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  2015 Eddie Orsini SEEDUC 4/2/2015 Guerra às drogas: proibicionismo enquanto política do capital

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2015

Eddie Orsini

SEEDUC

4/2/2015

Guerra às drogas: proibicionismo enquantopolítica do capital

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“E assim como a indústria especula com

o refinamento das carências, especula da

mesma forma com sua crueza, mas sobre

a sua crueza artificialmente gerada, cuja

verdadeira fruição é, por isso, a autonar-

cose, esta aparente satisfação da carência,

esta civilização no interior  da crua barbá-

rie da carência. –  As tabernas inglesas

são, por isso, exposições simbólicas  da

propriedade privada. Seu luxo mostra a

verdadeira relação do luxo industrial e

da riqueza com o homem. Elas são por

isso também, com razão, os únicos diver-

timentos dominicais do povo, pelo me-

nos os únicos tratados brandamente pela

polícia inglesa.” (Marx, 2006, p.144) 

É na virada do século XIX e início do século XX que a política proibicionista toma força no mundo. Com Nixon eReagan, a “Guerra às drogas” passa a ser uma parte estratégica das ações do Estado Americano, consumindo bi-

lhões em recursos. Mais recentemente tivemos o “Plano Colômbia”, de Bill Clinton e George W. Bush. Contudo, o

proibicionismo faz água em todo o mundo (como toda política carcerária); mas é ainda uma grande desculpa para

manter os aparatos repressivos, a militarização da vida social e de ter meios de agir sem respeito aos direitos hu-

manos. Por levar a um aumento da violência urbana, esta guerra é um pretexto para manter os investimentos em

segurança pública e privada, responsáveis pela verdadeira militarização da sociedade. Além disso, o crescente nú-

mero de encarcerados – já muito alto em alguns países  – oferece uma “solução” ao desemprego estrutural; pro-

blema grave dos 1º, 2º e 3º mundos do modo de produção do capital.1 

Este estudo trata dos aspectos negativos da proibição mundial às drogas. O estudo argumenta que

a proibição, propelida por moralismo e não por pesquisa empírica, cria um mercado negro regu-lado por empreendedores violentos e que, especialmente nos países em desenvolvimento, onde

há falta de oportunidades econômicas para os pobres, oferece as únicas opções viáveis de em-

prego. O estudo sugere que os resultados de legislações experimentais deveriam ser levados a

sério. A militarização dos esforços de aplicação da proibição restringiu os avanços da democracia

e gerou violência e intensificação dos abusos contra os direitos humanos. Em conclusão, o trabalho

argumenta que o atual sistema de proibição mundial cria mais problemas do que resolve, e que as

1

 Temos que atentar para a diferença, na obra de Marx, entre capital e capitalismo. “Para tomar um importante exemplo, suacrítica à ilusão de realizar o socialismo expulsando os capitalistas enquanto se mantém o capital como tal é explícita em muitoslugares de seus escritos, embora o problema não seja examinado na direção em que poderia indicar as formas alternativasviáveis ao domínio do capital e as modalidades correspondentes de personificação, sob circunstâncias históricas muito dife-rentes. Assim, nos Grundrisse, Marx sublinha que ‘a ideia sustentada por alguns socialistas de que precisamos do capital mas

não dos capitalistas é completamente errada. Está posto, dentro do conceito de capital, que as condições objetivas de trabalho – sendo estas seus próprios produtos – assumem uma personalidade em relação a ele.’ (...) Então o capital aparece como uma

coisa pura, não como uma relação de produção que, refletida em si mesma, é precisamente o capitalista. Posso muito bemseparar o capital de um dado indivíduo capitalista, e transferi-lo para outro. Mas, ao perder o capital, ele perde a qualidade decapitalista. Portanto, o capital é de fato separável de um indivíduo capitalista, mas não do capitalista que, como tal, controla otrabalhador.” (Mészáros, 2006b, p.719-720). Os detalhes desta distinção são discutidos por toda esta obra. Em Marx, é inques-tionável a diferença entre capital e capitalismo  – contudo, muitos dos materialistas que deram prosseguimento ao seu legadonão tiveram acesso a textos fundamentais. Isto implicou certa mudança teórico-metodológica e alguma unilateralização dassuas teses, o que o professor José Paulo Netto classifica corretamente como a “infelicidade editorial de Marx” (2002). Já é

tempo de corrigir tal equívoco, pois na fonte marxiana há apenas passagens claras como: “No conceito do capital está contido

o capitalista.” (Marx, 2011, p.422). 

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questões de produção e comércio de drogas precisam ser enfrentadas por meio de regulamenta-

ção e com base em uma perspectiva de desenvolvimento.2 

O ser social é um complexo de linguagem, trabalho e pensamento abstrato que emerge quando este complexo

de complexos surge como um todo e, simultaneamente, desenvolve-se ao longo dos séculos, suprindo e criando as

necessidades do “ser objetivo”.

O trabalho emerge enquanto momento predominante deste complexo de complexos, por ser momento de

síntese, quando a linguagem e o pensamento abstrato podem tanto ganhar a materialidade como a espiritualidade

características do ser humano. Este tem os objetos de sua carência fora de seu corpo orgânico, e é também, ao

mesmo tempo, sujeito e objeto para si e para outros, tanto do conhecimento como do fazer. Assim, “com a escolha

da pedra inicial começa a ciência”  (Lukács, 1969, p.14). O fato de a sociedade de classes interpor uma série de

necessidades alienadas entre o produtor e o trabalho não anula a relação entre produção e consumo. (A diferença

é que a teleologia do trabalho assume elementos que não são postulados pelo produtor.) Este fato, sob o capital,

assume um caráter reificado e fetichista. Como se dá, aqui, a relação entre sujeito e objeto? Mészáros comenta:

Neste processo de alienação, o capital degrada o trabalho, sujeito real da reprodução social, à con-

dição de objetividade reificada – mero ‘fator material de produção’  – e com isso derruba, não so-

mente na teoria, mas na prática social palpável, o verdadeiro relacionamento entre sujeito e ob-

 jeto. Para o capital, entretanto, o problema é que o ‘fator material de produção’ não pode deixar

de ser o sujeito real da produção. Para desempenhar suas funções produtivas... o trabalho é for-

çado a aceitar um outro sujeito acima de si, mesmo que na realidade este seja apenas um pseudo-

sujeito. (2006b, p.126, negrito nosso)

É o trabalho que forma o ser social, pois mesmo o processo educativo que o indivíduo vive é uma espécie de

trabalho. Este, enquanto “atividade vital”, é ainda a prática que mais determina o ser social, pois no tempo de

trabalho socialmente necessário este complexo de complexos (trabalho, linguagem e pensamento) operam dando

o sentido fundamental, mas no tempo livre esta organização do ser social não cessa de operar. Não por acaso, em

outro trabalho (2014), conceituamos a educação como a capacidade que o indivíduo social tem de direcionar seu

trabalho para si mesmo, alterando sua natureza individual. Bourdieu, embora ainda imagine que a produção espi-

ritual pode ter regras independentes da produção (mas não totalmente), assim descreve o processo de Ensino e

Aprendizagem: um cultivar-se.3 

Marx afirma quanto ao trabalho:

A vida produtiva é, porém, a vida genérica. É a vida engendradora de vida. No modo da atividade

vital encontra-se o caráter inteiro de uma species, seu caráter genérico, e a atividade consciente

livre é o caráter genérico do homem. A vida mesmo aparece como meio de vida. O animal é ime-

diatamente um com a sua atividade vital. Não se distingue dela. É ela. O homem faz da sua ativi-

dade vital mesma um objeto de sua vontade e de sua consciência. Ele tem atividade vital consci-

ente. Esta não é uma determinidade com a qual ele coincide imediatamente. A atividade vital cons-

ciente distingue o homem imediatamente da atividade vital animal. Justamente, [e] só por isso, ele

é um ser genérico. Ou ele somente é um ser consciente, i. e., a sua própria vida lhe é objeto, pre-

cisamente porque é um ser genérico. Eis por que a sua atividade é atividade livre. O trabalho es-tranhado inverte a relação a tal ponto que o homem, precisamente porque é um ser consciente,

faz da sua atividade vital, da sua essência, apenas um meio para sua existência. (...) É verdade que

também o animal produz. Constrói para si um ninho, habitações, como a abelha, castor, formiga

etc. No entanto, produz apenas aquilo de que necessita imediatamente para si ou sua cria; produz

unilateral[mente], enquanto o homem produz universal[mente]; o animal produz apenas sob o

2 Narcofobia: proibição às drogas e geração de abusos, disponível em www1.folha.uol.com.br/.../812233-narcofobia---proibi-cao-as-drogas-e-geracao-de-abusos, acesso em out. 2014. 

3 “A acumulação de capital cultural exige uma incorporação que, enquanto pressupõe um trabalho de inculcação e de assimi-lação, custa tempo que deve ser investido pessoalmente pelo investidor (...). Sendo pessoal, o trabalho de aquisição é um

trabalho do ‘sujeito’ sobre si mesmo (‘cultivar-se’). O capital cultural é um ter que se tornou ser , uma propriedade que sefez corpo e tornou-se parte integrante da ‘pessoa’, um habitus. Aquele que o possui ‘pagou com sua própria pessoa’ e com

aquilo que tem de mais pessoal: seu tempo”. (Bourdieu, 2002, p.74-5, grifo nosso)

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domínio da carência física imediata, enquanto o homem produz mesmo livre da carência física, e

só produz, primeira e verdadeiramente, na [sua] liberdade [com relação] a ela; o animal só produz

a si mesmo, enquanto o homem reproduz a natureza inteira; [no animal], o seu produto pertence

imediatamente ao seu corpo físico, enquanto o homem se defronta livre[mente] com o seu pro-

duto. O animal forma apenas segundo a medida e a carência da species à qual pertence, enquanto

o homem sabe produzir segundo a medida de qualquer specie, e sabe considerar, por toda a parte,

a medida inerente ao objeto; o homem também forma, por isso, segundo as leis da beleza. O ob-

 jeto do trabalho é portanto a objetivação da vida genérica do homem: quando o homem se duplica

não apenas na consciência, intelectual[mente], mas operativa, efetiva[mente], contemplando-se,

por isso, a si mesmo num mundo criado por ele. (2006, p.84-5)

Por ser apenas um meio para a vida, não um fim em si mesmo; ou parte mais importante de fim em si mesmo 

(a vida do indivíduo social e genérica), o trabalho autoalienado produz uma constituição da personalidade humana

“deformada”. Logo, a única necessidade que é produzida – ao invés de produzir-se uma necessidade de atividade

e apenas algum conforto no tempo livre – é a necessidade de dinheiro.4 O trabalho sob a determinação do capital

aparece como uma falta, um vazio, ou esvaziamento do indivíduo social, que deve ser preenchido por necessidades

igualmente alienadas. No ato de trabalho,

A falta cavada na mais-valia é registrada como perdida, porém em seu lugar é erigido um fetiche,

véu sobre o qual essa falta assume a forma de valor. Logo, se há uma organização neurótica dasociedade capitalista, na medida em que a falta está inscrita no âmago da produção, há uma reite-

ração perversa (desmentido da falta) pela cultura e sua produção constante de objetos que  pare-

cem o objeto cobiçado (Vanier, 2002). Em torno dos polos da produção (que cava a falta na mais-

valia) e do consumo (que a reitera como presença), o capitalismo se apresenta e se organiza, ilu-

soriamente, como um sistema natural, sem falhas, mas na verdade se sustenta sobre a própria

falha/falta que produz. (Sarti & Tfouni, 2014,  Apud  Zizek, 1996) 

