os impactos econômicos e sociais da política de “guerra às drogas”

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  • 8/10/2019 Os Impactos Econmicos e Sociais da Poltica de Guerra s Drogas

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SO JOO DEL REICURSO DE CINCIAS ECONMICAS

    DANIEL ALMEIDA NOGUEIRA08070504

    Os Impactos Econmicos e Sociais da Poltica de Guerra s Drogas

    SO JOO DEL REI2014

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    DANIEL ALMEIDA NOGEUIRA08070504

    Os Impactos Econmicos e Sociais da Poltica de Guerra s Drogas

    Monografia apresentado paraobteno de crditos da disciplinade Monografia II do curso deCincias Econmicas daUniversidade Federal de So JooDel Rei.

    Orientadora: Prof. Dr. Simone deFaria Narciso Shiki

    SO JOO DEL REI2014

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    DANIEL ALMEIDA NOGEUIRA08070504

    Os Impactos Econmicos e Sociais da Poltica de Guerra s Drogas

    Monografia apresentada paraobteno de crditos para adisciplina de Monografia II doCurso de Cincias Econmicas daUniversidade Federal de So JooDel Rei

    So Joo Del Rei, 26 de Fevereiro de 2014

    Profa. Simone de Faria Narciso Shiki

    ______________________________________________________________________Prof. Mcio

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    Insanidade fazer a mesma coisa repetidamente e

    esperar resultados diferentes.

    Albert Einstein

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo primeiramente a meus familiares pela pacincia e cooperao duranteo longo processo de escrita desse texto, a todos meus amigos que de alguma forma

    ajudaram na construo das ideias aqui contidas e principalmente, a minha orientadora,

    Dra. Simone Faria Narciso Shiki, por ter acreditado em mim e aceitado o desafio de

    participar dessa jornada.

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    RESUMO

    O presente trabalho buscou entender como foi estabelecida a Poltica de Guerras Drogas, iniciada em 1971 pelos Estados Unidos, e que foi ampliada para todo o

    mundo, com o objetivo de erradicar as drogas da Terra. Essa poltica prev tolernciazero ao consumo, comrcio e produo de algumas substncias consideradas ilegais,que so combatidos por represso policial. Atravs de pesquisa documental e

    bibliogrfica, com inmeros dados, documentos e estudos cientficos, foram analisadosos impactos econmicos e sociais que esse modelo repressivo trouxe para o mundo.Com base nos conceitos de Eficcia, Eficincia e Efetividade, comprovou-se que aGuerra s Drogas uma poltica fracassada, pois alm de no alcanar seus objetivos,gera um alto custo econmico para os governos e acarreta em vrios danos para asociedade, causados principalmente pelo poderoso mercado ilegal das drogas, gerandoviolncia, criminalidade, desigualdade.

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    SUMRIO

    1 INTRODUO.................................................................................................. 07

    2 REFERENCIAL TERICO.............................................................................. 11

    3 METODOLOGIA............................................................................................... 16

    4 DROGAS: OS DIFERENTES TIPOS, SUAS ORIGENS, EFEITOS EPRINCIPAIS PONTOS.......................................................................................

    17

    4.1 piaceospio, Morfina e Herona: Uma histria de amor e dio .......... 18

    4.2 lcool: Da Arca ao Glamour .......................................................................... 20

    4.3 Tabaco: Assassino Silencioso ......................................................................... 214.4 Cocana: Dos Andes para o Mundo................................................................ 21

    4.5 O Crack: O Grande Vilo da Atualidade Brasileira .................................... 22

    4.6. LSD: Uma criana problemtica .............................................................. 23

    4.7 Ecstasy: Droga do Amor ................................................................................. 24

    4.8 Maconha: Do Barato ao Remdio .................................................................. 25

    4.9 Diferenas entre Drogas, Mitos e Verdades .................................................. 27

    5 DA PROIBIO GUERRA S DROGAS COMO TUDOCOMEOU? .........................................................................................................

    34

    6 AS CONSEQUNCIAS DE UMA GUERRA ................................................. 39

    6.1 Custos Econmicos .......................................................................................... 39

    6.2 Custos Sociais.................................................................................................... 47

    7 ALTERNATIVAS GUERRA ....................................................................... 73CONCLUSO .................................................................................................... 90

    REFERENCIAS.................................................................................................. 93

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    1 INTRODUO

    incerto desde quando as drogas esto presentes em nosso planeta. Fato que

    elas acompanharam o desenvolvimento das civilizaes antigas que formaram o mundo

    como se conhece hoje. Opiceos, lcool, tabaco, folha de coca, cannabis - todas estas

    substncias tiveram um papel importante no desenvolvimento desses povos ancestrais.

    Seja como parte de um ritual religioso, aplicaes medicinais ou mesmo com fins

    recreativos, as drogas sempre fizeram parte do cotidiano do ser humano.

    Sendo a droga mais consumida no mundo, com cerca de dois bilhes de usurios

    (OMS, 2004), o lcool est presente no dia-a-dia da sociedade e influencia a vida das

    pessoas em diversas formas. A indstria das bebidas alcolicas est entre as mais

    poderosas do mundo e movimenta fortunas todos os anos. As empresas divulgam seusprodutos em diversas mdias e integram um mercado extremamente concorrido,

    fiscalizado por rgos especficos e devidamente tributado. Mas, nem sempre foi assim.

    Em 1920, os Estados Unidos proibiram o lcool. No era permitido produzir,

    transportar ou comercializar bebida alcolica em todo o territrio americano. Essa

    medida deu incio a um intenso comrcio ilegal, j que as pessoas no pararam de

    consumir. Grandes traficantes, como o famoso Al Capone, emergiram e com eles os

    ndices de criminalidade foram s alturas. Como a atividade ilegal envolvia riscos,acabava sendo muito lucrativa, movimentando fortunas que eram totalmente livres de

    impostos. O consumo, ao contrrio do que intencionavam os governantes, aumentou a

    taxas nunca vistas antes. Percebendo o insucesso da medida, o ento presidente Franklin

    Roosevelt revogou, em 1933, a Lei Seca, como ficou conhecida.

    A proibio americana durou treze anos. Dcadas aps seu fim, novas drogas

    apareceram com maior intensidade no cenrio americano - maconha, drogas sintticas,

    cocana e herona. Em sua grande maioria trazida por imigrantes de diversas partes do

    mundo, essas novas substncias, mais potentes, acabaram sendo associadas a classes

    marginalizadas e se tornaram motivo de excluso social para grupos sociais, como os

    prprios imigrantes, por exemplo.

    A partir da dcada de 1960, houve uma exploso no aumento do consumo de

    drogas nos EUA, ligado principalmente aos movimentos de contra cultura, que

    questionavam os padres impostos pela sociedade. nesse cenrio que nasce a guerra

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    s drogas, estabelecida inicialmente pelo presidente americano Richard Nixon em 1971,

    10 anos aps a Comisso nica Sobre Entorpecentes da ONU, realizada em 1961.

    A poltica de guerra s drogas estabelecia tolerncia zero para todo indivduo

    que produzisse, comercializasse, portasse ou usasse qualquer tipo de entorpecente.Diversas naes seguiram o padro americano e implantaram o mesmo sistema. Atravs

    de considerveis investimentos no aparelhamento militar, os governos passaram a agir,

    perseguindo e reprimindo quem insistisse em consumir ou traficar drogas. O nmero de

    prises foi s alturas e a criminalidade subiu nos territrios americanos, a exemplo do

    que aconteceu aps a proibio do lcool, na dcada de 1920.

    Alm da represso militar, outro importante aliado do governo nessa empreitada

    era a mdia. Investiu-se pesado em gastos com propagandas que repudiavam as drogas.

    A represso foi uma das principais bandeiras levantas por Ronald Reagan, presidente

    Americano de 1981 a 1989. Ao incio de seu segundo mandato, anunciou investimentos

    da ordem de $1,7 bilho(GUARD, 2010) para intensificar a perseguio s drogas, pois

    as considerava uma ameaa para a sociedade americana. Foi sua esposa, a primeira

    dama Nancy Davis, que lanou a famosa campanha Just Say No, que significa basta

    dizer no, em aluso a postura que os cidados americanos deveriam ter ao se deparar

    com alguma droga.

    De um lado o governo americano mostrava que estava aumentando seus gastos

    com a represso e conseguindo prender cada vez mais pessoas que cometiam delitos de

    drogas. Se em 1980 cerca de cinquenta mil pessoas foram presas por drogas nos EUA,

    em 2007 foram quinhentas mil (COMISSO LATINO-AMERICANA SOBRE

    DROGAS E DEMOCRACIA, 2007?). Acreditava-se que com esses nmeros crescendo

    a poltica em breve alcanaria seu resultado.

    Por outro lado, os opositores represso questionavam se esses dados realmente

    comprovavam o sucesso da poltica. Se o objetivo era acabar com os criminosos que

    insistiam em entrar no mundo das drogas, o nmero de prises no deveria comear a

    reduzir em algum momento? Se os gastos com propaganda serviam para conscientizar

    as pessoas a ficarem longe das drogas, o consumo no deveria diminuir?

    Mais de quarenta anos se passaram aps o incio da guerra s drogas e as

    respostas a essas perguntas esto esquentando o debate. inegvel que a poltica erabem intencionada ao tentar erradicar as drogas do mundo. Elas podem prejudicar a

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    sade do indivduo e a sociedade que o cerca. Nesse sentido, esta pesquisa traz como

    problemtica saber, quais os impactos econmicos e sociais da poltica de tolerncia

    zero direcionada para a problemtica das drogas?

    Como hiptese a ser trabalhada, considera-se que a poltica antidrogas noconseguiu resolver os problemas das drogas. Na realidade, durante todos esses anos, a

    represso deu origem a um sistema complexo, tanto social como economicamente,

    envolvendo as drogas e diferentes agentes da sociedade. Entre eles esto os usurios,

    que, em sua maioria, no tm motivos para abandonar o uso e conseguem suas drogas

    facilmente por vias ilegais. Alm dos usurios, existem os traficantes, que disputam

    entre si esse mercado extremamente lucrativo sem pagar impostos. Por ltimo, est o

    estado, tentando incessantemente combater o comrcio ilegal, atravs da repressopolicial. Esses trs fatores combinados geram um crculo vicioso que por fim beneficia

    apenas os traficantes e prejudicam toda a sociedade.

    Para entender melhor essa problemtica, necessrio analisar isoladamente cada

    agente desse sistema e a interao deles com a sociedade. Como funciona o trfico de

    drogas? Quem so os usurios? Quais so os custos econmicos da represso? Existem

    alternativas poltica de guerra as drogas que podem obter melhores resultados?

    possvel conviver pacificamente com as drogas?

