ao sul. Se pudesse, beberia seu suor
e engoliria as frutinhas espinhudas espalhadas pelas folhas e barro, uma terra viscosa que
grudava na alma. Sem contar os ferrões dos insetos, que zumbiam pra lá e pra cá, em todos
os tamanhos e formas da vegetação tropical.
– Meu reino pra me livrar desses parasitas malditos! – exclamou Diek, tapeando um
intruso no rosto, desfazendo-se numa mancha vermelha.
– Ora, já está em casa, companheiro. – disse Tusk.
Errado. Sentia que aquele não era mais seu lar. O ambiente voltara a lhe ser hostil.
Os galhos arrastavam-se, prendendo e esfolando Braço Forte. Em cada arranhão, a
confissão da relva: “estrangeiro, não pertences mais aqui, a esta selva. Matá-lo-ei, como
meus filhos silvestres o fizeram com seu pai e minhas frutas, sua mãe. Dar-te-ei uma morte
verde, para que estes portadores de espadas não o levem à perdição.”
“Não queres um túmulo da natureza, minha criança? Um lugar sob mortalha de
flores que marcará nossa comunhão eterna... Mas não se zangues com os carinhos de meus
braços; ao contrário, agradeça a graça, e seja em harmonia.”
Tapeou o rosto molhado para despertar. Abatendo-se também pelo cansaço, apoiou
a mão num tronco. Foi com dificuldade que ergueu a vista para diante, onde um leve
farfalhar de folhas.
"Musa da Natureza, quer me pegar? Pois bem, aqui estou, eu e minha espada, que é
a única coisa que me resta." Fez menção de a desembainhar, ao que Justifer disse:
– É Solog com as notícias. – enquanto ele chegava.
Em momentos, o clérigo se recompôs da marcha furtiva e, ajeitando os cabelos em
rabo-de-cavalo, respirou:
– O templo está ocupado. – ignorando o olhar preocupado de Tusk, continuou. –
Não consegui observar mais, sob pena de ser descoberto, mas, até onde pude, as guaritas de
espreita estão vazias e há somente um homem no portão principal, armado de espada e
escudo. Podemos pegá-lo, embora dentro dos muros o barulho acuse muito movimento.
– Então faremos disciplina de ruídos. – disse Justifer. – Eles são clérigos? São os
Arautos? – nessa hora, uma fagulha maliciosa brilhou em seus olhos.
– Não sei dizer... talvez apenas um homem armado.
"Como todos nós.", retrucou mentalmente o petryniano.
E fora justamente por amor às armas que Diek estava ali. No fundo, pressentia uma
leve intuição de que gumes, cravos, setas, fios, eram somente desculpas para a destruição.
De fato, alguns que se distinguiam no uso das armas chegavam perto de alcançar essa
iluminação, a verdade de Keenn ser e pregar pura e simplesmente aniquilação.
Hierarquia, disciplina, honra, glória... apenas pretextos. No fim, o objetivo da
cátedra-guerreira era tornar o clérigo e a destruição apenas uma força da natureza, tais quais
a guerra e a morte. Desconfiava que os homens se agarravam a esses conceitos para não
sucumbirem ao caos e se perderem.
Para Diek, os Arautos significavam a resposta divina a fim de devolver à Igreja
guerreira sua pureza primitiva, quando os primeiros missionários batiam-se com pedras e
pedaços de pau. Provavelmente Justifer tivesse consciência disso e justamente se opusesse
para evitar as mazelas, não para ele, não para os clérigos, mas talvez para outras famílias.
“É o que eu faria.”
– Senhor, faça-nos instrumento da tua vontade. – rogou Justifer, antes de partir.
Eles continuaram a marcha para o combate, como nos velhos tempos, fluindo pela
floresta e horizonte fechados. Súbito, a mão pesada do comandante do grupamento se
ergueu com uma energia calma, ordenando silêncio.
E silenciosos eles seguiram novamente, pois estavam chegando perto. A cada passo
enlameado, uma muda expectativa, a tensão.
– Atenção. – falou baixo o Espada Mortal, espremendo-se contra uma árvore.
