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Ciência Animal, 22(1): 20-32, 2012 – Edição Especial Ciência Animal, 22(1), 2012 Palestra apresentada no VI Congresso Norte Nordeste de Reprodução Animal, Fortaleza, CE, Brasil, 27 a 29 de junho de 2012. 20 ÁGUA DE COCO EM PÓ EM BIOTÉCNICAS DA REPRODUÇÃO DE CAPRINOS (Powdered coconut water in biotechnologies of reproduction in goats) Cristiane Clemente de Mello SALGUEIRO 1 , José Ferreira NUNES 2 1 Universidade Potiguar (UnP) 2 Universidade Estadual do Ceará (UECE) *E-mail: [email protected] RESUMO O uso de biotecnologias reprodutivas objetiva a obtenção do melhoramento genético dos animais de interesse econômico. A utilização dessas biotecnologias, como o uso de diluentes seminais associados a processos de preservação por refrigeração ou congelação, seguidos de inseminação artificial, visa aumentar o número de animais disponíveis para seleção, diminuindo o intervalo entre gerações e obtendo-se ganho genético pelo aumento da eficiência reprodutiva de machos e fêmeas caprinas. Dentre os diluentes seminais, estudos vêm sendo realizados com o uso da água de coco in natura desde a década de 80 e, mais recentemente, com a água de coco em pó desde 2002, apresentando resultados satisfatórios quanto à preservação espermática. Palavras-chave: Biotecnologia; Reprodução; Caprinos; Água de coco em pó ABSTRACT The use of reproductive biotechnologies search breeding of animals of economic interest. The use of these biotechnologies, such as the use of sperm extenders associated with the processes of preservation by cooling or freezing, followed by artificial insemination, aimed to increasing the number of animals available for selection, reducing the generation interval and obtaining genetic gain by increasing reproductive performance of bucks and dams. Among the sperm extenders, studies are being conducted with the use of fresh coconut water since the 80’s and, more recently, with

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27 a 29 de junho de 2012. 20

ÁGUA DE COCO EM PÓ EM BIOTÉCNICAS DA REPRODUÇÃO DE

CAPRINOS

(Powdered coconut water in biotechnologies of reproduction in goats)

Cristiane Clemente de Mello SALGUEIRO1, José Ferreira NUNES

2

1 Universidade Potiguar (UnP)

2 Universidade Estadual do Ceará (UECE)

*E-mail: [email protected]

RESUMO

O uso de biotecnologias reprodutivas objetiva a obtenção do melhoramento genético

dos animais de interesse econômico. A utilização dessas biotecnologias, como o uso de

diluentes seminais associados a processos de preservação por refrigeração ou

congelação, seguidos de inseminação artificial, visa aumentar o número de animais

disponíveis para seleção, diminuindo o intervalo entre gerações e obtendo-se ganho

genético pelo aumento da eficiência reprodutiva de machos e fêmeas caprinas. Dentre

os diluentes seminais, estudos vêm sendo realizados com o uso da água de coco in

natura desde a década de 80 e, mais recentemente, com a água de coco em pó desde

2002, apresentando resultados satisfatórios quanto à preservação espermática.

Palavras-chave: Biotecnologia; Reprodução; Caprinos; Água de coco em pó

ABSTRACT

The use of reproductive biotechnologies search breeding of animals of economic

interest. The use of these biotechnologies, such as the use of sperm extenders associated

with the processes of preservation by cooling or freezing, followed by artificial

insemination, aimed to increasing the number of animals available for selection,

reducing the generation interval and obtaining genetic gain by increasing reproductive

performance of bucks and dams. Among the sperm extenders, studies are being

conducted with the use of fresh coconut water since the 80’s and, more recently, with

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the powdered coconut water since 2002, with satisfactory results related to sperm

preservation.

Key words: Biotechnology; Reproduction; Goats; Powdered coconut water

INTRODUÇÃO

O uso de biotecnologias reprodutivas objetiva a obtenção do melhoramento

genético dos animais de interesse econômico, buscando atingir três objetivos

fundamentais: o aumento do número de animais disponíveis para a seleção e, por

consequência, a diminuição do intervalo de geração, e a obtenção de ganho genético, o

que se dá pelo aumento da eficiência reprodutiva de machos e fêmeas (Martins Filho &

Martins, 2010).

A geração de tecnologias e sua transferência ao setor produtivo ainda não

conseguiu modificar o perfil da cadeia produtiva de caprinos no Brasil. A dispersão das

tecnologias, assim como da própria cadeia produtiva, e a falta de recursos humanos

qualificados em todos os níveis, parece ser o maior problema que enfrentamos.

