gestão cultural no território

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Colecção PÚBLICOS Nº 4 Gestão Cultural do Território Coordenação: José Portugal e Susana Marques Edição financiada pela Medida 4.2. Desenvolvimento e Modernização das Estruturas e Serviços de Apoio ao Emprego e Formação; Tipologia 4.2.2. Desenvolvimento de Estudos e Recursos Didácticos

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Colecção PÚBLICOS Nº 4

Gestão Culturaldo TerritórioCoordenação: José Portugal e Susana Marques

Edição financiada pela Medida 4.2. Desenvolvimento e Modernização das Estruturas e Serviçosde Apoio ao Emprego e Formação; Tipologia 4.2.2. Desenvolvimento de Estudos e RecursosDidácticos

005 Prefácio

João Teixeira Lopes

009 Introdução

José Portugal e Susana Marques

CAPÍTULO I

A Gestão Cultural do Território

015 1. Cultura, Desarrollo y Territorio en la Economía de la Experiencia

Roberto Gómez de la Iglesia

028 2. Ordenamento Cultural de um Território

Luiz Oosterbeek

039 3. Porto 1990 - 2001: onze anos na gestão político-cultural de um município

Manuela Melo

CAPÍTULO II

Os Novos Territórios da Cultura

051 1. As indústrias Culturais e criativas: novos desafios para as políticas municipais

Elisa Pérez Babo e Pedro Costa

088 2. Culturas – Novas – Geografias – Novas – Culturas – Geografias...

João Sarmento e Ana F. Azevedo

 

CAPÍTULO III

Redes: Novas Geografias da Cultura?

097 1. Teatro Municipal de Bragança: o palco das artes e a nova forma de estar de um

público emergente

Helena Genésio

101 2. Times are changing

Vítor Nogueira

104 3. Corpos Culturais

Paulo Brandão

107 4. Teatro Municipal de Faro, um teatro a sul

Anabela Afonso

113 Bibliografia recomendada

114 Sites de interesse

115 Lista de chamadas da obra

ÍNDICE

Públicos são comunidades de estranhos, efémeras e contigentes, que se formam pela

convocatória de um discurso e pela apropriação reflexiva de sentido. Comunidades que, no

entanto, apesar de pouco cristalizadas, assentam na possibilidade de acrescentar mundos aos

mundos da vida.

Públicos são os espaços de livre acesso, nós de articulação das cidades fragmentadas, onde

não existe, de antemão, um percurso predefinido, uma realidade preexistente ou um sentido

único. Lugares onde vemos e somos vistos, estranhos que somos, nós no lugar do Outro, o

estranho do estranho.

Públicos são os conteúdos destes volumes, de distribuição gratuita, onde se abordam temáticas,

associadas ao desenvolvimento imaterial e simbólico e aos chamados sectores criativos das

sociedades modernas: Leitura(s), Serviços Educativos na Cultura, Exposições, Gestão Cultural

do Território e Comunicação de Ciência.

Três pressupostos essenciais presidiram à organização desta colecção: em primeiro lugar, a

qualidade dos textos, solidamente ancorada na experiência e conhecimento dos autores. Em

segundo lugar, a pluralidade de pontos de vista, longe de uma escrita e pensamento únicos,

enquanto estímulo à diversidade de leituras e ao jogo de cruzamentos que o leitor poderá

accionar: complementaridades, conflitos, sínteses, bricolagem de conteúdos… Em terceiro

lugar, finalmente, o equilíbrio entre a actualidade e o rigor dos conteúdos e a clareza na sua

apropriação, capaz de propiciar, assim o pensamos, um alargamento dos públicos potenciais

desta colecção. Ela dirige-se, na verdade, aos especialistas das diferentes áreas, mas, também,

aos chamados «novos intermediários culturais», aqueles e aquelas que lidam com a produção,

difusão e manuseamento da informação e do conhecimento.

O valor simbólico das sociedades actuais está à vista de todos. Importa, por isso, desenvolver

lógicas de cidadania activa, o que requer uma franca, plural e permanente actualização de

repertórios. Ditas de risco, as nossas sociedades são também reflexivas, já que, cada vez mais,

os nossos comportamentos incorporam capital informacional.

PREFÁCIOJoão Teixeira Lopes

005

Urge, ainda, que sejam sociedades críticas e exigentes, que tenhamos consciência não só dos

limites e constrangimentos (as portas que se fecham), mas também das possibilidades de

mudança (as janelas que se abrem) nos profissionalismos da inovação e da criatividade.

João Teixeira Lopes é sociólogo. Professor Associado com Agregação do curso de Sociologia da Faculdade de Letras da

Universidade do Porto e coordenador do Instituto de Sociologia, unidade de I&D da Fundação de Ciência e Tecnologia.

Mestre em ciências sociais pelo Instituto de Ciências Sociais da Universida de Lisboa e Doutorado em Sociologia da

Cultura e da Educação com a Dissertação – A Cidade e a Cultura – Um Estudo sobre Práticas Culturais Urbanas (Porto,

Edições Afrontamento, 2000).

Membro efectivo do Observatório das Actividades Culturais entre 1996 e 1998 e seu actual colaborador. Foi programador

de Porto Capital Europeia da Cultura 2001, assessor do Presidente da Câmara de Matosinhos para os assuntos sócioculturais

(2000-01), fez parte de equipas de estudo e avaliador de projectos.

Escreveu, entre 1996 e 2007, dez livros, quatro dos quais em co-autoria, e co-organizou outros dois.

006

007

008

Novos territórios que questionam visões tradicionais da cultura

A Gestão Cultural é determinada pelos diferentes territórios em que a acção cultural se leva

à prática: um equipamento cultural, um departamento de cultura de um município, uma

associação, uma fundação, uma cidade, um território nas suas múltiplas escalas. Tem de estar

disponível para escutar e interagir com a diversidade e a evolução dos fenómenos sociais,

sejam eles de natureza estritamente cultural, de natureza económica, política, sociológica ou

outra.

1. É seguro que uma dessas alterações ocorre nos territórios culturais que não são já definidos

apenas por fronteiras geográficas ou administrativas nem correspondem sequer a comunidades

de identidade baseadas na Tradição e na História; integram progressivamente grupos sociais

com percursos culturais diversos, desde os que mergulham as suas raízes nas origens rurais,

até às populações imigradas, de vivência mais recente no território, que não se identificam

com a memória colectiva tradicional. Os territórios urbanos são hoje baseados na diferença

e não nas identidades. Nas culturas urbanas não se partilham culturas, histórias comuns; o

que se partilha é o futuro, são os projectos. E é assim que comunidades reconhecidas e apoiadas

em discursos de construção de identidades dão lugar, cada vez mais, a comunidades de destino,

que as levam a buscar relações com o exterior e a construir itinerários e redes com base em

afinidades de vária ordem.

2. O conjunto de textos que se seguem permite combater uma concepção dual de cultura

associada aos territórios porque se convencionou que os territórios da criatividade e da inovação

são apanágio da cidade e que o espaço rural é comummente referenciado como o repositório

do património e da tradição, transformado numa imensa área de serviços de lazer, esquecendo-

-nos de que sem protagonistas, as culturas locais se manipularão como um produto. E esse

é o risco da “folclorização cultural”, expressão suprema da desigualdade, isto é, do

subdesenvolvimento.

3. Estes territórios são também os do público e do privado. Uma política cultural pública deverá

definir contornos precisos sobre domínios e responsabilidades de intervenção dos vários actores

INTRODUÇÃOJosé Portugal e Susana Marques

009

010

culturais (autarquias, administração pública sectorial, agentes privados e do terceiro sector),

imprimindo progressivamente coerência e coordenação das acções sem cair, no entanto, numa

municipalização e estatização da cultura que possa secar outras iniciativas ou até ofender o

pluralismo das formas de expressão e das práticas culturais.

