gomes, p - os conimbricenses

Upload: dvm1010

Post on 08-Jan-2016

26 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

Conimbricenses

TRANSCRIPT

  • OS CONIMBRICENSES

    Biblioteca Breve SRIE PENSAMENTO E CINCIA

  • ISBN 972 - 566 - 181 - 8

    DIRECTOR DA PUBLICAO ANTNIO QUADROS

  • PINHARANDA GOMES

    OS CONIMBRICENSES

    MINISTRIO DA EDUCAO

  • Ttulo OS CONIMBRICENSES ___________________________________________ Biblioteca Breve /Volume 128 ___________________________________________ 1. edio 1992 ___________________________________________ Instituto de Cultura e Lngua Portuguesa Ministrio da Educao ___________________________________________ Instituto de Cultura e Lngua Portuguesa Diviso de Publicaes Praa do Prncipe Real, 14-1., 1200 Lisboa Direitos de traduo, reproduo e adaptao, reservados para todos os pases __________________________________________ Tiragem 4 000 exemplares ___________________________________________ Coordenao geral Beja Madeira ___________________________________________ Orientao grfica Lus Correia ___________________________________________ Distribuio comercial Livraria Bertrand, SARL Apartado 37, Amadora Portugal __________________________________________ Composio e impresso Grfica Maiadouro Rua Padre Lus Campos, 686 4470 MAIA Maio 1992 Depsito Legal n. 53 137/92 ISSN 0871 5173

  • NDICE

    I Definio Prvia: Conimbricenses.......................... 6 II O Colgio das artes............................................... 10 III Os Regimentos de Estudos ................................... 21 IV O Projecto do Curso Filosfico ............................ 30 V Os Commentarii Collegii Conimbricensis ........ 43 VI O Liceu Aristotlico ............................................. 56 VII Um Aristotelismo Integral .................................... 68 VIII Contexto Ttico .................................................... 78 IX Asceno e Glria................................................. 93 X Tradio e Exigncia de Renovao................... 104 XI Antnio Cordeiro, ltimo Renovador ................ 113 XII Ocultao e Exlio .............................................. 129 Reproduo dos Rostos dos 8 Conimbricenses............... 136

    Notas ............................................................................... 145 Bibliografia ..................................................................... 153

  • 6

    I DEFINIO PRVIA: CONIMBRICENSES

    Conimbricense, nome qualificativo de lugar, diz-se em mltiplas acepes, desde que se predique de algo relativo a Coimbra, tambm se dizendo conimbrigense. A forma Conimbricensis, em rigorosa, original e especfica acepo, predica exclusivamente, no contexto da histria cultural, os livros publicados pelo Colgio das Artes da Sociedade de Jesus, com o ttulo geral de Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu, vasilhas onde se conserva o primitivo Curso Conimbricense. Logo na poca da publicao desses livros, ou compndios, Conimbricenses foi termo utilizado para designar e para citar os referidos Commentarii, embora, por antonomsia, tambm se possa interpretar que o adjectivo se aplica aos seus omissos autores. Quando, em distintos autores e em distintas circunstncias se menciona o vocbulo, ou como substantivo, ou como adjectivo, o que se tem em mente a referncia a tais Comentrios, contidos em oito tratados. (1) Na expresso de um exigente historiador jesuta, Conimbricenses termo que se aplica aos livros dos Comentrios do Colgio das Artes (2), tambm

  • 7

    designados por Curso Conimbricense, ou Curso de Filosofia do Colgio das Artes. Referido aos livros, o termo passou a considerar tambm os seus autores (3) mas, quando Descartes, abreviando, escreve a expresso Conimbres (4) o que ele cita os livros, no os autores. Tambm ocorre o qualificativo Coimbres, para designar o mesmo, embora esta forma seja menos corrente e no tenha imediata analogia com o que se encontra impresso no rosto dos compndios. O termo Curso Conimbricense acha-se tambm autorizado pelos autores dos Commentarii, j que aparece inscrito pelos redactores (v.g.: Manuel de Gis, no ttulo do tratado da Moral de Aristteles a Nicmaco, onde o autor inscreve o termo Conimbricensis Cursus) ou pelos Censores (v.g.: a censura ao tratado De Anima, que faz parte integrante do grupo dos Commentarii). A expresso Curso Conimbricense mais extensa do que o adjectivo Conimbricenses, do ponto de vista das origens. A primeira expresso aplica-se tambm, em plenitude de direito e de propriedade, aos outros tratados elaborados no mbito do Curso Filosfico da Companhia de Jesus no Colgio das Artes de Coimbra, cabendo, por esse motivo, a livros como os dos renovadores Francisco Soares Lusitano (Cursus Philosophicus, 1651); Antnio Cordeiro (Cursus Philosophicus Conimbricensis, 1713 e 1714) e Gregrio Barreto (Nova Logica Conimbricensis, 1711) ou, at, ao In Libros Ethicorum Aristotelis ad Nichomacum, de Manuel de Gis. Importa distinguir: Manuel de Gis autor de parte dos Commentarii, como annimo, e, portanto, conimbricence de pleno direito, mas o referido tratado da tica no se inclui no corpus commentarii com o carcter colegial estrito dos Commentarii, embora destes sufragneo. Quanto segunda expresso, Conimbricensis,

  • 8

    s se diz com rigorosa propriedade dos Commentarii. Todavia, registe-se que o nome se sujeitou a uma ampliao, metonmica e antonomsica, acabando por se predicar, j dos livros, j dos autores dos livros, j dos mestres do Curso Filosfico do Colgio das Artes na regncia da Companhia de Jesus, entre 1555 e 1759. Se esta ampliada definio fosse invlida, Pedro da Fonseca no poderia ser considerado no grupo genuno dos Conimbricenses, porque, tendo sido embora professor do Colgio, e co-responsvel pela estrutura colegial em que os livros conimbricenses se geraram, os seus grandes escritos, Institutiones Dialecticarum e Commentariorum in Libros Metaphysicorum Aristotelis, nem explicitam qualquer aliana com os Commentarii, nem sequer foram tidos e havidos como livros no Curso Filosfico do Colgio das Artes, (5) salvo por recurso. Sebastio do Couto remete para as Instituies Dialcticas, ao tratar os Tpicos de modo incompleto. Em acepo ampliada, mas, por isso, menos rigorosa e menos unvoca, podemos dizer que os ltimos Conimbricenses foram o ltimo Reitor do Colgio das Artes, Francisco Taveira, e bem assim o ltimo professor do Curso de Filosofia, Eleutrio de Sousa, que regeu o curso de 1756-1759, aps o que sobreveio a expulso da Companhia de Jesus e, com ela, o fim da histria dos professores ditos conimbricenses.

    Porm, na acepo original, Conimbricenses inere, em primeiro lugar, aos livros dos Comentrios e, em segundo lugar, aos livros e autores que se reivindicaram, por insero num patrimnio, do ttulo, porque desejavam prosseguir uma cadeia de tradio magistral e, por isso, garantiram direito ao ttulo, por faculdade ampliativa e

  • 9

    correlativa. O ltimo livro que se arvora o ttulo o Cursus Philosophicus Conimbricenses, de Antnio Cordeiro.

    Os Conimbricenses foram um empreendimento nico, sem similar, sequer longnquo, com a obra de qualquer outro filsofo. (6) So uma opus e uma persona, cuja breve, resumida biografia, de simples propsito isaggico, tentaremos seguir atravs de encurtado itinerrio, em novela sobre a gnese, vida e morte de um acto filosfico colegial, que foi decisivo para os enlaces e desenlaces do saber filosfico moderno, nas suas formulaes seiscentistas e setecentistas.

  • 10

    II O COLGIO DAS ARTES

    Quando D. Joo III, num processo de reorganizao cultural do Estado, fundou o Colgio das Artes, para que a Universidade de Coimbra dispusesse de escolas menores, onde os estudantes frequentassem os propeduticos de acesso s faculdades maiores, a Companhia de Jesus j se achava instalada em Coimbra, na Cidade Alta, onde havia fundado uma nova instituio, o Colgio de Jesus.

    A Companhia de Jesus foi recomendada a D. Joo III por Diogo de Gouveia, numa carta de 17 de Fevereiro de 1538, com um propsito missionrio, alis especfico: converter toda a ndia. A primeira casa jesuta a abrir foi em Lisboa, o Colgio de Santo Anto, a que outros, como o do Esprito Santo, de vora, se seguiram, mas todos destinados aos estudos internos da Companhia. E, com efeito, ela no disps de qualquer escola pblica at ao ano de 1555. (7) O conselho de Diogo de Gouveia ao monarca pode ter sido originado num projecto que floresceu nas mentes de Simo Rodrigues (fal. 1579) e de Francisco Xavier (fal. 1552) companheiros da primeira gerao de apstolos inacianos. O escopo: formao para a missionao,

  • 11

    educao para a expanso da f. Visava-se criar um ponto de preparao e de partida para a evangelizao das descobertas. D. Joo III foi contactado por Simo Rodrigues e por Francisco Xavier em 1540, logo que chegaram de Frana, abrindo Santo Anto de Lisboa em princpios de 1542. Cinco meses depois, doze jesutas, entre os quais dois novos, chegados de Roma, partiam para Coimbra, para fundarem o que viria a ser a primeira casa de formao de jesutas em todo o mundo. O grupo chegou a Coimbra em 9 de Junho de 1542, hospedando-se, por um tempo, no Mosteiro de Santa Cruz. A seguir, Simo Rodrigues andou vendo e olhando, at achar o stio necessrio sua conformidade, o que veio a achar numas casas de Diogo de Castilho, mestre de obras do monarca, sobranceiras ao monte da Ribela, por sua vez sobranceiro ao vale. Era o dia 2 de Julho, quando o grupo mudou de Santa Cruz para estas casas. No dia 13 de Julho de 1542, procedia-se inaugurao do Colgio de Jesus, que, na opinio dos historiadores da Companhia, constituiu, como nenhum outro no mundo, a principal fonte de preparao de numerosos e ilustres missionrios. Como as casas no servissem todas as crescentes necessidades, iniciou-se a construo de um novo edifcio, que se ergueu a partir de 1547. Os residentes no tinham ali estudos, mas frequentavam aulas na Universidade, cujos privilgios obtiveram por carta rgia de 26 de Agosto de 1544. (8) Com o andar dos tempos, criaram estudos humansticos na casa, e, ainda, cadeiras de Teologia, indo Universidade apenas pela chamada Cadeira de Prima. Todavia, esta nova situao s aconteceu quando o monarca atribuiu o Colgio das Artes Companhia de Jesus.

  • 12

    A progressiva influncia do instituto inaciano teve, no Colgio de Jesus, uma fora de excepo, uma vez que, sendo este o seu principal centro de formao permanente, foi a partir dele que a Companhia estabeleceu prestgio, tornando-se cada vez mais necessria poltica cultural de D. Joo III, que desejava harmonizar o progresso dos estudos com as exigncias da Contra Reforma e com as responsabilidades da criao de novas comunidades catlicas nos mundos novos, j que a Europa cismava a unidade catlica e apostlica. No entanto, e mesmo antes de haver contactos com os Jesutas, o monarca j dispunha de critrio quanto a uma renovao acadmica. A imagem do modelo francs pesava no pas, desde que D. Manuel I criara um certo nmero de bolsas para estudantes portugueses no Colgio de Santa Brbara de Paris, nmero esse que D. Joo III aumentou. Outro Colgio muito prestigiado era o de Guiana, em Bordus, por onde tambm passavam escolares portugueses. Enquanto em Santa Brbara de Paris os estudos obedeciam a um critrio tradicionalista, em Guiana de Bordus surgiam experincias metodolgicas consideradas modernizantes. Santa Brbara era, no entanto, o principal centro de estudos filosficos parisiense, junto a uma Universidade considerada rotineira. De Paris, Andr de Gouveia (fal. 1548) que era Principal de Santa Brbara, saiu para assumir anlogas responsabilidades no Guiana de Bordus.

