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ALEXANDRE DA SILVA TORRILHAS
GUAIRÁ DA TRANSFORMAÇÃO DA VIDA MATERIAL À CONVERSÃO
AO CRISTIANISMO
CURITIBA 2001
Monografia apresentada à disciplina de Metodologia da Pesquisa Histórica como requisito parcial à conclusão do Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof.º Carlos Alberto Lima Co-orientador: Prof.º Igor Chmyz
ii
Agradeço
Pai e mãe
Wrá gordo e lê
Carol e bia
Cinthia pequena
Sardenta
Que eu
Amo
Vó e vó
Vô vô
Tio caco
Seu mário
Silvoca
Tânia
Limão
Adri
Maris
Donizeti & Sô vilmá
Salvador
Nós em vóz
Altônia
Cafajestes
Thelo
Thaca
Judite virgilina
Natalino
e todos
que
querem e quero
bem
à Deus em Jesus
obrigado
amém!
iii
Ao professor Igor Chmyz,
Grande pesquisador do Guairá.
iv
A imagem é clara
É o céu povoado de imensidão
Reluz vida nova a clareira onde se reúnem os homens
Tantos
Que não ouso contar suas marcas
Moji, Moji
Iguaçu é um rio perdido
Suas pedras guardam as marcas das águas fundas
E a lembrança de Pai Zumé
Pai Zumé,
Que ensinou o segredo do fogo
E o tempo dá terra o fruto
Pajé, Pajé
O escuro tomou o dia!
Foi o monstro,
Que engoliu a grande bola de fogo
E alguém conduziu as almas
Do temor ao apaziguamento,
Deuses alheios e comuns de tão seus
Tupã, Tupã!
Condensando a força e a clareza das águas
Ao rigor dos raios e trovões.
Oh, Tupã!
Aos olhos dos índios tu fostes o estranho
Ensinamento dos poucos homens bons
Brancos de pele e de tradição
Negros ao hábito da renúncia
Para estes,
Quantas vezes foste tu
A redenção.
v
SUMÁRIO
LISTA DE ILUSTRAÇÕES ..................................................................................... vii
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 01
PARTE I
UMA INTRODUÇÃO AO GUAIRÁ
1 O GUAYRÁ ............................................................................................................. 03
2 BUENOS AIRES E ASSUNÇÃO .......................................................................... 06
2.1 ASSUNÇÃO .......................................................................................................... 07
2.1.1 Agricultura, poligamia e cuñadasgo ................................................................... 08
2.1.2 A Encomienda ..................................................................................................... 09
2.2 BUENOS AIRES ................................................................................................... 10
3 JESUÍTAS ................................................................................................................ 13
3.1 O Projeto Reducional Jesuíta .................................................................................. 13
3.2 Uma Concepção Original de Cristianismo ............................................................. 14
3.3 Cambio de Estructuras Sociales ............................................................................ 15
PARTE II
O GUAIRÁ COMO LABORATÓRIO
DA EXPERIÊNCIA REDUCIONAL JESUÍTICA
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 16
2 O IGUAÇU ............................................................................................................... 19
2.1 Foco de Resistência ................................................................................................ 19
2.2 Aliança com Ambacatig .......................................................................................... 20
2.3 Batismo e Casamento .............................................................................................. 23
3 O PARANAPANEMA ............................................................................................. 24
4 O TIBAGIBA ............................................................................................................ 25
4.1 San Joseph ............................................................................................................... 26
4.1.1 Técnica e Aliança Fundacional ............................................................................ 26
4.1.2 Ambiência .............................................................................................................. 27
4.1.3 A Vida Material em San Joseph ............................................................................. 29
4.2 Encarnacion ............................................................................................................... 31
vi
4.2.1 Zuruba e Pindoviiú ................................................................................................. 32
4.2.2 Pindoviiú, Cabeça da Redução de Encarnacion ..................................................... 33
4.2.3 Encarnacion, a Configuração do Espaço Reducional Jesuíta ................................. 35
4.2.4 A Grande Fome de 1626/1627 ................................................................................ 37
4.2.5 Nova Configuração Espacial de Encarnacion e Re-elaboração da Vida Material .. 39
4.3 La Reduccion de San Francisco Xavier ..................................................................... 41
4.3.1 A Primeira Fundação de San Francisco Xavier ...................................................... 43
4.3.2 Reconstrução do Pueblo e Desenvolvimento da Vida Material ............................. 44
5 PROCESSOS DE CRISTIANIZAÇÃO .................................................................... 45
5.1 O Batismo ................................................................................................................... 46
5.2 A Confissão ................................................................................................................ 47
6 LAS ANTIGUAS ......................................................................................................... 48
7 Conclusões .................................................................................................................... 51
7.1 Das Alianças Fundacionais ........................................................................................ 51
7.2 Da Transformação da Vida Material à Conversão ao Cristianismo .......................... 52
7.3 Yvy Marane’ỹ ............................................................................................................ 53
7.4 Aos Campeiros, Cabeludos ou coroados .................................................................... 55
7.5 À Arqueologia ............................................................................................................ 55
REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 57
OBRAS CONSULTADAS ............................................................................................ 58
vii
LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 01 Sete Quedas ................................................................................................................. 05 Figura 02 Rotas Comerciais Espanholas nos Séculos XVI e XVII ............................................. 13 Figura 03 Reduções Jesuíticas e Vilas Espanholas no Guairá Colonial ...................................... 19 Figura 04 Sete Quedas ................................................................................................................. 23 Figura 05 Hidrografia e Ecossistemas do Paraná ........................................................................ 26 Figura 06 San Ignacio del Ypaumbucu ....................................................................................... 50
INTRODUÇÃO
Este trabalho se debruça sobre uma região, o Guairá. Delimitada geograficamente por
uma área que permeia um sistema fluvial de afluentes do rio Paraná, do norte para o sul,
desde o Paranapanema, descendo pelo Tibagi, passando pelo rio Ivaí, pelo Piquiri, até o rio
Iguaçu. Destaca-se nesse complexo geográfico fluvial a proeminência das quedas que se
situavam próximas à foz do Piquiri, o Salto Grande, citado e descrito nas fontes, e que mais
tarde passamos a conhecer por Sete Quedas.
Humanamente, a região já era bastante povoada no período que precede à conquista,
dando mostras de uma maior densidade populacional de índios que foram agrupados,
segundo sua língua, no tronco Tupi-Guarani, mas demonstrando também uma expressiva
população de índios cuja língua filia-se ao tronco lingüístico Macro-Jê, como nos revelam as
pesquisas arqueológicas realizadas na região.
A conquista, sobretudo a descoberta de prata nas montanhas peruanas, confere nova
dinâmica populacional a essa região. O Peabiru, sistema transcontinental de caminhos
indígenas, que do litoral de São Paulo atravessava a região do Guairá, o Chaco Paraguaio,
alcançando o altiplano peruano e o oceano Pacífico, passa a ser freqüentado por
conquistadores ávidos por riquezas. Da mesma maneira, aventureiros deslocam-se dos
centros mineiros peruanos, sobre áreas ainda inexploradas, em busca de novas descobertas.
Uma nova expedição de conquista parte da Espanha e adentra o Rio da Prata fundando
Buenos Aires e Assunção. Assunção exerce influência decisiva sobre a região do Prata e do
Guairá. Torna-se ‘cabeça-de-ponte’ da conquista espanhola determinando a fundação de
Ontiveros, Ciudad Real e Villa Rica del Espírito Santo, no século XVI, no Guairá.
Instrumentos e práticas européias propagam-se por entre sociedades indígenas,
mesclando-se à organização pré-existente e redefinindo seus padrões de elaboração da vida
material. Ao mesmo tempo, agentes europeus assimilavam técnicas e práticas indígenas,
sobretudo técnicas de movimentação e sobrevivência no ambiente estranho, mas também
práticas sociais como a poligamia e o cuñadasgo, fundamentais à consolidação das
comunidades espanholas na Província do Rio da Prata.
Contudo, é no início do século XVII, quando o Guairá é constituído laboratório da
experiência reducional jesuítica, que a região experimentará seu período mais dinâmico, de
intensa atividade política e reconfiguração espacial da sua população indígena. Mais do que
um papel social pré-estabelecido por interesses coloniais, as ‘reduções’, na prática,
2
inauguraram novas formas sociais, inexistentes até então, fundadas a partir das alianças
estabelecidas com líderes indígenas, estruturadas sobre a figura do índio Guarani, uma vez
que a técnica reducional concentrava populações que deveriam sustentar-se, principalmente,
pela intensificação da prática agrícola. A acelerada transformação de padrões de vida
material é acompanhada por uma gradual conformação dos padrões de sociabilidade. O
desenvolvimento material torna-se atrativo também a sociedades que não praticavam a
agricultura nem afloravam a religiosidade Guarani. Através da análise das Cartas Ânuas
Jesuíticas, e a partir dos resultados das pesquisas arqueológicas, intentamos demonstrar
como a transformação dos padrões de vida material estava intrinsecamente relacionada ao
processo de cristianização do elemento indígena.
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PARTE I
Uma Introdução ao Guairá
1 O Guayrá
Prov.a que llamamos del Guayrá y tomo este nombre del cazique que antiguamente la tenia en possecion. (...) Corre esta prov.ª 300 leguas asta confinar con el Brasil en la villa de S. Pablo, tiene de ancho gran numero de leguas aun no se sabeel determinado mas que por levante la cercan la serra del Brasil, i por el poniente el Rio Paranâ por donde se camina para ella. (Provincial Jesuíta, em CORTESÃO, 1951, 209)
As vilas militares espanholas e as reduções jesuíticas, as primeiras no século XVI e
as segundas no XVII, tiveram por regra geral o estabelecimento sobre aldeias indígenas pré-
existentes, na maioria das vezes, através de acordos com seu Índio Principal, que recebeu
dos estrangeiros a nomenclatura de Casique.
A região que mais tarde viria a ser conhecida como as terras do Guayrá, era bastante
povoada antes da chegada dos europeus. Pesquisas arqueológicas e relatos da época atestam
uma alta densidade de índios cuja cultura estaria ligada ao tronco lingüístico Tupi-Guarani,
contudo, as mesmas pesquisas, e também os relatos, informam sobre considerável povoação
de índios cuja cultura material associa-se ao tronco lingüístico Jê.
Os primeiros exploradores europeus que adentraram à região o fizeram motivados
pela expectativa de descoberta de metais preciosos, uma vez que uma montanha de prata,
conhecida como Potosi, havia sido descoberta pelos espanhóis em suas possessões, no Vice-
Reino do Peru. Lembremo-nos que a terra americana fora dividida, em 1494, entre as duas
grandes nações da época. Onde, exatamente, estaria localizada a linha divisória, não se
sabia, ou não era interessante, a alguns, que neste momento se soubesse. Um certo encanto
povoava a imaginação desses exploradores. Dentre os rios da região, a maioria assumiu seu
nome indígena frente ao estrangeiro, contudo, um sucumbiu ao encanto, ficando conhecido
como Rio da Prata.
Mas nem só pelos rios locomoviam-se os índios. Grandes mateiros, haviam feito um
caminho terrestre por entre a mata, de proporções inacreditáveis. A via principal desse
caminho constituía uma picada aberta na mata, de cerca de oito palmos de largura, onde a
vegetação original fora arrancada e em seu lugar era plantada grama. “Os indígenas abriam
as picadas com 8 palmos de largura e semeavam-nas, espaçadamente, com gramíneas que
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tinham extrema facilidade de se alastrar com a movimentação dos caminhantes” (CHMYZ,
1976, 70; citando Cardoso, 1970, 15 e 16). Pe, caminho e abiru, muito usado; segundo
pesquisadores que atribuíram esse sistema de caminhos aos Guarani (Lozano, citado por
Cardoso, em CHMYZ, 1976, 70).
No momento da descoberta, os indígenas denominavam de Peabiru o caminho transcontinental que partia de São Vicente, em São Paulo, acompanhava o curso do rio Tietê até a altura de Itu. Tomava, então, direção sudoeste, atravessando os rios Paranapanema e Itararé até as cabeceiras do rio Ribeira do Iguape. Deste ponto, tomava uma direção geral leste-oeste, passando pelas nascentes do rio Ivaí e Cantu e o médio rio Piquiri. Prosseguia paralelo à margem esquerda do último rio e atravessava o rio Paraná, na altura da foz do rio Piquiri. Na margem direita do rio Paraná acompanhava o curso do Iguatemi, dobrando, a seguir, para o noroeste, em direção às cabeceiras do rio Paraguai, cortando o Chaco paraguaio e chegando ao planalto do Peru e ao oceano Pacífico. (Maack, 1959, citado em CHMYZ, 1976, 69)
Exploradores de grande envergadura percorreram esse caminho, que era formado
também por vários caminhos secundários ou ramais. Aleixo Garcia, ou o adelantado Álvar
Nuñez Cabeza de Vaca, que trilhou parcialmente o Peabiru partindo de um dos seus ramais
que se iniciava no litoral de Santa Catarina, e outros exploradores percorreram a região,
impulsionados pela ânsia de prata, estabelecendo os primeiros contatos entre europeus e os
índios da região, sobretudo a partir da terceira década do século XVI.
Uma nova expedição, maior do que a conquistara México e Peru, parte da Espanha
em 1535 e adentra a região pelo Rio da Prata, fundando Buenos Aires em 1536. Da mesma
maneira, aventureiros deslocam-se dos centros mineiros peruanos sobre as áreas ainda
inexploradas, em busca de novas descobertas (LOCKHART & SCHWARTZ, 1992, 243).
Assunção é fundada em fins de 1537, e exerce influência decisiva sobre as regiões do
Prata e do Guairá. Torna-se ‘cabeça-de-ponte’ da conquista espanhola determinando a
fundação de comunidades espanholas, Ontiveros (1554), Ciudad Real (1557) e Villa Rica
del Espíritu Santo (1570), no século XVI, no Guairá (CHMYZ, 1976, 68, 70, 73, 75).
A respeito da nomenclatura, Guayrá, esta pode ser melhor compreendida através da
transcrição de um trecho do livro SE7E QUEDAS, onde as autoras da introdução, baseando-
se no historiador paranaense Romário Martins, informam a respeito da nomenclatura dos
saltos que, nas fontes da época, encontramos referendado como Salto Grande.
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Os espanhóis, até 1552, chamavam o local de “Saltos del Canandiyu” em homenagem ao valente cacique Canandiyu, que comandava as aldeias guaranis da margem direita do rio, nas imediações das quedas. Neste ano, Domingos Martinéz de Irala, governador de Assunción, é chamado pelos índios guaranis da margem esquerda a fim de expulsar os tupis, invasores de suas terras. Atravessou o rio e com a ajuda de Guairá, brioso cacique, venceu os tupis, expulsando-os e firmando um tratado de “não-agressão” com eles. Na sua volta para Assunción, em 1554, passando pela região das quedas, Irala encarregou o capitão Garcia Rodrigues de Vergara, de fundar o “pueblo” Ontiveros, na margem direita do rio Paraná e modificou o nome de Saltos del Canandiyu para Saltos del Guayrá em homenagem ao cacique, pela ajuda na luta contra os tupis. (PARANÁ. SE7E QUEDAS, Secretaria de Estado da Cultura e do Esporte: Curitiba, 1987)
PARANÁ. Secretaria de Estado da Cultura e do Esporte. SE7E QUEDAS. Curitiba, 1987. By Wagner, H.E.
Contudo, as referências aos Saltos del Guayrá viriam a constituir uma área muito
mais ampla, onde, no início do século XVII, a Companhia de Jesus experimentaria seu
audacioso projeto reducional. Ao mesmo tempo, a região experimentaria seu período mais
dinâmico, de intensa atividade política e reconfiguração espacial da sua população indígena.
No presente estudo, referimo-nos ao Guairá como uma região, delimitada
geograficamente por uma área que permeia um sistema fluvial de afluentes do rio Paraná,
do norte para o sul, desde o Paranapanema, descendo pelo Tibagi, passando pelo rio Ivaí,
pelo Piquiri, até o rio Iguaçu. Destaca-se nesse complexo geográfico fluvial a proeminência
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das quedas que se situavam próximas à foz do Piquiri, o Salto Grande, citado e descrito nas
fontes. Também os Saltos do Iguaçu, situados já em uma região fronteiriça. O sistema de
caminhos indígenas denominado Peabiru é essencial para compreensão dos movimentos
populacionais nessa região.