Isto exige um novo entendimento do serviço público, alicerçado numa estratégia para o território

amplamente reflectida e debatida, cabendo ao Estado um papel de facilitador, regulador e

avaliador das iniciativas dos agentes culturais e, desejavelmente, cada vez menos o de agente

único, promotor, programador, produtor cultural, ao nível local.

4. É imperioso pôr em prática políticas culturais que correspondam a um estádio superior de

desenvolvimento da sociedade que se rejam por princípios de subsidiariedade, com cidadãos

mais informados, exigentes e participativos e que atendam à necessidade crescente de atenção

às franjas mais frágeis e desintegradas da sociedade (comunidades imigradas, populações

isoladas, cidadãos doentes, idosos, etc.)

Eduard Miralles01, que foi director do Centro de Estudos e Recursos Culturais da Diputació de

Barcelona, defende que é urgente uma nova geração de políticas activas para a cultura, que

superem a tradicional dimensão descendente da difusão cultural e as suas estratégias de

proximidade, que contemplem quatro dinâmicas complementares: i) uma dinâmica descendente,

democratizadora, de proximidade; ii) uma dinâmica ascendente, comunitária; iii) uma dinâmica

transversal (que fomente as relações entre a política cultural e os outros sectores e ainda com

as políticas de desenvolvimento do território); iv) uma dinâmica de tipo horizontal que favoreça

a criação da cidadania organizada como a dimensão fundamental das políticas públicas da

cultura.

O que aqui propomos ao leitor é, assim, uma viagem por um dos caminhos que é a Gestão

Cultural dos Territórios, na perspectiva do desenvolvimento, ordenamento, do fazer política,

gerir e programar equipamentos e perspectivar soluções futuras para a criatividade nesses

territórios. Oferecemos visões de pensadores, políticos, técnicos, gestores, programadores

que nestes últimos anos contribuíram para a construção de algumas das paisagens culturais

nacionais e transnacionais.

Com um leque variado de autores, temas e experiências organizamos esta publicação em três

capítulos. O primeiro – A Gestão Cultural do Território – propõe-nos três visões distintas, mas

complementares da prática da gestão cultural enquanto ferramenta fundamental e imprescindível

para a boa gestão de valores, recursos, da envolvente, das experiências e da mudança; onde

011

os cidadãos mais do que públicos devem ser incorporados como actores nos processos de

gestão, de fazer cidade, de construir território.

O segundo capítulo dedicámo-lo à inovação, palavra muito em voga nos dias de hoje, aqui

entendida como o que de novo e desafiante se espera para o panorama nacional e local da

cultura. Se o artigo “As cidades criativas e a gestão cultural do território” enquadra, perspectiva

e orienta a acção dos municípios no quadro das componentes da criatividade que ultrapassam

as definições convencionais do conceito de cultura, já o segundo artigo conduz o leitor ao

exercício crítico, à reflexão sobre a definição de territórios de cultura e o uso dessa definição

na construção dos lugares de cultura, mas também ao questionamento dos lugares culturais

de cada sujeito; é pois uma viagem textual e criativa, conduzida por geógrafos em Culturas -

Novas - Geografias - Novas - Culturas - Geografias…

E por fim os Teatros, o testemunho de quem programa, gere e se preocupa em inscrever no

mapa nacional o seu equipamento cultural. Fechamos esta publicação com uma pergunta,

Redes: Novas Geografias da Cultura?

Uma década após o lançamento de um programa nacional descentralizador que visava criar

uma Rede Nacional de Cineteatros é possível recolher resultados. Estes equipamentos assumem

hoje uma importância central nas cidades, não só pelo protagonismo que vão conquistando

como também pelo desafio que trazem aos actuais e futuros políticos e gestores culturais de

território. Sendo peças centrais na estratégia cultural municipal, posicionam-se competitivamente

em relação a outros equipamentos, absorvem investimentos locais consideráveis e reclamam

uma intervenção mais presente do estado central.

Mas a pergunta é também, até que ponto, estes novos equipamentos não reconfiguraram um

novo mapa nacional e portanto uma nova geografia cultural; os testemunhos dos programadores

deixam pistas para essa reflexão.

E antes de acabar temos sugestões de leitura e de pesquisa na Internet, estas últimas centradas

nos planos estratégicos para a cultura em territórios internacionais.

E a quem se dirige esta publicação?

Pois bem, a todos os profissionais do sector cultural (e aos que ambicionam vir a ser) que

detêm funções neste vasto campo que é a gestão cultural de um território e aos que planeiam

e decidem politicamente.

Quando a Setepés se propôs realizar esta publicação, o tema remetia para a Gestão Cultural,

disciplina bastante praticada e já suficientemente estudada em graduações superiores. A

reflexão levou-nos a focar no tema do TERRITÓRIO, não só pela actualidade e pertinência da

palavra no quadro estratégico nacional, mas também pela necessidade de nos distanciarmos

012

do mundo das organizações culturais e focarmo-nos no vasto terreno onde elas se inscrevem

e interagem.

José Portugal. Licenciado em Antropologia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de

Lisboa, com Pós-Graduação em Gestão e Políticas Culturais pela Universidade de Barcelona.

Pertence, desde 2001, aos quadros da Quaternaire Portugal, empresa em que é consultor, onde tem participado e

coordenado vários Estudos e Planos nos domínios do desenvolvimento regional e da cultura.

Até 2001 foi técnico superior da Comissão de Coordenação da Região do Norte, no âmbito da Divisão dos Sectores Sociais

– Direcção Regional de Planeamento e Desenvolvimento, onde desempenhou o cargo de Chefe de Divisão de 1997 a 2001.

Foi Director Executivo do CRAT – Centro Regional de Artes Tradicionais, no Porto, de 1987 a 2000.

Susana Marques. Licenciada em Gestão do Património. Directora da Setepés desde 1998 com funções de administração

da empresa e de concepção, programação e coordenação de projectos culturais. Foi docente regular do Ensino Superior

Artístico entre 2001 e 2006 na área da Gestão da Cultura.

013

CAPÍTULO I

A GESTÃOCULTURALDO TERRITÓRIO

1. CULTURA, DESARROLLO Y TERRITORIO EN LA ECONOMÍA DE LA

EXPERIENCIA

Roberto Gómez de la Iglesia

“En un mundo tan cambiante como impredecible,

sólo ganan quienes están dispuestos a reescribir,

periódicamente, las reglas de su organización y de su sector”.

Gary Hamel, en “El imperativo de innovar”

Tiempos de cambio. ¡Ya es hora de romper la ortodoxia!

El mundo cultural es amplio y diverso, cada vez más. Sin embargo parece sufrir, casi de manera

estructural, una cierta parálisis que le lleva, también en el ámbito de la gestión cultural, a

guiarse por estereotipos y prejuicios fruto del modo de actuar en las últimas décadas, en

muchas ocasiones condicionado a la lógica reacción ante tiempos previos carentes de libertad.

015

Pero, curiosamente, este proceso ha ido acompañado por la definición de grandes objetivos

sociales pero con resultados hoy necesariamente discutibles; de un lenguaje progresista y

unos comportamientos de las organizaciones culturales muy conservadores; un deseo de

desarrollar e impulsar la sociedad civil y una cada vez mayor presencia del Estado; una

permanente reivindicación de un espacio profesional propio del gestor cultural y una insuficiente

consolidación del corpus teórico-conceptual y metodológico...

La sociedad española, y sin duda también la portuguesa, ha cambiado mucho durante los

últimos 30 años, y sigue cambiando a gran velocidad, y sin embargo quienes mantienen la

ortodoxia de la Gestión Cultural se resisten a cuestionar los dogmas creados en un contexto

que ya no existe.