Diek torceu o rosto para o peitoral metálico de Tusk, ao que ele apertava
diligentemente seus dois machados, com a naturalidade de um adestramento.
Solog, também sabre na mão, espreitava o mato com olhos de caçador, assumindo
seu papel na formação.
De repente, o ex-clérigo envergou-se de maneira acentuada, quase um gemido.
– Que foi? – Tusk, inclinando-se.
– Só estou cansado. – murmurou, fingindo despreocupação. Mas era mentira,
porque sua coluna doía mais uma vez. – Vai, vai, vai. – meio gesticulando, meio
empurrando para afastá-lo.
Breve, dentre as árvores, podia-se avistar o cinza das muralhas.
O templo de Keenn erguia-se em uma clareira, uma ferida no meio da floresta.
Raízes e trepadeiras fracassavam em se infiltrar nas pedras escurecidas pela tentativa do
tempo (e da deusa da natureza) em torná-las esquecidas. Porém, uma argamassa de agonia
as juntava, num lembrete de que a guerra era a única verdade, expressada por meio da
arquitetura simples, de traços retos e marciais.
A um gesto, eles se dividiram em duplas (Diek e Justifer, Tusk e Solog) para
contornar os flancos da fortaleza, com passos cuidadosos para as ervas daninhas no
caminho e se encolhendo instintivamente ao contato do sol.
Justifer estacou ao alcançar a borda, tendo que entortar a cabeça para que seu olho
bom pudesse ver de relance o vigia, bocejando e tentando sustentar o rosto sonolento oculto
sob uma barba espessa. No segundo plano, rápida e furtivamente veio a careta assassina de
Solog com seu sabre, aproveitando a oportunidade.
Antes que o caolho pudesse focalizar, uma ponta sangrenta surgiu com uma
violência de relâmpago, arrombando um pouco abaixo da cabeça, ouvindo-se um estralo
agonizante e repulsivo para os não acostumados à morte. A lâmina do clérigo foi puxada ao
chão pelo osso quebrado do homem gorgolejante, de onde não se moveu mais.
Somente a poça de barro misturado com sangue que lhe servia de cova ainda
pulsava, ecoando as pisadas restantes dos clérigos, enquanto se aproximavam.
Solog desprendia com cuidado sua espada para não atrapalhar os ouvidos de Tusk,
espremidos na grande porta grosseira a fim de captar afiadamente os ruídos interiores. Pôde
distinguir gritinhos agudos e estridentes e irritantes, risos, martelares, fungadas, o ladrar de
cães. Sons incompatíveis com um ambiente guerreiro.
“Não são guerreiros.”, surpreendeu-se Diek, alisando o queixo, quase abaixando a
guarda. Esbarrou o pé sujo no corpo, por pouco não caindo. Não. Tinha que se manter
desconfiado, porque mais uma vez estava em guerra, estava vivo.
– Eu te amo, meu amor. – sussurrou Madeleine em seu ouvido, antes de consumar
seu prazer, em meio aos cobertores.
– Vamos abrir. – sussurrou Justifer, sorriso sombrio.
Morte Uma Vez tremeu de prazer.
Muito longe dali, na praça de Malpetrim, sentado em um caixote, o palhaço bêbado
sorriu, tremeu e iniciou a tocar sua sanfona, arrancando sons melancólicos e moedas dos
transeuntes, largadas sobre seu chapéu engraçado no chão. Após aplausos, pediram-lhe
mais músicas, e ele continuou a tocar...
VIII – A lei do aço
No chão de terra coberta com feno, duas crianças brincavam lutando com espadas de
madeira, sob o olhar atencioso de um velho que limpava com uma faca alguns pés-de-cana,
ajudado por sua senhora.
Nas exclamações finas de alegria, elas desejavam enfrentar os monstros e toda sorte
de criaturas que o mundo de Arton oferecia. Pois, graças às histórias, os filhos de Petrynia
confiavam em sua imaginação, sabedores de que muitas das ameaças em seus sonhos
realmente existiam.