2 Buenos Aires e Assunção
Porém as ‘llanuras’ argentinas não proporcionavam ganâncias rápidas, pelo contrário, a expedição só encontrou alguns índios semi-sedentários cuja mobilidade e a falta de base agrária fariam difíceis a conquista ou domínio, e mesmo a obtenção de alimentos. Sob ataque dos índios, dividida por diferenças internas sobre o melhor modo de combatê-los, Buenos Aires sofreu um sítio em que boa parte da população morreu. Desesperados os sobreviventes abandonaram Buenos Aires até um posto avançado, atual Assunção no Paraguai, cuja vantagem em relação à desembocadura do Prata era a presença de índios semi-sedentários que viviam em povoados e cultivavam produtos que podiam servir aos espanhóis como base de sustento. (LOCKHART & SCHWARTZ, 1992, 243)
A hipótese de que Assunção teria sido fundada em virtude da população indígena que
habitava a região, agrícola, menos belicosa que os habitantes dos campos, nômades e
caçadores, é muito plausível, e constitui importante ferramenta para compreendermos as
relações estabelecidas entre conquistadores europeus e índios Guarani. Todavia, inscreve-se
em um contexto político. Buenos Aires, fundada em 1536, e Assunção, no final de 1537,
acabavam constituindo dois focos de poder político na região. O acima descrito sobre a
destruição de Buenos Aires e fuga dos ‘sobreviventes’ ao posto avançado de Assunção, é,
por Chmyz, descrito sob outra perspectiva.
“Em 1541 Irala destrói a cidade de Buen Aires, transferindo a sua população,
juntamente com as de Buena Esperanza e Corpus Christi, para Assunção” (1976: 68).
Irala pode ter se aproveitado da crise gerada pela agressão das tribos nômades sobre
Buenos Aires, para justificar uma nítida atitude política de concentração do poder. Da
mesma forma o autor analisa a decisão de fundar vilas espanholas na região do Guairá.
Irala haveria instituído-se governador da província do Rio da Prata após a morte do seu
primeiro adelantado oficial, D. Pedro de Mendoza, chefe da expedição de 1535. Entretanto,
a Coroa espanhola enviara um segundo adelantado oficial, Álvar Nuñes Cabeza de Vaca,
que ao chegar ao Prata, em 1543, encontrara Irala prestes a enviar expedições à serra da
prata, posto que era incumbência desses primeiros enviados descobrir um caminho fluvial
que comunicasse o Prata à prata de Potosi. Cabeza de Vaca substituiu Irala, mas um ano
depois é deposto por um motim popular, por ter se “cercado de um luxo incompatível com a
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vida de Assunção e se descuidado no trato com os indígenas” (CHMYZ, 1976, 68 citando
Lavene, 1965). Cabeza fora enviado de volta a Espanha e Irala assume novamente o poder.
Contudo, haveria uma oposição ao seu governo, formada por homens que vieram com a
expedição de Cabeza, homens como Núnfrio Chaves, Ruy Diaz de Melgarejo e Garcia
Rodrigues de Vergara, que seriam importantíssimos para efetivar a conquista do Prata
(CHMYZ, 1976, 68).
Dentro desse contexto são determinadas as fundações das comunidades espanholas no
Guairá, Ontiveros em 1554 por Garcia de Vergara, e Ciudad Real Del Guairá em 1557, por
Ruiz de Melgarejo, ambas sob as ordens de Domingos Martinez de Irala, que já conheceria a
região por ter auxiliado os índios Guarani a combater os Tupi alguns anos antes.
Convém, então, revermos o acima referido, onde a fundação de Ontiveros teria sido
determinada por Irala quando retornava da batalha contra os Tupi, e inseri-la, também, em
seu contexto político.
“Talvez Irala desejasse uma pacificação política com o grupo de opositores da
expedição de Cabeza de Vaca, ou desejasse o seu exílio político, quando os afastou de
Assunção para fundar Ontiveros” (CHMYZ, 1976: 69 citando Bruxel, 1960: 84).
Outros motivos poderiam ter ocasionado a sua decisão, ou, somando-se, as
justificariam. A sempre recorrente razão da busca por metais e pedras preciosas; a
necessidade de submeter o elemento indígena do acima descrito complexo geográfico do
Guairá; a questão dos limites, assegurando o domínio espanhol sobre essas terras frente os
portugueses; garantir uma saída para o Atlântico por terra (CHMYZ, 1976, 69 citando Ellis
Júnior, 1944: 169).
Dessa maneira Assunção erigiu-se como cabeça-de-conquista da expansão espanhola
sobre as regiões do Paraguai, Guairá e sobre a região do Rio da Prata.
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2.1 Assunção
La fundacion de esta ciudad fue mas por via de cuñadasgo, que de conquista porque navegando los españoles por el rio Paraguay arriba, que es muy caudaloso, los indios que estaban poblados en este puesto les preguntaron quienes eran, de donde venian, adonde iban, y que buscaban: dixeronselo: resonrieron los indios que no passassen adelante porque les pareçia buena gente; y assi les darian sus hijas y serian parientes. Pareçio bien este recaudo a los españoles, quedaronse aqui. Reçibieron las hijas de los indios y cada español tenia buena cantidad; de donde se seguio que en breve tiempo tubieron tanta cantidad de hijos mestiços, que pudieron con poca ayuda de gente de fuera poblar todas las ciudades que agora tienen y tambien las de la governaçion del rio de la plata. (...) y como cada español tenia muchas mancebas, toda la parentela acudia a servir su cuñado honrandose con el nuebo pariente. (Informe de um Jesuíta Anônimo, 1620, em CORTESÃO, 1951, 163)
2.1.1 Agricultura, poligamia e cuñadasgo
Sobre o índio Guarani assentou-se a sociedade assuncenha.
Duas práticas sociais guaranis e a agricultura desenvolvida nessa sociedade foram
fatores decisivos não só ao estabelecimento do elemento europeu na região do Paraguai, mas
ao desenvolvimento de uma nova sociedade.
A cultura guarani possibilitava não só o acesso ao alimento, mas à sua produção sem
desprendimento de forças por parte do europeu, através do casamento com várias índias, e,
digamos, a presença feminina não era muito comum nas expedições de conquista. O caráter
seminômade dessa nação possibilitaria, também, interessantes câmbios culturais entre os
agentes e culturas envolvidas.
A divisão de tarefas na sociedade guarani incumbia ao homem, no tocante à
agricultura, a escolha, e a derrubada da mata, do local onde se faria o roçado, além da sua
participação na atividade de colheita e transporte desta. À mulher Guarani, cabiam-lhe as
demais atividades intermediárias, o preparo da terra e a semeadura, a capina, e outras que se
fizessem necessárias. Portanto, o simples fato de ter algumas mulheres, implicava em
agricultoras para viabilizar cultivos. O cuñadasgo seria uma outra prática social guarani,
onde os cunhados deviam prestar auxílio ao marido de sua irmã, como parte de suas
obrigações familiares. Quanto maior o número de mulheres de um europeu, maior o acesso à
mão-de-obra indígena (LOCKHART & SCHWARTZ, 1992, 244).
Eclode uma sociedade mestiça! Onde estes são plenamente aceitos. Após as
expedições iniciais de conquista, e não descobertos metais ou pedras preciosas, não houve
grandes migrações de população européia sobre a região. Assim, já a segunda geração de
povoadores dessa região fora mestiça (ibidem).
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Nessa região marginal em relação ao interesse espanhol, centrado nas áreas ricas em
metais preciosos, o relacionamento entre indígenas e europeus não se restringiu à esfera
econômica, mas prolongou-se aos setores sociais, culturais e biológicos, incidindo a cultura
índia sobre a européia, provocando adaptações e desdobramentos que caracterizariam uma
sociedade mesclada culturalmente, onde foram adotados costumes indígenas, a comida e a
língua, além de técnicas de sobrevivência e movimentação no ambiente estranho. Por sua
vez, o europeu introduzira novos padrões de organização da vida material, sem que,
necessariamente, os anteriores fossem abandonados. Roupas, armas de fogo, instrumentos
agrícolas e musicais, novas formas de habitação, gêneros alimentícios, novas técnicas de
plantio e intensificação da prática agrícola, além de inúmeros outros objetos curiosos,
anzóis, espelhos, miçangas, velas, fósforos, e tantos outros. Vale salientar que poderia ser
muito interessante ao índio o acesso à essa cultura tão peculiar e diferente à sua e que, além
disso, o europeu constituiria importante aliado frente aos inimigos tradicionais.
2.1.2 A Encomienda
Cien mil indios que vivíam en el campo circundante a Asunción fueron divididos en concesiones de un tamaño relativamente pequeño (entre treinta e noventa tributarios cada una). Este tipo de fórmula recibió el nombre de encomienda mitaya, a semejanza de la mita peruana; (...) se basaba en poblamientos indígenas ya existentes, en los que los indios siguieram viviendo, y que proporcionabam una fuerza de trabajo al encomendero de un modo temporal. (LOCKHART & SCHWARTZ, 1992, 245)
A encomienda constitui uma forma de apropriação do trabalho indígena, um “direito”,
legalmente expresso e reconhecido, sobre sua mão-de-obra.
A encomienda originária foi aquela estabelecida pelo agrupamento de aldeias, ou pela
formação de grandes famílias indígenas, em relacionamento com os primeiros elementos
europeus que se estabeleceram na região. “La encomienda paraguaya se desarrolló al
margem del sistema de parentesco” (LOCKHART & SCHWARTZ, 1992, 244).
A outra forma de encomienda é a mitaya, que constitui um segundo momento, onde
há o empadronamento das diversas aldeias que habitavam a região, segundo moldes e
interesses europeus, em pequenos grupos de índios que deveriam prestar serviço ao seu
vecino encomendero.
A encomienda originária era mais numerosa, e os índios habitavam junto à casa ou
propriedade do encomendero. Na encomienda mitaya os índios seguiam vivendo em suas
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aldeias, e prestavam serviço aos encomenderos em sua propriedade ou em outras áreas
cultiváveis, pois terra não constituía grande problema nessa porção da América.
Es esta tierra fertilissima para para todo gênero de bastimientos: (...) una cosecha de trigo, y sé se siembra a su tiempo entierra bien labrada suele dar a treinta y quando menos a dies. Dasemuy bien la caña dulçe y hacese buen azucar; las viñas se dan muy bien y hacese mucho y buen viño. (...) Daselo la mandioca con gran fertilidad y muchos generos de rayzes muy buenos, y legumbres que duran todo el año. (Informe de um Jesuíta Anônimo, 1620, em CORTESÃO, 1951, 164)
Além do cultivo da agricultura, também foi praticada a criação de éguas, cavalos,
vacas, ovelhas e cabras. A mão-de-obra indígena foi utilizada em todas essas atividades,
além da construção dos povoados.
As duas formas de encomienda conviveram paralelamente, sendo que a mitaya
alimentava a originária. Algumas vezes índios eram transferidos definitivamente à casa do
proprietário para compensar a perda da população originária (LOCKHART &
SCHWARTZ, 1992, 245).
A encomienda desenvolveu-se assentada sobre a casa familiar indígena, originada da
assimilação do elemento europeu pelos moldes sociais da cultura guarani. Representa,
posteriormente, a violação dos termos de convivência. A potencialização das relações
estabelecidas, ou, a intensificação da exploração do trabalho indígena, com o escopo da
prosperidade econômica local, gradual e contínua, do elemento europeu. À medida que a
região intentava prosperidade econômica, o colono europeu almejava proeminência social,
buscando emergir em um quadro colonial mais amplo.
“O Guarani entra na história pela porta de uma aliança, que só mais tarde será trocada
pela porta de serviço” (MELIÀ, 1992, 56-61).
2.2 Buenos Aires
En esta ciudad solia aver mucha abundançia de Bastimientos porque atendian a su labor no entraban mercaderes y assi todo se quedaba en la tierra; contentabãsse con un poco de lienço de algodon blanco o teñido de negro para su vestido: agora entram muchos mercaderes y los veçinos compran vestidos muy costosos de sedas y paños finos, y assi todos se dan a cañaverales y viñas, no commensurandose en esto cada uno con su corto caudal y dejando de acudir al cultibo de los mantenimientos y a esta causa ay hambre y estan muy pobres y empeñados. En esta tierra no ay Plata todo es commutaçiones. (Informe de um Jesuíta Anônimo, 1620, em CORTESÃO, 1951, 165)
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Buenos Aires desaparece de cena em 1541 para ressurgir em 1580 e conferir nova
orientação a toda região do Prata, sobretudo Tucumán, atual noroeste da Argentina, Chile e
Paraguai.
Durante todo um primeiro período buscou-se comunicação fluvial a Potosi, entrando
pelo estuário do Prata e subindo o Paraná, como imaginavam os contemporâneos, ou o rio
Paraguai. As tentativas não tiveram êxito, e desistiu-se de estabelecer essa via comercial e
de escoamento de metais. Contudo, a onda de migrações sobre áreas despovoadas,
empreitada por ávidos aventureiros após o descobrimento das minas de Potosi, ocasionou a
fundação de diversos povoados intermediários entre a prata e o Prata. Duas situações eram
determinantes para configuração e determinação desses povoados. A primeira, a distância e
as condições de acesso em relação aos grandes centros mineiros e populacionais, a segunda,
as características das nações indígenas do local onde se estabelecia o povoado
(LOCKHART & SCHWARTZ, 1992, 239, 240).
Passado o êxtase, e em não se encontrando prata, as economias dos diversos povoados
adquiriram contornos próprios, buscando, à medida do possível, voltarem-se na direção da
economia dos centros mineiros, em ascensão. A região do Tucumán, sobretudo os povoados
mais próximos aos Andes centrais, especializaram-se em seu abastecimento. A agricultura
tornou-se um bom negócio, uma vez que a altitude não permitia o cultivo de alimentos nas
montanhas do Potosi. A fabricação de tecidos também era rentável, o centro populacional, e
a riqueza proveniente da mineração, geravam intenso consumo. Houve um povoado cujo
grande fator econômico era a criação e fornecimento de mulas, utilizadas no transporte de
cargas, mercadorias, alimentos e no próprio escoamento de metais. Outro se tornou
conhecido pelas carroças e carroções que fabricava, todos de madeira (CANABRAVA,
1984).
Às regiões mais afastadas tornava-se mais difícil o acesso e, conseqüentemente, o
comércio com as regiões centrais. Sua economia restringia-se ao âmbito local, havendo
pouca circulação de moeda e poucas condições de fruir de mercadorias importadas, tanto
pela distância e, também por isso, pelo preço a que chegavam a essas regiões marginais em
relação aos centros mineiros, focos de atenção e da intenção econômica colonial
(LOCKHART & SCHWARTZ, 1992, 240).
A fundação dessas cidades intermediárias e a criação de uma rota terrestre que as
percorresse estabeleceu uma possível rota comercial com Potosi. A nova fundação da cidade
de Buen Aires, e a abertura do seu porto, completariam o ciclo de abertura de uma nova rota
12
comercial marítima colonial, determinando uma nova dinâmica à região. Contudo, em 1580
já haveria muitos interesses envolvidos, um comércio determinado, “uma rota oficial do
comércio no reino do Peru”, onde se defendia a existência de uma só grande via de comércio
para o mundo colonial, um sistema de porto único para a Espanha e para os vice-reinos do
Novo Mundo. Não restara outra alternativa a Buenos Aires senão o contrabando
(CANABRAVA, 1984).
A nova rota comercial do Atlântico partia da Espanha e fazia entreposto no Brasil. Os
produtos importados da Europa poderiam ter um custo relativamente alto à região marginal,
mas seriam infinitamente inferiores em relação aos trazidos através da rota do Pacífico, pois
além da diminuição do custo do transporte, uma vez que eliminava o transporte de
cabotagem e diminuía consideravelmente as distâncias terrestres, trazia as mercadorias a um
preço ainda não influenciado pela intensa riqueza dos centros mineiros (CANABRAVA,
1984).
13
B
BRASIL. Atlas Histórico Escolar. Albuquerque. M.N. Rio de Janeiro, 1977
O trecho da fonte do jesuíta anônimo descreve parte do processo da transformação
ocorrida na região de Assunção. O comércio voltado ao local, com moedas outras que não o
metal, uma base agrícola auto-sustentável em produtos essenciais. Assinala a chegada do
mercador, dos produtos importados, e um certo abandono ao cultivo de mantimentos. Fome,
pobreza e dívidas.