Vivimos en un constante movimiento, en una crisis perpetua, y es que tenía razón mi tocayo

Zimmerman (Bob Dylan) cuando decía que los tiempos están cambiando. ¡sí, a gran velocidad!

Pensar que todas las cosas, en realidad, continúan igual, es un comportamiento miope y

autocomplaciente que nos lleva al fracaso. Y en la gestión cultural hablamos de cambio, pero

nos cuesta cambiar; hablamos de progreso pero a menudo nos aferramos a nuestras sillas

(sin necesitar ser poltronas); hablamos de transformación y cada vez tenemos más mausoleos

y “templos culturales” que conservar inamovibles.

Los roles que tradicionalmente han jugado las diferentes instituciones y agentes, los empleos,

las habilidades necesarias, la forma de hacer las cosas, las ideas y valores, las estrategias,

las aspiraciones y esperanzas de las personas, los miedos y preocupaciones, han cambiado.

Y siguen cambiando a marchas forzadas, como nos recuerdan Nordström y Riddestrale.

Queramos o no, el cambio nos obliga a cambiar. Pero en vez ser reactivos ¿por qué no ser

proactivos? ¿por qué no anticiparnos al futuro y construirlo? Porque las bases de la intervención

cultural, fruto del despertar democrático de nuestros países, están ya obsoletas. Han pasado

demasiadas cosas en 30 años como para seguir trabajando bajo los mismos paradigmas. Y es

verdad que parece que vivimos una situación caótica y de permanente ambigüedad, pero este

es el entorno natural en que se mueven nuestras vidas y nuestra profesión, en esa necesaria

gestión de la complejidad social de la que hablábamos (una estrecha franja entre el equilibrio

estable y el equilibrio explosivo). Pero, ¿hacia dónde nos lleva? ¿Hacia el progreso decadente

del que habla Racionero? ¿Hacia la tan cacareada sociedad del conocimiento?

Sí, el cambio constante es lo único permanente y, ahí, lo único estable, en sus propias

contradicciones y evolución cotidiana, es la persona.

Hemos de entender, por tanto, desde la Gestión Cultural, en qué entorno trabajamos: una

sociedad compleja donde hemos de ser gestores de esa complejidad social; en un marco

profesional de barreras difusas, funciones difusas y agentes hasta ahora “extraños a nuestro

016

sector” entrando en la Gestión Cultural; con nuevos conceptos y nuevas tendencias sociales,

en un marco de gran transformación de las tecnologías, de las instituciones y de los valores

…para poder ser capaces de sistematizar (y primero definir qué es preciso sistematizar) y

repensar el papel de la Gestión Cultural, y sus profesionales (muchos, diversos, y no por ello

menos legitimados) en el desarrollo cultural de nuestros territorios; en el marco de un nuevo

protagonismo de la cultura, de la ciudad... y, sobre todo, de la ciudadanía emergente.

Y eso requiere definir un marco estratégico de actuación en cultura. Es decir, primero la

política, que no es hacer, sino orientar la acción, para pasar después a la definición de un

marco operativo.

Todo ello teniendo claro cuál es nuestra razón de ser, qué tipo de ciudadanía queremos

construir, qué valores queremos promover, a dónde nos gustaría llegar como organización...para

poder tener claro a qué nos vamos a dedicar y a qué no (la política implica tomar decisiones

“discriminatorias” en busca del interés general).

¿Entonces, qué es gestionar cultura? Gestionar cultura es gestionar personas (individuos y

colectividades), gestionar relaciones, gestionar valores, emociones y sentimientos, gestionar

expresiones diversas, pero también los entornos que hacen posible los encuentros, el diálogo,

la experimentación, la creatividad…, el crecimiento personal y colectivo.

Los gestores culturales debemos ser, también gestores del territorio y su complejidad,

gestores del cambio, constructores de futuro. Como señala Tomás Calleja, miembro del

Capítulo Español del Club de Roma, “... la creación de futuro es siempre la creación más

rentable, el descubrimiento es siempre creación de futuro y, por eso, la investigación y el

desarrollo es la mejor manera de invertir en futuro. Pero hemos simplificado estos términos

limitándolos a la ciencia y a la tecnología, olvidando que invertir en sociedad tiene horizontes

de destino que sólo aparecen cuando somos capaces de cuestionar lo que creemos inventado

y consagrado”... “El crecimiento sostenible es un buen destino, pero difícil de alcanzar con los

parámetros actuales que guían las actitudes y los comportamientos de las personas y de las

sociedades. Hay que inventar el crecimiento solidario ya que, sin la solidaridad suficiente, no

es posible el crecimiento sostenible. El crecimiento solidario es el nuevo invento de la inversión

en sociedad”.

Para ello, a Gestión Cultural requiere nuevos nutrientes, en términos de contenidos, formas

y aspiraciones. Y esos nuevos inputs surgen de la oportunidad del cambio y de la hibridación

progresiva en que nos movemos, y a la que hacemos referencia posteriormente al hablar de

los ejes de la Gestión Cultural. Esta debe ser, necesariamente, motor de innovación social y,

para ello, debe buscar sus propias vías de innovación profesional.

017

Gestionar cultura, generar experiencias

Jeremy Rifkin considera que “la propiedad de bienes está obsoleta, lo que importa es el

intercambio de experiencias, con lo cual las relaciones humanas se convierten en relaciones

comerciales y la vida se concibe como un negocio. Entramos en un capitalismo cultural y

abandonamos el capitalismo industrial”.

Sí, por ejemplo, los productos cambian. Vivimos una progresiva intangibilización y estetización

de las economías occidentales. El principal valor añadido de los productos y servicios es hoy

fruto de la aplicación del conocimiento y la creatividad (investigación científica, diseño industrial,

ingeniería, marca, comunicación y capital relacional, cultura organizativa y gestión de las

personas, vinculación territorial…). Ya no sólo se busca emocionar en la comercialización. Las

empresas y organizaciones no son ya sólo productoras de bienes o prestadoras de servicios;

son creadoras de significados y especialmente generadoras de experiencias.

Al mismo tiempo, y en nuestro sector, vivimos una progresiva intangibilización de las artes,

más vinculadas al proceso creativo que a la plasmación en una obra de formato tradicional,

en torno a ámbitos sociales no aceptados socialmente como artísticos, a la crítica social…,

planteadas desde la mixtura de expresiones y disciplinas, abiertas a otros campos de conocimiento

y cada vez más reforzadas/condicionadas por las nuevas tecnologías. Formatos, lenguajes y

mensajes “progresistas” de ruptura en un entorno de mercado de lógicas hipercapitalistas y

de modelos de organización típicamente industriales. Estos son sólo algunos de los cambios

que nos conducen hacia una nueva cultura económica y una nueva economía de la cultura,

donde aún estamos a tiempo de que las relaciones humanas no lo sean sólo bajo el prisma

comercial.

Los productos tangibles son consumibles, los servicios intangibles usables, las ideas adoptables…

y las experiencias deben ser memorables.

Como recuerda Joseph Pine II, la oferta de experiencias no sólo se produce en las artes, la

cultura y el espectáculo; tiene lugar cada vez que una organización emplea deliberadamente

los bienes como utillería y los servicios como escenario para captar al público. Es decir, el

mundo económico en general está buscando aquello que se supone nosotros tenemos, aquello

que sabemos hacer. Se abre por tanto una gran oportunidad para la gestión cultural en la

nueva “economía de la experiencia”.

