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Saber e pensar: Essa é a causa da tradicional reação da ortodoxia, muito comum em todas as correntes de pensamen- to. Nesse sentido, a obra de Armond e dos modelos históricos nos quais se inspirou, soam incomodamente aos ouvidos de alguns intelectuais e dos ortodoxos como as pregações dos antigos profetas soavam agressivamente nos espíritos defen- sivos dos fariseus. Mas as técnicas didáticas propostas por ele nas Escolas de Aprendizes do Evangelho, a partir de 1950, romperam com essa indiferença. Elas transferiram para o terreno da prática individual e social as distinções morais das três classes, ou antes, os três graus de espíritas apontados por Allan Kardec na conclusão de O Livro dos Espíritos. Essa correção automática feita por Kardec do termo classes por graus, mais adequado às ideias de maturidade e graduação espiritual, é tão explícita que chega a causar pânico ideoló- gico aos adeptos ortodoxos mais exigentes. Armond aplicou, tecnicamente, essa definição do codificador na sua escola, transformando e formalizando a “iniciação espírita” num interessante processo de ensino-aprendizagem. Para ele o Evangelho de Jesus é uma obra teórica, mas uma experiência essencialmente iniciática, ou seja, não pode ser compreendida na sua totalidade apenas com uma parte da mente, que é o intelecto. A experiência intelectual é parcial e não representa todo o potencial cognitivo do espírito. As novas teorias sobre inteligências provam isso com muita clare- za e abrem caminho para a humanidade desvendar a enorme dimensão espiritual do assunto. O método racional e positivo que Kardec utilizou no seu tempo é hoje ampliado por essas novas pesquisas de Howard Gardner e Daniel Golleman e com certeza seria aplaudido e utilizado pelo codificador, por- que só confirmam os ensinamentos dos espíritos sobre a evo- lução espiritual. As lições evangélicas do Reino de Deus vão muito além do raciocínio e do intelecto. Isso está muito claro nas parábolas de Jesus, sobretudo na do “Semeador”. Grupo Espírita Aprendizes do Evangelho de Limeira Escola de Aprendizes do Evangelho — 8ª turma 74ª aula: Ciência e religião Textos complementares GEAEL Aula 74 — Entre muitas, a lição que fica: ... a escola de Armond não está estruturada no modelo pedagógico convencional, mas num modelo oposto, o andragógico. Enquanto a pedago- gia é voltada para a infância, a andragogia é voltada para o universo adulto; uma é existencial, vertical e experimental; a outra é diametralmente oposta: é consciencial, horizontal e vivencial. Conhecendo a amplitude da lei da reencarnação fica muito mais fácil entender porque existem crianças que são adultas e adultos que ainda são crianças, daí o caráter diferenciado da andragogia na educação espírita. Nova História do Espiritismo — Dalmo Duque dos Santos Edgard Armond Carl Rogers

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Page 1: Grupo Espírita Aprendizes do Evangelho de Limeira...Edgard Armond Carl Rogers 2 74ª aula: Ciência e religião Armond entende também que a iniciação espírita não é necessariamente

Saber e pensar: Essa é a causa da tradicional reação da ortodoxia, muito comum em todas as correntes de pensamen-to. Nesse sentido, a obra de Armond e dos modelos históricos nos quais se inspirou, soam incomodamente aos ouvidos de alguns intelectuais e dos ortodoxos como as pregações dos antigos profetas soavam agressivamente nos espíritos defen-sivos dos fariseus. Mas as técnicas didáticas propostas por ele nas Escolas de Aprendizes do Evangelho, a partir de 1950, romperam com essa indiferença. Elas transferiram para o terreno da prática individual e social as distinções morais das três classes, ou antes, os três graus de espíritas apontados por Allan Kardec na conclusão de O Livro dos Espíritos. Essa correção automática feita por Kardec do termo classes por graus, mais adequado às ideias de maturidade e graduação espiritual, é tão explícita que chega a causar pânico ideoló-gico aos adeptos ortodoxos mais exigentes. Armond aplicou, tecnicamente, essa definição do codificador na sua escola,

transformando e formalizando a “iniciação espírita” num interessante processo de ensino-aprendizagem.

Para ele o Evangelho de Jesus é uma obra teórica, mas uma experiência essencialmente iniciática, ou seja, não pode ser compreendida na sua totalidade apenas com uma parte da mente, que é o intelecto. A experiência intelectual é parcial e não representa todo o potencial cognitivo do espírito. As novas teorias sobre inteligências provam isso com muita clare-za e abrem caminho para a humanidade desvendar a enorme dimensão espiritual do assunto. O método racional e positivo que Kardec utilizou no seu tempo é hoje ampliado por essas novas pesquisas de Howard Gardner e Daniel Golleman e com certeza seria aplaudido e utilizado pelo codificador, por-que só confirmam os ensinamentos dos espíritos sobre a evo-lução espiritual. As lições evangélicas do Reino de Deus vão muito além do raciocínio e do intelecto. Isso está muito claro nas parábolas de Jesus, sobretudo na do “Semeador”.

Grupo Espírita Aprendizes do Evangelho de LimeiraEscola de Aprendizes do Evangelho — 8ª turma

74ª aula: Ciência e religiãoTextos complementares

GEAEL

Aula 74 — Entre muitas, a lição que fica:... a escola de Armond não está estruturada no modelo pedagógico convencional, mas num modelo oposto, o andragógico. Enquanto a pedago-gia é voltada para a infância, a andragogia é voltada para o universo adulto; uma é existencial, vertical e experimental; a outra é diametralmente oposta: é consciencial, horizontal e vivencial. Conhecendo a amplitude da lei da reencarnação fica muito mais fácil entender porque existem crianças que são adultas e adultos que ainda são crianças, daí o caráter diferenciado da andragogia na educação espírita.

Nova História do Espiritismo — Dalmo Duque dos Santos

Edgard Armond Carl Rogers

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Armond entende também que a iniciação espírita não é necessariamente uma experiência exclusivista, de conteúdos supersticiosos e exóticos, como imaginam alguns intelectuais da filosofia racionalista do Ocidente, nem tampouco uma salada de informações confusas e sem rumo teórico definido, como querem alguns adeptos do esoterismo de consumo. Iniciação, no sentido espiritual, significa metodologia de entendimento gradual e amadurecimento pela experiência. Foi dessa forma que Jesus revelou o Evangelho para seus dis-cípulos e cada um deles pôde realizar sua trajetória iniciática de acordo com a sua capacidade individual. Isso é um dado visível nos Atos dos Apóstolos, mostrando que todos eles tor-naram-se discípulos completos somente no decorrer de suas vivências. Ainda assim o discipulado é uma condição ou esta-do de espírito permanente, dinâmico e evolutivo, como ensina a doutrina espírita. Portanto, a aprendizagem não acontece no momento de uma conversão místico-religiosa impactante, como a de Paulo na estrada de Damasco ou então no “batis-mo”, que era apenas um cerimonial simbólico e marco de uma longa caminhada iniciática. Iniciação não é outra coisa senão um processo didático de ensino e aprendizagem. Como todo processo educativo de tendência construtivista, onde o aluno traça o seu próprio caminho, com um mínimo possível de interferência dos instrutores ou “facilitadores”, a “iniciação espírita” ao Evangelho, que na visão de Armond é a síntese da codificação, é também gradual. Ela é, portanto, essencialmen-te dialética, produto das rupturas íntimas da mudança de valores, concentrando-se na transformação moral do aluno, que é realizada em três “graus” ou etapas: aprendiz, servidor e discípulo. A cada aula ou encontro, o aluno experimenta e constrói o seu próprio conhecimento. É puro método; não é magia ou ritual, no sentido sectário e vulgar desses termos. Armond e seus mentores calcularam até mesmo o tempo da tarefa pública de Jesus e da convivência que teve com os discí-pulos, que foi de três anos, para aplicar um tempo semelhante na iniciação. Os dirigentes de turmas e os expositores devem apenas servir como agentes facilitadores. Como catalisadores da aprendizagem da moral evangélica do espiritismo, foram criados mecanismos de avaliação, instrumentos práticos que são constantes, diversificados e sempre auto-didáticos: as famosas “Cadernetas Pessoais”, os “Cadernos de Temas”, os “Testes de Auto-avaliação”1 e os “Exames Espirituais”. Alunos reacionários e alguns críticos que desconhecem o método associaram equivocadamente essas cadernetas aos “confessionários” católicos. Do ponto de vista educativo esse método de ensino armondiano é essencialmente conflituoso, no plano psicológico e subjetivo, porém de forte poder resolu-tivo no plano objetivo e social do aluno. De outra forma não seria educativo, ficando apenas no aspecto superficial, que é o ensino intelectual. Na iniciação o aluno salta do ensino para a educação. Em educação isto é chamado de ruptura do processo de ensino-aprendizagem. É assim que iniciamos nas coisas fundamentais e que serão aprofundadas no decorrer da experiência. Na iniciação espírita o aluno é convidado a 1 Isso é explicado detalhadamente na obra Manual Prático do Espírita, de Ney Prieto Peres. Ed. Pensamento. São Paulo.

empreender, de forma prática, uma profunda revisão de valo-res e atitudes pessoais.