A moeda metálica passa a circular com maior intensidade na região, cujos povoados
buscavam inserir-se a todo custo nessa rede de comércio.
Assunção era o mais fora de mão possível. Não se situava na rota aos Andes, nem
possuía outros povoados vizinhos que viabilizassem o comércio de mercadorias à região.
Um de seus principais produtos, o açúcar, fora batido pela concorrência do nordeste
brasileiro. Mesmo enquanto centro administrativo, não se sustenta, a partir de Fernando
Zarate, em 1593, os titulares preferiram residir em Buenos Aires, por vigilância ao porto, já
14
que a Coroa tentou arduamente reprimir o contrabando, acarretando um intenso sistema de
corrupção (CANABRAVA, 1984, __).
“Los cueros de Paraguay no podían competir con los de Tucumán; su tabaco sólo se
vendía de forma moderada; su único gran éxito fue la yerba mate. (...) En su búsqueda de un
mercado en expansión, los paraguayos desarrollarom este negocio lo mejor que pudieron”
(LOCKHART & SCHWARTZ, 1992, 246).
3 Jesuítas
Somos informado – dice el rey al obispo del Río de la Plata y lo mismo repite a su gobernador – que e esa provincia va acabando los indios naturales de ella por los malos tratamientos que sus encomenderos les hacen y que, habiéndose disminuido los dichos indios que en algunas partes faltan más de la tercia parte, les llevan las tasas por entero... y los tratan peor que esclavos y como tales se hallan muchos vendidos y comprados de unos encomenderos a otros y algunos muertosx a azotes, y mujeres que mueren y revientan con las pesadas cargas, y a otras y a sus hijos les hacen servir en sus granjerías, y duermen en los campos y allí paren y crían, mordidos de sabandijas ponzoñosas, y muchos se ahorcan y otros se dejan morir sin comer, y otros toman yerbas venenosas, y que hay madres que matan a sus hijos, en pariéndoles, diciendo que lo hacen para librarlos de los trabajos que ellos padecen, y que han concebido los indios muy grande odio al nombre cristiano y tienen a los españoles por engañadores y no creen en cosas que les enseñan... y ya que por haberse hecho, ha llegado a tanta corrupción y desconcierto conviene que de aquí adelante se repare con mucho cuidado. (Cédula real de 1582, citada por Gandía, 1939: 347 em MELIÀ, 1988, 205)
A encomienda justifica a introdução jesuítica no Paraguai, contudo, o Guairá constitui
o verdadeiro foco de interesse, tanto dos jesuítas quanto dos encomenderos.
3.1 O Projeto Reducional Jesuíta
O Guairá constitui uma cobiçada reserva de mão-de-obra guarani. A população
indígena encomendada a Assunção, uma parte morrera devido a maus tratos e epidemias,
outro tanto fugira, negando-se a continuar servindo aos vecinos paraguaios.
Experiências reducionais anteriores, desenvolvidas pela ordem franciscana, a partir de
1580 e apoiadas pelo governador Hernandarias, mostraram-se eficientes como complemento
ao sistema encomendero, “una manera de perfeccionarlo, inclusive, evitando precisamente
sus abusos”, pacificando índios até então rebeldes aos intentos da encomienda. O mesmo
Hernandarias, em 1603, conforme decisão de um conselho, o primeiro Sínodo de Asunción,
reunido no mesmo ano, resolve recorrer à terapêutica reducional jesuíta (MELIÀ, 1988,
15
205). Um outro administrador espanhol seria decisivo na implantação do sistema reducional
jesuíta, agora como uma instituição de defesa do índio ao sistema de encomiendas, em 1611.
As ordenações promulgadas pelo magistrado Francisco de Alfaro, influenciado pelo
Provincial da Companhia de Jesus, residente em Assunção, Diego de Torres Bollo proibiam
toda e qualquer forma de escravidão e encomenda aos índios convertidos, sendo a supressão
da encomienda compensada por um tributo pago à coroa espanhola, feito por intermédio dos
jesuítas. Nas reduções os índios assumiam cargos administrativos segundo moldes espanhóis
e tornavam-se súditos espanhóis, vassalos diretos do rei. As aldeias reduzidas eram dotadas
de um cacique e de um conselho municipal autônomo (cabildo). Ainda foi oficializada a
proibição de espanhóis, portugueses, negros e mestiços de penetrarem nas reduções.
(LACOUTURE, 1994, 434).
O interesse jesuíta era a cristianização dos índios, e a encomienda era empecilho. Os
encomenderos viriam buscar os índios amansados, e os índios fugiriam das reduções como
fugiam do encomendero.
Estes são os princípios ou leis fundamentais do grande empreendimento. Contudo,
além desse relativo amparo legal, duas noções importantes informam o pensamento jesuíta
no início do século XVII e são fundamentais para o sucesso do projeto reducional.
3.2 Uma Concepção original de Cristianismo
“Uma visão muito ampla da Divindade, a qual permitia dialogar com outras
culturas, situadas pelos jesuítas na mesma escala da religião cristã, sendo que esta constituía
seu degrau mais elevado” (LACOUTURE, 1994, 442).
Essa definição do conceito de religiosidade indígena aos olhos jesuítas indica uma
ruptura a padrões outrora estabelecidos, onde ou se era cristão, ou pagão, permitindo, como
refere o autor, dialogar com as outras culturas, para conduzi-las ao degrau mais alto, ao
cristianismo. A segunda noção diz respeito a essa condução.
16
3.3 Cambio de Estructuras Sociales
El gran principio de que la conversion del indio exige dialécticamente la conversión del misionero. (MELIÀ, 1988, 122, 123, referência às idéias missionárias de José de Acosta)
Torres Bollo participara de uma experiência reducional no Peru, e “do fracasso de sua
empreitada, ele concluiu que o sucesso dependia de duas condições, o respeito pela cultura
indígena e o isolamento dos índios do meio colonial.” (LACOUTURE, 1994, 443).
17
PARTE II
O Guairá como Laboratório da Experiência Reducional Jesuítica
1 Introdução
O estabelecimento da experiência reducional jesuítica no Guairá obedeceu a um
movimento de expansão geográfico, salvo algumas exceções estratégicas.
O movimento inicia-se no rio Paranapanema, em 1610, com a fundação das reduções
de Nuestra Señora de Loreto e de San Ignacio del Ypaumbucu.
Uma vez estruturadas, o fluxo fundacional desloca-se sobre o Tibagi, sendo fundadas
as reduções de San Francisco Xavier, em 1622, San Joseph e Nuestra Señora de la
Encarnacion, em 1625.
18
Encarnacion constituiu importante entreposto para tornar viável o acesso à região do
rio Ivaí e, no mesmo intuito, alcançou-se o rio Piquiri.
Por nosso estudo centrar-se nas duas primeiras levas fundacionais, e para evitarmos
um congestionamento desnecessário de datas e nomes, não mencionaremos as reduções
fundadas nessa última leva, nos anos de 1627 a 1629. Seus nomes e suas datas de fundação,
assim como um pequeno histórico de cada uma das reduções do Guairá, e também das vilas
espanholas que existiram na região, constam em CHMYZ (1976: 66-89).
Em meio ao movimento geral de expansão do estabelecimento reducional, o processo
de fundação de reduções jesuíticas no Guairá encontra-se também condicionado por uma
dinâmica de obtenção de alianças políticas junto aos chefes indígenas locais. Chamaremos a
aliança primeira, que autoriza o estabelecimento jesuíta junto a uma aldeia indígena, de
aliança fundacional. À aldeia, sobre a qual, ou em torno da qual se organiza a redução,
chamaremos pueblo fundamental.
O Iguaçu constitui uma das exceções citadas anteriormente. Duas são as reduções que
se localizam na região desse rio, uma no próprio Iguaçu, a redução de Santa Maria, fundada
em 1624, outra, quatro léguas Paraná abaixo, à sua margem direita, nomeada Nuestra Señora
de la Natividad del Acaray, fundada no ano de 1618. Institucionalmente, as reduções do
Iguaçu não se localizavam na província do Guairá, limitada, ao sul, à altura do Salto Grande,
localizado um pouco abaixo da confluência do rio Piquiri com o rio Paraná. Porém,
inferências históricas e geográficas autorizam a assimilação das reduções do Iguaçu junto
ao complexo reducional do Guairá.
A outra exceção seria a redução de San Miguel, fundada no rio Tibagi, em 1627.
Supõe-se que sua localização geográfica esteja bastante distanciada em relação à
Encarnacion, o que a situaria dentre a terceira expansão fundacional, contudo, não detemos
informações suficientes a seu respeito para avencarmos hipóteses quanto à sua fundação.
O mapa a seguir ilustra o movimento através do qual foram fundadas as reduções
jesuíticas da região do Guairá. Contudo, iniciaremos nossa análise através do estudo de caso
da fundação da redução de Natividad del Acaray, obtendo informações a respeito das
alianças que fundavam as reduções, para que possamos observar como o desenvolvimento
de novos padrões de vida material, elaborados enquanto se estruturava a redução, poderia
influenciar no processo de cristianização do elemento indígena reduzido.
19
CHMYZ, I. Arqueologia e história da vila espanhola de Ciudad Real do Guairá. Cadernos de Arqueologia, Paranaguá, ano 1, n.1, 1976, p. 70.
20
2 O Iguaçu
30 leguas adelante de la reducción de que acabamos de hablar estan os lindes donde comiença a estender-se la 2ª prov.ª que llamamos del Guayra y tomo este nombre del cazique que antiguamente la tenia en possesion. (CORTESÃO, 1951, 209)
Natividad del Acaray foi a Virgem à qual o padre Diego Boroa apegou-se para que
lhe protegesse e assegurasse a fundação de uma redução em meio a tantos índios rebeldes
como eram os dessa região do Iguaçu. Em 1618, o padre havia feito as primeiras salidas
exploratórias sobre a região. “Visito y acarizio todos los caciques que lo llevavan muy
pessadamente” (CORTESÃO, 1951, 204). Os presentes não os convenceram, consideraram
muito atrevimento do padre penetrar em suas terras, e, indignados, lhe ameaçaram. No ano
seguinte, o padre faz outra salida, acompanhado de D. Paulo de Arapizandu, cacique de S.
Ignacio, “porque no huvo ningun otro que se atreviese a ir con el de miedo que tenian no los
matasen” (ibidem). Um cacique chamado Arerapâ fez boa acolhida ao padre, que levantou
uma capela no posto que lhe parecia mais propício à fundação, e lhe deu o nome da Virgem.
“Procuro el P. Prendar los amigos y ablandar los rebeldes con dadivas de cosas que ellos
estiman”, mais uma vez, alguns índios resistiram à presença do padre, e mandaram que
Arerapâ corresse com o padre daquelas terras.
A descrição dos conflitos ocorridos quando da fundação de uma redução indica
aspectos e noções importantes à compreensão da dinâmica que envolvia a fundação dos
pueblos. Seguindo uma prática usual, a fundação dar-se-ia através de uma aliança com uma
liderança indígena da região. A aliança fundacional deu-se com Arerapâ, convertendo sua
aldeia no pueblo fundamental sobre o qual se formaria a redução de Nuestra Señora de la
Natividad del Acaray.
2.1 Foco de Resistência
Los muchachos novamente reducidos no queriam hacer cosa de las que les mandavamos. (Cortesão, 1951: 205)
A elaboração de um novo padrão de vida material era uma das primeiras distinções
que uma aldeia convertida em pueblo fundamental experimentava. Aos poucos, seguindo as
orientações do padre, iniciava-se um processo de intensificação das práticas agrícolas e de
pequenas alterações arquitetônicas, como a construção de uma igreja ou uma habitação para
os padres. Contudo, essa elaboração, assim como todas as outras, dependia da colaboração
21
dos índios reduzidos, visto que eles é que as materializavam, e, por algum motivo, os índios
reduzidos junto ao pueblo de Natividad del Acaray, não demonstravam interesse em auxiliar
ao padre nas mudanças que lhes propunha. Durou tanto tempo essa pendenga que, fundada
em 1618, a primeira referência a essa redução dá-se na Ânua de 1626 e 1627.
Acontece que na região havia vários caciques e feiticeiros avessos à presença dos
padres na região, um cacique em especial, chamado Ambacatig, “grande enemigo de Gesu
Xpo y que impedia la reducion de muchiss.as almas” (CORTESÃO, 1951, 205).
Percebemos inicialmente uma dissonância de interesses entre as várias tribos da
região. Algumas aceitam o estabelecimento jesuíta em sua aldeia, porém, não os auxiliavam
ou aderiram aos seus propósitos, outras, que denotam certa proeminência política na região,
permaneciam incomodadas com a presença dos padres. Após muito percalço e largo tempo,
a aliança com Ambacatig é, enfim, estabelecida, desobstruindo o processo reducional na
região. Há uma concentração incrível de famílias em um período muito curto de tempo, e
desenvolvimento das condições necessárias para a estruturação de novos padrões de vida
material, colaborando os índios não só para a construção desta redução, mas ajudando a
fazer a redução do Iguaçu.
Luego despache recaudos a todos los demas que quedaban por reducir muchas leguas alrededor, i dentro de un mes vino tanta gente, que no siendo antes mas de 100 las familias se hizo un pueblo muy grande y aiudaron despues para que se hiziese la reduccion del Iguazu. (CORTESÃO, 1951, 206)
2.2 Aliança com Ambacatig
Troco el Señor con su infinita misericordia su obstinado coraçon. (CORTESÃO, 1951, 206)
A ótica jesuíta concebe o estabelecimento da aliança com Ambacatig, como uma
intervenção da misericórdia Divina, e veremos em muitas ocasiões a confiança que
professavam estes padres na Fortaleza que os guiava e acompanhava. Contudo, outros
elementos são detectáveis nessa dinâmica política, em si mesma militar, que precedia à
chegada dos jesuítas, e que se manteve ativa durante sua presença.
Quando o padre Nicolas Duran decide ir ao encontro de Ambacatig, “a provar
ventura”, 130 índios de Tapoa, que supomos ser uma redução jesuítica da província do
Uruguai, propõem-se a acompanhá-lo. Partem, “y trazolo el Señor que fueren tantos para
22
hacer su negocio haziendo mi viage recogi de camino toda la gente que estava derramada
por aquellos montes y me la leve conmigo” (CORTESÃO, 1951, 205). Ao dia de S.
Lourenço o padre reza a missa e faz muitas promessas às Santas Almas que lhe concedam
vitória sobre aquele índio rebelde. Ao chegarem ao rancho de Ambacatig, não lhe
encontraram, porque estava reunido meia légua adiante com outro feiticeiro e muitos outros
índios em ponto de guerra. A situação que se configura é a de dois exércitos postos à guerra,
as mulheres refugiadas nos montes, os homens preparados para o combate, e não existe
situação melhor para o estabelecimento de uma aliança política. O padre manda um recado a
Ambacatig através de dois caciques, que não se receasse dele, que só vinha pelo grande
amor que lhe tinha para dar-lhe notícia de seu criador, e para que se reduzisse, que era o
maior bem que lhe podia desejar. Foi então que “troco el Señor con su infinita misericordia
su obstinado coraçon.” Ambacatig envia a lhe avisar que estava pronto para obedecer ao
padre no que quisesse, o que deu confiança ao padre para que adentrasse em seu território e
fosse ao seu encontro. Os dois se abraçaram e Ambacatig foi reduzir-se junto ao padre.
Outra situação faz-se oportuna como ilustração. Um índio é enviado pelo padre
Montoya da redução de San Ignácio, no Paranapanema, trajado como espanhol e portando
arma de fogo. Desce o rio Paraná até a região do Salto Grande e continua seu trajeto ao sul.
Atravessa o Salto por terra, à margem “muchas giornadas sin camino, levando por guia el
ruydo y estrueno del salto, y aun sus riberas muy asperas por las muchas piedras, arenales y
montes”, e ao fim, passado o furioso do rio, chegou a um riacho onde encontrou um cacique,
parente seu, chamado Cañarimari, com poucos índios, e que se espantou com o caminho por
que ele baixara o Salto, “camino por donde no passan sino paxaros”.