De acuerdo, ya todo el mundo se ha aprendido el discurso de la importancia de la cultura para

la regeneración de ciudades y territorios, ha puesto el ejemplo del Guggenheim y el impulso

de Bilbao, y ha exaltado el impacto económico de la cultura (¡quién lo hubiese dicho hace una

década!). Pero muy pocos políticos y técnicos de nuestros ayuntamientos y regiones, de cultura

y sobre todo de otras áreas de actuación, se lo creen de verdad. O si se lo creen no se atreven

018

a dar un salto de coherencia y redefinir la políticas culturales locales en términos de proyecto

de ciudad, de interacción múltiple entre la cultura, las artes, la educación, la comunicación,

la economía y el territorio.

La cultura no es consecuencia del desarrollo, es causa. Y esta reflexión, a menudo pone en

cuestión una política basada sólo en acciones, en programación (yo también hago lo que hacen

otros), y en la cultura como escaparate partidista (otra vez la dichosa partitocracia) o de los

santones culturales del lugar.

La política cultural es una política de ciudad; la gestión cultural es la gestión de valores,

expresiones, personas, relaciones... en/desde la ciudad (repito).

La relación entre economía y cultura excede el impacto directo e indirecto de ésta en aquella

en términos de Producto Interior Bruto o empleos; existen otras dimensiones de esta relación

y quizás la fundamental tenga que ver con la cultura como caldo de cultivo de la generación

de actitudes y valores innovadores pero también con esta nueva realidad en que la cultura y

las artes se nos presentan como un nuevo medio de incorporación de valor a muy diversas

actividades sociales y económicas. Pero todo ello sin olvidar que el primer impacto que ha de

buscar la Gestión Cultural es el específicamente cultural.

Como señala Boris Groys en Sobre lo nuevo, ”la cultura es, por su dinámica y capacidad de

innovación el ámbito efectivo por excelencia de la lógica económica. La lógica económica

también se manifiesta, y de un modo especial, en la lógica de la cultura. Por eso, la cultura

es tan irrenunciable como la propia economía. Y, por ello, la economía de la cultura no consiste

en una descripción de la cultura como la representación de determinados procesos económicos

exteriores a ella, sino en el intento de comprender la lógica del propio desarrollo cultural como

una lógica económica de transmutación de valores”.

Gestionamos cultura para generar experiencias en la ciudadanía: conocimiento, sensaciones,

percepciones, sentimientos, emociones… para desarrollar nuevos (o no tan nuevos) valores,

nuevas relaciones… que ayuden a hacer más feliz a la gente, y aporten más valor a sus

territorios, que contribuyan a hacer más próspero su entorno.

La gestión cultural y las políticas culturales ante el desarrollo en una sociedad “confusa”

Situaciones complejas, como son las que afectan al desarrollo territorial, requieren actitudes

proactivas (frente a reactivos, inactivos y preactivos), capital intelectual (conocimiento x

compromiso) y, ante todo, capacidad de visión de las interacciones entre políticas y actuaciones

(“la cabeza en lo global y los pies en lo concreto”). Requieren visión, y reflexión, estratégica

y, en definitiva, decidir “a qué estrella enganchamos el arado”.¿Qué hacemos para aumentar

019

el conocimiento?. ¿Qué hacemos para aumentar el compromiso? Si el capital intelectual es

clave para el desarrollo y el progreso social, ¿cómo lo abordamos desde la gestión cultural?.La

sociedad cambia profundamente, a velocidad de vértigo, y nuestra reflexión sigue centrándose

en decidir qué pequeña adaptación hacemos al programa de carnaval, qué orquesta sinfónica

protagonizará el concierto de año nuevo...o cómo subsistir con prórroga presupuestaria.

Para ir más allá, para ser agentes activos en el cambio cultural de la ciudad, hemos de propiciar

nuevas estrategias, sabiendo que estas también han de cambiar con la realidad. Y para ello

no hay mejor estrategia que una buena organización, proactiva, dinámica, enamorada de la

gente por encima de los proyectos... con visión global.

¿Quién se atreve a iniciar el cambio organizativo? De ello va a depender que en el futuro

signifiquemos algo para la ciudadanía; va a depender nuestra propia existencia.

Hemos pasado de las ciudades/organizaciones “patera” a las ciudades/organizaciones “tren”,

con locomotoras más o menos potentes (propias del Estado de Bienestar).

La complejidad social actual requiere unas ciudades/organizaciones “todoterreno”, con una

visión clara, una misión interiorizada y un posicionamiento suficientemente definido y diferenciado

(y sin embargo más propias de un Estado Moderno y Modesto).

Y es que la organización es la estrategia, y esa organización moderna precisa del desarrollo

de determinados valores culturales sobre los que construir una base sólida de desarrollo

diferencial.Nuestros recursos, nuestros conocimientos, habilidades y destrezas es posible que

no puedan crecer a la velocidad que imprime la realidad. Entonces, ¿cómo podemos actuar?

Abordando el desarrollo desde una estrategia de cambio cultural, que nos permita pasar de

una innovación social incremental, evolutiva, a una radical, revolucionaria.

El marco de referencia del mercado cultural y de las políticas culturales se centra en la relación

entre una oferta y una demanda. Esa relación, para ser efectiva, necesita tener una gestión

adecuada y una financiación suficiente.

Marco de referencia del mercado cultural y de las políticas culturales

GESTIÓN

CULTURAL

DEMANDA

CULTURAL

FINANCIACIÓN

CULTURAL

OFERTA

CULTURAL

paraqué

.cóm

o.d

ónde

. cuándo .cuánto . qué

.qu

ién.porqué.

definir

020

En cada uno de estos aspectos (oferta, demanda, gestión, financiación) habremos de definir

el cómo, el dónde, el cuándo, el qué, el quién…, cruzando orientaciones y estableciendo

prioridades en el destino de los recursos de tiempo, dinero, conocimientos y relaciones.

Es este conjunto de decisiones el que nos define una política cultural. Pero conocer los

elementos que conforman, en esencia, el mercado cultural, no implica que dominemos su

lógica de funcionamiento procesual. Necesitamos tener datos e información sobre la oferta

cultural, sobre la demanda cultural, sobre los modelos de gestión de la cultura (macro y micro)

y sobre los modelos de financiación, pero también sobre la cadena de valor y la intervención

de los distintos agentes; sobre cómo es y cómo creemos que debe ser.

Este esquema nos es útil, por tanto, para situar los ámbitos de decisión en que se mueve la

Gestión Cultural (porque es cierto que la estrategia dicta la táctica, pero también la táctica

dicta la estrategia) en la inevitable reflexión sobre hacia dónde deben ir las nuevas políticas

culturales, públicas o privadas, en este entorno complejo en que la cultura se nos antoja clave

en los procesos de desarrollo territorial.

Políticas culturales que en el marco de una idea de sociedad, se enfrentan, en su concreción

en organizaciones, proyectos y/o equipamientos a algunos retos, entre los que podemos

destacar:

• La determinación de los modelos de gestión (públicos/privados, de dominio artístico/gerencial...).

• La determinación de los modelos organizativos, tanto desde el punto de vista de los modelos

jurídicos (organismos autónomos de la Administración, sociedades mercantiles, asociaciones,

fundaciones...), como de los modelos internos relacionales (modelos jerarquizados, sistemas

matriciales y empresas heterárquicas...).

• La cualificación de los responsables directivos (políticos, propiedad...) y técnicos gestores,

su adecuación a los proyectos, y el necesario encuentro de metodologías y lenguajes comunes.

• La relación con los públicos, su fidelización, y la generación de nuevas audiencias.

• La estabilidad y la diversificación de la financiación. La generación de recursos de manera

sostenible.

• El mantenimiento y la renovación de infraestructuras, contenidos y propuestas culturales.

• El exceso de oferta repetitiva para una demanda también repetitiva, en pocos públicos de

alta frecuencia.

• La falta de establecimiento de una política de precios segmentada.