Sem dúvida, esta foi uma grande ousadia que vem revo-lucionando as estruturas e os rumos do movimento espírita, no Brasil e no exterior. É uma tendência educacional de vanguarda ainda muito mal compreendida que, apesar de existir há mais de meio século, é, com certeza, uma ideia que realmente veio para ajudar a colocar algumas coisas nos seus devidos lugares, no setor do ensino, da educação e da pro-paganda espírita. Sempre se falou numa educação espírita, mas nada de significativo tinha sido feito na prática, nem nas chamadas escolas regulares ou faculdades mantidas por entidades kardecistas. O que se fazia eram cópias adaptadas2 dos modelos tradicionais de ensino católico e protestante ou então a publicação de manifestos intelectuais e infrutíferos. Na verdade a escola de Armond não está estruturada no modelo pedagógico convencional, mas num modelo oposto, o andragógico. Enquanto a pedagogia é voltada para a infân-cia, a andragogia é voltada para o universo adulto; uma é existencial, vertical e experimental; a outra é diametralmente oposta: é consciencial, horizontal e vivencial. Conhecendo a amplitude da lei da reencarnação fica muito mais fácil enten-der porque existem crianças que são adultas e adultos que ainda são crianças, daí o caráter diferenciado da andragogia na educação espírita. Este é o modelo clássico grego de ensi-nar filosofia e que nas escolas da linha pitagórica adquiriu um sentido iniciático de despertamento consciencial. A ideia é complementar a maturidade existencial biológica com uma ênfase na maturação consciencial psicológica.3 Nada aqui causa estranheza se lembrarmos que Edgard Armond apenas pôs em prática, nos centros espíritas, as técnicas de ensino e educação, essencialmente humanistas e cristãs, praticadas pelos educadores clássicos. Estamos nos referindo também aos princípios pedagógicos e andragógicos contidos 2 O Colégio Allan Kardec, fundado por Eurípedes Barsanulfo em Sacramento, é um exemplo de pionerismo, porém não de ruptura educacional e social. Tanto que não conseguiu expandir-se, pois estava fundamentado nas estruturas edu-cativas tradicionais, muito pouco diferente das escolas católicas e protestantes.3 Ver o item “O relógio existencial e a bússola da consciência” no capítulo 9

Primeira turma da Escola de Aprendizes do Evangelho, em 1950, tendo à frente o Comandante Edgard Armond (ao centro e de paletó claro), que se matriculou como aluno nº 1, sendo o dirigente e também expositor.

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nas parábolas de Jesus, o principal recurso didático para a compreensão da filosofia cristã. Elas são sempre compactas e simples nos seus conteúdos, porém de grande abrangência e complexidade nos seus significados. Suas aparências de lin-guagem figurada e superficial são muito diferentes dos pro-fundos conceitos que trazem embutidos nos relatos, nunca teorizados, mas sempre vivenciados pelos personagens e circunstâncias em que estão envolvidos. A principal delas, na qual está estruturada a Escola de Aprendizes do Evangelho, é a “parábola do semeador”. É a mais intrigante de todas, porque, segundo Cairbar Schutel,4 ela funciona como “a parábola das parábolas”, mostrando os diferentes graus de compreensão que os ensinamentos evangélicos podem ter nas mentes humanas. O filósofo e educador Huberto Rohden, também um grande conhecedor do assunto, lembra em uma de suas obras5 que essa parábola é uma das poucas das quais Jesus deu explicações sobre seu significado, a pedido dos próprios discípulos. Segundo ele, o terreno no qual foi lançada a semente não se trata da “agronomia física” mas da “agronomia metafísica”, ou seja o terreno imprevisível do livre-arbítrio humano, “onde nenhum semeador, nem mesmo o próprio Cristo, pode saber do resultado da sua semeadura”. Para exemplificar sua observação Rohden lembra que, se Jesus soubesse da “esterilidade” espiritual de Judas Iscariotes não o teria escolhido para ser seu discípulo. E conclui que a

4 Parábolas e Ensinos de Jesus, Editora O Clarim, Matão.5 Sabedoria das Parábolas, 5ª edição. Editora Alvorada, São Paulo. Influenciado por Teilhard de Chardin, Rohden era a grande esperança intelectual de uma parte do clero católico para preparar os adeptos para o advento do Cristo Cósmico, uma tendência de transição do dogmatismo para o espiritismo. Mas as incursões de Rohden pelo esoterismo criaram um clima de ameaça no clero conservador, sobretudo no Brasil, que proibiu suas obras entre os católicos. Sua tradução e comentários dos textos apócrifos de Tomé e Tiago ainda representam uma forte ameaça ao clericalismo hierárquico. O próprio filósofo, tentando preservar seus leitores católicos de uma mudança brusca em suas convicções, nunca falava abertamente em reencarnação e mediunidade. Rodhen chegou a fazer conferências na Federação Espírita do Estado de São Paulo, na época de Edgard Armond, período em que a Feesp mantinha um programação de con-tato fraterno com diversos segmentos filosófico-religiosos. Em um livro sobre os essênios ele cita como referência a obra mediúnica Harpas Eternas, do espírito Hilarion de Monte Nebo; este livro, antes de ser publicado no seu país de origem, a pedido do autor espiritual, foi submetido a uma revisão por Edgard Armond.

parábola do semeador trata, exclusivamente, do livre-arbítrio humano, no qual “o homem é Deus e também anti-Deus”, isto é, o único responsável pelo seu destino, pela sua salvação e ou sua perdição. Não é o que ensina o espiritismo?

A Escola de Aprendizes do Evangelho tem, então, a sua raiz mais próxima na questão 919 de O Livro dos Espíritos,6 na qual a resposta foi dada pelo espírito Santo Agostinho e cujo conteúdo é uma preciosa e detalhada síntese das suas experiências práticas no campo da reforma íntima e da transformação moral. O resultado desse trabalho é o próprio relato da parábola do semeador, pois os alunos, em suas diferentes fases de aprendizagem e graus de compre-ensão dos ensinamentos, mesmo depois de terem concluído a escola e terem atingido o “grau” de “discípulo”, estarão sujeitos às adversidades do mundo e à responsabilidade do seu livre-arbítrio; poderão ser o sal da terra ou simples-mente o fracasso na lavoura, como a opção feita por Judas Iscariotes. Para quem apenas raciocina sobre o Evangelho esta é uma experiência uma tanto mística, esquisita e sem sentido racional. Para quem se abre e revela os sentimentos, sem máscaras, as coisas acontecem de forma muito diferente; ocorrendo uma inevitável mudança de ponto de vista e tam-bém, se houver vontade, de atitude e comportamento. Mas o processo de transformação moral, que é um percurso crucial entre o pensamento e o sentimento, entre a incongruência e a congruência no comportamento, tem o seu lado obscuro, contraditório e até perigoso. Se a questão 919 forneceu a base da transformação, outras questões de O Livro dos Espíritos também vieram embutidas nessa raiz andragógica, como por exemplo as que falam da liberdade de consciência e do livre-arbítrio (Leis Morais):

837 – Qual é o resultado dos entraves postos à liberdade de consciência?— Constranger os homens a agirem de modo contrário ao que pensam, torná-los hipócritas. A liberdade de consciência é um dos caracteres da verdadeira civilização e do progresso.