Sem aviso, a porta monstro se abriu violentamente com um estrondo, e criaturas
negras surgiram.
Um dos pequenos (na verdade, pequena) correu gritando de medo em direção do
ancião, abrigando-se sob seus braços magros por pouco tempo; uma batida da cana ordenou
que se escondesse em casa. Ela obedeceu, não querendo mais brincar hoje.
O outro, um garotinho de nome Ghake, ergueu sua pequena tábua torta, mas
prestava mais atenção nos dois, três (?), quatro monstros que tinham aparecido, olhando
ameaçadoramente para os lados e segurando espadas (sim, eram espadas, tinha certeza)
grandes e feias diante de todo mundo, das mulheres saídas da horta junto com a mamãe (ele
estava com fome), do vovô e da vovó. Tinha que defendê-los, era a sua chance de mostrar
que já era homem grande. Sem se dar conta, já estava na frente deles.
– Nem mais um passo,... monstro! – vozinha fina quase chorando.
Solog já ia avançar irritado, quando o braço de Diek o impediu, olhos arregalados
de incredulidade e horror. Amaldiçoava Keenn, pois era dele a fúria divina que começava a
dominar o ahleniano.
– Deuses, abaixe essa espada, homem! É uma criança! – embora Braço Forte tivesse
pouco mais dessa idade quando levantara uma espada de verdade pela primeira vez.
– Filho, não!!! – o berro deseperado veio da mãe, toda desgrenhada e coberta de
lágrimas, feno, terra, deixando-se ajoelhar diante daqueles bandidos.
– Por Marah! Somos apenas agricultores, daremos o que quiserem, mas nos deixem
em paz!
– Ali, Tusk. – Justifer ordenou alheio à choradeira, apontando com a cabeça a
construção central do templo, mais parecida com uma caixa robusta de pedra e sem janelas,
cujos dois andares, nos tempos guerreiros, sediavam o salão principal e o altar.
Diek observava em volta que tudo mudara: não havia mais a arena (suas cordas
esticadas em varas improvisadas, servindo para que trapos secassem), a casa de ferreiro
espremida no lado leste estava com a caldeira apagada e ocupada por hortaliças. A horta
ocupava agora um espaço maior nos fundos, num verde mais cheio de vida onde antes só se
falava de morte.
Perto dali, porcos e galinhas se agitavam em seus currais e chiqueiros, numa
cacofonia frenética de cacarejares e sons estranhos contra o repentino excesso de
movimento, acompanhados pelos latidos desesperados de um cachorro preso.
Justifer entrou na grande sala, imediatamente assaltado pelas lembranças de sombra.
As tochas nas paredes queimavam ainda nos mesmos lugares tentando em vão aquecer o ar
parado, mas muitas das relíquias que antes exaltavam a história e glória bélicas haviam tido
modificada destinação. O tapete no qual a criança fugitiva de momentos atrás se encolhia
tecia uma batalha há muito esquecida, empoeirado como alguns catres de estopa (tirados do
alojamento) amontoados num canto.
Havia ali um grande vazio, pois não encontrava as armas e as tapeçarias que antes
cobriam aqueles blocos. As mesas e cadeiras estavam afastadas perto da estátua do Senhor
da Guerra – um homem gigante talhado em mármore –, que permanecia em sua atitude
solene de entregar a espada a servos invisíveis, atrás do trono vazio do alto sacerdote, no
fim do salão. Uma oferta vazia para o altar servindo de mesa.
Tusk subia lentamente de machado nas mãos para o outro andar e, ainda embaixo, à
visão de toda a mudança, Justifer apenas conseguiu sussurrar:
– Blasfêmia. – mas então lembrou-se de que haviam abandonado o templo em
sangue há alguns meses, após ter enterrado os clérigos. Foi até a cadeira de alto espaldar
toda cravejada de pedrarias.
Sua ambição foi despertada por elas, passando a mão pelos riscos criminosos no
metal das tentativas de furto. Afinal de contas, uma vez que todos estavam mortos, de
acordo com a hierarquia, era ele quem devia assumir o templo como novo Lorde de Guerra.
