governo do estado do paranÁ secretaria de … · a guerra do contestado, apontada como o terceiro...

35

Upload: lynhi

Post on 07-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁSECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

SECRETARIA DE ESTADO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENS. SUPERIORPROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE

UNIDADE DIDÁTICA

EMÍDIO ALVES DA SILVA

ESTUDOS DAS PRODUÇÕES HISTORIOGRÁFICAS SOBRE A GUERRA DO CONTESTADO

CURITIBA2011

SUMÁRIO

Informações Gerais........................................................................................................... 1

1 Introdução....................................................................................................................... 2

2 Objetivos......................................................................................................................... 3

2.1 Objetivo Geral.............................................................................................................. 3

2.2 Objetivos Específicos.................................................................................................. 3

3 Especificações Desta Unidade Didática......................................................................... 4

4 Desenvolvimentos das Aulas.......................................................................................... 4

4.1 Primeira Fase: A investigação das ideias prévias dos jovens e a sua importância para

o ensino-

aprendizagem.................................................................................................................... 4

Atividade 1......................................................................................................................... 5

4.2 Segunda Fase: A intervenção pedagógica do professor............................................. 5

Atividade 2....................................................................................................................... 10

Atividade 3....................................................................................................................... 14

Atividade 4....................................................................................................................... 23

Atividade 5....................................................................................................................... 29

Atividade 6....................................................................................................................... 31

Atividade 7....................................................................................................................... 33

4.3 Terceira Fase: avaliação da metacognição histórica dos estudantes....................... 34

Atividade 8....................................................................................................................... 34

Referências...................................................................................................................... 35

INFORMAÇÕES GERAIS

Professor PDE: Emídio Alves da Silva.

Área PDE: História.

NRE: Curitiba.

Professor Orientador IES: Dr. Dennison de Oliveira

IES vinculada: Universidade Federal do Paraná.

Escola de Implementação: Colégio Estadual Jayme Canet – EFM.

Público objeto da intervenção: Alunos do Ensino Médio.

Área de Estudo: Investigação sobre as possibilidades e limites dos documentos

historiográficos enquanto fontes capazes de gerar um pensar crítico na aprendizagem da

História.

1 INTRODUÇÃO

A escolha do tema a Guerra do Contestado contempla o estudo da história local, que se

articula perfeitamente à regional e à nacional, além de permitir um amplo debate sobre os

efeitos da chegada do capitalismo naquela região. Este estudo sobre o Contestado

permite o desenvolvimento de noções e conceitos fundamentais como a noção de

permanência, mudança, semelhança, diferença e simultaneidade que poderão contribuir

para a compreensão dos fatos do passado e do presente.

A humanidade enfrenta uma das suas maiores crises, mas estamos tentados a

achar que ela se restringe apenas à escola e ao sistema educacional. As mudanças

rápidas que ocorreram transformaram a educação em um amontoado de informações

sem reflexão, os indivíduos necessitam de humanização, pois já não percebem que a

felicidade vai muito além do consumo de mercadorias. Neste sentido, a educação é a

grande depositária de um mundo melhor que supere a barbárie, o consumismo, alienação

política e o esvaziamento do ser. Uma educação que busca recuperar o ser e que se faz

essencialmente pela crítica, pode recuperar nos indivíduos a capacidade de falar e de agir

na construção de um mundo mais humanizado.

A Guerra do Contestado, apontada como o terceiro maior movimento popular do mundo,

não poderá passar despercebida aos olhos de nossos alunos, movimento esse que de

1912 a 1916 marcou a História do estado de Santa Catarina e do Paraná. A complexidade

desse movimento é analisada por Nilson César Fraga (2009) como um acontecimento

alimentado por fatores de ordem social, política, econômica, cultural e religiosa, ou seja,

um terreno muito fértil para despertarmos a capacidade reflexiva de nossos alunos.

. O compromisso com a construção da cidadania pede hoje uma prática educacional

voltada para a compreensão da realidade (social e econômica) e dos direitos e

responsabilidades em relação à vida pessoal, coletiva e ambiental. A escola não pode

ficar passiva, ela deve transformar os indivíduos que se apresentam às vezes apáticos,

conformados e desanimados em seres humanos pensantes, críticos, autônomos,

criativos, solidários, justos, sensíveis e éticos.

2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo geral

Encontrar possibilidades metodológicas para as aulas de História, na tentativa de

tornar nossos alunos mais críticos em relação ao que leem e aos textos que produzem e

também mais empenhados na transformação desta sociedade violenta, consumista e

injusta, na medida em que limita e aprisiona os indivíduos.

2.2 Objetivos específicos

a) Auxiliar os alunos na identificação das contradições existente em toda a historiografia

produzida sobre a Guerra do Contestado, estabelecendo pontes com outras tantas

contradições que permeiam o nosso cotidiano.

b) Identificar juntamente com os alunos todo o suporte institucional utilizado e o não

utilizado na tentativa de solucionar o conflito, tentando entender a exclusão e as vozes

que foram caladas nesse processo.

c) Orientar os alunos no entendimento dos limites da própria historiografia, não se trata

de torná-los céticos frente à História, mas quebrar este paradigma de “tudo o que está

escrito é verdadeiro”, na prática deve-se aprender a desconfiar para poder criticar.

d) Reconstituir juntamente com os alunos as bases dos argumentos usados pelos

diversos autores na narrativa da Guerra do Contestado, condição básica para o exercício

do pensamento crítico, despertando neles o gosto pelo estudo evitando, assim, a evasão,

a reprovação e os resultados negativos nos exames do sistema de ensino brasileiro

(IDEB).

e) Incentivar os alunos no entendimento desta sociedade de mercado, de competição,

de violência, onde todos estão se transformando em meras cifras de lucro, para uma

possível superação, onde possamos redescobrir a alteridade, o amor, a solidariedade, a

justiça social e a paz.

3 ESPECIFICAÇÕES DESTA UNIDADE DIDÁTICA

Nível de Ensino: Ensino Médio.

Conteúdo Estruturante: Relações de Poder.

Conteúdo básico/tema histórico: “Antes de atacados, apenas se agregavam, formando

uma irmandade com os bens em comum, para rezarem juntos...”. O pensamento crítico

sobre a narrativa histórica: o caso da Guerra do Contestado.

Conteúdo Específico: A Guerra do Contestado.

4 DESENVOLVIMENTOS DAS AULAS

O desenvolvimento das aulas foi dividido em três fases: “A investigação das ideias

prévias dos jovens e a sua importância para o ensino-aprendizagem”, “A intervenção

pedagógica do professor” e “Avaliação da metacognição histórica dos estudantes”.

4.1 Primeira fase: A investigação das ideias prévias dos jovens e a sua importância para o ensino-

aprendizagem

1) Investigar se os jovens estudantes já possuem ideias históricas em relação à Guerra

do Contestado, tentando identificar se tais ideias provêem da historiografia ou de relatos

orais dos familiares ou de outras pessoas envolvidas neste conflito.

2) Verificar, a partir das ideias prévias levantadas junto aos estudantes, em que nível as

distorções dos fatos são mais frequentes, buscando fundamentos para as ações de

intervenção por parte do professor.

3) Identificar no interior do discurso dos alunos quais ideias possuem argumentação

crítica para retomá-las em outros momentos da intervenção.

Dados para o ponto de partida

Demarcação espaço-temporal: Primeiro período da República, 1912 a 1916, estados

de Santa Catarina e Paraná.

Sujeitos históricos: sertanejos da região do Contestado, políticos e coronéis da região,

Companhia Americana, o Governo Brasileiro incluindo o Estado do Paraná e Santa

Catarina.

Atividade 1

1) Após uma breve exposição do professor sobre a Guerra do Contestado, sugerir aos

estudantes que façam um texto contendo em síntese uma pequena análise deste

importante conflito de nossa história.

2) O professor deverá categorizar os textos considerando:

a) se o estudante conhece a Guerra do Contestado;

b) se ele identifica alguns dos elementos motivadores deste conflito;

se eles percebem o envolvimento deste conflito com a história do povo paranaense;

d) se ele conhece algumas contradições sociais daquela época que podem ser

relacionadas a outras existentes na atualidade.

A partir das ideias prévias construídas por meio da categorização dos textos

produzidos pelos estudantes, propor uma intervenção pedagógica. Esta será estruturada

por meio de narrativas historiográficas, inicialmente com um caráter mais informativo e

posteriormente com o uso das produções de diferentes autores tornando o assunto mais

polêmico e conflitante.

4.2 Segunda fase: A intervenção pedagógica do professor

Após o professor tomar conhecimento das idéias prévias dos estudantes e

categorizá-las é o momento da sua intervenção pedagógica.

Para que o estudante fundamente uma visão crítica sobre o fato em estudo, é

necessário que o professor construa uma intervenção pedagógica, a partir de diversas

fontes e narrativas historiográficas que se confrontem ou dialoguem entre si. Estamos

propondo nesta Unidade Temática uma averiguação das causas geradoras deste conflito

e principalmente de como ele vem sendo contado (sua narrativa) através das décadas e

dos diversos autores. Nesta Unidade Temática não se pretende esgotar o assunto, mas

trazer uma nova forma de discussão para a sala de aula, onde o tema estudado deve virar

argumentação e ferramenta para os jovens em suas lutas cotidianas. Deve-se levar em

conta que mesmo durante a leitura e estudos iniciais, as narrativas historiográficas

deverão servir como momento descortinador, revelador já possibilitando críticas por parte

dos alunos.

