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EUGÊNIO DE GODOY MACHADO PAULO FERNANDES COSTA Gestão financeira à luz da Dinâmica dos Grupos TRABALHO DE CONCLUSÃO Revista da SBDG – n. 6, p. 67-80, setembro de 2013 67 O dinheiro é um instrumento das mais diversas sensações e emoções humanas, como ansiedade, ale- gria, discórdia, solução, insônia, gratidão, desprezo, consideração, disputa, culpa, mérito, inveja e orgulho. Só não se percebe o grau de interferência que estas sensações e emoções provocam frente às situações onde o dinheiro se faz presente. Por isso, aprender a lidar com o dinheiro às vezes é desafiador; pois leva à descoberta de seu próprio eu e de como ele atua, sendo colocado frente a senti- mentos e crenças que não é capaz, sozinho, de iden- tificar e solucionar. Há alguns anos, uma instituição bancária apre- sentou um quadro de desajustamento financeiro de seus colaboradores e justificou, entre outras causas prováveis, o seguinte: a) Falta de informação sobre como e por que plane- jar seu orçamento doméstico; b) Tentativa de alimentar o status profissional pe- rante a sociedade, a família, o trabalho e a comu- nidade; c) Relação irreal com o dinheiro, pois se trata de um trabalhador assalariado, mas que manipula ro- tineiramente grandes quantias através de cédulas e papéis; Resumo: Este trabalho teve por finalidade lançar um olhar, com base na Teoria de Campo de Kurt Lewin, para um programa de con- sultoria financeira, desenvolvido junto a colaboradores de uma insti- tuição bancária. Seu objetivo foi verificar a validade da Teoria de Campo para a análise de fenômenos post hoc, isto é, dos processos de mudança pessoal, grupal e organizacional ocasionados pelas ações previstas no programa de intervenção, bem como verificar sua apli- cabilidade na realização de diagnósticos mais precisos pelos profis- sionais de consultoria. Foram explicitados os conceitos da Teoria de Campo ao mesmo tempo em que se confirmava sua ocorrência pelos depoimentos dos funcionários da instituição bancária, foco da pesquisa, demonstrando sua aplicabilidade na explicitação de fenôme- nos individuais e grupais. Por intermédio da representação da estru- tura topológica da instituição, buscou-se demonstrar a possibilidade de extrapolar sistematicamente esta aplicabilidade para fenômenos organizacionais. Abstract: This paper aims to cast an eye, based on Field Theory of Kurt Lewin, a program for financial consulting, developed with collaborators from a bank. His goal was to verify the validity of field theory for post hoc analysis of phenomena, namely, the processes of change personal, group and organizational caused by the actions foreseen in the intervention program, as well as their applicability in making more accurate diagnoses by consulting professionals. Throughout the paper, we explained the concepts of field theory at the same time that its occurrence is confirmed by the statements of officials of the bank, research focus, demonstrating its applicability in identifying the individual and group phenomena. Through the representation of the topological structure of the institution, we sought to demonstrate the possibility of extrapolating this systemically applicability to organizational phenomena. Palavras-chave: Kurt Lewin. Teoria de Campo. Orçamento. Con- sultor. Keywords: Kurt Lewin. Field Theory. Budget. Consultant.

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Page 1: Gestão fi nanceira à luz da Dinâmica dos Grupos · base na Teoria de Campo de Kurt Lewin, para um programa de con-sultoria fi nanceira, desenvolvido junto a colaboradores de

EUGÊNIO DE GODOY MACHADOPAULO FERNANDES COSTA

Gestão fi nanceira à luz da Dinâmica dos Grupos

TRABALHO DE CONCLUSÃO

Revista da SBDG – n. 6, p. 67-80, setembro de 2013 67

O dinheiro é um instrumento das mais diversas sensações e emoções humanas, como ansiedade, ale-gria, discórdia, solução, insônia, gratidão, desprezo, consideração, disputa, culpa, mérito, inveja e orgulho. Só não se percebe o grau de interferência que estas sensações e emoções provocam frente às situações onde o dinheiro se faz presente.

Por isso, aprender a lidar com o dinheiro às vezes é desafi ador; pois leva à descoberta de seu próprio eu e de como ele atua, sendo colocado frente a senti-mentos e crenças que não é capaz, sozinho, de iden-tifi car e solucionar.

Há alguns anos, uma instituição bancária apre-sentou um quadro de desajustamento fi nanceiro de seus colaboradores e justifi cou, entre outras causas prováveis, o seguinte:a) Falta de informação sobre como e por que plane-

jar seu orçamento doméstico;b) Tentativa de alimentar o status profi ssional pe-

rante a sociedade, a família, o trabalho e a comu-nidade;

c) Relação irreal com o dinheiro, pois se trata de um trabalhador assalariado, mas que manipula ro-tineiramente grandes quantias através de cédulas e papéis;

Resumo: Este trabalho teve por fi nalidade lançar um olhar, com base na Teoria de Campo de Kurt Lewin, para um programa de con-sultoria fi nanceira, desenvolvido junto a colaboradores de uma insti-tuição bancária. Seu objetivo foi verifi car a validade da Teoria de Campo para a análise de fenômenos post hoc, isto é, dos processos de mudança pessoal, grupal e organizacional ocasionados pelas ações previstas no programa de intervenção, bem como verifi car sua apli-cabilidade na realização de diagnósticos mais precisos pelos profi s-sionais de consultoria. Foram explicitados os conceitos da Teoria de Campo ao mesmo tempo em que se confi rmava sua ocorrência pelos depoimentos dos funcionários da instituição bancária, foco da pesquisa, demonstrando sua aplicabilidade na explicitação de fenôme-nos individuais e grupais. Por intermédio da representação da estru-tura topológica da instituição, buscou-se demonstrar a possibilidade de extrapolar sistematicamente esta aplicabilidade para fenômenos organizacionais.

Abstract: This paper aims to cast an eye, based on Field Theory of Kurt Lewin, a program for fi nancial consulting, developed with collaborators from a bank. His goal was to verify the validity of fi eld theory for post hoc analysis of phenomena, namely, the processes of change personal, group and organizational caused by the actions foreseen in the intervention program, as well as their applicability in making more accurate diagnoses by consulting professionals. Throughout the paper, we explained the concepts of fi eld theory at the same time that its occurrence is confi rmed by the statements of offi cials of the bank, research focus, demonstrating its applicability in identifying the individual and group phenomena. Through the representation of the topological structure of the institution, we sought to demonstrate the possibility of extrapolating this systemically applicability to organizational phenomena.

Palavras-chave: Kurt Lewin. Teoria de Campo. Orçamento. Con-sultor.

Keywords: Kurt Lewin. Field Theory. Budget. Consultant.

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d) Em meio à profusão de bens de consumo dos tempos modernos, a angústia provocada pela necessidade de contrair empréstimos vultosos para comprá-los é inconsciente e relutantemente imposta ao membro da família responsável pelas fi nanças;

e) Crédito facilitado em razão do vínculo emprega-tício com a instituição fi nanceira.Preocupada com o grau de endividamento de

seus colaboradores, tanto pela questão legal/adminis-trativa quanto pela questão social, essa instituição sentiu a necessidade de auxiliar os colaboradores a regular suas fi nanças e minimizar os efeitos deste descontrole, investindo na saúde fi nanceira através de um programa socioeconômico.

A operacionalização de um trabalho que des-monta mitos e cria procedimentos foi concebida e realizada em várias situações de trabalho junto aos empregados da instituição bancária, sob um enfoque que busca desenvolver a pessoa em sua totalidade, principalmente seus afetos com relação ao dinheiro, e não apenas dar-lhe ferramentas contábeis para lidar com seu problema.