O índio, querendo saber a que distância estavam os padres da Companhia ao
Paraná abaixo, “y si era camino andadero”, foi informado que estavam perto, e ficou
sabendo também, que o cacique Cañarimari matava aos padres do Paraná abaixo para
rechaçá-los de suas terras. Então, o índio lhe disse que não fizesse isso “porque el era hijo de
los padres y que el y todos los indios de la Prov.a de Guayrá que son mucho militares
baxarian a vengar los agravios echos a sus padres” (CORTESÃO, 1951, 210). O cacique
mudou de tom e se queixou que os padres haviam lhe tolhido o caminho de baixo e agora
lho colhem também o de cima. Nosso índio segue seu caminho em uma canoa pelas 30
léguas Paraná abaixo até a redução de Natividad del Acaray, e o cacique resolve mudar-se
com os seus para um lugar onde os padres nunca lhe encontrem.
23
PARANÁ. Secretaria de Estado da Cultura e do Esporte. SE7E QUEDAS. Curitiba, 1987. By Wagner, H.E.
Ambacatig mostra-se alheio às iniciativas dos padres, e os povos reduzidos não
parecem lhe causar qualquer preocupação adicional, até o momento que uma milícia externa
interfere no litígio. Não sabemos o que os dois caciques conversaram com Ambacatig, mas
com certeza não foram apenas mensageiros da mensagem fraternal que o padre Nicolau lhe
enviara, e através do segundo caso podemos ter uma idéia do que poderia ter sido debatido.
Consideração pertinente, é que outros caciques, que denotam certa proeminência político-
militar, podem atestar que a presença dos padres junto a seus povos não lhes ofuscaram a
liderança, principalmente porque a ordenação administrativa que se implantava no interior
da redução valia-se da liderança dos caciques, que recebiam cargos administrativos e
mantinham sua autoridade e distinção, em conformidade com as premissas jesuíticas.
Também poderiam se referir às modificações na estrutura material de organização do
cotidiano, alteradas principalmente pela introdução do ferro na realização das atividades
comuns, como as cunhas de esculpir e talhar madeira, machados, enxadas, que poderiam
servir a uma intensificação da prática da agricultura que resultaria em abundância de
alimentos. As roupas e a indústria de sua confecção se mostrariam introduções interessantes
24
e bem recebidas. A conduta jesuíta também mereceria apreço, fundamentalmente distinta da
relação estabelecida com os colonos espanhóis. Mas, uma dúvida permanece, teria sido o
cristianismo assunto dessa discussão?
2.3 Batismo e Casamento
Hanse servido los padres de un buen medio para que tan en breve se despusiesen todos a ser cristianos, y assi de no querer admitir al bautismo a la mujer sin el marido, (...) por la gana que la mujer tenia de hacer-se christiana solicitava con mucha priesa al marido a que se despusiese a priesa para lo mismo. (CORTESÃO, 1951, 206)
A redução de Natividad del Acaray ascendeu, em pouco tempo, do patamar de 100
para 400 famílias reduzidas, com um total de 1.050 batizados, 500 dos quais adultos, e o
restante crianças.
Mostrou-se comum, e por outro lado lógico, a referência nas fontes ao sacramento
do batismo, sobretudo nas reduções recém-fundadas, e ainda em processo de configuração.
Contudo, percebemos que o batismo nem sempre era imediato, e por vezes os padres
demoravam-se a conceder o Santo Sacramento e o título de Cristão aos índios interessados.
A larga experiência anterior pode informar a respeito dessa prática. Antes de idealizar-se e
instalar-se, na prática, o método reducional de cristianização, a influência jesuítica exercia-
se na região por meio de missões volantes, ou temporárias, que não pressupunham a fixação
do padre junto aos índios. O primeiro grande evangelizador do Guairá foi o padre Manuel
Ortega, e conta-se ter batizado mais de 22 mil índios no Guairá (CORTESÃO, 1951).
Contudo, esse método não dava garantias da efetiva conversão, e uma vez reestruturada a
técnica de conversão, através da fixação do padre junto à tribo e da polícia dos hábitos dos
índios, o batismo não seria concedido tão de imediato, salvo exceções, como no caso de
pessoas que estivessem próximas da “passagem à eterna”. Assim, encontramos referências a
índios que queriam aprender o necessário para tornarem-se cristãos, outros casos em que os
padres ‘dilatavam’ o batismo, certamente com a intenção de aumentarem a expectativa dos
índios, tentando conferir maior eficácia ao sacramento.
Já a questão do casamento está diretamente ligada à repressão da prática da
poligamia. Forçando a mulher a casar-se, para que só então pudesse ser batizada juntamente
com seu marido, buscavam os padres conferir maior legitimidade e autoridade a uma
instituição não consagrada entre os índios, o casamento monogâmico, que uma vez efetuado
seguido do batismo, tinha reforçado seus princípios cristãos. A artimanha jesuíta também
25
forçava o homem a escolher uma dentre as suas mulheres, ou pior, o homem poderia ver-se
pressionado por algumas, ou mesmo todas as suas mulheres, para que as escolhessem para
revalidar o matrimônio. Não ocorreram outras referências a essa associação entre casamento
e batismo nas outras reduções, especificamente à condição do casamento para que fosse
concedido o batismo à mulher, contudo, o mesmo Provincial visitador que nos comunica o
fato esteve em Natividad Del Acaray antes de ir conhecer as reduções do Paranapanema e a
redução de San Francisco Xavier, no Tibagiba.
3 O Paranapanema
Templos melhores que os de Assunção. As igrejas, com órgãos e corais de índios, possuíam absides triplos e respectivos altares e retábulos pintados. Em ambos os lados das naves centrais existiam filas de colunas com pedestais e capitéis, com pórticos e muitos ornamentos trabalhados. Todas essas obras eram confeccionadas em cedro. Os povoados dispunham-se em forma quadrangular, com ruas retas e iguais; as casas eram funcionais. Cada uma tinha o pátio com galinheiros. Nos campos praticava-se o plantio de cereais e algodão, com os quais os índios produziam grande variedade de tecidos. Nas elevações viam-se manadas de ovelhas e cabras, e, nos currais, vacas e mulas. (CHMYZ, 1976, 79; citando JAEGER, 1957, 107, baseado em informações do pe. Diogo de Boroa referindo-se às reduções de Loreto e San Ignácio)
As reduções do Paranapanema, Loreto e San Ignácio de Ypaumbucú, foram as
primeiras a serem fundadas, dispondo de maior tempo para sua organização e para a
elaboração de uma vida material em muito diferenciada dos padrões indígenas anteriores ao
estabelecimento do processo reducional jesuíta. Também eram as reduções cuja localização
geográfica lhes conferia maior proteção aos ataques dos portugueses de São Paulo, não só
por estarem mais afastadas do principal foco de penetração das bandeiras paulistas, mas
porque as reduções fundadas posteriormente, principalmente no Tibagi e no Ivaí,
constituíram barreiras militares à agressão desencadeada pelos bandeirantes.
O cristianismo apresenta também contornos específicos nessas reduções onde o
desenvolvimento da vida material foi mais intenso. Mas buscaremos estabelecer essas
relações em momento adequado. Voltemos, por hora, ao processo de estabelecimento de
pueblos fundamentais, ou núcleos reducionais, e à dinâmica de alianças indígenas que
possibilitavam e interferiam na instalação das reduções jesuíticas no Guairá.
26
4 O Tibagiba
Quando viene estrecho se navega bien y quando se desplaya se navega con suma dificoltad porque dan las balzas y canouas en seco, y los indios les van subiendo por encima de las peñas a fuerza de hombros y ai passos tan malos, que algunas vezes en un dia no se anda mas de una legua, y aun a vezes se hallan canales de agua tan furiosa al baxar, que parece imposible poder subir las balzas y assi gastamos 15 dias en trienta leguas con que llegamos (...) gozando de la vista de muchos campos muy fertiles i de los pinos de aquella tierra que se pareçen algo a los de Europa. (Relato do Provincial visitador, em CORTESÃO, 1951, 216)
O Tibagi é o canal fluvial que une os três principais ecossistemas que estão
situados no atual estado do Paraná, a região dos campos, as florestas de araucárias do
centro-sul e sudeste e as florestas tropicais e subtropicais da região do Paranapanema.
(MELIÀ, 1988, 78)
Quatro reduções foram fundadas ao longo do curso do rio Tibagi ou em algum de
seus afluentes. Três delas constituirão objeto deste estudo, neste momento.
27
4.1 San Joseph
Quando yo llege a visitar estas reducciones halle que algunos de los padres estavan descontentos de esta de S. Joseph por no ser muchos los indios y parecerles que no se podria sustentar por si sola por lo qual me propusueran se llevasen los indios que qui avia a las otras. (Provincial visitador, em CORTESÃO, 1951, 230)
San Joseph foi fundada em 1625, segundo condições bem específicas. Sua
principal função seria estabelecer comunicação por terra com a Redução de Francisco
Xavier, visto que o caminho fluvial habitual apresentava perigosas corredeiras na
confluência do Tibagi com o Paranapanema, dificultando, sobretudo, o transporte de cargas,
essencial quando percebemos o complexo reducional que se intenciona estruturar. “Es esta
reduccion muy importante para el comercio dicho con las de S. Fran.co Xavier y N. Señora
de la Incarnacion, Tayaova, y las demas que siendo el Señor servido podra tener la Comp.a”
(Montoya, em CORTESÃO, 1951, 230).
4.1.1 Técnica e Aliança Fundacional
Ducientos Indios, los mas dellos eran ya Xipianos por aver sido reducidos en S. Ignacio de onde por enfermedad y otros inconvenientes se volvieron. (Montoya, Carta Ânua de 1628, em Cortesão, 1951: 262) El temor de los que ivan con nosotros, que aunque llevavamos la prenda de cazique no se satisfacian que lo receverian bien, pues para sigurarnos para matarlos puede ser que huviese embiado su hijo y todo se puede presumir de la ruindad y astucia de toda aquella gente. (Montoya, Carta ao Provincial, 1626 ou 1627, em CORTESÃO, 1951, 229).
A fundação de San Joseph é específica, sua função era estratégica dentro de um
complexo reducional, por isso, sua fundação foi determinada antes mesmo que se
estabelecesse qualquer aliança com algum cacique da região. Para garantir sua constituição,
cerca de 200 índios foram conduzidos de San Ignacio, a maioria já ‘cristãos’. Esta técnica
fundacional, que consiste na introdução de índios já cristianizados em reduções que se estão
iniciando, foi detectada em pelo menos mais um estabelecimento jesuíta, San Pablo do
Iniay, em condições bastante diferentes.
Por entre a mata, junto aos índios, os padres Montoya e Simon Maceta. Alguns
índios à frente, abrindo picada, que “a vezes por ser el monte tan espesso en el trecho de una
quadra tardavamos tres y quatro horas”. Antes, porém, alguns índios exploradores haviam
sido enviados, “y apenas hallamos algun rastro de el, que avian dexado los que embiamos
delante en las baras de los arborillos que los trunchen los indios para tener señal de su viage,
28
y segun esta mas o menos fresca la quebra se conoce quanto ha que passaron”
(CORTESÃO, 1951, 229). Esses exploradores contactaram um cacique da região que,
mostrando-se interessado, enviou um filho seu para que acompanhasse a comitiva. Daí a
segunda citação, os índios temiam que fosse uma artimanha do cacique para matá-los, e,
provavelmente, comê-los.
Uma prática comum das reduções era que os padres determinassem algumas
“salidas por medio de los indios (...), que los invian los padres a correr toda la tierra al
rededor y a cojer unos indios que hallan derramados, y han llevado mucho al pueblo”
(CORTESÃO, 1951, 209). Embora haja uma nítida semelhança na mecânica dessa prática, o
que percebemos é que, em relação ao pueblo de San Joseph, quem estabelece a aliança
fundacional são os próprios índios, apesar de termos como certo que esta só poderia
legitimar-se através do padre jesuíta.
4.1.2 Ambiência
Y estando en este lugar con deseo de visitar otras dos reducciones de la Encarnacion y de S. Joseph, los padres me persuadieron que no las visitase porque estavan muy en su principio, y que eran todas de infieles que andavan desparramados por los aquellos montes en busca de comida por la mucha hambre que avia en aquel tiempo. (Provincial visitador, em CORTESÃO, 1951, 217)
O Provincial está em visita a San Francisco Xavier, a única redução do Tibagi que
chegou a conhecer, e nos dá ciência de uma fome que perpassou toda a região, visto que faz
referência a Encarnação e São José, e quanto a São Francisco, “estuve en este pueblo todos
los dias que nos duro la comida que el P. Ant.º Ruiz avia traydo, que fue el pan de palo y
unos tazajos secos de vaca” (CORTESÃO, 1951, 217). Detenhamo-nos, por enquanto, ao
caso específico de São José.
Segundo estimativas demográficas, a referência a 200 índios pode significar até
1.000 pessoas, visto que se fazia referência apenas ao homem Guarani, devendo-se
considerar sua mulher e filhos, “siendo sinónimo de fuego o família nuclear.” (MELIÀ,
1988, 70). Perguntamo-nos se não seria exagerado esse deslocamento populacional, mas ao
considerarmos que a fundação de uma redução tinha por premissa básica o desenvolvimento
da agricultura através de novos plantios e da intensificação de plantios já existentes, e que
na prática agrícola a mulher Guarani desempenha importante papel social, aceitamos, o que
agora parece lógico, que os índios mudaram-se para um outro local acompanhados de suas
29
famílias. Contudo, essa intensificação da prática agrícola indígena demandava tempo, o
tempo do plantio à colheita, e, nesse ínterim, o sustento deveria provir das plantações já
existentes, além da caça, da pesca e da coleta.
Agora, segundo informações arqueológicas e antropológicas, uma aldeia Guarani
não é, em geral, muito grande, girando normalmente em torno de 60 a 100 indivíduos,
expressando uma relação entre demografia e ecologia, considerando-se melhor adaptáveis
ao ambiente, populações menos extensas; da mesma forma, a disseminação mais ou menos
densa em número de aldeias se daria em conformidade com a aptidão ecológica do ambiente
(Chmyz, ----, ; Melià, 1988: 76).
Imaginemos a situação. Cerca de 1.000 pessoas estabelecem uma aliança com 100
pessoas, número que logo aumenta, pois uma vez instalada a redução “luego acudieron los
caziques de las tierras becinas, aunque con algun rezelo que los aviamos de sacar de alli a
las reducciones antiguas”; o que faz parte de uma dinâmica política que já não nos parece,
de todo, estranha. Montoya conta que “se han descuvierto alli cerca 6 pueblecillos de
indios”. Supondo que cinco dos seis pueblecillos colaboraram com o projeto reducional de
San Joseph logo no início, e um índice de 100 habitantes por aldeia, teríamos uma
agricultura originariamente elaborada para sustentar 500 pessoas tendo que dar conta de
1.500 por um período mínimo de um ano.
Calma, ainda nos resta o ambiente. Mas para ele a situação também não era fácil.
“... y el P. Ant.º me escrive que sospecha que son mas de 15.” Quinze aldeias poderiam
representar 1.500 índios que dependiam daquele ambiente, acrescentando ao total os 1.000
índios provenientes da região do Paranapanema, teremos um considerável acréscimo
populacional. Para complicar ainda mais essa situação, consideremos que a fome é
constatada, simultaneamente, também em San Francisco e em Encarnación, o que pode
significar uma inferência de ordem climática, uma seca ou uma geada, por exemplo, o que
afetaria não só a produtividade dos cultivos agrícolas como do ambiente como um todo,
prejudicando a florescência e a produção de frutos, debilitando a alimentação tanto do
homem quanto dos outros animais.
Embora não haja referência explícita nas fontes, San Joseph pode ter sido socorrida
com alimentos provenientes das reduções do Paranapanema, bem melhor estruturadas. Cabe
a pergunta, neste momento, se não estaria acontecendo uma pressão por parte dos índios que
haviam sido reduzidos inicialmente em San Ignacio, para que se abandonasse o novo posto e
retornassem às ‘reduções antigas’. Para eles a situação era ainda pior, visto que não estavam
30
adaptados àquele ambiente. Percebamos que a caminho da redução de San Joseph adentra-se
em uma área de transição ecossistêmica, entre a floresta tropical e subtropical e a floresta de
araucárias. Talvez nem tanto pela transição entre essas ‘florestas’, mas a geomorfologia
descrita nas fontes indica que o relevo apresenta depressões, com mata bastante densa, e
montes mais altos, dando a impressão de uma região de serra, o que implicaria em formas
diferenciadas de sobrevivência. Adaptação consiste, inclusive, na sabedoria da disposição
espacial da flora fornecedora de alimentos e remédios, assim como da fauna, e as regiões
mais propícias à caça e pesca.