    As respostas para essas perguntas no so fceis e por isso precisam de muita

    discusso. preciso quebrar o tabu existente e tratar as drogas como um sistema muito

    mais complexo. A discusso que se teve at hoje quase sempre levou em considerao

    somente as leis, e no o sistema como um todo. Em seu recente livro O Fim da

    Guerra, Denis Russo Burgierman, diretor de redao da revista Superinteressante,

    explica muito bem:

    O sistema muitssimo mais importante que a lei, porm as pessoas falammuito sobre leis e pouco sobre sistemas. comum que digam Eu sou a favorda legalizao ou Eu sou contra; Eu sou a favor da descriminalizao ouEu sou contra. Qualquer dessas opinies legitima. No entanto, estudosmostram que as leis tm efeito insignificante na deciso de usar ou nodeterminada droga. O que importa o sistema (BURGIEMAN, 2011, p14).

    Desde o usurio ao produtor, o sistema de drogas envolve muitas questes que

    nem sempre estavam sendo levadas em considerao. preciso trazer essas questes

    tona e discuti-las com seriedade. Os elaboradores de poltica de drogas devem buscar

    maneiras de promover um maior bem estar para a sociedade e para isso precisam seatentar que as drogas demandam uma anlise multidisciplinar. Torna-se relevante ento

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    buscar estudos de especialistas das vrias reas ligadas ao tema das drogas: medicina,

    psicologia, cincias sociais, direito, gesto de polticas pblicas e a prpria economia.

    Desta forma, esta pesquisa traz como relevncia, levantar alguns dos impactos sociais e

    econmicos, que possam nortear a poltica de drogas no Brasil. Isto porque o objetivo

    geral da pesquisa avaliar os reais efeitos econmicos e sociais da poltica de Guerra s

    Drogas, modelo implantado pelo governo americano h dcadas e que foi adotado por

    diversos pases ao redor do mundo. E os objetivos especficos so: Entender como

    funciona o mundo das drogas, desde o produtor, passando pelo comrcio ilegal, at

    chegar nas mos do usurio; investigar como se deu a poltica de represso s drogas e

    por que ela no alcanou seus objetivos; buscar alternativas ao modelo repressivo para

    lidar com as drogas.

    Para tanto, a monografia foi dividida em sete captulos, alm desta introduo e

    concluso. O segundo captulo tratou do referencial terico, pelo qual buscou a

    compreenso da atuao pblica, a partir dos conceitos de eficincia, eficcia e

    efetividade.

    O terceiro captulo explicou a metodologia utilizada no trabalho, que foi,

    basicamente, documental e bibliogrfica.

    O quarto captulo listou algumas drogas, consideradas mais importantes para o

    debate, diferenciando-as quanto as suas caractersticas cientificas.

    O quinto captulo buscou a origem da proibio das drogas, passando pela

    proibio do lcool no incio do sculo XX, at chegar de fato na guerra s drogas,

    implantada em 1971.

    No sexto captulo foram apresentados todos os custos econmicos causados

    pelas polticas repressivas e suas consequncias sociais.

    No stimo e ltimo captulo foram elucidados alguns termos e polticas

    diferentes praticadas pelo mundo, que se apresentam como alternativas ao modelo de

    guerra s drogas.

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    2 REFERENCIAL TERICO

    Os elaboradores de polticas pblicas veem as drogas quase sempre como um

    problema de segurana. O modelo repressivo segue essa linha e no analisa a situao

    sob outras perspectivas, outros olhares. Esse trabalho buscar fazer um estudo diferente,

    no sentido de buscar a raiz do problema. verdade que as drogas so um problema para

    a segurana e sade da sociedade. Mas, esses problemas so as consequncias. E quais

    so as causas?

    Primeiramente, preciso entender que as drogas constituem um mercado, e aqui

    se justifica um estudo econmico sobre tal assunto. Segundo Pindyck e Rubinfeld

    (2010, p. 7) Um mercado , pois, um grupo de compradores e vendedores que, por

    meio de suas reais ou potenciais interaes, determinam o preo de um produto ou de

    um conjunto de produtos.

    Compreender o mercado das drogas ilcitas no muito diferente de outros

    mercados j estudados pelas teorias econmicas tradicionais. Alm dos produtores e

    consumidores, existe, tambm, o intermedirio, que no caso das drogas popularmente

    chamado de traficante. E como todo grande mercado, o comrcio de drogas envolve,

    tambm, diversos fatores como concorrncia, preo, custo, lucro, demanda e oferta. O

    estudo desses fatores no comrcio realizado principalmente pela Microeconomia.

    Entender como eles se relacionam chave fundamental para diversas questes no

    mundo das drogas.

    Primeiramente, preciso identificar os fatores econmicos nesse mercado. Os

    produtores e traficantes constituem a curva de oferta, ou seja, a relao entre a

    quantidade de um bem que produtores desejam vender e o preo desse bem

    (PINDYCK e RUBINFELD, 2010). Essa relao entre quantidade ofertada e preo

    positiva, portanto, quanto maior for o preo de um bem, maior ser a quantidadeofertada pelos produtores.

    J os usurios, que so os consumidores, constituem a curva de demanda, ou

    seja, a relao entre a quantidade de um bem que os consumidores desejam adquirir e

    o preo dele(PINDYCK e RUBINFELD, 2010). Diferentemente da oferta, a relao

    aqui negativa. Quanto maior o preo de um bem, menor ser a quantidade demandada

    pelos consumidores.

    importante salientar que nos dois casos o preo no o nico fator queinfluencia no deslocamento das curvas de oferta e demanda. Fato verificado em muitos

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    produtos, cuja demanda no varia em funo da alterao no preo. Nesse sentido, a

    microeconomia traz o conceito de elasticidade, que mede a variao percentual que

    ocorrer em uma varivel como reao a um aumento de um ponto percentual em outra

    varivel (PINDYCK e RUBINFELD, 2010). Em outras palavras, elasticidade

    sinnimo de sensibilidade, resposta, reao de uma varivel, em face de mudanas em

    outras variveis(VASCONCELOS, 2001).

    De acordo com Varian (2006), os bens comercializados no mercado apresentam

    diferentes elasticidades de demanda em funo do preo, podendo ter demanda elstica,

    demanda inelstica ou demanda de elasticidade unitria. No caso de demanda elstica,

    uma variao no preo gera uma variao mais que proporcional na demanda. Bens

    inelsticos variam a demanda menos que proporcionalmente a uma variao no preo.

    J a elasticidade unitria corresponde aos bens que tem uma variao na mesma

    proporo do preo.

    Atravs da elasticidade possvel analisar o grau de sensibilidade das variaes

    na demanda e oferta de drogas, mediante a variao do preo, que geralmente o

    principal fator de influncia na demanda e oferta em mercados tradicionais. Mas,

    preciso tomar outras variveis para a anlise do mercado das drogas. Isto porque o

    consumidor de drogas, principalmente o que se torna dependente, por mais que passe

    por um mercado, rompe com um dos principais pressupostos da teoria do consumidor

    da microeconomia, qual seja, a de que o consumidor age racionalmente. O consumidor

    de drogas no um agente racional, por mais que o bem no seja um bem necessrio, no

    sentido, de imprescindvel a vida, visto como tal pelos usurios, o que garante seu

    consumo independente da variao do preo, e mesmo de outros fatores.

    A poltica de guerra s drogas quando estabelecida tinha um objetivo principal:

    extinguir as drogas do mundo. Na anlise de mercado, ento, isso significaria acabar

    com a demanda das drogas, mediante represso policial e tolerncia zero. Para acabarcom as drogas, as intervenes repressivas so realizadas pelos governos por meio de

    gasto pblico com polcia, propaganda, sistema judicirio e prisional. De fato, o

    objetivo prender o maior nmero possvel de criminosos envolvidos com drogas. Isso

    gera um aumento gradativo na populao carcerria, elevando os custos do governo

    com a guerra s drogas. Alm dos custos com presdios, os gastos com polcia tambm

    vem aumentando ao passar dos anos. Mais recentemente, os estados passaram a investir

    pesado em tecnologia e inteligncia policial com foco em investigar e prendertraficantes.

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    Quando o governo gasta dinheiro com uma poltica pblica, esperado que se

    analise as consequncias e resultados desses gastos. Mais de quatro dcadas aps o

    incio da guerra s drogas, os governos parecem ainda associar o sucesso desses

    investimentos ao aumento do nmero de prises, como se esse aumento estivesse de

    fato resolvendo o problema.

    Para analisar essa questo, preciso verificar o conceito de eficincia, eficcia e

    efetividade.

    Eficcia uma medida normativa do alcance dos resultados, enquantoeficincia uma medida normativa da utilizao dos recursos nesse processo.(...) A eficincia uma relao entre custo e benefcio. Assim, a eficinciaest voltada para a melhor maneira pela qual as coisas devem ser feitas ouexecutadas (mtodos), a fim de que os recursos sejam aplicados da formamais racional possvel (...) (CHIAVENATO, 1994, p. 70 apud CASTRO,2006, p. 03).

    Nesse sentido, a eficincia est direcionada para a utilizao dos recursos, de

    forma a otimiz-los, ou seja, gast-los da melhor forma possvel, para reduzir os custos

    ao mximo. J a eficcia tem como base conceitual atingir os objetivos propostos.

    Desta forma, obter eficincia no significa a obteno de eficcia, j que o fato

    de executar uma poltica pblica com o menor gasto possvel, no implica

    necessariamente que o objetivo proposto ser alcanado.

    Para Castro (2006), a eficincia est associada a fazer as coisas direito, j a

    eficcia est associada a fazer as coisas certas.

    Alm da eficincia e eficcia, outro conceito foi incorporado administrao

    pblica, o de efetividade.

    A efetividade, na rea pblica, afere em que medida os resultados de umaao trazem benefcio populao. Ou seja, ela mais abrangente que aeficcia, na medida em que esta indica se o objetivo foi atingindo, enquanto aefetividade mostra se aquele objetivo trouxe melhorias para a populao

    visada (CASTRO, 2006, p.05).

    Desta forma, o conceito de efetividade abrange a preocupao com a forma com

    que a poltica pblica atinge a sociedade, quais os setores e atores so beneficiados em

    detrimento de quais outros. Portanto, trata-se de um conceito que questiona os efeitos da

    poltica pblica.