Quem sabe podia até mesmo treinar essas mulheres (e algumas certamente lhe dariam
favores) em novos destacamentos operativos, tudo pela glória de Keenn.
Tomado desses pensamentos, o yudeniano sentou-se no trono, assistido num
silêncio de lágrimas pela garotinha.
Diek, abraçado à espada, rondava tranqüilamente o templo, percorrendo o caminho
das ameias, de onde podia contemplar a floresta e respirar profundamente seu cheiro
selvagem.
Deitou de esquiva o olhar em Solog, com sua velha retórica no pátio à frente de
todos aqueles pobres camponeses, apenas velhos, mulheres e crianças maltrapilhas.
Provavelmente seus maridos – certamente uns fracotes preocupados somente em sobreviver
– estavam caçando; quando voltassem, tudo estaria em paz novamente.
Foi com um sorriso tímido que o lenhador encarou Azgher, interpretando que o dia
árido se iria deitar, como uma árvore que não agüenta mais o próprio peso. Porém, ainda
sentia o clima indefinível de violência e tristeza pairando.
– Este lugar sempre foi mal assombrado... – explicou-se.
E então, observando a tudo, relembrou que havia voltado ao campo de batalha não
para honrar a Keenn, mas para obedecer ao imperativo da justiça rude, da lei do aço. Mas
ela chegara antes dele.
Por isso, intimamente divertia-se com Justifer e Tusk vasculhando preocupados
cada palmo da fortaleza, enquanto Solog ainda vigiava a turba. Em uma rápida contagem,
concluiu que podia facilmente pertencer a mais ou menos umas dez famílias. Ironicamente
as imaginava enfileiradas e aprontadas para o combate, na defesa do templo ou para
marchar contra um inimigo comum.
Balançou repetidas vezes a cabeça para espantar a brincadeira insólita, percebendo
finalmente o chamamento de Tusk lá embaixo.
– Não há homens aqui!
– Eu sei. – respondeu, meio enfadado apesar de tudo.
– E também não há armas.
"Keenn, seu desgraçado!", e chutou um pedregulho, que caiu da muralha e se
espatifou no chão morto.
Estranha e irônica justiça.
IX – Invasão
À medida que Diek se pendurava no muro para se deixar cair, em baixo Solog voltou-se
para Justifer, aparecendo irritado pela conclusão da inspeção. Observou de volta as pessoas
à sua frente, trocando olhares preocupados, como se soubessem o que ele descobrira.
– Tranque as crianças. – ordenou rudemente o comandante, arrancando com um
puxão um garotinho dos braços da mãe aos prantos, acalmada após ameaça de espada.
– Que vai fazer, Justifer? – perguntou Diek, acompanhando-o enquanto o clérigo
caminhava até a construção principal.
– Separe os velhos – largou jogado o pequeno lá dentro – ...fique quieto, moleque! e
ajude Solog a enfileirar as mulheres.
O ex-clérigo lançou um olhar entre confuso e hesitante para o aglomerado que
começava a se organizar, sob exclamações de Dois Machados e os gestos firmes de Morte
Uma Vez.
Em momentos perfilavam-se duas colunas, uma de frente para a outra, assustadas
pelas crianças trancadas. Agora se podiam contar as mulheres nos dedos de duas mãos e
meia, e os velhos em uma.
– Muito bem! Quero saber onde eles estão. – desafiou Justifer, enquanto marchava a
passos firmes no meio, à guisa de inspeção militar.
– Nós não sabemos não, seu homem. – ousou uma senhora, encolhida em um
vestido de burel, o tecido grosseiro de lã amarrotando-se como suas rugas de medo à
aproximação dele.
– Nós não sabemos. – repetiu uma mulher ao lado dela. – Nós não sab...
Seus cabelos encaracolados foram puxados com violência. – Ah, não sabe, não é! –
rosnou, trazendo-a para si. Ela chiava como uma galinha antes do abate, enraivecendo-o
ainda mais.
Os anéis de cabelo fizeram Diek lembrar-se de Madeleine. Desejo.