Incontramos al cazique (...),guionos a su pueblo por un camino que no puede tener nombre de tal por ser tan cerrado de monte questas, i arroyones hondos. Salimos ya al fin del dia a un alto monte donde pudimos ver el sol i respirar un poco. De alli baxamos a una profundidad que se me figuro el Limbo, i alli me queria hacer fundar el pueblo. No le dixe nada por entonces hasta el dia siguiente que le persuadi no se podia vivir en aquel lugar porque no havia de onde respirar. Al fin buscamos un puerto, y lo hallamos a su gusto al pie de un rio que sale a la Tibagiva por el qual sera facil la comunicacion con la reduccion de S. Fran.co Xavier. (Montoya, em CORTESÃO, 1951, 230) Apesar de possíveis pressões por parte dos índios de San Ignacio, a proposta dos
padres de conduzirem os índios da região às reduções do Paranapanema não obteve a
anuência do Provincial, que parece mais convencido aos argumentos táticos de Montoya.
4.1.3 A Vida Material em San Joseph
An se descubierto este ano en aquella comarca seis pueblesuelos de Guaranis los quales en estando los del pueblo con comida se sacaran de los montes con lo qual quedara aquella reduccion llena. (Montoya, Carta Ânua, 1627 ou 1628, em CORTESÃO, 1951, 262)
A dúvida com relação à data desta ânua deve-se à questão dela referir-se ao ano de
1628, ou ter sido encaminhada no ano de 1628, referindo-se, portanto, ao ano de 1627.
Baseados em um histórico das reduções publicado em Chmyz (1976) e conforme as
informações contidas na referida ânua, cuja última referência dá-se em relação à redução de
La Concepcion de Nuestra Señora de Guañanos, optamos pela segunda hipótese.
Também não temos certeza se, com relação aos seis pueblesuelos, são os mesmos
referidos anteriormente, porque apesar da semelhança, a ânua encaminhada em 1628 não faz
referência à expectativa de que, ao todo, poderiam ser mais de 15 aldeias. Supondo que se
trate das mesmas seis aldeias, e que a aliança com elas só tenha se firmado em 1627, nosso
raciocínio anterior merece ser relativizado, intensificando a situação dos índios trazidos de
31
San Ignacio, posto que um número menor de alianças implicaria em uma quantidade menor
de terra previamente cultivada que serviria para o seu sustento, o que implicaria em uma
maior dependência do ambiente, que também pode ser relativizada em função da
possibilidade de abastecimento proveniente do Paranapanema. Ainda nessa linha de
raciocínio, um menor número de alianças poderia significar melhor sustento para as tribos
não-aliadas, diminuindo sua procura ao ambiente. Contudo, na possibilidade de uma
inferência climática, prevalece nosso primeiro exercício.
O que deve ser ressaltado dessa citação, é o aumento da atratividade do pueblo
reduzido em função de estar provido de alimento. Mais uma vez devemos considerar que,
por se tratar do ano de 1627, e essa redução ter sido fundada em 1625, teria havido tempo
para uma estruturação da prática agrícola, cuja intensificação traria certa abundância. No
caso de ter ocorrido uma inferência climática de efeitos prolongados, alimentos provenientes
das reduções do Paranapanema constituiriam importante fator gravitacional das aldeias em
função do pueblo.
Longe de querermos apresentar esta como uma proposição lógica e óbvia, as
questões do transporte de alimentos, inclusive a movimentação do gado vacum das reduções
do Paranapanema para as outras, e do comércio e abastecimento entre as reduções,
suscitadas certamente pela constatação da fome generalizada que afetava a região do Tibagi,
pode ter levado Montoya a mudar de idéia com relação à posição estratégica que a redução
de San Joseph deveria ocupar, propondo, na ânua de 1628, a sua realocação junto ao
Paranapanema, não absorvida pelas antigas reduções, mas em uma região de fortes
corredeiras, talvez exercendo ali uma função portuária. “Por estar algo a trasmano e jusgado
que convendra a su tiempo mudarla al Paranapane con algunos de los pueblos donde V.R. se
anego para ayuda de los pasajeros que van de San Ignacio a San Xavier” (CORTESÃO,
1951, 262).
Não há maiores referências a transformações nos padrões de vida material
indígenas anteriores. Os processos de cristianização habituais também são pouco
mencionados, sequer fala-se em batismos, havendo uma referência indireta ao casamento.
“Un Indio cristiano Casique estimado el qual avia repudiado su verdadera mujer teniendo a
otras infieles a quien llamaba sus mujeres. Este con temor de dexar su mala vida andaba
huyendo por no reduçirse y con ese mal exemplo y peores palabras ahuyentaba a otros”
(Montoya, em CORTESÃO, 1951, 262). Comparando as referências de San Joseph com as
de outras reduções, podemos constatar que cristianização e desenvolvimento da vida
32
material são fatores paralelos, havendo maior incidência dos processos de cristianização
onde houve maior organização diferenciada dos padrões de vida material, a começar pela
elaboração de sociedades maiores e mais complexas, adensando diversas aldeias em função
do pueblo fundamental, o que, necessariamente, implicava na adesão e efetiva colaboração
do elemento indígena, e isso se tornava muito mais fácil quando contava com a participação
de um cacique cuja proeminência político-militar era reconhecida na região.
4.2 Encarnacion
A esta india de los flechazos hallamos ya acabando quando llegamos, y inchada de la sangre que se le avia quaxado dentro con los pedaços que dexaron las flechas. Bautizela y pusole por nombre Maria que fue el primer bautismo que alli se hizo, y quiso la Sobrana Virgen acreditar-lo con que dentro de tres dias se levantase sana y fuese por su pie una legua de alli adonde dimos principio al pueblo. (...) Echamos suertes sobre el nombre que avia de tener el pueblo y salio 3 bezes el de la Incarnación. (Montoya, em CORTESÃO, 1951, 239)
Nas fontes consultadas a região onde se estabeleceu a redução de Nuestra Señora
de Encarnacion destaca-se pela proeminência político-militar que denota. Caciques
imponentes, de tribos e regiões vizinhas, em constante fluxo de alianças e guerras de uns
contra os outros, tornaram essa região de difícil acesso aos jesuítas, que só conseguiram se
estabelecer definitivamente em 1625. Dentre esses caciques, destacam-se, Pindoviiú e
Zuruba, da região de Encarnacion, no Tibagi, e o grande Taiaova, da região do rio Ivaí, a
três dias de caminho de distância. Fora estes citados, havia muitos outros caciques de menor
proeminência político-militar na região e, acreditamos, em constante fluxo de alianças e
conflitos, entre si e em relação aos notáveis. Também encontramos muitas referências aos
índios campeiros, índios que habitavam a região dos campos, que não estava a grande
distância, e que participavam ativamente dessa dinâmica político-militar característica à
nova região onde os jesuítas desejavam inserir-se.
Cabe ressaltar que Encarnação foi fundada após São Francisco Xavier, em posto
mais ao sul, não à margem do Tibagi, mas próxima ao leito de um rio menor, seu afluente.
Trataremos agora desta redução no intuito de melhor esclarecermos o complexo
quadro político que envolvia o estabelecimento da aliança fundamental, que precedia a
definitiva implantação do pueblo.
33
4.2.1 Zuruba e Pindoviiú
Tratando o P. Ant.º Ruiz por orden que le enbie para ello de fundar nueva reduccion despues de la de S. Fran.co Xavier puso los ojos para este intento en las tierras que llaman de Taiati, mas opusosele con terrible resistência un cazique de mucha autoridad y respeto que avia en ellas llamado Zuruba, pertinacissimo enemigo del nombre christiano, y por esto mesmo de los Padres, y aunque algunos caziques nos estavan afectos y deseavan no se atrevian de tratar de ello por miedo que tenian a este indio. (...) Pindoviu el que en la primera entrada que hizo el P. Ant.º Ruiz al Taiaova dos años antes conboco gente para aver el P. a las manos y satisfacer a la ambre nefanda que tenia de comerselo. (Provincial, em CORTESÃO, 1951, 235, 236)
Parece que essas duas lideranças não eram muito afeitas à entrada dos padres em
sua área de influência, contudo, as relações de Montoya com o grande Taiaova nos impedem
de propor uma afirmação mais geral. O que sabemos é que na região onde mais tarde seria
fundada Encarnação, muitas foram as resistências, sendo as simpatias sufocadas pela
autoridade de algumas dessas resistências.
Certa vez, Zuruba “consertose con otros caziques tanbien enemigos nuestros”,
entre eles Pindoviiú, para “ir a hacier ierva a las tierras del gran Taiaova”, que são
abundantes em ervais. Taiaova lhes deu passagem livre, tratando-lhes com cortesia e
camaradagem, para na volta emboscar-lhes. Zuruba e os que o acompanhavam foram
mortos, mas Pindoviiú, “vistiendo un escaupil, o peto fuerte de algodon colchado, y
juegando una espada y rodela, despojos todos de un enquentro que tuvo de unos portugueses
(que dandoles la muerte quedose con las armas) hizo rostro con increible valor a una grande
multitud de frecheros. Y rompiendo por medio de ellos se escapo”. Os vencedores
preservaram os corpos dos guerreiros mortos “para un muy solemne conbite que hicieron
dellos a todos los Indios de la comarca. Con esto quedo el desdichado Zuruba que impedia
la obra de Dios” (ibidem). Esse acontecimento teria incitado Pindoviiú a reavaliar seu
posicionamento em relação à presença dos padres na região do Tibagi. Teria visto seus
vizinhos, antes em constantes conflitos, agora vivendo em paz devido à presença dos padres.
“Pidio pues con mucha humildad al P. Ant.º Ruiz que lo admitiesse para vivir christiano
entre ellos, mas o P. Juzgo no era conveniente assi por no dar ocasion a resucitar los
sentimientos antiguos de estas dos naciones (...) (como porque le parecio muy a proposito
para cabeza de nova reduccion)” (Provincial, em CORTESÃO, 1951, 236).
34
4.2.2 Pindoviiú, Cabeça da Redução de Encarnacion
Destruido este monstro quedo todo el campo por Cristo, y Pindoviiú escogido por caudillo de una florida christiandad. (ibidem)
Há muito os jesuítas esperavam por fundar uma redução nestas terras do Taiati,
que, além da possibilidade de redução de uma grande quantidade de índios, constituía etapa
essencial para que se pudesse avançar sobre as terras do Ivaí, adentrando a região habitada e
resguardada sob a influência do grande cacique Taiaova. Não sabemos ao certo a data do
primeiro contato entre Montoya e Taiaova, mas a partir das referências acerca de uma
primeira entrada às suas terras, que teria sido problemática pela interferência agressiva de
Pindoviiú, conclui-se que ao menos uma tentativa foi feita antes de 1625, data da fundação
de Encarnacion. Contudo, a primeira redução a introduzir-se nas terras de Taiaova acontece
apenas em 1627.
San Francisco Xavier havia sido fundada já em 1622, e Pindoviiú teria pedido a
Montoya para reduzir-se ali, juntamente com seu povo. Montoya aproveitara a oportunidade
para fundar uma nova redução, contando com o apoio e influência de Pindoviiú, “y assi le
despidio muy contento dandole buenas esperanças y una vara que ellos estiman en mucho de
mano de nuestros padres” (ibidem). Estava selada a aliança.
Contudo, duas referências puseram-nos a refletir a respeito de uma possível crise
política que teria ocorrido na região após a morte de Zuruba. A primeira dá conta do retorno
de Montoya com a finalidade de, efetivamente, fundar a nova redução. Em sua chegada
encontrara índios entrincheirados “por temor de otros da comarca y en particular por la
guerra que tenian con uno que le acompaño a Pindoviiú quando nos busco para comernos”
(Montoya, em CORTESÃO, 1951, 238). Dessa situação, que não relataremos por inteiro,
resulta o caso da primeira índia batizada nesta redução que se iria chamar Encarnacion. A
segunda referência consta da ânua, do mesmo padre, de 1628, e indica uma situação muito
particular e interessante, relacionada à configuração espacial peculiar que a redução de
Nuestra Señora de Encarnacion desenvolveu ao longo do tempo e a partir de eventos
históricos característicos à região; deste assunto trataremos adiante. Mas constatou Montoya
estarem “los indios de aquel partido mui divididos en sus puestos y mucho mas en los
animos por las continuas guerras y muertes que entre si teniam.” Apesar de constar das
fontes que a região era continuamente marcada por conflitos, acreditamos que a morte de
35
Zuruba desestruturou um quadro estabelecido de alianças, que teriam revoltado-se sobre
Pindoviiú, principalmente por sua decisão de estabelecer aliança com os padres.
Na chegada de Montoya, Pindoviiú deu mostras suficientes da solidez da sua
decisão de consagrar a redução, apesar da tensa situação política. O caminho a ser
percorrido pelo padre até a aldeia havia sido decorado com cruzes e outros enfeites, fora
construída uma pequena igreja, adornada de arcos triunfais, e foi recepcionado ao toque de
“bocinas e atambores” (Montoya, em CORTESÃO, 1951, 238). Escolheram um posto a uma
légua dali, “un sitio muy a proposito en un campo al pie de una cierra, en las tierras bien
nonbradas del Taiati desde onde se descubren muchos campos cercados de pinales. Y por el
lado del pueblo corre un rio” (Montoya, em CORTESÃO, 1951, 239). Ergueram uma cruz
“de siete brazas de alto en medio de la plaza”, Montoya a abençoou, e rezaram o Pai Nosso
e a Ave Maria, em voz alta, certamente referindo-se ao padre Christoval de Mendoza e aos
poucos índios já cristianizados que os acompanharam a partir de San Francisco. No dia
seguinte rezaram a missa ao pé da cruz, visto que não havia igreja neste novo posto, “pero
en breve se hizo un salon a que toda la gente acudio con gran fervor” (ibidem). Percebamos
quão rapidamente estrutura-se um pueblo onde há total adesão dos índios. A importância
que uma liderança empenhada em empreender as mudanças sugeridas pelos padres exerce
na re-elaboração de uma sociedade, onde novos padrões são introduzidos e antigos são
adaptados, ou, simplesmente, assimilados. Certamente tal influência verificar-se-á também
em relação aos processos de cristianização, como consta do depoimento do Provincial, em
visita a Francisco Xavier, quando do batismo de “dos caziques principales con que se
facilito mucho la conversion de estos pueblos porque todos siguen a sus caziques”
(Provincial visitador, em CORTESÃO, 1951, 217). Os pueblos a que se refere são San
Joseph e Encarnacion, impossibilitados de serem visitados, e, dentre os caciques, Pindoviiú.
Eram grandes as expectativas acerca de Encarnacion, “tratamos luego de hacer
republicanos y di bara de capitan al buen Pindoviiú, y hizimos alcades, regidores y
sergentes, que como siempre son mozos nos aiudan muy bien” (Montoya, em Cortesão,
1951: 239). Sob a ótica jesuíta, essa organização administrativa segundo moldes espanhóis
teria três funções importantes em relação à sociedade que se está configurando. A primeira
seria conferir autoridade aos elementos que seriam caros à sua estruturação, cooptando-os ao
trabalho de construção da vida material e de convencimento aos preceitos de cristandade. A
segunda, prepará-la para um crescimento populacional e a terceira livrá-la da encomienda. A
adesão de novas aldeias e sua redução ao redor do pueblo fundamental, ou, núcleo
36
reducional, em breve concederia à Encarnação a configuração espacial da nova forma social
que vinha se estabelecendo entre as aldeias indígenas da região do Guairá, entretanto,
vejamos como alguns fatores interferiram nesse processo.
4.2.3 Encarnacion, a Configuração do Espaço Reducional Jesuíta
Estubo esta reduccion con solo el nombre algun tiempo por estar la gente em sus chacaras y se husar de venir el pueblo. (Montoya, Carta Ânua de 1628, em CORTESÃO, 1951, 275)
Esta afirmação inverte as expectativas em relação aos espaços que configuravam
uma redução, e está condicionada a fatores externos.
A agricultura era essencial à viabilidade de uma redução. Assim, podemos resumir
os espaços fundamentais que compunham uma redução em, pueblo e chácaras. O pueblo
seria considerado a partir da cruz, fincada na praça central, onde seria construída a igreja,
em torno da qual se estabeleceriam as habitações dos integrantes das aldeias que viessem a
reduzir-se, também o forno, a casa dos padres, a horta, possíveis oficinas para confecção de
roupas, lida com madeira, feitio de instrumentos musicais, e os demais elementos da vida
material que fossem sendo desenvolvidos nessa nova forma de organização. As chácaras
seriam os locais de cultivo, quer os anteriores à chegada dos padres, quer os novos, por eles
impulsionados.