    A Emenda Constitucional 19, que entre outros dispe sobre os princpios e

    normas da Administrao Pblica, traz o princpio da eficincia explicito em seu art. 37.

    Art. 37. A administrao pblica direta e indireta de qualquer dos Poderes daUnio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios obedecer aos

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    princpios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade eeficincia (...) (BRASIL, 1998).

    Contudo, como j verificado, eficincia no sinnimo de eficcia. Neste caso o

    art. 37 se limita a observao sobre a forma do gasto pblico e no ao alcance dosobjetivos propostos. Isto fica mais claro quando se verifica que a prpria Constituio

    reconhece a diferena, em seu art. 74, inciso II (CASTRO, 2006).

    Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judicirio mantero, de formaintegrada, sistema de controle interno com a finalidade de:(...)II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto eficcia eeficincia, da gesto oramentria, financeira e patrimonial nos rgos eentidades da administrao federal, bem como da aplicao de recursos

    pblicos por entidades de direito privado; (BRASIL, 1988).

    Portanto, a lei brasileira garante pelo menos dois princpios relevantes dentro da

    teoria da administrao pblica: eficincia e eficcia. Ainda falta introduzir a

    efetividade, de forma a incluir a sociedade no mbito da formulao, execuo e

    acompanhamento da poltica pblica.

    preciso entender como deve ser feito o gasto pblico e o que o governo deve

    levar em considerao ao fazer suas escolhas de investimento. Segundo Kashiwakura

    (2012, p. 08):

    Na era do Estado Fiscal, a qual vivemos na era atual, o tributo a receitaderivada que d sustentao existncia do Estado, da crescer a importncia ea correta aplicao dos princpios que norteiam o gasto pblico. Gastar deforma justa os valores arrecadados mediante a tributao, gastar de forma aatender aos princpios de direito financeiro, segundo conceitos de justia elegitimidade, enfim, atender os anseios da sociedade, porque importantefrisar que o tributo um direito da sociedade e no do Estado.

    Alguns desses princpios do direito financeiro so essenciais para analisar os

    gastos da poltica de guerra s drogas. O primeiro deles a Economicidade que teminterpretaes ligadas eficincia. Segundo Bugarin (1998, p.42), economicidade

    trata-se da obteno do melhor resultado estratgico possvel de uma determinada

    alocao de recursos financeiros, econmicos e/ou patrimoniais em um dado cenrio

    socioeconmico.Pela economicidade os altos gastos do governo na guerra antidrogas

    deveriam se justificar como sendo a melhor opo financeira para tratar o problema e a

    que obtm o melhor resultado e bem estar social. Em outras palavras, seria o melhor

    custo-benefcio para o estado.

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    O destaque para a economicidade no caso brasileiro deve-se, principalmente,

    porque ele est presente de maneira muito clara no artigo 70 da Constituio Federal:

    A fiscalizao contbil, financeira, oramentria, operacional e patrimonialda Unio e das entidades da administrao direta e indireta, quanto legalidade, legitimidade, economicidade, aplicao das subvenes erenncia de receitas, ser exercida pelo Congresso Nacional, mediantecontrole externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. (BRASIL,1988)

    Portanto, funo do Congresso Nacional verificar se a poltica pblica

    direcionada para as drogas est de acordo com o princpio da economicidade.

    Outro princpio importante a ser analisado o princpio do maior benefcio

    social, que em parte est ligado com o da economicidade. Para Kashiwakura (2012), o

    princpio do maior benefcio social est intrnseco na Constituio Brasileira:

    Pode se afirmar que o Princpio do Maior Benefcio Social(...)est inserido nocontexto dos objetivos fundamentais da Repblica, preconizados no art. 3 daConstituio Federal de 1988, contribuindo para o alcance desses objetivos:

    Art. 3 Constituem objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil:I- construir uma sociedade livre, justa e solidria;II- garantir o desenvolvimento nacional;III- erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir as desigualdades sociais eregionais;IV- promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor,

    idade e quaisquer outras formas de discriminao. (Grifos do autor)(Constituio Federal, Kashiwakura )

    Tendo esses dois princpios como necessrios para se elaborar qualquer poltica

    de gasto pblico, pode se tirar uma concluso de certa forma bvia, mas necessria: Um

    maior gasto no levar necessariamente a maior benefcio social, mas nem sempre

    alcanar tal benefcio ter um custo financeiro baixo. Em outras palavras:

    (...)h que distinguir, porm, de modo bem claro, entre a verdadeira e a falsa

    economia; entre gastar o mnimo possvel, sem atentar aos resultadosconseguidos, e gastar o que for necessrio para conseguir os melhoresresultados possveis, ou seja, entre gastar pouco e gastar com acerto(DALTON, 1960, p. 8-9, apud KASHIWAKURA, 2012, p. 08).

    necessrio, ento, analisar sob a tica de mercado, os efeitos e consequncias

    dos intensos investimentos pblicos destinados para a poltica de guerras s drogas e

    entender como se comportam separadamente demanda e oferta de drogas perante a

    atuao repressiva dos governos. Assim, ser possvel verificar se tais polticas esto

    alinhadas com os princpios do direito financeiro, principalmente os dois j citados, e

    dentro da lgica da eficincia, eficcia e efetividade.

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    3 METODOLOGIA

    Para a realizao dessa monografia foram utilizadas pesquisas documentais e

    bibliogrficas, que ocorreram quase que simultaneamente ao longo do trabalho.

    Primeiramente, foi realizada uma reviso de literatura que possibilitou tanto oembasamento terico como a leitura de alguns autores e especialistas no tema, fazendo

    um apanhado histrico das drogas e a forma como a sociedade lida com elas ao longo

    dos anos. Posteriormente, foram analisados documentos emitidos por rgos

    responsveis em elaborar as polticas de drogas para verificar como de fato foi

    estabelecida a guerra s drogas. Para melhor entendimento, foi utilizada a ajuda de

    autores que interpretaram e analisaram esses documentos.

    A guerra s drogas teve seu incio de fato na dcada de 70 e devido s

    circunstncias, poucos autores se dedicaram a analisar seus efeitos nos primeiros anos.

    Recentemente, alguns trabalhos sobre o tema vm se destacando. Diversas autoridades e

    pessoas que trabalharam e acompanharam a evoluo das polticas repressivas esto se

    posicionando sobre o tema nos ltimos anos, atravs de encontros, debates, entrevistas

    ou mesmo publicando documentos, que foram muito uteis para o presente trabalho.

    Foram utilizados tambm dados divulgados em relatrios de instituies, que

    acompanham ndices de criminalidade, populao carcerria, consumo de drogas, custos

    do sistema prisional, entre outras variveis que foram de extrema importncia para o

    trabalho.

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    4 DROGAS: OS DIFERENTES TIPOS, SUAS ORIGENS, EFEITOS E

    PRINCIPAIS PONTOS

    A palavra droga tem sua provvel origem no idioma holands, em que droog

    remete a folhas secas, j que antigamente os remdios eram produzidos basicamente a

    partir de plantas encontradas na natureza. Das diversas definies encontradas para a

    palavra droga atualmente, cabe-se destacar duas principais que interessam para o

    presente estudo, ligadas sade e ao direito. Primeiro, segundo a Organizao Mundial

    de Sade, droga toda substancia que, introduzida em um organismo vivo, pode

    modificar uma ou vrias de suas funes(KARAM, 1991, p. 26) Cientificamente essa

    a definio mais correta para as drogas, j que no faz meno somente ao efeito que a

    substncia causa. Abrange-se portanto, nesse conceito, todas as substncias licitas como

    lcool, cigarro e medicamentos (origem da palavra drogaria), como tambm as

    ilcitas. Contudo, ao passar do tempo, a palavra droga passou a ser utilizada

    genericamente para descrever somente as ilcitas, ganhando assim uma conotao

    jurdica e no mais cientifica. Ainda para Karam (1991, p. 27), esse j um problema

    que dificulta o debate:

    Esta diviso artificial das drogas em licitas e ilcitas, comoj mencionado, envolve estas ltimas numa capa de mistrio efantasia, que as associa ao desconhecido e ao temido, dando-lhes umaconotao um tanto satnica, bem ao gosto da demonologia dossculos XVI e XVII, o que contribui, de forma decisiva, para impediruma discusso mais racional da questo.

    Dentre as vrias definies cientficas que foram sendo aprofundadas, uma

    merece maior ateno aqui. Ela diz respeito s drogas que alteram as funes psquicas,

    ou seja, atuam no crebro, mais especificamente no Sistema Nervoso Central, e so

    chamadas tambm de substncias psicoativas. Essas substncias ao serem inseridas no

    corpo humano tem a capacidade de alterar temporariamente o humor, comportamento,

    percepo e a conscincia em geral.

    O pesquisador francsL. Chaloult (1971 apud CARLINI et al. 2001) classificou

    as drogas psicoativas em trs grupos, dividindo-as pelos tipos de alteraes que exercem

    sobre o Sistema Nervoso Central:

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    - Drogas depressoras: Reduzem a velocidade da atividade cerebral. Ex: lcool,

    Morfina, Herona, pio.

    - Drogas estimulantes: Aumentam a velocidade da atividade cerebral, aguando

    os sentidos humanos. Ex: Cocana, cafena, crack, anfetaminas, teobromina (presentenos chocolates).

    - Drogas perturbadoras: alteram o funcionamento do crebro e as condies

    normais de percepo da realidade, podendo em alguns casos causar alucinaes. Ex:

    alguns cogumelos, LSD, maconha, ecstasy.

    So por essas diversas caractersticas que as tais substncias despertam tanto

    interesse do homem, e no de hoje. Evidncias comprovam que vrias civilizaes

    ancestrais usavam plantas que continham substncias psicoativas. Dentre as mais

    antigas, esto o pio, a cannabis, a folha de coca, o lcool, e diversas outras plantas

    alucingenas utilizadas por povos indgenas em menor escala como o Ayahuasca, usado

    para rituais religiosos por povos do Amazonas.

    Apesar de suas origens e diferenas, as polticas repressivas sempre trataram s

    drogas de maneira igual. Com pouca informao e muita intolerncia, os governos se

    lanaram a fundo na Guerra s Drogas, no se preocupando com o fato de terempraticamente criado um novo significado para a palavra droga, que a partir de ento

    passou a ser usada para descrever as substncias ilcitas.

    Antes de dar incio a uma anlise das polticas repressivas preciso entender

    quais so as principais drogas e suas diferenas. Como ser visto mais a frente, um dos

    graves defeitos da Guerra s Drogas foi tratar todas elas de maneira igual, e

    consequentemente lidar com os diferentes tipos de usurios da mesma forma,

    criminalizando-os.

