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O TRABALHO NA RELAÇÃO CAMPO-CIDADE EM MACAÚBAS- BA1
Fátima Crislaine Batista Rocha (UESB)2
Victor Andrade Silva Leal (UESB)3
GT7: TRABALHO, FLEXIBILIZAÇÃO E PRECARIZAÇÃO
RESUMO
Este artigo traz uma reflexão sobre o trabalho através da realidade objetiva de sujeitos trabalhadores
do campo e da cidade. Parte-se de uma pesquisa empírica sobre o município de Macaúbas-BA,
iniciada em 2012, e uma construção teórica obtida com o apoio do Grupo de Pesquisa Trabalho,
Mobilidade e Relação Campo-Cidade e do Grupo de Pesquisa Estado, Capital, Trabalho e as Políticas
de Reordenamentos Territoriais. Os dados retratam o processo de imposição do capital nas relações de
trabalho ocorridas nesse espaço-tempo, e como a precarização do trabalho condiciona os sujeitos numa
relação entre campo-cidade.
PALAVRAS-CHAVE: Trabalho, precarização, relação campo-cidade.
INTRODUÇÃO
A exploração do ser humano se acentua com a consolidação do trabalho assalariado no
capitalismo, enquanto necessidade maior e base para a reprodução da classe detentora dos
meios de produção. Visando o acúmulo de capital, essa relação díspar entre classes se sustenta
1 Trabalho destinado ao IV ENCONTRO NACIONAL (ENGPECT) e X FÓRUM do Grupo de Pesquisa Estado,
Capital, Trabalho/GPECT a realizar na Universidade Federal de Sergipe (Campus de São Cristóvão) de 09 a 11
de agosto de 2017, Brasil. Mestranda e bolsista-UESB do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGeo), com área de concentração
em “Produção do Espaço”, na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Pesquisadora vinculada ao
grupo de pesquisa Trabalho, mobilidade do trabalho e relação campo-cidade e ao Grupo de Pesquisa Estado,
Capital, Trabalho e as Políticas de Reordenamentos Territoriais” (GPECT), da Universidade Federal de Sergipe
(UFS). Mestrando e bolsista-UESB do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGeo), com área de concentração
em “Produção do Espaço”, na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Pesquisador vinculado ao
grupo de pesquisa Trabalho, mobilidade do trabalho e relação campo-cidade e ao Grupo de Pesquisa Estado,
Capital, Trabalho e as Políticas de Reordenamentos Territoriais” (GPECT), da Universidade Federal de Sergipe
(UFS).
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por vias legais da exploração do trabalho, no seu assalariamento, e supostamente, na sua
precarização, segundo Harvey (2006).
Através da extração da mais-valia acumula-se capital e nesse movimento contínuo de
sugar trabalho é que o próprio capital detém forças e toma as rédeas de sua reprodução na
sociedade, através do valor, constituindo em sua autovalorização, que adentra
ideologicamente e concretamente espaços agrários e urbanos. Na situação atual, com os
baixos salários e a terceirização, os trabalhadores se sujeitam a mais de uma forma de
trabalho, reproduzindo por vezes na mobilidade entre o campo e a cidade e vivendo a
precarização do trabalho expressando a luta de classes nesses espaços.
Na intenção de entender o trabalho, enquanto categoria fundante na relação entre
sociedade e natureza, bem como a forma contraditória da relação capital-trabalho, trazemos a
realidade de muitos trabalhadores do município de Macaúbas – BA. O mapa 1 que aponta a
localização do município de Macaúbas e as comunidades pesquisadas pode ser observado
abaixo:
Mapa 1- Localização do município de Macaúbas, e dos povoados pesquisados, 2012.