Esse programa tinha como objetivo principal de-senvolver e implementar um plano de ação integrado de prevenção, planejamento e controle do orçamento familiar dos empregados através das vertentes: cons-cientização/prevenção; acompanhamento/controle/tra-tamento, com duração de nove meses.

Dentre as intervenções realizadas pelo consultor fi nanceiro para alcançar o objetivo proposto, desta-cam-se: 8 palestras de sensibilização e conscientiza-ção, 826 participantes; workshops – 4 turmas, 96 participantes; cartilhas sobre como aplicar melhor o salário, 2.500 exemplares; distribuição de fascículos sobre fi nanças pessoais, 2.959 exemplares; programa de desintoxicação fi nanceira, intranet, 4.094 acessos; dicas e mensagens no contracheque, 2.500; consulto-ria fi nanceira individual (500 horas), 108 pessoas; processo de acompanhamento/prevenção, 22 fami-liares; visitas domiciliares, 3 visitas.

Houve comprometimento de praticamente toda a instituição, começando pela diretoria, o que facilitou o desenvolvimento de todas as atividades propostas.

As mudanças de conduta, motivadas pelas mu-danças de atitude e crenças de seus colaboradores, atestaram a importância do programa para cada um, afetando seus relacionamentos funcionais, sociais e

familiares, como se verá durante na análise dos depoi-mentos e da instituição, à luz da Teoria de Campo.

Toda a aplicação do programa, acreditam os autores, obedece a princípios elaborados por Kurt Lewin em sua Teoria de Campo psicológico para a explicação de fenômenos pessoais, e social, para ex-planar os fenômenos grupais ocorridos.

Analisando as ações do programa e o depoimento dos colaboradores e familiares que participaram do programa, bem como de outros que dele não partici-param diretamente, teve-se por objetivos demonstrar a validade da Teoria de Campo para o entendimento dos fenômenos individuais e sociais que moldaram a estrutura e o funcionamento de pessoas e grupos, bem como sua aplicabilidade na realização de diag-nósticos holísticos e sistêmicos mais precisos que auxiliem os diversos consultores que prestam hoje serviços às empresas e instituições brasileiras.

Este trabalho teve um caráter exploratório ex post facto, envolvendo um estudo de caso de maneira su-mária, tendo em conta sua dimensão.

Foram consultados dados referentes à instituição bancária estadual entre setembro de 2004 a abril de 2005, período de atuação do consultor fi nanceiro, e coletados depoimentos de colaboradores que a inte-gravam. A instituição contava à época com aproxi-madamente 2.300 funcionários e já com mais de 70 anos de existência.

Embora não estando objetada a divulgação dos depoimentos, eles serão reservados para que não haja identifi cação direta das pessoas participantes. Todas as informações necessárias sobre a instituição foram coletadas em seu site ofi cial e em periódicos da época, mantendo em sigilo, por questões éticas, sua identifi cação.

O método adotado foi o de examinar o fenôme-no ocorrido e tentar representá-lo topologicamente ou explicá-lo utilizando conceitos e recursos da Teo-ria de Campo. Isso, acreditam os autores, permitiria concluir sobre a efetividade e capacidade de utiliza-ção desta teoria como ferramenta para consultores de organizações, principalmente como auxiliar na elabora-ção do necessário diagnóstico anterior à intervenção.

Para tanto, como já foi dito, apresentar-se-ão, concomitantemente com os fenômenos, os conceitos da Teoria de Campo que melhor os expliquem, ratifi -cando-a, evitando deste modo a cisão entre a apre-sentação da teoria, a descrição dos fenômenos e os depoimentos das pessoas que os viveram.

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Em consequência da reduzida dimensão do pre-sente trabalho e com a fi nalidade de facilitar a visua-lização dos conceitos da Teoria de Campo psicoló-gico e social de Kurt Lewin, apenas os conceitos principais serão explorados neste item, sendo a iden-tifi cação dos demais realizada juntamente com a apresentação dos resultados.

1 Elementos principais da Teoria de Campo

Kurt Lewin “modifi cou fundamentalmente o cur-so da ciência social, fornecendo-lhe uma metodologia e uma estrutura conceitual sem paralelo na história das chamadas Geisteswissenschaften (ciências huma-nas)” – (parênteses nossos) (GARCIA-ROZA, 1974, p. VII), o que proporcionou a construção de estruturas conceptuais para compreender e organizar fenôme-nos psicológicos e sociais num todo coerente através da relação simbiótica entre teoria e prática. Seu obje-tivo foi aprofundar e sistematizar aqueles conceitos utilizados pela psicologia de forma intuitiva e sem descrição rigorosa de sua natureza.

Realmente, ele buscou levar a psicologia e prin-cipalmente a psicologia social a um nível epistemo-lógico superior através do questionamento de seus conceitos, propondo uma nova maneira de olhar es-tes fenômenos sem isolá-los do entorno em que eles se apresentam.

A Psicologia não pode tentar explicar tudo por meio de uma simples construção, como associação, instinto ou gestalt. Tem que usar uma variedade de constru-ções. Entretanto, estas deveriam ser inter-relaciona-das de uma maneira logicamente precisa. Além disso, cada afi rmação teórica apresentada para explicar de-terminados dados empíricos deve ser cuidadosamente examinada, não somente à luz desses dados, mas à Luz da totalidade de dados empíricos e afi rmações teóricas da Psicologia. Em outras palavras, deve-se evitar teorias ad hoc. Reunir todo o campo da Psico-logia e fazer isso de maneira logicamente coerente pode bem ser considerado como um dos propósitos básicos da nossa abordagem (LEWIN, 1965, p. 10).

É bem nítida, pelo texto acima, a relação da Teo-ria de Campo com a “Teoria Geral dos Sistemas”, proposta por Bertalanffy (2009), quanto ao inter--relacionamento entre parte e todo, unidade e siste-mas. A semelhança se dá por conta de possuírem em

sua origem a psicologia da Gestalt,1 sendo este um dos pressupostos mais fundamentais nas duas teorias e hoje impregnando praticamente todas as ciências em nosso tempo, proporcionando uma visão muito mais aprofundada do que o paradigma mecanicista e linear utilizado anteriormente.

Lewin foi o precursor na utilização de conceitos da geometria, da química e da física, para explicar os fenômenos psicológicos e sociais de um modo mais preciso, buscando realizar previsões: “Nenhuma parte da psicologia ou de suas aplicações pode pro-gredir além dos limites bem defi nidos se não puder alcançar o nível no qual a “natureza psicológica” de um acontecimento é (seja) caracterizada pela cons-trução conceptual que o representa” (LEWIN, 1965, p. 42).

Ele esperava obter com isso o tratamento de as-pectos qualitativos e quantitativos dos fenômenos, a representação adequada dos atributos destes, a faci-litação das medidas e a generalização de leis univer-sais, objetivos de qualquer cientista.

Por meio de conceitos e representações geométri-cas adaptadas da topologia,2 ele procurou estabelecer a estrutura do “campo psicológico” de uma pessoa, a que chamou “espaço vital”, que se encontra repre-sentados por regiões (formas) em todos os objetos e aspectos que infl uenciam uma pessoa em determi-nado momento (LEWIN, 1973, p. 216-229).

Para trabalhar as transformações desse espaço, pois ele o considerava dinâmico, utilizou conceitos co-mo força, tensão, direção e velocidade de mudança, representando-os por vetores e valores, denominando este todo de “espaço hodológico”3 (hódos = cami-nho) (LEWIN, 1965, p. 30). Isso permitiu integrar os diversos fatores atuantes em determinado momento e o estudo da tensão, das forças e suas componentes, das locomoções (movimento da pessoa entre as re-giões) e da comunicação (infl uência) entre as regiões, e outros conceitos dinâmicos.