A seguir, sugestões de narrativas historiográficas que visam a contextualização do

conflito que teve um cunho religioso, político, econômico e social. A partir do levantamento

prévio sobre o conhecimento dos alunos, cabe ao professor retirar ou até acrescentar

narrativas, sempre no intuito de avançar nas discussões. Se faz necessário entender que

o Movimento do Contestado, através das narrativas historiográficas, foi sendo destituído

de qualquer caráter político, as noções científicas utilizadas pelos paranaenses visaram a

elaboração de uma verdade que teria como função derrotar ou anular outras verdades.

Leia os textos tirados do livro Messianismo e Conflito Social: a guerra sertaneja do

Contestado – 1912-1916”, do autor Maurício Vinhas de Queiroz. Após a leitura, responda

as questões propostas.

NARRATIVA 1 OS SERTANEJOS: 1911 ANO AMARGO O ano de 1911, no qual ocorreu o boato de João Maria reaparecera em Campos

Novos, é um ano em que a taquara deixa de florir e não dá semente e que as ratazanas

do mato, famintas invadem em bandos os paióis, as roças e as casas, roendo e

destruindo tudo o que pode substituir seu alimento costumeiro. Esta praga acarretou

sofrimentos enormes para os sertanejos. No entanto, pior do que a calamidade natural, o

ano de 1911 foi assinalado pelas primeiras expulsões dos posseiros que ocupavam a

faixa concedida à Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande.

Há dúvidas fundadas sobre a legitimidade dessa concessão, posto que feria a Lei

Agrária de 1850; que não permitia a aquisição de terras devolutas a não ser por título de

compra. Nada disso foi respeitado. Enquanto prosseguiam os trabalhos de construção, a

companhia reclamou dos governos do Paraná e Santa Catarina contra o fato de estarem

ocupadas terras que, segundo ela, deveriam pertencer-lhe. Em fevereiro de 1911, o

governo do Paraná reconhecia os direitos da empresa. Tal não era de estranhar, uma vez

que àquela época, de acordo de um secretário de Estado demissionário, o governo Carlos

Cavalcânti assinalava o surto de uma “formidável advocacia administrativa”. Acrescenta

esse autorizado depoente que Afonso Camargo, então chefe supremo da política

situacionista e vice-presidente do Estado, era advogado de Brazil Railway. Só no Paraná,

até fins de 1914, a estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande faria medir e demarcar

diversas glebas ultrapassando o total de seis bilhões de metros quadrados.

Contra os posseiros que se recusaram a retirar-se dessas extensões, Archilles

Stengel enviava o Corpo de Segurança da empresa, composto então por duzentos

homens e cujo comando fora entregue a um antigo oficial da Fôrça Pública do Paraná, de

nome Palhares.

Lembra um autor: “O caboclo da região, valente embora humilde, foi ainda vítima de mais

uma injustiça. Sôbre o vale do rio do Peixe, em terras devolutas, instalara, aqui e além, o

seu rancho, a sua pequena roça. Vivia rudimentarmente, esquecido no meio do

mato.Lembraram-se dêle, entretanto, para expulsá-lo das terras que ocupara. A

concessão feita à São Paulo- Rio Grande, de quinze Quilômetros de cada lado da linha

desalojou os intrusos posseiros de muitos anos, das terras marginais”.

Outro autor vê nestas expulsões a principal causa que fez com que os sertanejos

se levantassem mais tarde de armas na mão. “Os despejos – diz ele – nós sabemos

como são feitas em nosso país. Tudo se resolve com a polícia. Esta chega e vai deitando

fogo aos humildes casebres do elemento nacionale se este tenta reagir, vão massacrando

até suas famílias.

Muito embora o governo de Santa Catarina nunca houvesse respondido à

reclamação da companhia, não escaparam à mesma sorte aquêles que viviam em

terrenos sob a jurisdição deste último Estado. A empresa ganhou na justiça local dezenas

de ações contra os que pretendiam valer-se, diante de seus pretensos direitos, do

usocapião. Uma onda de horror varreu todo o território.

A fim de explorar as terras laterais à estrada e outras mais que viesse a adquirir, a

Brazil Railway criou uma nova companhia a ela subordinada: a Southern Brasil Lumber

and Colonization Company. Logo de início, esta comprou 180 mil hectares ao sul dos rios

Negro e Iguaçu, próximo de Canoinhas, ao preço médio de 15 mil réis o hectare. Afonso

Camargo, vice-presidente do Paraná, foi, conforme ele próprio admitiu em discurso na

Assembléia Legislativa, o intermediário desses negócios.

A Lumber montou uma grande serraria em Três Barras e outra em Calmom á

margem da Estrada de Ferro, tornando-se desse modo, a maior companhia madereira da

América do Sul. Enquanto isso, os velhos engenhos de serrar madeira existente na

região, tiveram que fechar. Por outro lado, a Lumber loteou e começou a vender a colonos

estrangeiros terrenos ao longo da estrada de ferro, depois que dali tinham sido expulsos

os posseiros e antigos proprietários. “Os governos do Paraná e Santa Catarina – observa

um autor – têm facilitado, e até protegido, a conquista sorrateira de grande superfície do

território pelo ouro de companhias estrangeiras, banindo até do solo pátrio os brasileiros

aí domiciliados.

Fonte: QUEIROZ, 1966, p. 73-75.

NARRATIVA 2 OS CORONÈIS E A REGIÃO DO CONTESTADO Na região do Contestado, as relações que se estabeleciam por toda parte no

processo de produção rotineira dos bens, podiam ser caracterizadas pela preponderância

dos laços de dependência social, que prendiam a grande massa de sertanejos a um

limitado número de grandes proprietários rurais.

Cada município tinha o seu chefe político ou mandachuva, que era o coronel por

excelência, estreitamente vinculado, por laços de colaboração e ajuda mútua, aos demais

coronéis da área e ao governo do respectivo Estado, - um governo constituído de

coronéis – ao qual apoiava em troca de favores e carta-branca para governar

discricionàriamente o município. Além do chefe político, havia em sua roda mais íntima

alguns poucos outros coronéis de menor importância: eram os seus conselheiros e

eventuais substitutos. Quando atuava na esfera municipal uma oposição política, dirigia-a

um coronel, que – necessitado de granjear popularidade, - apresentava-se como pai da

pobreza ou defensor dos fracos. Tal o caso do coronel Henriquinho de Almeida, em

Curitibanos.

Todo coronel era, via de regra, um dos maiores fazendeiros da sua zona de

influência. Os Amazonas Marcondes em União da Vitória, os Arthur de Paula nas beiras

do Iguaçu, os Fabrício Vieira de tradição afamada, os Juca Pimpão em Palmas, e

inúmeros chefes e chefetes políticos das hostes paranaenses; os Thomas Vieira em

Canoinhas, os Chiquinho de Albuquerque em Curitibanos, os Henrique Rupp em Campos

Novos e outros das bandas catarinenses emparelhados àqueles, são todos coronéis da

roça, mandões políticos uns e proprietários despóticos outros, em regra preocupados com

a dilatação de suas terras e o crescimento complicado das bandos de seus animais.

Entretanto, na maior parte dos casos citados e outros mais, o que fere a atenção é

que os interesses dos coronéis como grandes proprietários rurais se entrelaçavam, de

maneira característica, a atividades mercantis e empreendimentos vários no campo

econômico. O coronel Manoel Thomaz Vieira, chefe político de Canoinhas, que

especulava com erva-mate, dividiu em lotes e vendeu a colonos parte de suas terras. Ao

prestar depoimento num processo, declarou como profissão “negociante”. Já vimos como

o coronel Amazonas Marcondes, em União da Vitória, além de grande proprietário rural,

era comerciante forte e explorava a navegação fluvial do Iguaçu. O coronel Francisco de

Albuquerque, de curitibanos, principio relativamente pobre; seus inimigos políticos diziam

que, na juventude, se dedicava a tocar trompa numa banda de música em Campos

Novos. Abriu venda em Curitibanos e, acumulando as funções de comerciante com as de

agente da poderosa família Ramos, os maiores latifundiários pecuaristas de Lajes, e que

venceu na política. Ao vencer, buscou porém, desde logo, comprar ou apoderar-se de

tôda terra que lhe caía às mãos: ao morrer, deixou 100.000.000 de metros quadrados. O

coronel Henrique Rupp, de Campos Novos, grande proprietário desde os tempos da

revolta federalista, viu-se mais tarde envolvido nos negócios da Brazil Railway: apareceu,

em 1911, assinando, lado a lado com Francis E. Cole, comissário de terras da empresa

norte-americana, um edital advertindo os posseiros que habitavam as terras concedidas

àquela companhia.

Seja como for, todo coronel devia – para manter o prestígio – errigir-se em cabeça

de alguns homens, em armas, prontos a executar cegamente as suas ordens; ou, no

mínimo, ser capaz de mobilizar, em momentos de crises, um piquête de civis.