O método iniciático de transformação moral é prazeroso para o espírito já um tanto maduro, mas pode ser traumático e doloroso para aquele ainda verde nas questões compor-tamentais. Não é à toa que muitos reagem negativamente, pois interpretam erroneamente essa metodologia de Armond como uma doutrina que leva ao constrangimento do livre-arbítrio. Esse equívoco pode levar o aluno imaturo ao campo do irreal, do mentir para si mesmo, ou como bem definiram os espíritos, “torná-los hipócritas”. O resultado disso é a decepção, a descrença e o abandono do compromisso. Como resolver esse problema? Então a seletividade da iniciação poderia ser mais acessível aos moralmente mais fracos, aos que normalmente desistiriam no meio do percurso? Aqueles que ainda não estão suficientemente maduros não poderiam receber uma espécie de “iniciação da iniciação”? Mais uma vez as respostas foram encontradas no universo histórico das escolas iniciáticas: na bússola da consciência cada pessoa tem 6 Capítulo XII, Perfeição Moral.

2009 : Cerimônia de Ingresso na FDJ – Fraternidade dos Discípulos de Jesus, na Alemanha.

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o seu momento, o insight, o cair em si, em qualquer momento da existência. No relógio da existência isso acontece geral-mente na maturidade biológica. No campo científico essa abordagem de mudança comportamental ficou largamente conhecida na psicologia humanista, através do psicoterapeu-ta norte-americano Carl Ranson Rogers, cujas experiências tornaram-se mundialmente conhecidas entre anos 1950 e 1970, na Universidade da Califórnia – EUA. Praticamente tudo o que se faz hoje em termos de treinamento educacio-nal, empresarial e nas práticas psicoterapêuticas, segue essa linha rogeriana. É curioso lembrar que a primeira obra de Rogers sobre esse assunto,7 na qual consta uma “Teoria da personalidade e da conduta”, foi escrita em 1950, no mesmo ano da criação da Escola de Aprendizes do Evangelho. No campo da educação, Carl Rogers também deixou essa marca da mudança comportamental como uma das mais significa-tivas expressões da contracultura. Anos mais tarde, no livro Tornar-se Pessoa,8 Rogers sacudiria os conceitos tradicionais de ensino e educação, propondo uma nova escola, baseada em novas atitudes, de não-diretividade no ensino e auto-percepção na aprendizagem. Ali já era profetizado o fim das salas de aulas tradicionais e da relação vertical entre mestre e alunos que vêm marcando a crise e a transformação da edu-cação contemporânea. Essa coincidência de propostas entre Armond, Rogers e outros pensadores se tornaria muito mais profunda ao mesmo tempo dentro e fora do movimento espí-rita, quando um grupo de alunos da 7ª turma de Aprendizes do Evangelho, da Feesp, fundaram, em São Paulo, em 1962, o CVV – Centro de Valorização da Vida, conhecido órgão de prevenção do suicídio. Esse grupo também assimilaria no decorrer dos anos as técnicas de auto-reformulação de valores, unindo as ideias de Rogers, a proposta de Edgard Armond e a experiência do reverendo anglicano e psicólogo Chad Varah,9 criador dos “Samaritanos” de Londres. Nada disso aconteceu de forma brusca, mas natural e gradualmen-te, como uma busca constante de soluções práticas para resol-ver problemas operacionais de treinamento e assimilação dos seus estudos. Com o passar dos anos, as peças foram se encai-xando, à medida que os problemas iam surgindo no grupo. O 7 Terapia Centrada no Paciente. Moraes Editores. Lisboa, 1974.8 Livraria Martins Fontes Editora.9 The Samaritans in the 70’s – cvv – Brasília.

CVV10 progrediu muito nessa nova experiência e não mediu esforços para sustentar o seu caráter laico e concentrar-se na sua essência humanista, abrangente a um número muito mais amplo e significativo de pessoas que para ali foram atraídas para doar amizade ou buscar ajuda e também para superar seus limites pessoais. É um trabalho institucionalmente não religioso, porém riquíssimo em espiritualidade.

Também dessas experiências humanistas do CVV, sem direcionamento sectário, 40 anos depois, surge uma nova proposta educativa, o “CRC – Caminhos de Renovação Contínua”, um programa de fundação de núcleos voltados para a prática em grupo do conceito rogeriano de vida plena.11 São reuniões informais de ajuda mútua, em molde muito semelhante aos grupos de Alcoólicos e Neuróticos Anônimos, onde são abordados diversos temas de interes-se existencial, sem a ênfase teórica, realçando-se os relatos de experiência dos participantes. O CRC é um herdeiro da Escola de Aprendizes, mais direcionado a pessoas de todas as religiões e concepções filosóficas. O objetivo primordial é a educação pelo auto-conhecimento e a conseqüente transfor-mação moral, realizada de forma mais simples e espontânea. A simplicidade do CRC causa um certo desconforto num primeiro momento, pois todo o processo está centrado no grupo, não havendo necessidade de dirigentes e expositores. Os temas foram sintetizados em conceitos que são verbali-zados emocionalmente segundo o ponto de vista vivencial e a regra fundamental para o participante é falar mais o que sente e não que pensa. O pensamento e o raciocínio muitas vezes mentem e escondem a nossa realidade pessoal. A reu-nião é claramente estruturada nos fundamentos de grupos terapêuticos, onde o líder desaparece ou se confunde com o próprio grupo. Quem está acostumado com relações verticais, dirigindo ou sendo dirigido, tem dificuldade para assumir a responsabilidade de participar e conduzir sua própria experi-ência. Outra marca interessante do CRC é que o processo não possui pré-requisitos de aprendizagem: os temas são abor-dados em sistema de rodízio, no qual o participante fala e ouve sobre um determinado assunto e muitas vezes muda seu ponto de vista apenas observando enfoques que nunca imagi-nava existir. Um dos temas que mais repercutem em forma de depoimentos é o problema da vida futura e da imortalidade, bem como outros discretamente extraídos da codificação e de filosofias espiritualistas de grande credibilidade: as leis de ação e reação, trabalho, justiça, livre-arbítrio, igualdade, evolução etc. A transformação moral dos participantes do CRC é uma conseqüência inevitável e inconfundível porque se trata de uma aprendizagem mais emocional do que racio-nal sendo, portanto, mais autêntica e mais difícil de camuflar pelas aparências.

Recordando a história do cristianismo, a clareza e obje-tividade do conceito de “arrependimento”, proposto primei-ramente pelo profeta João Batista, era o mesmo praticado na iniciação dos essênios e mais tarde levado a público por 10 CVV — Manual do Voluntário e CVV 25 anos: Uma Proposta de Vida, Editora Aliança.11 Tornar-se Pessoa. Carl R. Rogers. Martins Fontes.

2009: Turma da Escola de Aprendizes em Cuba.

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Jesus; ele foi revivido pelos espíritos e por Allan Kardec, com a cultura da regeneração moral, e sistematizado na década de 1950 por Armond.12 Apesar de ser um tema banalizado pelos adeptos das igrejas cristãs e tradicionalmente ridicularizado pelos céticos, trata-se essencialmente do mesmo conceito de “Vida Plena” proposto por Rogers. Carl Rogers nunca ouviu falar de Edgard Armond, nem deve ter lido uma única linha da codificação. Nem Armond deve ter ouvido falar de Rogers, supomos. Suas ideias não têm nada a ver diretamente com o espiritismo no aspecto restrito que normalmente se dá ao conteúdo doutrinário. Mas é uma referência científica que confirma e amplia os ensinamentos dos espíritos. Na obra A Conspiração Aquariana, a pesquisadora norte-americana Marilyn Fergson inclui Rogers na geração de inteligências revolucionárias responsáveis pela formulação dos novos para-digmas científicos e sociais que iriam marcar a transição do século XX para o XXI.13 Somente no fim da sua existência, no final da década de 1970, ao acompanhar o desencarne da esposa é que Rogers ouviu falar de espíritos;14 presenciou contatos, ouviu alguns relatos e identificou a presença deles, demonstrando grande simpatia e interesse em estudar o assunto. Escreveu e publicou corajosamente essa experiência, declarando que tinha consciência das graves repercussões que isso teria na sua imagem no mundo acadêmico. Contudo, foi coerente com a sua sólida e influente formação cristã na infân-cia e na juventude, equilibrada pela experiência acadêmica e científica. Carl Rogers foi, sem dúvida nenhuma, um espírito missionário. Isso transparece na sua experiência de vida, nos seus escritos, na profunda confiança e respeito que revela pela natureza humana, mas, sobretudo, no impacto positivo que as suas teorias tiveram na sociedade pós-moderna. Isso prova que os conceitos espíritas não se restringem apenas às mani-festações que ocorrem no movimento espírita. Se assim fosse, o planeta estaria estagnado, à espera de que toda a humanidade se convertesse ao espiritismo como opção ideológica.