    Inspirando-se na experincia francesa, D. Joo III decidiu criar o Colgio das Artes, cujo primeiro Regimento tem a data de 16 de Novembro de 1547, incumbindo-lhe os preparatrios para as faculdades maiores, pelo que o Colgio deveria ensinar Latim, Grego, Hebraico,

  • 13

    Matemtica, Lgica e Filosofia, o ensino das Cincias ficando reservado Universidade. (9) Governado por um Principal, assistido de um Subprincipal, fazia parte da Universidade, mas ficava isento da sua jurisdio, gozando os seus mestres e estudantes dos privilgios concedidos aos homlogos universitrios. A questo dos privilgios e dos bens nunca foi inteiramente pacfica, o problema situando-se, porm, margem do nosso tema. O Colgio instalava-se na Cidade Baixa, em Santa Sofia, ou simplesmente Sofia. Era, a breve trecho, e por causa do primeiro Principal, Andr de Gouveia, o Colgio de Mestre Andr.

    Comeou a funcionar em Fevereiro de 1548, sendo seu Principal Mestre Andr de Gouveia, que D. Joo III conseguiu trazer de Bordus, personalidade de muito prestgio na cultura humanstica e pedaggica do seu tempo. Andr de Gouveia, le plus grand Principal de France, chegou com o propsito bem definido de fundar o Colgio das Artes. Com ele chegaram os novos mestres, uns parisienses (antigos bolseiros de Santa Brbara), e os bordaleses, oriundos de Guiana, que constituam a novidade e a corrente modernizante. Os principais novos mestres foram:

    Nicolau Grouchy (c. 1510-1572), ruano, helenista, antigo colega de Gouveia em Paris e, depois, em Bordus, lgico aristotlico e lusfilo (10), como provou ao traduzir para a lngua francesa a Histria da ndia, de Ferno Lopes de Castanheda. Guilherme Guerente, falecido em data incerta, companheiro de Andr de Gouveia, promotor do

  • 14

    teatro novilatino em Coimbra, e mestre de Montaigne. Elias Vinet (1509-1587), matemtico, humanista e gegrafo, leccionava tambm em Bordus, e ter sido amigo de Pedro Nunes. Arnaldo Fabrcio, humanista francs, helenista, a quem competiu pronunciar a orao inaugural de sapincia do Colgio das Artes, em 21 de Fevereiro de 1548 De Liberalium Artium Studiis Oratio Conimbricae habita in Gymnasio Regio. (11) Jorge Buchanan (1506-1582), escocs, reformista, e considerado humanista. Diogo de Teive (1514-1565), estudou em Santa Brbara e Direito na Universidade de Toulouse, vindo para Coimbra em 1547, integrado no grupo dos bordaleses. Notvel humanista e jurista, beneficiou de franca proteco de D. Joo III. (12) Joo da Costa (1511-1578), aluno de Andr de Gouveia em Bordus, onde regeu cadeira (1538), sendo considerado latinista, hebraista e poeta, terminou os seus dias como Prior da Igreja de S. Miguel (Aveiro). Antnio Mendes, humanista bordals.

    A fundao do Colgio das Artes inicia um perodo

    de renovao pedaggica e filosfica no pas, mediante a introduo das tendncias renovacionistas do mtodo

  • 15

    escolstico-aristotlico, e a abertura dos caminhos ao mais perfeito exerccio dos estudos clssicos. O elenco de professores indicia o quadro curricular. Em respeito ao Regimento joanino de 16 de Novembro de 1547, o curso inclua as seguintes disciplinas: ler, escrever, declinar e conjugar (com oito regentes, pelo que estes preparatrios eram os mais frequentados); Gramtica, Retrica e Poesia (incumbncia dos mesmo oito), Grego (um regente), Hebraico (um regente), Matemtica (um regente) e Artes (um regente). (13) Por Artes entende-se as vrias partes do estudo filosfico, distribudo por trs anos e meio, cujo ncleo era constitudo pela explicao das obras de Aristteles.

    Pouco tempo aps a inaugurao, o Colgio das Artes parece uma colmeia. Numa carta de 30 de Abril de 1548, o Subprincipal Joo da Costa diz que os estudantes j passam de mil, e no se passa dia que no venham alguns novos matricular-se, (14) o que nos pode induzir na ideia de que, em conformidade com alguma prova examinal, novos estudantes era admitidos em qualquer oportunidade. O progresso do Colgio das Artes foi notrio, em pouco tempo. No entanto, o sbito falecimento de Andr Gouveia interrompeu a ascenso de uma preconizada glria. A crise tornou-se desde logo sensvel. Esperava-se que a tomada de posse do novo Principal Diogo de Gouveia (1467-1557) definisse uma linha de continuidade e de crescimento de uma instituio para todos os efeitos jovem. No entanto, Diogo de Gouveia, o Snior, principal conselheiro de O Piedoso na criao do Colgio, pouco tempo ocupou o cargo, vendo-se deposto no Outono de 1549, quando uma profunda crise, gerada num ambiente de ms relaes no corpo docente, ps a vida

  • 16

    colegial em graves riscos. Instalara-se rivalidade entre bordaleses e parisienses. Suspeitava-se de toda a novidade. Perscrutavam-se as opinies, e vivia-se o trauma da heresia. Da surdina passou-se denncia. Antes que a situao se complicasse, alguns bordaleses decidiram abalar para suas terras, aps a morte de Andr Gouveia. Professores estavam suspeitos de luteranismo e de reformismo, pelo que Diogo de Gouveia instigou um processo de esclarecimento das suspeitas, levando outros Inquisio: Joo da Costa, Diogo de Teive e Jorge Buchanan, ou Buqueneano. Detidos por suspeita de heresia, a mandado do Inquisidor-mor, o Cardeal Infante D. Henrique, foram sujeitos inquirio de vida e de pensamento, a partir de 17 de Outubro de 1549. Os trs entravam nos crceres inquisitoriais de Lisboa em 15 de Agosto de 1550. O processo da Inquisio aos Professores do Colgio das Artes um dos mais complexos, seno o mais complexo do ponto de vista doutrinal, dos primrdios da Inquisio joanina (15), bastando mencionar que esse processo mudou o curso da vida do referido Colgio.

    Houve autenticidade nas acusaes? As suspeitas tiveram uma causa genuna, despida de intencionalidade? A Companhia de Jesus actuou no caso como intruso, porventura determinado a obter a magistralidade colegial, por forma a anexar o Colgio das Artes ao Colgio de Jesus, como, ao menos fsica e disciplinarmente, aconteceu? H respostas possveis para os vrios nveis de quesitos suscitados pelo processo, mas cremos que, no mnimo, o que se saber o que se sabe: existiram motivos de suspeita de heresia traduzidos em pblica acusao, que deram origem a um processo inquisitorial, concludo em sentenas que

  • 17

    resultaram em abjurao e, pois, em libertao sem mais culpa; culpados de causa, ou dela inocentes, os professores do Colgio das Artes abandonaram o pas antes que a Inquisio os envolvesse. Chamado a depr em juzo, Simo Rodrigues, pessoa muito voluntariosa, superior personalidade dos primrdios da Companhia de Jesus e, todavia, lanado num purgatrio em que o seu brilho se ofusca, nada afirmou de grave que pudesse contribuir para o agravamento da situao das inquisicionados. (16) sua presena se deve, em grande parte, a anulao das acusaes que tentaram envolver o instituto inaciano numa poderosa cabala de apropriao do Colgio das Artes. Porque no haver interesse da prpria Universidade, face questo da igualdade das garantias e privilgios? O julgamento de Joo da Costa, de Diogo de Teive e de Jorge Buqueneano ocorreu em 29 de Julho de 1551, todos abjurando dos erros que lhes eram assacados, e recebendo sentenas benignas. Teive viu-se recludo em Belm, Joo da Costa, em Santo Eli e Buchanan em S. Bento, todos em Lisboa. Foram, enfim, libertados, seguindo novos rumos. Os dois portugueses voltaram ao Colgio das Artes, enquanto Buchanan regressou mtria escocesa. Terminava a infncia do Colgio em crise e em dispora magistral. Joo da Costa, limpo de suspeitas, assumiu o cargo de Principal, mas foi incapaz de recriar a energia inicial, pelo que saiu e seguiu outros rumos. Os sucessores no cargo de Principal, Paio Rodrigues de Vilarinho e Diogo de Teive no foram mais felizes num percurso que mostrava esmaecer de dia para dia. Ou se continuava a iluso, ou se encerrava o Colgio, ou se procurava uma soluo, alternativa.

  • 18

    A Companhia de Jesus, embora j dispusesse de colgios internos, no abrira qualquer escola pblica. Incio de Loyola, em carta de 1 de Dezembro de 1551 ao Padre Simo Rodrigues, instrua-o para que abrisse escolas pblicas em Lisboa, em vora, e em outras cidades. Deposto em 1552, as instrues de Loyola foram transmitidas aos sucessores de Simo Rodrigues, e cumpridas na medida do possvel, achando-se Coimbra no plano inaciano. Os primeiros contactos com a crte deram-se nos comeos de 1553, ano em que o Padre Jernimo Nadal foi enviado a Portugal para o efeito de se publicarem as Constituies da Companhia de Jesus em Lisboa, o que sucedeu conforme previsto. (17) Por ento, o Infante D. Lus sugeriu que o Colgio das Artes fosse entregue aos Jesutas coisa de que j se falara, aquando dos problemas havidos com os professores. O Infante D. Lus entabulou negociaes com o Padre Jernimo Nadal, as quais se prolongaram no decurso de 1554 e o que mais favorecia a inteno do Infante era a dificuldade de arranjar novos professores. A crte preocupava-se principalmente com a existncia de um corpo docente. Antnio Pinheiro, (fal. 1582), grande humanista, mestre dos moos fidalgos da crte e pessoa de influncia na esfera do poder rgio, apadrinhou a entrega do Colgio Companhia. Criou ele, no ambiente do pao, uma tendncia irreversvel. O fruto: em carta de 10 de Setembro de 1555, D. Joo III ordenava ao Principal, Diogo de Teive, que entregasse o Colgio das Artes ao Provincial da Companhia de Jesus. A entrega fez-se, conforme o determinado, em 1 de Outubro de 1555, e, neste mesmo dia, procedeu-se solene reabertura do que iria ser um Colgio novo. A

  • 19

    orao de sapincia, inaugural do novo ciclo, foi proferida pelo humanista valenciano, Pedro de Perpinho (1530-1566), jesuta da primeira hora, e fluente latinista. (18)

    A Companhia de Jesus aceitou na ntegra os Estatutos de 1552, procedendo-se modificao do ttulo de Principal, que passou a designar-se Reitor. (19) As aulas iniciaram-se no dia seguinte, 2 de Outubro de 1555, com os cursos j institudos, mas com uma certa redistribuio: Francisco Monclaro encarregou-se do ensino primrio, ou seja, do curso de ler e escrever; os cursos de latinidade foram entregues a dez padres Cipriano Soares, Pedro Perpinho, Manuel lvares, Miguel de Barros, Afonso Barreto, Andr de Cabrera, Rui Vicente, Ferno Carvalho, Antnio Delgado e Manuel lvares; quanto aos quatro cursos de Filosofia, foram entregues a Jorge Serro (substitudo por Pedro Gomes, quando Serro teve de mudar-se para ensinar Teologia), Maximiliano Capela, Pedro da Fonseca e Incio Martins.