As afi rmações básicas de sua teoria são: (a) o comportamento deve ser derivado de uma totalidade de fatos coexistentes; (b) estes fatos coexistentes têm o caráter de um “campo dinâmico” enquanto o estado de qualquer parte destes sistemas depende de cada uma das outras partes do campo (LEWIN, 1965, p. 29).

Lewin atribui a Köhler a defi nição de “todo di-nâmico”, que traz aspectos de inter-relacionamento entre os fatos e da interdependência entre eles. Con-duz também a notar que o comportamento do indiví-

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duo é uma resultante desse campo de forças dinâmico, modifi cando-se pelas mudanças ocorridas em suas partes (LEWIN, 1965, p. 339).

Ele apresenta sua Teoria de Campo não como uma série de explicações teóricas sobre um fenô-meno ad hoc, mas “como um método de analisar relações causais e de criar construções científi cas” (1965, p. 51) e não apenas para classifi cação, mas considerar a qualidade das relações entre as partes.

Seu interesse recai nos aspectos dinâmicos dos acontecimentos, utilizando a perspectiva psicológi-ca, e não física, na representação das diversas partes que compõem o campo psicológico da pessoa ou o campo social do grupo.

Inicia o estudo de uma situação pela análise des-ta como um todo, evitando a visão reducionista da partição e estudo das partes que a compõem sem inter-relacioná-las. Isso traz consequências sobre a causalidade dos fenômenos, com certo abandono da concepção mecanicista e associacionista, que pro-curava estabelecer uma ligação linear entre duas va-riáveis, considerando o controle de todas as demais.

Gestaltista,4 Lewin trabalha sob o método feno-menológico, buscando explicações para os fenôme-nos na produção de todo o sistema no aqui e agora,5 aí incluídos os fatos históricos que tenham infl uência sobre o indivíduo ou grupo naquele momento, bem como expectativas sobre o futuro.

Lewin teve como preocupação máxima construir uma teoria que expressasse a situação do indivíduo ou do grupo no aqui e agora.

Para elaborar sua teoria em conformidade com a realidade do indivíduo, Lewin propôs alguns conceitos e os estendeu ao campo social, tendo seus discípulos continuado seu trabalho em virtude de seu faleci-mento prematuro, o que prejudicou certamente o pro-gresso das ciências sociais, pela perda do gênio.

Um dos conceitos básicos para o estudo do indi-víduo é a de campo psicológico ou espaço vital ou de vida, isto é, a totalidade dos fatos que determinam o comportamento do indivíduo em determinado mo-mento. Esses fatos, fenomenologicamente, devem ser percebidos pelo indivíduo e possuir lugar na estrutura e dinâmica deste. São a pessoa e o meio psicológico como este é percebido por ela. Logo, comportamento (C) é uma função da pessoa (P) e do meio (M): C = F (P,M) (LEWIN, 1965, p. 110).

A topologia da personalidade está estruturada em uma região representativa da pessoa (P) e outra

que a abarca, referente ao meio psicológico (M Psi), onde são representadas as variáveis que infl uenciam o indivíduo em determinado momento (Figura 1). Este meio é envolvido por outro, denominado não psicológico (M N Psi), isto é, a área de incidência das variáveis físicas, sociais e biológicas que não se encontram percebidas pelo indivíduo em determi-nado momento. Lewin considera que esta área, de-nominada “ecologia psicológica”, também deve ser objeto de estudo da psicologia, por conter elementos que podem se integrar ou infl uenciar o campo psi-cológico de imediato (LEWIN, 1973, p. 67). O espaço de vida poderá conter mais de um campo psi-cológico, como se verá na apresentação dos outros conceitos juntamente com os depoimentos.

Figura 1 – Espaço vital

Fonte: adaptado de Garcia-Roza, 1974, p. 180, 182.

A representação do espaço de vida, que diferen-cia pessoa e meio, propõe, dentro de uma visão sistê-mica, que a pessoa possua uma estrutura também diferenciada. Lewin representa a pessoa através de uma região percepto-motora e uma região interna, como na Figura 2 (GARCIA-ROZA, 1974, p. 88).

Figura 2 – Representação da pessoa como sistema

Fonte: adaptado de Lewin, 1973, p. 199.

M N Psi M PsiP

M Psi

RPM

Intrapessoal

Estímulos e Ações

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Como disse São Tomás de Aquino (2012), “Nada existe no intelecto que antes nos sentidos não tenha estado” (Nihil est in intellectu quod non fuerit prius in sensu). Lewin propôs a área “percepto-motora” para representar a infl uência do meio sobre a “região interna” do indivíduo, bem como para expressar as infl uências da região interna sobre o meio, seja esta física ou por meio da linguagem, gestos, expressões, etc. (GARCIA-ROZA, 1974, p. 184).

A região interna, subdivide-se em “área perifé-rica”, que possui um contato mais fácil com a região percepto-motora, e uma “área central”, que sofreria menos modifi cações pelo contato com esta. O grau de unidade da camada central é maior que o grau da unidade do todo, o que nos explica a constância de nossa personalidade (GARCIA-ROZA, 1974, p. 184).

Quanto mais central uma região, mais infl uência uma mudança nela ocorrida terá no todo. Isso pode ser verifi cado facilmente quando um indivíduo muda uma crença arraigada e isso pode afetar até mesmo sua personalidade como um todo.

Obediente a uma visão sistêmica, Lewin transpõe para o social, os conceitos elaborados para o cam-po psicológico. Para ele, o campo social é uma tota-lidade dinâmica, constituída por entidades sociais coexistentes, não necessariamente integradas, mas que possuem posições relativas ocupadas pelos dife-rentes elementos que a compõem. Esta gestalt é ir-redutível aos seus componentes coexistentes, o que leva a não poder ser defi nida por nenhum deles em separado (MAILHIOT, 1977, p. 54).

Ele transpõe o conceito de campo psicológico (espaço de vida) para um nível acima, o grupo. Lo-go, o campo social, que irá determinar o comporta-mento (C) do grupo, é função do grupo (G) e o meio (M) onde este se encontra: C=f(G,M) (GARCIA--ROZA, 1974, p. 160).

Estou convencido de que existe um espaço social dotado de todas as características essenciais de um espaço empírico real, merecedor de tanta atenção dos estudiosos de Geometria e Matemática quanto o espaço físico, embora não seja físico. A percepção do espaço social e a pesquisa experimental e conceptual da dinâmica e leis dos processos no espaço social são de importância fundamental, teórica e prática (LEWIN, 1970, p. 87).

Por seu falecimento precoce, Lewin não conse-guiu examinar em profundidade o campo social e es-

tendê-lo para o estudo das organizações, mas foi possível fazer inferências e paralelismos que auxilia-ram no entendimento dos fenômenos grupais e orga-nizacionais.

2 Análise do material coletado

Procurar-se-á, neste item, realizar uma exposição de alguns conceitos da teoria de campo e relacioná-los aos depoimentos e dados colhidos da instituição e das notícias da época, com a fi nalidade de demons-trar sua efetividade na explanação das transforma-ções individuais e grupais ocorridas pela atuação do consultor.

