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Gorongosa Fazer renascer um parqueFoi “uma fonte permanente de carne” durante o confronto armado moçambicano. Agora, a Fundação Carr quer fazer do parque natural um projecto que “defende os animais porque gosta de pessoas”. Texto de Sofi a Branco Fotografi a de Pedro Sá da Bandeira

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As acácias amare-las caídas no chão ainda denunciam a sua passagem, mas os elefantes do Parque Nacio-nal da Gorongosa (PNG) já foram em maior número. Mais exactamente

quatro mil. Hoje, restam apenas três centenas. Passou-se o mesmo com todos os outros animais de grande porte, leões, búfalos, bois-cavalos, zebras, que enchiam os olhos dos muitos turis-tas que visitavam a savana. Muitos deles foram mortos, maioritariamente para servirem de alimento, durante o confronto armado moçam-bicano.No histórico Acampamento de Safari do Chi-tengo, situado no coração do parque e que serve de ponto de partida às picadas de jipe, passam documentários que recordam a era de esplendor da Gorongosa. Um deles, rea-lizado por Miguel Spiegel (1961) e com locu-ção do inconfundível Fernando Pessa, narra “manadas que parecem não ter fi m”. Hoje, o encontro com “os grandes” depende muito da sorte. Nirza Fumo é a única mulher que conduz picadas na Gorongosa e conta que, ela própria, ainda não conseguiu ver todos — leão, leopardo, búfalo, hipopótamo, zebra — numa só viagem. Os relatos de “um parque turístico que tinha muitos animais” causam “surpresa”, mas também “orgulho” aos habitantes locais que nasceram depois da época do esplendor, conta Vasco Galante, o português que largou tudo para ser o director de comunicação da Gorongosa. A reabilitação do parque está nas mãos da Fun-dação Carr, criada por Gregory Carr, milionário americano que se apaixonou pela Gorongosa e que fez um pacto de longo prazo com o Estado moçambicano. O projecto de recuperação do parque, localizado na província de Sofala, no Centro de Moçambique, e com uma área de cerca de quatro mil quilómetros quadrados, alia a vertente da conservação ambiental e da promoção turística com o desenvolvimento das condições de vida das cerca de cem mil pessoas das 15 comunidades que compõem a chamada zona-tampão em redor do parque. Entre dez a 15 mil pessoas residem, ilegalmente, dentro da área de conservação e a Fundação Carr está a tentar atraí-las para a periferia — os mais velhos garantem que nasceram no parque e foram obrigados a abandonar as suas casas, nas décadas de 1940 e 1950. “As pessoas têm que perceber para que serve um parque”, diz Vasco Galante. “Existem pessoas que defendem os animais porque gostam muito de animais; este projecto defende muito os animais por-

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que gosta muito de pessoas. O leão e o elefante geram receitas, porque atraem pessoas que os querem ver”, acrescenta. Há, por isso, a preo-cupação de envolver a comunidade em tudo o que diga respeito ao parque. Os estudantes são chamados a conhecer o espaço e a aprender sobre conservação ambiental.Nirza Fumo chegou ao parque há cinco meses, “mais ou menos por acaso”. Originária de Maputo e habituada à “vida citadina”, ainda se divide entre “umas boas noites” que fazem falta quando se tem 23 anos e a “experiência” que lhe proporciona a estada na Gorongosa. Tirou Turismo e ganhou uma bolsa para fazer um curso de guia turística. Fala com entusiasmo do parque onde trabalha há cinco meses e com o qual tem um contrato ilimitado (“até ao dia em que nos fartarmos uns dos outros”). “A Gorongosa está a renascer” e a um ritmo “bas-tante acelerado”. “Estamos a trabalhar a todo o gás”, garante. Só este ano, a Fundação Carr vai gastar mais de quatro milhões de euros. No total, o projecto de reabilitação está orçado em 26 milhões de euros.Um dos objectivos do projecto passa por repo-voar a Gorongosa, faunisticamente falando, no prazo de dez anos. Estão sempre a chegar bois-cavalos e búfalos. A reintrodução das espécies anteriormente existentes vai continuar nos próximos anos, ao abrigo de uma parceria entre a Carr e a USAID, agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional.Durante as picadas, com vários percursos,