    Os Jesutas tinham uma vida algo difcil. Viviam na alta, todos os dias eram obrigados a descer baixa, dispersando-se em obrigaes. Logo iniciaram o projecto de juntar o Colgio das Artes ao Colgio de Jesus, o que lhes daria o ensejo de um eficaz zelo na gesto de ambos os colgios, tanto mais que os professores eram defensores da tese da juno, recusando cada vez mais a continuidade do Colgio das Artes na Sofia. Iniciou-se a construo de um novo edifcio, preparado para receber religiosos e um milhar de estudantes, estreado em 1566, na alta, a par do Colgio de Jesus, a que ficou ligado por um passadio, a

  • 20

    diade na unidade. Dois projectos diferentes sob uma nica e mesma direco mental.

    Assim ficou estabelecida uma instituio, destinada a fundamental influncia na vida da Companhia de Jesus e da Europa (e do mundo novo) e que sobreviveu at 1759, ano em que o ltimo Reitor (alis: vice-Reitor) Francisco Taveira, abandonou a residncia e o pas, na sequela da poltica pombalina. Marcava ele o 85. Reitorado desde o primeiro, que esteve um ano (1555-1556), Padre Leo Henriques. Restaurada a Companhia, e regressada a Portugal, o Colgio das Artes ainda lhe foi devolvido (1832-1834) mas sem frutos, pois que, em 1834, os institutos religiosos foram de novo sujeitos a homzio. O poder do Colgio das Artes expandiu-se, mediante trs principais documentos: o alvar de 2 de Janeiro de 1560, assinado pela Rainha D. Catarina, determinando que todos os membros da Companhia, que tivessem estudado no Colgio das Artes, teriam direito a receber graus, sendo incorporados na Universidade; o alvar de 5 de Setembro de 1561, de D. Joo III, incorporando o Colgio na Universidade; e, enfim o alvar de 24 de Setembro de 1561, determinando que o Conservador da Universidade deveria ser tambm o Conservador do Colgio das Artes. Mutatis mutandis, em vista dos acordos e das situaes, o maior nus da Universidade coimbr era cometido Companhia de Jesus.

  • 21

    III OS REGIMENTOS DE ESTUDOS

    A Companhia de Jesus, considerada a maior associao de ensino que jamais existiu (20) no surgiu com esse propsito. A causa da sua gerao nitidamente missionria, e, nos primrdios, de estudos s dispunha dos que destinava aos seus professos, visando prepar-los para a evangelizao e para a misso. Quando, em 1540, o novo instituto foi aprovado, tudo indica no existir um projecto de especializao no ensino, ainda que Incio de Loyola, ao lanar os fundamentos da Companhia, j houvesse cursado estudos em Alcal (1526), Salamanca (1527), e Paris (1528-1535), depois de reflectir que, ambicionando ser um instrumento til, a formao militar lhe seria insuficiente. Em todo o caso, a sua inteno no era o ensino pblico.

    A influncia do mtodo parisiense tornou-se sensvel nos estudos internos da Ordem, uma vez que o fundador acabara de completar os estudos na Universidade de Paris, mas as crescentes necessidades do ensino interno no acharam uma soluo global e imediata, substanciada num programa, e mesmo Incio de Loyola teve ensejo de modificar alguns dos seus

  • 22

    pontos de vista quanto ao currculo e quanto ao mtodo. Na carta de 1 de Dezembro de 1552 para que Simo Rodrigues proceda abertura de escolas em Lisboa, vora e noutras cidades, ele recomenda, no o modelo parisiense, mas o modelo do Colgio Romano que a sua Companhia fundara em Roma e que, alfim, numa aliana com as determinantes parisienses, constituiria o quadro metodolgico do que nominaremos de mtodo jesuta.

    Inteligncia e vontade outros nomes para os carismas institucionais: contemplao e aco assumiram-se como armas espirituais do mtodo. Virtude, sim, mas cincia tambm. A virtude acompanhada de cincia reveste-se de um outro valor, tal como cincia desacompanhada de virtude se despe de um valor que a garante e a justifica. A noo de art, peculiar ao filosofismo humanista, como que renasce no contexto de Quinhentos, quer por determinao da prpria filosofia aristotlica, quer por refrescamento trazido pela nova leitura do pensamento platnico. Ao entrarem para a Companhia, os alunos deveriam persuadir-se de que a sua instruo abarcaria ambas as vias: a virtude e as artes liberais. (21) Por isso, as Constituies determinam que o ciclo escolar inclua trs cursos, ou graus: o curso de Letras (Humanidades), contendo as lnguas clssicas, sobretudo o Latim, a Gramtica e a Retrica; o curso de Filosofia (Artes), cujo ncleo a Lgica e a Dialctica; e, por fim, coroa de saber, o curso de Teologia, anlogo ao de Artes, com a durao de um quadrinio. (22) Alis, a parte mais extensa e mais pormenorizada das Constituies da Sociedade de Jesus era justamente a quarta, versando o programa de estudos do instituto e lanando

  • 23

    os fundamentos para o que seria uma constituio na especialidade, a Ratio Studiorum.

    A Ratio Studiorum ainda no estaria na mente dos responsveis da Ordem quando esta assumiu a regncia do Colgio das Artes de Coimbra, em que se respeitariam, por um lado, as Constituies e, por outro, os Estatutos rgios da instituio. Admitimos, porm, que o progressivo envolvimento da Companhia no ensino pblico tornasse mais sensvel a urgncia de um quadro disciplinar e metodolgico.

    Em 1581, o Geral, Padre Cludio Acquaviva (fal. 1615), designou uma comisso, formada por doze padres, com o fito na elaborao de uma Ratio Studiorum para a Companhia, dela fazendo parte dois portugueses, Pedro da Fonseca e Sebastio de Moraes. A comisso, ou porque fosse muito numerosa, ou porque no visse com nitidez todas as problemticas da tarefa, no chegou a definir um plano de estudos, pelo que o Padre Geral nomeou uma nova comisso, de apenas seis membros, incluindo portugueses, a qual apresentou um primeiro programa em 1586. Na Companhia seguiu-se entretanto a Breve Instruo do Modo que se deve guardar na Leitura do Curso de Filosofia, anterior a 1586 e, no Colgio, respeitava-se a norma estatuda para o curso de Artes, em quatro anos. No primeiro, a Lgica, que, aps uma isagoge, ou introduo, abria o estudo de Porfrio, dos Predicamenta e do Perihermeneias, segundo Aristteles; no segundo, continuava-se a Lgica (leitura dos Priores, Posteriores, Tpicos e Elencos) e iniciava-se o estudo dos Fsicos, cujos primeiros seis livros faziam parte da matria; no terceiro ano prosseguia-se a leitura dos Fsicos, incluindo, de Aristteles, o De Coelo, o Meteoros, a Metafsica e os escritos titulados Parva

  • 24

    Naturalia; enfim, no quarto ano, conclua-se o curso pela reflexo dos livros De Generatione et Corruptione, do De Anima e dos livros das ticas. Tudo Aristteles, Porfrio includo, uma vez que Porfrio era estudado to somente como isagogo para as Categorias e, pois, para o todo do Organon.

    Quanto Ratio, o texto de 1586 acabou por ser presente e, analisado por todos os membros da Companhia, e rectificado e melhorado, foi tornado pblico. A Ratio atque Institutio Studiorum (1599), considerada a definitiva, e demorando treze anos a ser redactada, constitui um programa de cuidado labor, de exigente aplicao ao mtodo, passando por um dos documentos filosfico-pedaggicos mais singulares do sculo XVI. Os Padres incumbidos da Ratio Studiorum tiveram presentes no s os mtodos j ento vigentes na Ordem, mas cada qual trouxe da respectiva nacionalidade os programas das diversas universidades. (23) O influxo da experincia conimbricense na Ratio de 1599 tornar-se- patente quando se proceder a uma leitura paralela do programa colegial e da referida Ratio Studiorum, cuja vigncia durou at 1773.

    Convm distinguir: a Ratio destina-se aos estudos internos, mas a sua energia no deixa de transitar para as escolas pblicas cometidas Companhia, havendo como que uma osmose de valores a cincia das escolas actualiza a Companhia, a axiologia da Ratio d como que espiritualidade s escolas, por transaco do ideal e da doutrina, importando memorar que, segundo as determinaes institucionais, o jesuta tinha de investir cerca de dezoito anos na formao. O jovem professa aos quinze anos. Seguem-se dois anos de noviciado e de Humanidades, mesmo que o novio j

  • 25

    saiba as Humanidades. Depois, um novo binio de formao em Lnguas Clssicas, e um quadrinio no curso de Artes ou de Filosofia. Nesta altura, o jovem completa a idade de 23 anos. Se sai aprovado deste curso, vai ensinar Latim, Potica e Retrica durante um perodo de cinco ou seis anos, ao fim do qual atinge a idade de 29/30 anos. S ento entra no curso teolgico, que ter a durao de um quadrinio. (24) Claro, nem todos completavam este itinerrio de forma to linear, havendo os que, concluindo Artes, fariam opo por outra faculdade maior, fora da Companhia. Todavia, o movimento e a vida do Colgio das Artes acabam por ser tambm ordenados em torno desta galxia de doutrina, de mtodo e de disciplina.

    Visto com mais pormenor, o plano de estudos do Colgio das Artes, em vigor desde 1552, constitua-se da seguinte forma e ordem:

    Primeiro ano:

    1. trimestre: De Terminorum Introductione; Dialectica; Porphyrius; Isagoge.

    2. trimestre: In Aristotelis Praedicamenta; Perihermeneias; Topica (iniciao).

    3. trimestre: Continuao dos Topica, at ao livro VII; livros Ethicorum, I-IV.

    Segundo ano:

    1. trimestre: Analytica Priora; VIII Topicorum; Analytica Posteriora (incio).

    2. trimestre: Analytica Posteriora (continuao e concluso); livros Ethicorum, V-VI.

  • 26

    3. trimestre: Ethicorum, livros VII-X; De Sophisticis Elenchis; Livros Physicorum I-II.

    Terceiro ano:

    1. trimestre: Physicorum, livros II-VIII. 2. trimestre: De Coelo et Mundo; De Generatione

    et Corruptione; Metaphysica (incio). 3. trimestre: Meteorologicum, livros I-IV; De

    Anima, livros I-II; Metaphysica (continuao).

    Quarto ano:

    De Anima, livro III; Parva Naturalia; Metaphysica (concluso). (25)

    As tentativas de 1548 para reduzir o curso a um

    trinio foram de certo modo irrealistas, dada a extenso do curso septivial e o pormenor com que se desejava abordar todas as questes. Os sucessivos Regimentos desde 1565 a 1596 mantiveram o esquema quadrienal com ligeiras alteraes. No Regimento de 1565 o ltimo ano s dura seis meses, lendo-se o De Anima, as aulas terminando em Maro.

    Em geral davam-se trs aulas de manh, e trs de tarde. O ltimo semestre dispendia-se nos actos pblicos de licenciatura em Artes, concluindo-se o ano lectivo por alturas da Quaresma. Salvo impedimento, o mesmo professor de um curso tinha de assegurar todas as matrias desse curso, e quase todos os professores iniciaram e concluram cada um dos cursos que lhe foi atribudo. (26)

  • 27

    O curso filosfico destina-se a transmitir polimateia iniciao geral s cincias e agudeza de engenho, mediante o ensino da arte de razoar, e de raciocinar, obtendo o domnio dos argumentos para a confutao, e para a refutao. O propsito final , porm, mais que o domnio da enciclopdia das cincias, a maturao da perspiccia, ou agudeza, ou engenho, conforme a teorizou Aristteles, por isso que o mtodo se constitui prioritariamente numa arte de exercitar o engenho excicetur ingenium, de onde o primado concedido oralidade. Todos os dias se procurava cerca de meia hora para a disputa, ou controvrsia, incluindo o jogo de tese e de anttese, num entrelaado ldico-lgico de tese, argumento, concluso e, vice-versa anttese, contra-argumento e concluso, incluindo, ou confutao ou refutao. Nas tardes de teras e de quintas-feiras o curso reunia-se para a disputa, mais longa e regulamentada, em que os interlocutores, por vezes opositores, tinham de respeitar as regras institudas no mtodo aristotlico, e de suscitar uma orientao de ancilaridade ou de servio, fosse para as teses oficiais da Campanhia no mbito das cincias e da filosofia, fosse para os artigos de f e dogmas da doutrina catlica. O debate no se esgota no ludismo acadmico; prepara-se para enfrentar o real, j na vida forense, j na vida missionria, em que a preparao em teologia controversista seria, no curso teolgico, uma formao a dominar.