Como se pode notar no Mapa 1, os pontos de análise no campo se distribuíram numa
região entre cinco povoados, que são: Catulé, Pau D’arco, Pajeú do Pau D’arco, Serrote e
Carrapato, e pontos estratégicos da cidade. Em um dado momento da pesquisa, foram
aplicados 30 questionários no campo, e 30 questionários na cidade, trazendo um entendimento
singular do município através de informações sociais, políticas e econômicas, além de
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entrevistas e dados institucionais. Ressalta-se que, atualmente, a pesquisa busca aprofundar as
transformações no mundo do trabalho que ocorrem no campo e na cidade. Por um lado, tal
processo intensifica a mobilidade do trabalho no campo e a expansão da proletarização e, por
outro, a precarização das relações de trabalho desses sujeitos que se reproduzem, sobretudo,
nos espaços da periferia urbana, quando não tem que realizar deslocamentos mais distantes,
para fora do estado, em busca do trabalho.
Numa abordagem geral, segundo o Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), o município de Macaúbas possui uma população total de 47.067
habitantes, sendo a população urbana de 15.410 habitantes e a população rural 31.657 (IBGE,
2010). Tais números refletem uma pequena cidade, frente a um campo extenso, em questão de
habitantes e em território. Pode se atentar para a permanência camponesa, bem como uma
ligação forte dos trabalhadores da cidade com o campo, seja por relações sociais e familiares
de origem, e/ou econômicas mediadas pelas relações de trabalho. Apesar dessa realidade,
estudos mais recentes realizados no município apontam que mesmo contando com uma
população predominantemente rural, existem evidências concretas de um processo crescente
de proletarização dessa população, viabilizada, dentre outras questões, pelo controle privado
sobre a terra rural, bem como o processo de expansão e valorização do solo urbano.
Tendo por método de análise o materialismo histórico e dialético, traremos uma
análise conceitual da categoria trabalho no modo de produção capitalista, fundamentada
através da reflexão sobre as condições concretas de trabalho em Macaúbas, um debate
científico para a geografia. Portanto, realidade e epistemologia da ciência são processos que
tem por base a materialidade social em transformação. Para se ter uma melhor compreensão,
traremos a conceitualização teórica já embasada historicamente, sendo mais específica na
temática sobre o trabalho no modo de produção capitalista, e logo em seguida, um recorte
reflexivo da realidade em Macaúbas, reconstruindo teoricamente, o conhecimento sobre as
relações de trabalho na contemporaneidade.
1. TRABALHO, A RELAÇÃO CAPITAL-TRABALHO, E A PRECARIZAÇÃO.
Do ponto de vista científico e filosófico, sabe-se que o ser humano ao modificar a
natureza, modifica a si mesmo, pois, segundo Lessa e Tonet (2011), o ser humano, se faz
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humano, diferente do animal, ao pré-idear novos conhecimentos e objetivá-los na natureza
para satisfazer suas necessidades. Ao transformá-la, cria uma nova situação, que cria concreta
e ideologicamente novas necessidades humanas, num movimento cíclico e continuo de
gerações humanas e espaços diferenciados.
A casualidade dada pela natureza e posta pelos seres humanos em sociedade
(relações sociais) para a reprodução da vida no mundo, não faz destes dominadores da
natureza, mas, de outro modo, sujeitos a ela e à própria totalidade social.
Assim, a transformação da natureza pelo ser humano é realizada através do trabalho,
sendo este a categoria mediadora da relação entre homem-natureza, pois, conforme Marx
(apud ANTUNES, 2004, p. 26), “como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o
trabalho, por isso, uma condição de existência do homem, independente de todas as formas de
sociedade, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e,
portanto, vida humana”.
Dessa forma, ao transformar a natureza por meio do trabalho, os seres humanos
criam coisas úteis, valores de uso, “[...] coisas que sirvam para satisfazer a necessidades de
alguma espécie” (MARX, 1983, p. 149). Sendo assim, o trabalho útil perpassou por todas as
sociedades, estando presente no trabalho escravo, feudal, assalariado, ou qualquer outro.
Mas o trabalho não é simples ação humana sobre a natureza. Existe todo um
complexo referente à forma como esse trabalho está articulado na sociedade, sob os valores e
éticas do dado momento histórico e sua condição concreta e econômica na produção do
espaço.