A falta de um modelo produtivo para a região, estratificado para a produção de

carne, leite e pele através da utilização de tecnologias aplicadas, junto com a eleição de

raças mais adequadas aos propósitos regionais, poderá solucionar o problema.

A introdução de normas de manejo tecnificado nos sistemas de produção, assim

como um programa de melhoramento genético que vá de encontro às necessidades dos

produtores da região, deverá receber toda a prioridade.

A criopreservação de sêmen e embriões de animais geneticamente superiores

poderá, através do trabalho de controle zootécnico, inseminação artificial (IA) e

transferência de embriões, aumentar a produtividade ponderal e numérica dos rebanhos.

Para tanto, apresentaremos a seguir algumas das biotécnicas da reprodução que

podem ser aplicadas à criação de caprinos.

Refrigeração seminal

O fundamento da refrigeração do sêmen é prolongar a capacidade de fertilização

dos espermatozoides ao reduzir ou deter sua motilidade e suas reações metabólicas. O

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método de conservação por refrigeração consiste em refrigerar o sêmen diluído dos 30

ºC aos 15 ºC ou, com maior frequência, aos 5 ºC. Deve-se evitar a rápida queda de

temperatura entre 18 ºC a 5 ºC, pois, nessa faixa de temperatura, os espermatozoides são

mais sensíveis ao choque térmico. O choque térmico causa perda irreversível da

motilidade, da atividade metabólica e da capacidade de fertilização, o que resulta em

alterações na membrana espermática (Maxwell & Evans, 1990). A velocidade de

refrigeração do sêmen deve estar entre 0.25 e 0.35 ºC/min até alcançar a temperatura de

5 ºC, mantendo, desta maneira, a motilidade dos espermatozoides em baixos níveis por

algumas horas ou dias (Machado & Simplício, 1995).

O sêmen caprino diluído em leite e refrigerado a 15 ºC mantém sua viabilidade

até 12 horas quando refrigerado a 5 ºC, podendo manter um nível aceitável de

fertilidade até 48 horas (Evans & Maxwell, 1987).

A refrigeração do sêmen de caprino a 4 ºC utilizando diluentes à base de água de

coco tem mostrado bons resultados. Nunes & Silva (1984) demonstraram que o sêmen

de caprinos da raça Anglo Nubiana diluído em água de coco e refrigerado a 4 ºC era

viável por um período de 10-12 horas.

Nunes & Salgueiro (1999) observaram que o sêmen de animais da raça Saanen

diluído em água de coco e refrigerado a 4 ºC manteve-se viável durante 48 horas e com

qualidade superior ao sêmen dos mesmos animais refrigerado em diluente à base de

leite desnatado. Os testes de determinação da qualidade de movimento e de

porcentagem de espermatozoides móveis às 2, 4, 6, 8 e 24 horas de incubação a 15 ºC

mostraram valores mais altos nos espermatozoides conservados em diluente à base de

água de coco que nos diluídos em leite desnatado (Nunes et al., 1994).

Utilizando diluente à base de água de coco e refrigerado a 4 ºC, Oliveira et al.

(1996) alcançaram 50% de fertilidade em cabras da raça Saanen e nativas através de IA.

A adição de glicerol ao sêmen diluído em água de coco-gema não afeta a cinética dos

espermatozoides. Assim, em cabras nativas inseminadas com sêmen refrigerado da raça

Saanen, diluído em água de coco-gema-glicerol, obtiveram-se taxas de fertilidade de

41,29% e 54% para o sêmen conservado em refrigeração durante 12 e 24 horas,

respectivamente (Figueirêdo et al., 2002).

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Congelação seminal

Segundo Hunter (1982), para congelar o sêmen e poder usá-lo posteriormente

com bons resultados, é necessário se ter em conta uma série de fatores chave: o diluente

e a concentração de células; o agente crioprotetor adequado e sua concentração no meio;

o tempo e a temperatura de equilíbrio; a natureza da curva de congelação; a natureza da

curva de descongelação; a utilização de um procedimento específico de descongelação;

a maneira de se eliminar o agente crioprotetor (diluição ou diálise).

De acordo com Hopkins & Evans (1991), a sensibilidade dos espermatozoides às

mudanças de temperatura é determinada pela ação protetora do plasma seminal e pela

integridade da membrana espermática. Sendo que a última depende ainda da

composição básica dos lipídios/proteínas e da proporção colesterol/fosfolipídios

presente na mesma.

