gregÓrio de nissa
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ISSN: 1984 -3615
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE
I ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS SOBRE O MEDITERRÂNEO ANTIGO
&
VIII JORNADA DE HISTÓRIA ANTIGA
2009
1
Ortodoxia e Santidade no Século IV: o exemplo da "Vida de Gregório Taumaturgo" de
Gregório de Nissa
Miriam Lourdes Impellizieri Silva (UERJ-DHIS)
Na segunda metade do século IV, a Igreja passava por um momento bastante peculiar,
pois, ao mesmo tempo em que seu poder e sua influência mostravam-se cada vez maiores no
Império, internamente encontrava-se dividida em intermináveis querelas, pressionada por
novos problemas surgidos a partir do seu próprio crescimento.
Se, por um lado, a expansão do Cristianismo aumentou o número de fiéis, por outro, este
crescimento não correspondeu a uma verdadeira cristianização dos costumes, obrigando a que
se processassem modificações na liturgia e no culto, de forma a torná-los mais atraentes aos
neófitos, agora majoritários.
Ao mesmo tempo, a intervenção sistemática dos imperadores romanos nas questões
religiosas cristãs, tanto naquelas de cunho dogmático ou doutrinário, quanto na própria
organização interna da Igreja, ocasionou freqüentes enfrentamentos, opondo o poder imperial
aos bispos. Estes últimos, depois de uma longa evolução iniciada no século II, passaram a
formar a nova classe dirigente da Igreja pós-constantiniana. Quase sempre, saídos de famílias
cristãs há várias gerações e pertencentes às camadas sociais mais elevadas, possuíam "uma
boa formação escolar, o que os predestinava às carreiras públicas mais importantes como
mestres de retórica, advogados ou estadistas1.
A eles caberiam as funções, entre outras, de zelar pelo cumprimento da ortodoxia, dando
combate a todas as doutrinas que se pusessem em desacordo com os dogmas determinados nos
Concílios e Sínodos - convocados muitas vezes pelos imperadores -, as chamadas heresias, e
de estimular o culto aos mártires, vistos como expoentes máximos da fé, modelos de vida
religiosa para todos os cristãos.
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Não poderíamos deixar de recordar, dentro deste quadro, aqui sistematizado em suas linhas
gerais, da difusão do monaquismo tanto no Oriente, onde nasceu, como no Ocidente, tornando
os monges merecedores do respeito e da veneração pela sua forma de vida pautada no
isolamento do mundo e pelas suas práticas ascéticas.
Será neste ambiente que Gregório de Nissa (335-390) escreverá sua Vida de Gregório
Taumaturgo (ou Panegírico de Gregório Taumaturgo), provavelmente inspirado pela Vida de
Santo Antão, redigida por Atanásio em cerca de 357, onde este último faz a exaltação do
monaquismo através de Antão, modelo de vida totalmente consagrada a Deus, e que logo teve
seguidores ilustres, como, Jerônimo com as Vidas de Paulo, Malco e Hilário, Sulpício Severo,
com a Vida de Martinho e Paulino de Nola, com a Vida de Ambrósio. E também pela
veneração que, na família do autor, havia em relação ao santo. Sua avó, Macrina, havia sido
discípula de São Gregório e documentos de primeira mão sobre ele haviam sido passados à
família, que os conservava ainda, na época em que redigiu aquela obra.
Misturando, em maior ou menor escala, o gênero panegírico com o biográfico2, os autores
cristãos promoviam, além das pessoas dos seus biografados, os novos valores da ortodoxia e
os novos heróis cristãos do século IV: os monges e os bispos, que formariam, dentro da Igreja,
uma elite considerada como diferente e superior aos demais cristãos, chamados, a partir daí,
indistintamente, de laicos.
Não é por acaso que quase todos os grandes personagens da Igreja, neste momento,
oscilassem entre o desejo pela vida monástica, principalmente a do monaquismo solitário (no
deserto ou na floresta), e as atribuições episcopais de que eram revestidos, na maioria das
vezes, contra a vontade3.
Nosso próprio autor, Gregório de Nissa, teve uma trajetória religiosa típica para sua época.
Nasceu em Cesaréia da Capadócia onde fez seus estudos (348), tornando-se leitor da igreja
local. Apesar da influência de seus irmãos mais velhos (Basílio e Macrina), seu fascínio pela
cultura clássica, principalmente pela filosofia, fez com que se tornasse mestre de retórica e se
casasse. Mais tarde, porém, instado por Gregório de Nazianzo, abandonou tudo e retirou-se
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para a vida monástica. Em 371, foi escolhido por seu irmão Basílio para bispo de Nissa.
Depois de vários incidentes, em que foi acusado pelos arianos de dilapidar os bens da Igreja,
conseguiu retornar à sua sede, participando do 2º Concílio de Constantinopla, em 381, quando,
defendeu de forma intransigente o Credo de Nicéia. Gozando de prestígio junto ao imperador
Teodósio, em 385, fez a oração fúnebre da princesa Pulquéria e da imperatriz Flacila. Sua
última intervenção datada ocorre em 394, quando participou do Sínodo de Constantinopla,
reunido para resolver uma discórdia entre bispos árabes.
Dos "Três Capadócios"4, é o que apresenta o estilo mais refinado, com forte influência da
retórica grega, tanto no vocabulário quanto na estrutura dos períodos. Deixou extensa obra
escrita, que pode ser dividida entre diferentes estilos: dogmáticos, exegéticos, ascéticos,
panegíricos de mártires e santos, orações fúnebres, discursos litúrgicos, discursos morais,
discursos dogmáticos e cartas5.