    4.1 piaceospio, Morfina e Herona: Uma histria de amor e dio

    Relatos mostram que h cerca de 5 mil anos o pio j era consumido por povos

    asiticos e do oriente mdio. O pio, que em grego significa suco, uma poderosa

    substncia que pode ser extrada da Papaver somniferum, planta tipicamente oriental,

    tambm conhecida como Papoula. Estando a planta ainda verde, retirado de suacpsula um suco leitoso, que ao secar chamado de p de pio. nesse p que se

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    encontram diversas substncias ativas como por exemplo a morfina, uma substncia

    analgsica que tem seu nome ligado a Morfeu, Deus grego dos sonhos. Isso porque

    todas as substncias retiradas do pio tem efeitos depressores no crebro, ou seja,

    diminuem sua atividade, levando a sonolncia, como o prprio nome que a planta j

    leva - somniferum.

    J no incio do sculo XIX o fsico alemo Friedrich Sertrner conseguiu isolar a

    morfina do pio pela primeira vez (BROUGHT TO LIFE, 2013). Ela um potente

    analgsico e foi por muitas dcadas utilizada como forma de aliviar a dor por muitos

    povos, principalmente em pocas de guerra. Foi utilizada em larga escala na Guerra

    Civil Americana, levando a sndrome da dependncia cerca de 400 mil soldados

    (STARKEY 1971 apud Mandel 19??).

    Os opiceos provocam rpida tolerncia noindivduo, que precisa de uma dose cada vez maior para manter seu nvel de efeito

    desejado, causando grave dependncia fsica e psicolgica no usurio.

    A alta dependncia causada pela morfina levaram os estudiosos da poca a

    desenvolverem uma nova droga, a partir da prpria morfina, para tratar tal dependncia.

    Foi criada ento a herona, uma droga semi-sinttica que foi utilizada por muitos anos

    como remdio para tosse em crianas e tratamento de dependentes da morfina. Porm,

    logo no incio do sculo XX, se comprovou seu alto grau de dano no corpo humano bemcomo seu poder se gerar dependncia no usurio. A herona passou a ter seu uso

    proibido desde ento.

    Apesar da ilegalidade, o consumo da herona explodiu em diversos pases da

    Europa nas ltimas dcadas, gerando um alto nmero de dependentes. Tal fato se

    mostrou um grave problema social para naes consideradas de primeiro mundo, pois

    afetava drasticamente a sade de seus habitantes. Recentemente alguns deles adotaram

    polticas pblicas voltadas para a reduo desses danos causados pela droga. Tais

    polticas sero analisadas mais adiante.

    Segundo o Escritrio das Naes Unidas sobre Drogas e crime (UNODC),

    existem no mundo cerca de 16,5 milhes de usurios de piaceos (pio e herona), o que

    corresponde a 0,4% da populao entre 15 e 64 anos. Atualmente, o Afeganisto o

    maior pas produtor de piaceos do mundo, responsvel por 74% de toda a produo

    mundial(UNDOC, 2013).

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    4.2 lcool: Da Arca ao Glamour

    Dentre as drogas depressoras est tambm o lcool. Como j citado, o lcool a

    droga mais consumida no mundo. Sua origem pr-histrica provavelmente ligada ao

    desenvolvimento da agricultura e inveno da cermica no perodo neoltico. Suspeita-

    se que os povos antigos descobriram as substncias alcolicas a partir do processo

    natural de fermentao e comearam a consumir a bebida a partir de ento. Existem

    registros do consumo de lcool em vrias civilizaes como gregos, romanos, celtas,

    egpcios. At mesmo na Bblia so encontradas vrias citaes relacionadas ao lcool.

    No Velho Testamento observa-se claramente uma delas: 20E comeou No a ser

    lavrador da terra, e plantou uma vinha. 21E bebeu do vinho, e embebedou-se; e

    descobriu-se no meio de sua tenda4(Genesis, Capitulo 9, Versculos 20, 21)

    Na revoluo industrial o consumo excessivo do lcool explodiu nos grandes

    centros, levando a sociedade a reconhecer os males que tal hbito causava. Estudiosos

    da poca j alertaram para o perigo, principalmente, causado pela dependncia gerada

    pelo consumo de bebida alcolica. O mdico Benjamin Rush (1790 apud GIGLIOTTI;

    BESSA, 2004, p. 11) citou Beber comea como um ato de liberdade, caminha para o

    hbito e, finalmente, afunda na necessidade

    Pressionado por movimentos sociais que desmoralizavam o consumo do lcool,

    o governo americano, em 1920, proibiu a produo, transporte e consumo de qualquer

    bebida alcolica no territrio dos EUA. A Lei Seca americana durou apenas 13 anos e

    considerada um fracasso, j que no conseguiu acabar com o consumo do lcool e

    aumentou a criminalidade.

    J em 1940 Jellinek (apud MARQUES 2001, p. 74) citou o alcoolismo comouma doena e em seu livro lanado anos mais tarde props uma diviso dos pacientes

    em relao ao consumo do lcool.Em 1967, a OMS Organizao Mundial de Sade

    incluiu o alcoolismo em sua Classificao Internacional de Doenas.

    Nos dias atuais o lcool liberado e intensamente consumido na maioria dos

    pases do mundo. A venda de bebidas alcolicas permitida apenas para pessoas acima

    de uma certa idade, em geral de 18 a 21 anos, variando de pas para pas. Mesmo ciente

    de seus vrios problemas, o consumo de lcool aceito por grande parte da sociedade e

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    estimulado por filmes, msicas, propagandas comerciais e mdia em geral. apontado

    por muitos estudiosos como uma das drogas mais danosas a sociedade, assim como o

    tabaco.

    4.3 Tabaco: Assassino Silencioso

    O tabaco tambm uma substncia conhecida pelo ser humano h milhares de

    anos. Mas, foi a partir das duas grandes guerras mundiais que o consumo do tabaco

    utilizado em formas de cigarro se popularizou. Assim como o lcool, o hbito do

    tabagismo foi estimulado pela mdia durante anos. O cigarro foi, e ainda , presena

    certa em vrios filmes hollywoodianos Hollywood que inclusive d nome a uma das

    maiores marcas de cigarro do mundo.

    Apesar de ser plenamente legalizado, a fumaa do tabaco contem cerca de 4700

    substncias txicas, entre elas a nicotina, metais pesados, alcatro, etc. A nicotina a

    principal responsvel por causar dependncia nos usurios. Segundo estimativas da

    Organizao Mundial de Sade existem cerca de 1,3 bilho de fumantes no mundo, o

    que corresponde a 30% da populao adulta mundial (OMS apud ARAJO 2009). E

    esse nmero vem crescendo, principalmente entre os jovens, o que preocupa muito os

    estudiosos da sade.

    Segundo Arajo (2009, p. 21) o tabagismo uma doena crnica, sendo a

    maior causa evitvel de doenas e mortes precoces em todo o mundo e um fator de

    risco para 55 doenas provocadas pela exposio ativa ou passiva aos componentes do

    tabaco.Segundo estimativas, somente no Brasil, quarto maior exportador de tabaco do

    mundo, o tabagismo responsvel por 200 mil mortes por ano (ARAJO, 2009).

    4.4 Cocana: Dos Andes para o Mundo

    A cocana uma substncia psicoativa estimulante do Sistema Nervoso Central,

    consumida em formato de p e obtida a partir da planta Erythroxylum coca/. A folha

    de coca, como conhecida, cultivada pelos povos da regio dos Andes h milhares de

    anos e a utilizavam para ajudar suportar a fome, a sede e para aliviar dores. Os Incas a

    utilizavam mascando suas folhas ou tomando um ch preparado com outras ervas para

    aguentarem longas caminhadas pelas cordilheiras.

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    Ainda hoje o ato de mascar a folha de coca um costume que faz parte da

    cultura dos povos dessas regies localizadas no Peru e na Bolvia. O consumo da forma

    como realizado por eles leva a absoro uma dose baixssima da cocana, no sendo

    comprovado graves danos ou mesmo dependncia causada por tal hbito. Durante muito

    tempo se confundiu essa prtica com o ato de cheirar ou injetar a cocana substncia

    isolada e obtida a partir de diversos processos qumicos submetidos folha de coca.

    Diferentemente da folha de coca, o consumo da cocana gera graves danos

    sade do usurio, principalmente relacionados aos sistemas cardaco e cardiovascular e

    causam rapidamente a dependncia da droga. usada mais comumente pelas vias

    nasais, atravs da aspirao do p branco. Seus efeitos no corpo humano so,

    inicialmente, euforia, excitao fsica e mental, sensao de poder. Aps algum tempoesses efeitos passam e do lugar a certa ansiedade, fazendo com que a pessoa deseje

    sentir novamente os prazeres iniciais, necessitando ento de mais droga. esse ciclo

    que acaba gerando a dependncia em muitos usurios. Algumas pessoas conseguem

    controlar esse desejo e no se tornam dependentes da droga, mas a cincia no

    conseguiu entender o limite exato em que uma pessoa pode usar sem se tornar um

    dependente, j que cada corpo tem uma tolerncia diferente a esse tipo de substncia.

    Ao final do sculo XIX, a cocana era utilizada de diversas formas,

    principalmente como analgsico local. O pai da psiquiatria Sigmund Freud foi um

    adepto do uso da cocana, tendo recomendado seu uso para tratar a dependncia de

    usurios de morfina. At mesmo a frmula da Coca-Cola continha pequenas

    quantidades da droga, mas teve que ser substituda por cafena, j que aos poucos os

    estudiosos se atentaram para os males causados pela substncia, que logo foi proibida.

    4.5 O Crack: O Grande Vilo da Atualidade Brasileira

    O crack uma droga obtida tambm a partir da folha de coca, misturando-se

    bicabornato de sdio pasta que utilizada na fabricao da cocana. O crack se

    originou da tentativa de se misturar outras substncias a cocana, para assim obter-se

    uma droga mais barata, mas com os efeitos similares, j que em sua forma pura, a

    cocana tem um alto custo e era considerada droga de classes altas.

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    Diferente desta, o crack encontrado em formas de pequenas pedras e seu efeito

    obtido pelos usurios atravs da inalao da fumaa gerada ao se queimar tais pedras,

    geralmente em cachimbos improvisados. Seus efeitos so similares ao da cocana, mas

    com maior intensidade e menor durao, cerca de 10 minutos. Aps os efeitos passarem

    o usurio sente uma profunda depresso, o que causa a vontade de usar mais. O crack

    possui alta capacidade de gerar dependncia, j que o usurio consome a droga em

    grandes quantidades e maior frequncia. O risco de dependncia do crack at duas

    vezes maior que o da cocana inalada (ASSOCIAO BRASILEIRA DE

    PSIQUIATRIA, 2012).