Mas a grande novidade proposta por Edgard Armond foi instituir “escolas nos centros espíritas” e não “centros espí-ritas nas escolas”. Isso é uma importante distinção entre o espiritismo como vivência e o espiritismo como utopia. Allan Kardec superou esse obstáculo da utopia e gerou uma reali-dade social. Seus seguidores ortodoxos não conseguem fazer o que ele fez e repetem cansativamente, fora de época, o que foi feito com autenticidade no século XIX. Hoje muitos se frustram e chegam a pensar que abraçaram um ideal morto. Só não desistem porque são amparados pelos espíritos supe-riores nos momentos mais difíceis da suas interrogações ínti-mas. Léon Denis e Herculano Pires foram casos exemplares dessa visão admiravelmente idealista, produtiva no terreno

12 Harpas Eternas, pelo espírito Hilarion de Monte Nebo, psicografia de Josefa Rosália Luque Alvarez, Editora Pensamento. Hilarion é o líder da Fraternidade dos Essênios.13 “Uma poderosa rede, embora sem liderança, está trabalhando no sentido de provocar uma mudança radical nos Estados Unidos. Seus membros romperam com alguns elementos-chave do pensamento ocidental. E até mesmo podem ter rompido com a continuidade da história”. Página 23. Editora Record. Ver o item o Espiritismo e o futuro da humanidade, capítulo V. 14 “Reflexões sobre a morte” e “Vivendo o processo de morrer”, in Um jeito de Ser. Ver o texto citado no posfácio deste livro.

intelectual, porém utópica e improdutiva no aspecto social. Armond, ao contrário, decidiu romper essa utopia criada pela mediocridade dos seguidores ortodoxos de Kardec. A expres-são “medíocre” não é no sentido pejorativo, mas comparativa à grande dimensão visionária e prática que o codificador tinha da doutrina. O diferencial dessa educação espírita ini-ciática, no aspecto filosófico, é a atualização, pela abertura, de antigas verdade espirituais, sobretudo pela dimensão pluralista das existências, o que a torna mais completa e flexível. No aspecto técnico ela desvenda a mente espiritual, transformando as hipóteses científicas das teorias educacio-nais em conhecimento real. Com o espiritismo as ideias sobre as fases de cognição e aprendizagem moral ganharam um significado mais claro e menos abstrato. Mas a ligação entre essas correntes e a educação espírita, com o diferencial da reencarnação e da mediunidade, não se restringe somente ao fato de aceitar ou não a doutrina dos espíritos, com as ideias da mente espiritual e das múltiplas existências. Somente um método objetivo e prático de ensino-aprendizagem é capaz de realizar essa fusão de conhecimentos. Nesse aspecto, a Escola de Aprendizes do Evangelho é uma experiência vanguardista.

Se o que Armond fez é certo ou errado, bom ou ruim, puro ou impuro, é uma simples questão de opinião ou ponto de vista doutrinário; mas que é uma reviravolta histórica, não há a menor dúvida. Segundo ele, a autoria dessa ideia de “vivência espírita” não foi sua, mas de espíritos ligados ao cristianismo primitivo, que sugeriram o estudo e adaptação de técnicas de iniciação utilizadas pelos antigos essênios, con-tidas no “Manual de Disciplina”, descrito mediunicamente e descoberto mais recentemente entre os manuscritos do Mar Morto. Isso dificilmente poderia ter sido realizado em outra seara cristã senão no seio do movimento espírita religioso, ainda assim, com muitas reservas. É um dos grandes marcos históricos após advento da codificação e das lutas pioneiras pela organização do movimento espírita no Brasil. Observa-se que não há, realmente, nenhuma novidade doutrinária ou incompatibilidade de conteúdo com a doutrina espírita. Houve inovação no ponto de vista de quem observa a dou-trina. Todos os elementos praticados dentro dessas escolas foram extraídos de exemplos citados pela literatura espírita, de situações que são consideradas rotineiras nas comunidades espirituais, a maioria descritas por André Luiz: cerimônias de caráter místico e fraterno, imagens simbólicas de identifica-ção de grupos, cantorias musicais de temática evangélica etc. O que Armond fez foi inovar, em nosso tempo, na metodo-logia, ou no “como transformar” em realidade prática aquilo que Allan Kardec demonstrou nas suas caracterizações aqui citadas e também na prática do seu tempo. A palavra “inicia-ção”, tal como Kardec usou em Obras Póstumas, para relatar como chegou e se aprofundou no espiritismo, é um “processo” e não um simples fato inicial isolado e estanque, sem maiores conseqüências morais. Antes de Armond, essas diferenças ficavam apenas no plano teórico e doutrinário, restritas a pessoas incomuns; com ele, elas adquiriram um tratamento técnico-didático voltado para pessoas comuns, adquirindo

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dimensões realmente sociais. Meio século antes do apareci-mento das teorias das múltiplas inteligências, ou inteligência emocional, as Escolas de Aprendizes do Evangelho já faziam a distinção entre cérebro e mente, entre pensamento, ação e emoção. Na definição e exploração dos tipos de inteligência (musical, lingüística, espacial, lógico-matemática, cinestésico-corporal e pessoal), Armond propunha um mergulho nesta última, estabelecendo, em bases evangélicas e espíritas, uma relação prática entre a inteligência intra-pessoal e a inteligên-cia interpessoal. A harmonia ou, como observou Rogers,15 a solução do conflito “congruência versus a incongruência do Eu”, ou seja, “aquilo que Sou versus aquilo que eu quero Ser”, é um longo processo de reformulação de valores, ou reforma íntima, que precisa ser iniciado e perseguido durante toda a vida. As provas e expiações, ensinadas pelos espíritos, acon-tecem sempre nesse sentido.

É claro que nem todos os espíritas se identificam com essas propostas, exatamente porque somos, todos, diferentes na forma de entender, compreender e ainda vivenciar o espiri-tismo. Mas, não é porque não temos afinidade com tais ideias e experiências, que vamos negar que elas tenham o seu valor prático e histórico no movimento; e muito menos combatê-las ou agredi-las como se fossem “heresias” contra os “dogmas” kardecistas. Isso não significa que não deva sofrer críticas analíticas e comparativas, perfeitamente naturais em ambien-tes filosóficos abertos e não sectários. Ney Prieto Peres, cola-borador de Armond e um dos fundadores da Aliança Espírita Evangélica e do Setor III16 da Fraternidade dos Discípulos de Jesus, elaborou um trabalho de comparação teórica e prática da Escola de Aprendizes do Evangelho com a codificação, mostrando em detalhes a perfeita sintonia dessa proposta com a doutrina espírita. O resultado foi o livro Manual Prático do Espírita,17 onde se estabelece logo de inicio a dife-rença entre doutrina e método de ensino doutrinário. Trata-se de uma adaptação metodológica sem os recursos ilustrativos das aulas de história, geografia, biologia, antropologia etc., que compõem o programa de aulas da iniciação. Não tem também os recursos cerimoniais iniciáticos utilizados por Armond, muito importantes na fixação vivencial dos concei-tos; o livro concentra-se apenas no aspecto teórico e exercí-cios dos processos de reformulação de sentimentos e atitudes. O trabalho de Peres foi prefaciado duas vezes por Edgard Armond, que não viu nenhum problema deste novo formato “segundo a doutrina espírita”, exatamente porque mantinha a essência da escola, que era a ênfase na ideia de reforma íntima. Mesmo assim, o assunto reforma íntima ainda é tabu no meio espírita e continua sofrendo restrições por alguns segmentos ou sendo tratado de forma superficial e banali-zada em outros tantos, provando que o obstáculo quanto à natureza da escola nunca foi de caráter doutrinário ou de 15 Carl Rogers: o homem e suas ideias. Richard I. Evans. Livraria Martins Fontes Editora.16 A Feesp é considerado o Setor I e a Aliança Espírita Evangélica, fundada em 1973, é considerado o Setor II. São diferentes agrupamentos de atuação no movi-mento espírita e na própria Fdj, que possuem em comum a Escola de Aprendizes do Evangelho e a participação de seus membros na Fraternidade dos Discípulos de Jesus.17 Editora Pensamento.