Quanto ao seu biografado, Gregório Taumaturgo, os dados seguros sobre sua vida são
poucos, todos fundamentados em uma longa tradição oral, recolhida pelo autor. Mal
conhecido e venerado no Ocidente, apesar de padroeiro de duas pequenas cidades da Calábria
(Staletti e Laureana), é um dos santos mais destacados da Igreja Ortodoxa, com festa em 17 de
novembro.
De certo, sabemos ter nascido em Neocesaréia do Ponto, em 213, de família pagã, e
recebido o nome de Teodoro. Órfão aos 14 anos, junto com seu irmão Atenodoro realizou
estudos retóricos e jurídicos, primeiro em Atenas e depois em Berito, na Fenícia, onde teria
adquirido fama pela sua seriedade, apesar da pouca idade. Conheceu Orígenes em Cesaréia, na
Palestina, por volta de 233. Fascinado pelo mestre, seguiu-o para Alexandria, onde além de se
converter ao Cristianismo, sendo batizado com o nome de Gregório, estudou com ele filosofia
e teologia por cinco anos. Seu encontro com Orígenes é descrito nos seguintes termos:
Como uma centelha, pois, introduziu-nos no coração, por um
lado ardia, crescia em nós o amor pelo Verbo santo, amabilíssimo, que
alegra tudo sumamente com a sua inefável beleza, por outro, por
aquele homem seu amigo e intérprete. Amor que me transpassa,
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induzindo-me a esquecer as outras atividades e os estudos que
pareciam ser a nós convenientes, até, as minhas belas leis, a pátria, os
parentes que permaneciam em Cesaréia e pelos quais havíamos
empreendido a viagem. Um só era o objeto do meu amor, da minha
predileção: a filosofia e o homem divino que a ensinava6.
Voltando para o Ponto (238), recolheu-se ao deserto. Sabedor de que Fedimo, bispo de
Amásia, pretendia fazê-lo bispo de Neocesaréia, refugiou-se em outro deserto, acabando por
ser consagrado, à distância e a sua revelia. Na pequena cidade, coube-lhe a missão de
desenvolver a igreja local, inexistente até então, já que segundo Gregório de Nissa, ali só havia
17 cristãos, tarefa da qual foi extremamente bem sucedido, visto que, quando de sua morte,
restavam na cidade apenas 17 pagãos!7
Apesar dos escassos documentos sobre sua vida8, seus escritos
9, também poucos, revelam-
nos um homem de ação, com personalidade incomum, grande carisma e atividade pastoral de
sucesso, destacando-se no combate ao paganismo e aos deuses pagãos, chamados sempre de
demônios.
Entre 250 e 251, durante a perseguição de Décio, aconselhou os cristãos de sua diocese a
fugir10
, refugiando-se com um companheiro em uma gruta fora da cidade. Em 268, participou
com seu irmão, também feito bispo, do Concílio de Antióquia que condenou Paulo de
Samósata. Morreu sob o reinado de Aureliano (entre 270 e 275).
Seu epíteto, Taumaturgo, foi-lhe dado, segundo a tradição, devido ao grande número de
milagres realizados, que, mesmo na época de Gregório de Nissa, um século depois, ainda eram
recordados pelas populações do Ponto e da Capadócia, conforme informa nosso autor11
e seu
irmão Basílio de Cesaréia:
Assim, em cada palavra sua, em cada ato que realizava sob o
influxo da graça brilhou como uma luz, sinal da potência celeste que o
acompanhava invisivelmente. Ainda grande é a admiração por ele
entre os habitantes do país, e a sua lembrança sempre nova e fresca está enraizada nas Igrejas, nem o tempo o pode remover. (Basilio de
Cesaréia, Sobre o Espírito Santo, 74)12.
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Na pena de Gregório de Nissa, todos os milagres realizados pelo Taumaturgo têm um forte
componente de enfrentamento com o demônio, associado aos deuses pagãos e a seus
sacerdotes, componente comum na literatura cristã da época. De forma destemida, usando
como armas o sinal da cruz, a palavra pronunciada ou escrita, ou ainda, o bastão que o ajudava
a se locomover, Gregório Taumaturgo realizava prodígios que enchiam de estupor e
maravilhavam a população dos lugares por onde passa.
Ao mesmo tempo em que idealizava a personalidade do santo, o autor, também, dava
movimento e dramaticidade a alguns episódios, como no caso da peste que sucedeu a delirante
festa das divindades pagãs, de forma a chamar a atenção dos cristãos do século IV para o
perigo representado por segui-las:
De repente, às danças se misturaram os lamentos, de modo que
por eles os prazeres se transformaram em luto e lágrimas, e, em lugar
do som das flautas e das festas, a cidade foi invadida aqui e ali pelos
cantos lúgubres13.
Já na festa em honra dos mártires, realizada logo após o fim das perseguições promovidas
pelo imperador Décio, a narrativa apresenta outro tom, produtor de outro efeito, o de trazer os
homens da idolatria para a verdadeira fé através da alegria, ressaltando, aqui, o caráter de
profundo conhecedor da natureza humana e de suas necessidades revelado pelo santo:
Dando-se conta, de fato, que o povo ingênuo e inexperiente
permanecia no erro do culto idolátrico pelos prazeres do corpo que
dele derivavam, para conseguir, dentro do possível, aquilo que
considerava como o mais importante, isto é, a passagem das tolas
superstições para Deus, permitiu-lhes que nas festas comemorativas
dos santos mártires se entregassem à alegria e ao divertimento (Ibid, p. 91).