    O crack uma droga diretamente ligada com classes marginalizadas da

    sociedade, principalmente devido ao seu baixo custo. O Brasil o maior consumidor decrack do mundo (INPAD, 2012).Se at alguns anos atrs a droga ainda era considerada

    um problema das grandes cidades, sendo usada quase que exclusivamente nas grandes

    capitais do pas, hoje ela est presente em 98% dos municpios

    brasileiros.(CONFEDERAO NACIONAL DE MUNICPIOS, 2010).

    Atualmente, o crack um grande problema na sociedade brasileira e merece

    ateno diferenciada. Um fator preocupante que o usurio de crack o que menos

    busca ajuda por iniciativa prpria dentre os que utilizam drogas ilcitas (ASSOCIAO

    BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA, 2012). Com a dependncia, o usurio passa a

    utilizar a droga diversas vezes no dia, no conseguindo mais conciliar o uso com outras

    atividades como estudo e trabalho. Muitos abandonam suas casas e famlias, indo morar

    na rua junto a outros usurios, em locais que ficaram conhecidos pelo nome de

    cracolndias. Para conseguir dinheiro para comprar a droga, acabam se tornando

    pedintes, ou mesmo cometendo pequenos crimes, j que a abstinncia gerada pelo crack

    deixa a pessoa irritada, afetando a capacidade de deciso do indivduo. Esse um dos

    fatores que associa o consumo do crack violncia urbana.

    4.6. LSD: Uma criana problemtica

    O homem, na sua incessante busca por descobrir novidades, conseguiu

    desenvolver em laboratrio algumas substncias psicoativas, a partir de misturas

    qumicas no encontradas geralmente na natureza. Uma delas o LSD, uma das

    substancias alucingenas mais poderosas j conhecidas pelo homem. Sintetizado por

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    acaso, em 1938, pelo famoso qumico Albert Hofmann, o LSD s teve seus efeitos

    alucingenos descobertos 5 anos mais tarde, acidentalmente, como relatou o prprio

    Hofmann a um professor na poca:

    Sexta-feira passada, 16 de abril de 1943, fui forado a interrompermeu trabalho no laboratrio, no meio da tarde e retornei minha casa afetado

    por uma inquietude notvel, combinada com uma leve vertigem. Em casa eume deitei e afundei numa condio no desagradvel de um tipo deintoxicao, caracterizada por uma imaginao extremamente estimulada. Numestado como que em sonho, com os olhos fechados, eu achei a luz do diadesagradavelmente brilhante, eu percebia um fluxo ininterrupto de quadrosfantsticos, formas extraordinrias com um intenso caleidoscpico jogo decores. Depois de umas duas horas esta condio diminuiu (HOFMANN, 1981,

    p. 10).

    O LSD foi muito utilizado para fins medicinais e de estudo pela psiquiatria.

    Porm, com o tempo passou de remdio para droga usada com fins recreativos, j que

    seus efeitos despertaram a curiosidade e o interesse de muita gente, principalmente

    jovens. Apesar de no ser uma droga que cause dependncia, sempre existiu grande

    preocupao com o uso sem acompanhamento mdico da substncia.

    Em 1967, o LSD passou a ser proibido nos EUA e em outros pases. Como

    muitas pessoas continuaram demonstrando interesse em usar, a droga passou a ser

    produzida e comercializada pelo mercado negro de forma ilcita. O LSD foi uma drogamuito ligada a cultura hippie e a classe artstica nos anos 60 e 70, sendo citada em

    diversas msicas, como por exemplo a cano dos Beatles Lucy in The Sky With

    Diamonds, em que suas iniciais (Lucy Sky Diamonds) supostamente fazem analogia a

    droga. Nos dias de hoje seu consumo atribudo principalmente a festas de msica

    eletrnica.

    4.7 Ecstasy: Droga do Amor

    O ecstasy uma droga sinttica e foi desenvolvida em laboratrio, no incio do

    sculo XX. Foi, inicialmente, testado para inibir o apetite, mas, no chegou a ser

    utilizado e comercializado em larga escala devido a seus efeitos colaterais. Seu

    princpio ativo, a metilenodioximetanfetamina popularmente conhecido como

    MDMA, age diretamente no Sistema Nervoso Central, principalmente estimulando a

    serotonina. Aserotonina um neurotransmissor responsvel por regular o sono, humor,

    apetite, e a atividade sexual. Ao intensificar essas aes, o ecstasy ganhou o apelido dedroga do amor.

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    Entre seus efeitos colaterais esto dores de cabea, nuseas, e elevao da

    temperatura corporal. No existe comprovao cientifica de que o ecstasy tenha

    capacidade de gerar dependncia fsica. Atualmente, o consumo da droga ligado

    principalmente a jovens e festas de msica eletrnica, assim como o LSD.

    4.8 Maconha: Do Barato ao Remdio

    A Maconha uma droga obtida atravs de plantas do gnero Cannabis. As

    evidncias mais antigas de sua utilizao datam de mais de dez mil anos atrs na regio

    de Taiwan, onde foram encontrados potes de barro com fios de cnhamo, (STAFFORD,

    1992)uma das variedades da Cannabis.

    O cnhamo foi uma planta importantssima no desenvolvimento da civilizao

    humana e possui especificaes que a fazem ganhar destaque principalmente no cenrio

    econmico mundial. Suas fibras so longas e resistentes, o que a torna uma tima

    matria prima para a fabricao de diversos tecidos. Est tambm diretamente ligado a

    inveno do papel pelos Chineses, se mostrando de grande utilidade no

    desenvolvimento desse importante item de uso mundial. At meados do sculo XIX opapel era obtido principalmente a partir de plantas com ciclos anuais, como o cnhamo.

    Alm de tecido e papel, o cnhamo teve diversas outras utilidades como bem explica o

    historiador da USP Henrique Carneiro:

    A maconha era uma planta econmica, talvez a mais importante dahistria, porque ela fornecia a grande base para o velame dos navios, para ocordame dos navios e para qualquer tipo de papel, ento toda a revoluoeditorial de Gutemberg foi feita com o cnhamo servindo de fibra para o papel.Ela uma fibra excelente porque ela mais longa fibra e a que mais resiste a

    deteriorao na gua. Ento diferente do algodo ou do linho ela pode serusada para fazer cordas e velas de navios. A revoluo, por exemplo, da pintura resultado do uso do cnhamo porque o cnhamo servia tanto para fazer astelas - tanto que a palavra em ingls para telas canvess, que vem do termoholands para cnhamo, como as prprias tintas tambm usavam o leo decnhamo. O leo de cnhamo servia tambm para iluminao pblica. Era asegunda fonte de iluminao pblica, antes do gs, junto com o leo de baleia.Ento era uma planta muito til para vrias esferas da vida social(CARNEIRO, 2010)

    Alm das diversas finalidades econmicas citadas, a planta da Cannabis

    despertou tambm um interesse medicinal muito grande, por apresentar propriedadescapazes de atuar de vrias formas no organismo. Os relatos do uso teraputico da planta

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    so de nmero considervel e tem sua origem tambm na China, onde, h cerca de cinco

    mil anos durante o reinado do Imperador Shen Nung, foi recomendado para tratamento

    de malria, dores reumticas entre outros. Desde ento diversas culturas utilizaram a

    Cannabis para vrios fins medicinais.

    Os estudos sobre as propriedades medicinais da planta da Cannabis se

    intensificaram principalmente na segunda metade do sculo XX, quando seu principal

    princpio ativo foi isolado em laboratrio. O Tetrahidrocanabinol, genericamente

    conhecido como THC, uma poderosa substncia psicoativa encontrada em diferentes

    quantidades nas vrias espcies do gnero da Cannabis. No cnhamo por exemplo, os

    ndices de THC so praticamente insignificantes. Alm do THC, outras substncias

    psicoativas foram identificadas na planta da Cannabis, e ganharam o nome decanabinides.

    A importncia que a Cannabis ganhou no mundo cientifico se deve

    principalmente a uma outra descoberta: O crebro humano possui um complexo sistema

    de receptores exclusivos de substncias canabinides chamado de Sistema

    Endocanabinoide. Alm disso, descobriu-se tambm que o crebro produz algumas

    dessas substancias naturalmente, que desempenham diversas funes no sistema

    nervoso.

    O debate em torno dos reais efeitos da Cannabis no corpo humano e sua

    interao com o Sistema Endocabinoide despertam o interesse de muitos pesquisadores.

    Como a droga ilegal na maior parte do mundo, os estudos ainda so restritos. J

    comprovado cientificamente que alguns canabinides possuem propriedades poderosas

    indicadas para diversas situaes como dores neuropticas, nusea causada pela

    quimioterapia do cncer, caquexia, esclerose mltipla, e glaucoma (CARLINI, 2010).

    J o consumo recreativo da maconha est ligado as sensaes prazerosas que a

    droga proporciona. Alguns efeitos so: sentidos ficam mais aguados, a percepo da

    realidade alterada, sensao de bem-estar, elevao do humor, relaxamento e

    sonolncia e aumento do apetite.

    Apesar de sua capacidade medicinal, preciso analisar cautelosamente os riscos

    do uso da maconha, j que seus efeitos podem ir alm dos desejados, podendo provocar

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    danos sade. Assim como os estudos teraputicos, as comprovaes quanto aos reais

    danos do uso da droga so pequenas. Sabe-se, por exemplo, que a maconha causa danos

    na memria recente dos usurios. Mas, segundo o especialista Elisaldo Carlini, ao

    contrrio do que muita gente acha, trata-se, porm, de um efeito transitrio que

    desaparece quando a pessoa se afasta da droga(CARLINI, s/d).Alm disso preciso

    se atentar para o risco de dependncia, que afeta cerca de 10% dos usurios da droga, e

    pode ser maior se a droga for consumida antes dos 18 anos. Outro fator preocupante est

    relacionado no a maconha em si, mas a forma pela qual ela geralmente consumida.

    Inalar fumaa prejudicial para o sistema respiratrio e pode causar graves problemas

    como bronquite, entre outros. Existe, porm uma alternativa a isso: os vaporizadores,

    objetos utilizados para esquentar a maconha a uma temperatura que libera os

    cannabinoides, mas no solta a fumaa que prejudicial.