    A necessidade do debate era tal, que a falta de tempo para as sabatinas e os saraus, (em que se apurava o domnio da arte quolibetale, as disputas depois to criticadas pelos modernos e pelos iluministas) esteve entre as principais causas do surgimento dos livros do

  • 28

    Curso Conimbricense. O mtodo dispe em duas linhas: lio e discusso, exposio e altercao, ou tema e debate, num esquema que no nos repugna adjectivar de socrtico, embora apoiado pela estrutura orgnica da lgica formal. O escopo seria muito mais difcil de atingir por via escrita, do que por via oral, tanto mais que, na regio da realidade, o filsofo, que homem, tem de se haver com os problemas quotidianos e, por isso, de dispr de viva voz. A voz viva do professor faz mais impresso, emprime os conceitos com mais rigor, grava-se mais profundamente, tem mais despertas as faculdades, prende mais a ateno, desenvolve melhor as ideias: pelo contrrio, no ditado tudo languidez e morte. (27) A escala de valores serve tambm para os estudantes: dominar o discurso oral tem outra qualidade que o domnio do discurso escrito, pois este mais medeia do que objecta.

    O costume da oralidade implantou-se no Colgio desde os primeiros dias. Enquanto esperava por novas ordens, vindas de Roma, o Reitor Diogo Miro escrevia a Incio de Loyola: Ac agora quasi guardamos los Statutos que ellos antes tenian, hasta que vengam los de Roma (28), querendo dizer com isto que continuavam em vigor os costumes franceses dos debates, pelo que se mantinham as disputas pblicas, embora ampliadas, para conferncia e emulao dos estudantes.

    No obstante o primado da oralidade, o tempo dispendido a escrever era considervel, sobretudo pelo exerccio da postila a lio, que do os Lentes, fazendo as pausas, e intervalos, que se costumam quando se dita. Lido o texto magistral, o mestre ou o aluno aditavam um comento, uma glosa, um esclarecimento, uma marginlia, embora, nas aulas, o

  • 29

    mestre tambm proferisse apostilas orais, que no chegavam a ser registadas, mas serviam para melhor entendimento da lio magistral. No final do curso, os alunos gastavam tempo considervel na redaco da prova pblica, em geral assente em concluses, conclusiones ex, relativas a algum tema ou problema seleccionado para o exame, necessariamente argumentado e processado em mtodo de debate ou de disputa. Este acto , afinal, a apresentao da tese, com a qual o curso encerra.

    O curso desenvolve-se de modo dinmico e, diramos, experimental. Quando se menciona o fixismo conimbricense e temos em mente as crticas exaradas durante o Pombalismo tem-se mais em vista o eventual ancilozamento da prtica do que os ditames da teoria. O mtodo sustenta-se no magistrio, que, por sua vez, determina a necessidade de uma ratio studiorum, que, enfim, requer a presena viva de trs vectores: o mestre, a cincia e os discpulos. A verdadeira mediao incumbe cincia, no caso, filosofia. Se considerarmos o funcionamento da praxis em relao teoria, tanto a estatuda no Regimento do Colgio como a derivada da Ratio Studiorum, podemos enunciar uma tese, que solicita demonstrao: orgnico, o curso conimbricense tambm experimental.

  • 30

    IV O PROJECTO DO CURSO

    FILOSFICO

    Desejava-se mais tempo para o debate oral, mas conclua-se que os estudantes gastavam as aulas a escrever o ditado dos mestres. Enchiam-se as laudas de sabendas (timo da corruptela acadmica sebenta?) com as postilas e glosas do ulico. A ideia de um curso, ou de um compndio, que servisse de livro de texto, para evitar as sebentas, poupando o trabalho da escrita estudantil, aparece como efeito de uma necessidade a eficcia, de algum modo limitada pelo ditado.

    Este mtodo de ensinar, embora fosse considerado muito melhor e mais til que o anterior, todavia, por causa do assduo trabalho de escrever, implicava incrvel incmodo e dificuldade para os alunos (para no falar nos mestres). Gastava-se, com o ditado, no sem grande inconveniente, um tempo que se poderia empregar mais utilmente no ensino e na disputa. (29) Era este o parecer de Pedro da Fonseca, habituado s dificuldades que o mtodo antigo lhe propunha dia a dia, em cada ano lectivo, admitindo que, no decurso dos quatro anos, apesar do esforo do professor e da boa vontade dos estudantes, no se chegavam a percorrer todos os livros

  • 31

    indicados para cada curso filosfico, pelo que, na ponta final do quadrinio, ou se omitiam lies, ou se davam a correr, sem necessria detena. Por outro lado, numa escola que sabia destinar-se ao pensamento orante, ao discurso na oralidade, o exerccio da controvrsia, o mtodo da altercatio, a arte da disputa, o treino quodlibetal, viam-se progressivamente restringidos na prtica. Ciente do facto, Pedro da Fonseca congeminara a soluo de compendiar as lies, e disso foi dada notcia a Roma, numa carta de Miguel de Torres que, em 9 de Fevereiro de 1560, considerava que um lente do Colgio das Artes tinha j efectuado um boa parte de uns ditados, para se poderem imprimir.

    No tempo do Padre Geral Diogo Lanz, o escriturista e telogo Jernimo Nadal (fal. 1580), maiorquino de nao, em visita Provncia portuguesa da Companhia de Jesus, conferenciou com os professores do Colgio das Artes sobre a vantagem de se compr de imediato um curso de filosofia. E escreveu nas suas Instrues: Para se evitar o trabalho de escrever-se tanto como se escreve, se procure que um curso de escritos se imprima, e nisto se ocupe o Padre Afonseca principalmente, e tenha por coadjutores o P. Marcos Jorge e o P. Cypriano e ao Padre Pero Gmez; e isto se encomendar ao Padre provincial que o faa fazer com diligncia e suavidade. Impresso este curso, no escrevam os estudantes seno quando o mestre quiser notar alguma coisa num lugar difcil, ou alguma coisa notvel, e brevemente; e assim poder ler ento o mestre desta maneira. Ele ter uma hora e o outro tempo ocupar em fazer com que tenha uma hora de conferncias aos estudantes entre si, e aos demais em perguntar sobre a lio e fazer disputar, e seguiro os

  • 32

    mestres estes escritos comumente como forem impressos. (30)

    Disposta esta ordenao pragmtica, visando libertar os mestres e os alunos para o ensino oral e o debate, Jernimo Nadal sugeriu que se elaborasse um questionrio a que responderiam os professores da Ordem e todos os que quisessem colaborar para o bom sucesso do projecto. Tudo isto ocorria em 1561, no tempo do Reitor Manuel lvares (fal. 1582), o gramtico.

    O grupo encarregado da tarefa era constitudo por dois portugueses e dois espanhis: Pedro da Fonseca (fal. 1599); Marcos Jorge (fal. 1571) que foi professor de filosofia no Colgio das Artes (1556-1560) e de Teologia Colgio de Jesus (1561-1566); Cipriano Soarez (fal. 1593), mui versado nas escrituras divinas e mui lido nas letras humanas (31), autor do De Arte Rhetorica Libri tres ex Aristotele, Cicerone et Quintiliano (1560, obra editada ainda no sculo XVIII); e Pedro Gmez (fal. 1600, no Japo), professor de filosofia no Colgio por duas vezes 1555-1559 e 1559-1563, regendo cursos completos. (32) As tarefas foram assim distribudas: Fonseca efectuaria o cotejo da parte filosfica e da respectiva bibliografia; Cipriano trataria dos elementos matemticos e astronmicos; Marcos Jorge trabalharia sobre a filosofia aristotlica no tomista. Pedro Gmez parece no ter recebido incumbncia especfica, enquanto os demais trabalhavam todos os dias no Curso, a partir das lies e das postilas escritas j existentes. Fonseca dedicava ao projecto duas horas dirias; Cipriano, uma; e Marcos Jorge outra. Pedro da Fonseca, ento professor de um curso (1555-1561) procurou recusar o mandato, em que a sua capacidade

  • 33

    era posta prova. Acabou por no rejeitar de momento, mas carece de tempo. Acha-se absorvido na redaco das suas Institutiones Dialecticarum, que desejava servissem de prolegmeno aos estudos filosficos, e tem o projecto da Isagoge a Porfrio e dos Comentrios sobre a Metafsica de Aristteles. Uma vez aceite a responsabilidade, Pedro da Fonseca mandou adquirir livros no estrangeiro, e iniciou os trabalhos com os colegas, prevendo-se que o Curso Filosfico em livro estaria pronto dentro de dois a trs anos, a por voltas de 1564 ou 1565.

    A sua carta, escrita em Sanfins, em 14 de Janeiro de 1562 ao confrade Jernimo Nadal um documento de muito interesse para a compreenso do estado do projecto nessa data. Havia falta de livros, e, dos responsveis, uns tinham pouca sade, outros achavam-se ocupados, sendo necessrio desocup-los. Alm disso, antes de se entrar no trabalho a fundo, era necessrio ventilar mais as matrias, excitar dvidas, e que se procedesse ao envio de uma memria a mestres e a alguns telogos, a ttulo de inqurito, para que eles trouxessem aportaes ao Curso, e que eram necessrios livros, que o Padre Adorno poderia comprar em Veneza, para remeter para Coimbra. Conta ainda como ele e os colegas distribuem o tempo na funo, e o que cada um tem feito, e se prope fazer. Por fim, admite que a obra esteja concluda dentro de dois a trs anos.

    Eis a carta: Mui Reverendo em Cristo Padre,

  • 34

    De Sanfins escrevi a V. R. que j me achava melhor e que comeava a aproveitar-me bem daquela terra, mas isto no durou muito, porque em breve fiquei pior do que estava aqui, a tal ponto que o que mais l desejava, chegados os meus companheiros, era dispr de licena para voltar, conforme mandara pedir. Chegada a licena, vim para o Porto, onde ao mesmo tempo que sofri umas febres durante uns sete ou oito dias, me curei e senti to bom, que logo pude ajudar o P. Cota nas suas prgaes por ele precisar e eu ter licena de ficar l at que o P. Gonzaga Vaz chegasse. Chegado o Padre e vindo de Braga, trouxe-me consigo para este colgio, onde agora estou melhor do que V. R. me deixou.