• La búsqueda del equilibrio entre la especialización elitista y la participación abierta.

• El impulso de los eslabones más débiles de la cadena de valor cultural.

• El empuje a la iniciativa empresarial en cultura (emprendedores e intraemprendedores).

• El desarrollo de políticas de calidad en las organizaciones culturales y el impulso a la I+D+i cultural.

021

• Y el papel que deben jugar en el desarrollo específicamente cultural, social y económico del

territorio, interactuando con una gran variedad de agentes y ámbitos.

Los factores del desarrollo territorial y el cambio cultural.

La ciudad, el territorio, es el resultado de las relaciones y contactos entre sus ciudadanas y

ciudadanos: Desde la Gestión Cultural hemos de apostar por repensar la ciudad, el territorio,

como el lugar donde es posible maximizar las posibilidades de relaciones e intercambios,

donde el espacio público es un espacio de ciudadanía y participación, y cuya calidad requiere

respuestas complejas, que han de venir también, aunque no sólo, del urbanismo y la

arquitectura.

Nuestras ciudades y territorios requieren gestionar la incertidumbre, el cambio y el

conocimiento – adquirido y por adquirir – y socializarlo en términos de oportunidad en el

marco de competitividad y colaboración entre ciudades y territorios; mucho más que gestionar

el espacio de un modo eficiente con las herramientas tradicionales del urbanismo. Porque

las personas son las que generan nuevos significados en el territorio, ellas son el auténtico

valor. Los factores tradicionales que han impulsado el desarrollo hasta hoy, tales como las

infraestructuras, las comunicaciones, la tecnología, la capacidad de ahorro e inversión, la

cualificación de los/as trabajadores/as, la energía barata… siguen siendo condición necesaria,

pero no suficiente para un desarrollo duradero y estable en el tiempo, para una diferenciación

competitiva, porque todos los productos y servicios se pueden copiar, todos los modelos

organizativos son adaptables, no hay ventajas permanentes, pero ¿y qué ocurre con las

experiencias, los valores...? ¿Dónde está la identidad diferencial de nuestras organizaciones,

de nuestros territorios? Nuestros pueblos y ciudades requieren algo más que gestionar el

espacio de un modo eficiente, responder a las crisis con éxito, requieren algo más que “pan y

circo”, requieren gestionar la incertidumbre, el cambio y el conocimiento – adquirido y por

adquirir – y socializarlo en términos de oportunidad en el marco de la competitividad y

colaboración entre ciudades y territorios. Requieren innovar, y también, para ello, la cultura

y las artes juegan un papel esencial en la ciudad y en la transgresión de pensamientos y

comportamientos fosilizados y en la generación de experiencias en la cotidaneidad.

Richard Florida habla de 3 factores clave de desarrollo (las 3 T): Talento, Tecnología y Tolerancia.

Y nosotros le añadimos “aTrevimiento” para pasar de la imitación (a partir de la repetición) a

la innovación (a partir de la creatividad). Las ventajas competitivas de un territorio, a la hora

de afrontar un papel de liderazgo en las nuevas redes de ciudades, o de una organización en

los nuevos mercados, vienen determinadas singularmente por cuatro factores:

022

Creatividad: De la sociedad de la información a la del conocimiento y de esta a la de la

imaginación; de las ideas diversas a la innovación.

Sostenibilidad: Equilibrios medioambientales, cohesión, productividad y valor añadido sociales

como claves de una trayectoria hacia la eficiencia y la eficacia.

Flexibilidad: De la adaptación a los cambios a las apuestas estratégicas de especialización

flexible.

Espíritu de riesgo: Capacidad social e individual clave en la teoría económica.

Intangibles “amasados” por otros intangibles: confianza, diversidad, participación, proximidad

y liderazgo interno. Una sociedad que quiera llegar a desarrollar esos factores/valores necesita

el soporte de una estrategia de cambio cultural.

La cultura es, en este marco de complejidad, un elemento central en la conformación del

territorio, a la par que éste condiciona, caracteriza, la vida cultural de una población.Las

personas son quienes dan sentido al territorio y a la acción de las políticas culturales, públicas

y privadas.

Factores y valores de desarrollo en la economía de la experiencia

Hoy la cultura y la comunicación (íntimamente ligada a aquella ya que, etimológicamente,

comunicar es poner en común, poner en relación) son nutrientes fundamentales para pasar

de una sociedad de la información a una sociedad del conocimiento, y su necesaria

democratización, no sólo desde la perspectiva de dotar de contenidos a las tecnologías de la

información sino también desde el impulso de los valores necesarios para el desarrollo y la

incorporación social de criterios de valoración de los flujos informativos y relacionales.

En definitiva cultura y comunicación, y su gestión, son fundamentales para construir una

023

ESTRATEGIA DE CAMBIO CULTURAL

imaginación + creatividad + personalización + flexibilidad + sostenibilidad + espíritu de riesgo

INFORMACIÓN

input

GLOBAL

(apertura)

CULTURA Y

COMUNICACIÓN

(identidad)

LOCAL

CONOCIMIENTO

output

ECONOMÍADE LA

EXPERIENCIA

sociedad/gestión

de la

información

gestión cultural

y de la

comunicación

sociedad/gestión

del conocimiento

(y su democratización)

sociedad

de la

imaginación

Sociedad de la Imaginación, una Economía de la Experiencia, donde los sectores creativos,

más allá de las industrias culturales, se conviertan en claves para el desarrollo social, económico

y territorial.

Incorporar imaginación y creatividad a la gestión del cambio, en un entorno complejo, es

fundamental no sólo para la innovación específicamente cultural y social sino en general por

el desarrollo de cualquier proceso de innovación (ver como ejemplo www.disonancias.com)

No en vano, como nos vuelve a recordar Boris Groys “la economía consiste en el tráfico con

valores dentro de una determinada jerarquía de valores. Ese tráfico es una experiencia de

todos los que quieran tomar parte en la vida social. Y la cultura es una parte de ella”.

Pero si la cultura crea, refuerza, modifica valores, la acción cultural es central en la generación

de un nuevo modelo de desarrollo económico y territorial.

“Si queremos cambiar actitudes y comportamientos, tenemos que actuar sobre las motivaciones

y, para ser eficaces en estas actuaciones, tenemos que cambiar algunos de nuestros objetivos.

Especialmente aquellos que tienen que ver con la creación de riqueza, con la creación de valor

y con la creación de futuro” (Tomás Calleja, 2006).

La cultura y la creatividad aplicadas a los cambios sociales

Los ejes de la gestión cultural

El desarrollo de los territorios, en el marco de la economía de la experiencia, donde la

intangibilidad toma el papel protagonista, pero en el que, a la vez, sus ciudadanas y ciudadanos

estrategia de cambio cultural

creatividad / imaginación

gestión del cambio / gestión del caos

innovación

productivaCAMBIOS

innovación

social y cultural

desarrollo de territorios inteligentes:

ciudades e industrias creativas

en la economia de la experiencia

instituciones

tecn

olog

iavalores

024

siguen teniendo necesidades espaciales ligadas a su marco de vida productiva y relacional,

pública y privada, pasa, necesariamente, por un nuevo concepto de política económica territorial.

Esta nueva política económica territorial (P.E.T.) asume la globalidad del territorio como marco

más relacional – entre sus diversos agentes – que estrictamente físico, en el que se desarrolla

la vida de una comunidad con potencialidad de crecimiento individual y colectivo. Como dice

Peter Katz, en The New Urbanism: “Estamos en una sociedad inundada de redes pero hambrienta

de comunidad”.