2.1 Transformações no campo psicológico

Com base em Lewin, pode-se afi rmar que a in-clusão de qualquer elemento em um campo obriga esse a se modifi car para receber este novo elemento, principalmente quando ele traz uma carga de infor-mação (energia) que pode provocar mudanças ainda maiores. A atuação de um consultor fi nanceiro para atender a inúmeros colaboradores, que se encontra-vam vivenciando problemas em seu controle orça-mentário, provoca modifi cações tanto na estrutura do campo psicológico dos indivíduos, particularmente dos que participam do programa de recuperação, co-mo se estende a outros grupos da organização que com eles interagem, podendo ainda gerar efeitos nos grupos extraorganizacionais, como a família e amigos.

Lewin estuda as mudanças estruturais a partir do desenvolvimento infantil, mas elas são válidas tanto para o campo psicológico, como para o social.

Tanto no campo da percepção como do pensamento ocorre uma mudança na totalidade das relações inter-nas. As formas que, no princípio, se apresentam como totalidades isoladas tornaram-se parte integrante de um todo unifi cado. As partes dependentes tornam-se independentes ou unidas a partes originalmente de-pendentes de outros todos, para formar novos todos. Em suma, a estrutura do campo, no que se refere ao seu agrupamento em todos, sofre uma transformação, usualmente de natureza abrupta (LEWIN, 1975, p. 194).

Separar-se-ão as transformações por tipos, exem-plifi cando com os depoimentos dos colaboradores.

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2.1.1 Diferenciação

Lewin considera que as transformações do cam-po podem se dar por diferenciação. Determinada região se divide em outras e assim sucessivamente, tornando-se mais complexa. Ele apresenta o exemplo da criança que, ao longo de seu desenvolvimento, vai diferenciando as regiões de seu campo psicológico, tornando-o mais abrangente inclusivo.

Da maior diferenciação, da maior profusão de níveis internos, deverá resultar, portanto, para uma dada pessoa, uma riqueza maior de formas de conceber e de observar, desde que outras forças não atuem anta-gonicamente. [...] um certo grau de diferenciação da pessoa facilitará a reestruturação do campo, neces-sária às introvisões intelectuais. De um modo geral, possibilitará uma maior riqueza de diferentes modos de comportamento (LEWIN, 1975, p. 230).

A diferenciação pode se dar tanto no campo psicológico como na região interna do indivíduo e, neste caso, as consequências desta modifi cação po-dem ser muito maiores do que a diferenciação em apenas uma região do campo psicológico.

Neste trabalho, foi possível observar um acrés-cimo no conhecimento sobre as técnicas de controle orçamentário familiar, proporcionados pelo progra-ma através das informações distribuídas pelos fascí-culos sobre fi nanças pessoais, pelo programa de desintoxicação fi nanceira realizado pela intranet da instituição, que recebeu signifi cativo número de acessos, e pelo envio de mensagens e dicas através dos contracheques dos funcionários.

Este tipo de ação provoca necessariamente maior diferenciação da região “dinheiro”, “contas a serem pagas”, “controle dos gastos”, “salário”, “or-çamento familiar”, “investimento” ou qualquer ou-tra denominação que cada pessoa tenha desta em seu campo psicológico, incluindo sua região intrapes-soal. Pode-se supor que isso tenha acontecido com outros que se encontrassem nessa mesma situação de tensão pelo descontrole fi nanceiro, como também tenha atingido aqueles que, embora não estivessem participando do programa, atentaram para as infor-mações divulgadas.

Além disso, em face da abordagem do consultor, que procurou trabalhar a relação da pessoa com o dinheiro, a diferenciação em suas crenças também trouxe mudanças signifi cativas em toda a vida do colaborador.

Um exemplo concreto foi o caso da Sra. H., que diretamente participou do trabalho do consultor fi nanceiro e que, pela maneira como ele atuava, não se atendo apenas às informações técnicas e sim à própria postura da pessoa frente ao dinheiro e ao su-cesso fi nanceiro, libertou o potencial que possuía e passou a ter uma vida mais tranquila não somente quanto à renda familiar, mas também pelo sentimen-to de autorrealização profi ssional.

A Sra. H., quando da época de escolha de sua profi ssão e formação, foi pressionada pela família para que se dedicasse à medicina, pois seria uma pro-fi ssão altamente rentável. Ela, no entanto, desejava ser assistente social e foi recriminada, pois seria (se-gundo seus pais) uma profi ssão de muito trabalho e nenhum retorno e que viveria com muitas difi culda-des fi nanceiras em sua vida. Ela, porém, fez como gostaria e teve uma vida sóbria até o momento em que realizou o trabalho com o consultor.

Durante os atendimentos, ela identifi cou que agia, mesmo inconscientemente, a favor de manter unidas as regiões de sua profi ssão e a do conceito de pobreza e verifi cou que assim agia confi rmando esta crença, que abraçou de seus pais, a quem muito considera. A partir deste momento, verifi cando que as duas regiões não precisariam necessariamente es-tar em uma mesma região, ela diferenciou em duas esta região e viveu uma mudança defi nitiva em seu campo, a qual provocou inúmeras transformações em sua vida, tanto na área fi nanceira quanto em sua satisfação pessoal, fruto da satisfação em fazer hoje o que sempre desejou e ter um retorno fi nanceiro satisfatório para si e para sua família.

Cabe lembrar que o estado emocional de uma pessoa conta não somente para ela mesma, mas co-mo aspecto qualitativo para todos do sistema profi s-sional ou familiar a que ela pertence.

Este fenômeno também se mostra na transfor-mação das antigas crenças ou na maior diferenciação delas, conforme se pode notar no depoimento do Sr. C.

E quando você começa a entender que mesmo as antigas crenças lhe propuseram algo de bom, sensa-ção ou sensações boas, você começa a entender que a luz do seu carro na estrada escura começa a acender (identifi cando desdobramentos, sub-regiões, parênte-ses nosso) e você levanta a cabeça, você quer cada vez mais enxergar a estrada que você tem que seguir e a luz aumenta, porque você começa a enxergar a pessoa maravilhosa que tem dentro de você.

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É interessante perceber a diferenciação aconte-cendo tanto no ambiente externo como na região interna à pessoa, fruto da interação entre ela e o con-sultor e entre ela e os demais que participaram dos workshops, abrindo ao indivíduo novas formas de percepção sobre seu problema ou suas crenças, am-pliando ainda mais seu campo e permitindo uma in-tegração de informações.

Embora não se tenha uma avaliação objetiva, é possível conjecturar, considerando o campo dinâmi-co social, o efeito desse tipo de mudança pessoal em outras pessoas da organização e na família desses profi ssionais.

2.1.2 Integração

Outra forma de mudança do campo proposta por Lewin (1965) é a integração.

Seria de se esperar que a diferenciação crescente da infância ao período adulto fosse num crescendo de diferenciações ao ponto de chegar a uma situa-ção caótica, em vista do número de regiões diferen-ciadas no campo psicológico. No entanto, isso não acontece, pois o campo vai se organizando, agrupan-do partes em uma única unidade. Determinadas re-giões fragmentadas acabam se compondo, formando todos indivisíveis, com características semelhantes. Esse fenômeno pode se dar em um curto espaço de tempo ou pela elaboração de classifi cação ou de regiões que abarcam uma sequência de objetos ou comportamentos. Lewin lhe atribui um cunho hierár-quico, discorrendo sobre objetivos ou necessidades macro que governam os subobjetivos ou necessida-des intermediárias integrantes. “Em outras palavras, uma unidade de comportamento mais amplo pode conter vários níveis hierárquicos, cada um dos quais é governado pelo nível imediatamente superior” (LEWIN, 1965, p. 114-116).