Dalmo Duque dos Santos é paulista de Porto Tibiriçá (atual Presidente Epitácio). Nasceu em família espírita, cresceu frequen-tando grupos de mocidade e mili-tando como colaborador em cen-tros espíritas do litoral sul pau-lista. É professor efetivo da rede pública estadual e docente de humanidades em cursos superio-

res na Baixada Santista. Iniciou seus estudos superiores na Universidade Católica de Santos, em 1984, bacharelando-se em História na Pontifícia Universidade Católica de São Pau-lo (PUC), em 1990. Graduou-se também em Pedagogia, em 1993, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Presi-dente Venceslau. Pós-graduou-se em 2002 como Mestre em Comunicação, pela Universidade Paulista (UNIP). Na área literária espírita, criou e adaptou a coleção de bolso O Evan-gelho do Dia e escreveu os ensaios A Inteligência Espiritual e Você em Busca de Você Mesmo, sobre a crise e as trans-formações do ser humano neste início do Terceiro Milênio. Colabora como articulista em vários sites da internet, onde também alimenta vários blogs especializados em comuni-cação espírita, entre eles Observador Espírita, O Relógio e a Bússola, Espírito nas Escolas e História do Espiritismo.

pureza doutrinária e sim de capacidade emocional de assimi-lação dessas propostas. Depois de várias décadas de história ninguém, até este momento, se deu ao trabalho de estudar a fundo as estruturas das Escolas de Aprendizes do Evangelho como objeto científico educacional – sociológico antropológi-co – e tantas outras nuances culturais que ela traz embutidas no seu funcionamento. Pelo pouco que ainda conhecemos, e também através de conversas com pessoas idôneas e expe-rientes no setor, chega-se a uma conclusão muito simples: a escola de Armond é uma reprodução de muitas que existem há muito tempo no mundo dos espíritos, sobretudo nas colô-nias próximas da Terra e que se dedicam a adaptação dos desencarnados aos problemas da erraticidade. Só não haviam sido implantadas anteriormente porque, estando muito a frente do seu tempo, certamente seriam duramente rejeitadas, pela imaturidade e a mediana visão de mundo que marcava o movimento espírita nos primeiros tempos. Quem conhece a nossa história na França e no Brasil sabe do que estamos falando. Não devemos esquecer que até mesmo a simples ideia de escola intelectual era muito combatida; imagine então uma escola iniciática. Falar de reforma íntima naque-les tempos era uma postura de “religiosos”, uma verdadeira “heresia” aos postulados “científicos” do espiritismo.

Nova História do EspiritismoDalmo Duque dos SantosEditora do ConhECimEnto

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(Guaratinguetá, 14 de junho de 1894 — São Paulo, 29 de novembro de 1982)

No dia 29 de novembro, às 4h30, no Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo, o comandante Edgard Armond retornou à pátria espiritual. Estava com 88 anos completos. Seu corpo foi sepulta-do no Cemitério de Vila Mariana. Foi, pioneiro do movimento de unificação, tendo lançado a idéia de criação da USE — União das Sociedades Espíritas.

A Federação Espírita do Estado de São Paulo ganhou vida em suas mãos e, por 30 anos, cresceu sob seus cuidados; em 1973, a Aliança Espírita Evangélica nasceu sob sua inspiração. Edgard Armond foi, sem dúvida nenhuma, o continuador da obra de Bezerra de Menezes, no tocante à difusão e vivência do espiritismo em seu aspecto religioso. Filho de Henrique Ferreira Armond (de Barbacena) e de Leonor Pereira de Souza Armond (de Formiga), ambos de Minas Gerais. Nasceu a 14 de junho de 1894, em Guaratinguetá, estado de São Paulo. Em Guaratinguetá fez os cursos primário e secundário, transferindo-se para São Paulo em 1912, e no mesmo ano, para o Rio de Janeiro, ingressando no comércio e, ao mesmo tempo, prosseguindo seus estudos.

Em 1914, ao romper a Grande Guerra, voltou para São Paulo e alistou-se na Força Pública do Estado, como praça de pré e, dois anos depois, ingressou na Escola de Oficiais, como 1º sargento, sain-do aspirante em 1918, casando-se no ano seguinte com Nancy de Menezes, filha do Marechal do Exército Manoel Felix de Menezes. Em 1923 matriculou-se na Escola de Farmácia e Odontologia do Estado, diplomando-se em 1926. Na revolução de 1930, como capitão, serviu no Estado Maior, voltando em seguida ao magistério militar na Escola de Oficiais e no Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais, lecionando administração e legislação militar.

Em 1931 fez estudos e apresentou projeto de construção de uma estrada de rodagem, de Paraibuna a São Sebastião, visando ligar o litoral norte, abandonado e deserto, ao Planalto e ao sul de Minas; não havendo recursos disponíveis, utilizou praças da própria Força, prestes a serem desincorporados; como não se tratava de serviço próprio da corporação, o projeto sofreu grandes embaraços, mas foi, afinal, aprovado, cabendo-lhe a direção pessoal desse empre-endimento, sem contar, entretanto, com os indispensáveis recursos materiais. Regressando em 1934, assumiu o subcomando da Escola de Oficiais; em seguida organizou a Inspetoria Administrativa da Força e, por conveniência organizativa, fez concurso para o qua-dro de Administração da Força Pública, sendo classificado como tenente-coronel, na chefia do Serviço de Intendência e Transporte, onde permaneceu até 1938, quando sofreu acidente grave, perma-necendo, porém, nessa chefia até 1939, quando foi transferido para o Q.G.; solicitando reforma. Foi julgado inválido para o serviço militar, abandonando o serviço em princípios de 1940. Nesse último período escreveu: Tratado de Topografia Ligeira (dois volumes) e Guerra Cisplatina (discursos).

Em abril de 1938, passando pela praça João Mendes, foi abor-dado por um negro pedreiro, que lhe fizera, há tempos, um pequeno serviço em casa e que se apresentou dizendo ser freqüentador de um centro espírita de Vila Mariana e recebera a incumbência de procurá-lo e transmitir-lhe um recado, segundo o qual, em junho do referido ano, seria vítima de um sério acidente. Não deu importân-cia ao aviso, mas nesse período de tempo, sofreu dois acidentes de carro, ligeiros, dos quais se livrou sem maiores conseqüências, até que, no dia 28 de junho, dirigindo seu carro oficial, teve um encon-tro com um caminhão de água da prefeitura, no parque D. Pedro II, quebrando os dois joelhos, além de outros ferimentos de menor importância. No dia seguinte, hospitalizado e ainda em estado de choque, foi procurado por duas pessoas: o motorista do caminhão que vinha pedir sua proteção para não perder o emprego e a sua carta (de habilitação), pedido esse que atendeu; e o pedreiro negro que informava que o que aconteceu fora para poder trabalhar para o espiritismo. Após várias cirurgias e tratamentos custosos, ficou quase sem poder andar durante seis meses, passando, em seguida, a usar muletas, com grande redução de movimentos.

Conhecia bem o espiritualismo em geral. Em 1910, na cidade natal, iniciou estudos sobre religiões e filosofias, demorando-se mais nos conhecimentos orientais, mais ricos de ensinamentos e de tra-dições. Em 1921, comandando na cidade de Amparo, entrou para a maçonaria, para conhecimento desse setor tradicional, deixando de freqüentá-la alguns anos depois, no grau de mestre. Regressando à capital, fez contatos pessoais com líderes esoteristas, ocultistas e espíritas, entre outros Krishnamurti, Krum Heler, Jenerajadasa, Raul Silva (sobrinho de Batuíra) e o famoso médium Mirabelli, então em franco destaque no setor de efeitos físicos.

Em 1936 concorreu a formar, a convite de Canuto Abreu, um grupo de estudos e praticas espirituais, que funcionava na residência do referido Canuto. Nessa época visitou vários centros espíritas particulares, que se dedicavam exclusivamente a traba-

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lhos de efeitos físicos nos arrabaldes da capital, todos animados pelos resultados notáveis obtidos pela família Prado, em Belém do Pará. Lera, a essa altura, grande parte da literatura espírita e, um domingo à tarde, anos mais tarde (1939), passando pela rua do Carmo, notou aglomeração à porta da Associação das Classes Laboriosas; indagando, soube que ali estava se realizando uma comemoração de Kardec. Entrou e assistiu parte dela, ali vendo e ouvindo alguns líderes espíritas antigos, como, por exemplo, João Batista Pereira, Lameira de Andrade, Américo Montagnini, estando também presente o médium Chico Xavier, que apenas iniciava sua tarefa mediúnica. Nessa reunião recebeu um livreto intitulado Palavras do Infinito, de Humberto de Campos, con-tendo mensagens avulsas de entidades desencarnadas, distribuído pela recém-formada Federação Espírita do Estado de São Paulo. Esse opúsculo aumentou fortemente seu interesse pela doutrina. Desde o ano anterior, convalescendo do grave acidente, já estava sendo levado a trabalhos de cooperação espírita, ajudando pessoas a preparar palestras e conferências, que o procuravam em casa, na recém-fundada federação e em outras casas espíritas.