– Como se parece com ela... – sussurrou em devaneio, admirando a mulher nas
mãos do Espada Mortal. Então, de volta à loucura, deu-se conta da situação, prenunciando
mais dor.
– Que vai fazer, Just... – foi interrompido pelo ombro de Solog.
– Quando você terminar com ela, eu também quero. – sorriu alto o ahleniano,
observando-o arrastá-la até sumir nos fundos.
As pessoas enfileiradas quase não conseguiam reter mais o desespero. Estavam em
vantagem numérica, mas impensável reagir sem um banho de sangue. O céu já estava
borrado e o cachorro voltou a latir.
No fim da luz, no fim da vida, o pranto de mais uma das mulheres se fez ouvir, pela
boca de uma rapariga com jeito de camponesa e beleza simples, suas bravatas confundindo-
se com os gritos distantes:
– Quando eles voltarem, vocês vão morrer. – as lágrimas lavando o rosto doce.
Tremendo, fungou, molhou as costas das mãozinhas e encarou o loiro, que devolvia um
olhar e gestos de deboche perturbado.
– Pode trazê-la, Justifer! – respondeu ele chamando, e riu de maneira mentirosa.
Depois falou satisfeito:
– Obrigado, donzela. – mas não obteve resposta da ironia, pois que ela se deixou
ajoelhar, entregue à própria tristeza ao perceber o erro cometido.
"Keenn, não!", de repente protestou Diek ao mesmo tempo em que um velho
revoltado se aproximando para golpear com as mãos Solog. Mas o que era aquilo perto
dele?
Dois casais vestidos com pedaços de pano surrados cercavam o ex-nobre, o qual
parecia não lhes notar a presença e nem o tinir das correntes enferrujadas pendendo de
pescoços e braços delgados. Imagens que apareciam mais devagar, a friagem mais palpável
e os sons da natureza mais vivos.
Vida.
Uma mosca pousou numa folha do canavial ali atrás, mexendo suas perninhas e
depois voltando a voar.
– Por que você tem que partir, Diek? – perguntou mais uma vez Madeleine.
Ele apenas a olhou, perdido em si. Um pássaro num galho levantou vôo.
“Adeus, meu amor.”, pensou.
– Eu não quero que você vai, papai. – pediu Tristão.
A mão pesada pousou em seu ombro.
– Mantenha a disciplina da espada, filho, e proteja sua mãe.
Ela enxugou discretamente uma lágrima; o seu marido nunca falava daquele jeito de
guerra. Seu olhar era aflição...
...Os olhares das duas mulheres eram de lágrimas e aflição. Os braços dos homens
os acompanharam; Diek seguiu-os apontando até o velho na iminência de violência.
Nesse momento, tudo ficou claro.
Quando deu por si, sua espada se atracava, grudando em faíscas na de Morte Uma
Vez.
X – Sua vez de morrer
– Que está fazendo, Diek? – rugiu Solog. Sua inflexão lembrou-lhe a de Bradeken durante a
excomunhão.
– O que devia ter feito há muito tempo! – cuspiu.
– Blasfêmia! – a revolta saiu sem pensar. Tentou afastar seu sabre do idiota, mas
não conseguiu. – Justifer!
Porém, foi Tusk quem atendeu ao chamado, avançando decidido, brandindo
machado, enquanto Braço Forte, com um empurrão, se desvencilhava do cavalheiro e, com
a outra mão, sacava facão para fazer frente aos chifres do touro espumante.
Morte Uma Vez tornava ao equilíbrio, erguendo sua espada mais uma vez,
umedecendo os lábios querendo experimentar sangue, quando sua cabeça foi machucada
contra uma pedra, tão rápida que mal teve tempo de gritar para as presas fugindo às pressas
em direção das crianças.
O velho passou por Justifer, que lhe entregou rudemente sua vítima, descabelada e
chorosa. Nos breves momentos, a experiência do ancião fizera-o perceber que fora um
prazer falso: ela não havia sido deflorada. Apesar do vestido rasgado, pétalas amassadas,
até onde podia ver, não havia o rubro de tapas no rosto e nem marcas nas pernas. O
estratagema do homem soturno havia dado certo.