A integração não deve ser confundida com dedi-ferenciação, por integrar uma já ocorrida diferencia-ção, isto é, já aconteceu a diferenciação, e a integra-ção das partes em um nível superior se dá sem que haja uma desestruturação do campo e “homogenei-zação da conduta num sentido regressivo” (GARCIA--ROZA, 1974, p. 84), isto é, na direção contrária ao desenvolvimento da pessoa em seu processo de diferenciação e integração. No estudo da regressão, Lewin considera que a pessoa poderá, temporaria-

mente, sofrer um “decréscimo na variedade do com-portamento”, em momentos de tensão emocional, ocasionando uma constância maior do estado das partes e, consequentemente, um decréscimo da resis-tência das fronteiras. Em outras palavras,

Sob pressão emocional tanto o comportamento quanto a pessoa podem regredir a um nível mais primitivo. Nessas circunstâncias o indivíduo é realmente inca-paz de comportar-se num nível mais elevado. Con-tudo, mesmo nesse caso, a primitivização pode se limitar a uma situação particular, como “estar preso” ou “estar severamente frustrado”. Assim que a pessoa deixa essa situação particular pode voltar ao seu nível anterior (LEWIN, 1965, p. 111).

Como exemplo, pode-se apresentar uma pessoa passeando pelo campo, observando o céu, as árvo-res, o rio que corre, os animais, os pássaros etc. Em determinado momento, ouve o guizo e vê a cascavel próxima de seu pé. Imediatamente, todos os objetos existentes em seu campo psicológico se fundem para formar um fundo indissociável, uma região só, con-centrando sua atenção apenas na serpente ao seu la-do. Sua pessoa também sofre uma integração brutal, sendo dominante em seu pensamento a necessidade de sobrevivência. Verifi ca-se uma maior rigidez nesta situação e a difi culdade de identifi car as outras regiões.

O depoimento do Sr. C. ilustra bem isso: “Não percebi que precisara de ajuda e sim de um emprés-timo salvador. Aos poucos fi quei conhecendo, através de pessoas que tiveram a coragem de encarar suas di-fi culdades, o carma que enclausurara cada um deles.”

O do Sr. J. é ainda mais contundente: “Hoje con-sigo trabalhar com mais tranquilidade, o que não con-seguia nos últimos meses, pois meus pensamentos eram sempre voltados para os problemas fi nanceiros e não conseguia administrá-los, pois não comparti-lhava com ninguém, o que já consigo falar aberta-mente com a minha família.”

A Sra. R. também assim se revela: “A minha vi-da fi nanceira estava um caos, minha saúde cada dia pior, o meu emocional então nem se fala.”

Nessa fala confi rma-se a situação de estar preso a determinados tipos de comportamento e também a visão sistêmica de Lewin, para quem, o comporta-mento, e aqui se pode dizer sem medo de errar, os sentimentos, são derivados da totalidade de fatos exis-tentes.

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Este tipo de situação ocorreu com colaboradores que se encontravam em situação muito grave frente ao descontrole orçamentário. A região “contas a pa-gar” pode ter permanecido como preocupação prin-cipal, relegando a um plano secundário até mesmo necessidades primordiais, como se alimentar correta-mente ou realizar exercícios físicos. Pode mesmo ter levado alguns a integrar todos em regiões que se poderia denominar “irritantes”, pois estariam sem-pre a exigir uma postura do colaboradores frente a sua situação, região esta de valência negativa, da qual gostariam de se afastar ou pelo menos não se comunicar com elas, daí o afastamento dos fami-liares e amigos mais íntimos.

Ainda, a imersão do colaborador em descontrole fi nanceiro num ambiente em que, para ele, as pes-soas pareciam estar quites com suas contas, ocasio-nava um desequilíbrio entre o campo psicológico e o ambiente, gerando tensão pela busca de equilíbrio entre pessoa e meio. Esta tensão gerava forças no sentido de saldar suas dívidas (ou se locomover para a região “quitação total”), forças estas que podem levar a confl itos, como se verá.

Os workshops realizados pelo consultor fi nan-ceiro com os colaboradores permitiram que cada um integrasse em seu campo outras pessoas que pas-savam pela mesma situação. Esta ação trouxe como consequência o reconhecimento de que o ambiente, antes aparentando que todos os demais estivessem muito bem com suas fi nanças, o que gerava um de-sequilíbrio e tensão entre seu campo e o ambiente externo, se mostrasse agora com vários elementos em situações semelhantes, diminuindo a tensão e pro-porcionando uma melhor diferenciação do fundo e a avaliação dos prejuízos que a situação fi nanceira estaria causando em sua vida familiar e profi ssional.

O depoimento da Sra. R. auxilia a ver isso: “Quan-do cheguei eu estava me sentindo uma verdadeira derrotada, sem forças para lutar. Aprendi junto aos meus colegas de sala que não era somente eu que precisava de ajuda. Com as orientações, a troca de experiências, acertos e erros, passamos a ver que nós temos, sim, como vencer.”

E o da Sra. L. confi rma: “Os encontros promo-veram uma integração do grupo e possibilitaram a entrega e a confi ança necessária dos participantes, acreditando que o trabalho traria os resultados espe-rados”.

2.1.3 Reestruturação

A teoria de campo ainda propõe que transforma-ções podem se dar por “reestruturação”, isto é, mudanças no campo que mantém o número de sub--regiões inalterado. Pode ocorrer por mudança de posicionamento das partes ou por deslocamento da pessoa, podendo ser provocadas pelas valências das regiões. Pode ainda ser fruto de uma mudança em todo o campo e do aumento da plasticidade das bar-reiras entre as regiões (LEWIN, 1965, p. 282).

Lewin dá o exemplo da criança pequena que de-seja atingir um objetivo, mas é impedida por uma barreira (Figura 3A) até que um insight possibilita a ela a reestruturação da região que integra o ponto origem e o objetivo (Figura 3B).

Figura 3 – Representações do fenômeno da reestruturação

Fonte: adaptado de Lewin, 1965, p. 83, 84.

Utilizando o esquema representativo, pode-se es-quematizar o que aconteceu da seguinte maneira:

Figura 4 – Representação topológica do fenômeno

f (A, O)

BA

BA

B

APP

OO

f (A, O)

B

A

BA

BA

P OO

P O

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No momento A, a criança P tinha para si que de-veria, obrigatoriamente, enfrentar a barreira B para atingir seu objetivo O. A partir do insight, ela rees-trutura seu campo e constata que as áreas A e O são partes de uma mesma região.

Estes fenômenos ocorrem não somente em rela-ção a situações do mundo físico como apresentado, mas também no nível social e conceitual, onde deter-minadas pessoas parecem inacessíveis até que se descubram meios de chegar até elas e conhecê-las, verifi cando que elas podem pertencer ao mesmo campo em que nos encontramos.

A elaboração de determinados conceitos ou mo-dos de pensar, em virtude de crenças arraigadas e outras imposições internas ou até mesmo externas ao indivíduo, podem levá-lo a considerar impossível a conquista de determinado objetivo até que uma rees-truturação do campo lhe mostre caminhos alternativos.

Fato relevante que ilustra este ponto foi o caso da Sra. H. que contratou e supervisionou os serviços do consultor fi nanceiro. Logo após as primeiras pa-lestras de sensibilização e conscientização, a Sra. H. perguntou a alguns participantes se eles já estavam sa-bendo utilizar os recursos contábeis para o controle das fi nanças pessoais e fi cou sabendo que sobre isso nada havia sido dito nas palestras até aquele momento.

Ela, então, passou a assistir e participar dos en-contros para ver o que estava ocorrendo, pois acredi-tava que, para atingir o controle fi nanceiro as pessoas deveriam aprender técnicas de contabilidade.