Este projecto defende muito os animais porque gosta muito de pessoas

A comunidade de Vinho vai ter centro de saúdee escola

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é fácil observar antílopes – inhalas, pala-palas, impalas, estas à razão de 20 fêmeas por macho e com ciclos reprodutivos simultâneos, oribis, cujos machos acasalam e fogem, sendo dos poucos antílopes que vivem sozinhos —, facoceros ( javalis grandes), macacos — entre os quais 50 exemplares da variedade cão, cujas fêmeas assinalam a prontidão dando cor rosa aos seus órgãos genitais – e uma imensa variedade de aves — e pasmar com o requinte dos ninhos que os machos tecelões tecem para atrair as fêmeas. Embondeiros (árvores sagradas), muitas acácias e umas árvores cuja madeira é tão pesada que nenhuma ferramenta consegue tocar-lhe, sendo usada nas linhas de caminho-de-ferro, compõem o resto do qua-dro. Muito difícil continua a ser ver um dos 30 leões que existem no parque, mas já se sabe que têm crias, “o que quer dizer que se estão a reproduzir”, assinala Nirza.A caça furtiva permanece um problema. “Muita gente caça para comer, porque não tem emprego fi xo nem fonte de rendimento”, explica a jovem guia. Há 120 fiscais, todos moçambicanos, que tentam evitar esta “neces-sidade das populações”, nas palavras de

Muito difícil continua a ser ver um dos trinta leões que existem no parque

O repovoamento animal do parque é uma tarefa contínua

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Greg Carr e Vasco Galante

O salvador e o braço-direitoO trabalho é de toda uma equipa, mas há um rosto por trás do renascimento da Gorongosa: o de Gregory Carr. O milionário norte-americano não estava na Gorongosa quando a Pública visitou o parque, mas era como se estivesse. Greg Carr personifi ca “o mais longo compromisso individual na história da conservação ambiental em África”, escrevia-se num artigo da Smithsonian Magazine de Maio de 2007. Mais de trinta milhões de dólares em trinta anos — uma soma avultada, mas, acima de tudo, um prazo temporal pouco comum entre doadores e mecenas. É o compromisso de Greg, que fez fortuna na área das telecomunicações, mas sempre achou que o dinheiro que ganhasse deveria servir para fazer aquilo que tinha vontade de fazer. Crescido em Idaho Falls, no estado de Idaho (Esta-dos Unidos), Greg cursou História no Utah e depois saltou para a Escola Kennedy de Governação, em Harvard, onde criou um clube de empresários com estudantes da universidade e do MIT (Mas-sachusetts Institute of Technology). Greg aproxi-mou-se de Scott Jones, aluno do MIT, e assim apa-receu a ideia do “voice mail”. Fundaram a Boston Technology, cujas receitas, num ano, passaram de 2,5 para 25 milhões de dólares. A intervenção social surgiu naturalmente: Greg criou a Fundação Carr, organização sem fi ns lucrativos baseada nos Estados Unidos, e fi nanciou o Centro de Direitos Humanos da Universidade de Harvard.Visitou Moçambique pela primeira vez em 2002, em resposta a um convite do na altura embaixador de Maputo nas Nações Unidas, Carlos dos Santos, que conheceu através da família Kennedy. Manteve o contacto com o país durante dois anos e, em 2004, pediu que o levassem à Gorongosa, que conhecia dos livros. Apaixonou-se, rezam as crónicas.Hoje com 47 anos, o milionário estava interessado em apoiar um projecto que conciliasse a promo-ção dos direitos humanos com a preservação ambiental e o Parque Nacional da Gorongosa pareceu-lhe o sítio perfeito. “Quando viu a Goron-gosa, achou que era um desafi o interessante, por parecer muito difícil, por toda a gente lhe dizer que não valia a pena, que era um caso perdido, que tinham morto os animais. Ele achou que o parque tinha uma grande potencialidade”, narra Vasco Galante, director de comunicação do PNG.Vasco Galante, o português braço-direito, chegou à Gorongosa em Novembro de 2005, mas já tinha começado a mudar de vida em 2001, quando ater-rou em Moçambique como voluntário. Conheceu Greg Carr em Maputo e houve química. Casou com uma tailandesa, também ex-voluntária, com quem vive em Chitengo. Têm uma fi lha bebé.a