Ao mesmo tempo que o indivíduo identifica a felicidade com o ócio e inatividade, também se cristaliza para a

sociedade um paradigma de riqueza no qual esta é apreendida pela reificação e fetichismo enquanto uma riqueza

que basta a si mesma5 e, portanto, não está em relação ao ser social nem, muito menos, à sua atividade. O dinheiro

e a propriedade privada devêm um sistema no qual a necessidade está apartada da natureza, dos demais seressociais, de sua atividade, de sua personalidade (tanto na dimensão genérica quanto no que nela há de singular), do

produto do trabalho. O dinheiro e seu sistema – o capital – vêm a ser o “vínculo de todos os vínculos” (mas de uma

autoalienação) que postula de maneira prática e teórica o “meio universal de separação”:

O que aconteceu nesse processo de alienação com as necessidades e sentidos genuinamente hu-

manos? A resposta de Marx é que o lugar deles foi ocupado pelo ‘simples estranhamento’ de todos

os sentidos físicos e mentais – pelo ‘sentido do ter’. Esse sentido alienado encontra sua materiali-

zação universal no dinheiro. (Meszáros, 2006a, p.164)

Mesmo o direito, como irão comentar Engels e Kautsky, é um meio de separação universal,6 pois não pode se

despojar de sua forma e conteúdo individualista e é um meio do modo de produção do capital garantir sua unidade

4 A carência de dinheiro é, por isso, a verdadeira carência produzida pela economia nacional e a única carência que ela produz....cada produto é uma isca com a qual se quer atrair para junto de si a essência do outro...” (p.139-40).5 “ver a riqueza como algo exterior ao homem e independente dele; como algo que possui o caráter de objetividade absoluta” (Meszáros, 2006b, p.123).6 Com a crise do Antigo regime, “O dogma e o direito divino eram substituídos pelo direito humano, e a Igreja pelo Estado. Asrelações econômicas e sociais, anteriormente representadas como criações do dogma e da Igreja, porque esta as sancionava,agora se representam fundadas no direito e criadas pelo Estado. Visto que o desenvolvimento pleno do intercâmbio de mer-cadorias em escala social – isto é, por meio da concessão de incentivos e créditos – engendra complicadas relações contratuaisrecíprocas e exige regras universalmente válidas, que só poderiam ser estabelecidas pela comunidade – normas jurídicas esta-belecidas pelo Estado  –, imaginou-se que tais normas não proviessem dos fatos econômicos mas dos decretos formais doEstado. Além disso, uma vez que a concorrência, forma fundamental das relações entre livres produtores de mercadorias, é agrande niveladora, a igualdade jurídica tornou-se o principal brado de guerra da burguesia.” (Engels & Kautsky, 2012, p.18 -19).Para maiores esclarecimentos recomendamos a leitura da p.277, Karl Marx, Contribuição à crítica da Economia Política, s/d,Editora Martins Fontes.

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entre o interesse dos indivíduos e da classe dominante. Poderíamos ver o negócio das drogas como uma encarnação

desta produção alienada, mas devemos lembrar que, se o é encarnação em alguma medida, tampouco existiu so-

ciedade humana sem drogas. Outra ressalva importante é trazida por Mészáros, quando afirma que a alienação

não é homogênea; do contrário, nem mesmo poderia ser colocado o problema da autoalienação do ser social. E

algo fundamental, o que há por de trás desta utopia de uma sociedade sem drogas: muitos dos projetos autoritários

e conservadores surgiram a partir de causas supostamente progressistas. Em uma primeira mirada, desatenta, uma

sociedade sem drogas parece algo positivo e compatível com a ética e demais instituições humanas. Na verdade,

para a crítica à economia política, este devaneio – uma sociedade sem drogas – está totalmente sintonizado com oponto de vista do capital, pois é uma sociedade onde há apenas o tempo de trabalho socialmente necessário. Não

há tempo livre, que os indivíduos normalmente não preenchem apenas com recreação, mas também com sua Edu-

cação e todo o desenvolvimento omnilateral; pense-se nos vários ritos com os quais a sociedade se constrói . Assim,

o que se interpõe no nosso caminho como problema não são as drogas, mas seu abuso e a forma canhestra de lidar

com o problema de Saúde e Educação que este representa, ou seja, a proibição cujo objetivo são os superlucros.

Investigaremos o argumento que pretende julgar as necessidades humanas para poder administrá-las através das

proibições e da repressão. 

“O papel histórico das drogas no comércio mundial adquire importância crescente no século XX.

Na época atual de predomínio financeiro, o principal ramo do comércio mundial é o das drogas, se

incluirmos aí os cerca de US$ 500 bilhões do tráfico ilícito, e acrescentarmos os capitais das drogaslegais, como o álcool e o tabaco, mas também o café, o chá, etc., além das drogas da indústria

farmacêutica.” (Carneiro, 2002, p.115)

Então, a abordagem proibicionista é também uma medida diversionista, que busca até mesmo evitar o debate

acerca do verdadeiro combate ao abuso de drogas, que são a prevenção e o tratamento, isto é, não apenas o bem-

estar coletivo como também Educação e Saúde Públicas de qualidade. Logo, a “guerra às drogas” está completa-

mente sintonizada com o recuo das instituições do Welfare State e as políticas neoliberais. Mesmo a segurança

pública passa a ser alvo de políticas privatizantes, não somente com a entrega para a iniciativa privada do sistema

carcerário mas também a privatização de instituições estatais em países com problemas com criminalidade como

El Salvador.7 Estas políticas fomentam o desemprego e a informalidade, o que acaba ensejando o aumento da cri-

minalidade.A despeito do proibicionismo como política oficial, atingimos o auge do consumo de drogas, o que, incontes-

tavelmente, prova o fracasso desta abordagem em relação ao controle destas substâncias. Outra desvantagem é a

forma de promover a guerra – de forma a ser aceita pela comunidade nacional e internacional – naturalizando-a

como inevitável, mesmo que para tal se usem petições de princípio. Assim, desconhecem-se modalidades alterna-

tivas de controle às drogas, esquece-se até mesmo do passado (relativamente recente em termos históricos),

quando as drogas eram controladas sem o proibicionismo. Esta ação é não só empreendida pelo Estado em sua

totalidade de instituições (e não apenas as penais), mas também pela sociedade civil e a grande mídia, que alimen-

tam o ódio da população aos envolvidos no comércio e consumo de drogas.

Surge um problema, pois, ao contrário do que imagina o professor Carneiro, a natureza das substâncias ilícitas

seria, em princípio, facilmente distinguível dos alimentos. No entanto, isto não diminui as dificuldades desta ques-tão, pois a ideia subjacente em tal raciocínio é a tentativa de igualar o trabalhador à besta de carga. 8 Em outras

palavras, se quisermos dividir – não apenas as drogas(!!!) – a cesta de bens em básicos e supérfluos, confirmaremos

7Disponível em http://www.globalresearch.ca/the-u-s-and-the-privatization-of-el-salvador/5318221 , acesso em set. 2014.8 “Assim como é, portanto, corpórea e espiritualmente reduzido à máquina  – e de um homem [é reduzido] a uma atividadeabstrata e uma barriga. [...] Posto que o trabalhador baixou à [condição de] máquina, a máquina pode enfrentá-lo como con-corrente. ... ao trabalhador pertence a parte mínima e mais indispensável do produto; somente tanto quanto for necessáriopara ele existir, não como ser humano, mas como trabalhador. [...] Um povo, para se cultivar [de forma] espiritualmente maislivre, não pode permanecer na escravidão de suas necessidades corpóreas, não pode continuar a ser servo do corpo. Acima detudo, tem de lhe restar tempo para poder  também criar espiritualmente. Os progressos no organismo do trabalho ganham essetempo. Pois agora, junto a novas forças motrizes e maquinaria aperfeiçoada, não raramente um único operário executa, nasfábricas de algodão, o trabalho de 100 ou mesmo de 250 até 350 trabalhadores antes.” (Marx, 2006, p.26 -32).

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a visão identificada com a “economia política”, de acordo com a qual o trabalhador deve viver com o mínimo es-

sencial. Assim, comprometemos até mesmo o processo educacional, que é um direito humano universal.

Além disto, este paradigma subjacente de necessidade humana desconhece  – por completo – a dinâmica da

sociedade do capital (especialmente o evolver da mercadoria na História humana) e também o complexo relacio-

namento recíproco entre necessidades, produção e consumo.

A partir da época quinhentista, iniciou-se a formação do sistema mundial, cuja difusão comercial e

cultural realizou-se por meio do tráfico especializado de certos gêneros. A difusão massiva de pro-

dutos que antes eram de luxo e de circulação restrita, como o açúcar, o ópio, o tabaco, o café e o

chá, tornaram-nos, principalmente, a partir do século XIX, cada vez mais abundantes e disponíveis.

(Carneiro, 2002, p.116)

Ou seja, a própria integração do mercado mundial foi a responsável pela globalização. Os que antes extraíam

lucros e até dízimo destas novas substâncias, passaram, na virada do século XIX, a vedar por lei seu consumo e

porte.9 

Somos forçados a começar com uma constatação antropológica  – que inexistiu sociedade humana em que

substâncias capazes de alterar o comportamento, a percepção ou a consciência (drogas) não se fizessem presentes.

Há registros de que mesmo grupos humanos isolados utilizaram drogas, enquanto que os grupos não-isolados estão

simplesmente enfeixados nas teias do mercado mundial através do qual têm acesso a estas substâncias. Assim,

“Seu uso milenar em quase todas as culturas humanas corresponde a necessidades médicas, religiosas e gregárias.

Não apenas o álcool, mas quase todas as drogas são parte indispensável dos ritos de sociabilidade, cura, devoção,

consolo e prazer. Por isso, as drogas foram divinizadas em inúmeras sociedades.” (p.116-117)

Logo, mesmo que apresentem certos riscos em seu consumo, as drogas são permitidas ou proibidas obede-

cendo a “injunções culturais e econômicas” (p.117).10 Entendemos que a defesa do professor Carneiro é corajosa e

politicamente justa e legítima, mas, infelizmente, encontra-se ainda dentro da “dependência do objeto negado”:

A conotação de necessidade presente em Marx é aquela que, além do conceito lógico de necessi-

dade objetiva, identifica nas necessidades subjetivas da humanidade dois tipos: as que são básicas,

de sobrevivência física, e as derivadas. (Id.)