A sociedade primitiva, por exemplo, se reproduzia em terras coletivas de forma
nômade e/ou seminômade. Nesse momento o trabalho está relacionado à sobrevivência que
ocorre de forma coletiva, com a captação de alimentos e a produção de instrumentos
rudimentares. Com o processo de sedentarização, ou seja, com a inserção da agricultura e o
aprimoramento das técnicas, a sociedade passa a se fixar no espaço e a se organizar em clãs
(famílias), numa divisão social do trabalho interna e patriarcal baseada na propriedade privada
que surge nesse processo. Na realização do trabalho percebem que o sustento familiar é
garantido com o aumento da produtividade. Aqui, tem-se o início da produção de excedente e
com ela o surgimento da mercadoria – mesmo que em sua forma ainda germinal – pois ao
produzir este excedente, até mesmo enquanto meios de produção, o mesmo pode ser trocado
direta ou indiretamente conforme os valores e necessidades dos diferentes clãs, por outras
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mercadorias ou até mesmo por serviços, caracterizando-se como um trabalho abstrato, com
características além do valor de uso, o valor de troca.
Com esse processo produtivo do valor de troca, e na intenção de acúmulo de bens
dentro e fora dos clãs para o suporte familiar e hierárquico, as terras deixam de ser coletivas e
passam a ser disputadas frente ao antagonismo entre classes: uma dominante e a outra
dominada. Essa lógica de classes perdura por diferentes períodos históricos, possuindo
características específicas dos modos de produção vigente. No capitalismo não é diferente.
Segundo Antunes (2004), há, além da ordenação da propriedade privada no espaço, o
desenvolvimento de uma sociedade de classes particular à generalização da lógica da
mercadoria. Somado isso ao desenvolvimento das forças produtivas, o trabalho abstrato e o
capital, que, segundo Marx (1984), “[...] é um instrumento de produção; [...] um trabalho
passado, objetivado (MARX, 1984, p. 3), torna-se uma ordem maior que passa a comandar o
conjunto social, as relações entre os sujeitos, e a si mesma.
No modo de produção capitalista, há nesse conjunto social, a necessidade de uma
estrutura política e jurídica que favoreça os interesses das classes dominantes, e sua
representação institucional através do consentimento das sociedades; com poder, tal classe
implementa o Estado burguês. Assim, tem-se a institucionalização da propriedade privada e
da sociedade de classes típicas do capitalismo.
No contexto do Liberalismo Econômico, com a ascensão da burguesia, a expansão
do mercado, do dinheiro, do capital bancário, do desenvolvimento das genes pré-capitalistas
do capital, há uma generalização do trabalho abstrato, da exploração da mais-valia e do
assalariamento – que vem a caracterizar incisivamente o modo de produção capitalista. Isso
que vem a diferenciar o capital do sistema capitalista. Mészáros (apud PANIAGO, 2012),
apresenta essa diferença, ao afirmar a relação de continuidade do capital:
O capital, portanto, existe muito antes da sua forma capitalista, como
também todos os aspectos da forma plenamente desenvolvida do capital –
incluindo a mercantilização da força de trabalho, que é o passo mais
importante para alcançar a forma mais desenvolvida, a capitalista –
apareceram em algum grau na história muito tempo antes da fase capitalista,
em alguns casos, até milênios antes (MÉSZÁROS apud PANIAGO, 2012, p.
22).
De acordo com a autora, Mészáros caracteriza o capital enquanto “transhistórico”,
pois o mesmo possui uma relação intrínseca com o trabalho, (capital-trabalho no
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desenvolvimento das sociedades) e, portanto, a sua existência pré ou pós capitalistas, moldado
às vestes do modo de produção.