O juiz de Vinho, Pedro Jaime João, não duvida que a vida está melhor

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Vasco Galante. “Não basta proibir. É pre-ciso dar aulas de conservação ambiental, para que percebam a importância dos animais e criar alternativas para que as pessoas possam obter proteína por outros modos. Há que criar empregos. É um caminho longo, este é um pro-jecto a 30 anos”, explica.A juntar à caça ilegal, há as queimadas descon-troladas — só no ano passado, 83 por cento da área do parque ardeu, o que é visível logo na estrada de acesso ao PNG e muito mais ainda do ar, pontilhando as zonas pretas. Baldeu Chande, o administrador do parque, garante que já todos sabem que as queimadas não devem ser realizadas de forma descontrolada. “Não é falta de educação, mas de alternativas”, diz, alertando que persistem os “factores” que impelem os habitantes a fazer queima-das — precisam de carvão, de abrir caminhos para aumentar a visibilidade, de aumentar a machamba (agricultura), de encontrar mel (afugentam as abelhas com o fogo). “A agri-cultura, aqui, faz-se com machado, catana e fósforos. É preciso reverter este ciclo”, alerta. “Estão conscientes de que é uma coisa proi-bida, que não deve ser feita, mas a necessidade de sobrevivência é superior a esse interesse”, corrobora Rita Neves, a trabalhar como assis-tente social junto de uma das comunidades da Gorongosa. Apesar de as queimadas serem um crime público, apenas um caso chegou a condenação, paga em trabalho comunitário no PNG durante um ano. É possível falar de conservação ambiental a quem tem fome? “É um assunto muito complicado, que vamos tentando resolver todos os dias”, responde Nirza, admitindo que “as mudanças são muito lentas”.A Casa dos Leões ainda é o melhor miradouro do parque para observar o súbito pôr-do-sol, mas os ocupantes que lhe deram o nome já não circulam muito por ali, talvez preferindo não assistir ao esboroamento das suas paredes.O Parque Nacional da Gorongosa foi encerrado e abandonado em 1983, transformando-se em palco de batalhas, em abrigo de exércitos ini-migos, que comeram os animais — matavam os elefantes para lhes retirar o marfi m e trocá-lo por armas — e semearam a destruição. Que

mataram também. E deixaram minas. “Era uma fonte permanente de carne. Havia 14 mil búfalos, seis mil zebras, seis mil bois-cavalos, quatro mil elefantes, quatro mil hipopótamos. As pessoas que reabriram o parque depois da guerra, em 1995, contam que só encontra-ram ossadas”, narra Vasco Galante. Quando a guerra terminou, as populações de mamíferos de grande porte, incluindo elefantes, hipopó-tamos, búfalos, zebras e leões, tinham sido reduzidas em 90 por cento.Na época colonial, o acampamento de Chitengo tinha piscinas, bar e clube nocturno, uma esta-ção de correios e um posto de abastecimento de combustível, urgências, loja de artesanato e um restaurante que servia 300 refeições por dia. Em 1973, recebeu um número recorde de visitantes: 20 mil. O apogeu do parque ocor-reu entre 1960 e 1980, altura em que o Estado moçambicano lhe concedeu o estatuto de par-que nacional, com 5300 quilómetros quadra-dos. A Fundação Carr, fundada em 1999 por Greg Carr, iniciou a reabilitação do PNG em Outubro 2005, após a assinatura de um memorando com o Estado moçambicano. Nestes dois anos,

Só no ano passado, 83 por cento da área do parque ardeu

Ainda é difícil ver animais de grande porte na Gorongosa

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foram essencialmente construídas infra-estruturas — estradas, pontes, novos “bunga-lows” para albergar os visitantes, carros adequa-dos para safaris — e equipamentos sociais, como dormitórios para trabalhadores e escolas para as comunidades envolventes. Apostou-se também na formação dos guias que conduzem as picadas por cerca de cem quilómetros de trilhos selva-gens. O pressuposto básico é o de que a partir das receitas geradas pelo turismo, é possível conservar o ambiente e melhorar as condições socioeconómicas das populações locais.Em Chitengo, trabalham 550 pessoas, na maioria moçambicanas, que vivem no acam-pamento, na comunidade de Vinho, do outro lado do rio Pungué, ou na vila da Gorongosa. Os visitantes da Gorongosa têm aumentado, predominando os turistas domésticos, ao fi m-de-semana.Para além dos safaris, o PNG organizam esca-ladas da montanha, travessias do Lago Urema por caiaque, observação de pássaros e visitas às comunidades que habitam a zona da Goron-gosa. E também passeios à Serra da Gorongosa, com 1863 metros de altitude, “um espaço lindo” que a Fundação Carr está a “tentar salvar”, des-