    Passados uns dias sobre a chegada do Padre, querendo ele conversar sobre um apontamento que V. R. deixara quanto s anotaes ou comentrios sobre Aristteles, reuniu os que podiam entender do assunto, e perguntou-me o que entendera eu de V. R. quanto ao modo de o executar. Disse-lhe que V. R. antes de partir conclura que agora no se metesse a mo de propsito no assunto, mas que se intentasse faz-lo daqui por algum tempo, em vista da falta de livros que h na casa, e desocupaes de outros, o que tudo era muito necessrio par se fazer coisa que fosse digna do que se pretende; e que entretanto se ventilariam mais as matrias, excitariam dvidas, e tornariam mais claras todas as coisas; e que eu lhe desse uma memria para encomendar aos mestres e a alguns telogos, que entretanto fizesse por anotar cada um no seu cartapcio as dvidas e tudo o mais que no processo dos seus estudos lhe ocorresse, que pudesse servir para qualquer parte do curso, e que eu me entregasse entretanto ao escolstico, tendo sempre em mente ver juntamente coisas que me possam ajudar para quando se tomar o propsito; e que escrevesse ao P. Adorno que por via de Veneza comprasse l os livros que sabe faltarem-nos aqui, o que logo fiz, escrevendo V. R. juntamente ao P. Planco que lhe desse l ordem para isso. O Padre disse logo que se fizesse isso mesmo, e logo mandou avisar os de vora que tivessem

  • 35

    o facto em mente, cada um no que pudesse, parecendo a todos que era este um modo de se fazer algo de muito proveito, e que em tanta multitude de livros se pudesse ler com gosto. Ocorreu-me para tanto que, j que V. R. me dava a parte maior no assunto, e repartia o trabalho com o P. Cipriano e com os Padres Marcos Jorge e Pedro Gmez, seria bom que os que pudssemos tomssemos todos os dias algum tempo, para cada um de ns ver coisas que possam ajudar, e preparar a matria para quando se fizer, que eu tirasse duas horas, o P. Cipriano uma, e o P. Marcos Jorge meia, com esta contnua proporo de tempo, cada um em conformidade com as suas ocupaes, deixando o P. Pedro Gmez com as que tem, porque muito far agora em lhes acudir.

    Mesmo assim parecia-me que eu fosse vendo neste tempo todos os livros de Aristteles que ainda no vi e possam servir (ou no to bem vistos) apontando as dvidas e as boas exposies com dois ou trs graves intrpretes como por cifras, expondo uns lugares por outros, etc.; porque isto o que mais ajudar a quem tomar o principal assunto; e que o P. Cipriano atendesse especialmente s coisas de matemticas que h em Aristteles, como sejam exemplos de geometria, demonstraes, lugares que se referem ao que pertence cosmografia, astrologia e perspectiva, pois h muitos nos livros de coelo e meteoros; e alm disto procurasse trazer algo das tericas dos planetas ao 4. captulo da sphaera de Sacrobosco que lemos aqui, quando de boamente se pudesse fazer, e se compadecesse com o tempo que se d j a estas coisas. Finalmente que lesse em Plnio e outros o que possa servir matria de meteoros, como sejam ventos, de origine fontium, etc., passando tambm as obras de filosofia de Ccero, e anotando os modos de falar e tratar que comodamente podemos extrair dele; e que o P. Jorge poderia ver algumas questes (que sabe serem altercadas no curso) por Escoto e outros que lhe parecesse, anotando sucintamente, o que h de dificuldade ou de resoluo, e lsse as questes naturais de Sneca, Alexandre Afrodsio e de

  • 36

    algum outro antigo que interessasse. Tudo isto pareceu muito bem ao Padre, e logo ordenou que se trabalhasse todos os dias o tempo que referi. Decerto, creio que ainda que este parea porventura demasiado, o melhor caminho que se pode tomar para se fazer a coisa com exaco e proveito. E tanto melhor se far quanto menor o fastio, e ficando tempo para outras ocupaes que podiam interromper, por causa das necessidades, o fio dos que se entregassem totalmente ao assunto. Creio que ao cabo de dois ou trs anos, caso procedamos como digo, e os outros mestres e telogos ajudarem no que disse, estar a matria to disposta, que muito em breve se conclua todo o curso, e com a ocupao de quase no mais do que uma pessoa. isto o que se passa quanto a este assunto; e porque o P. Gonalo Vaz me disse para escrever a V. R. fui um tanto mais longo do que as suas ocupaes o sofrero. Do que adiante acerca disto acontecer f-lo-ei saber a V. R. caso me ordenarem que o faa.

    O resto do tempo que disto e das minhas obrigaes me fica, gasto-o no que me necessrio para pregaes e doutrinas que me mandam fazer e estudo algo de teologia moral, na qual sou muito novio, como c dizia a V. R. Nosso Senhor se sirva de tudo. Escrevo com esta ao P. Adorno por duas vias sobre o mesmo negcio dos livros, por no haver a certeza de lhe ser entregue a outra. V. R. no-la far expedir, e encomendar o envio do dinheiro ao P. Planco, ou a outro, se ele no se encontrar em lugar onde o possa fazer; e assim nos ajudar com tudo o que nos poder ser proveitoso, em que em tudo, como no mais, V. R. ver o que ser melhor, e ordenar o que de mais servio for de Deus Nosso Senhor, cuja santssima mo tenha sempre a V. R. debaixo de proteco. Encomendo-me muito aos seus santos sacrifcios e oraes. Perdoe V. R. os vcios do castelhano, porque nunca estive em Castela.

    Hoje, 14 de Janeiro de 1562.

  • 37

    Indigno Filho, Pedro da Fonseca. Pedro da Fonseca tinha, porm, o seu prprio

    projecto de um curso de iniciao lgica, cuja elaborao no interrompeu, por forma a que o mesmo, Institutionum Dialecticarum, sairia dos prelos em 1564. A tarefa assumida colegialmente no se desenvolvia, sendo notrio o atraso em 1565, decerto provocado pela circunstncia de Fonseca ter sido enviado para vora, onde regeria um curso teolgico, de 1564 a 1566. De Roma pedia-se o cumprimento da monita do Padre Nadal quanto confeco do Curso e o seu rpido envio a Roma, para exame. Nomeado Reitor do Colgio (1567-1569) e de feitio vagaroso, por meticulosidade, Fonseca no consegue avanar no trabalho comum. Os outros comissionados iam fazendo algo, mas sem a exaco com que tinham comeado, segundo Pedro Gmez confessa numa carta de 1 de Maio de 1569 a Francisco de Borja, ento Geral da Companhia.

    Aliviado das funes de Reitor, recebe ordens para concluir e rever o Curso com vista impresso mas, em vez de prosseguir o esquema inicial, decidiu alter-lo, por forma a que o primeiro livro a ser impresso contivesse a Metafsica. O Provincial, Lus Gonalves da Cmara, aceitou a emenda, e Pedro da Fonseca iniciou a redaco da obra, uma vez liberto de algumas tarefas, que lhe permitiram concentrar-se, mas, em 1572, v-se escolhido para vogal da Congregao, que reuniria em Roma, para eleger o novo Geral da Companhia, o que o afasta das suas tarefas. O Provincial, Jorge Serro, solicita o urgente retorno de Pedro da Fonseca. Em carta de 15 de Fevereiro de 1573 ao novo Geral,

  • 38

    Everardo Mercuriano, Jorge Serro atesta que Pedro da Fonseca j havia feito o mais difcil e trabalhoso da Metafsica, que poderia estar concluda dentro de um ano, mas, por outro lado, exprime o receio de que o projecto falhe, o que escandalizaria quem tanto lutava por ele.

    Por sua vez, em 1575, o Provincial Manuel Rodrigues comunicava a Roma que as glosas de Fonseca demoravam, sendo pouco adequadas a leitura nas escolas, melhor servindo para doutores. Apontado como nada fazendo, Pedro da Fonseca sente necessidade de se justificar: No que respeita aos restantes comentrios da Filosofia que, na primeira edio, prometi vir a escrever, no h motivo slido para algum me acusar, com razo, de nada ter publicado at agora; com efeito, apenas concluda a exposio da Isagoge de Porfrio, e das Categorias de Aristteles, fui obrigado a dedicar-me, durante no poucos anos, a assuntos que nenhum tempo livre me deixavam para escrever. Porm, regressando finalmente minha disponibilidade, propus-me o programa de, antes de tudo, comentar os livros da Filosofia primeira e, at, de os publicar (34). A alterao, que tambm props ao esquema, para tudo se iniciar pela Metafsica, por ser prefervel expr antes de tudo os temas contidos nos princpios em que se fundamenta toda a filosofia, contribuu para o definitivo atraso do Curso. O primeiro volume dos Commentariorum in livros Metaphysicorum Aristotelis sau em 1577, sem satisfazer s reais necessidades do que lhe fora pedido, e, dois anos depois, a Provncia volta a pedir ao Geral que se estampe o Curso, sem se esperar mais por Fonseca, que no cumpria o que assumira, a nosso ver por trs causas

  • 39

    principais; o ser vagaroso, o achar-se por demais ocupado, e o ter um plano pessoal que no coincidia com o esquema colegial proposto no incio. No entanto, o seu labor paralelo, na mesma rea da criao de compndios comentarsticos, evidencia como ele certamente esperava que os seus livros, designadamente as Instituies Dialcticas e os Comentrios Metafsica de Aristteles, ficassem estabelecidos como fontes primordiais do mesmo e projectado Curso.

    Contudo, nem o elaborou e ele tinha excepcionais qualidades para o efeito, embora fosse tambm uma personalidade de singular carcter criativo, que teria dificuldade em se dissolver numa obra comum nem conseguiu alterar as propostas, nem sequer que o seu projecto alternativo fosse aceite. Mais tarde, lastimou-se por no ter levado por diante o Curso inteiro de Artes, no podendo agora cumprir a sua promessa, visto que a atrasara tantos anos. Reconhecia, no entanto, que esse trabalho estava sendo levado a cabo por outros (35), que se preparavam para a paternidade dos Conimbricensis, de cuja esfera, por isso, ele se afastou. Num acto de reconhecimento do seu contributo, Sebastio do Couto considera-o, porm, como um dos conimbricenses, ainda que os seus livros no gozassem desse predicado titular, porque haviam sido escritos com inteno convergente (36), e por estar na sua origem.

    Em 1580, h cursos preparados para a impresso. Nomeado Provincial de Portugal, chega de Roma o Padre Sebastio de Moraes com instrues para mandar estampar o Curso. O Geral Mercuriano morre e o sucessor, Cludio Acquaviva, ordena a reviso dos escritos j disponveis para que sejam impressos. O interesse pela obra sobrelevava o contexto local: era um

  • 40

    interesse universal da Companhia. Em face da deciso de Acquaviva, levantou-se a dificuldade de saber que Curso se imprimiria, uma vez no se dispr de nenhum propositadamente confeccionado, em condies de impresso. Lus de Molina, que fora professor no Colgio das Artes (1563-1567) e que emulava em tudo com Pedro da Fonseca, props que se imprimisse o texto ditado no curso de 1563-1567, justamente o que ele ditara. (37) Lus de Molina estava convencido da superioridade do seu curso, que as suas glosas eram mais completas. Escrevendo ao Geral Acquaviva, diz-lhe: H dezanove anos que recebi ordens de ler um Curso de Artes. Li-o, compondo glosas, e ditando-as palavra por palavra, conforme ao estilo de c. E pelos muitos anos que tinha gasto no exerccio de disputas, e em presidir continuamente em Artes e Teologia, em examinar e substituir, e ser como um centro a quem os Irmos e outras pessoas acudiam para resolver suas dvidas, e por ser j formado em teologia e substituir nela, e ter facilidade em resolver e entender os doutores telogos, e haver por escrito resolvido muitas questes duvidosas, fiz, a juzo de todos, uns ditados, que se avantajavam a quanto at ento se tinha impresso e ditado em matria de Artes; e quem quer que os vir, creio que os achar muito dignos de impresso. (38)

    Era a luta por uma autoria nominal, em contra do projecto colegial. Repetia-se com Molina o que em parte determinara Pedro da Fonseca a predominncia do nominal afrontando o comum. Com uma diferena: Molina parece temer a assuno de Pedro da Fonseca. Acha despropositado que a Companhia mandasse fazer a outros o que por ele estava feito, e bem, mas, na carta em que emite esta opinio, j no deve visar Fonseca

  • 41

    porque, face inoperncia deste, e face s presses do Colgio e do Geral, um outro jesuta, o Padre Manuel de Gis, fora encarregado de redigir o curso. Corria o ano de 1582, e Gis acabara de leccionar o curso filosfico de 1574-1582. Afastado Fonseca, nomeado Gis, Molina no aceita a indicao, e acusa: que a Provncia portuguesa lhe estorvava a publicao do seu livro com o Curso de Filosofia; que era tido e havido como estrangeiro; que o acusavam de no escrever o latim to bem como outros professores; e que, enfim, pormenor talvez anotvel os portugueses queriam para eles o privilgio da autoria do Curso Filosfico. Nisto no se enganou. Todo o processo se orienta no sentido de que fossem portugueses a redactar uma obra a que se preconizava universal magistrio. Alis, sendo Assistente Geral, Pedro da Fonseca levou para Roma o texto manuscrito do Curso, segundo Molina, mas no se interessou, nem pela sua aprovao, nem pela sua impresso, porque Pedro da Fonseca queria que o curso fosse de portugueses.