Segundo Tonet (2013), no modo de produção capitalista, as relações de troca, com a
exploração da força de trabalho para fins de produção de mercadorias, a natureza é cada vez
mais transformada pelo capital, sendo a burguesia uma classe ativa nesse controle do processo
produtivo de riqueza. Como afirma:
A produção de mercadorias implica, por sua vez, a transformação da
natureza. No entanto, essa transformação ganha uma forma particular no
capitalismo. Ao contrário do escravismo e do feudalismo, onde as classes
dominantes apenas usufruíam a produção sem se ocuparem diretamente dela,
no capitalismo, também a burguesia embora não contribua para a produção
da riqueza material, tem em suas mãos o controle direto do processo
produtivo, portanto, é uma classe ativa e não meramente dissipadora de
riqueza (TONET, 2013, p 35).
A relação capital-trabalho no capitalismo consiste na tendência ao assalariamento.
Ou seja, essa classe dominante (a burguesia) tem sob seu controle jurídico e econômico a
maior parte das propriedades, no caso privadas, e contém os meios de produção. A classe
dominada está subsumida à venda da sua força de trabalho, em que o valor desta, seja
equiparado à sobrevivência do sujeito trabalhador, e ao valor socialmente atribuído à
economia de mercado. Nesse sentido há reificação (coisificação) na relação sociedade –
natureza. Segundo Lukács (2010):
Torna-se necessário um peculiar trabalho mental para que o homem do
capitalismo penetre nessa fetichização e descubra, por trás das categorias
reificadas (mercadoria, dinheiro, preço etc.) que determinam a vida cotidiana
dos homens, a sua verdadeira essência, isto é, a de relações sociais entre os
homens (LUKÁCS, 2010, p. 19).
Portanto, há a separação real da sociedade e a natureza, a partir da reificação advinda
do trabalho assalariado no capitalismo, e sua reprodução ideológica, entre os detentores dos
meios de produção com relativo domínio sobre a natureza, e os detentores apenas da força de
trabalho.
Também não se trata de algo dual, pois as relações sociais não se resumem entre uma
classe dominante e uma classe dominada. A sociedade possui uma formação social com
diferentes traços culturais e políticos, mas que carregam consigo historicamente
principalmente a luta de classes. Essas relações, sob o determinante capital-trabalho no espaço
vai conduzir o cotidiano e princípios ideológicos da sociedade, que baseada na exploração de
trabalho, serão materializadas em diversas formas desumanas, naturalizadas na aparência do
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espaço. Esse espaço passa a ser espoliado com relações contraditórias que envolve a extração
de mais-valia do trabalho humano.
2. A QUESTÃO TRABALHO EM MACAÚBAS.
A transformação do trabalho concreto em trabalho abstrato (ANTUNES, 2005), ou
seja, a tendência ao assalariamento, representa, de fato, a submissão de uma classe por outra,
em que uma sobrevive à custa da outra e ao mesmo tempo lhe nega/inferioriza, por não se
apropriar da riqueza que obteve com sua própria força de trabalho. Assim, é pela submissão
do trabalho assalariado que acentua a luta de classes.
No intuito de traçar a trajetória do conflito de classes em Macaúbas, compreendendo
a totalidade das relações de trabalho no capitalismo, primeiramente, buscou-se fazer um
detalhamento das falas e sua abstração para a compreensão teórica. Nesse sentido, trataremos
o percurso dos trabalhadores entrevistados, desde o nível educacional às presentes relações de
trabalho, fazendo uma análise entre dados do campo e da cidade. Cabe entender as
contradições expressas nesses dados, e como o trabalho assalariado e precarizado se
intensifica no município.
Daremos inicios a tais especificidades do trabalho no município de Macaúbas. No
que se refere à educação, houve contrastes entre os estudos adquiridos pelos entrevistados no
campo e na cidade. Como se pode observar na Tabela 1, na cidade, houve a predominância de
pessoas que completaram o ensino médio, e uma quantidade considerável de estudantes do
ensino superior. No campo, a quantidade de alfabetizados e pessoas que estacionaram o
ensino fundamental se destaca se comparado com a cidade. O ensino médio no campo
apresenta-se em um patamar parecido com o da cidade, apesar de ser quase inexistente
estudantes do ensino superior, o que significa que muitos desses, após conclusão do ensino
médio, possuem dificuldades de dar continuidade a formação profissional, e são
imediatamente determinados na sua condição objetiva, a vender sua força de trabalho direta
ou indiretamente no campo e/ou na cidade.