Esta P.E.T. se configura bajo un concepto reticular y es fruto de la interrelación de tres tipos

de políticas fundamentales:la política económica, la política de ordenación del territorio y de

planificación urbana y la política cultural.G. Améndola nos recuerda que la cultura ya no se

considera un resultado (eventualmente algo opcional) del proceso de desarrollo, sino la causa,

el motor y el elemento de consolidación y estabilización del mismo. Es, ante todo motor y

catalizador de las ciudades, creadora de desarrollo, elemento de creación y consolidación de

la identidad colectiva en el proyecto de desarrollo y factor constitutivo de la calidad de vida.La

gestión cultural se presenta, por tanto, como una herramienta de gestión territorial y de

desarrollo local, a partir de los propios proyectos artísticos y culturales, y como un marco

conceptual para la reflexión estratégica en el territorio. En este marco es importante comprender

cuáles son los ejes de la gestión cultural que nos ayudan, a tener una visión global para trabajar

con la complejidad social: Cultura, Artes, Educación, Comunicación, Economía, Territorio y el

Sistema Ciencia-Tecnología-Sociedad. La combinación de los ejes de la Gestión Cultural, nos

plantea un marco explosivo y lleno de interacciones y oportunidades para el enriquecimiento

de los proyectos culturales y de su proyección a los diferentes públicos (usuarios, patrocinadores,

prescriptores, comunidad artística...) y por tanto en la redefinición de la cadena de valor cultural

y el papel de la Gestión Cultural en los procesos de desarrollo.

Ejes de la gestión cultural

CIENCIA

comunicación

culturaSOCIEDAD SOCIEDADeducación artes

territorioeconomía

TECNOLOGÍA

025

Cualquier planteamiento estratégico en la gestión cultural conlleva el tener en cuenta la

interrelación entre estos ejes. Hoy las políticas y gestión culturales no pueden seguir mirándose

al ombligo de sus tradicionales campos de actuación y han de repensar, reinventar, su papel

desde la interacción con un conjunto de ámbitos de actuación y profesionales cada vez más

interdependientes.

La cultura parece haber ocupado un lugar importante en los discursos del desarrollo, pero

aún no lo tiene en la percepción institucional y social de su propio valor cultural y en la traducción

presupuestaria en sus departamentos públicos ni en el apoyo inequívoco al impulso de un

sector creativo y cultural privado.

Corremos el riesgo de que la cultura sea secuestrada por quienes sólo buscan instrumentalizarla

para reforzar un modelo de desarrollo poco sostenible, pero ante el auge de su valor simbólico

también tenemos la oportunidad de enriquecerla conceptualmente, y en la práctica, buceando

en el diálogo con otras disciplinas, con personas diversas que ven la realidad de manera diversa,

recogiendo preocupaciones y respuestas diversas, reelaborándolas…para liderar una necesaria

estrategia de cambio cultural, de nuevos valores y de experiencias ciudadanas.

ROBERTO GOMEZ DE LA IGLESIA

Consejero Delegado de Grupo Xabide, Gestión Cultural y Comunicación Global.

Economista y Gestor Cultural. Licenciado en Ciencias Económicas, en la especialidad de Economía Regional y Urbana

por la Universidad del País Vasco y Master en Dirección de Empresas por la Universidad Autónoma de Madrid.

Coautor del libro “El Técnico en Actividades Socioculturales”, y autor de “El Fondo de Educación y Promoción Cooperativa.

Una visión desde el patrocinio empresarial”, coautor y director de los libros "Valor, Precio y Coste de la Cultura", “Público

y Privado en la gestión cultural”, “Cultura, Desarrollo y Territorio” y “Economía Social, Nuevos Yacimientos de Empleo y

Desarrollo Local”, “Centros Cívicos y Servicios de Proximidad”, “Arte, Empresa y Sociedad: más allá del patrocinio”.

026

Bibliografia utilizadaDORTE SKOT-HANSEN, Why Urban Cultural Policies?

Helsinki, 2005. Eurocult 21. Integrated Report.

PINE II, Joseph B. – GILMORE, James H., La economía de

la experiencia. El trabajo es teatro y cada empresa un

escenario. Barcelona, 2000. Ediciones Granica, S.A.

GÓMEZ DE LA IGLESIA, Roberto.(editor), Cultura, Desarrollo

y Territorio. Vitoria-Gasteiz, 2001. Edita Grupo Xabide.

GÓMEZ DE LA IGLESIA, Roberto.,(editor) Arte, Empresa y

Sociedad. Vitoria-Gasteiz, 2004. Edita Grupo Xabide.

ETXEBARRIA, Mikel G. Hacia un nuevo modelo. La

especificidad de la gestión de las organizaciones

culturales. Materiales del V Curso Superior de Gestión de

Empresas y Organizaciones Culturales. Edita Grupo Xabide.

Vitoria-Gasteiz. 2004.

GROYS, Boris, Sobre lo nuevo: Ensayo de una economía

cultural. Valencia, 2005. Editorial Pre-Textos.

NORDSTRÖM, Kjell, RIDDERSTRÁLE, Jonas. Funky

Business: El talento mueve al capital. Ed.Prentice may.

Madrid, 2000. Ed. Prentice Hill y Expansión.

RACIONERO, Luis. El progresso decadente. Repqso al

Siglo XX, Madrid 2000. Editorial Espasa - Calpe.

027

2. ORDENAMENTO CULTURAL DE UM TERRITÓRIO

Luiz Oosterbeek

Economia e cultura

A falta de rigor conceptual tende a separar as dimensões da economia e da cultura. No presente

texto, entendemos por “cultura” o conjunto de morfologias comportamentais destinadas a

identificar e regular as relações que os seres humanos estabelecem entre si, no quadro da

adaptação de cada indivíduo, e de cada grupo, ao contexto em que se insere. Entendemos por

“economia” o conjunto de mecanismos de identificação e regulação das relações de produção,

distribuição e troca de bens e serviços, que os seres humanos estabelecem entre si, no mesmo

quadro.

Dito de outra forma, a dicotomia entre economia e cultura só serve para impedir a sua análise,

pois ambas consistem no mesmo fenómeno (comportamento humano), olhado sob ângulos

distintos (mas não independentes nem essenciais).

Do sítio à paisagem

Quando, há mais de três décadas, foi criado em Portugal o Instituto Português do Património

Cultural, pela primeira vez, a esfera do Património ganhava real autonomia face a outras áreas

de intervenção do Estado. A noção de Património Cultural então existente, em Portugal e no

Mundo, era marcada pelas palavras-chave de “obra de arte”, “sítio” e “monumento”, a que

acrescia a dimensão de “exemplaridade”.

O Mundo, após a segunda grande guerra, assistiu a uma aceleração dramática da destruição

dos vestígios materiais do passado, correlata de três processos paralelos: o crescimento e

renovação dos centros urbanos (instalados, com raras excepções, em áreas com prévias

densidades patrimoniais significativas); a mecanização da agricultura (conduzindo à destruição

de vestígios por essa via) e o enorme desenvolvimento das redes viárias (aproximando os

mundos rural e urbano). Esse Novo Mundo, marcado pela modernidade e optimismo, olhava

menos para o Passado e mais para o seu próprio Futuro, não reflectindo globalmente sobre

a relevância das memórias em tal futuro. Assim se gerou, internacionalmente, uma preocupação

defensiva, conservacionista, protagonizada pelos profissionais da arqueologia, da arte, da

028

museologia, da história e áreas afins. Muitos anos depois, o I.P.P.C. foi criado em Portugal

ainda nesse paradigma, e a ele se deveu a salvaguarda de muitos bens, sobretudo “rurais” ou

“arqueológicos”, que de outra forma já não existiriam hoje.