    No entanto, durante o ano de 1582, antes da nomeao de Gis, ainda expressou cime face a Pedro da Fonseca. Numa carta de 29 de Agosto de 1582, para o Geral Acquaviva admite: Muchos aos ha que siento en el Padre Afonseca aversion, y disfavor a mis cosas. (39) Fonseca era de Molina o inimigo, o que mais guerra lhe havia feito queixava-se Molina ao Geral e que o roubara. De facto, no curso que se lia no Colgio das Artes, obra comum de sucessivos professores, tambm havia contributos de Molina, o qual, por isso, se queixava muito; que lhe utilizavam as glosas, que lhe censuravam frases, e que lhe alteravam a ordem das matrias. Chegou a insinuar que Fonseca

  • 42

    gostaria de o ter a ele, Molina, como lente de Filosofia no Colgio das Artes, para se aproveitar dos seus escritos. O problema da interaco do pensamento de Molina e de Fonseca subsiste. Molina sentia-se plagiado. Fonseca idem, mas talvez no houvesse plagiato. Numa comunidade de autores, em que uns falam com os outros, nada mais fcil do que haver osmose e interdependncia de teses. E, no fundo, o pensamento colegial absorvia os contributos do pensamento individual.

    Para obstar ao mau ambiente feito por Molina, e com vista a ultrapassar as dificuldades criadas, o Provincial Sebastio de Moraes chega a solicitar a Acquaviva (23.2.1586) que o autorize a imprimir o Curso de Molina, persuadido de que, se a impresso se no fizesse, Molina o consideraria a ele, Moraes, e aos outros (Gis, Fonseca?) como seus opositores. Numa carta de 30 de Dezembro de 1589, Sebastio de Moraes chega a revelar: (Molina) d-nos c bastante incmodo, e ele s nos embaraa muito com suas coisas e opinies. No obstante tratado com caridade, como pede a razo. (40) O Geral no cede. Molina parte em 1591 para Espanha. O seu projecto posto de parte. Manuel de Gis, ento figura muito menos brilhante do que o duo Fonseca-Molina, trabalha na ordenao do material j existente, desde 1582. Ordena-o a seu modo, redige-o, apura o estilo latino e deixa o primeiro volume pronto em 1584. Faltava apenas vencer as objeces de Molina e concretizar o projecto numa tipografia.

  • 43

    V OS COMMENTARII COLLEGII

    CONIMBRICENSIS

    Lus de Molina saa de Portugal, para Cuenca, em 1591. A par das dificuldades surgidas entre Fonseca e Molina, quanto autoria do curso portuguesa, castelhana, mista, nominal ou colegial o trabalho de elaborao e de redaco continuava, ainda quando finais decises no houvessem sido tomadas. Alguns professores do Colgio das Artes haviam aceite o encargo da tarefa, sendo quatro os que, documentalmente, assumiram a responsabilidade de formatar uma obra de cunho colegial: Manuel de Gis, Baltazar lvares, Cosme de Magalhes e Sebastio do Couto.

    Manuel de Gis (Portel, vora, 1543 Coimbra, 13.2.1597) o principal autor, dado o nmero de textos cuja composio lhe foi cometida. Regera dois cursos no Colgio das Artes (1574-1578 e 1578-1582) no fim do segundo, ao que se calcula, tendo sido escolhido para levar a efeito o sonhado Curso Conimbricense, para tanto se podendo servir dos cursos manuscritos que existiam no Colgio, ainda que lhes transmitisse, necessariamente, um cunho pessoal. Gis o autor de

  • 44

    sete dos oito livros que constituem o chamado Curso Conimbricense. (41)

    Baltazar lvares (Chaves, 1560 Coimbra, 1630), foi principalmente telogo, ainda que houvesse regido oito anos de Filosofia em Coimbra e em vora, sendo o responsvel do curso de 1594-1598, em Coimbra. No decurso de trs anos ajudou Manuel de Gis na redaco dos Commentarii e, enquanto leu o curso em Coimbra, redigiu o Tractatus de Anima Separata, que seria impresso conjuntamente com os trs livros de Anima, de Aristteles, segundo Manuel de Gis. Deve-se-lhe tambm a reviso e a preparao dos escritos do Padre Francisco Surez para a edio impressa. (42)

    Cosme de Magalhes (Braga, 1551 Coimbra, 1624) ensinou sobretudo Humanidades e Teologia no Colgio de Santo Anto em Lisboa. Coube-lhe ser o editor do volume In tres libros de Anima, a que juntou a par do tratado j citado de Baltazar lvares uma parte final sobre Tractatio aliquot problematum ad quinque sensus spectantium (43), sobre os sentidos.

    Sebastio do Couto (Olivena, 1567 Montes Claros, 1639) regeu filosofia no Colgio das Artes (1597-1601), e distinguiu-se tambm como instigador de motins em vora, contra o domnio castelhano. um dos indiciados participantes no motim do Manuelino, em vora, no ano de 1637. Aps ter lido em Coimbra o curso de 1597-1601 permaneceu no Colgio das Artes para redigir o tratado de Lgica, que seria o ltimo da srie dos Commentarii. Sau ento para vora, obtm o grau em Teologia, e regressa a Coimbra para assistir impresso do mesmo tratado. (44)

    O sentido colegial dos Commentarii uma exigncia, todavia originando alguma querela. Manuel de Gis

  • 45

    revelou obedincia e esprito de servio, ao aceitar, por fim, que os seus trabalhos ou composies fossem editados sem nome de autor, melhor, sob a autoria do Colgio Conimbricense da Companhia de Jesus. Parece que, pelo menos antes da impresso do primeiro volume, esperava ele que o seu nome fosse de algum modo exarado na obra, mas isso no se verificou, o que lhe doeu. Numa carta ao Provincial Joo lvares, em 25 de Janeiro de 1592, Pedro da Fonseca revela: este padre (Gis) todo su sentimiento es no salir esta obra en su nombre, y sin isto ninguna cosa lo contentar, y siempre har por mostrarse em todas occasiones autor della. (45) Ignoramos se o comentrio de Fonseca para o Provincial constitui uma simples descrio de facto, se uma crtica ao desejo de Gis quanto ao relevo a conceder ao seu nome. Talvez, em face dos anteriores exemplos de Lus de Molina e de Pedro da Fonseca, que se revelaram incapazes de assuno da autoria colegial com prejuzo do valor individual, Manuel de Gis tivesse idntico desejo de atribuir o seu nome obra. Dizemos sua em plenitude de confeco, porque, embora servindo-se dos manuscritos e dos borres existentes no Colgio, ele deu corpo ao Curso. Reside aqui o problema da colegialidade e da singularidade da obra. Segundo Francisco Rodrigues, ela colegial; segundo Joo Pereira Gomes, numa opinio mais moderada, ela apresenta tambm cunho pessoal. A nosso ver, nem a colegialidade cerceia na ntegra a singularidade, nem esta se v de todo inibida por aquela. H um projecto comum, com uma forma comum, mas o redactor e compositor no deixa de inserir nesse corpo o seu prprio esprito. No entanto, o que decide do problema a intencionalidade: queria-se um curso

  • 46

    colegial, de que algum houvera de encarregar-se. Manuel de Gis no foi decerto um simples procurador do Colgio, mas foi nessa qualidade que se esperava ele actuasse, para que a autoria fosse colegial e no individual.

    O processo de aparecimento dos livros durou quatorze anos, desde a data em que saiu o primeiro (28.3.1592) at publicao do ltimo (1606), abrangendo os reitorados de Nicolau Pimenta (1588-1595), Joo Correia (1595-1598), Jernimo Dias (1598-1601), Antnio Mascarenhas (1601-1604) e Pedro Lopes (1604-1607), que preserveraram no cumprimento da obra, apesar das dificuldades e dos sobressaltos quanto a eventuais alteraes. Segundo consta, o primeiro volume comeou a ser lido e explicado, mesmo ainda antes de impresso, nos colgios de Coimbra, de Braga, de vora e de Lisboa, talvez com o propsito de efectuar um teste quanto sua eficcia.

    Por alvar de 25 de Agosto de 1572, D. Joo III concedera Companhia um privilgio: que ningum possa imprimir nem trazer de fora, nem vender quaisquer livros compostos, ordenados, ou tresladados por eles (Jesutas) sem sua aprovao, sob pena de perder os ditos livros que lhe forem achados, e trinta cruzados e este Privilgio passou a constar habitualmente das edies da Companhia, incluindo os Commentarii, que, pois, ficavam protegidos de edies espreas ou extravagantes.

    O Prepsito Geral, ento Pedro da Fonseca, exarou a licena para a edio dos Commentarii, estando em Lisboa, em 23 de Outubro de 1591: H alguns anos ordenara o Padre Geral Cludio Acquaviva que se desse realizao ao velho desejo de muitos de se rever e

  • 47

    se imprimir, depois de aumentado e enriquecido, o manuscrito dos comentrios comuns de Filosofia (communes Philosophiae Commentarii manuscripti) que no Colgio Conimbricense das Artes Liberais, confiado nossa Companhia, se ditavam com quotidiano labor dos estudantes (quotidiano excipientium labore). Mas como esse trabalho que nos fora entregue, demorasse muito, () julgmos que to grande alvio dos estudantes no devia ser protrado por mais tempo.

    E assim, como depois de se empregar maior ateno, estivesse preparada para o prelo, com cuidado e ponderao e devidamente corrigida pelo alto engenho dos Mestres, as partes em que se expem os livros da auscultao natural, e os restantes comentrios se continuassem a aperfeioar com maior diligncia, no houve razo para esperar pelos que pertencem Dialctica, a fim de dar, por eles, incio edio. Enquanto uns se imprimem, revm-se e acabam-se outros. (46) E, no constando erros, manda que o trabalho dos tipgrafos se publique. Da licena do Prepsito infere-se que, na data, ainda havia debates quanto oportunidade da impresso, por a Lgica no estar feita. Contudo, a deciso tomou-se e, assim, surgiram os chamados Conimbricenses, que so:

    1. Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Jesu IN

    OCTO LIBROS PHYSICORUM Aristotelis Stagiritae. Tipografia de Antnio de Mariz, Coimbra, 1592. Vol. 235 x 165 mm., 4 + 825 + 22 pp. Contm as licenas de Pedro da Fonseca na qualidade de Prepsito. Autor: Padre Manuel de Gis.

  • 48

    2. Commentarii Collegii Conimbricensis S. I. IN QUATOUR LIBROS DE COELO, Aristotelis Stagiritae. Tipografia de Simo Lopes, Lisboa, 1593. Vol. 230 x 170 mm., 6 + 447 pp. Autor: Manuel de Gis.

    3. Commentarii Collegii Conimbricensis S. I. IN

    LIBROS METEORORUM, Aristotelis Stagiritae. Tipografia de Simo Lopes, Lisboa, 1593. Vol. 230 x 170 mm, 143 pp. Autor: Manuel de Gis.

    4. Commentarii Collegii Conimbricensis S. I. in Libros

    Aristotelis, qui PARVA NATURALIA, appellantur. Tipografia de Simo Lopes, Lisboa, 1593. Vol. 230 x 170 mm, 104 pp. Autor: Manuel de Gis.