Apesar do tom da caritas cristã das ações de Gregório Taumaturgo, ele é associado,
principalmente, a personagens do Antigo Testamento, como Abrão, José e Moisés, além de ser
comparado aos profetas Elias e Samuel, e ao rei Salomão14
. Aliás, em várias ocasiões ele é
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tratado como um novo Moisés, por ter levado, como o outro, a revelação da lei de Deus aos
outros homens (p. 48, p. 53, p. 65-66). Tais referências não nos devem surpreender, visto a
profunda influência da tradição veterotestamentária no pensamento dos Padres, tanto gregos
como latinos, e no próprio Cristianismo do primeiro milênio15
.
Neste ponto da nossa apresentação, gostaríamos de nos deter, principalmente, em três
questões: a primeira, relativa ao modelo de santidade em que Gregório Taumaturgo foi
inserido, o segundo, quanto a sua importância para o surgimento do culto mariano na Igreja
antiga e o terceiro sobre a permanência da sua memória no Mediterrâneo ao longo dos séculos.
Quanto à primeira questão, na segunda metade do século IV, época da redação da Vida,
pelo Niceno, começava a se esboçar o modelo de outros tipos de santidade, além daquela
martirial, amplamente dominante na Igreja. Como já vimos anteriormente, bispos e monges
tornaram-se os principais exemplos dos novos santos, substituindo o sangue derramado na
morte, pela fé, por uma vida de sacrifícios e ascese diária, em nome da pureza da fé e da sua
defesa. Contudo, no século III, quando o Taumaturgo viveu, os únicos venerados pela Igreja
como santos eram os mártires.
Assim, como classificar a santidade de Gregório Taumaturgo? Ele não foi mártir. Seria,
pois, um confessor? Mas ele não apresenta o perfil dos bispos santificados a partir do final do
século IV, nem tampouco pode ser classificado como santo monge ou eremita. Tais dúvidas
não são somente nossas, tendo ocorrido, inclusive aos homens do século IV, como demonstra
Basílio de Cesaréia ao se questionar sobre o lugar onde situar Gregório, que ele denomina de
"o Grande", ao fazer a apologia da sua santidade:
Gregório, o Grande e as suas palavras, onde situá-los? Por que
não com os apóstolos e profetas? Ele foi um homem que caminhou
com o mesmo espírito deles e por toda a vida seguiu as pegadas dos santos e durante toda a sua experiência manteve com cuidado a
linearidade da sua conduta evangélica. Eu digo que seríamos injustos
para com a verdade se não contássemos entre os familiares de Deus
esta alma que foi como uma grande "chama", que difunde o seu
esplendor ardendo na Igreja de Deus. Ele teve um grande poder sobre
os demônios, com a assistência do Espírito (Santo); além disso, teve
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uma tal graça no falar, capaz de conduzir as nações à obediência da fé,
que, tendo encontrado só 17 cristãos, conduziu a Deus por meio do
conhecimento, todo o povo da cidade e do campo.
Ele desviou o curso dos rios ordenando-lhes, em nome potente
de Cristo; secou um lago, que era a causa de contenda entre irmãos. As
suas predições de acontecimentos futuros foram tais que não devem
em nada às dos grandes profetas. Em suma, seria longo expor
detalhadamente os milagres deste homem, o qual, pela
superabundância dos dons da graça operados nele pelo Espírito, em
cada ação potente, em sinais e em prodígios, foi chamado de "segundo
Moisés" pelos próprios inimigos da Igreja. (Basílio de Cesaréia, op. cit., 74)16
Nosso Gregório se situa sempre no meio do caminho entre um modelo e outro.
Contudo, possui as virtudes que fazem dele merecedor do respeito e da veneração dos cristãos,
tais como a pobreza, a virgindade, a fé inabalável, a bondade, a caridade para com todos,
conforme nos narra Gregório de Nissa.
Os epítetos que lhe são conferidos são todos aqueles relativos à santidade cristã ao longo
dos tempos. Ele é o "atleta de Deus" na sua luta contra os pagãos (p. 53), é o "homem de
Deus" pela sua ação pastoral (p. 65), o "grande" pelos milagres realizados (pp. 33 e 56), o
"mediador da paz" (p. 62).
Possui clarividência e presciência - tem visões que o fazem prever acontecimentos futuros,
como quando da sua escolha como bispo por Fedimo (p. 49), e que lhe mostram o que
acontecia em outros lugares, caso de Troádio, que ele vê sofrendo o martírio em sua cidade,
quando estava refugiado no deserto (p. 87).
Tem poder sobre as forças da natureza, que se lhe tornam obedientes: por piedade dos que
sofriam com uma enchente, nas proximidades da margem do rio que a provocava, ali enterra
seu bastão, que se transforma em uma árvore frondosa, mudando o curso daquele e servindo
de limite para as futuras inundações (pp. 67-71); graças à força da sua oração, uma rocha anda
e se divide em duas, quando ele a conclama a tal, convertendo o sacerdote pagão, maravilhado
diante do que vira acontecer (pp. 64-65); para fazer a paz entre dois irmãos que ameaçavam
entrar em combate pela posse de um lago, depois de uma noite de vigília às suas margens,
transforma o lago em terra seca, acabando, assim, com a disputa (pp. 64-65); estando em uma
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montanha no deserto, onde se refugiara com um companheiro durante a perseguição de Décio
(249-250), tem seu paradeiro denunciado, e cercado pelos soldados imperiais, faz com que ele
e o outro se transformem em árvores aos olhos dos perseguidores, salvando-se (pp. 85-86); um
terremoto devasta a região da Capadócia, só deixando de pé a igreja que o santo construíra (p.