Consideravam-no uma espécie de chefe de guerra. Não se exigia dele, porém, que

comandasse pessoalmente o bando armado; tanto podia fazê-lo como, sem deslumbre

nenhum, disto encarregar um famoso bandido ou valentão, protegido seu [...]. Por outro

lado, era nítida dentro da classe dos grandes proprietários de terras a separação entre a

camada superior, a dos coronéis – que em geral eram os homens mais ricos de cada

município e monopolizavam o poder político – e os demais fazendeiros, que àquele tempo

e naquela área nem sempre tinham a propriedade de suas terras, mas apenas a posse.

Estes últimos, quando muito, eram capitães e não coronéis da Guarda Nacional, e seu

comportamento foi bastante diverso durante a Guerra do Contestado.

Fonte: QUEIROZ, 1966, p. 37-39.

Atividade 2

1) Descreva este fato conflituoso de nossa história local, respondendo as questões a e b:

a) Aponte os principais sujeitos envolvidos nesta história.

b) Destaque os interesses de cada segmento social (sujeito) no contexto descrito.

2) Após a leitura e uma devida reflexão sobre o coronelismo e a política no Brasil, responda:

a) Quem eram os coronéis?

b) Qual foi o papel dos coronéis na formação da estrutura agrária do Brasil no início da

República?

NARRATIVA 3

A ESTRADA DE FERRO: SÃO PAULO – RIO GRANDE

Sob a direção de Achilles Stengel, levou dois anos para a construção da ferrovia

entre o Iguaçu e o rio Uruguai, ou de União da Vitória a Marcelino Ramos, atravessando

do norte para o sul a zona contestada e percorrendo todo o fértil vale do rio do Peixe. A

estrada obtivera do governo federal uma concessão de terras equivalente a uma

superfície de nove quilômetros para cada lado do eixo, ou igual ao produto da extensão

quilométrica da estrada multiplicado por 18. A área total assim obtida deveria ser

escolhida e demarcada, sem levar em conta sesmarias nem posses, dentro de uma zona

de trinta quilômetros, ou seja, quinze para cada lado. Não só por isso, mas também pela

subvenção quilométrica, o traçado se desdobrava em exagerada sinuosidades. Dêsse

modo, a Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande ziguezagueava para todos os pontos

cardeais, a furtar-se de pequenas obras de arte. A princípio foram empregados quatro mil

trabalhadores; porém, com marcha dos trabalhos, o seu número atingiu a cerca de oito

mil. Eram contratados principalmente no Rio e em Pernambuco. Divididos em numerosas

turmas, entregues a taifeiros que recebiam por empreitada e se encarregavam de pagar

os salários, esses milhares de operários forneciam-se em armazéns mantidos pela

estrada. A fim de policiar o pessoal, Achilles Stengel organizou um Corpo de Segurança

particular, que intervinha em todos os conflitos. Não evitava, entretanto, que os

trabalhadores fossem assaltados por bandidos nos dias de pagamento. Na verdade, agia

apenas para reprimir protestos. “Havia uns oitenta praças que diziam que era para

proteger dos bugres. Mas, qual! Não havia bugre. Vi muito caboclo sendo surrado com

sabre.” (depoimento Zaca)

Autores se referem a levantes de trabalhadores que protestavam contra a falta de

pagamentos ou reagiam aos desmandos dos feitores. Era trágico o resultado de todos

esses conflitos, “Cadáveres boiavam nas águas do rio do Peixe, quando não ficavam sob

os aterros da linha férrea. Dizia um engenheiro que, se fosse possível reunir todos o

sangue de todas as vítimas havidas nesse tempo ali, por largo período as águas daquele

rio marginal correriam rubras” (CABRAL, 1937:382)

Um caso do qual os jornais falaram verificou-se em outubro de 1909. José Antônio

de Oliveira, vulgo Zeca Vacariano, havia tomado duas empreitadas. Como eram baixos os

preços tabelados pela estrada, teve prejuízos e não pode pagar os seus operários.

Comprometido com eles, associou-se a outros indivíduos e assaltou o pagador Henrique

Baoni. Zeca Vacariano e seus homens mataram a winchester dois capangas que

acompanhavam o pagador, e o deixaram ferido. Levaram-lhe trezentos contos. Apesar do

auxílio de tropas federais e estaduais, foram inúteis os esforços de Achilles stengel no

sentido de capturar Vacariano e os seus. Isto ocasionou um atraso de dois meses na

construção.

No momento em que tinham sido recrutados em lugares distantes, os operários

receberam a promessa de que seriam lavados de volta ao findar o serviço. Entretanto,

não foi o que aconteceu quando chegou a linha às barrancas do rio Uruguai. Diz o general

Setembrino de Carvalho. “Terminada a construção e por deslealdade dos empreiteiros,

comumente praticada com êsses homens desprotegidos, foram os trabalhadores

abandonados nos mesmos sítios em que se achavam as turmas a que trabalhavam.”

(SETEMBRINO DE CARVALHO, 1916:4) Acredita Setembrino que esses trabalhadores,

misturando-se à população do Contestado, constituíram o fermento de graves

acontecimentos posteriores.

Fonte: QUEIROZ, 1966, p. 71-73.

NARRATIVA 4

AS EMPRESAS ESTRANGEIRAS

Em 1908, no mesmo ano em que desapareceu João Maria e seus crentes

passaram a julgar que ele estivesse encantado no morro Taió, o engenheiro norte-

americano Achiles Stengel, nomeado superintendente dos trabalhos de construção da

Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, montou acampamento em Calmon, em plena

zona contestada, e ali pôs em funcionamento o escritório central da obra. Dois anos

antes, os trilhos, partindo de São Paulo, haviam chegado a União da Vitória e tinha sido

inaugurada uma ponte sôbre o rio Iguaçu. Até aquela época a concessão da estrada

pertencia a uma companhia francesa, mas esta cedera os seus direitos à Brazil Railway

Company, organizada na cidade de Portland, Estado de Maine, Estados Unidos. Em

pouco tempo. A Brazil Railway, além da Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande,

controlava toda a rede ferroviária gaúcha, geria a Sorocabana, possuía vultosos

interesses na Paulista, na Mogiana e na Madeira – Mamoré, obtinha os direitos da Vitória

– Minas, dirigia a Port of Pará no extremo norte e a companhia do porto do Rio grande do

sul, dispunha de armazéns frigoríficos e indústrias de papel, empresas pecuárias,

madeireiras, de colonização, etc. Esse truste era administrado, no país, por Percival

Farguhar, “um homem de agradável personalidade, suave, de disposição cavalheiresca e

que possuía algo mais: uma aplitude para conceber vastos esquemas de

desenvolvimento numa base econômica’’. (Roach, 1961- 62:28) A Brazil Railway era

também conhecida, àquele tempo por sindicato Farquhar.

Para entendermos melhor o que significa a presença dessa poderosa organização

na zona que estudamos, importa observar que um experimentado diplomata brasileiro

denunciava que o sindicato Farquhar, desde o Amapá às fronteiras com a Argentina, ‘se

estava apoderando de enormes zonas do Brasil, capazes de fornecerem territórios a

maiores Estados que o da Bélgica e o da Holanda, depois de conquistar extensas rêdes

de estradas de ferro, portos, monopólio de distribuição de força elétrica, iluminação e

viação urbana de nossas cidades mais importantes’. (SALVADOR DE MENDONÇA,

1913:7-8) O mesmo autor revela que para o bom andamento de seus negócios, o

sindicato não hesitava em despender “gordos salários” aos seus advogados

administrativos. E informa, com evidente amargura, que a referida organização já havia

subornado “alguns dos nossos cidadãos de maior forma”[...] (SALVADOR DE

MENDONÇA, 1913:11)

Diante da Brazil Railway, Alberto Tôrres, um dos maiores estudiosos

contemporâneos de nossos problemas sociais, era levado a considerar: “Compreende-se

que não tivéssemos consciência da farsa orientação social e econômica do país,

enquanto a realidade se não tinha apresentado, como um fato indiscutível, da nossa

progressiva e crescente desnacionalização; enquanto a fome, a miséria, a ignorância, a

superstição, se não haviam mostrado, como fenômenos comuns e extensos, por vastas

regiões do país; enquanto a verdade flagrante da lenta vitória dos colonizadores e

comerciantes estrangeiros, na vagarosa conquista social da fortuna e do bem-estar, não

havia progredido até o caso assombroso, da quase instantânea invasão financeira, talvez

a mais poderosa do mundo: uma ocupação imperialista por escalada e por assalto, a

realização de um sonho expansionista diante do qual a ambição de Cecil Rodes pareceria

o inócuo projeto de uma partida de esporte!.” (TÔRRES, 1914:134)

Fonte: QUEIROZ, 1966, p. 69-71.

Atividade 3

1) Após a leitura do texto que destaca um novo elemento do Contestado, destaque:

a) O desenvolvimento ou o chamado ”progresso” é bom ou ruim? Justifique sua

resposta.

b) O que estava errado no projeto da estrada de ferro São Paulo – Rio Grande, e que

acabou agravando o conflito na região?