Este novo espaço de convivência e sociabilidade compreendia, também, espaços
secundários, ou, todo a área que permeava do pueblo às chácaras, além das áreas de caça,
pesca e coleta, preferidas, e melhor conhecidas, aos elementos de cada aldeia. Assim, o novo
espaço de convivência e sociabilidade muitas vezes assimilava o antigo. O conceito de
fronteira nativa, prediz a cada uma das centenas de tribos americanas uma fronteira, “às
vezes fluida e variável, porém na maioria das vezes definida geograficamente (limites entre
grupos guerreiros) e bem conhecida de todo membro da tribo (linhas de demarcação das
incursões de caça ou do ciclo anual de coleta)” (HEMMING, 1999, 423?). Dessa maneira,
os limites da redução iam sendo moldados a partir das adesões das diferentes aldeias, que
contribuíam com a sua porção de terra cultivada e seus limites anteriores.
Contudo, era no pueblo onde se desenvolviam as principais atividades de
sociabilidade e socialização dos elementos reduzidos. Ali principiava a cristianização. É
imprescindível considerar que índio reduzido não significa, necessariamente, índio
37
cristianizado, e, nesse momento, pouquíssimas vezes essas expressões serão sinônimas.
Nem tampouco estamos afirmando que o índio não constitui um ser social, mas sim, que em
vista à nova forma social que estava sendo estabelecida, onde haveria novas normas de
conduta e comportamento, ele deveria adaptar-se para compartilhar e efetivamente pertencer
a essa nova sociedade. Estamos propondo que, paralelamente à relação com o Divino, e
muito antes dessa efetivamente introduzir-se entre os índios, o cristianismo representou um
fator de sociabilidade, uma regra e uma norma social, alheia e imposta, que favorecia a
convivência entre elementos de aldeias inimigas, por exemplo. Regra aceita e recusada o
tempo todo dentro da redução, ensinada às crianças, medida através do batismo, propagada
por meio do casamento, até, um dia, assimilada e reconhecida na confissão. Condicionada,
também, a partir de elementos externos ou acontecimentos, no seio das reduções, que lhes
conferiam novo peso, sentido e valor. Mas, cada discussão a seu tempo.
O fato é que Encarnacion vivencia uma situação atípica, sua população vive nas
chácaras e recorre ao pueblo, invertendo a prioridade dos espaços da redução. Dois fatores
externos concorrem para essa situação, um deles tratado anteriormente, do outro trataremos
neste momento. Para melhor compreensão do quadro de Encarnacion, até então descrito em
partes, transcreveremos todo o trecho da fonte, que aos poucos vem sendo analisado.
Pusose en su principio en un campo algo apartado de las chacaras aunque entonces avia muy pocas por estar los Indios de aquel partido mui divididos en sus puestos y mucho mas en los animos por las continuas guerras y muertes que entre si tenian, a cuya causa estubo esta reduccion con solo el nombre algun tiempo por estarse las gente en sus chacaras y se husar de venir al pueblo, lo qual tambien causo la hambre que dixe tratando de San Xavier. (Montoya, Carta Ânua de 1628, em CORTESÃO, 1951, 275)
4.2.4 A Grande Fome de 1626/1627
(...) que dixe tratando de S. Xavier, que como alli murieron algunos de hambre, aqui murieron no pocos. (ibidem)
Três causas podem ser detectadas com relação a esta grande fome, duas causas
gerais, aplicáveis também à região de San Francisco Xavier, e uma específica a
Encarnacion.
Uma escassa safra de pinhões, e uma geada tão forte “que no les dexo raiz en la
chacara perdieronseles mui grandes maiçales y asi se quedaran sin chacara y sin semilla para
volver a sembrar” (Montoya, Carta Ânua de 1628, em CORTESÃO, 1951, 269). A causa
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específica refere-se à particular situação política que dividia as aldeias da região,
impossibilitando a organização definitiva da redução e a incorporação de maiores áreas de
cultivo agrícola, mantendo as fronteiras entre tribos inimigas e limitando o acesso a áreas
mais propícias à coleta, caça e pesca. Nesse contexto de fome generalizada a decisão de
permanecerem os índios nas chácaras pode responder, ao mesmo tempo, às finalidades de
defesa e de alimentação. Defesa, pela manutenção dos postos específicos a cada aldeia e
vigilância e defesa de suas áreas cultiváveis, favorável à alimentação por não concentrar
indivíduos em torno de um ambiente comum, prevalecendo a relação entre demografia e
ecologia anterior à configuração implantada pelo estabelecimento reducional, onde
populações menores seriam melhor adaptáveis ao ambiente.
A fome em Francisco Xavier, também apresenta fatores específicos, que a fizeram
tão, ou ainda mais intensa que em Encarnacion. Por um desses fatores exercer influência
decisiva na futura configuração da redução de Encarnacion, procederemos em estudo
conjunto dos casos.
“La causa desta hambre fue el averse reducido tanta jente en este pueblo y aver
dexado los suyos lejos, y aver entrado en ellos los Portugueses con que los dexaron asolados
de comida, causola tambien el aver faltado los piñones, y lo ultimo el aver avido tanto yelo
que no les dexo raiz en la chacara” (Montoya, Carta Ânua de 1628, em CORTESÃO, 1951,
269). O primeiro fator que merece destaque é a respeito da concentração populacional que,
como veremos mais à frente, foi muito intensa em San Francisco Xavier. O segundo
elemento diz respeito aos ataques dos bandeirantes paulistas, ou “Portugueses y Tupis”
(Montoya, Carta Ânua de 1628, em CORTESÃO, 1951, 276).
“Y aunque no an cesado de venir vienen con mucho reçelo y publicando que
vienen a los camperos y no a los hijos de los padres, y llegandose a las chacaras de nuestros
hijos les avisan que no teman porque ellos vienen a buscar los bellacos y no a los que tienen
dotrina” (Montoya, Carta Ânua de 1628, em CORTESÃO, 1951, 277). Em Encarnação a
incidência dos portugueses e de seus aliados, os Tupis, foi ainda mais intensa que em San
Xavier, contudo, os índios estavam em suas chácaras, e estas não seriam muitas já que a
redução não estaria de todo estruturada. Francisco Xavier, fundada em 1622, encontrava-se
bem melhor estruturada, com os índios reduzidos ao pueblo e suas chácaras a distâncias
relativas. Sua população era muito grande, o que significaria grandes áreas cultiváveis e cuja
agricultura já havia sido intensificada segundo as instruções do padre jesuíta. Os paulistas
apossaram-se da colheita, quitando-lhes o alimento, e, possivelmente, destruindo suas roças.
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Mais de trinta pessoas morreram de fome em San Francisco Xavier, muitas outras em
Encarnacion. Imaginemos as proporções dessa fome para que índios, acostumados à
sobrevivência nesses ambientes, morressem por falta de alimento. O quão sobrecarregado
ficou o ambiente a ponto de esgotar-se, e, por fim, as conseqüências das alterações dos
padrões anteriores de adaptação indígena ao meio ambiente, por uma intensa adaptação do
ambiente em função das grandes sociedades que se estabeleciam.
A descrição de Montoya, de um outro caso ocorrido em Encarnacion, sugere que
mesmo a prática da antropofagia, reconhecidamente uma prática ritual, fora convertida por
alguns, em prática alimentar durante esse período de grande fome.
Salio un Indio con su familia que eran diez y siete personas a buscar que comer por los montes, encontraronlos dos indios y cobrando amistad con el Indio estuvieron juntos aquel dia y otro lo mataron y algunas Indias de cuya huida se temian con lo qual tuvieron que comer por alguns diaz y en adelante yban matando de los que quedaban y comiendoselos. Los niños (...)los bellacos los mataron a todos y asaron de que tuvieron por buenos dias que comer. (Montoya, Carta Ânua de 1628, em CORTESÃO, 1951, 276)
Montoya depõe também, sobre a força da palavra de Deus, “que uno destos
despues de aver oydo la doctrina y quan abominable pecado es matarse y comerse se redujo
a buen vivir de manera que aoora (sic) es uno de los que mas ayudan el P.e y el mas
frecuente en casa” (ibidem).
Encerraremos o assunto com a referência do abastecimento dessas reduções com
alimentos provenientes das antigas. “Acudieron a nuestras reducciones antiguas de onde se
proveyeron y en el interin se acojieron por los montes a buscar raizes silvestres, cardos y
otras cosas a que se acojieron tambien los P.es para poder vivir” (Montoya, Carta Ânua de
1628, em CORTESÃO, 1951, 269).
4.2.5 Nova Configuração Espacial de Encarnacion e Re-elaboração da Vida Material
Mudose el pueblo por estas causas en una sierra que segun dicen todos es mui fertil y la esperiencia lo a mostrado, y juntamente la utilidad de la mudança porque se a formado un mui bueno pueblo en el qual asiste toda la jente porque tienen las chacaras mui çerca y tanto que de sus mismas cas las ven por aquellas sierras. (Montoya, Carta Ânua de 1628, em CORTESÃO, 1951, 275)
Fundada em 1625, Encarnacion mudou-se para um outro sítio em 1627. Uma das
causas dessa mudança certamente seria a situação política de conflito que impedia sua
estruturação definitiva. A partir dessa situação, e possivelmente tendo por exemplo o
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ocorrido em San Xavier, o novo posto teria sido escolhido levando-se em conta, sobretudo, a
necessidade de defesa das áreas cultiváveis, as chácaras. Tal preocupação acarretaria em
uma mais elaborada configuração espacial, trazendo as chácaras para mais perto do pueblo.
Notemos que a concepção jesuíta de pueblo abrangia também as chácaras, evidenciando que
a distinção feita anteriormente tem uma função mais elucidativa, que consideramos
oportuna, ainda que seja necessário relativizá-la. Dessa forma, configura-se uma nova forma
reducional, mais compactada, diminuída em seus espaços secundários originais, sobretudo,
pela crescente atuação dos paulistas na região. Essa mesma atuação, voltada inicialmente
sobre os povos não reduzidos, parece favorecer a condução de aldeias ao interior de
Encarnação, que no mesmo ano da mudança, provavelmente já em fins de 1627, “tienen
mucha comida” e “seiscientos Indios (...) pero entiendo que llegara esta reduccion a numero
de ochocientos o mill Indios por estar a la redonda mucha gente de la qual cada dia se van
reduciendo” (Montoya, Carta Ânua de 1628, em CORTESÃO, 1951, 276).
Após a mudança há um rápido desenvolvimento dos padrões de vida material, o
que indica que, algumas vezes, fatores externos contribuem para um maior interesse
generalizado em função da estruturação da redução, tanto do pueblo quanto das chácaras. A
presença e atuação de um inimigo externo comum, também pode favorecer a coesão social
dos povos reduzidos. No entanto, não devemos esquecer que Encarnacion conta com a
presença da forte liderança de Pindoviiú. Montoya conta-nos a situação ocorrida quando da
redução, em Encarnacion, de “un principal Indio el qual fue mui enemigo del capitan Anton
Pindobiyu”. Teria esse índio campeiro feito inimizade com “los Casiques comarcanos a su
pueblo”, sendo forçado a abandonar a região e afastar-se deles. Ele não podia ir ao Iguaçu
“porque por alli estaban sus enemigos”, não podia ir aos Guañanas “porque lo matariam”,
não poderia vir ao pueblo “porque tenia cierta la muerte por lo pasado”. “Finalmente acordo
de yrse a los pueblos de Indios que sirven a la villa y como el no sabia donde aviamos
mudado el pueblo yendo caminando dio con el pueblo” (Montoya, Carta Ânua de 1628, em
CORTESÃO, 1951, 278, 279). Os índios do pueblo o reconheceram e lhe perguntaram onde
ia, ele, com medo, disse que ia ver o padre, e pediu que o levassem. “Un casique ofendido
del le dixo que no temiesse porque los tiempos en que se mataban avia (sic) ya pasado que
era en tiemo de su infidelidad y quando no oyan la palabra de Dios y que aora no trataban
sino de amarse.” Anton Pindobiyu ,“que no estaba poco ofendido”, também lhe falou “como
se fuera uno de nosotros,” o cacique assossegou-se e se estabeleceu na redução.
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O cristianismo certamente favorece a realização de tal acontecimento, sendo
também por ele fortalecido no seio da sociedade. A aliança também deve ser compreendida
em função do fortalecimento da sociedade face às ameaças externas.
Encarnacion, a partir de 1627, experimenta um processo de re-elaboração de sua
vida material. As crises que sofrera desde a sua fundação, em 1625, e que acarretaram na
escolha deste novo posto, onde finalmente poderia se estabelecer definitivamente, parece
terem contribuído para uma participação mais decidida dos seus membros no processo de
construção dessa sociedade, de modo a assegurar-lhe sua prosperidade.
“Una Yglesia tosca de Àlfarda” é construída sob a orientação do padre Pedro
Despinosa, “obra de 20 de ñudillo y nuestra casa de la misma manera y como los indios no
han visto cosa semejante an quedado contentissimos y han cobrado amor a su pueblo”
(Montoya, citado pelo Provincial, em CORTESÃO, 1951, 241). Àlfarda seria um tipo de
arquitetura de origem árabe, e ‘ñudillo’ seria a malha, ou nó, que se formaria a partir da
amarração dos troncos de madeira. A menção ao amor que os índios desenvolveriam “a su
pueblo” parece coerente à idéia de dedicação coletiva em função de um objetivo comum.
Esta carta também dá notícia de uma horta que fora feita sob a supervisão do padre Pedro, e
a essa horta Montoya faz referência na ânua de 1628, quando foi conhecer o novo posto de
Encarnacion.
Quando yo fui la halle llena de coles, rabanos, perejil, sanahorias, ajos, cebollas, y otras mill cosas con un mui grande maizal y frisolas en el sitio que a de ser viña, (...) al presente tienen mucha comida ayudados de su natural que son dados a tener chacaras y nada pereçosos en cultivarlas. Quede maravillado de ver tantas chacaras y tan llenas. (Montoya, Carta Ânua de 1628, em CORTESÃO, 275, 276)
4.3 La Reduccion de San Francisco Xavier
Desde esta reduccion y la de San Joseph es el temple mejor, el verano mas templado y el invierno mas frio. Corren desde aqui los campos hasta la mar y case todos de pinales el monte que tienen de que cada año se hace mui gran provision de piñones. (Montoya, Carta Ânua de 1628, em CORTESÃO, 1951, 263)
A redução de San Francisco Xavier foi a primeira a ser fundada na região do rio
Tibagi. Posteriormente, San Joseph foi fundada para estabelecer um caminho por terra que
ligasse San Francisco às reduções do Paranapanema. Quase ao mesmo tempo, Encarnacion
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era estabelecida em uma área de grande efervescência político-militar, em um posto
avançado, cerca de quatro dias de caminho, em relação a Francisco Xavier.
A análise das fontes pouco informa a respeito de seu processo fundacional. Não
foram detectados grandes conflitos políticos, tampouco são citados nomes de caciques de
grande influência. Sua fundação parece ter ocorrido pacificamente através da aliança
fundacional com algum cacique interessado, ou simplesmente receptivo, ao estabelecimento
do padre jesuíta junto ao seu povo. É claro que houve resistências ao estabelecimento
reducional, tanto de caciques alheios à redução, quanto de outros que, reduzidos, resistiam
às transformações que a cristianização implicava sobre os costumes, sobretudo à poligamia.
Referimo-nos à ausência da resistência sufocadora deste mesmo estabelecimento, como a
constatada em Encarnacion, proveniente de lideranças que gozavam de grande autoridade na
região e que inibiam, e coibiam, os caciques de menor autoridade, de firmarem aliança com
os padres.