A estratégia defensiva teve, no plano internacional, como melhor expressão jurídica a criação

da “Lista do Património Mundial” e como melhor expressão prática a megaoperação de

transladação do complexo de Abu-Simbel, durante as obras de construção daquela barragem

no Egipto. Essa estratégia visou, com algum sucesso, preservar testemunhos arquitectónicos

como se de objectos em Museus se tratassem, para os transmitir às gerações futuras. E o

maior sucesso dessa estratégia é mensurável pelo crescimento geométrico dos interessados

em Património, dos cursos e profissionais dessas áreas e, em particular, da legislação que o

foi incorporando como categoria relevante no quadro do Ambiente.

Mas o Mundo mudou, e com ele a percepção do Património. As palavras-chave são, hoje,

outras: “conjunto”, “paisagem”, “intangível”, e a elas se junta o conceito de “diversidade”. A

primeira razão da mudança decorre do facto de o optimismo do pós-guerra ter esmorecido,

e com ele as estruturas tradicionais de socialização e identificação dos cidadãos, voltando a

valorizar-se o Passado, como um “saco de impressões” onde se pode intuir as identidades

actuais, pessoais ou colectivas. A segunda razão é, ainda, exterior à memória: a compreensão

de que os principais problemas da humanidade não são redutíveis espacialmente, implicando

uma visão holística e ambientalista. A terceira razão foi já referida: o sucesso de várias décadas

de “promoção” da ideia de Património, que no entanto se alargou de forma imprevisível.

Hoje, incorporamos no Património Cultural todos os vestígios, materiais e imateriais, do

Passado, sublinhando a sua diversidade e pluralidade de leituras, e destacando a sua relevância

para a construção de múltiplos futuros. Já não se pretende, apenas, conservar “o castelo”, ou

“a ponte romana”, ou “os artefactos da Citânia”. Procura-se conservar conjuntos, paisagens,

de uma forma dinâmica e participativa, tal como se procura Museus interactivos, com forte

preocupação educativa, formando para uma cultura crítica e dessacralizando os sítios,

monumentos ou artefactos, individualmente considerados.

Esta nova visão do Património acompanha a globalização económica e social, e teve, à escala

internacional, um momento crucial no debate sobre as gravuras de Foz Côa, ocasião em que

o “modelo Abu-Simbel” foi rejeitado, com o argumento de que as gravuras não teriam significado

fora do contexto do vale, todo ele erigido à condição de Património e, finalmente, integrado na

029

lista do Património Mundial (o que, obviamente, o protegeu, mas também reduziu a uma solução

“antiga”).

Na sociedade actual, a dimensão dos micro e meso territórios como uma malha de fronteiras

fluidas, ganha crescente relevância. Entendemos por território fundamental a área de captação

de recursos primários de acesso quotidiano, onde se desenvolvem os planos da ocupação

laboral e das relações sociais primárias, por oposição ao conceito de paisagem, mais subjectivo,

e determinado pelas percepções do meio, projectados pelo indivíduos e pelos grupos sociais.

Nesta acepção, o território é, antes de mais, uma teia de relações humanas (relações de

produção e troca), ou seja, uma construção cultural concreta (síntese de diversas dimensões,

da economia à sociologia, da história à tecnologia), e o seu ordenamento equilibrado deve

atender ao conjunto das dimensões constituintes (contrariamente à gestão da paisagem que,

por ser uma projecção eminentemente subjectiva, permite abordagens menos plurais). A

realidade da gestão dos territórios não raro se afasta destas preocupação, mas estamos

convictos de que aí reside um dos mais graves problemas estruturais do nosso ordenamento

territorial.

Nesta acepção, a extensão do território está, obviamente, condicionada pelos meios de transporte

e vias de comunicação, já que a captação de recursos se mede em distância temporal e não

meramente física. O perímetro do território é, assim, definido num raio de uma hora de distância

(o que corresponde a duas horas de deslocação diária), sabendo-se que tudo o que exceda

esse “peso temporal” tende a reduzir a produtividade (e é sabido que grande parte da população

activa percorre mais de duas horas diárias nos percurso casa/trabalho).

A emergência de meso e micro territórios (e, também, dos megaterritórios continentais e

mundiais) decorre da nova dinâmica dos processos socioeconómicos, que se apoia nas novas

tecnologias de informação, tecnologia e transportes, que possibilitam a construção de novas

centralidades fora dos núcleos tradicionais (rompendo hierarquias territoriais estabelecidas,

invalidando a aplicabilidade dos modelos de análise poligonal), impelem para a concentração

urbana e sub-urbana (com o correlato despovoamento da maior parte do território e a conversão

do espaço rural em mero espaço peri-urbano) e implicam uma nova estratégia de ordenamento

territorial (que deve incorporar a descontinuidade física de espaços económica, social e

culturalmente contíguos). No quadro da globalização, os territórios “periféricos” possuem

algumas vantagens competitivas: distâncias temporais para o trabalho mais curtas, que

consentem tempos de lazer e reflexão mais amplos, num contexto de maior acessibilidade aos

030

recursos primários situados a grandes distâncias físicas (agora “encurtadas”).

Esta dinâmica pode sintetizar-se na afirmação de que a esfera local ganhou uma preponderância

tal que deixou de existir enquanto local. Tal como o espaço rural se converteu em peri-urbano,

também o espaço local passou a poder ser global (ou, não o sendo, é condenado a definhar

como um mero resquício da modernidade).

O ordenamento cultural de um território deve, hoje, partir desta realidade. É um erro programar

as redes culturais a partir de uma mimética formal, que vai replicando em cada espaço uma

receita física de eventual sucesso em espaços supostamente semelhantes. O País está cheio

de equipamentos culturais de grande qualidade física, mas despovoados, porque não se

projectaram para além do local. Locais “incontornáveis”, como o Convento de Cristo em Tomar,

perderam dezenas de milhares de visitantes, por não saberem inscrever os seus planos de

gestão na complexa teia a que pertencem, ao mesmo tempo que monumentos e museus

“menores” se afirmam como grandes centros culturais, produtores conhecimento e potenciadores

de desenvolvimento.

Da paisagem à pessoa

Há o sentimento, difuso, de que o Mundo em que vivemos é um mundo em transição, para algo

ainda indefinido. Uma transição que é marcada, antes de mais, pela mencionada aproximação

radical entre os problemas locais e as grandes questões da Humanidade. Os exemplos são

inúmeros, desde a questão da poupança da água potável até à preservação do património

identitário.

Esta aproximação é acompanhada por um reforço do estatuto da pessoa na sociedade e dos

seus direitos de participação cívica. Na verdade, ao mesmo tempo que se vão enfraquecendo

as estruturas sociais colectivas (igrejas, partidos, associações, sindicatos, … família), vai sendo

pedido a cada um que assuma, directamente, as suas responsabilidades no todo que é a

sociedade.

Este reforço do estatuto individual, esta atomização social, pode conduzir ou a um aprofundamento

dos mecanismos de participação em liberdade ou ao caudilhismo ditatorial. Nas sociedades

livres, torna-se imperioso que os poderes organizados (políticos ou outros) respondam aos

anseios dos cidadãos, considerados individualmente. Ora, se no passado recente tais anseios

eram estruturados através das estruturas sociais colectivas (que se colocavam objectivos de

031

médio e longo prazo), hoje importa responder a anseios mais imediatos, como a necessidade

de um emprego, o pagamento da amortização de uma hipoteca ou a prestação dos cuidados

de saúde a um doente concreto. A incapacidade de os poderes instituídos compreenderem

esta nova realidade, conduzirá inevitavelmente à alternativa caudilhista.

Os anseios dos cidadãos não são meramente materiais. O sentimento de pertença a algo que

é mais do que cada um, que é mediatizado pelo património cultural, é igualmente crucial, nesta

fase de transição. Não cuidar dele, sobretudo face às novas gerações, que vão crescendo com

menos referentes, é potencialmente desagregador da sociedade, e está na raiz das afirmações

centrípetas a que se assiste por toda a Europa, da crise dos Estados Espanhol ou Belga aos

ímpetos autonomistas da Lombardia, passando pelos desvarios hiper-regionalistas em Portugal.