2) Com base no texto (Narrativa 4):

a) É possível continuarmos afirmando que as primeiras empresas multinacionais a

entrarem no Brasil foram as empresas automobilísticas por volta de 1930?

b) “Privilégio e abandono eram as duas faces visíveis do Estado no início da República

aqui no Brasil”. Comente a frase.

NARRATIVA 5OS MONGES

Em 1912 um curandeiro de ervas, conhecido por José Maria de Santo Agostinho,

apareceu no município de Campos Novos, justamente onde, meses atrás, se julgava que

havia ressurgido João Maria [...] teria ele conseguido, na presença de testemunhas, fazer

voltar à vida uma jovem que todos davam por morta, na verdade em estado cataléptico.

Não há confirmação para o episódio. De qualquer forma, todas as referências consideram

de importância crucial, para o renome que adquiriu José Maria, ter curado a mulher do

velho fazendeiro Francisco de Almeida, desenganada por outros médicos [...] Consta que

Francisco de Almeida ficou tão agradecido a José Maria que lhe ofereceu terras e muitas

onças de ouro. Entretanto, José Maria recusou, e eis que este seu traço de

desprendimento veio agregar-se à sua reconhecida eficácia no socorro dos enfermos,

realçando-lhe a fama. Das redondezas e dos municípios vizinhos começaram a chegar

caravanas transportando doentes. Improvisou-se um arraial em torno da sede da fazenda,

- eram tantas as pessoas à espera de consulta que o fazendeiro carneava e distribuía

entre elas uma rês por dia. Mas tanto aumentou a multidão, que – parece até que

provocando um sentimento de alívio em Francisco de Almeida - José Maria resolveu

mudar-se. Não foi, porém, para longe. Estabeleceu-se ainda nas terras do mesmo

latifundiário, no rancho que fora de um capataz [...] Sobre o passado de José Maria antes

de aparecer em Campos Novos e iniciar assim o que poderíamos denominar, guardadas

as proporções, a sua grande vida pública, há uma série de pontos obscuros e dúbios.

Ninguém sabe onde ele nasceu, nem mesmo de que Estado ele era natural, e - fato

curioso – ninguém nunca se preocupou com este problema, nem sequer tentou inventar

uma lenda qualquer a respeito. Em 1912 já era um homem maduro, de seus quarenta e

poucos anos de idade. Vários autores referem que pertencera às fileiras do Regimento de

Segurança do Paraná, onde havia chegado ao pôsto de cabo, antes de desertar. No

entanto, mesmo neste particular, não se pode ter absoluta certeza; pelo menos não

consta dos arquivos da milícia estadual que nela tenha figurado em algum momento

Miguel Lucena Boaventura, uma vez que este era o verdadeiro nome de batismo de José

Maria. Parece que foi, isto sim, soldado do Exército, e andou alistado num batalhão

rodoviário, encarregado de construir a estrada Guarapuava – Foz do Iguaçú. Daí é que

teria desertado [...] Antes de adquirir notoriedade em Campos Novos, trabalhou como

curandeiro no município vizinho de Lages [...] Na realidade, não era um curandeiro vulgar,

sabia ler e escrever e, há muito, possuía cadernos nos quis anotava as propriedades

medicinais – comprovada pela prática e a experiência popular – de numerosas plantas da

flora de Serra Acima. Ao mudar-se para o rancho do capataz, instituiu a farmácia do povo .

Todos que tinham recursos pagariam, no mínimo mil-réis pela consulta. Utilizar-se-iam os

fundos assim conseguidos para socorrer os mais necessitados. Esperando ser atendidos,

os enfermos faziam filas no consultório improvisado; ele os atendia até bem tarde da

noite. Ao entrar um paciente, José Maria, depois de ouvi-lo e examiná-lo, consultava os

seus cadernos. Um dos secretários que o auxiliavam, copiava então a receita, que era

entregue ao doente por escrito. Via de regra, nelas se ensinava a fazer complicadíssimas

essências, misturando folhas, raízes e sementes. É interessante notar que geralmente

entravam 700 gramas de cada produto destinado à infusão. O número 7 e seus múltiplos

eram tidos na área como números mágicos e, de uma forma ou de outra, se incluíam em

muitas orações e conjuros utilizados pelos benzedores. Além disto, é possível que a

receita, ao ser escrita, viesse a ter uma função diversa do que apenas fixar e tornar mais

precisas as prescrições. Circulavam na área rezas manuscritas à cuja materialidade se

atribuía uma força sobrenatural, e, cosidas em patuás, serviam para fechar o corpo e

outros fins benéficos [...] José Maria costumava dirigir a palavra aos que o

acompanhavam. Um autor - que não estêve presente nem explica onde obteve as

informações - garante que o teor dos discursos era abertamente político, pois o monge

ameaçava que “faria cair raios do céu contra a República’ e insistia que “o progresso só

podia ser obtido com as leis monárquicas” [...] o homem era comedido e cauteloso ao

falar; usava metáforas e símbolos ambíguos, de interpretação difícil. Esclarece uma

testemunha que o ouviu, que ele assim se expressava: “uns vieram aqui só para tirar o

tempo de nós. Como eu quero beber água limpa, quero que todos bebam. Hoje a maior

parte suja a água para os outros beber” [...]Era certo que José Maria levava consigo a

“História de Carlos Mágno e dos Doze pares de França” e nas horas de folga fazia a

leitura de capítulos aos que o seguiam [...] uma maravilhosa História de Carlos Mágno

que entusiasma e alucina o seu espírito primitivo com aventuras extraordinárias de heróis

invencíveis, homens que sozinhos atacam e derrotam exércitos aguerridos”. Essa

literatura que exaltava a coragem pessoal, a luta contra os “infiéis” e a fraternidade entre

os campeões, marcaria diretamente os acontecimentos (a Guerra do Contestado) [...].

Francisco de Albuquerque [...] a propósito de doença em pessoa de sua família, mandou

chamá-lo a Curitibanos. Se José Maria o atendesse logo, isto seria prova de obediência, e

é possível que o chefe político soubesse fazer com que o prestígio do outro viesse a

redundar em seu beneficio. Muito embora, em condições normais, fosse temerário deixar

de atender a um pedido do coronel, José Maria recusou-se [...] “o monge respondeu que a

distância da casa do coronel à sua era a igual à da sua casa à do coronel”. [...] O coronel

telegrafou, então, para o governador de Santa Catarina, comunicando-lhe que “os

fanáticos haviam proclamado a monarquia em Taquaruçu” [...] José Maria fez crer a seus

discípulos ter adivinhado que fôrças da polícia vinham em sua perseguição [...] das

centenas de pessoas que o cercavam, apenas 40 homens, fortes, valentes, ainda na flor

da idade, é que o acompanharam em sua retirada; os outros se dispersaram. Entre os

que partiram com o monge iam os pares de França, membros da guarda que José Maria

tinha organizado. Todos seguiam a cavalo, porém poucos estavam armados. Na verdade,

fugiam. Primeiro para Catanduvas [...] depois para os campos do Irani, no município de

Palmas (Paraná).

Fonte: QUEIROZ, 1966, p. 79-94

NARRATIVA 6CONFERÊNCIA DE PAZ

José Maria há muito conhecia o povo do Irani. Considerava-o a sua gente. Não é

de se estranhar que, perseguido em território sob jurisdição catarinense, tenha surgido,

em princípios de novembro de 1912, no chamado Faxinal dos Fabrícios, [...] A todos que o

quisessem ouvir, o monge não escondia ter vindo perseguido sobretudo por parte do

coronel Francisco de Albuquerque, a quem acusava de haver levantado calúnias contra

ele, atribuindo-lhe “intuitos de restauração monárquica”.

A 15 de novembro, José Maria foi procurado por dois curiosos: José Júlio Farrapo,

um dos arrendatários da fazenda do Irani, e João Varela, pequeno fazendeiro das

redondezas. Ambos tinham ido verificar o que haveria de verdade sobre o monge, a

respeito do qual circulavam boatos sem conta. Encontraram-no “alterado” por não ignorar

que fôrças do Paraná já estavam em marcha para atacá-lo. Conhecem-se os termos

dessa entrevista. Assim se expressou José Maria:

“Se aqui vem fôrça me bater, eu brigo e dou prejuízo; é o dia que estou mais incomodado

desde que cheguei aqui, é hoje; e apesar de não ter questão com o Paraná, nem com o

governo, nem com Estado nenhum; não vim aqui com intuito de brigar, fui perseguido em

Curitibanos pelo senhor Albuquerque, e por isso passei pra cá porque sou conhecido

dêste povo, e esta gente (disse referindo-se aos que chegaram de Santa Catarina) me

acompanhou de medo do Sr. Albuquerque, que a persegue para matar; cheguei aqui e o

Paraná está me perseguindo, e se for atacado, brigo, mas não ataco ninguém; se varar

em qualquer parte e ver uma fôrça do Governo eu passo quietinho com a minha gente ”.

(documento ADOLPHITO)

Os dois homens procuraram dissuadi-lo, mas José Maria se manteve firme e

convenceu-os a irem ao encontro da tropa a fim de conferenciar com o comandante e

conseguir um acordo. Além dos fiéis seguidores que trouxera de Santa Catarina, José

Maria tinha o apoio e a simpatia dos posseiros do Irani. Talvez ainda o socorresse Miguel

Fragoso, o antigo maragato, que era capaz de levantar a qualquer momento 100 homens

em armas. Assim, o monge poderia dispor, para a defesa de sua pessoa e de sua causa,

de duzentos a trezentos caboclos mal armados.