Uma vez que a região onde seria fundada Encarnacion constituía um foco político-
militar declarado, é possível que à região de San Francisco Xavier habitassem aldeias menos
belicosas, ou menos numerosas, deslocadas da região de Encarnacion por conflitos políticos,
ou por não quererem envolver-se em tais conflitos, além de aldeias originárias e
independentes em relação à região de Encarnacion. Esta hipótese pode ser corroborada por
declarações várias que atestam a inimizade entre as aldeias reduzidas em San Francisco
Xavier e as que habitavam a região de Encarnacion. Uma vez reduzidas, essas aldeias menos
expressivas formavam um só corpo social, mais poderoso e único na região, já que San
Francisco foi a primeira redução do Tibagi, configurando uma sociedade diferenciada
material e socialmente e conferindo notoriedade aos caciques reduzidos. Desse modo, a
resistência dos notáveis da região de Encarnacion, e mesmo o interesse sufocado de algumas
aldeias, demonstram como a presença jesuítica e o estabelecimento reducional foram
absorvidos em um amplo contexto político indígena.
Algumas situações atestam a inimizade entre as aldeias das distintas regiões. Por
exemplo, a decisão de não reduzir Pindoviiú em San Francisco Xavier teria como razão
explícita não “resucitar los sentimientos antiguos de estas dos naciones” (Provincial, em
CORTESÃO, 1951, 236). Embora devamos relativizar o peso dessa declaração em virtude
dos objetivos estratégicos da Companhia de Jesus, atesta-se a inimizade. Um outro exemplo
ocorreu quando os habitantes de Francisco Xavier supuseram terem os de Encarnacion
matado o padre Christoval de Mendoza, encarregado desta segunda redução, “con esto se
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renovaron las enemistades antiguas con estas dos naciones y estuvo a pique de succeder
algun muy grave mal” (Montoya, em CORTESÃO, 1951, 241).
4.3.1 A Primeira Fundação de San Francisco Xavier
Probolo N. Señor con dos trabajos en que dieron muestras de las veras con que abrazavan su Santa Ley. (...) el primero fue una cruelissima hambre que siendo tanta la gente padecia miserablemente extrema neccesidade al P. Fran.co Diaz. (...) la otra tribulacion fue un incendio que escitandose en una casa se emprendio en todo el pueblo y lo dexo distruydo. (Provincial, em CORTESÃO, 1951, 234, 235)
Fundado em 1622, o pueblo de San Francisco é completamente destruído em um
incêndio, com exceção da igreja, “que llegando el fuego en toda su furia junto a la Yglesia
parece le tuvo respetto, y no se attrevio a tocarla y assi salto a las casas despues de ella
dexandola en salvo” (ibidem). A redução é reconstruída sobre outro sítio, mas a data não
consta das fontes consultadas, sendo investigada através de relações.
Montoya, em sua Carta Ânua de 1628, escreve ao Provincial e relata o acontecido
fazendo referência à vinda deste ao Guairá. “Este pueblo se quemo todo en la venida de
V.R.” (CORTESÃO, 1951, 262). O problema é que a data da visita também não consta
explícita nas fontes, mas sabemos que o visitador conheceu San Xavier e batizou índios e
caciques de San Joseph e Encarnacion, fundadas em 1625. Assim, e a constar que na ânua
de 1628, Montoya faz uma descrição do novo posto, como a apresentá-lo, e que na descrição
da sua viagem o Visitador não faz menção alguma ao incêndio, supomos que o Provincial
conhecera a primeira fundação de San Xavier (CORTESÃO, 1951, 217, 263). Desse modo,
presumimos que a visita tenha ocorrido durante ano de 1625, o incêndio e a reconstrução da
redução podem ter acontecido no mesmo ano ou, no máximo, no começo de 1626, visto que
na ânua dirigida ao Provincial em 1628, e que deve referir-se ao período de até 1627,
Montoya relata que “dos años a que se empeso a baptiçar esta jente” (CORTESÃO, 1951,
263).
Tivemos dúvida, também com relação à fome que foi citada acima. Não teria sido
uma única e grande fome que teria acossado, a uma só vez, San Francisco, San Joseph e
Encarnacion? Quando da visita do Provincial a San Xavier, faz-se referência a que o padre
Ruiz de Montoya teria levado comida, e que uma fome incidia sobre a região, também a San
Joseph e a Encarnacion. Contudo, o Provincial não faz a menor menção à atividade dos
paulistas na região, a primeira referência dessa atividade associada à fome consta da ânua de
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1628, quando os portugueses entraram nos suyos “con que los dexaron asolados de comida”
(CORTESÃO, 1951, 269).
As fomes, sobretudo as causadas por inferências climáticas, certamente são
anteriores a qualquer interferência do elemento europeu na região. A busca por alimento e
por terras férteis para o seu cultivo estão associadas à dinâmica populacional da região,
influenciando em sua configuração espacial, social e política. A partir do estabelecimento do
modelo reducional no Tibagi, e a conseqüente formação de sociedades maiores, aumenta-se
a dependência em relação ao ambiente e a necessidade da agricultura. O meio está mais
suscetível de esgotar-se, uma vez que há concentração populacional, e a intensificação da
agricultura demanda tempo para ser estruturada, estando, ambos, sujeitos a inferências
climáticas. Estamos tentando assim dizer, que não houve uma ou duas fomes, mas que
dentro do processo de adaptação dessa nova sociedade ao ambiente, ou, de adaptação do
ambiente por essa sociedade, a fome é um elemento latente, aparecendo às vezes, por alguns
meses, e novamente desaparecendo. Contudo, nos anos de 1626 e 1627, a incidência de uma
forte geada, uma reduzida safra de pinhões, fruto que se destaca como sustento alimentar
importantíssimo à região, associados a fatores humanos, uma altíssima concentração
populacional em San Francisco, uma situação política constrangedora em Encarnacion, e o
ataque paulista aos silos onde eram guardadas as reservas de alimentos dos estabelecimentos
reducionais, concorreram para que houvesse na região, a essa época, uma fome
desproporcional.
4.3.2 Reconstrução do Pueblo e Desenvolvimento da Vida Material
Le pasamos en el monte en un mui alto y vistoso puesto donde se an hallado las comodidades que en el primer se deseaban: el agua mui çerca y tanto que pasa por el pueblo en nuestra huerta un manancial y aun dos, la leña muy a la mano y la tierra muy buena para viña que ya se a puesto un pedaço con otras cosas necessarias para nuestro sustento. (Montoya, em CORTESÃO, 1951, 263)
A primeira preocupação que acometeu o padre Fran.co Diaz após o incêndio foi
quanto à possibilidade de abandono do pueblo por parte de sua população indígena, que
“como gente echa a supersticiones lo tomaria por algun mal augouro y ocasion de aqui para
bolverse a sus tierras antiguas” (Provincial, em CORTESÃO, 1951, 263). Muito pelo
contrário, relata o provincial, pois os índios, percebendo o padre aflito, o consolaram,
“Padre, no toma pena de este suceso que se el fuego nos ha quitado las casas, Dios nos ha
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dexado las manos con que podremos haçer otras.” E assim fizeram, em pouco tempo o
pueblo foi reedificado, “con maior curiosidad y adorno” (ibidem).
Como em Encarnacion, a mudança pode ter fortalecido a sociedade. O novo sítio
em muito superava ao antigo, a proximidade do manancial de água favorece a manutenção
da horta. Uma plantação de uvas era uma preocupação peculiar ao padre jesuíta, para a
fabricação do vinho a ser utilizado nas celebrações. Novas áreas podem ter sido cultivadas,
sem que fosse necessário que as antigas fossem abandonadas, uma vez que somente o
pueblo fora destruído pelo fogo. Não sabemos ao certo qual era a população no momento da
mudança de posto, porém, em 1627 “tenian de lista (...) 1.300 famillas y fue necessario
poner tasa al numero porque a mugedumbre no diese en que entender para governar”
(Montoya, Carta Ânua de 1628, em CORTESÃO, 1951, 231).
Encarnacion, em 1627 possuía 600 Índios que, segundo estimativas demográficas
podem representar 3.000 pessoas (Montoya, Carta Ânua de 1628, em CORTESÃO, 1951,
276). San Francisco possuiria em torno de 6.500 pessoas. Este número é muito alto. No
Paranapanema, em 1617, Loreto e San Ignacio, juntas, somariam 1.550 índios casados,
aproximadamente 7.750 pessoas (MELIÀ, 1988, 74). Tanto é alto esse número que os
padres falam em limitá-lo, porque população tão grande não consegue entender-se para
governar. Do ponto de vista administrativo, compreendemos que se torna mais complicado
governar consensualmente populações muito grandes, sobretudo, levando-se em conta a
exigência jesuíta da conformação de uma sociedade cristã, o que implica na aceitação dos
processos de cristianização, onde a redução de um número muito grande de aldeias em um
curto período de tempo aumenta o número de resistências a esses processos.
5 Processos de Cristianização
Entre los Índios quien se nos oponga y quien con su mal exemplo nos quiera estorvar y empedir el bien que se hace y no es pequeña providencia de Nuestro Señor para q~
con esto se conosca y arraigue la virtud en los buenos. (Montoya, Carta Ânua de 1628, em CORTESÃO, 1951, 264)
Índio reduzido não quer dizer índio cristão, algumas vezes, índio cristão não
significa índio cristianizado, e San Francisco Xavier recebeu um número muito grande de
adesões em um curto período de tempo. Alianças muitas vezes firmadas por questões de
interesse político, militar, por questão de segurança, uma vez que aumentavam os ataques
paulistas e Tupi sobre as tribos não-reduzidas da região, ou mesmo por simples questão de
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comodidade e até mesmo curiosidade em relação à nova sociedade que se estruturava.
Independentemente do motivo que teria fomentado a aliança, deveria haver a conformação
aos padrões sociais estabelecidos nessa sociedade. A técnica reducional jesuíta pressupunha
uma divisão administrativa do pueblo, através da qual era mantida a autoridade dos caciques
com os quais se firmava aliança, também serviria para conferir distinção a elementos caros à
construção material do pueblo, ou ainda, a elementos mais inclinados à assimilação e
propagação dos padrões cristãos de conduta a serem implantados, ou seja, importantes na
formação de uma base social cristã. Cada cacique que se reduzia recebia vara de alcalde,
que lhe conferia o direito de participar e interferir na administração do pueblo. Contudo, no
pueblo havia sérias restrições a duas práticas comuns aos Guarani, uma delas a antropofagia,
cujos casos de resistência são mais esparsos nas fontes, a outra, a poligamia, constantemente
referenciada, e, especificamente no trecho das fontes que trata da redução de Francisco
Xavier, encontraremos resistências à poligamia associadas à figura do Casique Xpiano
(Montoya, Carta Ânua de 1628, em CORTESÃO, 1951, 262-275). Percebamos aqui a
preocupação do padre quanto à dificuldade da população entender-se para governar. A
poligamia, mais do que ligada à questão do prazer em relação a ter várias mulheres, estava
relacionada à proeminência do indivíduo perante a sociedade, à capacidade do indivíduo em
sustentar uma família extensa, à sua importância política ou militar no interior do próprio
grupo (CHMYZ).
5.1 O Batismo
Los gentiles moços y viejos an acudido a la yglesia a aprender lo necessario para baptiçarse. (Montoya, Carta Ânua de 1628, em CORTESÃO, 264)
O processo de cristianização inicia-se com a palavra. Até então a Verdade não era
conhecida e era missão do padre ministrá-la e conduzir os fiéis à salvação. Durante muito
tempo os evangelizadores acreditaram que o batismo significaria a conversão imediata do
índio ao cristianismo, e, conseqüentemente, sua salvação. No próprio Guairá, no tempo das
missões itinerantes, no final do século XVI, realizavam-se batismos de grande contingente
de população ao mesmo tempo. A implantação da técnica reducional evidencia uma
mudança quanto à concepção de conversibilidade do gentio. A conversão efetiva do índio
dar-se ia através da fixação do padre junto à tribo, ministrando-lhe constantemente a
Palavra, policiando seus costumes e conduzindo-o através dos preceitos da cristandade.
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Torna-se necessário, ao índio, aprender algumas coisas antes de ser batizado, certamente no
intuito de conferir maior eficácia ao sacramento. O batismo imediato só era conferido às
crianças e às pessoas prestes à morte. Mesmo a alguns doentes, os que não apresentassem
risco eminente de vida, dilatava-se o batismo, da mesma forma aos idosos. O próprio
Pindoviiú, recebeu vara de conversão como líder do seu povo, com o qual estabeleceu-se
uma aliança fundacional, e vara de capitan após a divisão administrativa segundo moldes
governamentais espanhóis, quando da primeira fundação de Encarnacion, antes de ser
batizado pelo padre Provincial da Companhia de Jesus, em visita a Francisco Xavier. Uma
vez batizado, o indivíduo era considerado cristão.
Há uma outra referência interessante, também relacionada a Encarnacion, quando
de sua segunda fundação. “An se empesado a baptiçar los adultos este año por tener ya
chacaras” (Montoya, Carta Ânua de 1628, em CORTESÃO, 1951, 279). Aqui o processo de
cristianização encontra-se diretamente relacionado ao processo de desenvolvimento da vida
material da redução. Também encontramos referências nesse sentido com relação a outro
sacramento, que representa uma outra etapa do processo de cristianização.
5.2 A Confissão
An se ido entablando las frecuentes confessiones en esta reduccion como en las antiguas. (Montoya, Carta Ânua de 1628, em CORTESÃO, 1951, 266)
Analisando as fontes, dentre todas as reduções estudadas a menção à confissão
aparece apenas nas reduções do Paranapanema e neste pequeno trecho referente à redução
de San Francisco Xavier.
A confissão representa um outro estágio do processo de cristianização uma vez que
exige o reconhecimento de faltas e culpas em relação a uma norma. Nesse momento o
cristianismo deve dar provas de que foi efetivamente assimilado, devendo ser assumido
enquanto norma de conduta.
O que percebemos é que esse novo estágio no processo de cristianização coincide,
em San Francisco Xavier, com a implementação de uma nova etapa no desenvolvimento das
condições de vida material dessa redução. A última referência que Antonio Ruiz de
Montoya faz em sua ânua de 1628, com relação a San Xavier, diz que “ase puesto la musica
en esta reduccion y lo van haciendo bien, a se puesto aqui una estansuela de ganado mayor y
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menor; tienen los Indios bien de comer porque a tanta hambre como se a passado era tiempo
ya de dar-se una hartazga como diçen” (em CORTESÃO, 1951, 275).
6 Las Antiguas
Como ellos le llaman, el que quita los pecados, el que truequa los coraçones el que da entendimiento, el que es consuelo del alma, que con estos y otros titulos nombran a este divino manjar. (Provincial, em CORTESÃO, 1951, 222)
O padre Provincial, ao relatar sua visita ao Guairá, descreve a recepção que lhe
concederam os índios de Loreto e San Ignacio. Vieram-lhe buscar a um trecho do rio, todos
em balsas e canoas enfeitadas, “en unas venian los caziques principales del pueblo, en otras
los cantores con biguelas y chrimias”, na igreja, “grande i de 3 naves”, cânticos entoados
por um coral indígena que cantava a duas vozes “y danzaron varias troppas de danzas”
(Provincial, referindo-se à sua recepção em Loreto, em CORTESÃO, 1951, 212). Em
momento posterior do mesmo documento, que inclui o relato de sua visita e a situação das
reduções do Guairá nos anos de 1626 e 1627, o Provincial detalha as práticas que por sua
ordem foram aplicadas a essas reduções. Tais práticas dizem respeito a confissões gerais,
realizadas no dia das comunhões, que acontecem geralmente de três em três meses
(CORTESÃO, 1951, 221).
As páginas sobre Loreto e San Ignacio referem-se quase todas a essa prática e à
descrição de alguns casos verificados nas reduções. Achamos interessante a referência às
índias devotas e seu papel na repressão da prática da poligamia, uma delas, sendo seduzida
por um índio e acordando do transe “escogio dexar antes en mano del atrevido su ropa hecha
pedaços que rendida a su honestidad, i assi se scapo huiendo a toda priesa desnuda”
(CORTESÃO, 1951, 222). Homens também não foram pouco tentados, os casados
geralmente por mulheres solteiras, outros solteiros, assediados por mulheres casadas. Um
honesto índio “se revestio del espiritu de S. Bernardino de Sena en semejante ocasion”
(ibidem). Uma índia, de vida muito correta, procurou o padre confessor com vergonha de
seus pensamentos, o padre ficou muito consolado “porque juzgo que lo que ella tenia por tan
grande peccado o era escrupulo, o quando mucho culpa ligera” (CORTESÃO, 1951, 224).
Outras referências relatam situações onde, em sonho, os índios seriam compelidos por vozes
ou imagens a praticarem a confissão, algumas vezes de pecados ocultados anteriormente.