O golpe de Tusk fez o terçado de Diek voar longe e, no impulso do movimento,
rodeou o machado em volta de si e o desceu sobre ele, que o deteve desajeitadamente com
sua espada longa restante, olhos arregalados e perdendo a posição firme, o pé ardendo pela
força.
O lenhador sabia que ia cair, violento e implacável o machado de Tusk. Só lhe
restava fazer uma coisa: num átimo de reflexo e raiva, chutou entre as pernas do clérigo,
antes de alcançar o chão sem bravatas.
Recuando, o gado mugiu com ódio, cedendo para Solog mais uma vez. Ainda no
solo, Diek sacou uma faca da cintura com meia coragem, como um rato acuado ao gato que
vinha com garras afiadas.
Então, pêlos eriçados diante do pequeno bravo, rápida e inesperadamente qual golpe
de espada, uma imagem obscura invadiu o ex-aristocrata, uma cena que há muito havia se
entocado dolorosamente em sua escuridão.
E, sem perceber, a terra sob seus pés de repente transformou-se em pedras de
mármore aos seus passos oscilantes, refletindo suas roupas patrícias mas desajustadas... a
porta no fim do corredor... uma ânfora pesando na mão e a claridade dos vitrais pesando
nos olhos... sua mão delicada abrindo o portal branco. Dentro, o dossel bagunçado, com
lençóis de seda vinho perfumados cheirando a sensualidade... o olhar aterrorizado de sua
mulher e o volume embaixo das cobertas se mexendo...
Morte Uma Vez viu vermelho, e Diek viu morte. Contra ela, sua mente rodopiava
em raios confusos, momentos moribundos.
“Eles defendem a morte, Diek. Esta não é a iluminação, este não é o caminho de
Keenn.”
“Ora, pro inferno você e Keenn! Eu é que não preciso de vocês.”
“Pois bem, aqui estou, eu e minha espada, que é a única coisa que me resta.”
“...A espada é a maior pregação que um padre da guerra faz!”
“Deuses, abaixe essa espada, homem!”
“Filho, não!!!”
O palhaço bêbado gargalhando de histeria e se desfazendo em tosse.
“O Filho da Guerra despertou e está solto, pronto para devorar criancinhas
indefesas.”
“Nem mais um passo,... monstro!”
“Quando você terminar com ela, eu também quero.”
“Keenn, não!”
...Destruição.
“Não me vá derrubar a floresta toda, querido.”
“Vamos, faça, Diek!”
Destruição.
“Senhor, faça-nos instrumento da tua vontade.”
...Redenção.
“Dar-te-ei uma morte verde, para que estes portadores de espadas não o levem à
perdição.”
“Mantenha a disciplina da espada, filho...”
Redenção pela espada.
Espada. Guerreiro.
“Sou um guerreiro. E guerreiros guerreiam.”
Um mosquito zumbiu na cicatriz do rosto de Justifer, que o afastou com um
movimento incômodo.
Diek viu vida.
– Mata! – exclamou à meia voz Tusk, ainda lutando contra o mal estar.
Para Solog, não houve nenhum sorriso ou ameaça arrogante antes do golpe, apenas
o movimento impiedoso e instintivo do punhal sobre a cama.
Mas a lâmina encontrou determinação hostil, com braços fortes que a trombaram,
desviando-a. Em coragem de aço Diek encarava-o e foi sem desespero que, livrando-se do
sabre, se atirou com faca no apóstolo da destruição.
– Sua vez de morrer. – murmurou.
O olhar de Morte Uma Vez, que até antes se turvava, agora era vago, perdido entre a
raiva da traição e o prazer da vingança. O ex-clérigo viu e, num momento, notou as
sombras n´alma.
Por uma maldita ironia, assim como há aqueles que se regozijam na dor, Diek foi
eleito por ela, traído por um espasmo fortíssimo da coluna, torcendo-se sem força para
perfurar.
Era o que Tusk, recuperado e apertando seus dois machados, queria. Sorriu de
satisfação maligna e avançou, erguendo fúria pela poeira e palha que se levantavam e a
escuridão caindo.