62).
Ele é o "senhor" dos elementos17
, que domina e apazigua graças as suas virtudes, em
benefício dos homens comuns, como nos episódios do milagre da rocha e do milagre do lago:
A ele obedece toda criatura, de qualquer modo sujeita, não só a
que ouve ou respira e é animada, mas se ha alguma além destas,
também ela recebe ordens do servo como se não fosse privada de
razão (p. 57);
Gregório, que com sua oração conseguiu anular a sentença de
morte decretada por estratégia do maligno, reconciliou consigo mesma
a natureza, transformando em alegria de paz, o desejo de morte (p. 66).
Mas, voltando a nossa pergunta anterior de como classificar a santidade gregoriana, talvez
a resposta se encontre no epíteto principal dado ao nosso Gregório: o Taumaturgo. Na época
da redação da sua Vida, final do século IV, não só a era dos mártires havia ficado para trás,
como também a da possibilidade da realização de novos prodígios e milagres, por seu
intermédio e intercessão, opinião compartilhada por um grande número de cristãos, entre eles
o próprio Gregório de Nissa e Santo Agostinho18
.
Assim, ao chamar Gregório de "o Taumaturgo", enfatizando os milagres que atestavam sua
ligação privilegiada com Deus, sempre atento aos seus pedidos, e seu profundo amor pelos
homens, o Niceno apontava para um novo modelo, que, contudo, só se desenvolveria
plenamente cerca de um milênio depois, na chamada Idade Média Central, o do santo da
caridade e da fé.
Já nossa segunda questão remete-nos ao desenvolvimento do culto mariano e sua relação
com os dogmas constituídos nos Concílios ecumênicos dos séculos IV e V, que fundamentam
toda a estrutura de crenças da Igreja. Se o primeiro dogma é o da Santíssima Trindade,
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estabelecido no Concílio de Nicéia e reafirmado no 2º Concílio de Constantinopla (381), o
segundo dogma pronunciado pela Igreja foi o da Maternidade Divina de Maria, determinado
no Concílio de Éfeso, de 431, que substituiu a denominação que ela recebera em Nicéia, de
Mãe do Filho de Deus para Mãe de Deus (Theotókos), e reafirmado no de Calcedônia (454).
O desenvolvimento do culto mariano deve-se, assim, às modificações relativas à vivência
religiosa cristã dos séculos IV e V, tais como o crescimento do monaquismo e do ideal de
isolamento do mundo que fez com que Maria se tornasse o retrato mais completo da Virgem
Consagrada, contrapartida feminina ao monaquismo masculino; as mudanças na liturgia e no
culto, ocorridas principalmente nas igrejas de Roma, Milão, Cesaréia da Capadócia,
Jerusalém, que levaram à composição de hinos, homilias, sermões, orações dirigidas à Maria.
E, principalmente, às discussões cristológicas e às heresias que muitas vezes as
acompanhavam.
Na esteira dos debates acerca da verdadeira natureza de Cristo, começa a destacar-se o
problema de definir exatamente o papel desempenhado por Maria no processo de salvação da
humanidade.
Não por acaso, o título de Theotókos foi-lhe dado pela primeira vez, no século III, por
Orígenes de Alexandria (mestre de Gregório Taumaturgo), difundindo-se no século seguinte
(principalmente entre os Padres gregos), bem antes dos Concílios de Éfeso e de Calcedônia.
No Concílio de Constantinopla (381), reunido por ordem do imperador Teodósio, do qual
participaram Gregório de Nissa, com atuação destacada, como vimos mais atrás, seu irmão
Pedro de Sabaste, Gregório de Nazianzo, Cirilo de Jerusalém e Diodoro de Tarso19
o símbolo
de Nicéia foi completado, com uma exposição detalhada da fé, retirada do Credo atribuído ao
nosso Gregório Taumaturgo. A defesa vigorosa dos dois Gregórios capadócios àquele Credo,
resultou na condenação da doutrina de Apolinário sobre a natureza de Jesus, segundo a qual,
ao encarnar, o Verbo divino ocupara o lugar da alma humana de Jesus, sendo Maria, assim,
apenas a mãe do homem Jesus, e não do Verbo encarnado: "Portanto, se alguém não crê que
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Santa Maria é a Mãe de Deus, ele não tem comunhão com Deus", diz o Nazianzo ao reprovar
Apolinário20
.
A Confissão de Fé ou Credo de Gregório Taumaturgo21
, e que aparece integralmente
transcrita na sua Vida (p. 52), foi-lhe transmitida por João Evangelista, a pedido de Maria,
em uma visão que a Igreja reconhece como sendo a primeira aparição mariana da sua
História22
.