Faltar a missas ou celebrações de dias santos, geralmente trazia graves conseqüências,
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muitas vezes eram cobras que lhes rondavam nas roças, quando cabulavam a missa para
irem à terra. As crianças desde pequenas já eram acostumadas às coisas da fé, e em diversos
casos exerciam vigilância e até mesmo repreendiam seus pais quanto à observação das
normas de conduta cristãs.
Desse modo, constatamos que nas reduções melhor estruturadas materialmente,
gradativamente há uma maior interferência das normas cristãs sobre os padrões anteriores de
conduta. A vida, aos poucos, organiza-se em função dessa nova sociedade e, uma vez
estruturada sua vida material, não cessa o processo de conformação da sociedade às normas
cristãs que há muito vêm sendo, gradativamente, introduzidas e assimiladas. Cada vez mais
a vida passa a gravitar em função do pueblo, através da música, da marcenaria, da confecção
de roupas, do cultivo de legumes, verduras e frutas. Mesmo as atividades exercidas fora do
pueblo, têm em vista a sociedade como um todo. O provincial faz referência a doações de
caça, pesca e coleta que teriam por finalidade suprir as necessidades dos enfermos, das
viúvas, do próprio padre (CORTESÃO, 1951, 214). Certamente era desejo de todos que essa
sociedade fosse preservada, e o cristianismo era elemento constituinte dessa sociedade. As
interferências dos padres em relação às alterações nos padrões de vida material foram, em
geral, bem-vindas, bem recebidas pelos índios, mesmo algumas que modificariam padrões
comportamentais, como no caso da interferência quanto às formas habitacionais. As antigas
casas comunais indígenas foram substituídas por novas estruturas onde as famílias eram
individualizadas e separadas umas das outras por sólidas paredes (MELIÀ, 1988, 198). Ao
contrário das expectativas dos próprios padres, os indígenas aprovaram as alterações, e
mudavam-se para suas casas antes mesmo de estarem completamente prontas (Blanco,
citado por MELIÀ, 1951, 197). Essas referências são com relação à implantação da primeira
redução jesuítica do Paraguai, San Ignacio Guasú, embora o modelo arquitetônico adotado
seja o mesmo das reduções do Guairá. Um fator que contribuiu para o sucesso dessas novas
habitações foi que, embora separadas, as famílias permanecem vizinhas umas das outras,
morando todas próximas aos seus caciques. Escavações arqueológicas sobre as ruínas de
San Ignacio Del Ypaumbucu demonstraram que as habitações dessa redução do
Paranapanema eram semi-subterrâneas, com meias paredes de terra, sendo as divisórias
completadas por paredes de troncos finos ou esteiras, e que a terra escavada dos cubículos
servira à própria construção das casas, que eram feitas de barro socado, segundo a técnica de
taipa de pilão, e ainda dos muros que separavam os quarteirões. A cobertura provavelmente
seria de palha, “uma vez que raros fragmentos de telhas foram encontrados no local”
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(CHMYZ, 2001, 09). Também foi encontrado um forno com capacidade para queima de até
500 telhas. “Internamente as pedras mostravam-se alteradas pelo forte calor, adquirindo
aspecto de metal derretido. No interior do forno foram encontrados fragmentos de escória de
fundição. Outros fragmentos de escória de fundição foram detectados em vários pontos da
redução, inclusive no interior da casas dos índios; fragmentos de minério de ferro, de alto
teor, também ocorreram em alguns locais do sítio” (CHMYZ, 2001, 08). A fundição de
metais era proibida aos estabelecimentos reducionais, estando este forno “embutido em um
recorte feito no solo” (ibidem).
Um último fator importante nessa intensificação dos processos de cristianização,
que se demonstra bastante acentuado no Paranapanema, advém da sua própria estabilidade.
Não foram encontradas referências a respeito de crises políticas, grandes fomes, ou intensos
processos de resistência, ao contrário, o que transparece é uma sólida base jesuíta, bem
estruturada, e em condições de auxiliar materialmente na instalação das reduções da região
do rio Tibagi.
Maquete da Redução de San Ignacio del Ypaumbucu, Museu Paranaense: Curitiba, 2001. By CARPANEZZI. M.
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7 Conclusões
7.1 Das Alianças Fundacionais
Em meio à dinâmica de alianças fundacionais entre chefes índios e padres jesuítas,
as aldeias e suas lideranças apropriavam-se da presença jesuítica e, num segundo momento,
do próprio estabelecimento reducional, em função de outra dinâmica, na maioria das vezes
político-militar, anterior à chegada jesuíta à região, mas ainda vigente durante o seu
estabelecimento, configurando-se interessantes situações.
Proeminentes autoridades indígenas, poderiam sentir-se ameaçadas pela presença
jesuítica, como ocorreu no Iguaçu. As aldeias locais não intimidavam Ambacatig, sendo
necessária a intervenção de uma milícia externa, para que a resistência fosse diluída em
autoridade na própria redução.
Entre Encarnacion e San Francisco Xavier, a dinâmica foi ainda mais interessante.
Aldeias menos temidas, menos populosas, menos bélicas, ou, simplesmente, pacíficas e
alheias ao tenso processo político característico à região de Encarnacion, podem ter sido as
primeiras a firmarem aliança com o distinto padre europeu, junto ao qual estabeleceriam
uma sociedade diferenciada, ainda inexistente na região, conferindo notoriedade aos
caciques co-fundadores. Isso justificaria uma tão veemente resistência encampada pelos
proeminentes caciques da região de Encarnacion, próximo passo dos planos jesuíticos. A
crise pode ter sido gerada por não terem sido eles, os escolhidos para o estabelecimento
dessa grande sociedade, ou ainda, por receio de terem seus poderes diminuídos em função
do novo empreendimento que se insinuava sobre suas terras.
Somos impedidos de formular uma proposição mais geral acerca da resistência de
caciques proeminentes em relação ao estabelecimento do modelo reducional, em virtude de
que o grande Taiaova pareceria mais inclinado à aliança com os padres jesuítas. Firmada,
essa aliança poderia corresponder ao interesse de ambos, ao menos inicialmente.
San Joseph ilustra o papel do índio já reduzido no estabelecimento de novas
alianças, caso semelhante ao do cacique Arapizandu, que saíra de San Ignacio, no
Paranapanema, para auxiliar aos padres a estabelecerem uma aliança fundacional no Iguaçu,
bem como tentar amenizar as fortes resistências locais.
Às aldeias de menor proeminência, uma aliança dessa natureza pareceria, na
maioria das vezes, uma oportunidade interessante, pois mesmo que não alcançassem uma
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expressividade política-militar, escapariam ao julgo de aldeias mais fortes. A referência a
uma resistência sufocadora das simpatias de algumas aldeias ao estabelecimento reducional
na região atesta a dinâmica existente.
A adesão de aldeias ao estabelecimento reducional, ou sua redução, apresentava-se
condicionada também a fatores externos. Durante o ano de 1627, tanto em Encarnacion,
quanto em Francisco Xavier, uma grande quantidade de famílias é registrada pelos jesuítas.
Sem dúvida tal acometimento encontra-se diretamente relacionado à atividade bandeirante,
portuguesa e Tupi, na região. O desenvolvimento material da redução após um período de
fome severa também pode ter constituído importante fator de atração.
7.2 Da Transformação da Vida Material à Conversão ao Cristianismo
Se considerarmos o cristianismo em seus aspectos espirituais, como forma de
relacionamento com o divino, torna-se mais difícil estabelecermos relações. Por não termos
tratado questões como a estudada religiosidade Guarani, nem sequer trabalhado a figura do
pajé, ou xamã, experimentaremos a análise do cristianismo enquanto fator de sociabilidade e
socialização. A norma que deveria ser respeitada para convivência harmônica entre os
elementos de uma mesma sociedade. Verdade aos poucos revelada, constantemente
reiterada, para, finalmente demonstrar-se assimilada através do sacramento da confissão
(NEVES, 1978, 73, 74).
A construção compartilhada de novos padrões de vida material que possibilitassem
a convivência social de inúmeras aldeias, nem sempre guaranis, às vezes inimigas entre si,
deveria ser informada por uma norma exterior que, respeitada, concedia a todos o direito de
pertencerem a essa sociedade. De início, havia uma única norma rigorosa, a de não comer
vossos inimigos. Condição à paz, uma vez que a antropofagia ritual sobrevive da vingança.
Algumas referências informam desrespeitos à essa norma, em uma delas, quando
do retorno do padre Provincial de San Xavier a las antiguas del Paranapane, este é
aconselhado a descer da embarcação devido à periculosidade das corredeiras. O provincial
desembarca, e segue pela margem, cujo trajeto possível às vezes afasta-se do leito pedregoso
do rio. As embarcações viram nas corredeiras, só não afundando porque os Guarani
atiraram-se na água e detiveram-nas. O provincial estava a meio caminho, e não percebeu o
ocorrido, ficando sozinho na mata “con uno solo indio, y aun este le llevava yo como
desterrado del pueblo de San Fran.co Xavier por averse comido un muchacho, para que
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pudiesse vivir con seguridad en las reducciones de abaxo porque los parientes del muchacho
comido ivan en su busca para comersele” (CORTESÃO, 1951, 218). Contudo, são raras as
referências desse tipo encontradas nas fontes, sendo aceitável a hipótese que a esta primeira
norma cristã houvesse um consenso social.
A restrição à prática da poligamia mostrou-se muito mais complicada, e, sobretudo
nas reduções incipientes, coalham descrições de resistências generalizadas. Nas reduções do
Paranapanema, a prática da confissão fora instituída por ordem do Provincial, e as fontes
passam a relatar os casos mais edificantes de resistência à prática social por meio da norma
cristã. A extinção dessa prática não parece hipótese passível de aceitação, contudo, é
possível que tenha, ao menos no pueblo, alcançado índices consideráveis de restrição. A
reestruturação habitacional em muito contribuiria para tanto, estabelecendo e propiciando a
disseminação de focos familiares monogâmicos. A vigilância no pueblo também era maior,
e a vida girava cada vez mais em função do pueblo. A repreensão, por parte do padre,
também não deveria ser muito agradável, ao menos enquanto domínio público, ao indivíduo.
O grau de assimilação individual das normas que analisamos sob o prisma social,
convertendo-as em ideal, valor, ou princípio, em relação ao Divino, ou seja, a efetiva
conversão aos preceitos cristãos, pertence ao terreno da subjetividade característica a cada
pessoa, e embora uma cultura possa ser, no geral, considerada mais ou menos receptiva à
transcendência em direção ao Divino, não nos propomos à analise sob tal ângulo.
Cabe a ressalva de que a cristianização também incluía a propagação dos
princípios cristãos de amor ao próximo, de solidariedade social, da possibilidade de
convivência pacífica com antigos inimigos, que também eram ensinados às crianças, mas
não queremos dizer com isso, que os Guarani ainda não os soubessem.
7.3 Yvy Marane’y
Na obra Tesoro de la lingua Guarani, de Montoya, a expressão “yvy marane’y”
aparece traduzida como “suelo intacto, que no ha sido edificado” (MELIÀ, 1988, 107).
Ascepções que indicariam um uso ecológico e econômico do termo, bem diferente do atual
sentido que a expressão possui entre os Guarani atuais, “del significado religioso y místico
de tierra sin mal” (MELIÀ, 1988, 108).
A partir dessas considerações, a “terra sem mal” dos índios Guarani estaria
originariamente vinculada ao seu modo de viver semi-nômade. Mudando de sítio a cada três
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ou quatro anos, em busca de terras mais férteis. Nesses momentos a figura do pajé se
tornava importante, para que tivessem sucesso no novo local.
A perda da mobilidade espacial foi talvez a maior perda da cultura Guarani. A
redução, ainda que mudasse de posto nos anos iniciais, ou em alguma situação específica,
visava um estabelecimento definitivo, a estruturação de uma sociedade através da
introdução de novos padrões de elaboração da vida material e da adaptação, ou mesmo
assimilação, de padrões pré-existentes, em função do desenvolvimento de uma sociedade
configurada ritual e socialmente, ao cristianismo. O princípio fundamental da redução, ao
menos o intuito jesuíta, seria a transformação da vida material dos índios, com vistas a
proporcionar-lhes uma nova concepção religiosa, inaugurada pelo ritual cristão.
Seguramente esta assimilação passava por alterações nos traços culturais básicos
que conflitavam com os padrões cristãos, sobretudo a antropofagia e a poligamia, mas a
sedentarização também era exigência à vida em redução, e os índios não eram obrigados a
reduzir-se ou a permanecerem nas reduções, mas é de supor-se que grande parte desejava
permanecer na redução e cooperaria, estimulado pelo padre, à manutenção dessa sociedade,
onde o cristianismo foi fator constituinte, e, ao nosso ver, ao menos no Guairá, importante
elemento de sociabilidade e socialização entre as diversas aldeias que passariam a conviver
em uma nova sociedade que se configurava.
Intensificam-se as conseqüências sobre a mobilidade espacial Guarani, à medida
que a área reducional vai sendo compactada em virtude dos ataques externos, com sensível
diminuição dos espaços secundários, os espaços que permeavam do pueblo às chácaras
originais indígenas, anteriores à iniciativa reducional, e que foram integradas, conformando
os limites reducionais, além das áreas preferidas à caça, pesca e coleta. Vale lembrar que a
experiência reducional do Guairá orientou novas elaborações reducionais, ainda no século
XVII, no atual Paraguai e também no Rio Grande do Sul, por isso às vezes nos referimos ao
Guairá como laboratório da experiência reducional jesuítica.
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7.4 Aos Campeiros, Cabeludos ou coroados
Los successos de la Reduccion de la incarnacion estan tan pendentes con los de esta nacion que no se pueden entender los unos sin los otros Desde esta reduccion de la incarnacion como vimos se comiençan a estender muy dilatados campos, que dan nombre a los muchos indios que los habitan y se llaman camperos, a distincion de las demas naciones que todos viven en los montes y rios. Los mismos se llaman tanbien cavelludos porque traien tendido el cavello tan crecido que les cubre los ombros solo cercenado por toda la friente hasta las orejas. Dixense con otro nombre coronados porque aun las mujeres y niños usan a abrirse las coronas como los fryles. (CORTESÃO, 1951, 242)
Embora a instituição reducional tenha se consagrado estruturada sobre a figura do
índio Guarani, agricultor e sujeito de uma elaborada cosmologia místico-religiosa, as figuras
dos índios Campeiros, Cavelludos, ou Coroados, são muito constantes nas fontes. Algumas
reduções estabeleceram-se exclusivamente junto a esses índios. Em outras, eles conviveram
junto aos Guarani, como nas do Paranapanema (CORTESÃO, 1951, 228), ou na já
mencionada anteriormente, redução de um cacique de índios campeiros, inimigo de
Pindoviiú, em Encarnacion.
Consideramos de extremo valor um estudo aprofundado acerca do processo
reducional desses índios, inclusive para maiores esclarecimentos a respeito do tema
proposto e debatido neste trabalho. Quais os fatores que teriam levado esses índios a
reduzir-se, como se deu entre eles o desenvolvimento de novos padrões de vida material, e
como incidiram sobre essas nações os processos de cristianização? Questões interessantes
cuja amplitude deste trabalho não nos permitiu abarcar.
7.5 À Arqueologia
Consideramos, finalmente, que o estudo de caso das reduções jesuíticas do Guairá,
assim como de seu processo fundacional, e dos fatos que lhes cercam e inter-relacionam,
tem muito a contribuir a futuras investigações arqueológicas.
Encontramos três modelos fundacionais nos casos estudados. O modelo de San
Xavier, cujas chácaras atacadas pelos Tupi e portugueses, reestruturaram-no, gerando um
modelo mais compactado, cujas chácaras localizavam-se mais próximas ao pueblo, o que
pode gerar uma intensificação da vida comum em função do pueblo, podendo interferir na
disposição dos vestígios arqueológicos sobre o terreno. E o modelo fundacional do
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Paranapanema, cuja estabilidade proporcionou padrões de desenvolvimento da vida material
bastante diferenciados.
Cabe citar, também, o caso da redução de Encarnacion que existiu “só no nome”,
por um período de dois anos, recorrendo ao publo sua população “reduzida”,
esporadicamente. Somente em 1627, Encarnacion estabeleceria-se segundo um modelo
fundacional mais compactado, priorizando a função de defesa da área reducional.
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REFERÊNCIAS
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