Tabela 1 – Dados totais e percentuais do grau de escolaridade
entrevistados por nível educacional, Macaúbas - Bahia, 2012.
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Categorias Cidade Campo
% %
Não Estudou 7 6
16
31
27
19
1
Até Alfabetização 5
15
24
32
16
1ª a 4ª
5ª a 8ª
Ensino Médio
Ensino Superior
Total
100
100
Fonte: Pesquisa de campo, Janeiro /2012.
Ao questionar as dificuldades ligadas aos estudos, os trabalhadores da cidade
lamentaram suas condições financeiras e o fato de ter que conciliar o estudo com o trabalho.
No campo, as dificuldades de estudar também estão ligadas às condições financeiras dos
camponeses, na dificuldade de conciliar trabalho e estudo, além da distância das escolas, por
situarem em outros povoados e/ou na cidade. Os moradores antigos lamentam não ter
estudado por não terem tido apoio dos pais na época. Percebe-se que a condição financeira foi
a mais citada, no campo e na cidade, para explicar a deficiência educacional. Logo, a base
familiar e estrutural interferiu nos estudos, não sendo esta uma questão de escolha, mas
determinadas pelas condições objetivas.
Ao averiguar as relações trabalhistas do campo e da cidade, percebeu-se um
percentual considerável de trabalhadores que se encontravam na condição de desempregados.
De acordo com os questionários, na cidade, houve uma abrangência de 72% de adultos que
estavam trabalhando, ainda que em condições de trabalho, muitas vezes, desfavoráveis. E no
campo 83% dos entrevistados destacaram estar exercendo alguma atividade de trabalho, como
mostra a Tabela 2. Ressalta-se as realidades diferentes encontradas entre os trabalhadores da
cidade e do campo, uma vez que, no campo, parte significativa desses sujeitos possuem uma
relação direta com a terra, não estando nas mesmas condições de trabalhadores totalmente
expropriados dos meios de produção e dos instrumentos de trabalho.
Tabela 2 - Relação de trabalhadores, Macaúbas- Bahia, 2012.
Categorias Cidade Campo
% %
Quantidade de pessoas que trabalham. 72 83
Quantidade de pessoas que não trabalham. 28 17
Total de adultos (População ativa) 100 100
Fonte: Pesquisa de campo, Janeiro/2012.
Na cidade, a profissão mais encontrada foram os funcionários públicos, professores,
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comerciantes e empregadas domésticas, o que caracteriza a abrangência do setor de serviço.
Foram também encontrados agricultores, trabalhadores terceirizados e informais. No campo,
houve uma unanimidade de lavradores, em que alguns complementam a renda sendo
professores, faxineiros e praticando alguns bicos no próprio campo ou na cidade. Entre as
mulheres camponesas verificou-se uma predominância da dupla, ou tripla, jornada de trabalho
realizada tanto nos espaços da lida com a terra, o trabalho doméstico e, por vezes, o
assalariamento, ainda que temporário (Ver gráficos 1 e 2).
Gráfico 1 – Tipos de trabalho na cidade. Macaúbas - Bahia, 2012.
Gráfico 2 – Tipos de trabalho no campo. Macaúbas - Bahia, 2012.
Fonte: Enquete realizada em pesquisa de campo. Janeiro /2012.
Elaboradora: Rocha (2012)
Fonte: Enquete realizada em pesquisa de campo. Janeiro /2012.