Verifi cando que o consultor colocava como prio-ridade o fator afetivo de sua relação com o dinheiro e de como esta fora formada, a Sra. H. acabou cons-tatando que o caminho para o controle orçamentário dos colaboradores era diferente daquele que ela ima-ginava, e isso atingiu também sua vida, trazendo mo-difi cações signifi cativas em outras áreas (ver história de vida da Sra. H. anteriormente citada).

É interessante notar também o funcionamento de uma barreira neste ponto. Muitos dos colaboradores que participaram do programa também possuíam a mesma visão da Sra. H., por conta da barreira que interpõem entre assuntos ligados à matemática e as-suntos da área afetiva ou emocional. O consultor fi -nanceiro reconhece que é normal encontrar este tipo de crença nos trabalhos de consultores fi nanceiros, o que impede sua atuação em outros níveis que não o técnico-contábil, obtendo mudanças limitadas no cam-po psicológico daqueles que são atendidos.

Também alguns resultados seriam surpreendentes se não estivessem amparados pela Teoria de Campo, pois o depoimento do Sr. R. que inclui “desenvolver minha espiritualidade” ou “dedicação de tempo a uma instituição de caridade”, soa estranho vindo de alguém que recebeu orientação de um consultor fi -nanceiro, porém demonstra que modifi cações na região interna da pessoa podem atingir de modo per-manente todo o espaço de vida.

A Sra. V., que participou dos trabalhos mesmo sem estar endividada, mostra como a mudança em um campo, o da autoestima, pode afetar não só a re-gião interna, mas também o ambiente onde a pessoa vive: “Venho informar com satisfação que esse pro-grama foi de grande valia para a minha autoestima, o que me levou a acreditar na minha capacidade de vencer e ir ao encontro dos meus objetivos.”

Outro ponto, afi rma Lewin, é que quando a tensão é muito grande e a barreira passa a tr uma valência negativa aumentada, isto é, a impede de conseguir o que deseja. A tendência da criança, como no caso da Figura A, é que ela abandone o campo, isto é, pas-se a brincar com outra coisa que não envolva o obje-tivo desejado (LEWIN, 1965, p. 299).

Quando a tensão social ocasionada pelo desequi-líbrio entre o ambiente e o indivíduo é muito grande e ele não consegue seu intento de quitar as dívidas, é normal que acabe por desistir, abandonando o campo. O comportamento de retorno ao campo adotado pelo Sr. R. após ter atingido o objetivo da resolução de suas dívidas indica esta fuga do campo: “Intensifi quei o número de visitas semanais aos meus fi lhos [...]; eliminei o isolamento social, contatando os amigos e seus familiares, visitando-os quando convidado.”

2.1.4 Outros conceitos

Além das modalidades de transformação do cam-po, há que se ater num aspecto importante quanto à situação de confl ito, já tanto estudada em psicologia: aproximação-aproximação, aproximação-afastamento, afastamento-afastamento. Lewin (1965, p. 292) a trata utilizando o conceito de “valência”, mas a combina com as dimensões “realidade” e “irrealidade”.

Ele procurou distinguir esta propriedade do cam-po para diferenciar os diversos níveis em que o indi-víduo pode funcionar. A criança, na medida em que

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cresce, vai fazendo diferenciações entre a realidade/irrealidade, e este fenômeno continua a acontecer por toda a vida. Para ele, é possível representar as diferenças entre graus de realidade por dimensões adicionais do espaço vital do indivíduo, conforme Figura 6 (GARCIA-ROZA, 1974, p. 96).

Como afi rma Lewin (1975, p. 176), “A estrati-fi cação em níveis de maior ou menor grau de reali-dade é uma propriedade geral do meio psicológico da pessoa. O adulto refugia-se na irrealidade quando o nível de realidade se torna excessivamente tenso e desagradável” (LEWIN, 1975, p. 176).

Figura 5 – Representação dos diferentes grausde realidade e irrealidade

Fonte: adaptado de Lewin, 1973, p. 224.

Isso demonstra que, para Lewin, o confl ito não é resolvido apenas em termos de aproximação ou afastamento, mas deve-se levar em conta realidade e irrealidade para considerar a infl uência sobre o com-portamento do indivíduo.

Colaboradores que se encontravam vivenciando uma tensão maior neste ponto poderiam se refugiar em níveis de irrealidade por se imaginarem num fu-turo em que a dívida estaria quitada. Neste nível de irrealidade, as fronteiras são bem mais fl uidas, permi-tindo a difusão da tensão vivenciada (LEWIN, 1965, p. 17).

Este fato, porém, faz com que o endividado con-tinue este processo, principalmente porque

Uma divagação, uma vaga esperança, têm menos rea-lidade, em geral, do que uma ação; por vezes, uma ação tem mais realidade do que a fala; uma percep-

ção mais do que uma imagem; um distante “objetivo ideal” é menos real do que um “objetivo concreto” que determina a ação imediata de uma pessoa. A pró-pria ação pode se revestir de diferentes graus de reali-dade. Os processos relativos a fortes necessidades da pessoa e em que esta tem de superar fortes barreiras físicas ou sociais possuem, usualmente, um elevado grau de realidade (LEWIN, 1973, p. 219).

As exigências sociais, como a visibilidade pes-soal e profi ssional ou o atendimento de necessidades imediatas e de consumo, são objetivos concretos, mais reais e necessários a ser atingidos no aqui e agora do que o desejo de quitar suas dívidas, que poderá se dar no futuro. Isso conduz o endividado a não encarar sua situação e a não abdicar de parti-cipar de passeios ou outras atividades que seu grupo organiza e dos quais não deveria tomar parte, sendo empurrado cada vez mais para uma situação de des-controle de seu orçamento.

A fala da Sra. C. confi rma o fenômeno: “Para mim, este encontro foi o início da mudança interior. Minha autoestima melhorou muito. Antes, a fuga da realidade era constante. A partir deste encontro ini-ciou-se um processo de renovação.”

Como ela, muitos outros devem ter vivenciado este fenômeno. O estudo das mudanças no campo social também pode se benefi ciar da Teoria de Campo, tanto para sua representação como para pensar com previsão.

2.2 Transformações no campo social

Extrapolando, do campo psicológico para o social, como fez Lewin, tentar-se-á descrever a situação da instituição bancária com o fi to de identifi car a situa-ção em que ela se encontrava quando da contratação do consultor fi nanceiro.

A partir da estabilização ocorrida na década de 1990, no Brasil houve uma demanda por créditos e perda dos ganhos com a infl ação, o que obrigou os bancos a melhorarem seu nível de efi ciência e gerar novos produtos, a fi m de ampliar sua base de clien-tes e aumentar suas receitas em escala.

A instituição bancária em questão permaneceu pouco ativa frente a essas mudanças, o que conduziu a um défi cit no ano de 2002. Isso provocou um dese-quilíbrio entre o banco e o ambiente onde se encon-

P

P

P

I

R

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Banco

Central

Comitê

Auditor

Gerência

Auditoria

Interna

Assembleia

Geral

Conselho

Fiscal

Governo

(Estado)

Sindicato

Secretaria

Previdência

Complementar

Comissão

Val Mobil

Conselho

Monetário

Nacional

Conselho

Nacional

Seguro

PrivadoSuperintendência

Seguros Privados

(SUSEP)

Conselho Gestão

Previdência

Complementar

CA

Sociedades de

Crédito Imobiliário Bancos

Múltiplos

Bancos

Desenvolvimento

(tipo BNDES)

Bancos

Comerciais

Estatais

Caixa

EconômicaBancos

Comerciais

PrivadosInstituições

Financeiras Fomento

Sociedades

Corretoras Títulos

Val Mobil

Sociedades

Financeiras CA

Gerência de Marketing e

Comunicação Institucional

Assessoria

de Imprensa

e Comunicação

Gerência

de Planejamento

Secretaria

Executiva Diretor Técnico InfoDiretor Comercial

Diretoria

Riscos Controle

Diretoria Relações

Investimentos

e Finanças

Diretoria Jurídica

e Administrativa

Diretoria Administrativa

Gestão Recursos

de Terceiros

CAPresidência

Colegiado

da Diretoria

tra (sistema fi nanceiro nacional), gerando tensão no campo e forças que tentavam retornar à situação de equilíbrio.