Em 1939, já estando licenciado para reforma do serviço ativo, passou pela rua Maria Paula, para onde a federação havia se mudado há poucos dias e, vendo à porta uma placa com o letreiro “Casa dos Espíritas do Brasil”, entrou, sendo muito bem recebido, no corredor, pelo confrade João dos Santos, e por este apresentado a outros que ali se encontravam, com os quais palestrou algum tempo, sendo em seguida, convidado a colaborar, convite que acei-tou. Dias depois, recebeu um memorando assinado por Américo Montagnini, presidente recém-eleito, comunicando haver sido eleito para o cargo de secretário-geral da Federação. Retirou-se da administração da casa em 1967.

Aprendizes do Evangelho Para situar o Espiritismo à vontade em relação aos conheci-

mentos e tradições religiosas da humanidade, duas coisas foram também realizadas com desassombro: uma, no campo externo — a publicação de vários livros de formação cultural-doutrinária, como Os Exilados da Capela (1949) e Na Cortina do Tempo (1962), mostrando os albores das civilizações primitivas, seu intercâmbio com outros orbes, assuntos estes que, atualmente, estão sendo afoi-tamente tratados em obras best-sellers por escritores estrangeiros de nomeada; e no campo interno, no cumprimento do programa do Alto, se criou a Escola de Aprendizes do Evangelho (1950), órgão primeiro de uma Iniciação Espírita de larga esfera de ação, com base no Evangelho Cristão; e uma série de 21 livros didáticos, parte deles para uso na referida escola e parte para a Fraternidade dos Discípulos de Jesus, termo global da iniciação referida.

Nessa iniciação foram oferecidos conhecimentos espirituais mais amplos, com predominância do que foi estabelecido para a reforma íntima dos adeptos, base insubstituível da evangeliza-ção, a seu turno condição fundamental da redenção espiritual do homem encarnado. Ao adoecer, em fins de 1965, o Comandante, mesmo assim, prosseguiu colaborando oficialmente.

http://www.spiritist.com/armondport.html

O mundo interno

Em todos os casos, sejamos ignorantes ou sábios, retar-dados ou evoluídos, tudo o que se faz a Lei registra, e nada escapa à sua surpreendente flexibilidade. No esforço de escla-recimento próprio, ler, interpretar, colaborar na divulgação da Doutrina, obter conhecimento teórico, tudo isso é fácil; oferece atrativos e até causa deleite, porém só vale o que se passa no íntimo.

O mundo interno é que é o nosso mundo. Não vivemos para solucionar os problemas do Universo, porque estes já estão desde sempre solucionados por Deus. Nosso problema é a questão evolutiva, o desenvolvimento do Eu individual. Porque há um céu interno, feito de valores divinos, que deve-mos revelar, exteriorizar, se bem que, muito ao contrário, o que sucede é que os homens mais se devotam às coisas exteriores, preocupando-se com problemas inúmeros, pertencentes qua-se todos à criação divina e, portanto, já elaborados e solucio-nados, desde sempre, por Deus.

Esses problemas exteriores, para que se os conheça basta que se lhes dê atenção, que se os estude, utilizando-se da inte-ligência e, nesse esforço, mesmo quando se descubra coisa nova, nada mais se faz que penetrar em terreno já conhecido antes, já existente antes, unicamente ainda desconhecido para nós. Mas o campo interno, esse precisa ser edificado por nós, realizado e revelado por nós mesmos; esse é que é o nosso problema fundamental, para solução do qual fomos criados, encarnamos e desencarnamos, sofrendo e aprendendo sempre.

Nada que seja exterior nos dará felicidade, nem resolverá nossa equação espiritual, antes que primeiramente o campo interno tenha sido conquistado, edificado e revelado por nós, com sacrifício, perseverança e sofrimento, e antes que, para essa solução, saibamos manejar a arma poderosíssima do Evangelho, isto é, a do amor, porque esta é a chave maravi-lhosa que abre todas as portas do mundo espiritual. Foi isso que Jesus revelou como fundamento de seus ensinos e foi com isso que Ele apontou o caminho da Redenção.

O amai-vos uns aos outros é isso ...Ele nos mostrou até onde podemos ir no esforço imenso

da evolução, dizendo que o Reino de Deus está dentro de nós; e por isso nosso pensamento principal deve ser esse de revelar o Eu interno, despertar em nós as virtudes crísticas, realizar em nós o Reino de Deus, para vivermos nele e nos libertarmos do círculo das reencarnações punitivas.

A esse esforço glorioso de realizar o amor, criando-o, pri-meiramente, em nosso coração e depois expandindo-o para fora com o intuito de com ele beneficiar o mundo, é que devemos intensamente nos devotar.

Este é o acrisolamento de toda a iniciação, seu ponto alto, definitivo, porque o amor é o fator transcendente da evo-lução, o único que constrói para a eternidade e que representa o rumo seguro e certo para a edificação, desde já, do Reino de Deus na Terra.

Edgard Armond

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Introdução

É sob o golpe da dor profunda causada pela partida prematura do venerável fundador da dou-trina espírita, que abordamos a nossa tarefa, sim-ples e fácil para as suas mãos sábias e experimenta-das, mas cujo peso e gravidade nos acabrunhariam se não contássemos com o concurso eficaz dos bons Espíritos e a indulgência dos nossos leitores.

Quem, entre nós, sem ser taxado de presunço-so, poderia se gabar de possuir o espírito de méto-do e de organização dos quais se iluminam todos os trabalhos do mestre? Sua poderosa inteligência podia concentrar sozinha tantos materiais diversos, e triturá-los, transformá-los, para se derramarem em seguida como orvalho benfazejo, sobre as almas desejosas de conhecerem e de amarem.

Incisivo, conciso, profundo, sabia agradar e se fazer compreendido, numa linguagem ao mesmo tempo simples e elevada, tão longe do estilo fami-liar quanto das obscuridades da metafísica.

Multiplicando-se sem cessar, pudera, até aqui, bastar a tudo. Entretanto, o crescimento diário de suas relações e o desenvolvimento incessante do es-piritismo faziam-lhe sentir a necessidade de acom-panhar-se de alguns ajudantes inteligentes, e prepa-rava, simultaneamente, a organização nova da dou-trina e de seus trabalhos, quando nos deixou para ir, num mundo melhor, colher a sanção da missão cumprida, e reunir os elementos de uma nova obra de devotamento e de sacrifício.

Ele era só!... Chamar-nos-emos legião, e, por fracos e inexperientes que sejamos, temos a ínti-ma convicção de que nos manteremos à altura da situação, se, partindo dos princípios estabelecidos e de uma evidência incontestável, nos fixarmos em executar, tanto quanto nos seja possível, e segundo as necessidades do momento, os projetos de futuro que o próprio sr. Allan Kardec se propusera cumprir.

Enquanto estivermos nesse caminho, e que todas as boas vontades se unirem num comum esforço para o progresso intelectual e moral da Humanidade, o espírito do grande fi-lósofo estará conosco e nos secundará com a sua poderosa influência. Possa ele suprir a nossa insuficiência, e possamos nos tornar dignos de seu concurso, em nos consagrando à obra com tanto devotamento e sinceridade, senão com tanto de ciência e de inteligência!

Escrevera sobre a sua bandeira estas palavras: trabalho, solidariedade, tolerância. Sejamos, como ele, infatigáveis; se-jamos, segundo os seus desejos, tolerantes e solidários, e não temamos em seguir o seu exemplo repondo vinte vezes entre

as mãos os princípios ainda discutidos. Apelamos a todos os concursos, a todas as luzes. Tentaremos avançar com certeza antes que com rapidez, e os nossos esforços não serão infru-tíferos, se, como disso estamos persuadidos, e como lhe sere-mos os primeiros a dar o exemplo, cada um se empenhar em cumprir o seu dever, colocando de lado toda questão pessoal para contribuir ao bem geral.