Com o trabalho alienado, a essência omnilateral  do ser social – o aspecto pelo qual o ser humano constitui a simesmo – acaba por ser perdida, num caráter contraditório e ambíguo, pois se o reino da cultura avança progressi-

vamente na História humana, a base natural daquela não deixa de existir por completo. Logo, temos um ser que se

faz “humanamente natural e naturalmente humano”. Então, por um lado, “O problema, como Marx vê, consiste no

fato de que o homem, devido à alienação, não se apropria de ‘sua essência omnilateral  como um homem total’,

mas limita sua atenção à esfera da mera utilidade” (Meszáros, 2006a, p.183).11 Desta maneira, se o devir é uma

apropriação da natureza pelo ser social na qual aquela passa a ser um produto da História humana (dotada de

sentido cuja gênese se dá na atividade), o capital, ao fazer com que massas quantitativamente crescentes de pro-

dutos entrem no rol das necessidades humanas – inclusive com um desdobramento qualitativo, porque não é mais

9 “O estatuto do proibicionismo separou a indústria farmacêutica, a indústria do tabaco, a indústria do álcool, entre outras, daindústria clandestina das drogas proibidas, num mecanismo que resultou na hipertrofia do lucro no ramo das substâncias in-terditas. No início do século, a experiência da Lei Seca, de 1920 a 1934, nos Estados Unidos, fez surgir as poderosas máfias e oimenso aparelho policial unidos na mesma exploração comum dos lucros aumentados de um comércio proibido, que fez nas-cerem muitas fortunas norte-americanas, como a da família Kennedy. O fenômeno da Lei Seca repete-se no final do século XX,numa escala global, com a dimensão gigantesca de um comércio de altos lucros, gerador de uma violência crescente. O con-sumo de drogas ilícitas cresce não apesar do proibicionismo também crescente, mas exatamente devido ao mecanismo doproibicionismo, que cria a alta demanda de investimentos em busca de lucros.” (Id.)10 “Embora o álcool tenha sido vítima da primeira Lei Seca norte-americana, ele é, em geral, tolerado nas sociedades ocidentais,assim como o tabaco, enquanto substâncias reconhecidamente mais inócuas, como os derivados da canábis, são mantidas sobinterdição. O julgamento da legitimidade ou não dessas necessidades é arbitrariamente estabelecido. Os pretextos médicos ede saúde pública evidenciam-se não se aplicarem, pois justamente algumas das substâncias mais perigosas são permitidasdevido ao seu uso tradicional no Ocidente cristão.” (Id., p.117)11 E isto é completamente mutilador, pois “Ninguém vê o que está oculto nele [no homem], mas apenas o que suas obrasrevelam.” (Meszáros, 2006a, p.236)

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pela fome que a carne é rasgada com dentes e unhas – mostra que mesmo a necessidade biológica mais elementar,

para o ser humano, devém a sua produção enquanto uma necessidade, agora, humana, isto é, um ato histórico.

Logo, se as necessidades supostamente biológicas são mediatamente (e aí está o imbróglio: só devém necessidade

humana e social através do trabalho e do trabalho sobre si !)12 algo humano, tal processo social é ainda mais claro

com as necessidades mais mediadas (as culturais) o cultivar-se e ao seu “corpo inorgânico” é ainda mais evidente, 

logo, minha percepção vai até onde meus sentidos foram formados, diria o autor dos Manuscritos. É por isto que

Marx afirmará que o ouvido humano está associado a toda a História do ouvido humano.

Na sequência, Carneiro lembra, com justiça, de que tanto a supressão de uma necessidade por meio do traba-lho humano, como também a criação de uma necessidade nova – a qual já está pelo menos em potência dentro da

primeira necessidade suprida, enquanto criação de um instrumento de trabalho para a satisfação da produção e da

necessidade – são aspectos do “primeiro ato histórico” (Marx, 2007). O professor tem ainda o mérito de reparar

(superando o preconceito corrente em relação às drogas) que o exemplo de necessidade dado em O capital  é uma

droga: o tabaco. Portanto, a necessidade, para Carneiro, é tanto o que afeta a fisiologia humana quanto seu aspecto

cultural (em relação ao “estômago ou da fantasia”, Marx apud  Carneiro, op. cit.), ou seja, aparentemente destituído

de justificativa biológica para ser estabelecido como necessidade.13 

Com o capital, por sua própria natureza, que arranca o ser social do culto da natureza e do local (da essência

humana limitada geograficamente) para jogá-lo no vórtice de necessidades múltiplas da economia globalizada, o

capital faz, com isto, que a estreiteza das primeiras formações sociais seja superada por um sociometabolismo maiselevado quantitativa e qualitativamente – o que Marx denominou “triunfo civilizado da propriedade móvel”.14 

12 “A atividade e a fruição, assim como o seu conteúdo, são também os modos de existência segundo a atividade social e afruição social. A essência humana da natureza está, em primeiro lugar, para o homem social; pois é primeiro aqui que ela existepara ele na condição de elo com o homem, na condição de existência sua para o outro e do outro para ele; é primeiro aqui queela existe como fundamento da sua própria existência humana, assim como também na condição de elemento vital da efetivi-dade humana. É primeiro aqui que a sua existência natural se lhe tornou a sua existência humana e a natureza [se tornou] paraele o homem. Portanto, a sociedade é a unidade essencial completada do homem com a natureza, a verdadeira ressurreiçãoda natureza, o naturalismo realizado do homem e o humanismo da natureza levado a efeito.” (Meszáros, 2006a, p.138). 13 “... Marx definia o comunismo como a sociedade na qual o trabalho social se praticaria ‘de cada um, segundo suas capacida-

des’, e o produto social se distribuiria ‘a cada um, de acordo com suas necessidades’. Antes dessa etapa superior, haveria, noentanto, uma fase transitória, na qual de cada um se exigiria o trabalho ‘segundo suas capacidades’, e a cada um se remuneraria

‘segundo seu trabalho’. As condições de uma sociedade livre, em Marx, só se vislumbram a partir do momento em que o ‘reino

da necessidade’ é superado, ou seja, quando cessa o trabalho determinado pelas necessidades. A partir deste momento, otrabalho não será mais a alienação compulsória imposta pela necessidade, mas uma forma de livre exercício da criatividadehumana, quando a indústria, a arte e a ciência se unirem numa atividade livre, quando o trab alho se converterá de ‘meio de

vida’, em ‘principal necessidade da vida’”. (Carneiro, 2002, p.118)14 A distinção entre capital e capitalismo aqui é essencial. Se em todos os modos de produção pré-capitalistas a mercadoria edemais mediações do capital existem ou são potências, no capitalismo as mediações de segunda ordem do capital podemapresentar-se puras e em todo o seu desenvolvimento quantitativo e qualitativo. Mas, como se viu na História, não apenastodas as áreas pré-capitalistas são subsumidas aos países de vanguarda do capital, como o pré-capitalismo é uma condição eparte do modo de produção do capital (que só pode ser entendido em sua totalidade mundial). “Em primeiro lugar, já a pro-

priedade fundiária feudal é, na sua essência, a terra vendida ao desbarato, a terra estranhada do homem e, por isso, a terrafazendo frente a ele na figura de alguns poucos grandes senhores. [...] Em geral, a dominação da propriedade privada começacom a posse fundiária, ela é a sua base. [...] Costumes, caráter, etc., modificam-se de uma propriedade [feudal] para a outra,e parecem profundamente unidos a ela, enquanto mais tarde somente a bolsa do homem se liga à propriedade, não seu cará-ter, sua individualidade. Finalmente, ele não procura tirar a máxima vantagem possível de sua posse fundiária. Antes, ele con-some o que ali está, e deixa tranquilamente aos servos e arrendatários o cuidado da acumulação. Esta é a relação aristocrática da posse fundiária, que lança sobre o seu senhor uma glória romântica. [§] É necessário que esta aparência seja suprassumida,que a propriedade fundiária, a raiz da propriedade privada, seja completamente arrastada para dentro do movimento da pro-priedade privada e se torne mercadoria; que a dominação do proprietário e trabalhador se reduza à relação nacional-econô-mica de explorador e explorado; que toda a relação pessoal do proprietário com sua propriedade termine, e esta se torne, elamesma, apenas riqueza material coisal . ... trata-se da produção do objeto da atividade humana como capital , no qual toda adeterminidade natural [natureza em si mesma] e social [e a “segunda natureza” o fato incontornável de que o ser humano é

ser social] está extinta, em que a propriedade privada perdeu sua qualidade natural e social (ou seja, perdeu todas as ilusõespolíticas e gregárias, sem se mesclar com relação aparentemente humana alguma) – no qual também o mesmo capital perma-nece o mesmo na mais diversificada existência natural e social, é completamente indiferente ao seu conteúdo efetivo.” (Marx,2006, p.74-93).

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Contudo, o capital tem uma História. Se ele representou o desenvolvimento do que Marx chamou da rica indi-

vidualidade e – contraditória e ambiguamente – o desenvolvimento da omnilateralidade da produção, o modo de

produção do capital se encontra em sua fase de crise estrutural  e mesmo de considerável decadência dos valores.

Reparem nesta passagem, escrita por Marx, quando o capital ainda cumpria um papel revolucionário e progressista:

O empenho incessante do capital em busca da forma geral da riqueza conduz o trabalho para além

dos limites da sua insignificância natural, criando assim os elementos materiais para o desenvolvi-

mento da rica individualidade, que é multifacetada em sua produção bem como no seu consumo.

Aí, portanto, o trabalho também não mais aparece apenas como trabalho, mas como o pleno de-

senvolvimento da atividade em si da qual desapareceu a necessidade natural  na sua forma direta;

porque uma necessidade historicamente criada tomou o lugar da natural . É por isso que o capital

é produtivo, ou seja, uma relação essencial para o desenvolvimento dessas forças produtivas soci-

ais. Ele cessa de existir enquanto tal apenas onde o desenvolvimento dessas forças produtivas en-

contra sua barreira no próprio capital. (Marx apud  Mészáros, 2006b, p.519-20) 

Algo totalmente diferente do que temos hoje com o “capital globalizado” , quando não podemos isentar a ci-

ência pela devastação de terra e ser social ocorrida na reprodução ampliada do capital. Mészáros discute esta dis-

tinção em relação à época de Marx:

Assim sendo, no que diz respeito à sua lógica imanente, os meios de produção já não são meios genuínos, mas uma parte determinada do capital  que se autoimpõe. Como ‘meios de produção’,

eles representam uma forma específica de capital. Entretanto, por constituírem apenas uma  parte 

do capital em si, estão sujeitos às determinações intrínsecas desse sistema produtivo como um

todo. (...) [Não podendo sair do ciclo vicioso das mediações tautológicas do capital.] Já que incor-

poram uma determinada magnitude de capital , os meios de produção devem crescer (ou perecer,

se incapazes de crescer suficientemente) como determinado por esta própria magnitude, quer

exista ou não uma autêntica justificação produtiva (mensurável pela necessidade) para o seu cres-

cimento. A definição circular de  produtividade como crescimento  e crescimento como produtivi-

dade encontra sua explicação (e possível correção) na referência a esta perversa relação prática

que bane os produtores (como ‘ricos indivíduos sociais’ em potencial) junto com suas necessidades

 – cujo desenvolvimento e cuja satisfação sem obstáculos poderiam torná-los verdadeiramente ri-

cos – das equações do capital, ao substituí-los por si mesmo como sua própria finalidade. (2006b,

1º§, p.664, grifo nosso) 

Então:

A verdade realista é que a ciência e a tecnologia existentes estão profundamente incrustradas nas

determinações que hoje prevalecem na produção, por meio das quais o capital impõe à sociedade

as condições necessárias de sua existência instável. Em outras palavras, a ciência e a tecnologia

não são jogadores bem treinados e em boa forma que, sentados no banco de reservas, ficam à

espera do chamado dos treinadores socialistas esclarecidos para virar o jogo. Em seu modo real de

articulação e funcionamento, estão inteiramente implicadas num tipo de progresso simultanea-

mente produtivo e destrutivo. Esta condição não pode ser conservada separando-se o lado produ-

tivo do lado destrutivo para seguir apenas o primeiro. A ciência e a tecnologia não sairão de sua

situação extremamente problemática por qualquer ‘experiência do pensamento’, (...) mas so-

mente se forem radicalmente reconstituídas como formas de prática social. (2006b, p.265)

É claro o uso do proibicionismo e a “guerra às drogas” no sentido de não apenas impor  o ciclo vicioso de me-

diações de segunda ordem do capital, mas também este novo padrão de consumo e realização de capital em que

o consumo é equalizado à destruição. São também óbvias as vantagens da militarização da vida civil de todas as

sociedades do mundo globalizado. Por isto, é muito importante que vejamos a diferença entre as necessidades

alienadas do capital e as necessidades genuinamente sociais. O capital só pode ser superado positivamente por um

modo comunitário de produção, e, nele o socialismo identifica-se necessariamente à autogestão (como Mészáros

comprova em Para além do capital ), então, a questão da divisão hierárquica do trabalho é fundamental   – ou seja,

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sua superação positiva –, pois não podemos nos livrar das forças centrípetas do capital nem das falsas forças cen-

trífugas do Estado, que apenas impõem ao trabalho social a manutenção do modo de produção do capital com seu

tripé: ↔Estado ↔ Trabalho Capital ↔.