As tropas do Regimento de Segurança do Paraná, sob o comando do cel. João

Gualberto Gomes de Sá Filho, e acompanhadas pelo Chefe de Polícia daquele Estado,

desembarcaram do trem em Porto União e, em marcha forçada, se dirigiram à sede do

município de Palmas. Próximo ao destino, encontraram, no lugar Horizonte, ou Belo

Horizonte de Palmas, o coronel Domingos Soares, chefe político da zona, que já fora

prevenido por telegrama da aproximação das fôrças.

Realizou-se uma conferência na casa de homem da localidade chamado Tonico

Branco. Ficou decidido que as tropas acampariam por ali mesmo, enquanto um piquete

de cavalaria, comandado pelo tenente Busse e acompanhado pelo coronel Domingos

Soares, marcharia em direção ao Irani a fim de colher informações mais precisas. O

piquete partiu. Pouco adiante, topou com os emissários João Varela e José Júlio Farrapo,

aos quais o coronel Domingoas soares e o tenente Busse ouviram. Naquele mesmo dia,

da Fazenda do Alegrete, o tenente Busse ouviria a seguinte carta ao coronel João

Gualberto:

“Alegrete, 18 de outubro de 1912. Senhor Coronel João Gualberto.Estamos acampados

em Alegrete . A fôrça acha-se em bom estado, os cavalos porém estão um pouco

enfraquecidos e não temos nenhum para substituição, entretanto penso que agüentarão

as onze léguas que daqui distam ao Irani. Hoje encontramos dois indivíduos enviados

pelo Monge José Maria para falar com o Coronel Domingos Soares, a fim de êste ir

conferenciar com êle no próprio acampamento que é o lugar chamado Faxinal a duas

léguas da entrada do mato em Irani. Êstes dois homens ficarão em nosso poder até

recebermos novas ordens. O Monge tem 40 homens que lhe são dedicados, acham-se

armados de winchester e estão dispostos a defendê-lo a todo transe. Estas informações

colhemo-las dos dois enviados e do senhor Ernesto Rupp que viu e falou pessoalmente

ao Monge. Além dêsses 40 homens acham-se no acampamento outros em número

regular e muitas mulheres e crianças. Informaram também que todos os moradores das

redondezas do Irani acham-se fanatizados por José Maria, tendo êle declarado ao senhor

Rupp que se o atacarem resistirá. Os enviados do Monge dizem que êle deseja muito

conferenciar com o Doutor Chefe de Polícia ou com o senhor em qualquer ponto e êste

fato pode servir para pegá-lo de surpresa.

Enfim esperamos instruções pois estamos apenas a 4 léguas do acampamento e

os senhores aí organizarão os planos dos quais esperamos ter conhecimento até amanhã

às nove horas,hora essa em que seguirei cumprir essas ordens;caso não chegue a sua

resposta com tempo, o Senhor poderá endereçá-la ao Senhor David Araújo, que se acha

aqui no Alegrete e que ficará esperando qualquer comunicação para me transmitir por um

próprio. O Monge diz conhecer o Doutor Chefe de Polícia e declara que deseja resolver

pacìficamente este fato; que não passa tudo isso de uma intriga que êle, Monge, teve

com o Coronel Albuquerque de Curitibanos, mas que absolutamente não quer hostilizar o

Paraná,que nenhum mau lhe fez.

Estas palavras são a reprodução do que disseram os intermediários do Monge. O

comandante desculpará der tão extenso mas procuro dar informações minuciosas. João

Busse.” (in processo 806)

Não é difícil imaginar o efeito que tal carta teria causado no espírito de João

Gualberto. Ainda em Curitiba, após aceitar a missão de que fora incumbido, o

comandante da fôrça pública não escondia aos íntimos quais os objetivos em que se

empenhava: “Levava corda e havia de trazer os bandidos, amarrados.” (CARNEIRO, s/d:

253)

Travou-se em Horizonte azeda discussão entre João Gualberto e o Chefe de

Polícia. Tinha decidido o primeiro seguir logo no rumo do Irani, enquanto este achava que

o Regimento de Segurança deveria prosseguir em direção à vila de Palmas a fim de

garanti-la de um possível ataque dos fanáticos [...] Dêsse modo, o coronel João

Gualberto, comandando os soldados em marchas que quase os exauriram totalmente, foi

encontra-se com o tenente Busse em terras de João Varela, já próximo onde se

encontrava João Maria. Neste mesmo dia houve uma conferência particular entre João

Gualberto e o coronel Domingos Soares na qual o último expôs tudo quanto sabia e tudo

que lhe parecia necessário ser feito [...]. João Gualberto confiava muito em uma certa

metralhadora que os seus soldados traziam. Antes de partir a comissão chefiada por

Domingos Soares, andou o chefe da fôrça pública, pessoalmente, executando exercícios

de tiro com a metralhadora, e divertiu-se muito atorando com as balas pinheiros jovens.

Nesse estado de espírito redigiu um bilhete a José Maria. E logo pediu não ao coronel

Domingos Soares, mas a Otávio Marcondes, que o entregasse ao Monge.

E este o teor do bilhete:

“Acampamento do Regimento de Segurança nos Campos dp Irani em vinte de outubro

de 1912. Senhor José Maria. Deveis comparecer a este acampamento com a maior

urgência a fim de me explicardes o motivo da reunião de gente armada em torno da

vossa pessoa, alarmando os habitantes dessa zona e infringindo as leis do Estado e da

República. Caso não atenderdes a essa intimação que me ditou o cumprimento do dever

e o sentimento de humanidade, comunico-vos dar-vos-ei já franco combate e a todos que

foram solidários convosco, em verdadeira guerra de extermínio a fim de voltar a essa

zona do Estado o regime da ordem e da lei. Avisai a todos que vos acompanham que os

considerarei criminosos se não concordarem com o vosso comparecimento ao meu

acampamento, evitando por essa forma terrível desgraça. Comunico-vos ainda que além

das fôrças minhas que vos sitiam por várias estradas, outras expedições vos perseguem

também, tornando-se por essa forma impossível vossa fuga ou resistência deveis fazer

retirar com urgência as mulheres e as crianças que aí estiverem. Coronel João Gualberto,

Comandante do Regimento de Segurança do Paraná.” (in Processo 806)

João Gualberto mandou tocar oficiais para ler ao seu estado-maior esse bilhete. No

dia seguinte, enquanto aguardava o regresso dos emissários, ficou numa agitação

emocional que não pôde esconder. A certa altura, supondo que os fanáticos tivessem

prendido o coronel Soares, chegou mesmo a propor ao tenente Busse atacar logo o

acampamento. Enfim, caiu em si, confessando: “Eu ando mesmo a fazer loucuras.”

(testemunho JOÃO BUSSE in processo 806)

Domingos Soares chefe da missão que foi parlamentar com José Maria, era chefe

político do interior, de tipo especial, um coronel “dos pobres”. Tinha exatamente 60 anos

de idade. Nascido em Guarapuava, de onde veio ainda criança com a família, em Palmas,

instalou a Estância Bom Sossêgo, uma das maiores e mais bem equipadas da região [...]

É difícil saber que verdadeiros motivos nortearam a atividade de Domingos Soares nessa

complicada questão do Irani. Sem dúvida, preocupava se ele com a sorte de seus cabos

eleitorais e possíveis clientes que contava entre o povo de posseiros. Não reta a dúvida

que desejava a dispersão do ajuntamento [...]

Quando Domingos Soares e seus companheiros chegaram ao local de sua missão,

encontraram José Maria na casa de Miguel Fabrício e ainda deitado. Entraram no quarto

para falar com o monge, e Domingos Soares se referia mais tarde à surprêsa que sentiu

ao reconhecer na pessoa do célebre curandeiro o indivíduo de nome Boaventura que

havia oito meses estivera na cadeia pública de Palmas, acusado de defloramento. À

medida que Domingos Soares falava, viu-se rodeado de uma porção de homens, alguns

bem armados, que passavam a assistir a conferência. José Maria insistiu logo de início,

que à presença do coronel João Gualberto não iria por temer maus tratos e mesmo

porque ele, nada tinha com o Paraná e não sabia por que era assim perseguido, dizendo

mais que toda a sua questão era com o coronel Albuquerque, em Curitibanos, no Estado

de Santa Catarina.

Domingos Soares argumentou que o governo do Paraná não o perseguia, porém

não podia consentir em “reuniões ilícitas” em qualquer ponto do Estado. Em seguida, fez

sinal a Otávio Marcondes para entregar a José Maria o bilhete de João Gualberto.

O famoso curandeiro foi lendo e depositando as folhas em cima da cama. Depois

olhando para os seus homens, pelos quais estavam todos rodeados, disse:

- “Que garantias pode oferecer uma carta escrita a lápis?) [...] Domingos Soares garantiu

o contrário, assegurando que João Gualberto”era um homem muito delicado”, mas José

Maria persistiu em sua recusa, solicitando apenas garantias para voltar ao Estado de

Santa Catarina. Assim se encerrou a conferência.