Estava, pois, meditando certa vez, por toda uma noite, a
respeito do significado e da expressão da Fé, com grande agitação de
pensamentos no espírito (...) eis então que lhe aparece, nessa noite de
vigília, alguém em figura humana, de aspecto senil, mostrando pelo
ornato a composição da veste de um augusto e sagrado esplendor, ao
mesmo tempo que, pelo encanto da face e de todo o seu aspecto, um
grande poder. Aterrorizado com a visão, Gregório ergueu-se do leito
para melhor averiguar o que seria e por que razão ocorria. A aparição, porém, tranqüilizou-o, dizendo com voz branda ter vindo por ordem
divina a fim de revelar a verdade da fé (...). Recobrou ele o ânimo ao
ouvir estas palavras e passou, com um misto de alegria e espanto a fitar
o ancião, o qual em seguida estendia a mão em sinal de lhe mostrar o
que aparecia do outro lado. Acompanhando com o olhar esse gesto, viu
Gregório nova aparição, distinta da primeira: alguém, em figura
feminina, de aspecto mais excelente e sublime que o da condição
humana. Mais uma vez atemorizou-se, e afastando o olhar, que não
podia suportar a visão, hesitava cabisbaixo sobre o sentido da cena,
maravilhosa sobretudo pela luz que irradiava. (...) Impedido de
enfrentá-los com os olhos, limitava-se a escutar o que falavam as duas figuras. (...) Da conversação recebia um verdadeiro conhecimento da
doutrina da fé e além disso certificava-se de quem eram os dois
interlocutores, pois se chamavam um ao outro pelo próprio nome.
Ouviu que a figura feminina exortava o evangelista João a expor e
explicar ao jovem bispo o mistério da verdadeira piedade, e ouviu que
ele dizia estar pronto a atender, com todo o gosto à Mãe do Senhor.
(pp. 50-51)23
Desta feita, o Taumaturgo aparece como figura de destaque no surgimento da Mariologia,
servindo de ponte entre Orígenes e os "Três Capadócios", que tão ferozmente lutaram em prol
da ortodoxia no século IV, e por extensão, da definição do papel de Maria na Igreja.
Nossa terceira questão diz respeito à transmissão do culto de Gregório Taumaturgo no
Ocidente, chegando aos nossos dias.
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Em um livro escrito por um frade dominicano do final do século XVII (1684), Raimondo
Romano, encontramos uma Vida de Gregório Taumaturgo com o pomposo título de
Compendio Ristretto della vita, Virtù e Miracoli del Glorioso San Gregorio Taumaturgo.
Vescovo e Confessore, Avvocato dei Casi più ardui e disperati E della miracolosa venuta del
suo sacro corpo dall'Armenia in Calabria Superiore nella Terra di Staletti, dove riposa, e si
venera com somma divozione, come singolar Protettore di detta Terra24
. Apesar de seguir de
perto o texto do Niceno, apresenta algumas variantes, já que seu autor admite ter utilizado na
sua composição, principalmente em sua segunda parte, outras obras, entre as quais, a Vida
latina (séc. XI ou XII), a Legenda Áurea de Tiago de Varazzine, e o elogio de São Basílio de
Cesaréia, inserido em seu livro Sobre o Espírito Santo25
.
Mas, o que motivou Raimondo Romano a escrever aquela obra? Segundo ele, natural de
Staletti, agradecer pelos inúmeros milagres com que o santo patrono favorecia a pequenina
cidade, já que seu corpo ali havia encontrado repouso, minimizando as conseqüências dos
terremotos devastadores que sacudiam a região e livrando sua população das freqüentes
incursões dos turcos que, naquele tempo, escravizavam as populações das cidades vizinhas.
No capítulo II do Segundo Livro, Romano narra a forma miraculosa como o corpo do
santo chegou ao sul da Itália, juntamente com o de São Bartolomeu, apostólo de Jesus, e os
dos mártires capadócios São Pepino, Santo Agazio e São Luciano. Na época do imperador
Anastásio (499), considerado infiel pelo autor, por suas atitudes anticristãs, as caixas que
continham os corpos daqueles santos foram retiradas da Igreja onde se encontravam26
e
jogadas ao mar para que afundassem e suas relíquias não fossem mais veneradas pelos fiéis.
Contudo, por graça de Deus "para com os seus servos", não só elas não afundaram como
seguiram em cortejo, flutuando, lideradas pela caixa das relíquias de São Bartolomeu, até
chegar a ilha de Lipari. Ali, o apóstolo Bartolomeu apareceu em sonho ao bispo Agatão,
ordenando-lhe que na manhã seguinte, junto com todo o povo, fosse até a praia, recolhesse sua
caixa e a levasse para ser venerada na cidade, da qual se tornaria o protetor. Quanto aos outros
corpos santos, ele lhe informa para onde se dirigiriam: os de Pepino e de Luciano para a
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Sicília, respectivamente, em Melazzo e em Messina. Já os dois restantes dariam na Calábria:
São Gregório em Colona e Agácio em Squillace. Desta feita, as cinco cidades encontrariam
patronos, cujas relíquias passariam a proteger-lhes de todos os perigos.
Ainda segundo Romano, quando Colona foi atacada por piratas sarracenos, entre os
séculos IX e X, a população deslocou-se para outro sítio, fundando assim Staletti e levando
consigo a relíquia do patrono, cuja devoção pode ser percebida não só no século XVII como
nos nossos dias.
E não poderíamos esquecer de mencionar outra pequena cidade calabresa, Laureana di
Borrello27
, que também tem o nosso Gregório como patrono, juntamente com Nossa Senhora
do Carmo.
De acordo com uma lenda local, o padroeiro do lugar era São Nicolau de Bari. Contudo,
durante três noites seguidas, três senhoras da cidade chamadas Ana, tiveram o mesmo sonho:
aparecia a cada uma delas São Gregório Taumaturgo que lhes dizia querer tornar-se o
padroeiro de Laureana. Na primeira manhã, as três mulheres, em conversa na igreja,
descobriram a coincidência, mas resolveram se calar. Na segunda manhã, decidiram contar ao
pároco local, que lhes respondeu tratar-se de coisa de criança acreditar em sonhos. Na terceira
manhã, o pároco, assustado, resolveu consultar o bispo sobre a troca de patrono, de forma a
não ferir a suscetibilidade dos dois santos. O bispo disse não ver nenhum problema na troca do
patrono e assim, Laureana de Borrello começou a se preparar para os festejos em honra de São
Gregório Taumaturgo.