A congelação do sêmen em caprinos têm além dos problemas comuns às outras

espécies, como a formação de cristais de gelo e aumento da concentração intra e

extracelular de solutos, características ou particularidades na composição de seu plasma

seminal, como a presença de fosfolipases produzidas pelas glândulas bulbouretrais

(Mateos-Rex & Aguilar, 1996).

Quando o sêmen é congelado sem a eliminação do plasma seminal (não-lavado),

os ejaculados recém colhidos podem ser diluídos pela adição de um meio que contenha

glicerol a 30 °C (uma fase), refrigerados em 1-1,5 horas para chegar a 4-5 °C e

congelados sem tempo de equilíbrio (Ritar et al., 1990). Alternativamente, a diluição do

sêmen não-lavado pode ser realizada em duas fases, a primeira depois da colheita (30

ºC) com um diluente que não contenha glicerol, e a segunda depois da refrigeração (4-5

°C) com um diluente que contenha glicerol, seguido de um tempo de equilíbrio de 1,5

horas antes da congelação.

Qualquer que seja o método utilizado para a congelação, são observadas

diferenças entre os indivíduos com relação à “congelabilidade” e à capacidade

fertilizante do sêmen (Corteel et al., 1987).

Na atualidade, na congelação de sêmen caprino, são utilizadas palhetas francesas

de 0,25 mL ou 0,50 mL. Esta técnica consiste colocar as palhetas com sêmen, durante

cinco minutos, a 3 cm de distância dos vapores de nitrogênio líquido (NL) a uma

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temperatura de -60 ºC, submergindo-as na sequência em NL e armazenando-as em

botijões de NL (-196 ºC) (Vázquez, 1993).

Independentemente do método utilizado, deve-se levar em consideração que a

velocidade de congelação deve ser rápida suficiente para prevenir a formação de cristais

de gelo intracelulares e lenta suficiente para prevenir a perda de conteúdo intracelular.

De acordo com Maxwell & Evans (1990), o sêmen deve ser descongelado tão rápido

quanto foi a congelação para permitir uma rápida recuperação espermática. Deve

também ser levado em conta que o sêmen congelado se deteriora rapidamente após a

descongelação, então a descongelação deve ser realizada próxima ao momento da IA

(Hunter, 1982).

Além de facilitar o emprego da IA, o sêmen congelado também permite ser

armazenamento e transportado entre propriedades e a utilização de bodes em um

número maior de fêmeas do que seria obtido em condições naturais de acasalamento

(Xavier et al., 2009).

Apesar dessas vantagens, ainda existem limitações ao uso de sêmen congelado,

bem como dificuldades na sua implementação devido à capacidade fertilizante do

sêmen congelado ser menor comparada à obtida com o sêmen fresco (Salamon &

Maxwell, 1995).

Diluentes seminais

Hafez (1995) sugere que um bom diluente deve: proporcionar nutrientes como

fonte de energia; proteger os espermatozoides dos efeitos deletérios do frio;

proporcionar um meio tampão; manter a pressão osmótica adequada; inibir o

crescimento bacteriano; aumentar o volume do ejaculado; e proteger as células

espermáticas durante a congelação.

Os diluentes diferem em sua composição dependendo da espécie animal, da

utilidade que se dará ao sêmen, da temperatura e do tempo no qual o mesmo será

conservado diluído (Hopkins & Evans, 1991).

A capacidade tamponante de um diluente tem grande importância para o sêmen

caprino. Por isso, é necessário manter o pH entre 6.2 e 6.8 (Martín & Alfonso, 1985).

Vázquez et al. (1989) consideram que a pressão osmótica dos diluentes de sêmen

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caprino deve estar entre 300 e 330 mOsm/Kg H2O. Para inibir o crescimento de

microrganismos no sêmen, é adicionada penicilina, estreptomicina, gentamicina,

polimixina B ou outra combinação de antibióticos de amplo espectro para controlar os

vários tipos de micróbios encontrados (Hafez, 1995).

Normalmente são utilizados dois tipos de diluente, de refrigeração e de

congelação. O diluente de refrigeração não contém glicerol já que este, em temperatura

ambiente, é muito tóxico para os espermatozoides. O glicerol, assim como o

etilenoglicol, são crioprotetores penetrantes que atuam reduzindo os dados celulares,

prevenindo os efeitos deletérios do choque térmico (Vishwanath & Sahnnon, 2000). A

concentração do glicerol usada por diferentes pesquisadores varia de 3% a 9%,

preferencialmente de 4-7% no sêmen diluído.