    A maconha a droga ilcita mais consumida no mundo, com cerca de 180

    milhes de usurios, o que corresponde a 3,9% da populao mundial entre 15 e 64 anos

    (UNODC, 2013). Apesar de ilegal na maior parte do mundo, alguns pases j adotam

    polticas diferentes para lidar com a maconha. Algumas dessas situaes sero

    analisadas mais adiante.

    4.9 Diferenas entre Drogas, Mitos e Verdades.

    Como visto at aqui, as drogas no podem ser colocadas em um nico patamar.

    Elas no foram criadas todas pelos mesmos motivos, no possuem os mesmos usos e as

    mesmas consequncias. Um dos mitos criados pelas polticas repressivas que as

    drogas so iguais e levam o usurio sempre para o mesmo caminho, portanto, devem

    receber o mesmo tratamento: intolerncia.

    No Brasil, essa situao parece ser ainda pior. A desinformao em relao ao

    tema grande e as famlias muitas vezes no sabem como lidar com o problema. A

    palavra droga parece ter ganhado um nico significado para o brasileiro e usada

    popularmente para descrever coisas ruins. No dicionrio Priberam possvel encontrar

    as seguintes definies para a palavra droga alm das definies j tradicionais:

    (...)6. [Informal] Coisa de pouca utilidade ou cuja aplicao sedesconhece. 7. [Informal] Coisa sem qualidade. 8. [Brasil, Informal] Afirmaoque no corresponde verdade. = FALSIDADE, MENTIRA. 9. Exclamao

    para exprimir desagrado (Dicionrio Priberam da Lngua Portuguesa).

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    No exagero, portanto, dizer que a razo pela qual a palavra droga est

    presente no dia-a-dia do brasileiro, tendo adotado tais significados, uma consequncia

    das polticas repressivas. Na verdade, isso est muito ligado forma como os governos

    e as mdias trataram as drogas durante todos esses anos. As campanhas de preveno

    quase sempre dizem que todas elas so muito perigosas, que vo viciar e acabar

    rapidamente com a vida de quem usa a primeira vez. Um verdadeiro caminho sem volta.

    Os primeiros problemas da Guerra s Drogas j comeam pela prpria palavra,

    como j citado. O que se passa na cabea de uma criana ao ver uma campanha na

    televiso dizendo todas aquelas coisas horrveis sobre as drogas, e no dia seguinte sua

    me vai a uma loja chamada drogaria comprar um remdio para gripe?

    Essa criana vai crescer e se tornar um adolescente, a fase da curiosidade, da

    descoberta. Comeam a sair com amigos, a frequentar lugares diferentes, at pela

    primeira vez experimentarem o lcool. Apesar dos pais, professores e mdia dizendo que

    o lcool s deve ser usado aps os 18 anos, isso no chega nem perto de acontecer. Um

    estudo realizado, em 2007, pela Secretaria Nacional Antidrogas SENAD com

    adolescentes de 14 a 17 anos, constatou que os entrevistados tomaram seu primeiro gole

    de bebida alcolica, em mdia aos 13,9 anos (SENAD, 2007). Geralmente, ficam

    alegres, gostam e usam a bebida sem maiores problemas, como forma de se sentirem

    aceitos nas rodas de amizade. Essa situao do lcool muito semelhante ao uso do

    cigarro. Obviamente, esses adolescentes acabam descobrindo que tanto o lcool como o

    cigarro so considerados drogas.

    Com as drogas ilcitas no to diferente. O tabu que as mdias criam em torno

    delas na verdade muitas vezes surte efeito contrrio. A mente adolescente adora

    descobrir uma novidade, buscar novas experincias, principalmente, se envolver algumrisco. O problema que geralmente as primeiras situaes muitas vezes envolvem

    pouco risco e muita confiana. Seja pelo amigo de infncia, o cara mais velho que

    exemplo para todos da turma ou mesmo um parente prximo. A tentao grande e

    dificilmente vencida com um no.

    O primeiro contato dos adolescentes com uma droga ilcita, geralmente, ocorre

    com a maconha, e isso agrava o problema do tabu criado em torno das drogas.

    Primeiramente, porque muitas vezes na primeira vez que um adolescente fuma

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    maconha, ele no sente ou no entende muito bem os efeitos da droga. Esperando ser

    atingido pelos devastadores efeitos e experimentar profundas sensaes, o que ele

    sente na verdade um relaxamento e uma intensificao dos seus sentidos. Uma

    sensao agradvel de paz e tranquilidade. J no dia aps o uso ele vai acordar sem

    depresso, agonia, paranoia, psicose, dentre outros efeitos que as mdias disseram que a

    droga causaria. Geralmente, mesmo aps ter utilizado a droga vrias vezes, esse

    adolescente no vai perceber danos a sua sade, nem problemas que atrapalhe seu

    rendimento escolar, por exemplo. Assim, ele vai comear a desconfiar do sistema.

    A maconha considerada pelos defensores da represso a porta de entrada para

    ouras drogas. preciso analisar em que ponto essa suposio chega a ser verdade. Em

    primeiro lugar, dificilmente algum vai experimentar maconha sem antes ter utilizadolcool ou cigarro, que so tambm drogas. Ao analisar essa afirmao apenas

    relacionando com drogas ilcitas, o argumento cai por terra novamente. No

    documentrio Cortina de Fumaa (2010) duas anlises de especialistas desmitificam

    essa afirmao:

    A pessoa pensa a maconha droga de entrada para a cocana, droga de entrada para a herona. Essa uma viso totalmente desconectada darazo porque os motivos pelos quais cada uma dessas drogas so usadas sodiferentes. A maconha um relaxante e a cocana um estimulante. Ento, soefeitos completamente opostos (MALCHER, 2010).

    Isso um mito. Isso no tem comprovao cientifica. Os estudosepidemiolgicos mostram que maconha no porta de entrada e a grandemaioria dos usurios de maconha no migrou para drogas mais pesadas; e maisoutro dado, a grande maioria dos usurios de maconha abandonouespontaneamente o uso de maconha depois de alguns anos sem a necessidadede qualquer tipo de tratamento. A nica substncia que pode ser porta deentrada para drogas mais pesadas o prprio lcool (XAVIER, 2010).

    A nica explicao aceitvel para dizer que a maconha a porta de entrada para

    outras drogas ligada ao prprio sistema de represso. Como s pode ser encontrada no

    mercado ilegal, a droga vendida pelos mesmos vendedores de drogas mais pesadas

    os traficantes. Como as drogas mais pesadas so mais lucrativas e geram muito mais

    dependncia no usurio, esses traficantes muitas vezes incentivam a pessoa que foi atrs

    de maconha, a experimentar outras drogas.

    Outro grande mito que a falta de informao criou que as drogas ilcitas so

    muito mais danosas que o tabaco e o lcool. As pessoas banalizam o uso do tabaco e dolcool e, assim, criou-se um enorme preconceito com o uso das drogas ilcitas. E de

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    fato, a origem da proibio de algumas drogas tem muito a ver com preconceitos

    sociais, como ainda ser visto nesse trabalho.

    Seja na escola ou em casa, as crianas aprendem que devem ficar longe de quem

    usa droga. Mas, dificilmente, isso vai acontecer. Assim, esses jovens vo conviver ou

    mesmo experimentar as drogas e no tero coragem de contar para seus pais, por medo

    de sofrerem represlia. No existe dilogo. Toda a informao que eles recebem vem

    das ruas e da mdia. Os pais esto despreparados e sequer sabem informar para seus

    filhos o que cada droga causa. No do a liberdade e no abrem uma conversa limpa,

    sem moralismos ideolgicos, para que os filhos se interessem em compartilhar o assunto

    e passem a confiar neles.

    No caso das drogas leves como maconha ou uso espordico de alguma outra

    substncia, o uso escondido pode ser a realidade durante anos. E quando esse

    adolescente acaba viciando e se tornando dependente de alguma droga mais pesada,

    como o crack ou a herona, geralmente quando os pais descobrem j tarde demais. E

    s descobrem porque percebem uma mudana de comportamento do adolescente,

    situao frequentemente causada pela dependncia.

    Obviamente, essa falta de informao no culpa dos pais. Na verdade eles e

    toda a sociedade so de certa forma orientados a agirem assim, quando o tema drogas.

    No conversar, no tolerar, no tentar sequer entender. Apenas diga no. E no difcil

    compreender o porqu. Os prprios governos no investiram em estudos cientficos que

    comprovassem a necessidade de adotar tamanha medida. Mesmo aps dcadas aps o

    incio da guerra s drogas, tais estudos so muito restritos e com pouqussimo incentivo

    dos estados, pois no fundo eles imaginam que o resultado no vai agradar,

    principalmente s indstrias do lcool e do tabaco.

    David Nutt, psiquiatra ingls e especialista em drogas sabe muito bem disso.

    Com um extenso currculo em estudos no gnero, David Nutt um dos pesquisadores

    mais respeitados no assunto e foi assessor de drogas do governo britnico. Em 2007, ele

    realizou junto a outros entendidos do assunto um complexo estudo comparativo das

    drogas, que foi publicado no The Lancet, um dos mais importantes e prestigiados

    peridicos da rea mdica, com o ttulo de Development of a Rational Scale to Assess

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    the Harms of Drugs of Potential Misuse (Desenvolvimento de uma escala racional

    para avaliar os riscos d m utilizao de drogas em potencial, em traduo livre).

    Ao contrrio das classificaes antecessoras que no possuam metodologias

    cientificas claras e confiveis para que servissem como base de uma poltica de drogas,

    esse estudo desenvolveu uma forma de avaliar os reais riscos de danos das drogas. Eles

    dividiram os riscos em trs principais fatores: o dano fsico que a droga causa ao

    indivduo, a tendncia da droga desenvolver dependncia no usurio, e os efeitos do uso

    da droga sobre as famlias dos usurios e sociedade em geral. Ao final do estudo

    chegaram ao resultado de que a herona e a cocana ocupavam o primeiro e segundo

    lugar respectivamente, como as drogas mais danosas. J o lcool ficou em quinto, o

    cigarro em nono e a maconha dcimo primeiro (NUTT, 2007).

    Em 2009, aps alguns comentrios dizendo que a maconha, o LSD e o ecstasy

    eram menos danosos que o lcoolcom embasamento em seus estudos, David Nutt foi

    demitido do cargo do governo ingls. Mas ele no parou por a. Junto a outros

    especialistas que pediram demisso de seus cargos aps sua sada, fundou a

    Drugscience, um comit cientifico de drogas independente. Em 2010, o comit lanou

    um novo estudo chamado Drug harms in the UK: a multicriteria decision analysis

    (Danos de drogas no Reino Unido: uma anlise de deciso multicriterial traduo

    livre).