O principal acionista, o Estado, sentindo-se pres-sionado por essas forças, decidiu privatizar o banco. É possível notar que a tensão deveria estar muito alta, pois se pode inferir que a decisão buscou certa fuga do campo, por não ver solução para a diminuição do desequilíbrio. Essa decisão, bem como a fragilidade das fronteiras causada pela tensão, gerou modifi cações em todo o campo do banco.

De reconhecida reputação entre a população do Estado, movimentos foram realizados no intuito de impedir a privatização, principalmente pelo sindicato e funcionários do banco. Estes movimentos, prova-velmente, serviram para unir mais ainda os integran-tes do banco frente à ameaça da privatização, o que acarretaria certamente muitas demissões e a desarti-culação de uma instituição que poderia contribuir sobremaneira para o desenvolvimento do Estado.

Passando por um período eleitoral, o novo go-vernador se comprometeu com a não privatização, se o banco demonstrasse ser capaz de se recuperar e de apresentar-se como suporte de valor para o desen-volvimento do Estado.

O banco iniciou então um programa de recupe-ração, com redução de custos, racionalização de des-pesas, estabelecimento de parcerias com empregados, prefeituras, empresários e clientes, incremento dos fi nanciamentos agrícolas, instalação de postos de aten-dimento, incremento na automação dos processos e aumento na oferta de produtos para todas as classes e conseguiu sair da situação negativa em sua lucrati-vidade.

No ano seguinte, ano em que o consultor foi contratado, consolidou suas receitas positivas, apre-sentando lucratividade pouco acima da que auferira no ano anterior. Pode-se considerar que todos os inte-grantes estavam motivados pela recuperação da ins-tituição, justifi cando o clima de apoio recebido pelo consultor para o desenvolvimento de seu programa.

Utilizando sumariamente as informações do orga-nograma do banco, mais sua situação no ambiente externo (nacional e estadual) procurar-se-á apresen-tar sucintamente os movimentos ocorridos no banco nesse período. Será tomado como base para análise o Conselho de Administração (CA), por ser o mais alto nível decisório e possuir contato direto com as entidades externas à instituição, além de nos propor-

cionar a identifi cação de alguns conceitos elaborados por Lewin.

Procurou-se padronizar a estrutura dos campos, considerando o lado direito como a parte mais interna, isto é, mais próxima do Conselho de Administração; a área mais à esquerda foi reservada aos órgãos que não possuem ligação direta com ele e estabelecem ou orientam a comunicação com o meio externo, como a assessoria de imprensa ou gerência de marketing.

Figura 6 – Representação das situações transvariantespara o Conselho de Administração (CA)

Nível Sistema Financeiro Nacional

Nível Normativo e de Supervisão

Nível Interno à Instituição

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O primeiro conceito de Lewin, que se pode observar pela Figura 6 transposto para o nível social, é o de “situação transvariante”, onde o espaço de vi-da pode ser composto por campos psicológicos que se sobrepõem. Como exemplo, apresenta o caso do aluno que na sala de aula pensa nas férias que se aproximam e fi ca envolvido, ao mesmo tempo, em duas situações. Estas situações demandam a ação com-plexa de encontrar a resultante das forças destes cam-pos e seu o ponto de equilíbrio (LEWIN, 1965, p. 302).

No caso que se apresenta, tomou-se o Conselho de Administração como foco de análise e levantou-se sumariamente o que ele vivencia quase todo o tem-po: três principais situações transvariantes, uma em nível interno, outra no de normatização e supervisão e outra no campo do sistema fi nanceiro nacional.

Nota-se aqui a complexidade com que têm que lidar indivíduos que se encontram em cargos de ge-rência superior, pois decisões tomadas no nível interno podem repercutir nos outros níveis. Como o comportamento do conselho, segundo Lewin, é a re-sultante das tensões e forças em ação, fruto dos fatos coexistentes nos três campos sociais acima expostos, uma atitude interna, por exemplo, poderá ocasionar problemas questionados pelo sindicato, levando até à interferência do Banco Central e das auditorias, repercutindo na imagem do banco e de seu Conselho em âmbito nacional, com queda no valor de suas ações. A interdependência entre as situações exige dos executivos uma visão tanto sistêmica, para enten-der os efeitos da inter-relação entre todas as regiões, como uma apurada visão holística, que trabalhe com a resultante do campo de forças.

A tentativa de privatização do banco, quando defi -citário, gerou tensão no nível intermediário, que re-percutiu tanto no sindicato quanto no nível interno. Como visto, a existência de tensão no sistema acarreta maior fl exibilidade e permeabilidade das fronteiras, o que, no caso, incrementou o acontecimento de outros dois fenômenos explicitados por Lewin: a comuni-cação e a locomoção.

Relembrando, a comunicação ocorre quando uma região consegue mudar o estado interno da ou-tra, sem que haja a integração das regiões em uma. A indução da luta pela não privatização exemplifi ca o fenômeno. Provavelmente a mudança na região do sindicato, por reação à tensão e decisão de privatiza-ção, gerou comunicação com vários outros setores (regiões) e foi o estopim do movimento.

Pode-se considerar que a luta dos colaboradores e do sindicato pela não privatização gerou uma região que se poderia indicar pelo nome “banco estatal”, cuja valência seria, no momento, muito alta, para onde se locomoveriam todos que defendessem esta situação.

Simplifi cando, se fosse o caso de representar as regiões para as quais as pessoas teriam de se locomo-ver naquele momento, elas poderiam ser resumidas em duas regiões principais, os favoráveis à privati-zação e a favor do governo, pertencentes à região “banco privado”, e os desfavoráveis à privatização e contra o governo, que se locomoveram para a região “banco estatal”, demonstrando a cisão que certamen-te ocorreu.

Esta cisão gerou certamente desequilíbrio no campo psicológico de cada colaborador e tensão em face do posicionamento que cada um teve de tomar no ambiente onde se encontrava.

Ficou claro, como demonstrava Lewin, que fatos coexistentes realmente têm o caráter de um “campo dinâmico” e que o estado de qualquer parte deste sis-tema depende de cada uma das outras partes do cam-po, sejam elas pessoas, grupos ou mesmo organizações.

A intervenção do consultor fi nanceiro e os ní-veis que as inúmeras atividades executadas podem ter atingido são de difícil avaliação pelo período de tempo transcorrido, porém há que se ressaltar que a referida instituição fi nanceira conseguiu resolver o problema pelo qual passava com seus colaboradores, o que fi cou patente pelo sucesso do programa e pelo grande avanço no terceiro ano de receitas positivas. Nesse ano, obteve um lucro líquido signifi cativamente maior, da ordem de mais de 80% em relação ao ano anterior. Embora a consultoria tenha caminhado jun-tamente com outras ações implementadas pelo banco, pode-se considerar que a intervenção do consultor fi -nanceiro teve sua participação neste montante.

3 Discussão

Assim como da anamnese adequada depende o sucesso do tratamento, um consultor não deveria apre-sentar opções a uma organização sem antes realizar um diagnóstico competente.