No método de Corteel (1987), o leite desnatado com 14% de glicerol é

adicionado a 4°C em três passos, com intervalo de 10 minutos, resultando em uma

concentração final de glicerol de 7% e uma concentração espermática de 400 a 500 x

106 espermatozoides por mL. No método de Ritar & Salamon (1982) o diluente à base

de TRIS com glicerol é adicionado ao sêmen não-lavado em um passo a 30 ºC, sendo a

concentração final de glicerol e gema de ovo de 4% e 20%, respectivamente, no sêmen

diluído (Evans & Maxwell, 1987). A adição de glicerol a 5 ºC não apresentou vantagens

sobre a adição a 30 ºC (Tuli & Holtz, 1994).

Diluentes seminais alternativos – a água de coco em pó

A busca por produtos naturais, exclusivamente de origem vegetal, com baixo

risco de transmissão de doenças e capacidade de incrementar a viabilidade espermática

levou os pesquisadores a buscarem um diluente alternativo para a criopreservação

espermática. Dentre eles, a água de coco tem sido usada desde os anos 80 e 90,

principalmente na conservação de células espermáticas.

Os primeiros resultados obtidos com a água de coco in natura levaram os

pesquisadores a aprofundarem os estudos no sentido de padronizá-la e estabilizá-la na

forma de pó (ACP), para que a mesma, em não perdendo suas características físico-

químicas, tivesse seu uso simplificado, podendo representar uma alternativa para a

difusão de várias biotecnologias, fato alcançado no início de 2002.

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No que diz respeito às inovações biotecnológicas, a água de coco tem sido

utilizada em várias biotecnologias relacionadas à reprodução animal. Excelentes

resultados têm sido obtidos com o uso da água de coco em estudos de preservação

seminal em animais domésticos como caprinos, ovinos, bovinos, bufalinos, suínos,

caninos, equinos, coelhos, galos, felídeos, peixes de água doce como tambaqui, carpa,

pirapitinga, além de animais silvestres como o macaco-prego.

O uso de diluentes pobres em fosfolipídios na biotecnologia de criopreservação

do sêmen caprino suprime o processo de lavagem ao qual o sêmen era submetido antes

da diluição nos meios convencionais (Machado, 1991).

As vantagens incluem não somente o fato de ser um produto natural de origem

vegetal, como aumentar a viabilidade a 4 ºC por até 48 horas e a motilidade pós-

descongelação, permitindo seu uso em IA por via cervical com taxas que superam as

atualmente praticadas.

Inseminação artificial

Para que a reprodução seja econômica e competitiva, a única forma de aumentar

a produtividade é não perder de vista a rentabilidade. Isso requer uma revisão dos

conceitos obsoletos e um novo enfoque para programas de desenvolvimento

reprodutivo, como a inseminação artificial em tempo fixo (IATF), que está direcionando

os esforços dos criadores tanto para ganhos qualitativos (genéticos) como quantitativos

(número de crias nascidas).

A IA é uma das técnicas mais simples e de baixo custo empregada na área da

reprodução animal e a que apresenta o melhor resultado quando se deseja realizar a

seleção e o melhoramento genético de um rebanho em seu conjunto. O melhoramento

genético é obtido através da utilização do sêmen de reprodutores de comprovado valor

zootécnico e de seu uso em rebanhos selecionados através do processo de IA. Apesar de

sua simplicidade, a IA requer um controle cuidadoso e rigoroso das distintas etapas,

desde a seleção do reprodutor doador de sêmen, passando pelo processamento

tecnológico deste, seleção e controle do rebanho, até o treinamento do inseminador.

Com a IATF, toda a reprodução fica sobre o controle do produtor. Através desta

técnica, as matrizes tratadas são inseminadas em um momento determinado, sem a

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necessidade de se observar os cios. Portanto, o produtor pode inseminar mais matrizes

em menos tempo, programar a inseminação e o nascimento das crias, aumentar o

número de produtos nascidos de IA no começo da estação de parição e obter um melhor

aproveitamento de mão de obra.

Resultados da utilização do diluente à base de água de coco em caprinos

Os primeiros estudos utilizando a agua de coco como diluente para sêmen

caprino foram realizados por Nunes (1986) na cidade de Maceió, Alagoas, de setembro

de 1985 a dezembro de 1987. Após duas horas de incubação a 37 ºC foi observado que

tanto o vigor espermático (VE) como a porcentagem de espermatozoides móveis (PEM)

foi maior quando o sêmen foi diluído em uma solução à base de agua de coco que

quando foi diluído em leite desnatado (Tab. 1).