Diek abaixou a cabeça resignado e cerrou os olhos e Solog de pé parado, apinhado
em sua epifania, seu próprio mundo – um mundo de traição.
O machado sedento por punição.
“Pode vir, desgraçado.”, num sorriso resmungado, pensou Braço Forte.
Quando então as mandíbulas se fechando, quando descreveu-se o arco de aço, no
momento do sublime desprezo pela vida, finalmente a reação.
Num esforço supremo, Diek girou-se meio ao tropeço e sua faca afundou-se na
jugular do prelado.
Com o impacto desesperado, o touro esboçou passos para trás, com as mãos na
lâmina, babando engasgado no próprio sangue, tentando entender o acontecido e o machado
no chão. Fugia-lhe um olhar arregalado de raiva e sofrimento, que fazia Diek sentir-se
como se tivesse assassinado o próprio Keenn.
Sem reação, restou-lhe apenas assistir ao górgona cair-se desengonçado de joelhos e
engolir em seco ao vê-lo retirar a faca do ferimento antes de desabar, borrando o metal do
peitoral em vermelho.
Silêncio.
Solog, à imagem da mulher, perdida no fainal rubro, aterrorizou-se. O sabre escapou
da mão, e o som da queda foi o único ouvido.
Quanto a Justifer (que assistira a tudo calado porém não indeciso), findo o embate,
um suspiro fugiu-lhe, meio boquiaberto, como se quisesse confirmar a Keenn que a vida
era, de fato, uma guerra, cuja situação podia mudar num piscar de seu único olho. Mas era a
escuridão a cada vez.
Um salto na sombra.
– Diek, Diek... por que nos persegue? – disse, sua voz soando calma mas firme.
Adestrado na fé da dor, o yudeniano não prantearia a baixa de Tusk, nem o estado de Solog.
Mesmo assim, quase chegava a se arrepender de ter convocado o lenhador a
abandonar as árvores. Esperava que, chegando à Primeira Espada, o inimigo estaria lhe
esperando de arma na mão e, então, era só lutar. Afinal, esta era a vida do soldado, uma
vida simples. Justifer sempre gostara dela.
O clérigo aproximou-se do corpo de Tusk, agachou-se e, sentindo a pele fria,
fechou-lhe os olhos, deitando-o em treva eterna.
A noite escura.
Encorajados pela quietude, as mulheres, velhos e crianças surgiram, dessa vez um
pouco menos receosos. Detiveram-se perto, num meio círculo, como se compartilhassem a
tristeza.
Com as lágrimas já secas, Solog recuperou sua espada e intentou chacinar todos,
também querendo compartilhar sua revolta. Porém, a voz potente de Justifer se levantou
acima dos ganidos de dor antecipada:
– Já chega, Solog! – retomando novamente o controle. Virou-se para Diek.
– E você, o que pretende agora?
Havia chegado até ali, mas não sabia mais como continuar. Alcançara sua redenção,
mas e agora?
– ?
– Vamos, que pretende agora? – havia um certo rancor na pergunta.
Os escravos haviam sumido.
Finalmente vislumbrou uma chance de arrebentar seus grilhões, de voltar para sua
amada e continuar a lidar com madeira em paz. Ao menos tentaria evitar as lembranças
amargas novamente. Suspirou, respirando com dificuldade:
– Só quero ir embora. Deixe-me partir ao amanhecer. – voz cansada.
Pareceu-lhe que o clérigo parou para pensar mas, em esquivando o olhar para o
cadáver de Tusk, o sangue regando a terra, fungou. Diek também sentia o fedor do vigia
morto lá fora.
– Não. – disse, desembainhando a espada.
O fio de Pacificador refletiu a lua em foice – uma bela visão. Diziam os
companheiros de templo que a lâmina fora forjada em Werra, lar planar do próprio deus-
guerreiro, o lugar onde, segundo os ensinamentos da Igreja combatente, seus servos caídos
travam batalhas eternas. O lugar em que Tusk provavelmente devia estar.