Primeiramente, como dissemos, não há como apartar as necessidades espirituais e materiais do ser social. Ao

contrário do imaginado pelos socialistas do século XX (de Trotsky a Luckács), o modo comunitário de produção já

é, por natureza, não uma produção voltada à troca-mercantil (Mészáros comenta muito bem como o capital faz

com que identifiquemos, erroneamente, toda troca com a troca-mercantil), mas um modo de produção segundo o

qual a produção já é imediatamente social (e não de maneira post festum por meio do mercado e Estado), pois osinstrumentos de trabalho e o poder econômico e político estão distribuídos de maneira que o planejamento é re-

sultado direto da vontade das massas e seus intelectuais orgânicos.

A questão que se impõe diz respeito a como estas novas relações de produção e de propriedade influenciarão a

formação da cesta de consumo dos indivíduos sociais:

Comentando as condições de uma planificação socialista, Alex Callinicos discute a diferenciação

estabelecida por Marx entre necessidades objetivas e carências subjetivas, considerando que as

necessidades básicas, como alimentação, moradia, vestuário, transporte, educação, saúde, etc.

deveriam ser fornecidas como bens e serviços gratuitos numa sociedade socialista, em que a abun-

dância relativa permitiria tal subsídio público. As demais carências específicas e singulares, que

constituiriam os desejos de cada indivíduo, seriam satisfeitas de uma forma mediada, em que oslimites da disponibilidade social e a disposição de trabalho de cada indivíduo se mediariam para

uma obtenção seletiva dos bens de troca. O consumo como meta da produção deveria caracterizar

o socialismo, onde o setor preponderante da economia deveria ser o setor I (bens de consumo),

em detrimento do setor II (bens de produção). Os conflitos sobre a alocação dos recursos sociais

na fase transitória do socialismo ao comunismo deveriam ser equacionados por meio de consultas

democráticas na determinação do planejamento econômico. (Carneiro, 2002, p.118-119) 

Os bens não são jamais gratuitos, há um custo em tudo. Porém, ao contrário da economia baseada na escassez

(na maioria das vezes artificialmente produzida) como mecanismo de não apenas controlar o trabalho, mas tam-

bém “dobrar” a recalcitrância natural do trabalho social sob a determinação autoalienada, significa que o produto

social será distribuído de uma maneira que faça com que o consumo também seja – pois desde a produção já o é – comunitário. A sociedade brasileira, por exemplo, tem sido confrontada por tal polêmica na questão dos transpor-

tes. E é a própria natureza do capital, ele cria meios que só podem ser verdadeiramente controlados ao serem

controlados por todos, é a fuga de uma sociedade que só considera a sua contabilidade a regateio e, assim, vai à

falência (contudo, garantindo os lucros e juros). Os meios aqui só podem ser desde a produção, passando pela

circulação e chegando ao consumo imediatamente comunitários. Se temos a felicidade de sermos presenteados

pelo trabalho social, mesmo com as contradições explosivas, com a “Revolução informacional” ,15 há a profunda

infelicidade de não termos ainda reparado que os meios aqui desenvolvidos seriam fundamentais para a superação

positiva do capital e da burocracia, que inevitavelmente é gerada por tal modo de produção. Trata-se, portanto, de

bens que serão financiados pelo próprio trabalho (e não gratuitos), pois o salário não é mais um mínimo pelo qual

o trabalho social se reproduz.

Não apenas o abuso de drogas, mas a recalcitrância do trabalho, suas devastações ao tecido social do trabalho

e do planeta Terra são materializações do fato de que o ser social não controla de maneira racional sua atividade

produtiva. Remover deste modo de produção a mediação da propriedade privada sem nada fazer em relação à

divisão do trabalho (tanto os aspectos negativos da divisão horizontal do trabalho como também da divisão vertical)

é manter a comunidade de trabalhadores, o capital universal da comunidade nacional, e, desta maneira, manter

capital e trabalho assalariado enquanto são escorados pelo e se escoram no Estado 16. Se o capital privilegia a re-

produção dos meios de produção (como mesmo o capital politicamente mediado soviético fez), é para que ele

possa vencer a resistência do trabalho e fomentar a “linha de menor resistência” (na qual os meios são transfor-

 15 Lojkine, A revolução informacional , São Paulo, 1995, Cortez Editora.16 Grã-Bretanha inclui drogas e prostituição no PIB: http://veja.abril.com.br/noticia/economia/drogas-e-prostituicao-vao-entrar-nas-contas-do-pib-da-gra-bretanha. 

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mados em forças destrutivas junto aos valores culturais) e contornar a tendência à superprodução mais que mar-

cante no “tardo capitalismo”. Nestas crises econômicas há ainda o mais que perverso mecanismo do modo de

produção do capital, com o qual a criminalidade e o abuso de drogas crescem valorizando o capital ilegal.

Inevitavelmente, portanto, o modo de produção comunitário deve priorizar não bens de capital ou consumo,

mas o ser social, ao devolver-lhe a felicidade na sua atividade produtiva (disparado o melhor antídoto contra o

abuso de drogas em geral). Isto pode significar, em certo momento, priorizar a produção de bens de capital e,

noutro, a de bens de consumo, mas sem jamais esquecer das necessidades físicas e espirituais das massas, pois  –

as pessoas são seres automediadores objetivos únicos, singulares. Ainda, evidentemente, a maior riqueza de todaa humanidade. Sob estas condições dificilmente as drogas não poderá parar um indivíduo que quer desenvolver

suas forças. É praticamente consenso que os indivíduos notáveis que perdemos nesta e em outras guerras do capital

poderiam ter outro destino; em meios que não são mais meios, forças que são apenas destrutivas; isto é, não a

“destruição produtiva” idealizada no início da crise estrutural do capital, mas sim a “produção destrutiva”. Contudo,

o capital insiste em tratá-los como “trabalho abstrato e uma barriga”, e pouco importa se se trata de um trabalho

produtivo ou da mais militar atividade prática... Mészáros comenta que o capital não sabe diferenciar o crescimento

de um câncer do de uma criança; nada poderia ser mais realista, pois a escassez de bens do trabalho social está

para a sua escassez de poder determinar a produção, circulação e consumo.

O que emerge aqui é a resolução final (ou não) do problema de o ser social e sua sociedade constituírem sua

autonomia.Com relação ao socialismo, o termo gratuito é equivocado, pois, do trabalho social gerido, no pós-capitalismo,

pelos “produtores livremente associados”, devem, estes, estipular – a partir de tudo o que for produzido  – o que

será apropriado como bens de consumo, como fundo aos que não trabalham ainda e, também, o que deverá ser

reinvestido na produção. Não deixam de existir investimentos em bens de capital no socialismo; contudo, ao con-

trário do capital, não temos a insistência de o investimento nestes bens desdobrar-se em desemprego da força de

trabalho, tampouco na desproporção entre ambos os setores da economia, característica das crises de superpro-

dução. Aqui, vemos justo o contrário do

que Lukács postulou: a fábrica capita-

lista não pode ser transplantada para o

solo de um Estado operário, pois funci-ona com base na autoalienação e na di-

visão do trabalho,17  mas também boa

parte das necessidades e meios do capi-

tal tornaram-se contravalores, não mais

meios propriamente ditos e forças des-

trutivas. Para o tecido social, isto crista-

liza as personificações de capital e tra-

balho na sociedade e, nas instituições

educacionais, as personificações de sa-

ber  e fazer : a contraposição entre teoria

e prática, além, é claro, das macroestru-

turas do capital: ↔Estado ↔ Trabalho

Capital ↔.

Além disso, o capital continua na

arena histórica apenas ao manter o tra-

balho dominando o trabalho, pois as

determinações da autoalienação não cessam e são, ainda, complementadas por outro tipo de alienação – o poder

político propriamente dito, inteiramente  post festum. Com isso, as forças centrífugas da relação capital-trabalho

são “corrigidas” através da força centrípeta do Estado, que apenas realiza a manutenção do ciclo vicioso de medi-

ações de segunda ordem do capital. Assim, a questão do fenecimento do Estado não é uma questão para um futuro

distante, mas algo que deve começar a ser abordado desde os primeiros momentos, e a “Revolução Informacional”

17 Mészáros, 2006b, p.630-631.

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oferece meios para este processo de superação. Mas, como dentro da totalidade do trabalho e na sua vanguarda a

democracia direta soviética perdeu espaço para as instituições do capital  – que confundem delegação de poderes

com representação –, não conseguimos ver as potencialidades contidas na “Revolução Informacional”.

Isto demanda fundir processo de trabalho e processo legislativo,18 para fazer o tripé do modo de produção do

capital (↔Estado ↔ Trabalho Capital ↔) recuar, pois tanto o capital quanto o Estado – que nasce da dependência

desta relação de produção e desta relação de propriedade  – não podem fazer a planificação da economia, neces-

sária para que tenhamos, além da otimização da utilização dos recursos (sobretudo, humanos), o fim das crises. E

o Estado, como pudemos ver na História e nos seus documentos secretos, estabeleceu-se como paradigma da ali-enação, e seus agentes, em personificações de capital. A planificação não pode ser feita por um número reduzido

de “iluminados”, mas sim pelos organismos de base, com um vetor ascendente, permitindo que as pessoas comuns

 – pela autogestão e democracia direta  – possam administrar seu microcosmos e os aspectos mais gerais da socie-

dade. Observem:A determinação do que seriam as necessidades básicas, cuja satisfação gratuita caberia ao Estado,

e do que seriam as carências particulares, que constituem os diferentes “estilos de vida”  ou “pre-

ferências pessoais”, remete ao debate sobre o conceito de necessidade, e, no caso do problema

que quero enfocar neste texto, à definição do lugar das chamadas drogas na pauta das necessida-

des humanas.