Não poderíamos entrar sob auspícios mais favoráveis na nova fase que se abre para o espiritismo, do que fazendo os nossos leitores conhecerem, num rápido esboço, o que foi, toda a sua vida, o homem íntegro e honrado, o sábio inte-ligente e fecundo, cuja memória se transmitirá aos séculos futuros, cercada da auréola dos benfeitores da Humanidade.

Nascido em Lyon, a 3 de outubro de 1804, de uma antiga

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família que se distinguiu na magistratura e na advocacia, o sr. Allan Kardec (Hippolyte-Léon-Denizard Rivail) não seguiu essa carreira. Desde sua primeira juventude, sentia-se atraído para o estudo das ciências e da filosofia.

Educado na Escola de Pestalozzi, em Yverdum (Suíça), tornou-se um dos discípulos mais eminentes desse célebre professor, e um dos zelosos propagadores do seu sistema de educação, que exerceu uma grande influência sobre a reforma dos estudos na Alemanha e na França.

Dotado de uma inteligência notável e atraído para o en-sino pelo seu caráter e as suas aptidões especiais, desde a idade de quatorze anos, ensinava o que sabia àqueles de seus condiscípulos que tinham adquirido menos do que ele. Foi nessa escola que se desenvolveram as idéias que deveriam, mais tarde, colocá-lo na classe dos homens de progresso e dos livres pensadores.

Nascido na religião católica, mas estudante em um país protestante, os atos de intolerância que ele teve que sofrer a esse respeito, lhe fizeram, em boa hora, conceber a idéia de uma reforma religiosa, na qual trabalhou no silêncio durante longos anos, com o pensamento de chegar à unificação das crenças; mas lhe faltava o elemento indispensável para a so-lução desse grande problema.

O espiritismo veio mais tarde lhe fornecer e imprimir uma direção especial aos seus trabalhos.

Terminados os seus estudos, veio para a França. Domi-nando a fundo a língua alemã, traduziu para a Alemanha diferentes obras de educação e de moral, e, o que é caracterís-tico, as obras de Fénélon, que o seduziram particularmente.

Era membro de várias sociedades sábias, entre outras da Academie Royale d’Arras, que, em seu concurso de 1831, o premiou por uma dissertação notável sobre esta questão: “Qual é o sistema de estudos mais em harmonia com as ne-cessidades da época?”

De 1835 a 1840, fundou, em seu domicílio, à rua de Sèvres, cursos gratuitos, onde ensinava química, física, ana-tomia comparada, astronomia etc.; empreendimento digno de elogios em todos os tempos, mas sobretudo numa época em que um bem pequeno número de inteligências se aventurava a entrar nesse caminho.

Constantemente ocupado em tornar atraentes e interes-santes os sistemas de educação, inventou, ao mesmo tempo, um método engenhoso para aprender a contar, e um quadro mnemônico da história da França, tendo por objeto fixar na memória as datas dos acontecimentos notáveis e das desco-bertas que ilustraram cada reinado.

Entre as suas numerosas obras de educação, citaremos as seguintes: Plano proposto para a melhoria da instrução pú-blica (1828); Curso prático e teórico de aritmética, segundo o método de Pestalozzi, para uso dos professores primários e das mães de família (1829); Gramática Francesa Clássica (1831); Manual dos Exames para os diplomas de capaci-dade; Soluções arrazoadas das perguntas e problemas de aritmética e de geometria (1846); Catecismo gramatical da língua francesa (1848); Programa de cursos usuais de

química, física, astronomia, fisiologia, que ele professava no LYCÉE POLYMATHIQUE; Ditado normal dos exames da Prefeitura e da Sorbonne, acompanhado de ditados espe-ciais sobre as dificuldades ortográficas (1849), obra muito estimada na época de sua aparição, e da qual, recentemente ainda, se faziam tirar novas edições.

Antes que o espiritismo viesse a popularizar o pseudôni-mo Allan Kardec, como se vê, soube se ilustrar por trabalhos de uma natureza toda diferente, mas tendo por objeto esclare-cer as massas e ligá-las mais à sua família e ao seu país.

“Por volta de 1855, desde que duvidou das manifesta-ções dos espíritos, o sr. Allan Kardec entregou-se a observa-ções perseverantes sobre esse fenômeno, e se empenhou prin-cipalmente em deduzir-lhe as conseqüências filosóficas. Nele entreviu, desde o início, o princípio de novas leis naturais; as que regem as relações do mundo visível e do mundo invisível; reconheceu na ação deste último uma das forças da Natureza, cujo conhecimento deveria lançar luz sobre uma multidão de problemas reputados insolúveis, e compreendeu-lhe a impor-tância do ponto de vista religioso.

“As suas principais obras sobre essa matéria são: O Livro dos Espíritos, para a parte filosófica e cuja primeira edição apareceu em 18 de abril de 1857; O Livro dos Médiuns, para a parte experimental e científica (janeiro de 1861); O Evan-gelho Segundo o Espiritismo, para a parte moral (abril de 1864); O Céu e o Inferno, ou a Justiça de Deus segundo o Espiritismo (agosto de 1865); A Gênese, os Milagres e as Pre-dições (janeiro de 1868); a Revista Espírita, jornal de estudos psicológicos, coletânea mensal começada em 1º de janeiro de 1858. Fundou em Paris, a 1º de abril de 1858, a primeira sociedade espírita regularmente constituída, sob o nome de Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, cujo objetivo ex-clusivo era o estudo de tudo o que pode contribuir para o progresso desta nova ciência. O sr. Allan Kardec nega a justo título de nada ter escrito sob a influência de idéias preconce-bidas ou sistemáticas; homem de um caráter frio e calmo, ele observou os fatos, e de suas observações deduziu as leis que os regem; no primeiro deu a teoria e nele formou um corpo metódico e regular.

“Demonstrando que os fatos falsamente qualificados de sobrenaturais estão submetidos a leis, ele os faz entrar na or-dem dos fenômenos da Natureza, e destrói assim o último refúgio do maravilhoso, e um dos elementos da superstição.

“Durante os primeiros anos, em que se duvidou dos fenô-menos espíritas, essas manifestações foram antes um objeto de curiosidade; O Livro dos Espíritos fez encarar a coisa sob qualquer outro aspecto; então abandonaram-se as mesas gi-rantes que não foram senão um prelúdio, e que se reunia a um corpo de doutrina que abarcava todas as questões que interessam à Humanidade.

“Do aparecimento de O Livro dos Espíritos data a ver-dadeira fundação do espiritismo, que, até então, não possuía senão elementos esparsos sem coordenação, e cuja importân-cia não pudera ser compreendida por todo o mundo; a partir desse momento, também, a doutrina fixa a atenção dos ho-

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mens sérios e toma um desenvolvimento rápido. Em poucos anos, essas ideias acharam numerosos adeptos em todas as classes da sociedade e em todos os países. Esse sucesso, sem precedente, liga-se sem dúvida às simpatias que essas idéias encontraram, mas deveu-se também, em grande parte, à cla-reza, que é um dos caracteres distintivos dos escritos de Allan Kardec.

“Abstendo-se de fórmulas abstratas da metafísica, o au-tor soube se fazer ler sem fadiga, condição essencial para a vulgarização de uma idéia. Sobre todos os pontos contro-vertidos, sua argumentação, de uma lógica fechada, ofereceu pouca disputa à refutação e pre-dispôs à convicção. As provas materiais que o espiritismo dá da existência da alma e da vida futura tendem à destruição das idéias materialistas e pante-ístas. Um dos princípios mais fecundos dessa doutrina, e que decorre do precedente, é o da pluralidade das existências, já entrevisto por uma multidão de filósofos, antigos e modernos, e nestes últimos tempos por Jean Reynaud, Charles Fourier, Eugène Sue e outros; mas permanecera no estado de hipótese e de sistema, ao passo que o espiritismo demonstra-lhe a rea-lidade e prova que é um dos atributos essenciais da Humani-dade. Desse princípio decorre a solução de todas as anomalias aparentes da vida humana, de todas as desigualdades intelec-tuais, morais e sociais; o homem sabe, assim, de onde veio, para onde vai, e por que fim está sobre a Terra, e porque sofre.

“As idéias inatas se explicam pelos conhecimentos ad-quiridos nas vidas anteriores; a marcha dos povos e da Hu-manidade, pelos homens dos tempos passados que revivem depois de terem progredido; as simpatias e as antipatias, pela natureza das relações anteriores; essas relações, que ligam a grande família humana de todas as épocas, dão por base as próprias leis da Natureza, e não mais uma teoria, aos grandes princípios da fraternidade, da igualdade, da liberdade e da solidariedade universal.