Elaboradora: Rocha (2012)
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Analisando os pagamentos mensais dos trabalhadores do campo e da cidade, houve
um contraste, como mostra o Gráfico 3. Dos trabalhadores que ganham até um salário
mínimo, a quantidade referente à cidade é de 32%, enquanto que no campo chega a 51% dos
trabalhadores, o que reflete no campo o pagamento de até um salário mínimo na profissão do
lavrador e a precarização do trabalho nas diversas funções do campo. Por outro lado, isso não
quer dizer que o trabalho na cidade também não seja precário e se reverte, no geral, na baixa
remuneração recebida pelos mesmos. Acrescenta-se ainda que no campo, apesar dos baixos
rendimentos recebidos, o trabalho assalariado, no geral, se associa a outras formas de trabalho
praticadas na terra, o que se por um lado permite que esses realizem exaustiva jornada de
trabalho como condição de sobrevivência, por outro possuem no trabalho na terra uma renda
complementar.
Entre 1 a 3 salários mínimos na cidade apresentam 27% dos trabalhadores, enquanto
que no campo, apenas 4% adquirem tal benefício. Nota-se que esses se associam ao setor de
serviços. Na cidade, os que ganham de 4 a 5 salários mínimos somam 4%, enquanto que no
campo não existe nenhum trabalhador nesse patamar. Dos entrevistados, apenas 1% dos
trabalhadores da cidade ganha um pagamento mensal acima de 5 salários mínimos. Percebe-se
no Gráfico 3, a precariedade que tanto os trabalhadores do campo quanto da cidade estão
submetidos.
A variação entre campo-cidade também ocorre na bolsa benefício, em que na cidade
Gráfico 3 – Relação de pagamentos mensais no campo e na cidade. Macaúbas
- Bahia, 2012.
Fonte: Enquete realizada em pesquisa de campo. Janeiro /2012.
Elaboradora: Rocha (2012)
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apresenta 8% de beneficentes e no campo 11% de beneficentes. Na cidade, houve apenas 1%
de pensão e no campo 3% de pensões. E a aposentadoria, na cidade, abrange 26% dos
trabalhadores, e no campo, 32% usufruem desse pagamento. Nesse último caso, considera-se
uma quantidade significativa de aposentados na cidade e, principalmente, no campo. Ao
entrevistar essas pessoas, o pagamento da aposentadoria interfere consideravelmente na
sobrevivência, tanto do campo, quanto da cidade, a ponto de, para muitas famílias, essa ser a
renda principal. No intuito de aprofundar essas diferenças das relações de trabalho, foi
questionado a esses trabalhadores as suas dificuldades.
Na cidade, as dificuldades mais mencionadas foram a incapacidade dos trabalhadores
de si manter entre 1 a 3 salários mínimos e o excesso da carga horária de trabalho, chegando a
ser de 15 horas diárias, o que interfere, diretamente, nas condições de saúde desses
trabalhadores, devido à rotina e os sacrifícios realizado no cumprimento da extensiva jornada
de trabalho. Houve dificuldades também em conciliar o trabalho do campo e o da cidade, ou
mesmo localizado em outro município, havendo pouca disponibilidade de tempo para a
família. As mulheres apontam a obrigação de ter várias funções para manter a família,
inclusive dentro de casa, além das dificuldades no acesso ao transporte, realidade que atinge,
mais diretamente, a população que reside na zona rural. Nessa relação de dificuldades,
compreende-se que as famílias que possuem até três salários mínimos ou mais, são porque
trabalham 60 horas semanais, ou seja, só conseguem adquirir uma renda minimamente
aceitável à custa da degradação intensa de sua força de trabalho.
Os trabalhadores da cidade que possuem trabalho no campo queixaram da estiagem
da seca no município, a exposição ao sol e a dificuldade de plantar de meia (relação de
meeiros). Os comerciantes possuem a dificuldade de lidar com clientes, pela compra de fiado,
ainda característica de pequena cidade e, muitas vezes por não possuir condições de ter um
funcionário. Muitos queixaram a ausência de oportunidade de trabalho e as dificuldades em
sobreviver como desempregados, entres outros que criticaram sua limitação frente à
instabilidade empregatícia dos contratos. Professores fizeram críticas com a falta de estrutura
não oferecida pelo Estado e a desorganização dentro de trabalhos públicos.