A natureza do conceito de necessidade revela uma chave essencial para a compreensão das visões

de mundo que se constituíram na época moderna, na qual as necessidades ampliaram-se numa

escala global. O que são as necessidades? Sob esta definição dividiram-se aqueles que viram um

limite nos desejos humanos, que deveriam se saciar austeramente apenas com o necessário, ou

seja, sem desejos outros que não os que permitiram a vida sóbria, e aqueles que conceberam o

desejo como uma espiral incessante que impulsiona a humanidade. (Carneiro, 2002, p.119)

Analisemos as necessidades. Marx, nos Grundrisse e em a Ideologia alemã, afirmará que os meios de produção

do capital  – enquanto conexões universais19 dos seres humanos  – só podem ser geridos ao serem subsumidos e

controlados pelos indivíduos sociais em sua totalidade.20 Assim, como em si um comitê restrito de indivíduos não

pode ter capacidade de planejar a economia que satisfará a necessidade de milhões de pessoas (da maneira pela

qual esta relação de produção estabelece falsas necessidades, as quais estarão presentes no momento de transição,

após a revolução social que tenta superar o capitalismo, apenas os “produtores livremente associados”  – por meio

18 “Ou seja, numa ordem socialista, o processo ‘legislativo’ deveria ser fundido ao próprio processo de produção de tal modoque a necessária divisão horizontal do trabalho  – discutida no capítulo 14 – fosse complementada em todos os níveis, do localao global, por um sistema de coordenação autodeterminado do trabalho. Esta relação contrasta agudamente com a perniciosadivisão vertical do trabalho do capital, que é complementada pela ‘separação de poderes’ em um ‘sistema político democrá-tico’ alienado e inalteravelmente imposto às massas trabalhadoras. Ora, a divisão vertical de trabalho sob o comando do capitalinfecta incuravelmente todas as facetas da divisão horizontal do trabalho, das funções produtivas mais simples aos processosmais complexos da selva legislativa. E esta é uma selva legislativa cada vez mais densa não só porque suas regras e componen-tes institucionais se multiplicam ao infinito e mantêm sob forte controle o comportamento real ou potencialmente desafiador

do trabalho, alertando para os pleitos limitados do trabalho e protegendo a dominação global do capital sobre a sociedade emgeral.” (Mészáros, 2006b, p.829, grifos nossos).19 “No mercado mundial desenvolveu-se em tal nível o nexo do indivíduo singular com todos, mas ao mesmo tempo tambéma independência desse nexo em relação aos próprios indivíduos singulares, que sua formação já contém simultaneamente acondição de transição para fora dele mesmo. A equiparação em lugar da comunalidade e da universalidade efetivas. [...]É igualmente certo que os indivíduos não podem subordinar suas próprias conexões sociais antes de tê-las criado” (Marx, 2011,

p.109).20 Em uma das primeiras passagens sobre o tema, Marx e Engels afirmam: “... divisão do trabalho e propriedade privada são

expressões idênticas  – numa é dito com relação à própria atividade aquilo que, noutra, é dito com relação ao produto daatividade” (Marx, 2007, p.37). Mais à frente eles retomam indicando um aspecto importante que a “Revolução Informacional”

confirma, além é claro do “hardware” do sociometabolismo do capital: “Chegou -se a tal ponto, portanto, que os indivíduosdevem apropriar-se da totalidade existente de forças produtivas, não apenas para chegar à autoatividade, mas simplesmentepara assegurar a sua existência. [...] A apropriação dessas forças produtivas não é em si mesma nada mais do que o desenvol-vimento das capacidades individuais correspondentes aos instrumentos materiais de produção. [...] O moderno intercâmbiouniversal não pode ser subsumido aos indivíduos senão na condição de ser subsumido a todos.” (Marx, idem, p.73). Atentemque Mészáros (1999, p.127) traduz o termo por subordinar, mas afirma a necessidade de controle por parte dos seres humanos.

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de democracia direta e autogestão  – poderão fazê-lo. Pois mesmo o capital promove, é verdade  – porém de ma-

neira totalmente enviesada –, o princípio marxiano segundo o qual se afirma que tais meios de produção só podem

ser geridos coletivamente – pense-se na História da passagem da empresa administrada de maneira paternalista

pelo próprio capitalista e as transacionais geridas por colegiados da globalização. Estas empresas são ainda modelos

reduzidos da sociedade – com seu triângulo de enorme base e vértice reduzido –, como foram as empresas sovié-

ticas; contudo, as ocidentais conseguiram, por meio da “Revolução Informacional”, ativar a cogestão com os traba-

lhadores, capturando a subjetividade dos trabalhadores que não foram expulsos da linha de montagem  – e esta

apropriação não se deu somente por ter desenvolvido a microeletrônica; mas por ser a forma economicamentemediada de capital mais dinâmica que a politicamente mediada. Típico de um mundo onde a História dos comitês

de fábrica da Revolução Russa foi esquecida!

O capital se tornou tudo que é, famoso por ultrapassar barreiras, por considerar que as necessidades não po-

dem ser definidas, chegando mesmo a reabilitar o luxo aos olhos da sociedade; assim ele teria criado o reino da

liberdade. Contudo, sabemos que Marx comprovou que o capital e as sociedades de classe são o reino da necessi-

dade. Se os desejos do ser humano não têm limite (como a atmosfera não teria no passado do capital, porque

também era tomada como um bem renovável e, portanto, ilimitado) ele também alimenta um mito de perfeição – 

pensem nas alucinações de Hayek. Com isto, o capital pode ainda desqualificar o socialismo como utopia enquanto

realiza a utopia da “Paz perpétua” do capital no mundo – como se Marx tivesse falado em perfeição, que é total-

mente diferente de plenitude.21

 O artigo do professor Carneiro é feliz mostrando como o capital, que é um período maior que capitalismo, vai

ampliando a circulação e a produção de mercadorias  – o “mundo das coisas” x  “o mundo dos homens”–, subver-

tendo mesmo os valores e necessidades pré-capitalistas, gerando riqueza e miséria, mas fazendo as barreiras na-

turais recuarem, ou seja, ampliando as necessidades e valores (incluídos saltos qualitativos), fazendo com que a

cultura, tomando como base a natureza, também se amplie: “um luxo vulgar” (Ortiz apud  Carneiro, p.121).22 Como

Montaigne vê o florescimento do comércio com “calamidades tão miseráveis” (Montaigne apud  Carneiro, p.120),

muito longe da identificação que Kant fará do comércio com a “Paz perpétua”.  A escravidão será um dos muitos

tráficos23  – que ampliarão o racismo – do qual a guerra às drogas é um capítulo. Todavia, das descrições de Babbage

sobre como a indústria aproveita e reutiliza os mais diversos materiais 24 até a economia perdulária da Toyota e a

acumulação flexível em escala global há um verdadeiro abismo. Logo, não devemos ser tão duros com estes autoresque condenaram o luxo e o capital em sua época – havia motivos para se escandalizar, pois o fim da distinção entre

o “teu” e o “meu” não poderia levar ao fim da “velha merda”, que foi não só necessário como gerou o “indivíduo

social” inserido em um mundo globalizado. 

Hoje o capital leva à barbárie as nações produtoras de drogas e matérias-primas. À época, o pensamento con-

servador denunciou o luxo – proveniente da circulação maior de mercadorias – como algo contrário às necessidades

humanas e valores. Hoje, realizam-se esforços para que se acredite que a droga não é uma necessidade humana

com a qual construímos nosso mundo e valores, mas um luxo, e unilateralmente destrutivo, com o qual o ser hu-

mano  – incapaz de controlar a si mesmo  – destrói a si mesmo. Evidentemente, a droga  per se justifica esta sina

autodestrutiva à qual o ser social em geral tenderia (mascarando o fato de que são apenas alguns indivíduos sociais

que desenvolvem uma relação problemática com as drogas), e não devemos, para o bem deste próprio mundo e

21 A plenitude, por necessidade lógica, implica limitações, pois só aquilo que é limitado de alguma forma pode ser preenchido.Ou então cairemos na noção kantiana de realização num infinito transcendental (Mészáros, op. Cit., p.153).22 “Esta ‘vulgarização do luxo’ é uma das características da história do comércio mundial na época moderna e a América foi

uma das fontes de novos hábitos e de novos produtos que, desde uma origem restrita e de um consumo suntuário, alcançaramo estatuto de confortos indispensáveis da vida moderna. Como escreveu Eduardo d’Oliveira França, ‘fabricava-se luxo paraexportar para a Europa. Mas não sem uma fase de experimentação local. Muito do luxo que o Ocidente conheceu então,chegou das Índias (...) Os portugueses eram intermediários para a Europa. Chapéu-de-sol. Palanquim. Leque. Bengala. Colchade seda. Aparelhos de chá. Vasos de porcelana. Perfumes, etc. Inclusive o hábito do banho diário.” (Carneiro, 2002, p.121-122).23  “A ânsia pela pimenta, pelo açúcar e pelo chá, para referirmo-nos apenas aos produtos mais importantes ao longo dosséculos XVI e XVII, produziram a expansão colonial europeia, a descoberta e a ocupação da América e a escravidão e a diásporade milhões de africanos. O açúcar foi, segundo Mintz, ‘uma das forças demográficas massivas da história mundial’” ( Carneiro,2002, p.123).24 Mészáros, 2006b, p.634-653.

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seus valores, perguntar se há algo além da própria ação das substâncias no organismo que justifique a dependência.

De um ser objetivo automediador, o ser social devém uma fria equação química com a qual a medicina e psicologia

devem se preocupar. Mesmo que tenhamos a sorte de se somar a interdisciplinaridade à ação da sociedade civil e

do Estado contra as drogas e a intervenção do Serviço Social, a única coisa que acontece é analisar a relação entre

o indivíduo e a droga – e não do indivíduo social com sua existência e a sociedade. Então, apenas quando o “calo”

da violência policial “dói” na sociedade recorda-se que maior qualidade de vida (a qual, sob o primado do “império

das coisas” do capital é uma meta quase inalcançável dado o fetichismo) poderia reduzir os números da violência,

aumentar a segurança pública e até mesmo diminuir o abuso de drogas.Tão irreais e produtos do autoestranhamento de suas atividades e demais dimensões da vida como é a postu-

lação das necessidades humanas circunscritas a uma esfera extremamente limitada de bens, chegando mesmo a

negar a dimensão cultural do ser social qualitativamente diferente da necessidade estritamente biológica, da

mesma maneira a Antropologia e a Ontologia afirmam que o ser social não possui qualquer limite em suas neces-

sidades. Antes de ser antagônica a primeira definição de necessidade (produto de uma cultura que insiste em res-

tringir o humano ao biológico segundo o modus operandi  do trabalho alienado e da divisão do trabalho) à segunda,

que valendo-se das estruturas do capital (mas lembremos, de um ser automediador, ou seja, as “mediações de

primeira ordem”, a saber, ↔Natureza ↔ Ser social ↔  Indústria ↔) e das “mediações de segunda ordem do

capital das quais não podemos abstrair o ser social e seu inconsciente, por mais que possamos afirmar que as pul-

sões humanas são infinitas tal paradigma é muito problemático, pois é algo tão complicado que obrigou a própriaeconomia (já “vulgarizada”) a afirmar que a satisfação também possui uma margem, mostra-se o que é: uma iden-

tificação redutora e arbitrária do indivíduo social com seu inconsciente, realizada pelo autoestranhamento/autoa-

lienação, que desconsideram o alterego e também o restante da própria  psiqué do indivíduo social; sobretudo, a

realidade à qual está em unidade. Não por acaso, o abuso de drogas é um dos fenômenos mais comuns no mundo

globalizado pelo capital.25 

Está claro que o que é válido para as instituições da sociedade, como afirmado por Marx, tem aplicação tam-

bém aos demais objetos humanos e à nossa vida enquanto indivíduos. Escreve Marx nos Manuscritos: “O homem

só não se perde em seu objeto se este lhe vem a ser como objeto humano ou homem objetivo. Isto só é possível

na medida em que ele vem a ser objeto social para ele, em que ele próprio se torna ser social, assim como a socie-

dade se torna ser para ele neste objeto.” (2006, p.109)

26

 Como o capital  – no processo de trabalho  – subverte averdadeira relação entre o sujeito e o objeto, a construção da personalidade humana é subsumida à fenomenologia

reificada, fetichista e enviesada.