Regressando ao bivaque do Regimento de Segurança do Paraná, Domingos

Soares tudo comunicou ao coronel Gualberto. À noite daquele mesmo dia, ele e Otávio

Marcondes chamaram Gualberto e fizeram ver que o chefe político havia prometido

garantias à passagem do monge para Santa Catarina por ter “descoberto o plano de fuga

que seria feito em 24 horas, passando José Maria pela Ressaca e Jardim desta comarca,

onde facilmente seria capturado”. João Gualberto redargüiu que na madrugada seguinte

atacaria de qualquer forma ao acampamento do monge posto que “disto já havia dado

comunicação ao presidente do Estado e se assim não procedesse ele, Gualberto, se

considerava desmoralizado perante a Nação Brasileira”. (testemunho DOMINGOS

SOARES in inquérito Irani)

Na discussão que se seguiu, Domingos Soares deixou assentado que, a seu ver,

não convinha atacar o acampamento de José Maria, mesmo porque dispunha este de

fôrça maior que João Gualberto. Mas não conseguiu demover o comandante da fôrça

policial. De qualquer forma, quando as tropas já se preparavam para marchar, Domingos

Soares frisou a João Gualberto que não o acompanharia como era o seu desejo devido a

suas idéias estarem em desacordo com as dele. Gualberto retorquiu:

- “Pois, coronel Soares, faça de contas que estamos de relações cortadas, e eu

vou sempre assumindo toda responsabilidade.” (testemunho ADOLFO RIBEIRO

GUIMARÃES in processo 806)

Fonte: QUEIROZ, 1966, p. 97-105.

Atividade 4

Com base na leitura deste texto que apresenta a figura do monge José Maria,

somada às suas interpretações, responda as questões.

a) Quem era o monge descrito no texto? Um criminoso da sociedade brasileira?

Justifique.

b) Foram os monges que iniciaram a Guerra do Contestado? Justifique sua resposta.

c) Como o coronel João Em sua opinião, qual seria a melhor solução para se evitar o

conflito.

d) Em seu modo de pensar, João Gualberto poderia adiar o ataque e justificar sua

atitude ao seu superior? Explique.

NARRATIVA 7

O CONFLITO: A GUERRA DO CONTESTADO

Demerval Peixoto, que mais tarde participaria da grande Expedição Setembrino, e

que escreveu o primeiro e o mais completo livro-depoimento sobre a controvertida

questão do Contestado, confirma que os fanáticos de José Maria não desejavam

combater, tanto assim que pediram prazo para dispersar-se pacìficamente. Nisto, porém,

não consentira o coronel João Gualberto. “Ao contrário: as cordas, que tinham sido

levadas para amarrar os prisioneiros, foram ràpidamente desembaraçadas das garupas

dos cargueiros.” (PEIXOTO, 1916:128) De fato, antes de partir ainda de noite para o

ataquem o comandante mandou um vaqueano preparar “trinta alças para amarrar

caboclos”, e já havia ensinado às praças o sistema de manear um homem. (testemunho

João Busse in Processo 806)

No decorrer daquela mesma noite, um acontecimento aparentemente casual

perturbou o coronel Gualberto. A marcha de aproximação prosseguia sem novidades até o

momento em que a tropa, na maior escuridão e procurando guardar silêncio, teve que

vadear um córrego arenoso. Devido a um movimento brusco da mula, que se assustou

com uma vela, acesa para verificar o caminho, a metralhadora e a sua caixa de munição

caíram n`água.

O coronel João Gualberto, que presenciou o incidente, aproximou-se do anspeçada

Paixão, que era o guia do animal, e disse em voz áspera:

- “Você, Paixão, nem morto pagava o serviço que acabava de fazer!”

A praça retorquiu:

- “Seu comandante, eu não fui culpado. Quem assustou a mula foi este tropeiro.” E

apontou para um tal de Roque. (testemunho Mário Ribas in processo 806)

Roque era um sertanejo que morava próximo ao Irani e que estava no lugar

Horizonte procurando vender uma carga de milho quando ali chegou a tropa do governo,

para a qual foi logo contratado. Certamente o coronel Gualberto não se lembrava destas

circunstâncias; ou, irritado com o anspeçada Paixão pensou que aquilo que o mesmo

alegara não passava de desculpa. Não tomou providências contra Roque, embora seja

muito provável que o tropeiro tenha agido intencionalmente. Em todo caso, “a

metralhadora caiu enchendo-se as bruacas de água, areia ou barro, motivo pelo qual ela

mais tarde não pôde funcionar”. (testemunho João Busse in processo 806) Desfazia-se,

assim, mais uma esperança de João Gualberto, porém ele não mediu as conseqüências e

resolveu não recuar.

As primeiras horas do amanhecer, os soldados da vanguarda trocaram tiros com

uma guarda supostamente dos fanáticos, a qual se retirou. A tropa chegou ao lugar

Banhado Grande, onde se daria o combate. Não vamos aqui descrevê-lo em seus

pormenores. O Regimento de Segurança do Paraná havia partido de Curitiba com

aproximadamente 400 homens, dos quais o coronel Gaulberto tirou 43. Reunidos êstes ao

contingente do tenente Busse, somavam uma força de apenas 64 homens, que assim

atacaram os fanáticos no Irani. Sob as ordens de João Gualberto, a tropa do governo

enfrentou pouco mais de 200 sertanejos. Uns a cavalo, outros a pé, evitaram o máximo o

tiroteio e atravessando uma funda canhada onde desapareciam das vistas das forças

legais, caíram de supetão, a garrucha e a facão de pau sobre os soldados. O auge do

combate se produziu em torno da metralhadora engasgada. No meio da luta, José Maria

caiu prostrado por uma bala. Quando já se dispersava correndo a fôrça do Paraná, João

Gualberto – que não pudera montar porque outro lhe fugira com o cavalo – foi cercado e

morto por uma pequena multidão de caboclos enfurecidos. Enquanto o matavam, gritou

um fanático para os outros:

- “Piquem este desgraçado, que ele é o único culpado.” (testemunho CANTÍDIO DA

COSTA MOREIRA, in processo 806)

Entre os mortos das tropas do Paraná, contavam-se além do comandante, dois

sargentos, três cabos, um aspeçada quatro soldados: mais treze homens ficaram feridos

no campo da luta; no total, acima de um terço fora de combate. Pouco antes da batalha,

José Maria tinha garantido a seus seguidores que poderiam investir sem medo, pois os

fechos dos fuzis levados pelos soldados cairiam por terra. Agora ele estava morto e, além

dele, outros fanáticos jaziam também pelo campo, em número que alguns calculavam em

apenas seis e outros em muito mais.

Miguel Fragoso ficara seguramente na reserva, com o grosso do seu pessoal,

pronto a intervir em caso de necessidade para socorrer o monge, embora isto nunca

tivesse ficado de todo comprovado nos vários inquéritos policiais e militares que se

seguiram aos acontecimentos. O que ficou indubitalvelmente apurado é que, se bem não

tivesse participado pessoalmente da refrega, grande parte de seu pessoal ali atuou, sem

que ele o tivesse podido ou querido impedir. È certo que Miguel fragoso teve, depois dos

eventos, a sólida proteção do coronel Domingos Soares e a benevolência das autoridades

federais.

Fonte: QUEIROZ, 1966, p. 105-107.

NARRATIVA 8

CRENÇA NA RESSURREIÇÃO

A crença na ressurreição de José Maria eclodiu imediatamente a sua morte.

Enterraram-no de maneira especial “porque disseram que ia ressuscitar” (testemunho

Maria) Na carta que um sobrevivente escreveu do Irani à sua mulher que ficara em

Taquaruçu informava que o túmulo do José Maria não tinha terra por cima, e sim umas

tábuas” para ele facilmente ressuscitar”. Sobre o assunto se possui, ainda, o dramático

depoimento do então segundo-tenente Luiz Ferrante.

Terminada a batalha os fanáticos se dispersaram. Alguns tinham fugido logo, outros

só o fizeram dias depois, ao saber das fôrças sob o comando do coronel Sebastião Pirro

que para ali vinham se dirigindo. Em princípios de novembro, a maioria das casa no Irani

estavam fechadas, tendo seus moradores desaparecido. Empregados da estrada de ferro

à margem do rio do Peixe informaram que diversos fanáticos passaram para Santa

Catarina conduzindo amigos e parentes feridos, alguns em estado grave.

Com o regresso do dos religiosos às terras catarinenses, difundiu-se rapidamente como

epidemia a crença na ressurreição do José Maria. Acreditava-se que o monge

reapareceria numa cidade santa.(PEIXOTO, 1916:138) Os discípulos de José Maria

esperavam sua ressurreição numa certa e fixada.” E na imaginação dos sertanejos

encastelava-se a crença de estarem diante de um novo cristo.” (PEIXOTO,1916:452)

Alfredo de Oliveira Lemos, morador da vila de Curitibanos, costumava mascatear

pelos sertões. Em princípios de 1913, três meses após o combate do Irani, durante uma

viagem que fez a cavalo, notou “um certo movimento naquele povo” que morava ao longo

da picada entre o arraial de São Sebastião das Perdizes Grandes e a Vila Nova do Timbó,

essa estradinha sertaneja que passava por uma série de locais então quase desertos mas

que em pouco se transformariam em redutos famosos: Santa Maria,Tamanduá,

Timbozinho. “Todos perguntavam – diz Lemos referindo-se aos habitantes da área – que

eu sabia da guerra de São Sebastião. Eu nada podia dizer, pois nada sabia.” (documento

Lemos)

A ansiedade coletiva, que se refletia em tais perguntas, acompanhava o processo

de profunda reelaboração mítica que se desenvolvia durante aquêle momento de espera

messiânica, em que tantos aguardavam o maravilhoso reaparecimento do José Maria.