Para a ocasião solene, a cidade mandou pintar um retrato do santo, já que não tinham
nenhuma relíquia ou imagem dele. Procuraram um grande artista, e finalmente encontraram
um pintor famoso em Messina, que, na data marcada para a entrega do quadro, ainda não
havia conseguido pintar o rosto do santo, já que, por mais que tentasse fazê-lo, a inspiração
sempre lhe fugia. Assim, resolveu cobrir com um lenço o lugar do rosto, na esperança de que
os clientes não quisessem vê-lo, julgando tratar-se de uma surpresa feita pelo pintor. Quando
os homens de Laureana chegaram, puxaram o lenço e, para espanto geral, o rosto estava
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pronto. Imediatamente, ouviu-se uma voz que disse ter sido aquele pintado por um anjo.
Diante disto, os cidadãos de Messina procuraram reter a obra na cidade por considerá-la
milagrosa, e tudo fizeram para tal. Contudo, por intervenção miraculosa de São Gregório, o
quadro e os mensageiros que foram buscá-lo escaparam de vários perigos, inclusive de um
naufrágio, chegando todos a salvo em Laureana, onde retrato do santo foi recebido,
finalmente, para os festejos do novo patrono28
.
As duas narrativas acima nos obrigam a algumas reflexões acerca do porquê de duas
localidades da Calábria terem escolhido como patrono um santo antigo e de origem grega. Em
ambas, os elementos do maravilhoso cristão se entrelaçam às tradições históricas do sul da
Itália. Não podemos esquecer que a região ficou sob dominação bizantina até a conquista
normanda, sofrendo com as incursões sarracenas dos séculos IX e X e mesmo depois desta
data, tendo sido sempre terra de passagem para diversos povos, como também terra de
encontro entre as várias civilizações mediterrânicas ao longo dos séculos.
O culto a Gregório Taumaturgo foi instalado na região durante o período bizantino, assim
como a sua adoção como patrono, mas provavelmente não na época considerada por
Raimondo Romano (fim do século V), visto que a igreja e o mosteiro dedicados a ele só terem
sido construídos, em Staletti, no século XI, época em que, em toda a península itálica, se
iniciavam as buscas por santos patronos naquelas localidades onde faltavam santos oriundos
do final da Antigüidade e dos primeiros séculos medievais.
No primeiro relato, é todo um conjunto de cidades que ganha, de uma só vez, seus
patronos, todos vindos do Oriente grego. O milagre realizado pelos corpos santos que, não
obstante serem jogados no mar, em pesadas caixas de chumbo, não afundam, e juntos chegam
ao sul da Itália, e avisam, de antemão, de quais localidades se tornarão os protetores, parece-
nos uma forma de justificar a escolha por santos distantes daquelas populações, quando não
faltariam candidatos mais próximos, no tempo e no espaço, daquelas comunidades.
Quanto a Laureana di Borrello, tratava-se não só da escolha de um patrono, mas de
substituir o antigo por outro, mesmo se entre ambos houvesse alguns pontos em comum:
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foram bispos de pequenas cidades no Oriente, estavam imersos na cultura grega, viveram no
século III. Por que a troca, então? Por toda a região, encontramos 12 cidades sob a proteção de
São Nicolau de Bari29
, e somente duas para o nosso Gregório, demonstrativo de que o culto ao
primeiro era muito mais difundido, na região principalmente depois do século XI. Talvez
pensando nisto, Laureana se sentisse, de alguma forma, abandonada pelo patrono tão
requisitado alhures, buscando, assim, em um novo protetor, uma atenção mais
particularizada30
?
Mas, para que a substituição não fosse questionada, seria necessário revesti-la com sinais e
elementos maravilhosos, comprovando sua origem celeste. O simbolismo fica evidente: são
três mulheres chamadas Ana, o sonho se repete por três noites, elas se encontram em três
manhãs na igreja. O três é um número sagrado para os cristãos, visto referir-se à Trindade.
E o que dizer do rosto do santo que é pintado não por mãos humanas, mas por um anjo?
Demonstração clara de que o Céu aceitava e abençoava a escolha da população laurentina. E
das peripécias que envolvem a partida do retrato de Messina até chegar a Laureana? Apesar de
São Nicolau de Bari31
, o patrono "cassado", ser o protetor dos marinheiros, é a São Gregório
Taumaturgo, o protetor dos terremotos, que os laurentinos em perigo se encomendam e quem
os salva, demonstrativo da sua pronta ação. Na falta das relíquias do santo, a pequena cidade
produziu a sua: um quadro com os mesmos poderes taumatúrgicos32
.
A partir daí, Laureana passou a contar com a pronta e permanente proteção do
Taumaturgo, orgulhosa, até os nossos dias, pela sua escolha. E o que dizer de Staletti, onde, a
festa do santo, em 17 de novembro, envolve toda a comunidade, com meses de antecedência?
Nesta última, na ânsia de promover sua memória, foi realizado, em 2002, um Congresso33
,
com o objetivo de estudar melhor os documentos que lhe são relativos e de tornar o santo
mais conhecido, assim como a própria localidade.