creve a guia, pormenorizando: “As populações estão a destruir a serra, porque querem fazer machambas, cortar as árvores para fazer car-vão.” É preciso, insiste Nirza, preservar esta área de fl oresta chuvosa, “a única na África Austral onde se pode observar o papa-fi gos de cabeça verde”.As crianças da Comunidade de Vinho, a mais próxima de Chitengo, nunca viram um televi-sor e dão envergonhadas gargalhadas quando se vêem espelhadas no visor de uma máquina digital. Em breve, na escola que está a ser construída pela Fundação Carr e que até já tem nome de palmeira, as 375 crianças que frequentam o ensino primário vão poder ace-der à Internet, que chegará através de painéis solares. É um salto gigantesco para quem ainda passa fome, corre descalço e sujo e não tem bolas para jogar futebol ou mata-mata.Uma enorme mangueira em fl or que sobreia uma bandeira da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique, no Governo) abre caminho à nova escola, já pintada e já com livros, mas ainda sem mesas. Nada que impeça o profes-sor Raimundo, com 27 anos e ainda algo azam-boado desde que chegou a Vinho há poucos meses, de improvisar. Vai dando aulas no chão e atrasando o ano lectivo. Apesar de todos sabe-rem que quem não come não pode aprender e que há subnutrição entre os alunos, ainda nada está previsto para os alimentar durante as aulas, apostando-se antes em promover boas práticas junto das mães. Munes tem 13 anos e, apesar de só dizer umas palavras tímidas na língua de Camões (o resto sai em dialecto, o xigorongosa), quer ser pro-fessor de português. O ensino básico é obriga-tório, mas há “alguns alunos” que desistem, quer seja pela “distância escola-domicílio”, quer seja porque são meninas, que casam aos 14 anos e têm fi lhos logo a seguir, explica Baldeu Chande, administrador do Parque Nacional da Gorongosa. Aos 23 anos, Cecília Baltazar já tem dois fi lhos. Gostava de ter estudado mais, mas “não há energia”. “As meninas não vão tanto à escola.” Sonha poder à estudar a noite, num futuro curso de alfabetização de adultos que ainda só está no plano dos pensamentos.Para além da escola, a Fundação Carr vai

O professor Raimundo vai dando aulas no chão e atrasando o ano lectivo

As mulheres ainda vão menos à escola nas aldeias em redor do parque

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equipar um centro de saúde, com ala de maternidade. A ideia é que o centro sirva as sete centenas de habitantes de Vinho, mas também as restantes dez mil pessoas das várias comunidades em redor do parque. As instalações já existem, mas falta agora que o Estado moçambicano assegure a sua parte do acordo — contrate enfermeiros e disponibilize os medicamentos.O juiz da comunidade, Pedro Jaime João, preci-sou de muletas e teve de as ir comprar à Beira. Pagou 300 contos (8,5 euros). O juiz não duvida que Vinho “está muito melhor”, mas assinala que “há muitos problemas sociais”, relacio-nados com violência doméstica e violação de menores. Casos que, conta, tentam resolver “dentro da comunidade”. “Só os mais graves é que vão a tribunal.” Ritério Fainda é mais crí-tico, diz que faz falta em Vinho “um sítio para vender” o que se produz. “Cada um trabalha para si. Está muito melhor, mas continuamos à espera.” Na comunidade, todos trabalham na machamba, cultivam essencialmente milho e mapira. Já há dois furos, mas falta explicar às crianças que a água é, por aquelas paragens, um bem demasiado precioso — as famílias pagam 5000 meticais por mês (15 cêntimos) — para ser gasto em brincadeiras.Apesar de os líderes da comunidade serem todos homens, continuam a ser as mulheres a dar as boas-vindas aos visitantes. Batem pal-

Batem palmas, cantam, movem as ancas daquela maneira impossível

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mas, cantam, movem as ancas daquela maneira impossível. Muitas fazem-no com bebés no canguru de pano que improvisam nas costas e eles nem acordam do seu sono. Vinho está habituada a visitas, mas sempre segue atrás da comitiva, entrando nas novas instalações com a mesma surpresa da primeira vez.Entre os solavancos da carrinha Hiace que per-corre os mais de 200 quilómetros entre a Beira e o PNG, a assistente social Rita Neves relata que as populações em redor do parque ainda vivem “necessidades muito básicas, a fome pri-meiro que tudo” e que sentem a “falta de recur-sos económicos”. Rita Neves está a colaborar num projecto que está a fazer o levantamento das várias famílias da comunidade, recorrendo a agentes locais. “As pessoas têm que perceber que fazem parte do processo de crescimento do parque”, diz. E isso leva tempo. A 700 metros do acampamento de Chitengo, vai nascer um centro de educação ambiental, com quatro salas de aula, dois dormitórios, cozinha e balneários, fi nanciado em partes iguais pela Fundação Carr e pelo Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD). Destinado, em primeiro lugar, a educar para a conservação ambiental os cerca de cem mil habitantes que residem na zona-tampão em volta do parque, o centro acolherá também estrangeiros interessados em conhecer a Gorongosa. Assim acontecerá com 15 jovens recém-licenciados portugueses, que, ao abrigo de um protocolo assinado com o Governo por-tuguês, durante a visita ao parque do secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Coo-peração, João Gomes Cravinho, em fi nais de Agosto, poderão trabalhar, entre seis meses e um ano, na reabilitação da Gorongosa.a

Site do parque: www.gorongosa.netA jornalista viajou a convite do IPAD

As crianças de Vinho não têm televisão nem bolas de futebol