Tabela 1: Avaliação in vitro a 37 ºC da porcentagem de espermatozoides móveis

(PEM) e da motilidade individual progressiva (MIP) do sêmen caprino diluído em água

de coco ou leite (Adaptado de Nunes, 1986)

Tempo de Incubação

(minutos)

Água de coco

(PEM e MIP)

Leite

(PEM e MIP)

5 80 – 4.50 80 – 4.00

30 80 – 4.50 70 – 4.00

60 75 – 4.50 70 – 3.50

90 70 – 4.50 60 – 3.00

120 70 – 4.50 60 – 3.00

A motilidade individual progressiva dos espermatozoides diluídos em água

de coco permanece elevada desde o início da incubação até o final da mesma, duas

horas depois, enquanto que no leite-glicose há uma degradação da motilidade de 25%,

podendo esta perda comprometer a qualidade do sêmen (Nunes & Salgueiro, 1999).

Foram obtidos resultados similares quando se utilizou a água de coco ou leite na

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diluição e refrigeração do sêmen a 4 °C (Tab. 2) e em seu uso na inseminação artificial

de cabras que tiveram seus estros sincronizados através de hormônios (Tab. 3).

Tabela 2: Avaliação in vitro a 37º C da porcentagem de espermatozoides móveis

(PEM) e da motilidade individual progressiva (MIP) do sêmen caprino diluído em água

de coco ou leite e conservado por 48 horas a 4 ºC (Adaptado de Nunes, 1986)

Tempo de Incubação a 4 ºC

(horas)

Água de coco

(PEM e MIP)

Leite

(PEM e MIP)

6 80 – 4.00 70 – 3.00

12 70 – 4.00 60 – 3.00

24 60 – 3.00 30 – 2.00

36 45 – 3.00 10 – 1.00

48 30 – 2.50 05 – 0.50

Tabela 3: Fertilidade de cabras inseminadas com sêmen caprino diluído em água de

coco ou leite (Adaptado de Nunes, 1986)

Parâmetros Água de coco Leite

Fertilidade aos 60 dias (%) 88 (194) 85 (136)

Taxa de parição (%) 68 (150) 60 (96)

Taxa de prolificidade (%) 180* (266) 110** (105)

Proporção de fêmeas (%) 72 (194) 43 (45)

Proporção de machos (%) 28 (72) 57 (60)

( ) Número de cabras ou crias; *P < 0,05.

Com o uso da inseminação artificial com sêmen caprino diluído em água de coco

e refrigerado a 4 ºC foram obtidas taxas de parição acima de 60% (Tab. 4).

Alguns dados de inseminação artificial de cabras com o uso de sêmen diluído em

água de coco são apresentados nas tabelas 5-7 a seguir.

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Tabela 4: Eficiência reprodutiva de cabras sem padrão racial definido, Saanen e Marota

inseminadas artificialmente com sêmen diluído em água de coco e refrigerado a 4 ºC

(Adaptado de Nunes, 1986)

Parâmetros 1º ano 2º ano 3º ano

Fertilidade baseada no não retorno ao estro (%) 82 87 85

Taxa de parição (%) 63 72 73

Prolificidade 1.83 1.78 1.00

Proporção de machos (%) 28 (26) 30 (79) 27 (21)

( ) Número de crias.

Tabela 5: Fertilidade e prolificidade de cabras inseminadas com sêmen diluído e

congelado em água de coco in natura (ACIN) e TRIS

Parâmetro ACIN TRIS

Fertilidade (%) 47,69 (65) 40,63 (64)

Prolificidade 1.80 [56] 1.77 [46]

( ) número de cabras inseminadas; [ ] número de crias nascidas (Salgueiro, 2003).

Tabela 6: Fertilidade de cabras inseminadas com sêmen diluído em água de coco in

natura (ACIN) ou em pó (ACP-101)

Parâmetro ACIN ACP-101

Taxa de concepção aos 17 dias 63,33 (11) 88,89 (09)

( ) número de cabras inseminadas (Salgueiro et al., 2002).

Tabela 7: Fertilidade de cabras inseminadas com sêmen diluído e congelado em água

de coco em pó (ACP-101c)

Parâmetro Total Prenhez

Taxa de fertilidade aos 30 dias 37 18 (48,64%)

Nunes et al. (2010).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o conhecimento dos mecanismos fisiológicos da reprodução é possível se

realizar um planejamento adequado do manejo reprodutivo do rebanho. Uma vez que as

fêmeas de raças tropicais apresentam atividade reprodutiva durante todo o ano, e que os

machos produzem uma quantidade extraordinária de espermatozoides durante todo o

ano, sugere-se o uso de biotécnicas, como a IA, que objetivem maximizar a eficiência

reprodutiva. Obviamente que o êxito do uso dessas ferramentas para o melhoramento

genético depende do manejo geral, em particular da nutrição e sanidade do rebanho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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