Se tudo isso era verdade, o lenhador não sabia. Porém, a idéia de que aquela arma
vinha de outro mundo, um mundo em armas, constituía-se em algo aterrorizante.
A espada de Justifer era guiada pela doutrina de Keenn, cujo preceito ensinava a
nunca recuar de uma oportunidade de combate. Enquanto outros se perdiam no frenesi
agindo como animais, o comandante da Segunda Lâmina controlava seus impulsos. Um frio
predador.
Solog, um misto de raiva e orgulho, acompanhava de braços cruzados a luta
iminente. Seu sabre descansava na cintura porque já sabia quem ia viver. Por isso, pôde
divagar sozinho sobre o porvir.
Para o ahleniano, agora que o grupamento estava desfeito, restava apenas a
vingança, tal como no passado. Primeiro contra esse Braço Forte; depois, contra os outros
traidores, os chamados Arautos da Guerra.
Sorriu.
Vendo as pessoas esfarrapadas às suas costas – e como se enojava e se excitava
delas! – chegara à conclusão de que o mundo era um lugar feio e escuro, cheio de traidores,
hereges, enganadores e infiéis. Assim era (contavam os outros reinóis) em Ahlen, assim era
em todo o resto. Não poderia haver piedade.
– Sinto ter que matá-lo. – disse Justifer sem paixão, e ergueu a espada em
cumprimento.
– Tusk e Diek foram enterrados numa cova rasa, e não se derramaram lágrimas ou
flores.
O bobo, que não estava bêbado, sentava no mesmo velho caixote, desta vez rodeado
por quatro crianças que ouviam atentamente a narrativa. O sol brilhava forte em Malpetrim,
obrigando-o a se proteger com uma das mãos, lançando leve sombra sobre seus olhos
escurecidos e misteriosos.
Um dos garotos, vestido com seu chapéu de guizos, perguntou:
– Acabou? Só isso?
O homem sem nome sorriu pequeno, como se esperasse aquela pergunta, e
respondeu:
– O que mais você queria? Diek tinha espada; é normal que morresse pela espada.
Mas, se quer mais alguma coisa, o Justifer, o caolho escuro, ao largar a pá no chão durante
a aurora, chegou a dizer que “ele morreu com honra”...
– Ora, essa é só a história chata de um covarde! Cadê as mulheres e os tesouros? –
indignou-se outro.
– Não. – retrucou, sério. – Esta é a saga trágica de Diek, guerreiro que lutou,
perdeu-se e morreu lutando. Ele era um bravo.
– E os camponeses do templo? Quem eram?
– Esposas de bandoleiros, talvez. Não sei. – deu de ombros.
– Elas não interessam! E os outros clérigos? E os Arautos, realmente existem? – os
olhinhos brilharam de curiosidade infantil, quase esperando que os personagens saltassem
fora da boca pintada do contador.
– Os servos de Keenn, o deus da guerra, infelizmente existem, meus amiguinhos.
Rezem para nunca encontrá-los: são figuras rudes e sofridas que só trazem desgraça. – foi
difícil ouvir o seu murmúrio. Aprumou-se e sentenciou, com tom sóbrio:
– Estes homens sombrios, Solog, Justifer, a Sexta Lâmina, os Arautos ou seja lá o
nome que se dêem e às suas armas, podem facilmente ser encontrados.
– Onde, tio bobo, onde? – as vozinhas se amontoando.
– Basta olhar para a guerra. – disse, levantando-se.
Enquanto deixava os jovens maltrapilhos de rua xingarem-no pelo final,
caminhando tranqüilamente em direção do mesmo píer onde Diek desembarcara, uma
silhueta o acompanhava. Todavia, somente uma sombra era projetada na madeira e uma
presença refletida pelas águas sujas. Ela não se moveu enquanto o palhaço se sentou e,
virando a cabeça, riu-lhe debochado para o braço forte, a cabeça calva e a espada
embainhada ao lado do corpo rijo. O mar murmurava, mas entre os dois só um silêncio de
vazio, na contemplação do horizonte.
“Basta olhar para a guerra...”
FIM