25 O filme The Zeitgeist –  Moving forward (https://www.youtube.com/watch?v=SuiCYiwHptg), comprova como esta definiçãode natureza do ser humano é equivocada, como o vício em drogas não segue apenas a dinâmica da interação entre substânciase o corpo do indivíduo, mas a totalidade da História deste e de sua comunidade.26 “assim como para o ouvido não musical a mais bela música não tem nenhum sentido, é nenhum objeto, porque o meusentido só pode ser a confirmação de uma das minhas forças essenciais, portanto só pode ser para mim da maneira como aminha força essencial é para si como capacidade subjetiva, porque o sentido de um objeto para mim (...) vai precisamente tãolonge quanto vai o meu sentido...; [é] apenas pela riqueza objetivamente desdobrada da essência humana que a riqueza da

sensibilidade humana subjetiva...” (Id., p.110) “O homem é imediatamente ser natural. Como ser natural, e como ser naturalvivo, está, por um lado, munido de forças naturais, de forças vitais, é um ser natural ativo, estas forças existem nele comopossibilidades e capacidades, como pulsões; por outro, enquanto ser natural, corpóreo, sensível, objetivo, ele é um ser quesofre, dependente e limitado, assim como o animal e a planta, i. e., os objetos de suas pulsões existem fora dele, como objetosindependentes dele. Mas estes objetos são objetos de seu carecimento, objetos essenciais, indispensáveis para a atuação econfirmação de suas forças essenciais. Que o homem é um ser corpóreo, dotado de forças naturais, vivo, efetivo, objetivo,sensível significa que ele tem objetos efetivos, sensíveis como objeto de seu ser, de sua manifestação de vida, ou que ele podesomente manifestar sua vida em objetos sensíveis efetivos. É idêntico: ser objetivo, natural, sensível e ao mesmo tempo terfora de si objeto, natureza, sentido, ou ser objeto mesmo, natureza, sentido para um terceiro. (...) Um ser que não tenha suanatureza fora de si não é nenhum ser natural, não toma parte na essência da natureza. Um ser que não tenha nenhum objetofora de si não é nenhum ser objetivo. Um ser que não seja ele mesmo objeto para um terceiro ser não tem nenhum ser paraseu objeto, i. e., não se comporta objetivamente, seu ser não é nenhum [ser] objetivo. Um ser não-objetivo é um não-ser. Pois,tão logo existam objetos fora de mim, tão logo eu não esteja só, sou um outro, uma outra efetividade que não o objeto forade mim. Para este terceiro objeto eu sou, portanto, uma outra efetividade, que não ele, i. e., [sou] seu objeto. Um ser que nãoé objeto de um outro ser, supõe, pois que não existe nenhum ser objetivo. Tão logo eu tenha um objeto, este objeto tem amim como objeto.” (2006, p.127-8).

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O trabalho custa amor e o amor custa trabalho, o capital é perdulário. O capital tem sido devastador para com

o sociometabolismo do trabalho e da Educação, o que enseja o abuso de drogas e a criminalidade em larga escala;

mas, antes de tudo, alimenta primeiro a “guerra às drogas”. Cada nova atividade e bem, criados sob o capital,

adquirem o sentido inverso a uma nova potência para o ser social. Assim, citamos a “obsolescência programada”,

mas também podemos ver vários outros fenômenos ao nosso redor da criação e aceitação social de necessidades,

no mínimo, questionáveis. Marx é bem direto sobre como esta nova atividade ou bem será vivida sob o modo de

produção do capital:

Cada homem especula sobre como criar no outro uma nova carência, a fim de forçá-lo a um novosacrifício, colocá-lo em nova sujeição e induzi-lo a um novo modo de  fruição e, por isso, de ruína

econômica. Cada qual procura criar uma força essencial estranha sobre o outro, para encontrar aí

a satisfação de sua própria carência egoísta. [...] Subjetivamente mesmo isto aparece, em parte,

porque a expansão dos produtos e das carências o terna escravo inventivo e continuamente calcu-

lista de desejos não humanos, requintados, não naturais e pretensiosos  – a propriedade privada

não sabe fazer da carência rude [uma carência] humana (2006, p.139)

Ao mesmo tempo, quando a necessidade humana das massas é rebaixada em termos absolutos, esbanja-se

recursos em certos estratos da sociedade. Sobretudo, podemos ver como a Europa, entregue ao modo de produção

do capital – mesmo com a ajuda de monta do Welfare State – manteve a mesma estrutura de classe e os fenômenos

da “questão social”, da qual a criminalidade e abuso de drogas é apenas uma expressão. Assim, o capital podedesenvolver enviesadamente a indústria humana; contudo, não pode tornar  – a menos que queira comprometer

sua divisão hierárquica do trabalho e demais instituições  – a “carência rude” uma “carência humana”. Evidente-

mente, se, num passe de mágica, as drogas desaparecessem, não veríamos ocorrer este processo pelo qual a ca-

rência rude vem a ser carência humana, pois tais substâncias não são sequer a principal causa para este problema.

Desta maneira, a Educação e toda a vida social sob o modo de produção do capital tornam-se dualistas e dico-

tômicas, pois, por mais que o Estado realize uma política bem-sucedida de Educação, o acesso ao sentido do traba-

lho – enquanto autoconstrução do indivíduo e coletividade  – é privado. O capital cultural e todos os recursos são

geridos como capitais. E o trabalho das massas arruína sua  physis e espírito. Antes de a escola e o Ensino serem

uma contratendência à [auto]alienação que se dá no trabalho, eles seguem esta tendência. Como a formação das

pessoas deveria ser uma formação omnilateral , sempre um desafio na sociedade burguesa, todo o grande desafio

do processo de Ensino-aprendizagem – a saída da heteronomia em direção à autonomia – é comprometida. Isto é

particularmente devastador para a relação que os indivíduos terão com as drogas. Assim, no trabalho, isto é, na

maior parte da vida do indivíduo, o capital  – não apenas o proibicionismo – deve fazer imperar a mais totalitária

disciplina do tempo de trabalho socialmente necessário, da “competição objetiva”, para a produtividade crescente,

única válvula de escape do capital. Claro, o momento predominante é o perdulário, mas, para saber o que prevale-

cerá em cada caso individual  – ascetismo ou hedonismo  –, há uma lógica da estrutura do capital (↔Estado ↔

Trabalho Capital ↔) e suas superestruturas para distinguir entre o lícito ou ilícito, ético e antiético e qual será o

momento predominante.

Não resta qualquer dúvida que o comunismo, enquanto socialização de meios e riqueza (não em sua forma

fetichista), enquanto “troca de trabalhos”, nada tem a ver  – sequer na dependência do objeto negado  – com o

ascetismo ou hedonismo. Condillac apreende parte da dialética da objetivação na subjetivação e da subjetivação

na objetivação,27 mas é Marx que vai desvelá-la. A ideia de que haveria uma sociedade sem drogas  – livre de seus

males e mesmo delas  – é parecida à concepção de Rousseau ou dos primeiros socialistas (que Marx chamou de

“comunismo rude” nos Manuscritos) de que a única forma de acabar com as desigualdades era reduzir drastica-

 27 ... “desejar é a mais premente de todas as nossas necessidades; por isso, mal um desejo é satisfeito e formamo -nos um outro(...) Assim nossas paixões se renovam, se sucedem, se multiplicam, e nós vivemos só para desejar e na medida em que deseja-mos” (Carneiro, 2002, p.122). Em nosso estudo sobre o Ensino de Sociologia no Ensino Médio, vimos que tanto a produçãocomo o consumo são categorias estanques da economia política que Marx lhas dá caráter dialético. No objetivar do ser humanomuito de sua riqueza enquanto indivíduo é produzida, mas também no consumo, na subjetivação do objeto, a personalidadeé formada, esta parte fundamental da vida na qual o consumo das substâncias e informação é produção do corpo. Temos,como recomenda Mészáros, pensar a objetivação na subjetivação e a subjetivação dos sujeito e objetos humanos. (Os Parâ-

metros Curriculares Nacionais (PCN e PCN+) e a crise estrutural do capital - afirmação e negação do trabalho ).

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mente as necessidades – no caso destes últimos, propondo até mesmo o fim da cultura; pois, movendo-se no inte-

rior do estranhamento entre trabalho manual e intelectual, tomando o estranhamento como coisa natural, não

conseguem vislumbrar uma sociedade onde a produção espiritual não seja antagônica ao trabalho manual. Co-

menta Marx quanto ao modo de produção do capital e a economia política que é conceituada como “a mais moral

de todas as ciências”:

... na medida em que ele [o economista político] a carência do trabalhador à mais necessária e mais

miserável subsistência da vida física e sua atividade ao movimento mecânico mais abstrato; ele diz,

portanto: o homem não tem nenhuma outra carência, nem atividade, nem de fruição; pois ele

proclama também esta vida como vida e existência humanas; na medida em que 2) ele calcula a

vida (existência) mais escassa possível como norma e, precisamente, como norma universal: uni-

versal porque vigente para a massa dos homens; ele faz do trabalhador um ser insensível e sem

carências, assim como faz de sua atividade uma pura abstração de toda a atividade; cada luxo do

trabalhador aparece a ele, portanto, como reprovável e tudo o que ultrapassa a mais abstrata de

todas as carências  – seja como fruição ou externação da atividade  – aparece a ele como luxo. A

economia nacional [economia política], esta ciência da riqueza é, por isso, ao mesmo tempo, ciên-

cia do renunciar, da indigência, da  poupança e ela chega efetivamente a poupar ao homem a ca-

rência de ar  puro ou de movimento  físico. Esta ciência da indústria maravilhosa é, simultanea-

mente, a ciência da ascese e seu verdadeiro ideal é o avarento ascético, mas usurário, e o escravo

ascético, mas producente. O seu ideal moral é o trabalhador  que leva uma parte do seu salário àcaixa econômica, e ela encontrou mesmo para esta ideia predileta uma arte servil. Levou-se o sen-

timentalismo para o teatro. Por isso, ela é  – apesar de seu aspecto mundano e voluptuoso – uma

ciência efetivamente moral, a mais moral de todas as ciências. A autorrenúncia, a renúncia à vida,

a todas as carências humanas, é a sua tese principal. Quanto menos comeres, beberes, comprares

livros, fores ao teatro, ao baile, ao restaurante, pensares, amares, teorizares, cantares, pintares,

esgrimires etc., tanto mais tu poupas, tanto maior  se tornará o teu tesouro, que nem as traças nem

o roubo corroem, teu capital. Quanto menos tu fores, quanto menos externares a tua vida, tanto

mais tens, tanto maior é a tua vida exteriorizada, tanto mais acumuladas da tua essência estra-

nhada. Tudo o que o economista nacional te arranca de vida e de humanidade, ele te supre em

dinheiro e riqueza. E tudo aquilo que tu não podes, pode o teu dinheiro: ele pode comer, beber, ir

ao baile, ao teatro, sabe de arte, de erudição, de raridades históricas, de poder político, pode viajar, pode apropriar-se disso tudo para ti; pode comprar tudo isso; e ele é a verdadeira capacidade. Mas

ele, que é tudo isso, não deseja senão criar-se a si próprio, comprar a si próprio, pois tudo o mais

é, sim, seu servo, e se eu tenho o senhor, tenho o servo e não necessito do seu servo. Todas as

paixões e toda a atividade têm, portanto, de naufragar na cobiça. Ao trabalhador só é permitido

ter tanto para que queira viver, e só é permitido querer viver para ter. (Marx, 2006, p.141-142,

grifos nossos.)

Esta é a natureza heterônoma do capital. Antes dela, o caráter fetichista  – escravizador do burguês e do ope-

rário – no qual o resultado da produção se torna maior que o seu criador: o ser humano. Evidentemente, tal sujeição

 – ao contrário do imaginado por reformistas em geral, do stalinismo à socialdemocracia  – dos seres humanos não

se reduz à esfera da circulação e consumo, mas é algo que ocorre desde a produção: a chamada subsunção real dotrabalho ao capital. A completa renúncia da atividade e fruição é tão interna ao capital como o seu espírito perdu-

lário hoje predominante. Não por acaso, o relacionamento de um indivíduo com as drogas segue a mesma dinâmica

e está inscrito na História do mercado mundial. Claro, identificar toda a cultura como produto do capital28 seria tão

enganador como dizer que não existe o problema da autoalienação, o que é algo inviável em termos humanos,

como comentamos, pois estaríamos falando de uma homogeneidade que o ser social não possui. Assim, nada mais

na “dependência do objeto negado” que a proposta do comunismo rude de acabar com a cultura para acabar com

28 Walter Benjamin escreve no clássico teses Sobre o conceito: “Geralmente lhes é dado o nome de patrimônio cultural. Eles [o

patrimônio cultural] poderão contar, no materialista histórico, com um observador distanciado, pois o que ele pode abarcardesse patrimônio cultural provêm, na sua globalidade, de uma tradição em que ele não pode pensar sem ficar horrorizado.Porque ela deve a sua existência não apenas ao esforço dos grandes gênios que a criaram, mas também à escravidão anônimados seus contemporâneos. Não há documento de cultura que não seja também documento de barbárie.” (2012, p.12 -13).