Com o mesmo fim, a municipalidade de Staletti tem realizado esforços para estreitar os
laços com Lisboa, para onde o crânio do santo34
, colocado em um relicário, foi levado, em
1587, por D. Juan de Borja, filho de S. João de Borja e embaixador de Felipe II em Praga,
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encontrando-se, hoje, no Museu São Roque. Por ocasião da reabertura do museu, em 2008,
Domenico Condito35
, conhecedor e estudioso de São Gregório, proferiu uma conferência sobre
o culto do santo em Lisboa durante o período filipino, quando detalhou todo o processo de
transferência daquela relíquia para a capital portuguesa36
, em uma época em que Portugal e o
sul da Itália se encontravam sob domínio espanhol. O mesmo Condito também propôs que
Staletti e Lisboa fossem declaradas "Cidades Gêmeas", para que pudessem articular atividades
culturais e de ajuda mútua, a partir do compartilhamento da memória do santo, que tem suas
relíquias divididas entre as duas localidades.
Desta feita, o percurso da memória de São Gregório Taumaturgo, desde a redação da
sua Vida, por Gregório de Nissa, na segunda metade do século IV, até hoje, deslocando-se do
Ponto, passando pelo sul da Itália, chegando até Portugal, atesta que mesmo após muitos
séculos do fim do antigo Império Romano, o Mediterrâneo permaneceu como um elemento
gerador e difusor de cultos e crenças religiosas, unindo no tempo e no espaço a Antigüidade
aos nossos dias.
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1 Cf. DROBNER, Hubertus R. Manual de Patrologia. Petrópolis: Vozes, 2003. p. 276.
2 Enquanto a biografia clássica descrevia a personalidade a ser exaltada mais os fatos cronológicos de sua vida, o
panegírico era um discurso pronunciado em uma festa para elogiar um personagem ilustre, apresentando seus
aspectos positivos, suas qualidades, sem muita preocupação com os fatos da sua vida. Na literatura cristã, o
primeiro exemplo de biografia foi a Vida de Cipriano, escrita pelo diácono Pôncio, no século III.
3 Segundo suas respectivas biografias, é o caso de Martinho de Tours, Ambrósio de Milão, Agostinho de Hipona,
apenas para citar os mais famosos da segunda metade do século IV.
4 Gregório de Nissa juntamente com seu irmão mais velho, Basílio de Cesaréia, e seu colega de estudos, Gregório
Nazianzo, são conhecidos como os "Três Grandes Capadócios", Padres gregos, exemplos de campeões da
ortodoxia da Igreja no século IV.
5 A lista completa de suas obras pode ser encontrada em: LEONE, Luigi. Introduzione. In: GREGORIO DI
NISSA. Vita di Gregorio Taumaturgo. Roma: Città Nuova, 1988. pp. 9-12, e também, com bibliografia
pertinente, em: DROBNER, op. cit., pp. 290-293.
6 GREGORIO TAUMATURGO. Discorso a Origene. Roma: Città Nuova, 1993. p. 66.
7 GREGORIO DI NISSA. op. cit., p. 49 e p. 92.
8 Além do "Panegírico" ou "Vida" de Gregório de Nissa, temos a narrativa de quatro milagres feita por Rufino,
inserida em sua complementação à História Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia (início do séc. V), uma biografia
armênia (sécs. IV-V), uma siríaca (séc. VI), uma vida árabe, recentemente descoberta, e uma vida latina,
provavelmente escrita entre os séculos XI e XII.
9 Escreveu o Panegírico de Orígenes, o Símbolo ou Exposição da Fé, a Carta Canônica, as Metáfrases do
Eclesíastes, e Sobre a impossibilidade de Deus.
10 Interessante é que, enquanto no século IV, Gregório de Nissa não se envergonha de dizer que seu biografado
havia fugido à perseguição, Pôncio, em sua Vida de Cipriano, escrita no final do século III, apresenta uma
elaborada defesa da atitude de Cipriano, bispo de Cartago, que, diante da mesma perseguição, tomou a mesma
atitude de seu colega do Ponto, saindo da cidade e se refugiando no campo. O que no primeiro seria fuga, no
segundo caso é descrito como "exílio": Cipriano não teve medo, nem fugiu, mas como homem prudente e
pautado pelo equilíbrio apenas se exilara Não podemos esquecer que, quando Pôncio escreve, o Cristianismo
ainda está longe de ser uma religião legalizada no Império Romano, e a atitude tomada diante da perseguição,
principalmente de um bispo, tinha profundos reflexos na vida da comunidade, depois da volta à normalidade.
Vide os problemas que os chamados "lapsos" promoviam em suas dioceses e que causavam, por vezes, profundos
cismas e até mesmo heresias. (V. PONZIO, Vita di Cipriano. In: PONZIO. Vita di Cipriano/ PAOLINO. Vita di
Ambrogio/ POSSIDIO. Vita di Agostino. Roma: Città Nuova, 2002. p. 48-54).
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11 Cf. GREGORIO DI NISSA, op.cit., p. 96.
12 Citado por CAVALCANTI, Elena. L'esperienza di Dio nei Padri greci. Roma: Ed. Studium, 1984. p. 214.
13 GREGORIO DI NISSA. op. cit., p. 94. A partir daqui, as referências ao texto da vida de Gregório Taumaturgo
serão feitas no corpo do trabalho, mencionando-se apenas a página correspondente.
14 As explicações dadas para as associações feitas por Gregorio di Nissa são bastante curiosas. Só como exemplo,
tomamos aquela feita com Abrão: assim como o patriarca havia conhecido a ciência caldéia e através desta se
elevado até a ciência divina, Gregorio Taumaturgo havia conhecido a filosofia pagã de forma a poder concluir
pela sua inconsistência frente à doutrina teológica (p. 40).