Um dos problemas citados no campo foi a dificuldade que os camponeses possuem
de obter recursos financeiros para preparar a terra para o plantio e demais atividades que
envolvem o custo alto na plantação, além de terem que deixar de cuidar da própria roça, para
cuidar de outras, se sujeitando ao assalariamento, ainda que temporário; ou seja, têm que se
sujeitarem à vários tipos de trabalhos para garantir, minimamente, a manutenção da família.
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Para quem é do campo e possui trabalho na cidade, a maior dificuldade é a locomoção, que,
em sua maioria, é feito através da bicicleta; ter que levar comida para o trabalho; e a
dificuldade de viver de bicos. Dessa maneira, a dificuldade está em conciliar o trabalho do
campo com a cidade, ou seja, reproduzir a vida nessa intensa mobilidade.
Diante das dificuldades dos trabalhadores na cidade e no campo, foi questionado a
essas pessoas se elas trocariam a cidade pelo campo e vice-versa. Como pode-se analisar o
Gráfico 4, apenas 17% dos trabalhadores da cidade disseram que trocaria a cidade pelo
campo, enquanto a maioria, 83% não trocariam. No campo, apenas 7% das pessoas afirmaram
que trocariam, enquanto 93% dos camponeses não trocariam suas moradias do campo pela
cidade.
Os trabalhadores da cidade que declararam não ter interesse em morar no campo, se
justificaram, principalmente, pelo trabalho profissional que o segundo não oferece, e
indagaram não ter como se manter no campo, sob o viés econômico. Afirmaram possuir uma
melhor condição de vida na cidade. Entre outros afirmaram que gostam do movimento da
cidade e não conseguiria conviver com a dinâmica mais lenta do campo. Vários disseram estar
acostumados a encontrar estabelecimentos comerciais e serviços que necessitam. Já os
entrevistados que declararam que trocaria a cidade pelo campo disseram que: “Lá no campo é
mais tranquilo. Já tem energia, celular, água encanada”; “Futuramente, pretendo morar no
campo, pois lá a qualidade de vida é melhor”; “Trocaria por causa da criação”, e alguns veem
a propriedade rural como investimento, com a especulação imobiliária.
Já os camponeses que afirmaram que não desejam viver na cidade apontaram,
principalmente, o caráter mercantil das relações, realidade bem diferente dos laços de
Gráfico 4 - Sobre o fato de os trabalhadores trocarem o local
de residência. Macaúbas - Bahia, 2012.
Fonte: Enquete realizada em pesquisa de campo. Janeiro /2012.
Elaboradora: Rocha (2012)
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solidariedade que ainda é possível encontrar no campo. Um camponês argumenta: “Pegar ali
tudo no quilim, vocês me desculpa viu! Mas vou não [...] tem uns pés de coqueiro aqui, tanto
pé de fruta, imbu, manga perde, não tem quem dá conta. Daqui até março, tem imbu, laranja e
lá tudo é comprado”. Outro motivo foi o trabalho, muitos camponeses comentaram: “Por que
a profissão da gente é lavrador, a roça é nossa preferência”; “Porque eu gosto de cuidar da
criação”; “Porque eu planto, cultivo e cuido”; “Se eu fosse pra lá, eu teria que ter um trabalho
diferente do que faço”. Alguns acostumaram no campo e não se veem distante dele, e relatam:
“Acostumei no campo, estou na idade. Sem estudo, eu vou fazer o que lá?”; “Eu nasci e me
criei aqui”. Nas falas, percebe-se que os camponeses não adaptariam à cidade, pois veem
nessas dificuldades associadas à compra, ao trabalho assalariado em meio ao desemprego,
sem a distração do campo. Já a minoria de entrevistados que disseram que trocaria o campo
pela cidade argumentaram que a cidade possui mais conforto, e só iriam por causa da água e a
energia que lá oferece, por não ter esses recursos, no período, em povoados como o Carrapato.