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a alienação humana. Em outra passagem, Marx afirma que o homem preocupado nada aproveita de um belo espe-

táculo. Este é outro grande problema do modo de produção do capital, entregue ao perpétuo móbile do capital: ou

a penúria, quando o indivíduo social muitas vezes não tem sequer sentidos humanos para fruir o belo espetáculo e

construir sua personalidade, o que, com frequência, leva as pessoas ao abuso de drogas. Marx foi o primeiro, e um

dos poucos, que compreendeu que o ser humano como representado pelo “comunismo rude” (que não é o único

embrutecido e rude do mundo globalizado) é um ser empobrecido, porque sequer chegou à carência típica da

sociedade burguesa (aquém da “emancipação política” e mais da “emancipação humana”)  – na qual o trabalho se

torna social; embora de maneira post festum: com o mercado e Estado; ao ser apartado dos meios de produção econsumo – pois a carência não lhe é ainda uma falta interior, não é uma necessidade dele. Assim,

Uma parte dos produtos coloniais é “luxo sensorial” e podem ir desde perfumes e bálsamos, até

alimentos exóticos, passando pelas substâncias que chamamos de “drogas” que interferem quimi-

camente em processos fisiológicos, produzindo estados de consciência alterada. Entre essas dro-

gas encontramos excitantes, sedativos, alucinógenos, mas todas têm em comum a virtude de sa-

ciarem apetites do corpo e do espírito.29 

Evidentemente, como as necessidades não podem ser apartadas em biológicas e espirituais, quando Marx faz

referência ao fim do capital (fim do “reino da necessidade”), não poderíamos dizer que há um etapismo que pres-

creva primeiro satisfazer as necessidades do “corpo” para somente depois saciar as necessidades espirituais. O que

não significa afirmar que não existam bens de primeira necessidade, mas é desrespeitar a natureza humana postu-

lar como objetivo a supressão apenas destas necessidades; ou que seria possível separá-las das necessidades mais

mediadas culturalmente.30 Contudo, é o que a sociedade dominada sob o capital e sob a determinação de seu

Estado leva, todos os dias, a impor aos indivíduos sociais a lei tendencial do tempo de trabalho socialmente neces-

sário  – que se impõe, geralmente, como momento predominante  –, de um lado, restringindo artificialmente as

necessidades do trabalho social; d’outro lado, tornando perdulário o consumo de uma minoria da população mun-

dial. Além da linha de menor resistência: meios que não são mais meios; ciência que não é mais ciência; forças

destrutivas. Não se trata apenas de um consumo estratificado, como igualmente de manter a subsunção real do

trabalho ao capital na produção, ao usurpar o relacionamento original do sujeito com seu objeto, fazendo com que

o consumo seja estratificado; pois este é um momento menos importante, mas tão imprescindível quanto a produ-

ção (trabalho socialmente necessário) para a reprodução ampliada do indivíduo social sob o modo de produção docapital. Assim, o capital trata de ser um óbice ao desenvolvimento da “rica individualidade” tanto na produção

como também no consumo. Tudo isto é muito diferente do paradigma de uso, consumo (equivalendo-os à destrui-

ção), mas ao mesmo tempo é uma necessidade – porque o capital se impõe como barreira a si mesmo e à humani-

dade – devendo, assim, acionar a “linha de menor resistência”. Dada a própria natureza do capital,31 ou se expandia

29 “A natureza de todos estes produtos é a mesma que Marx definia no início de O capital  como o primeiro aspecto da suaanálise da mercadoria: ‘A mercadoria é, antes tudo, um objeto externo, uma coisa que pelas suas propriedades, satisfaz ne-

cessidades humanas de qualquer espécie. A natureza dessas necessidades, se elas se originam do estômago ou da fantasia,não altera em nada na coisa’.” (p.124).30

 “A luta de classes, que um historiador formado em Marx tem sempre diante dos olhos, é uma luta pelas coisas duras emateriais, sem as quais não podem existir as requintadas e espirituais. E, apesar disso, estas últimas estão presentes na lutade classes de modo diverso da ideia dos despojos que cabem ao vencedor depois do saque. Elas estão vivas nessa luta sob aforma da confiança, coragem, humor, astúcia, constância, e atuam retroativamente sobre os tempos mais distantes.” (Benja-min, 2012, p.10-11).31 “O capital mesmo é a contradição em processo, (pelo fato de) que tende a reduzir a um mínimo de tempo de trabalho,

enquanto que, por outro lado, converte o tempo de trabalho em única medida e fonte de riqueza. Diminui, pois, o tempo detrabalho na forma de tempo de trabalho necessário, para aumenta-lo na forma de tempo de trabalho excedente; põe, por-tanto, em medida crescente, o trabalho excedente como condição – question de vie et mort   – do (trabalho) necessário. Por umlado, desperta para a vida todos os poderes da ciência e da natureza, assim como da cooperação e do intercâmbio social, parafazer com que a criação de riqueza seja (relativamente) independente do tempo de trabalho empregado por ela. Por outrolado, mensura com o tempo de trabalho estas gigantescas forças sociais criadas desse modo e as reduz aos limites requeridospara que o valor já criado se conserve como valor. As forças produtivas e as relações sociais  – umas e outras, aspectos diversosdo desenvolvimento do indivíduo social – aparecem frente ao capital unicamente como meios para produzir, fundando-se emsua mesquinha base. De fato, todavia, constituem as condições materiais para fazer saltar esta base pelos ares.” (Marx apud  Antunes, 2007, p.57-58).

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a esfera de circulação de riquezas, fomentando a “rica individualidade”, ou teria que arcar com a tendência à su-

perprodução.

Embora concordemos com a defesa que Carneiro faz (de que não há sociedade sem drogas e que estas têm

um lugar de destaque na criação da economia globalizada do capital), não entendemos que haja uma descontinui-

dade entre o Marx da juventude e o maduro na caracterização de necessidade e alienação. Há, na verdade, uma

profunda continuidade (que deve ser pensada na descontinuidade, e esta, naquela) entre as duas fases do autor, e

podemos até constatar uma mudança quantitativa e qualitativa, mas o salto ocorrido nesta última é consequência

da própria expansão quantitativa da pesquisa de Marx acerca do fenômeno da “autoalienação” e sua anatomia: aeconomia burguesa. Mészáros (2006b, p.215) está completamente certo em classificar os Manuscritos como sín-

tese in status nascendi , em considerar que a teoria da alienação é um pilar central da obra de Marx. A indústria,

após a “Revolução Informacional”, criou, é verdade, muita alienação. Todavia, esta nasce na produção, não se trata

de o consumismo ser criado em peças publicitárias, mas sim do vazio de sentido da produção de mercadorias. 32 

Mészáros também confirmou o que Marx diz sobre o capital em 1844 e desenvolve em suas obras posteriores, pois

é evidente o grau mais elevado de elaboração dos produtos – mas com o custo de uma fábrica como a Foxcom na

qual os operários se suicidam em massa – agora, como negar a omnilateralidade de um iphone. Tanto em O capital  

como nos Manuscritos de 1844, Marx mostra a seletividade da Economia na alocação de recursos, e seu caráter

contraditório. Ainda, nas duas obras ele aponta como, no fim das contas, embora o capital racionalize mais os

procedimentos da produção que os modos pré-capitalistas de produção, ele é eminentemente perdulário, sobre-tudo, mas não apenas, com o trabalho social; invariavelmente, tende a esgotar terra e homem. No decorrer do

século XX, com a estratégia da linha de menor resistência, o capital se mostrou ainda mais perdulário que à época

de Marx – logo, uma ameaça ainda maior para os trabalhadores, material e espiritualmente. Assim, não é por uma

propaganda – na qual jamais aparece o sangue, suor e lágrimas da produção  –, de uma riqueza produzida de ma-

neira fetichista em que carros jamais encontram o engarrafamento, mas é pelo que vivem os trabalhadores no seu

cotidiano que são criados desejos pretensiosos, seus contravalores individualistas, quando, após a Revolução Infor-

macional, esta tecnologia aponta justo no sentido contrário: a socialização de todos os fatores de produção, mesmo

 – e sobretudo – a informação.

Educação reduzida a serviço, ocaso dos direitos por meio do Estado de Exceção, rimam de todas as maneiras

possíveis com o proibicionismo! Embora os comunistas não defendam os direitos humanos como um fim em si, sãoos que mais lutam para que sejam respeitados de fato. Na verdade, devemos defendê-los sabendo que precisamos

ultrapassá-los positivamente,33 como a todas as demais mediações do capital; mas, a perda – na prática – progres-

siva dos direitos humanos ocorrida nas últimas décadas (tanto no “primeiro” como no “terceiro mundo”) mostra-

se clara, além de contrária aos interesses dos trabalhadores, pode também corroer a consciência de classe; pensada

 junto, a vaga pós-moderna. Assim, não apenas na luta de classes perdemos território, mas também na consciência

da classe e da sociedade, regredimos teórica e politicamente. Neste quadro, a guerra às drogas foi devastadora. Ela

suspende os direitos, até mesmo sobre o corpo do indivíduo social, sua autonomia  – não por acaso, os médicos

serão minoria na luta contra o proibicionismo, dado o poder que a categoria tem sobre o corpo do indivíduo e o

corpo social.34 Vemos, então, os agentes da lei serem os que mais se destacam na luta contra a guerra às drogas.

32 “Os psicossociólogos baseiam suas intervenções no postulado de que o ‘trabalho bem feito’, que requer inteligência, res-

ponsabilidade e ‘criatividade’ traz em si seu próprio sentido, independente de sua aplicação final. Sem piada: é possível encon-trar sentido e interesse na montagem de televisores, quando os programas são tolos; na fabricação de cargas de caneta, detecido descartáveis, de carros individuais que logo ficam obsoletos e deteriorados e que só servem para ficarem entalados nosengarrafamentos? ... Qual o sentido de um trabalho cuja finalidade principal (acumulação de capital) não tem finalidade? Acontestação da organização capitalista do trabalho compreende a contestação do conjunto do sistema. É só tornando explícitae autônoma tal contestação que se impedirá a redução e a recuperação reformistas da resistência operária ao despotismo defábrica.” (Gorz, 1996, p.89).33 Para além dos direitos humanos, Tonet, In: http://ivotonet.xpg.uol.com.br/arquivos/Para_alem_dos_direitos_humanos.pdf . 34 “A ‘guerra contra as drogas’, nascida do ventre da Lei Seca, além de servir para o enriquecimento direto das máfias, das

polícias e dos bancos, serve para tornar o corpo humano um território de comércios clandestinos e transportes interditos,vigiando com testes de urina e batidas policiais. A transformação do interior do corpo em jurisdição química do Estado, com ocontrole aduaneiro das fronteiras da pele, é uma dimensão extrema de intervenção e vigilância sobre as populações. O sexo ea droga, no caso o álcool, eram os principais prazeres a serem contidos pela coerção industrial, interessada no aproveitamento

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Desta maneira, Carneiro poderá ver como a ontologia de Marx é contrária ao proibicionismo (tanto o capital politi-

camente mediado como o economicamente mediado concordaram com a guerra às drogas!) e a favor da autono-

mia do indivíduo social e da classe (!), da mesma maneira que Gramsci ( Americanismo e fordismo) analisa esta

política da burguesia associada ao seu puritanismo, ao regramento da vida social, sexual, moral das trabalhadoras

e dos trabalhadores.