15 V. BROWN, P. A Ascensão do Cristianismo no Ocidente. Lisboa: Presença, 1999 e VAUCHEZ, A. A
Espiritualidade na Idade Média Ocidental, séculos VIII a XIII. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. cap. 1.
16 Citado por CAVALCANTI, Elena, op. cit, p. 213-214.
17 V. BROWN, Peter. "Potentia" In: ---. Le culte des saints. Son essor et sa fonction dans la chrétienté latine.
Paris: Cerf, 1984. pp. 137-162; e VAUCHEZ, Andrè. Santidade. In: ROMANO, Ruggiero (dir). Enciclopédia
Einaudi. 12- MYTHOS/LOGOS; SAGRADO/PROFANO. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1987. pp.
287-300.
18 V. SILVA, Miriam L. I. Santos e Mártires no Pensamento de Agostinho de Hipona. In: Anais do IV Congresso
de Letras Clássicas e Orientais-UERJ. Rio de Janeiro: Instituto de Letras -LECO, 2009. p. 122.
19 Cf. DROBNER, op. cit., p. 380-381.
20 Citado por FRANGIOTTI, Roque. História das Heresias (séculos I-VII). São Paulo: Paulus, 1995. p. 104.
21 Pode ser lida em GOMES, C. Folch. Antologia dos Santos Padres. São Paulo: Paulinas, 1979. pp. 273-274.
22 Cf. KOEHLER, Th. História da Mariologia. In: DE FIORES, S. & MEO, S. Dicionário de Mariologia. São
Paulo: Paulus, 1995. p. 563: "Convém assinalarmos que, em fins do séc. III, segundo o testemunho de Gregório
de Nissa (PG 46, 910-911), Maria teria aparecido (juntamente com o apóstolo João) a S. Gregório, o Taumaturgo
(†270). O primeiro acontecimento do gênero que nós conhecemos".
23 Utilizamos, aqui, a tradução feita por GOMES, C. F., op. cit., pp. 272-273.
24 ROMANO, Raimundo. Compendio Ristretto Della Vita, Virtè e Miracoli del Glorioso San Gregorio
Taumaturgo... Napoli: Francesco Ricciardi, reimp. 1728. Disponível em: www.sangregoriotaumaturgo.it. Acesso
em: 07 de outubro de 2009.
25 V. notas 12 e 16.
26 Tratar-se-ia da mesma Igreja construída pelo Taumaturgo e que ficara de pé quando do terremoto ocorrido na
época de Gregório de Nissa.
27 http://www.comune.laureanadiborrello.rc.it
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28 A lenda de como São Gregório Taumaturgo tornou-se padroeiro de Laureana di Borrello encontra-se no site
oficial da comuna, disponível em: http://www.laureanaborrello.it/le_leggende.htm#santoprotettore. Acesso em:
07 de outubro de 2009.
29 A lista dos santos patronos das cidades calabresas está disponível em:
www.enrosadira.it/santi/patroni/calabresi. htm. Acesso em 07 de outubro de 2009.
30 Sobre a questão do patronato dos santos na Itália V. BENVENUTI, Anna. Culti patronali cittadini: continuità e
trasformazioni In: ---. op. cit., pp. 161-167.
31 São Nicolau de Bari foi bispo de Mira, no século III. Seu corpo foi roubado por mercadores italianos, em 1087,
e levado para Bari, na Apúlia. Teria sido esta também a ocasião em que os corpos de Gregório e Bartolomeu
chegaram ao Ocidente, roubados e não miraculosamente conduzidos por mar? A construção da igreja do nosso
santo, somente no século XI, em Staletti, poderia ser um indício.
32 Desde a Antigüidade que se acreditava que a virtu (o conjunto de virtudes que o santo possuía e que lhe davam
força e poder diante dos inimigos da fé e permitiam que realizasse milagres) ficava impregnada ao seu corpo,
permanecendo nele mesmo da morte. Assim, qualquer coisa que tocasse as relíquias do santo (pessoas, animais,
objetos) receberia as bençãos daquela virtu. Com o tempo, a qualidade miraculosa das relíquias seria transferida
não mais somente pelo toque, mas também pela fé do devoto.
33 Il giusto che fiorisce come palma: Gregorio Taumaturgo fra storia e agiografia. Atti del Convegno di Stalletì
(CZ), 9-10 Novembre 2002. Roma: Institutum Patristicum Augustinianum, 2007.
34 No final do século XVI, depois do Concílio de Trento, tornaram-se comuns as procissões de relíquias, imagens
e corpos santos, em resposta às calamidades da época, tais como guerras, carestias e epidemias. Daí, não nos
causar espanto o desmembramento do corpo de São Gregório Taumaturgo, de forma a que, de acordo com a
mentalidade da época, mais uma cidade pudesse ter garantida a sua proteção e sua mediação, já que o
desmembramento de corpos santos ter-se-ia tornado uma prática comum, estimulando doações e o comércio de
relíquias. V. DITCHFIELD, S. Il mondo della Riforma e della Contrariforma. In: BENVENUTI, Anna et al.
Storia della santità nel cristianesimo occidentale. Roma: Viella, 2005. pp. 270-271.
35 Frade dominicano e especialista em São Gregório Taumaturgo, diretor do site que indicamos na nota 24.
36Cf. Condito. Disponível em: http://sangregoriotaumaturgo.blogspot.com/2009/10/la-reliquia-di-san-gregorio-
taumaturgo.html. Acesso em: 29 de outubro de 2009.