Na pretensão de desvendar as relações de trabalho entre o campo e a cidade em
Macaúbas, foi questionada à sociedade a frequência de sua mobilidade. De acordo com o
Gráfico 5, na cidade, 1/3 da população frequenta o campo de 8 em 8 dias, e o restante varia 15
em 15 dias, mês em mês. Os que moram na cidade e possuem trabalho no campo se deslocam
durante toda a semana, menos aos sábados e domingos. Ou variam a cada dois dias e duas
vezes na semana. Afere-se, portanto, uma significativa mobilidade da população entre o
campo e a cidade, mas, sobretudo, do primeiro em direção a essa última, seja por conta das
dificuldades de manter a família unicamente com o trabalho no campo, a falta de recursos
para investir na produção agrícola, a fragmentação da unidade de produção, ou no caso dos
filhos desses a busca por trabalhos assalariados, ainda que temporário, ou de serviços
educacionais, sobretudo.
Muitos vão ao campo de ano em ano, ou semestralmente, e alguns não vão de forma
alguma. O transporte mais utilizado pelos trabalhadores da cidade é o carro e a moto, sendo
poucos os que vão a pé e de ônibus.
A maioria dos camponeses também frequenta a cidade de 8 a 8 dias, devido ao
movimento da feira e a venda dos produtos da lavoura na cidade. Outros vão à cidade de 15 a
15 dias, ou de mês em mês, para receber e fazer pagamentos bancários, além de utilizar o
comércio da cidade. Os que moram no campo e trabalham na cidade a frequentam todos os
dias, menos aos sábados e domingos. O meio de transporte mais utilizado pelos camponeses é
o ônibus, sendo poucos os que possuem carro e moto.
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Considerando, portanto, as relações de trabalho no município de Macaúbas, como uma
realidade que expressa, de modo desigual e combinado, as contradições do modo de
produção, percebe-se a tendência significativa do crescimento do trabalho abstrato,
assalariado, que se intensifica, direta ou indiretamente, nas diversas funções sociais de
trabalho no campo e na cidade, sendo a exploração e a precarização do trabalho, algo muito
presente no cotidiano desses sujeitos, que veem na venda da força de trabalho, a forma
imediata de se reproduzirem. As determinações do capital condicionam a realidade objetiva
desses sujeitos, através da subsunção do trabalho, que não se realizam de forma plena
enquanto seres sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa realizada para a composição desse artigo traz consigo detalhes sobre a
objetividade dos trabalhadores do município de Macaúbas – BA, que em meio as condições
sociais impostas pelas relações capitalistas, encontram na relação entre o campo e a cidade
uma saída para tentar obter a manutenção de sua reprodução imediata. Foi observado, com
isso, apenas um fragmento do que realmente está velado sob as máscaras fenomênicas das
relações sociais estudadas.
As determinações sociais que privilegiam a reprodução do capital tendem a coisificar a
classe trabalhadora, pondo-a em uma posição de mera reprodutora desse sistema que a
aprisiona, e os sujeitam a cargas horarias excessivas em diversas funções de trabalho,
condicionados em si, na precarização. Isso mostra a necessidade imediata da sociedade pensar
em outras formas de reprodução da vida, pautadas sobre outros valores e condições de
superação do capitalismo.
A relação campo-cidade, nesse sentido, está presente nas diversas formas de
sociedade, porém viu-se aqui como ela está determinada na sociedade capitalista, e como a
mobilidade de muitos trabalhadores é em si, a forma objetiva de sustento familiar, por mais
precarizado que o caracterize. Portanto, se vê a necessidade de aprofundar nessas questões
sobre o trabalho, caminhando para uma compreensão da totalidade a qual está inserida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Expressão Popular, 2004.
ANTUNES, R. O caracol e a sua concha. São Paulo: Editora Boitempo, 2005.
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HARVEY, David. A Produção Capitalista do Espaço. São Paulo: Annablume, 2006.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico,
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