Desde cedo se espalhou a crença de que não seria apenas o monge que haveria de

ressuscitar: “acreditavam que os fanáticos mortos em combate ressuscitariam”

(Depoimento FERRANTE).

Na profissão de fé dos discípulos do monge sacrificado, surgiu por êsses dias –

não se sabe como – uma nova entidade mitológica que não se explicaria, no plano

supranaturalístico, o destino dos que haviam tombado na luta, como preencheria funções

novas e vitais. Tratava-se do Exército encantado, o Exército de São Sebastião. “Depois

que José Maria morreu no Irani, ele passou-se para esse Exército Encantado. O

comandante desse Exército era São Sebastião. José Maria estava só lá, no Exército; não

era comandante.” (depoimento ANTÔNIO ELIAS) Seguramente não precisamos cavar

muito fundo para encontrarmos as razões pela qual São Sebastião foi escolhido

comandante do exército fabuloso. São Sebastião, santo guerreiro, protetor dos homens

contra a fome e a peste, não era apenas considerado padroeiro do sertão em geral, mas

era também em particular o padroeiro de Perdizes Grandes, em torno do qual viviam

tantos seguidores do monge. Contudo, verificar estas circunstâncias não esgota o

problema. É evidente que diante do Exército Encantado estávamos em face de uma nova

manifestação do sebastianismo no Brasil [...] Segundo o sistema de crenças que se

cristalizava naqueles dias, imaginava-se que no momento da parusia de José Maria,

quando este aparecesse redivivo, em toda sua glória, então o Exército Encantado

“apareceria”, isto é, ganharia aspecto concreto, e seria incrível. Nesse instante principiaria

a guerra santa que, segundo diziam, tinha sido anunciada pelo próprio João Maria vinte

anos antes. Esta é que seria a guerra de São Sebastião.

Manoel filho de Euzébio (que estivera com o monge em Taquaruçu) [...] foi

plenamente reconhecido pela coletividade religiosa emergente [...] passou a encontrar-se

regularmente com o monge no interior da floresta [...] seria erguida em Taqueruçu uma

cidade santa, onde o monge reapareceria [...] a todos. Próximo à casa de Chico Ventura,

havia uma igreja de madeira. Em torno desta cresceu em poucos dias um arraial com

suas casa improvisadas de rachões de pinheiros, suas ruelas de barro e lama: pasaram a

chamar ao vilarejo cidade santa. Uma semana depois, calculava-se já se encontravam

concentradas trezentas pessoas, entre homens, mulheres e crianças, e o número

aumentava de dia para dia. Famílias inteiras continuavam a chegar da serra de São

Sebastião, de Tamanduá e do Timbó, de vários pontos dos municípios de Curitibanos, e

campos Novos e até de Canoinhas e do Irani [...] Frei Rogério Neuhaus esteve

hospedado na casa Praxedes (em Taquaruçu) provocou atrito ao qualificar de “criminoso

“José Maria [...] No dia seguinte ninguém compareceu à missa para a qual Frei Rogério

havia convidado a todos [...] Após a partida de frei Rogério Neuhaus e diante dos novos e

sucessivos avisos que foram chegando à cidade santa a propósito dos preparativos das

tropas legais. Manoel consultou José Maria e regressou do mato asseverando:

- “Se forem atacados não precisarão brigar, pois ele, o monge, reaparecerá em toda a

sua gloria, cercado dos guerreiros que com ele tombaram no Irani, para dar combate às

fôrças do governo (ZACARIAS DE PAULA in jornal D 14-1-1914).

O primeiro ataque a Taquaruçu obedeceu a um plano traçado por Lebon Regis,

então secretário geral do Estado de Santa Catarina. Os soldados do Exército. vindos por

via férrea de seus quartéis no Paraná, encontravam-se dividido em dois troços: em

Caçador (100 praças) e em Campos Novos (60 praças). Efetivos da fôrça pública barriga-

verde estacionaram em Curitibanos (50 praças). Simples era o plano: os três

contingentes, por diversos caminhos, convergiam sôbre o reduto, atacando-o

simultâneamente. Imcorporavam-se a cada coluna guias recrutados na área e piquetes de

civis armados, os patriotas.

Uma das colunas, a que partiude Campos Novos nem chegou a avistar o adversário; o

pânico provocou a retirada. A que vinha de Caçador debandou depois de Rápido tiroteio.

O mesmo aconteceu com aquela que era constituída de soldados da polícia militar [...]

Joaquim, o Menino–Deus, dirigiu as fôrças dos defensores de Taquaruçu, na qualidade de

comandante. Durante o tiroteio, Euzébio carregava uma grande bandeira e seguia no

rumo da fôrça gritando vivas a José Maria e à Monarquia. Foi ferido na perna por uma

bala de metralhadora. Um fanático laçou a metralhadora, e arrastou-a na chincha do

cavalo. Apoderaram-se os fanáticos de várias carabinas mauser, seis cargueiros de

mantimentos, roupas, barracas etc. Os soldados de tudo se desembaraçavam para correr

mais de pressa. De nada se aproveitaram em Taquaruçu; certamente consideravam

impuro aquilo que havia pertencido a seus atacantes. Queimaram tudo quanto puderam,

deixando de parte apenas as túnicas, os bonés e os distintivos militares, os quais

dependuraram a modo de troféus nos caminhos que demandavam o reduto; eram sinais

de sua vitória. Caiu prisioneiro um soldado ferido, que veio a morrer em Taquruçu no dia

seguinte. Pouco antes de expirar, ele disse: “Quero que me tirem o fardamento e me

ponham uma roupa paisana. Quero morrer paisano.” (depoimento JOAQUIM) Fizeram-lhe

a vontade. Depois, providenciaram-lhe o velório, com rezas e cânticos religiosos, e lhe

trataram do enterro, que foi acompanhado por todos que se achavam no lugar.Sepultaram

o corpo no cemitério de Taquaruçu. Quando alguém lhes perguntou mais tarde porque

assim procederam, obteve como explicação:

- o coitado atacou-nos mas não tinha culpa; - era mandado.” (RUPP JR., 1914)

Uma tal atitude em face dos inimigos mortos haveria de mudar com o decorrer da guerra.

Por outro lado, quando alguém indagou por que não perseguiam os atacantes ao

debandarem estes, responderam que “não tinham ordem de perseguir nem mesmo o seu

maior inimigo”. (RUPP JR., 1914) Êsse comportamento, por sua vez, não se modificaria

mesmo depois que outras técnicas, algumas de reconhecida eficácia, foram introduzidas

nas guerrilhas.

Fonte: QUEIROZ, 1966, p. 117-133.

Atividade 5

1) Os seguidores do monge, após sua morte se dispersaram para sempre? Justifique

sua resposta.

2) O ataque das tropas do Paraná resolveu o conflito? Justifique sua resposta.

3) Quais eram os elementos de coesão deste grupo? O que os unia de fato os

sertanejos?

4) Agora escreva um novo texto sobre a Guerra do Contestado.

IMPORTANTE:

O professor deve permitir que os estudantes produzam livremente suas

inferências e até mesmo sua empatia com as fontes, pois na diversidade de perspectivas

apresentadas sobre o tema os alunos poderão ter acesso a outras temporalidades, bem

como outros períodos, enriquecendo a produção de sua narrativa.

Enfatizar a necessidade de compreender os conceitos de forma aberta, visto que

estes ora se aproximam, mas muitas vezes, trazem verdadeiros confrontos entre si.

Alertar os estudantes para o fato que, muitos historiadores apresentam em suas obras

pontos de vistas diversos e, isto também pode ser objeto importante para a análise.

NARRATIVA 9

A) Após o combate do Irani e antes da formação do segundo ajuntamento de

Taquarucu, frei Rogério teve uma conversa com Praxedes Gomes Damasceno, na qual

registrou o desabafo do líder sertanejo:

“É verdade que nos agrupamos aqui no Taquarucu, mas isto não foi feito contra o

governo. Nós queríamos tratar o nosso corpo doente com José Maria e praticar a nossa

religião católica romana como os padres nos ensinaram, e fazer comunitariamente as

nossas orações. Há nisso alguma coisa que vai contra lei? Tivemos grandes gastos, tudo

nós mesmos pagamos, não roubamos, nem usamos de violência contra um nosso

semelhante. Quem se agrupava era recebido amigavelmente e o sortíamos com o

necessário, mesmo se não tivesse contribuído com nada e não quisesse fazê-lo para o

sustento coletivo. Seria isto contra a lei da nação? Um pequeno grupo estava armado de

sabre. Era necessário para assegurar a ordem no acampamento. Também não leva cada

um arma quando viaja? Até nas cidades a maioria anda armada. Então aqui não há

inflação. Por nos xingam de bandidos e expedem soldados contra nós para nos matar?