    A metodologia usada para esse estudo foi parecida com a de 2007: 16 critrios

    9 para danos causados ao prprio usurio e 7 para danos causados a sociedade em geral.

    Vrios especialistas se reuniam e pontuaram de 0 a 100 os danos de cada droga. O

    estudo tambm foi publicado pelo peridico The Lancet.Os resultados obtidos podem

    ser visualizados na Figura 1:

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    Figura 1: Classificao de drogas pelos danos que causam aos usurios e a outros

    Fonte: (NUTT; A KING; PHILLIPS, 2010)

    Os dois estudos guiados por David Nutt foram os primeiros a comparar e

    analisar as drogas de forma cientifica, com especialistas no assunto utilizando de dados

    comprovados, sem qualquer tipo de moralismo ou intenes polticas. E um fator muito

    interessante de ambas as anlises foi levar em considerao no somente o dano

    causado pelo uso da substncia ao usurio, mas tambm os diversos riscos que o usurio

    de cada droga oferece a sociedade, incluindo crimes, custos econmicos e problemas

    familiares.

    A demisso do pesquisador David Nutt no um caso isolado. Os governos tem

    se negado a aceitar as comprovaes cientificas relacionada s drogas. Se as pessoas

    comearem a pensar e questionar demais o assunto, vo perceber que algo est errado.

    Por que o consumo de lcool e tabaco so legalizados e to aceitos pela sociedade, mas

    causam os mesmos, ou at mais danos que outras drogas atualmente proibidas?

    As pessoas hoje esto inseridas no mundo em que lcool e tabaco so legais e

    outras drogas no. Nasceram assim, cresceram assim, acostumaram com isso e

    simplesmente aceitam, sem questionamentos. Mas, qual a origem desse sistema? Porque

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    h mais de 40 anos os governos declararam guerra a algumas drogas? Esses so

    questionamentos que sero debatidos no prximo captulo.

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    carro mais importante que o do juiz ou o do prefeito (BURGIEMAN,p30, 2011).

    O governo americano reconheceu que a proibio no funcionou e em 1933

    revogou a medida. Pior do que no funcionar, a proibio gerou criminalidade, tirou a

    vida de muitos americanos e demandou muito dinheiro e esforo policial.

    Pouco antes de pr fim proibio, o governo americano criou o FBN (Federal

    Bureau of Narcotics), uma comisso para tratar dos narcticos, principalmente o pio e

    a cocana. Mas, outra substncia tambm entrou na mira do FBN, que teve como

    primeiro comissrio Harry Jacob Anslinger. A maconha passou a ser vista como um

    perigo para a sociedade americana. Muito utilizada por imigrantes mexicanos, a droga

    passou a ser repudiada pelas classes altas. Ao comando de Anslinger, em 1937, amaconha foi proibida nos EUA.

    Assim, como no caso do lcool, essa proibio no teve aspectos cientficos

    envolvidos. Na verdade, est diretamente ligada com o preconceito que os imigrantes

    mexicanos sofriam, sendo acusados de cometerem crimes brbaros sobre os efeitos da

    maconha. Acusaes essas muitas vezes inventadas e implantadas na mdia para que a

    proibio ganhasse total apoio popular. Nenhum estudo foi feito para que se justificasse

    tal ato.

    Um fato interessante que, em 1938, o ento prefeito de Nova Iorque Fiorello

    La Guardia liderou o que provavelmente a primeira pesquisa cientifica relevante sobre

    a maconha. Ele convocou aNew York Academy of Medicine (Academia de Medicina de

    Nova Iorque traduo livre), que realizou durante 5 anos estudos sobre o uso da

    maconha. Em 1944, foi divulgado o The Laguardia Committee Report New York, um

    longo relatrio trazendo 13 principais concluses. Dentre elas, cabe-se destacar:

    5. A maioria dos fumantes de maconha so negros e latino-americanos.7. A prtica de fumar maconha no leva dependncia, no sentido mdico dotermo.9. O uso da maconha no leva ao vcio na morfina, herona ou cocana enenhum esforo feito para criar um mercado para esses narcticos peloestimulo da prtica de fumar maconha.10. Maconha no fator determinante na prtica de crimes graves.11. Fumar maconha no difundido entre as crianas na escola.12. Delinquncia juvenil no est associada com a prtica de fumar maconha.13. A publicidade sobre os efeitos catastrficos de fumar maconha em NovaYork infundada.20 (MEDICINE, 1944)

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    Apesar de todo esse esforo cientfico, o FBN no levou o estudo muito a srio.

    Anslinger se enfureceu com as concluses e continuou levando sua bandeira contra o

    uso da maconha a frente, convencendo polticos e mdias de que ela era uma droga

    extremamente perigosa, junto ao pio e a cocana.

    No incio de 1961, ocorreu a Conveno nica de Entorpecentes das Naes

    Unidas, reunindo representantes de 73 pases. Durante vrios dias se discutiu formas de

    combate ao consumo e comrcio ilegal de drogas. Ao final da conveno emitiu-se um

    documento com 51 artigos, que foram acordados e serviriam de norte para as polticas

    pblicas de drogas no mundo a partir de ento. O texto listou as diversas substancias

    que deveriam ter ateno dos governos, para que fossem controladas e fiscalizadas, em

    uma luta coordenada de combate ao trfico ilcito. O artigo 36, que trata das disposiespenais, exemplifica muito bem o que ficou acordado entre as naes:

    Sujeito s suas limitaes constitucionais, cada Parte adotar asmedidas que garantir que o cultivo, produo, fabricao, extrao, preparao,

    posse, a oferta, a venda, distribuio, compra, venda, entrega em quaisquercondies, intermediao, expedio, expedio em trnsito, transporte,importao e exportao de drogas contrrias s disposies da presenteConveno, e qualquer outra ao que, na opinio da parte, seja contrria sdisposies da presente Conveno, sero punveis quando cometidosintencionalmente, e que as infraces graves sejam passveis de sano

    adequada, particularmente de priso ou outras penas de privao deliberdade.(NATIONS, 1961, p. 18)

    Aps essa conveno de 1961, que considerada um marco nos esforos

    colaborativos mundiais no combate s drogas, vrios pases voltaram a se encontrar

    outras vezes para tratar do assunto. importante salientar que, em sua maioria, esses

    encontros eram realizados por autoridades polticas, que no possuam conhecimento

    tcnico no assunto. As decises nem sempre foram baseadas em comprovaes

    cientificas, e poucos estudos foram feitos para acompanhar as consequncias das

    polticas adotadas pelos pases.

    No dia 17 de junho de 1971, o ento presidente americano Richard Nixon

    declarou oficialmente Guerra s Drogas. Para ele o abuso de drogas era o inimigo

    nmero um nos Estados Unidos e a fim de combater e derrotar esse inimigo era preciso

    empreender uma nova ofensiva total(NIXON, 1971, s.p.).Para esse programa, Nixon

    requisitou do congresso americano a liberao de dinheiro extra, e comunicou que, caso

    fosse necessrio, pediria mais.

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    A partir de ento, os governos americanos passaram a investir pesadamente no

    combate ao uso e ao comrcio de drogas. Em 1973, foi criado o DEA, uma agncia

    policial do governo federal para represso e controle das drogas ilcitas nos EUA. O

    governo americano acreditava que era preciso fazer uma diviso entre pases produtores

    de drogas, caso de vrias naes da Amrica Latina, e os pases consumidores de

    drogas, que era o caso dos EUA. Essa diviso justificava intervenes militares dos

    EUA em pases considerados produtores a fim de reduzir a oferta.

    Por considerar um problema global, os Estados Unidos aconselharam todo o

    mundo a seguir os seus passos. Com um grande poder de influncia mundial, os norte-

    americanos conseguiram com que praticamente todos os pases do globo adotassem as

    medidas de represso s drogas. Assim, apesar desse trabalho utilizar os EUA comoinstrumento de anlise em algumas passagens, boa parte do que dito a respeito da

    represso americana pode ser generalizado para grande parte do mundo.

    J nas dcadas de 1980 e 1990, os respectivos presidentes americanos Ronald

    Reagan e George W. Bush continuaram a buscar formas de acabar com as drogas. Com

    discursos moralistas e pouco embasados cientificamente, anunciaram investimentos

    cada vez mais altos na represso s drogas. Esses investimentos tinham como principais

    destinos: 1) a polcia e todo o aparato militar de combate s drogas, realizado por

    instituies como o DEA, em que o objetivo era investigar e prender o maior nmero de

    criminosos por drogas, seja traficante ou usurio; 2) o sistema prisional e judicirio,

    para julgar e condenar os criminosos com agilidade, colocando-os um bom tempo atrs

    das grades; 3) propagandas em variadas mdias, passando a mensagem de tolerncia

    zero s drogas.

    Os governantes fizerem discursos na tentativa de aterrorizar as pessoas. A ttulode exemplo, uma das falas de George W. Bush, presidente americano de 1989 a 1993,

    disponibilizada no documentrio Quebrando o Tabu (2011): Usar drogas ilcitas

    contra a lei. Se voc se arrisca a consumir drogas, voc arrisca tudo. E quando voc

    for pego, ser punido. Alguns acham que no haver espao nas cadeias. Ns

    criaremos espao. As regras mudaram(BUSH apud QUEBRANDO O TABU, 2011

    s.p.).

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    6 AS CONSEQUNCIAS DE UMA GUERRA

    Mais de cinquenta anos depois da primeira conveno da ONU que marcou oincio das polticas repressivas, as drogas ainda esto presentes em todos os lugares do

    mundo. Apesar dos enormes esforos realizados por governantes, os nmeros mostram

    que a represso no reduziu o consumo de drogas no mundo. Segundo a ONU existem

    cerca de 240 milhes de usurios de drogas ilcitas no mundo (UNODC, 2013), nmero

    bem superior aos 180 milhes existentes ao final da dcada de 1990 (UNODC, 2000).

    Em termos percentuais, isso significa uma elevao de 4,2% para 5,2% da populao

    adulta mundial.