“Em lugar do princípio: Fora da Igreja não há salvação, que entretém a divisão e a animosidade entre as diferentes seitas, e que fez derramar tanto sangue, o espiritismo tem por máxima: Fora da Caridade não há salvação, quer dizer, igual-dade entre os homens diante de Deus, a tolerância, a liberda-de de consciência e a benevolência mútua.

“Em lugar da fé cega que anula a liberdade de pensar, ele diz: Não há fé inquebrantável senão aquela que pode olhar a razão face a face em todas as épocas da Humanidade. À fé é necessária uma base, e essa base é a inteligência perfeita daquilo que se deve crer; para crer não basta ver, é necessário, sobretudo, compreender. A fé cega não é mais deste século; ora, é precisamente o dogma da fé cega que faz hoje o maior número de incrédulos, porque ela quer se impor e exige a adi-ção de uma das mais preciosas faculdades do homem: o racio-cínio e o livre arbítrio.” (O Evangelho Segundo o Espiritismo)

Trabalhador infatigável, sempre o primeiro e o último no trabalho, Allan Kardec sucumbiu, no dia 31 de março de 1869, em meio dos preparativos para uma mudança de local, neces-sitada pela extensão considerável de suas múltiplas ocupações. Numerosas obras que estavam no ponto de terminar, ou que

esperavam o tempo oportuno para aparecerem, virão um dia provar mais ainda a extensão e a força de suas convicções.

Morreu como viveu, trabalhando. Há muitos anos, sofria de uma doença do coração, que não podia ser combatida se-não pelo repouso intelectual e uma certa atividade material; mas inteiramente dedicado à sua obra, recusava-se a tudo o que podia absorver um dos seus instantes, às expensas de suas ocupações prediletas. Nele, como em todas as almas for-temente temperadas, a lâmina gastou a bainha.

O corpo se lhe tornava pesado e lhe recusava os seus ser-viços, mas o seu espírito, mais vivo, mais enérgico, mais fe-cundo, estendia sempre mais o círculo de sua atividade.

Nessa luta desigual, a matéria não poderia resistir eter-namente. Um dia ela foi vencida; o aneurisma se rompeu, e Allan Kardec caiu fulminado. Um homem faltava à Terra; mas um grande nome tomava lugar entre as ilustrações deste século, um grande espírito ia se retemperar no Infinito, onde todos aqueles que ele consolara e esclarecera esperavam im-pacientemente a sua chegada!

“A morte, disse ele ainda recentemente, a morte bate com golpes redobrados nas classes ilustres!... A quem virá agora libertar?”

Ele veio, junto a tantos outros, se retemperar no espaço, procurar novos elementos para renovar o seu organismo usa-do numa vida de labores incessantes. Partiu com aqueles que serão os faróis da nova geração, para retornar logo com eles para continuar e terminar a obra deixada em mãos devotadas.

O homem aqui não mais está, mas a alma permanece entre nós; é um protetor seguro, uma luz a mais, um trabalha-dor infatigável do qual se acresceram as falanges do espaço. Como sobre a Terra, sem ferir ninguém, saberá fazer ouvir a cada um os conselhos convenientes; temperará o zelo prema-turo dos ardentes, secundará os sinceros e os desinteressados, e estimulará os tíbios. Ele vê, sabe hoje tudo o que previra recentemente ainda! Não está mais sujeito nem às incertezas, nem aos desfalecimentos, e nos fará partilhar a sua convicção em nos fazendo tocar o dedo no objetivo, em nos designando o caminho, nessa linguagem clara, precisa, que dele fez um tipo nos anais literários.

O homem aqui não mais está, nós o repetimos, mas Allan Kardec é imortal, e a sua lembrança, os seus trabalhos, o seu espírito, estarão sempre com aqueles que tiverem, firme e al-tamente, a bandeira que ele sempre soube respeitar.

Uma individualidade poderosa constituiu a obra; era o guia e a luz de todos. A obra, sobre a Terra, nos terá o lugar do indivíduo. Não se reunirá mais ao redor de Allan Kar-dec: reunir-se-á ao redor do espiritismo tal como o constituiu, e, pelos seus conselhos, sob a sua influência, avançaremos a passos certos para as fases felizes prometidas à Humanidade regenerada.

Revista Espírita, maio de 1869

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4. Todo aquele que, por amor ao meu nome, tiver deixado sua casa, seus irmãos, suas irmãs, seu pai, sua mãe, seus filhos, sua mulher, ou suas terras, receberá por isso cem vezes mais, e herdará a vida eterna. (Mateus, 19:29).

5. Então Pedro disse a Jesus: “Quanto a nós, vês que tudo deixamos, e te seguimos”. E Jesus lhe respondeu: “Em ver-dade, vos digo que ninguém que tenha deixado sua casa, seu pai e sua mãe, ou seus irmãos, sua mulher, ou seus filhos, pelo reino de Deus, deixará de receber, já neste mundo, muito mais, e, no século vindouro, a vida eterna”. (Lucas, 18:28-30).

6. Um outro disse também a Jesus: “Senhor, eu te seguirei, mas permite que antes disponha do que tenho em minha casa”. E Jesus lhe respondeu: “Todo aquele que, tendo a mão no arado, olhar para trás, não é digno do reino de Deus”. (Lucas, 9:61 e 62).

Sem discutir as palavras usa-das aqui, deve-se procurar o pen-samento original que, evidente-mente, era este: Os interesses da vida futura estão acima de todos os interesses e de

todas as considerações humanas, pois isso sim está de acordo com a essência da doutrina de Jesus, ao passo que a hipótese de renúncia à família seria sua negação. Aliás, não vemos diante de nós a aplicação dessas máximas quando se sacrifica os interesses pessoais e as afeições familiares para servir à Pátria? Por acaso, se condena um rapaz por deixar o pai, a mãe, os irmãos, a mulher e os filhos para ir lutar em defesa de seu país? Ao contrário, não é ele considerado digno de elogios por privar-se da tranquilidade do lar, do convívio com os amigos, para cumprir um dever civil? Há, portanto, determinados deveres que se sobrepõem a outros. A lei não diz que uma jovem tem a obrigação de deixar seus pais e seguir o marido? O mundo está repleto de casos em que as mais dolorosas separações são necessárias. Mas nem por isso os laços afetivos se rompem, pois a distância não diminui o respeito e a dedicação que se deve aos pais, nem o carinho que se tem pelos filhos. Vê-se então que, mesmo tomadas ao pé da letra – com ex-

ceção da palavra odiar –, es-sas expressões não seriam a negação do mandamento que prescreve honrar pai e mãe, nem do sentimento de ternu-ra paternal, e, com mais ra-zão ainda, se apreendermos sua verdadeira intenção. Na verdade, sua finalidade era mostrar, por meio do exagero de linguagem, o quanto era imprescindível para o ho-mem o dever de preocupar-se com a vida futura. Aliás, para um povo em que os la-ços familiares tinham menos força do que numa civiliza-ção moralmente mais avan-çada, tais palavras deviam ser bem menos chocantes. Os laços familiares, muito mais frágeis entre os povos primitivos, fortaleceram-se com o desenvolvimento da sensibilidade e do senso mo-ral. A própria separação é ne-cessária ao progresso: ocorre tanto nas famílias como nas raças, que se degeneram se não houver cruzamentos, ou melhor, se não se mesclarem umas com as outras. É uma lei da natureza, tanto em benefício da evolução moral, como da evolução física.

Aqui as coisas são consi-deradas apenas do ponto de vista terreno. O espiritismo faz com que a vejamos de maneira mais elevada, ao nos mostrar que os verdadeiros laços de afeição são os laços do espírito, e não os do corpo; que esses laços não se rompem com a separação, nem mesmo pela morte do corpo; que se fortalecem na vida espiritual, pela depuração do espírito: verdade consoladora que nos dá uma grande força para suportar as contrariedades da vida. (Veja capí-tulo IV, número 18; capítulo XIV, número 8, desta obra).

Capítulo 23Estranha moral

O Evangelho Segundo o Espiritismo

É preciso que se dê mais importância à leitura do Evangelho. E, no entanto, abandona-se esta divina obra;faz-se dela uma palavra vazia, uma mensagem cifrada. Relega-se este admirável código moral ao esquecimento.