Qual foi o nosso crime?[...]

Fonte: MACHADO, 2004, p. 192.

B) Um pequeno trecho do relatório da presidência da província do Paraná em 1854,

apenas um ano após a separação de seu território da província de São Paulo, diz que:

“Agitam-se freqüentes questões de posses e limites, que em geral procedem do estado

confuso e desordenado da propriedade territorial, as quais, no futuro é provável se

reduzam a pouco ou nada, com a observância da lei das terras e respectivos

regulamentos que, procurando definir e fazer conhecida a porção de terra de que cada um

é proprietário, tendem a assegurar a todos o gozo de seus direitos sem o temor da força

do vizinho, nem da conta do escrivão e do advogado as vezes mais danosa”.

Fonte: ESPIG; PINHEIRO, 2008, p. 39.

C) Trecho da obra de Tomás Morus, tentando entender que os monges mesmo que

não desejassem, encarnavam o protesto e os anseios do povo simples e explorado dos

sertões:

“Por toda parte onde a propriedade constitui direito individual, e onde todas as coisas se

avaliam por dinheiro, nunca poderá organizar-se a justiça e a prosperidade social, a

menos que chameis justa a sociedade na qual o que há de melhor é pertença dos piores,

a menos que considereis feliz aquele Estado em que a fortuna pública é presa de um

punhado de indivíduos insaciáveis, enquanto a massa é devorada pela miséria.

Enquanto o direito de propriedade for o fundamento do edifício social, a classe mais

numerosa e mais estimável só terá de partilhar miséria, tormentos e desespero. (Tomás

Morus, 1990, p. 64-66)

Fonte: Com base em FACHEL, 1995, p. 68. Atividade 6

Após a leitura dos três textos que compõem a Narrativa 9, releia e reescreva o seu

texto número 2 sobre a Guerra do Contestado.

NARRATIVA 10

A) A professora de literatura brasileira da Universidade Federal do Paraná Marilene

Weinhardt, com pesquisa centrada no estudo da ficção histórica contemporânea, afirma

que há várias invectivas dos narradores para se referirem ao oponente (sertanejo), não

lhe reconhecendo o papel de inimigo (que seria admiti-lo como igual, digno, à altura) e

também não é designado como rebelde (o que seria aceitar a condição de oprimido). Para

não deixar aflorar qualquer questionamento, é preciso usar epítetos (termos) pejorativos,

vejamos alguns mais utilizados:

“Fanáticos, bandoleiros e bandidos, malfeitores, monstros, sicários, assassinos,

sequazes, bárbaros, facínoras e ladrões, rancorosos, celerados, infames, sórdidos,

ignaros, sedentos de sangue, obcecados, portadores de ódio, imbecis, hereges, idiotas,

estúpidos, infames, lascivos, lúgubres, boçais, dementes, traiçoeiros, velhacos”.

Fonte: Com base em WEINHARDT, 2000, p. 103-104. B)

Na obra sobre o Contestado, “A guerra santa revisitada: novos estudos sobre o

Movimento do Contestado”, os autores trazem elementos da tradição oral mostrando qual

era a relação deste sertanejo com a natureza. Trata-se dos Mandamentos das leis da

natureza, vejamos alguns:

• Não se deve queimar folhas, cascas e nem palhas das plantações que dão

mantimentos. O que a terra dá emprestado, quer de volta.

• É errado jogar palha de feijão nas encruzilhadas. É o mesmo que comer e virar o

coxo. A terra se ofende.

• Quem descasca a cintura das árvores para secá-las, também vai encurtando sua

vida. A árvore é quase bicho e bicho quase gente.

• O pai da vida é Deus. A mãe da vida é a terra. Quem judia da terra é o mesmo que

estar judiando da própria mãe que o amamentou.

• Quem não sabe ler o livro da natureza, “é analfabeto de Deus”.

• Quem se tira o mel, sem deixar alguns favos para as abelhas.

• Não é preciso ser santo, mas é preciso ser respeitado.

Fonte: Com base em MARCON, 2008, p. 155.

C) A região do Contestado passava por um processo de transformação no início do

século XX, novas relações com a terra estavam sendo impostas, já não baseadas no uso

e cultivo comunal, más aquelas com base no sistema capitalista de produção. O

depoimento do Sr. Gilberto Kopecki dá detalhes de como os sertanejos eram ludibriados

pelas empresas recém chegadas à região:

“Em alguns lugares tiravam à força mesmo, com capangas. Em outras situações eles

obrigavam o pessoal a assinar um papel em branco. Quem fez isto aqui foi o Nereu

Ramos, que era advogado da Lamber. O Nereu, mesmo sendo novo, tinha muita

autoridade sobre as pessoas, era filho do governador Vidal. Ele reuniu o pessoal dizendo

que era para assinar em branco os papéis, que todos iam ter suas terras regularizadas.

Que nada! As assinaturas serviram pras pessoas renunciar ao direito de posse. Isto minha

mãe viu pessoalmente, aconteceu mesmo”.

Fonte: CARVALHO, 2008, p. 55.

Atividade 7

Sugerir aos alunos um seminário para debater o tema, onde cada estudante

poderá apresentar suas idéias e conclusões sobre o Contestado, fundamentadas em

fontes históricas e pela historiografia. Após o seminário, pedir aos alunos uma redação

final do texto sobre o Contestado. Esta fase estaria incompleta e comprometida se o

professor negligenciar ou não aplicar a terceira fase a seguir.

4.3 Terceira fase: avaliação da metacognição histórica dos estudantes

Este é o momento importante da Intervenção Pedagógica, onde o professor

investiga o aprendizado histórico do estudante e também o momento em que o próprio

estudante poderá compreender se aprendeu e como aprendeu sobre o movimento do

Contestado.

Essa fase pode ser dividida em dois passos, o primeiro sobre o aprendizado do

conteúdo a partir das narrativas historiográficas, e o segundo sobre o que o estudante

aprendeu em relação a sua consciência crítica presente em sua própria narrativa e/ou dos

seus colegas.

Essa fase é fundamental para investigar se houve evolução para um pensar mais

crítico dos sujeitos, que antes o professor sistematize uma comparação entre as primeiras

e as últimas narrativas produzidas pelos estudantes.

Atividade 8

Com base em todo estudo realizado sobre o movimento do Contestado, responda:

a) O trabalho com narrativas históricas de diversos autores com visões diferentes

permite aprender e pensar criticamente em História? Explique.

b) O que você aprendeu sobre o movimento do Contestado tem alguma relação com a

compreensão do presente? Justifique.

c) O que você aprendeu sobre o movimento do Contestado tem alguma relação com a

compreensão dos nossos projetos de futuro.

PARA O PROFESSOR

Importante: Ao término da Unidade Temática arquive o material produzido. Ele pode

servir de base para a continuidade dos estudos e práticas visando o aperfeiçoamento do

ensino da Historia no Paraná.

REFERÊNCIAS

AURAS, Marli. Guerra do Contestado: a organização da irmandade cabocla. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1984.

BLOC, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

CARVALHO, Tarcísio Motta de. “Nóis não tem direito”: costume e direito á terra no Contestado. In: ESPIG, Márcia Janete; PINHEIRO, Machado Paulo. (Org.). A Guerra Santa revisitada: novos estudos sobre o Movimento do Contestado. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2008. p. 33-71.

CAVALCANTI, Walter Tenório. Guerra do Contestado: verdade Histórica. 2. ed. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2006.

ESPIG, Márcia Janete; PINHEIRO, Machado Paulo. (Org.). A Guerra Santa revisitada: novos estudos sobre o Movimento do Contestado. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2008.

FACHEL, José Fraga. Monge João Maria: recusa dos excluídos. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1995.

FRAGA, Nilson Cesar (Org.). Contestado: o território silenciado. Florianópolis: Insular, 2009.

GALLO, Ivone Cecília D`Avila. O Contestado: o sonho do Milênio Igualitário. Campinas: Ed. da Unicamp, 1999.

LAZIER, Hermógenes. Paraná: terra de todas as gentes e de muita história. Francisco Beltrão: Grafit, 2003.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Ed. da Unicamp, 2003.

MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado. Campinas: Ed. da Unicamp, 2004.

MARCON, Telmo. Cultura e Religiosidade: a influência dos monges do Contestado. In:

ESPIG, Márcia Janete; PINHEIRO, Machado Paulo. (Org.). A Guerra Santa revisitada: novos estudos sobre o Movimento do Contestado. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2008.

MOCELLIN, Renato. Os guerrilheiros do Contestado. São Paulo: Ed. do Brasil, 1989.

QUEIROZ, Maurício Vinhas de. Messianismo e conflito social: a guerra sertaneja do Contestado – 1912-1916. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.

THOMÉ, Nilson. Sangue, suor e lágrimas no chão do Contestado: Caçador: Ed. da UNC, 1992.

WEINHARDT, Marilene. Mesmos crimes, outros discursos? Curitiba: Ed. da UFPR, 2000.