Lewin (apud MAILHIOT, 1974, p. 45-61) apre-senta a “pesquisa-ação”, como uma forma de fazer ciência, em que o pesquisador não mais observa de forma isenta e sim faz parte do campo do objeto pes-

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quisado, seja ele pessoal (psicológico) ou social. Lo-go, sua ação é uma “ação social”, pois os fenômenos só podem ser conhecidos do interior, percebendo-os como gestalt, descobrindo sua dinâmica essencial.

O modelo da pesquisa-ação compõe-se de quatro fases: a coleta de dados, o diagnóstico, a ação e a pos-terior avaliação (MOSCOVICI, 2001, p. 161). Esta última proporciona uma correção de rumos, dando início a um novo ciclo.

Existem inúmeras maneiras de coletar dados para a confecção de um diagnóstico organizacional, grupal ou individual: inventários, questionários, entrevistas, observação de processos, dados de desempenho, gru-pos focais, surveys, etc.

Após a coleta dos dados, o consultor, agente de mudança, realiza um diagnóstico preliminar a ser apresentado à gerência e passa a elaborar um plane-jamento em conjunto com esta, de modo a adequar as ações às necessidades da organização (BOWDITCH, 1992).

Pela apresentação realizada, verifi ca-se que a utilização das representações do espaço topológico e hodológico propostos por Lewin possibilitam nesta fase obter uma visão mais completa da estrutura da organização, com seus grupos e personagens, bem como da dinâmica destes agentes do sistema organi-zacional.

Foram empregadas neste trabalho representações mínimas da Teoria de Campo e seus conceitos mais gerais, relacionando-se com dados dos depoimentos de colaboradores e do site da instituição, com a fi na-lidade de atingir o objetivo de exemplifi car e demons-trar tanto a validade da Teoria de Campo quanto sua utilidade na realização de um diagnóstico mais apro-fundado da situação.

As representações permitiram obter uma visão holística e sistêmica de todo o conjunto da organiza-ção, possibilitando analisar a dinâmica das resultan-tes da forças dos níveis ambiental e organizacional que infl uenciaram os níveis grupal e individual, bem como ir das infl uências do sistema pessoa nos gru-pos e organização que o integra, mostrando o contá-gio no ambiente em que eles se encontram.

Com o aprendizado e a utilização extensa desta ferramenta, seria possível a realização de diagnósticos muito mais precisos e que iriam além das simples fronteiras dos setores e departamentos da organiza-ção, descobrindo, subjacente à sua estrutura física e departamental, um oceano de afetividade, com suas

valências, tensões, barreiras, forças de aproximação e afastamento, etc., que necessitam ser mapeadas e analisadas segundo o nível de atuação do consultor.

Esse mapeamento possibilitaria ao consultor, as-sim como a anamnese bem realizada ao médico, a construção de estratégias de ação adaptadas a cada indivíduo, grupo ou organização, atendendo-os de forma customizada, visando sempre à inter-relação ente o desenvolvimento das pessoas e a melhoria dos processos.

Ele também pode ser empregado durante todo o processo de consultoria, tanto para verifi car progres-sos como para implantar modifi cações no sistema que o direcione para os objetivos e metas combinados.

Hoje, diversos recursos vêm sendo apresentados para atender às necessidades de estudo ou mapea-mento de processos. Um deles, o mapa mental, criado por Buzan6 (1993), não deixa de ter certo paralelo com as representações propostas por Lewin na década de 1930, atingindo fi ns parecidos, porém diferenciado quanto ao uso da fundamentação fenomenológica de Lewin, isto é, ele se preocupava constantemente com o aqui e agora.

Por último, encarando a contratação da interven-ção de consultoria como uma mudança a ocorrer na organização, pode-se citar a proposta de Lewin para lidar com ela por meio da “Análise de Campo de Forças” (MOSCOVICI, 2007, p. 161), técnica que, em harmonia com a representação dos campos psi-cológicos dos colaboradores e social dos grupos e organização, comporia um artifício poderoso para a leitura dos macro e microssistemas existentes.

Considerações finais

O presente trabalho teve como objetivo, por meio de um estudo de caso, realizar uma averigua-ção da validade da Teoria de Campo elaborada por Kurt Lewin para representação e estruturação con-ceitual de diversos fenômenos da psicologia e da dinâ-mica dos grupos e inferir sobre sua aplicabilidade para a avaliação de uma organização e seus componentes e a produção de um diagnóstico mais preciso ante-rior a uma intervenção.

Utilizando a estratégia de apresentar os concei-tos da teoria concomitantemente a suas evidências empíricas no ambiente escolhido, como fazia Lewin, foi possível unir novamente teoria e prática e retirar

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as conclusões desejadas sobre a relevância dessa teo-ria para o trabalho dos consultores de empresas.

Não bastam discursos sobre visão holística e sistêmica sem o emprego de técnicas e estratégias que permitam obter este tipo de olhar. Lewin, pode--se dizer com base em sua produção, foi, em sua vida, este olhar, abrindo um caminho que permite transitar do macroespaço do ambiente ao microespaço de ca-da equipe e colaborador.

Trabalho árduo integrar a si este conhecimento, mas, com certeza, ganhos e crescimento incomensu-ráveis a cada consultor que se propuser a entendê-lo e aplicá-lo, pois só com estudo e prática, teoria e “mão na massa”, é possível realizar um trabalho ao mesmo tempo fundamentado e condizente com a realidade das pessoas e grupos, obedecendo à máxima do pró-prio Lewin: “nada mais prático que uma boa teoria”.

Referências

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BERTALANFFY, L. V. Teoria geral dos sistemas. Petrópolis: Vozes, 2009.

BOWDITCH, J. L.; BUONO, A. F. Elementos de comportamento organizacional. Trad. José Henrique Lamendorf. São Paulo: Pionei-ra, 1992.

BUZAN, T. The mind map book: how to use radiant thinking to maximize your brain’s untapped potential. Lond on: BBC Books, 1993.

GARCIA-ROSA, L. A. Psicologia estrutural em Kurt Lewin. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1974.

LEWIN, K. Teoria de campo em ciência social. Trad. Carolina Martuscelli Bori. São Paulo: Pioneira, 1965.

______. Problemas de dinâmica de grupo. Trad. José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1970.

______. Princípios de psicologia topológica. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix, 1973.

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MAILHIOT, G. B. Dinâmica e gênese dos grupos. São Paulo: Duas Cidades, 1977.

MOSCOVICI, F. Equipes dão certo: a multiplicação do talento humano. Colaboração de Ataliba Vianna Crespo, Fátima Gonçalves Castello e Gercina Alves de Oliveira. 6. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001.

______. Desenvolvimento interpessoal: treinamento em grupo. 16. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007.

Notas

1 Gestalt. Teoria que considera os fenômenos psicológicos como totalidades organizadas, indivisíveis, articulados, isto é, como confi gurações (Houaiss).

2 Topologia. Estudo das propriedades geométricas de um corpo, que não sejam alteradas por uma deformação contínua (Houaiss).

3 Hodológicos. Relativo a hodografi a. Descrição das vias, dos ca-minhos, das estradas. Fis. O que se obtém utilizando as compo-nentes da velocidade ao longo das coordenadas como variáveis independentes (diz-se de curva) (Houaiss).

4 Adepto do gestaltismo. Teoria psicológica que considera os fenô-menos como conjuntos e constitutivos de unidades autônomas, dotadas de solidariedade interna e de leis próprias, teoria da forma (Houaiss).

5 Aqui e agora. Estar em contato com o momento presente e aprender a conceituar a partir da sua experiência pessoal.

6 Anthony Peter Buzan é um escritor inglês responsável pela siste-matização dos mapas mentais.