    5. In Libros ETHICORUM Aristotelis ad

    NICOMACHUM, aliquot Conimbricensis Cursus Disputationes in quibus Praecipua quaedam Ethicae Discipline capita Continentur. Tipografia de Simo Lopes, Lisboa, 1593. Vol. 230 x 170 mm., 96 pp. Autor: Manuel de Gis. o nico tratado que omite a sigla autoral Commentarii Collegii Conimbricensis, mas a tradio manda que se refira ao mesmo grupo.

    6. Commentarii Collegii Conimbricensis S. I. in duos

    Libros DE GENERATIONE ET CORRUPTIONE Aristotelis Stagiritae. Tipografia de Antnio de Mariz, Coimbra, 1593. Vol. 245 x 185 mm., 12 + 505 + 28 pp. Autor: Manuel de Gis.

  • 49

    7. Commentarii Collegii Conimbricensis S. I. in tres

    Libros DE ANIMA Aristotelis Stagiritae. Tipografia de Antnio de Maris, Coimbra, 1598. Vol. 245 x 175 mm., 4 + 558 + 28 pp. Com Licena do Bispo D. Afonso de Castelo Branco, em 6 de Maro de 1598. Autor: Manuel de Gis.

    7.1 Tractatus de Anima Separata, pp. 441-532.

    Autor: Baltazar lvares. 7.2 Tractatio aliquot problematum, ad quinque sensus

    spectantium, pp. 533-558. Autor: Cosme de Magalhes. Nenhum destes dois textos dispe de rosto autnomo com a sigla Commentarii, devendo-se considerar anexos ao De Anima.

    8. Commentarii Collegii Conimbricensis S. I. in

    UNIVERSAM DIALECTICAM Aristotelis Stagiritae. Tipografia de Diogo Gomes Loureiro, Coimbra, 1606. Vol. 255 x 185 mm., 548 + 32 pp. Autor: Sebastio do Couto. (44)

    Esta a sequncia. Em virtude da arrumao dos

    vrios tratados em volumes encadernados, e tomando por base o que existe na Biblioteca Nacional, a sua disposio a seguinte:

    Tomo I: In Octo Libros Physicorum.

  • 50

    Tomo II/I: De Coelo/In Libros Meteororum/In Parva

    Naturalia.

    Tomo II/II: Ethicorum ad Nicomachum.

    Tomo III: De Generatione et Corruptione. Tomo IV: De

    Anima/De Anima Separata/ Quinque Sensus.

    Tomo V: In Universam Dialecticam.

    Importa registar que a identificao por referncia

    aos tomos pode tornar-se imprecisa, pois o facto de, numa coleco, os tratados se acharem assim ordenados, noutras podem surgir de modo diferente. Trata-se de um pormenor, alis acidental. A natureza do curso manda respeitar a referncia por tratados, que so efectivamente oito.

    O corpus conimbricensis apresenta duas deficincias: o no se iniciar pelas instituies de Lgica, e o carecer do tratado da Metafsica. Quanto ao primeiro aspecto, a Licena do Prepsito Geral Pedro da Fonseca expressa ntida conscincia dele, e o decidir-se pela publicao dos Fsicos constitui uma como que soluo de emergncia, para evitar mais atrasos na realizao do projecto. Num dado instante, tem-se a sensao de que a Lgica e a Metafsica seriam definitivamente omissas. Com efeito, ao publicar-se o De Anima, em 1598, escreveu-se, numa declarao final: S resta que o trabalho que tomou o Colgio Conimbricense da Companhia de Jesus, para bem dos comuns estudos, editando o curso de toda a filosofia, o queira olhar com agrado Deus, que o bafejou em seu princpio e o levou ao fim desejado. (48) Deveras, estava incompleto, e

  • 51

    desde 1592 que os superiores tentavam identificar os redactores para ambos os tratados, chegando-se a pensar de novo em Pedro da Fonseca para a Metafsica. No entanto, e tendo iniciado o trabalho, demorou, o que sugeria ao Padre Geral a necessidade de nomear outro professor para o efeito, chegando-se a pensar em Sebastio do Couto, j indigitado para a Lgica. Desejava-se, em princpio, que fosse Gis a confeccionar a obra, mas sem efeito, tanto mais que faleceria em 1598, talvez a poca ideal para se publicar o tratado. Dizia o Provincial Francisco de Gouveia ao Padre Geral Acquaviva, em dada altura:

    Outra dificuldade se oferece sobre os Comentrios da Metafsica porque o P. Manuel de Gis tinha o encargo de os fazer (aos livros) por lhe estar encomendado todo o Curso de Artes e j nos Fsicos e no de Coelo e nos de Generatione e de Anima que tem para imprimir se remete para a Metafsica, e vai sempre com as opinies comuns e recebidas das escolas, e a uniformidade das opinies em toda esta obra e na de Lgica e h-de ser mais breve porque se ter de remeter para a Metafsica e isto tem de ser mais aceite pelas escolas. Por outro lado tenho entendido que o P. Fonseca com licena de Vossa Paternidade determina fazer compndio de sua Metafsica para se ler nas nossas escolas e o Padre Gis deseja saber a determinao de V. P. para cessar o seu intento e dispr as coisas de outra maneira, no fazendo meno da Metafsica. Por outro lado o P. Fonseca muito vagaroso na sua composio e deste modo pode temer-se que nem ele acabe nem outro componha por respeito dele e fiquemos com o curso imperfeito. Veja V. P. se ser conveniente que cada um faa os seus

  • 52

    comentrios e depois se ver quais se devam ler nas escolas. Porque o P. Fonseca tem muitas opinies contra o comum, e o P. Gis vai com as recebidas nas escolas e refuta no que est impresso algumas opinies do P. Fonseca sem o nomear por lhe guardar o devido respeito. O P. Manuel Ruz que foi assistente deseja muito que o P. Gis componha a Metafsica pelas razes que apontei. (49)

    Alguns incisos: Gis queria ser o autor da Metafsica,

    conquanto pedisse clareza, se Fonseca estava ou no dela nomeado; Gis seguia o saber comum, enquanto Fonseca propunha teses pessoais; enfim, Gis, opunha-se a teses de Fonseca, sem lhe nomear o nome, por respeito. Tudo indica que os Commentariorum Metaphysicorum de Pedro da Fonseca, comeados a sair dos prelos em 1577 e concludos em 1615, foram lidos no Colgio das Artes, a ttulo precrio, enquanto se no elaborasse obra comum, ou tratado colegial. J ao tarde, Sebastio do Couto, enquanto redigiu a Lgica, reservou matria para um tratado metafsico, e que seria conveniente guardar unidade em ambos os tratados, sendo feito pelo mesmo autor, mas o projecto ficou por realizar, (50) contra o que desejava o Procurador a Roma, Padre Ferno Rebelo, que naturalmente considerava como ponto de honra a publicao do nono e ltimo livro, uma vez a Lgica j conseguida.

    O tratado da Lgica s se tornou realidade aps o acidente da chamada Lgica Furtiva, que, sendo um acto de contrafaco, d, porm, a medida do prestgio que os Conimbricensis j tinham conquistado na Europa escolar e culta. Com efeito, um editor alemo aproveitou um compndio de Lgica, ao que parece

  • 53

    redigido uns trinta anos antes, e consumou uma fraude, imprimindo-o sob a propriedade autoral do Colgio Conimbricense, e obtendo sucesso, pois fez quatro edies simultneas em Francoforte, Hamburgo, Colnia e Veneza, em dois volumes, intitulados: Collegii Conimbricensis Societatis Iesu Commentarii Doctissimi in Universam Logicam Aristotelis. O ttulo apresenta dois defeitos: um, o no respeitar a estrutura nominal Commentarii Collegii Conimbricensis , outro, o propagandear-se a si mesmo, com a introduo do inciso adjectivo doctissimi.

    Casa roubada, trancas porta, Sebastio do Couto viu-se pressionado para dar a obra pronta tipografia. Lamentando que, antes de cumprimento da promessa, tantas vezes feita, de se editar a Lgica, livreiros alemes hajam publicado uma furtiva Dialecticae glossemata Cursus nostri Commentarii (51), suposta como fidedigno texto conimbricense, e a que se convencionou designar por Lgica Furtiva.

    Quem o autor desta Lgica Furtiva? Segundo Frederico Stegmller, comparando a obra impressa em 1604 com os manuscritos de Lisboa chega-se concluso de que os textos reproduzem as lies de Gaspar Coelho, proferidas em vora em 1584. Por sua vez Coelho aproveitou as lies que Francisco Cardoso ditara em Coimbra no ano de 1571. Ao sair da Companhia, certamente Coelho levou consigo os cadernos das lies e mais tarde vendeu aos editores. (52)

    Gaspar Coelho (1552-1593) rebelou-se dentro da Companhia juntamente com Lus de Carvalho, tendo colaborado no Libelo Infamatrio de 1589, contra os Superiores, que verteu para latim. Tendo suscitado

  • 54

    problemas no Colgio do Esprito Santo em vora, houve de ser expulso, tornando-se um gnio vagabundo, at ingressar na Ordem de Cister, que tambm o irradiou, a se lhe perdendo o rasto. considerado o autor de umas Annotationes in Universam Aristotelis Dialecticam (1584), cdice manuscrito n. 2010 da Biblioteca Nacional de Lisboa, em volume de 306 pginas, a que Stegmller se refere. Diferente a tese, alis mais credvel, de Joo Pereira Gomes: o texto da lgica furtiva parece-se com outros textos e postilas da mesma poca, sendo oriundo de escola portuguesa, possivelmente de Coimbra, ou de vora. Contudo, no se pode afirmar que o seu autor seja Gaspar Coelho. A Lgica Furtiva, como sugere Sebastio do Couto, pode ter sido redigida por volta de 1575, trinta anos antes da Lgica autntica, sendo o original levado para fora do pas por um estudante, ou italiano, ou alemo, que tivesse cursado estudos em Portugal. Sabia Couto quem era o verdadeiro autor, j que trabalhara nos manuscritos vrios sobre os quais realizou a sua obra? Se o sabia, guardou segredo

    Sublinhe-se que a Lgica Furtiva tem maior amplitude do que a Universam Dialecticam de Sebastio do Couto. Enquanto esta apresenta sete partes, a furtiva desenvolve-se em oito, porquanto integra os comentrios in Topica, ou seja, os comentrios ao livro Tpicos (envolvendo os oito livros sobre o silogismo dialctico, o silogismo sofstico e o silogismo demonstrativo). No mais, e salvo o maior desenvolvimento concedido aos Elencos na edio alem, a estrutura de ambos os compndios anloga. Quanto tese de Stegmller h necessidade de proceder-se

  • 55

    verificao interna e comparativa dos textos, para se aferir da razo da mesma tese.

    A questo importa que a srie dos Commentarii, por reaco a um infausto procedimento, se aumentou com o tratado da Lgica, ltimo a publicar-se quando, na arquitectura septivial, deveria ter sido o primeiro e, por repetida impossibilidade, ficou para ltimo. De qualquer modo, sem a publicao do compndio de Metafsica, o curso no atingiu a plenitude, restando de algum modo como outras capelas imperfeitas da nossa memria e da nossa via de perfeio.