Finalmente, a “guerra às drogas” leva a uma divisão da totalidade social do trabalho dos países, pois se a

“classe-que-vive-do-trabalho”  é complexa, heterogênea e fragmentada, a política militarista do proibicionismo

trata de fazer com que as fraturas já existentes sejam ampliadas e novas sejam criadas. Como as drogas têm inevi-tavelmente um caráter profundamente cultural e social são usadas  – pelas personificações de capital, pequena-

burguesia e burocratas – como maneira de dividir e imperar : aspectos secundários: etnia, gênero, orientação sexual,

ser abstêmio ou usuário, etc. passam a ser meios para que a hierarquia, sem a qual o capital não pode existir,

fomente o mais agressivo individualismo.

Isto é bem diferente de afirmar que estes aspectos não-econômicos do ser social não determinam a produção;

esta é, sempre, um “determinante determinado”. Assim, não por acaso Marx analisa a gênese, desenvolvimento e

consolidação da mercadoria (do dinheiro e do capital) com três mercadorias fundamentais ao sociometabolismo

humano que é transpassado por determinações “espirituais”, a saber: “o linho, as Bíblias e aguardente” que fazem

emergir o equivalente geral e o capital como relação de produção e relação de propriedade.

Logo, insistir no proibicionismo militarizado é a maneira mais marcante de romper com o interesse da classetrabalhadora, e mesmo do restante da sociedade, uma vez que esta estratégia de regulação do sociometabolismo

oferece ganhos a pouquíssimos indivíduos. Já foi comentado como o comércio ilícito possui profundas ligações com

a financeirização da economia e a especulação. Com a desvantagem que o superlucro aqui realizado não pode

voltar como investimento à sociedade, pois é matéria de especulação financeira e do jogo sujo da política interna-

cional. Algo devastador, pois o que o problema do abuso de drogas já estabelece é que os lucros aqui realizados

deveriam ser direcionados para programas de prevenção e tratamento – particularmente, defendemos que todo o

lucro do comércio de todas as drogas (não apenas as ilícitas) seja revertido em 50% para a Educação e 50% para a

Saúde, mas isto é algo impossível de ser feito com o proibicionismo. Com ele tal montante de recursos devem ser

apropriados pelos barões das drogas, para a degradação da democracia burguesa em cleptocracia e combate à

revolução social do trabalho. Nada poderia ser mais contrário às trabalhadoras e aos trabalhadores! Desta forma,As drogas são parte dos produtos coloniais que se difundiram inicialmente como comércio de luxo

e se tornaram produtos de consumo de massa e, portanto, necessidades sociais. A regulamentação

proibicionista do século XX, que sucedeu à defesa irrestrita do livre comércio que levara à guerra

do ópio da Inglaterra contra a China, aumentou o fluxo de capitais no ramo clandestino, expandiu

a demanda e gerou instituições e aparatos dependentes da existência da proibição e que susten-

tam a sua continuidade. O resultado do proibicionismo foi provocar a hiperlucratividade, danos à

saúde pública (devido à falta de fiscalização), a militarização da produção e do comércio de certas

drogas e a intromissão do aparato de segurança em esferas da vida cotidiana. A proibição mundial

das drogas foi uma das invenções imperialistas que mais permitiu especulação financeira e polici-

amento repressivo das populações no século XX. (Carneiro, 2002, p.127-128)

O resultado não é devastador apenas do ponto de vista da política emancipatória do trabalho social. Hoje,

corrói de maneira ultraviolenta mesmo o “triunfo civilizado da propriedade móvel”, o movimento iluminista (mais

que soterrado pelo irracionalismo da vida social e em segundo lugar, apenas em segundo lugar, pelas correntes

irracionalistas pós-modernas), a perda na efetivação prática dos direitos humanos é mais que marcante, como pode

ser observada nos seguintes números:

Como resultado, o negócio das drogas incorpora práticas violentas tais como coerção, tortura e

execuções. O índice geral de homicídios na Europa é de 1,2 morte por 100 mil habitantes, enquanto

no Brasil ele atinge os 26,1. Na população dos 15 aos 24 anos de idade, o índice europeu também

é de 1,2, e o brasileiro sobe a 51,6 (Waisenlfisz 2008). No Rio, o índice de homicídios sobe a 104,4,

máximo da força de trabalho. Os novos métodos de tra balho exigiam ‘disciplina dos instintos sexuais’, ‘regulação e a estabili-

dade das relações sexuais’...” (Carneiro, 2002, p.126-127).

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e se tomarmos por foco os homicídios entre a população negra e parda do Rio de Janeiro (que

apresenta alta concentração nas favelas) da faixa etária dos 20 aos 23 anos, o índice atinge o as-

sustador pico de 370 mortes por 100 mil habitantes (Ramos 2009: 3). (...) O uso da estimativa mais

elevada, 52%, faz com que o índice fique acima do constatado em grandes conflitos como os de

Serra Leoa e do Afeganistão. Entre 1991 e 1999, a guerra civil de Serra Leoa resultou em 11 mil

mortes entre os jovens; durante o mesmo período, no Rio, 23.480 adolescentes morreram devido

a feridos causados por disparos de armas de fogo; no conflito de Uganda, cerca de três mil jovens

morreram entre 1994 e 1998, enquanto no Rio 12.404 meninos foram mortos a tiros. (Dowdney  

 Apud Mena & Hobbs, 2003, p.114-116)35 

Evidentemente, as transnacionais que controlam mais de 80% dos recursos do mundo não podem ser favorá-

veis ao fim do proibicionismo, e menos ainda a remover a estrutura atual da sociedade de combate ao abuso de

drogas, marcada pela mais radical heteronomia e iniquidade. Antes de quererem converter o negócio das drogas

em uma fonte importante para o financiamento do combate de seus próprios males e manutenção do bem-estar

dos indivíduos, o que está mira nos últimos anos é um movimento de fazer com que tal comércio seja completa-

mente apropriado (aparentemente lembrando a definição de Proudhon da propriedade – roubo –, mas em essência

comprovando a natureza do sociometabolismo do capital desvendada por Marx). O que está em jogo é,

... portanto, que uma mudança no paradigma proibicionista é necessária para que seja possível um envolvimentocom os direitos humanos que vá além da retórica. As alternativas à proibição, porém, também terão de levar em

conta as constatações aqui oferecidas. Por exemplo, a legalização pode não ser apropriada porque a natureza de

livre comércio do negócio das drogas não leva em conta as preocupações expressas neste estudo, especialmente a

disparidade entre fornecedores e consumidores, que corresponde, em termos gerais, a uma disparidade entre paí-

ses em desenvolvimento e desenvolvidos. Além disso, a legalização provavelmente deixaria em desvantagem os

países em desenvolvimento fornecedores de drogas, que já vêm sofrendo os efeitos mais daninhos da proibição, ao

colocar o negócio das drogas sob o controle de corporações transnacionais, o que deixaria os pobres envolvidos nas

mais arriscadas tarefas em situações vulneráveis que poderiam resultar em migração do mercado de drogas para

outros tipos de atividade criminosa. Isso posto, uma perspectiva desenvolvimentista é requerida a fim de pôr fim

aos males da proibição sem criar mais danos e injustiça. A regulamentação, portanto, parece ter papel central, pois

combinaria uma alternativa à proibição a desenvolvimento e a uma nova ênfase em educação, redução de danos,tratamento e inclusão social. Pois se continuarmos a conceder prioridade mais elevada aos argumentos morais

quanto ao consumo de drogas do que às violações dos direitos humanos que a proibição causa, se tornará difícil não

repetir a pergunta de Milton Friedman: “Isso ainda pode ser considerado moral?” (Mena & Hobbs, 2010) 

Evidentemente, a máxima pedante e interesseira do liberalismo, que estabelece uma esfera para a economia,

outra, de maneira totalmente independente, para a moral, só pode ser a degradação natural que a sociedade bur-

guesa realiza com todos os fatores de produção, a começar, pelo trabalho social. Não teríamos dúvida em afirmar

que tal ponto de vista está sob a determinação do que criou a guerra às drogas – a sociedade do modo de produção

do capital. O que emerge deste mundo globalizado, onde o vórtice de circulação de mercadorias dá a dinâmica da

vida social, é uma necessidade ainda maior de a humanidade rever os fundamentos de sua produção. Pensando

não de maneira dualista e dicotômica, mas sim sob a determinação da dimensão totalizante do indivíduo e sersocial. Com o capital e todas as sociedades de classe, a Educação, igualmente à produção, tende a assumir um

caráter igualmente dualista e dicotômico  – produtor de personificações de  fazer  e personificações de saber   –, o

que será devastador também na questão do verdadeiro desafio da existência individual e social (que é a vitória do

indivíduo ou coletividade sobre a heteronomia através da construção da autonomia de indivíduo social e socie-

dade). Todavia, num mundo onde as pessoas tenham controle sobre suas vidas e a vida da sociedade não há espaço

para a inconsistência irracional da troca de mercadorias, na qual a demanda e oferta jamais se equilibram, além do

35 “No que tange às mortes por consumo de drogas no Brasil, ainda que exista o potencial de que sejam subestimadas, asoverdoses constituem um dano menor se comparadas às mortes associadas à violência causada pelas drogas. Em 2007, 3.866pessoas foram hospitalizadas devido a abusos de drogas, e 64 delas morreram de overdose. (O UNODC estima as mortes rela-cionadas a abusos de drogas em 200 mil ao ano, em termos mundiais.) Por outro lado, no Brasil 34.028 pessoas foram hospi-talizadas devido a intoxicações causadas por medicamentos de uso legal, e 91 delas morreram. ” [Dados oficiais do SistemaNacional de Informações sobre Farmacologia Tóxica (Ministério da Saúde) (Id .).

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fato devastador de serem controladoras dos seres humanos, e não instrumentos seu para controle do sociometa-

bolismo.

Logo, o fim do proibicionismo, aliado à nacionalização da produção de drogas sob controle público (não apenas

estatal) é um dos grandes interesses da Educação para além do capital  e suas implicações são também muito gran-

des no que tange à saúde (entregue a contradições ainda mais explosivas com sua privatização crescente nas últi-

mas décadas)! Evidentemente, tudo isto é pensado como completa utopia de alguns sonhadores mal-amados; mas

sabemos que a verdadeira utopia é uma sociedade onde não exista drogas! Os que, covardemente defendem o

proibicionismo e a “guerra às drogas”, em geral, caracterizam-se pela abordagem idealista típica do identificaçãodo ponto de vista da economia política, mas não se dão conta do óbvio: que um ser dotado de consciência deve,

frente à possibilidade já aberta pela natureza (para não falar da mediação cultural aqui implícita), querer experi-

mentar a manipulação de sua consciência – não da maneira feita pelos magos da autoalienação diária e da ideologia

e formação de uma burocracia do trabalho, mas como seres automediadores livres. Não por acaso, mesmo os cris-

tãos não se dão conta de que o primeiro milagre de Cristo foi a produção de vinho, e em uma festa! A burocracia

que diz defender o trabalho deve explicar para a totalidade do trabalho o porquê de não haver espaços para festas

e entorpecentes na sociedade emancipada do capital. Este é um problema seu. Porque nosso problema é pôr fim

ao massacre das populações pobres motivado pela “guerra às drogas”! 

Glória, verão de 2015.

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