    Alm do nmero de usurios no ter cado, a represso s drogas acabou

    provocando o fortalecimento de um sistema perverso para o comrcio ilegal de drogas,

    comandado por organizaes criminosas e que geram consequncias gravssimas para a

    sociedade. Muito alm dos danos que as prprias drogas causam, esse sistema gera

    violncia, criminalidade, corrupo policial, superlotao de cadeias, violao de

    direitos humanos e no beneficia quem realmente precisa de ateno: o dependente

    qumico. Como bem explica o Relatrio da Comisso Global de Polticas Sobre Drogas

    Na prtica, o resultado alcanado foi o oposto do desejado: o crescimento dramtico

    de um mercado global do mercado de drogas ilcitas, amplamente controlado pelo

    crime organizado em escala transnacional(COMISSO GLOBAL DE POLTICAS

    SOBRE DROGAS, 2011, p. 4).

    6.1 Custos Econmicos

    Os dados da ONU estimam que o mercado global de drogas ilcitas movimentou

    cerca de 320 bilhes de dlares, somente no ano de 2003 (UNODC, 2005). Para se ter

    uma ideia da dimenso desse valor, ele foi superior ao PIB de cerca de 88% dos pases

    do mundo no mesmo ano. Apesar da escassez de dados recentes, esse nmero

    provavelmente j alcanou cifras bem superiores, j que o nmero de usurios

    estimados para 2003 era de 200 milhes (UNODC, 2005), comparados aos 240 milhes

    de 2013 (UNODC, 2013).

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    Todo esse montante movimentado, anualmente, pelo crime organizado

    dinheiro fruto de uma economia ilegal e acaba sendo reinserido no mercado

    financeiro, aps passar por processos de lavagem de dinheiro, principalmente em pases

    considerados parasos fiscais. As leis desses pases permitem s instituies financeiras

    obedecerem ao compromisso de manter o sigilo bancrio de seus clientes. Assim, os

    criminosos realizam diversas transaes de forma a dificultar o trabalho dos reguladores

    financeiros em identificar a origem desse dinheiro sujo.

    Os prejuzos que esse dinheiro oriundo do mercado ilegal de drogas causam aos

    governos e sociedade so enormes e podem ser percebidos de vrias maneiras. Antes

    de analisar o que os governos gastam no combate a esse mercado, possvel enxergar o

    que eles deixam de arrecadar. Uma anlise pode ser feita pela tica econmica dosCustos de Oportunidades que so os custos associados s oportunidades perdidas

    quando os recursos de uma empresa no so utilizados da melhor forma(PINDYCK e

    RUBINFELD, 2010, p.194); No caso da poltica pblica, os governos assumem o papel

    das empresas citadas pelo autor. Em outras palavras, os Custos de Oportunidade aqui

    representam o que os governos deixam de arrecadar com as atuais polticas de represso

    e poderiam arrecadar caso aplicassem diferentes modelos para lidar com as drogas.

    Do ponto de vista fiscal, os governos deixam de arrecadar milhes em impostos,

    j que os ganhos movimentados pelo narcotrfico no so contabilizados pelos agentes

    financeiros governamentais, ficando assim livres de tributao. O Instituto Cato

    realizou importantes estudos relacionados ao custo da proibio das drogas nos EUA e

    os resultados foram disponibilizados em 2010 no relatrio The Budgetary Impact of

    Ending Drug Prohibition (O Impacto Oramental de Acabar Com a Proibio das

    Drogas, em traduo livre) assinado pelo renomado Jeffrey Miron, diretor do

    departamento de graduao em economia de Harvard. Segundo estimou o relatrio, o

    governo americano poderia arrecadar anualmente at 46,7 bilhes de dlares em

    impostos, caso as drogas fossem legalizadas (MIRON; WALDOCK, 2010).

    O Count the Costs, um projeto colaborativo de diversas organizaes que

    estudam o tema das drogas, emitiu, em 2012, um estudo sobre os custos da Guerra s

    Drogas. Nesse estudo, os autores ainda citam mais duas importantes analises de Custo

    de Oportunidade. A primeira delas ligada ao gasto pblico, principalmente em pocasde crise econmica:

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    Particularly during a sustained global economic downturnwith government austerity measures widely implemented,growing drug law enforcement budgets translate into reducedoptions for other areas of expenditure whether otherenforcement priorities, other drug-related public healthinterventions (such as education, prevention, harm reduction

    and treatment), or wider social policy spending (COUNTTHE COSTS, 2012, p. 24).

    Traduo: Particularmente durante a crise econmica globalsustentada com medidas de austeridade amplamenteimplementadas, os crescentes oramentos na aplicao da leide drogas se traduzem na reduo de opes para despesas deoutras reas - quer outras aplicaes priorizadas, outrasintervenes de sade pblica relacionadas com a droga(como educao, preveno, reduo de danos e tratamento)ou despesas de poltica social mais ampla

    O segundo ponto, que j havia sido apontado em 2004 pelo Office of National

    Drug Control Policy(ONDCP) (Gabinete da Poltica Nacional de Controle de Drogas

    do governo americano), a perda de produtividade devido ao elevado nmero de

    prises ligadas s drogas. Os nmeros chegam a impressionar: se em 1972 havia cerca

    de 38 mil pessoas encarceradas devido apenas a violao da lei de drogas, em 2002 j

    eram mais de 475 mil (ONDCP, 2004). Segundo estimou o ONDCP, por essas pessoas

    estarem atrs das grades, fora do mercado de trabalho, houve um prejuzo de 39 bilhes

    de dlares, somente naquele ano, j que poderiam estar aptas a trabalhar, exercendo

    funes potencialmente importantes para a economia americana (ONDCP, 2004).

    No existem estudos mais detalhados sobre esse tipo de custo para a situao do

    Brasil. Entretanto, bem possvel afirmar que so valores bem considerveis. No

    levantamento feito pelo Instituto Avante, utilizando dados do Departamento

    Penitencirio Nacional apurados at junho de 2012, verificou-se que havia cerca de 134

    mil pessoas presas por trfico de entorpecentes no Brasil, representando 24% da

    populao carcerria total do pas (INSTITUTO AVANTE, 2013).

    Os custos de oportunidade representam apenas uma parte do prejuzo econmico

    que a guerra s drogas vem gerando. So valores estimados, que os governos poderiam

    arrecadar, caso adotassem outra poltica. preciso ento entender os custos reais, ou

    seja, investimentos que os governos fizeram durante todo esse perodo para combater s

    drogas.

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    Segundo a Associated Press (2010), uma das mais influentes agncias de

    notcias do mundo, os 40 anos de guerra s drogas j custaram 1 trilho de dlares aos

    cofres americanos. E como j citado anteriormente, os governos gastaram em alguns

    setores considerados estratgicos, para que a misso de extinguir as drogas do mundo

    fosse alcanadafora policial, sistema penitencirio e propagandas.

    O passo inicial do governo norte-americano foi investir nas foras armadas para

    combater s drogas. Foi criado o DEA Fora Administrativa de Narcticos, rgo

    totalmente dedicado a investigar e prender pessoas que violem as leis de drogas. Prender

    um criminoso de droga significava dar um pequeno passo no objetivo de extinguir as

    drogas dos EUA. Assim, o governo americano oferecia verbas extras e exaltava as

    agncias que conseguiam grandes nmeros de prises.

    As unidades da polcia tinham apoio legal para realizar invases domiciliares em

    caso de suspeita de drogas. Alm disso, muitos policiais disfarados se infiltravam em

    grupos de jovens para identificar pessoas que violavam as leis de drogas. Tudo isso com

    o objetivo de prender o maior nmero de criminosos. Muitas mentiras foram contadas, e

    muitos usurios de drogas inofensivos foram para a cadeia, sendo considerados grandes

    traficantes.

    Jack A. Cole sabe muito bem como isso funciona. Ele trabalhou na Polcia

    Americana por 26 anos. Grande parte desse tempo, ele foi um agente secreto

    responsvel por investigar e prender pessoas que violassem as leis de drogas. Mestre em

    Polticas Pblicas pela Universidade de Massachusetts, Jack se aposentou e se tornou

    hoje uma importante voz contra a Guerra s Drogas. Ele o diretor da LEAP (Law

    Enforcement Against Prohibition), uma organizao formada por integrantes das

    foras policiais e da justia criminal (na ativa e aposentados) que falam claramente

    sobre a falncia das atuais polticas de drogas(LEAP, 2002)Em uma entrevista para

    o documentrio Cortina de Fumaa (2010), Jack d uma boa explicao sobre o que

    presenciou em sua carreira:

    Toda guerra tem que ter um espio e na guerra s drogas euera esse espio. O agente infiltrado esse espio. Fiz isso por 14 anos.Meu trabalho era fazer o que fosse necessrio pra me tornar seumelhor amigo, seu confidente mais prximo, para que pudesse tra-loe manda-lo para priso. (...) No primeiro ano no poder (Richard

    Nixon) conseguiu fazer o congresso aprovar oramentos massivos quedariam muito dinheiro a qualquer departamento de polcia pronto para

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    contratar policiais que lutassem sua guerra s drogas. E nos mandarampara rua para prender traficantes de drogas. Como no havia muitostraficantes de drogas, nossos alvos eram pequenos grupos de amigos,

    jovens de segundo grau e universidade. Eu ficava no grupo at pegarcada um do grupo. Quase mil jovens foram presos por causa do que eufiz como policial infiltrado. Algo do qual, certamente no sinto

    orgulho hoje. Ns mentimos sobre o que fazamos como policiais.Acusamos aquelas pessoas de serem grandes traficantes de drogas equando trazamos cem deles, colocvamos eles na parede e a mdia ltirando fotos, e meu chefe vinha apontando e dizendo "vejam isso,cem grandes traficantes que tiramos da sua comunidade, essa umasituao terrvel, precisamos de mais dinheiro, precisamos de mais

    policiais, precisamos prender mais pessoas, precisamos construir maisprises, temos que parar isso." E toda a ideia era assustar as pessoas,assustar o pblico (COLE apud CORTINA DE FUMAA, 2010).

    No difcil imaginar o resultado dessa investida: A populao carcerria

    americana comeou a crescer rapidamente, devido principalmente s prises por crimes

    de drogas. Se em 1971 os EUA tinham cerca de 198 mil pessoas atrs das grades

    (ESTADOS UNIDOS, 1982) ao final de 2011 esse nmero alcanou cerca 2 milhes e

    duzentas mil (GLAZE; PARKS, 2012). Em 40 anos esses dados representam um

    aumento de mais de 1000%.

    A Figura 2 ilustra como as prises por crimes de drogas so diretamente

    responsveis pela evoluo da populao carcerria dos EUA. Em uma comparao de

    30 anos, entre 1980 e 2010, os presos por violarem as leis de drogas saltaram de 41 milpara 507 mil, o que tambm representa um acrscimo superior a 1000%.

    Figura 2Nmero de Pessoas