  • 56

    VI O LICEU ARISTOTLICO

    A herana metodolgica da ltima medievalidade do sculo XV preceituava que o comentarista propusesse um prlogo com algumas questes gerais sobre a disciplina ou o livro que tratava de seguir-se. Definia, nesse promio, as causas material, formal, final e eficiente da disciplina, indicando a seguir as divises da mesma e, tomando cada uma delas, procedia a subdivises, at esgotar o assunto, fechando o crculo filosfico pelo regresso proposio inicial. Ou seja: partindo um curso filosfico de uma tese, ou de um universo de teses, no comeo do ano lectivo, a explanao e o desenvolvimento das divises e subdivises, mediante a tcnica do debate, o final do curso haveria de concluir pela demonstrao das teses propostas no incio. Segundo Charles Thurot, o mestre no passava de uma parte da obra para outra, nem de um captulo para outro, nem sequer de uma frase para outra, sem levar a efeito a anlise exaustiva de cada parte, justificando tambm a ordem, porque esta questo deve estar antes, ou depois, daquela outra. (53) Este mtodo seguia-se como preceituado na Universidade de Paris, em todas as questes se

  • 57

    extraindo proposies discutveis em ambos os sentidos, de tese e de anttese, sic et non, gerando o ambiente para a controvrsia colegial entre o mestre e os alunos, e entre os alunos. Cada parte estabelecia os respectivos argumentos de defesa, demonstrao e concluso, pelo que nenhuma questo era analisada unilateralmente, mas todas se sujeitavam bilateralidade e, muitas vezes, por sntese, trilateralidade. O professor tinha de decidir a favor de uma das partes, a da tese, ou da anttese, conforme os casos, tudo fundamentado num texto doutrinal em torno do qual se desenvolviam os comentrios, as glosas, as postilas e as teses, mediante a utilizao dos recursos dialcticos patrocinados pela lgica formal de Aristteles.

    O modelo acha-se nos cursos manuscritos das escolas, e, circunscrito a uma escola, cada modelo tem o seu qu de esotrico perante escolas estranhas. Cada escola entende, ou tem intendncia, sobre o seu curso. A opo pelo objecto tipogrfico pe dois problemas: como adaptar o mtodo das lies manuscritas ditadas ao texto impresso; e como tornar eficaz, do ponto de vista didctico, cada um dos livros, sem perda do vnculo escolstico. Enfim, tambm se punha a questo da manuseabilidade dos compndios, que no podiam formatizar-se, nem em cartapcios, nem em livros de bolso.

    Alguns autores j tinham acedido impresso de cursos: Rodolfo Agrcola, com uma Lgica, Janduno, com uma Fsica, Javelo, com um De Anima e, em Coimbra, os bordaleses tinham posto em circulao impressa uns tratadinhos de iniciao Lgica. Todos, porm, se apresentavam aos professores do Colgio das Artes, ou como pouco manuseveis, ou como textos

  • 58

    expositivos sem carcter demonstrativo e, sobretudo, sem o ritmo da altercatio. Eram, alfim, ditados impressos, para serem lidos em voz alta, e registados, sem dinmica de oralidade filosofante. A resposta para as inquietaes sentidas no Colgio das Artes comeou a ser recebida de um franciscano, Francisco Titelmans, ou Titelmano, antigo professor em Lovaina. Publicara ele um De Consideratione Dialectica (1545), que fora o compndio de estudo de Simo Rodrigues em Santa Brbara de Paris, onde era muito apreciado pelos estudantes. Apresentava foros de renovao relativamente aos esquemas do sculo XV e, por isso, adoptara-se nos estudos internos dos Jesutas, no Colgio de Jesus de Coimbra, onde, em boa verdade, na disciplina da Ordem, se estudavam as decises a tornar efectivas no Colgio das Artes. (54) A estrutura dos Commentarii seguiria, grosso modo, a ordo e a sequentia do livro de Titelmans. A analogia garante a justeza desta afirmao que, todavia, se deixa ainda como hiptese, dado ser possvel que os colegiais houvessem achado, no prprio Aristteles, a inspirao para a sequncia dialctica dos problemas, por forma a que nenhuma das teses ficasse sem ser considerada.

    Os Commentarii no so expositivos de uma tese dogmtica sobre cada um dos problemas filosficos; so uma enciclopdia de todas as teses sobre cada problema, teses essas expostas e demonstradas umas contra as outras, s que, alfim, o silogismo, em rigor, elaborado por forma a concluir pelo que chamaramos tese oficial. Estamos hoje muito afastados do juzo emotivo e baseado numa evidente ignorncia de Hernni Cidade alis, Hernni limitou-se a repetir outros antecessores que julgava os Commentarii, do lado de fora, considerando-os uma simples ruminao peripattica (55).

  • 59

    Na verdade, cada um dos Commentarii substancia-se num exerccio de liberdade enciclopdica: todas as teses conhecidas sobre um determinado problema, ou questo, ou artigo, so chamadas colao. Seguidamente, expostas e descritas. Seguidamente, confrontadas umas com as outras, formulando-se vrias sequncias de tese/anttese, ou vrias cadeias de sim e no. Cada tese deduzida segundo o esquema lgico. Arguida e/ou refutada, e/ou confutada, e/ou corroborada. Exercendo a liberdade de pensamento, cada um dos estudantes podia, ao menos na mente, formular o silogismo que refutasse a tese oficial, ainda que, do ponto de vista institucional, o no devesse fazer; mas podia faz-lo, enquanto se limitasse a filosofar.

    O mtodo conimbricence adapta o mtodo parisiense, simplificando-o, em vista da eficcia didctica. No centro da pgina imprime-se, como retrato, um texto de Aristteles, sobre a questo. Nas edies portuguesas de Coimbra e de Lisboa, usa-se o texto latino das obras de Aristteles, diversamente de algum proceder de Pedro da Fonseca que, designadamente na Metafsica, cita directamente os cdices gregos. No curso conimbricense de tipografia portuguesa, embora sejam feitas menes dos graeci interpretes, ou tradutores, o texto aristotlico acha-se sempre impresso em latim. Em algumas edies alems e francesas, o centro da pgina acha-se ocupado pelo mesmo texto, mas em grego. O texto de Aristteles corresponde explanatio, ou explanao do tema, ou do captulo, ou da questo, pelo que todo o articulado se faz sob a autoridade de Aristteles. Numa espcie de moldura rectangular, e envolvendo o texto de Aristteles, apem-se o comentrio do mestre e,

  • 60

    margem do comentrio, as glosas e postilas. A matriz tipogrfica, assim composta, podia ser transportada de uma terra para outra e facilitar novas edies, mesmo com texto grego, bastando substituir a caixa central.

    Dadas as explanaes mediante o texto aristotlico, seguem-se as quaestiones, ou questes, divididas em artigos. Cada um dos artigos enumera e expe as vrias opinies em curso sobre o tema, sejam idnticas, contrrias, ou contraditrias. Quando se diz que um certo nmero de teses no podiam ser ensinadas, com esta proibio queria-se definir o seguinte: que mesmo as teses consideradas erros deviam ser expostas, mas no ensinadas, isto , no defendidas nem postuladas como defensveis. Enfim, no ltimo artigo responde-se s opinies sofsticas e apresenta-se a resolutione, ou resoluo da dificuldade. O esquema de maior rigor desenvolve-se segundo captulos organizados em quaestiones. Cada quaestione prope uma sequncia de articulus, cada articulus constri-se num argumento da Ratio Studiorum, fechando com a solutione. Seguem-se os artigos com as opinies ou teses adversas, justapostas confutao e refutao, com as necessrias objeces e argumentos. Construdo o raciocnio silogstico de certeza demonstrada, procede-se responsio, ou resposta, por vezes seguida de uma assertione, assero e, enfim, o debate encerra-se por uma conclusione, segundo o escopo, ou scopus, ou causa final da lio magistral. As questes so uma das partes mais interessantes dos Commentarii, em virtude da clareza e da simplicidade e do recurso a factos novos no usados, por exemplo, em Paris, como fossem os contributos dos descobrimentos na ordem da geografia e da cosmografia, ainda que poucos,

  • 61

    uma vez nem todos os novos conhecimentos estarem confirmados por escola.

    O curso conimbricense apresenta diversas inovaes: evidente modernidade quanto esfera dos conhecimentos, alargando-se a presena do nmero de especialidades; uma metodologia expositivo-demonstrativa orientada para o dilogo e a participao na controvrsia; as explanaes ao centro do texto, em caracteres tipogrficos mais pequenos e, em torno, os comentrios questiunculares. Enfim, simplificavam-se as questes e as explanaes, porque, em vez de ser o professor a dit-las, punham-se, diante dos estudantes, as fontes originais e magistrais.

    O estilo latino dos Comentrios elegante e vivo. Apesar da influncia do latim eclesistico, h um arfar do latim renascentista, dominado por escritores de humanidades, que haviam aprendido Ccero e Quintiliano. Quando se aponta, no latim dos Commentarii, um tnus clssico, significa-se justamente a qualidade do estilo latino das obras, sendo lapidar o estilo de Manuel de Gis, notvel escritor latino. Lus Antnio Verney que, na ordem e no mtodo, aprofundou uma posio anti-conimbricense, ao criticar os autores de livros de filosofia em latim, considera a maior parte deles portugueses e estrangeiros de baixo coturno, concede em duas excepes: os Conimbricenses e Pedro da Fonseca, por ele considerados como grandes escritores clssicos. (56) Compreendemos, assim, como os escritores dos Commentarii se acham a meio caminho entre a claridade da Renascena e as sombras do Barroco (57) sendo lcito questionar se, na sua unidade, o curso conimbricense no antecipa o estilo barroco em

  • 62

    filosofia, sem prejuzo da sua ancestral insero na medievalidade, com flecha orientada para modernidade, e, mais, com sua origem na ordo disciplinae do liceu aristotlico.

    A Segunda Escolstica, de muitos modos condicionante dos Conimbricenses se que no foram os Conimbricenses e os Salmanticenses os criadores da chamada Segunda Escolstica (58) efectua a renovao dos mtodos da Filosofia e da Teologia, recuperando as espiritualidades medievais ante-renascentistas Tomismo e Escotismo, Realismo e Nominalismo - pondo maior esmero no estilo latino por influncia do gosto renascentista j barroquizante, corrigindo o latim brbaro, e regressando ao latim clssico-eclesistico. Por outro lado, as perspectivas de antiga exclusividade filosfica pr-teolgica abrem-se s condicionantes do pensamento da cincia, do homem e da poltica, convertendo o saber numa unidade metodolgica, qual essa que os Conimbricenses, apesar de algumas limitaes no mbito das cincias experimentais, exercitaram. Cumpre anotar que os Commentarii se destinam, no a uma Faculdade maior, mas a um Liceu, preparatrio dos estudantes para a compleio posterior de um curso profissional Direito, Medicina, Teologia na Universidade. Embora o compndio de Lgica s fosse publicado mais tarde, por motivos de conjuntura, o curso compendia o septvio: a iniciao arte de pensar, com todo o organon ou arte do juzo perfeito, e a introduo nas cincias naturais e nas cincias morais e metafsicas, ainda que o curso metafsico se no escrevesse, recorrendo-se a outros compndios. Sendo um curso filosfico, no tinha de abranger a Teologia, atinente a outro curso,

  • 63

    qual coroa do septvio, estudada em outra escola, Coimbra e vora.

    Antes de olharmos cada um dos compndios em pormenor, basta obter uma viso de sntese: o Universam Dialecticam o compndio de Lgica, que se estuda, uma vez feita a iniciao na Gramtica e na Retrica, em que se seguiam Ccero, Quintiliano e Cipriano Soarez. Fechava-se o trvio e passava-se ao quadrvio. Assim: o Physicorum constitui o livro de cosmologia, o De Anima, o curso de psicologia, o Ethicorum, o livro de tica, os demais, introdues fsica e metafsica.

    O primeiro tratado, in octo libros Physicorum Aristotelis constitui-se numa longa introduo, pelo autor titulada de Proemium sobre o nome e a definio de filosofia, em que a primeira origem inere aos Graeci sophous da genealogia de Pitgoras; e em oito comentrios a cada um dos livros fsicos de Aristteles: 1. Dos trs princpios das coisas fsicas. 2. Natu