Neste cenário difícil, é importante que se vão construindo novas estruturas, mais participadas,

de gestão do território. A verdade é que, como vem sendo reconhecido no plano internacional,

as estruturas político-administrativas que temos (dos Estados-Nação às Nações Unidas) não

são baseadas nos indivíduos e cada vez são menos eficientes para resolver os problemas dos

cidadãos (mesmo os locais, devido à sua globalização). Mas não existem, ainda, estruturas

alternativas. No plano local e regional, agir localmente sempre com estratégias globais,

apostando na qualidade e excelência e, sobretudo, criando redes de participação, parece ser

o caminho a seguir (a agenda 21, de forma tímida, ensaiou este caminho).

A construção de redes de cidadania é um processo lento, difícil, que se move numa direcção

imprecisa e que está sempre a recomeçar. Mas a alternativa é a barbárie, não apenas de

Darfour ou do Iraque, mas dos carros incendiados em Paris, da insurreição prisional em São

Paulo ou do assassinato de travestis por jovens … em Portugal.

Tomemos o exemplo do Vale do Tejo.

O Vale do Tejo é o mais importante eixo de povoamento do Ocidente da Península Ibérica, desde

a Pré-História. Nele coexistem polaridades diferenciadas, e que carecem de estratégias

particulares, ao mesmo tempo que se podem e devem articular, sempre, nesse eixo histórico

que é o Vale.

Daqui decorre uma segunda constatação: nenhuma das estruturas político-administrativas

existentes está totalmente adequada a este desiderato. Não o estão as autarquias, que são

espaços demasiado restritos para uma intervenção eficaz nos grandes problemas estruturais

da região (comunicações, saúde, ensino, transportes, cultura, ambiente,...). Não o estão os

032

governos civis, que são entidades de facto desprovidas de capacidade coordenadora nestas

matérias. Mas tão-pouco o está a nossa estrutura regional (CCDRs), que muito embora possa

responder à dinâmica das subpolaridades, corta a meio o seu eixo principal, que é o Vale (já

de si dividido pela fronteira nacional).

No plano das polaridades, podemos reconhecer essencialmente quatro: o estuário, que

corresponde grosso modo à “Grande Lisboa”; a Lezíria, menos centralizada, mas na qual se

reconhecerá Santarém como principal centro; o Médio-Tejo, ainda mais descentralizado,

marcado pelo cruzamento único de influências Estremenhas, Beirãs e Ribatejanas, no qual

Tomar, Abrantes e Torres Novas dominam; o Alto Tejo português, que incorpora o Tejo

internacional.

Uma estratégia integrada deve partir da compreensão de que a sociedade actual é, definitivamente,

urbana. Assim, importa conceber cada uma das quatro polaridades como um espaço de

dominância urbana, com os respectivos equipamentos económicos, sociais e culturais. É

desejável que cada uma das quatro sub-regiões disponha de uma oferta adequada de recursos.

É nesse sentido, aliás, que se têm vindo a concretizar os principais investimentos da administração

central (redes hospitalar, viária, escolar, de bibliotecas, etc.), mesmo se, muitas vezes, com

erros de percurso. E, actualmente, do ponto de vista formal, o essencial de tais recursos foi,

ou está em curso de ser, reunido. Falta, no entanto, o eseencial, que é uma adequada vivência

de comunidade, que exige a descentralização coordenada de estruturas decisórias (e não a

totalmente disléxica desconcetração ad-hoc de serviços centrais), bem como uma aposta

essencial na qualificação dos recursos humanos existentes (que poderá passar pelo incentivo

à deslocação de quadros para a periferia). Às várias redes já existentes, é preciso sobrepor

uma única rede integrada de recursos, à escala da sub-região. Importa, também, entender

que a articulação espacial desses recursos não pode ser a mesma em todas as áreas. Se ao

nível hospitalar ou do ensino superior é essencial que exista pelo menos um grande centro,

já ao nível das bibliotecas ou das escolas do ensino básico a escala deve ser concelhia, enquanto

que a nível económico não se pode encarar, sequer, uma auto-suficiência de qualquer das

sub-regiões não metropolitanas.

Quanto mais nos afastamos do estuário, mais os espaços não urbanizados ganham expressão.

Esta realidade permite que se criem territórios urbanos de qualidade, polinucleado, sem a

densidade de tipo sub-urbano que, perigosamente, já assalta alguns deles. Territórios que,

para se afirmarem, carecem de uma clara coesão cultural. Nenhuma destas comunidades

033

existirá sem um hospital (que já existe), sem estradas (que estão aí), sem ensino superior (que

foi criado), sem parques empresariais (que são conhecidos). Mas, sobretudo, nenhuma destas

comunidades se afirmará se os seus habitantes se não reconhecerem como fazendo parte

dela, de forma identitária e não meramente administrativa. Por isso, cada uma precisa de uma

forte rede cultural, ancorada num grande museu de ambição nacional, com serviços pedagógicos

estreitamente ligados às escolas e um discurso de auto-estima da sub-região.

Poderemos, neste contexto, aspirar a que o troço português do Vale do Tejo venha a conhecer

três “cidades médias” (ou seja, polaridades urbanas) de nível europeu, cada uma com cerca

de 150.000 habitantes, para além da área metropolitana de Lisboa. Espaços com identidade

cultural e dinamismo económico e empresarial.

Gerir o território é gerir pessoas, e cada um de nós só é pessoa se for consciente da sua

identidade. Quando se fala de “qualidade”, é disto que devemos falar e não apenas de mais

números. E o que nos identifica como pessoas, e não como meros animais bípedes, é a cultura

(ou seja, as expressões das relções inter-pessoais, ou seja, das relações económicas).

Da pessoa à gestão do património cultural

Na construção das identidades que se inter-relacionam, individuais ou colectivas, os bens

culturais passados (a herança ou património cultural em sentido estrito) são os referentes

indispensáveis num mundo em transição. A sua preservação enfrenta, hoje, dificuldades

dramáticas.

É certo que o conceito de património é recente e que a História da Humanidade sempre foi

progredindo sem dele carecer. Mas não é menos verdade que os remotos vestígios do passado

nunca foram totalmente obliterados pelas novas paisagens humanizadas que se foram

construindo, excepto nos últimos dois séculos (por a moderna ciência os pode estudar).

Temos, hoje, dois tipos de problema. O primeiro é a incapacidade de os poderes públicos sequer

registarem, para não dizer estudarem ou protegerem, o Património Cultural na sua plena

extensão; haverá sempre muitos quilómetros quadrados não percorridos por historiadores ou

arqueólogos, por arquitectos ou etnógrafos, mas cuja apropriação patrimonial tenderá a ser

feita, mesmo que de forma questionável, de forma incontrolada, pelos cidadãos. O segundo é

que os instrumentos jurídicos disponíveis para a protecção, a classificação nacional e, em

034

última instância, a lista do Património Mundial, nem podem abarcar senão uma minoria de

sítios, nem aferem a evolução desses sítios e paisagens ao longo do tempo.

É preciso, pois, mudar o paradigma na esfera da gestão do património e da cultura, seguindo

dois eixos: primeiro o reconhecimento de que a cultura (material e imaterial, memorial e

performativa) é uma expressão indissociável da economia e dos interesses e tensões inter-

pessoais e inter-sociais que nela se geram; segundo, que é preciso incorporar as pessoas, os

cidadãos, nos processos de decisão e gestão cultural (ou territorial), em função das novas

dinâmicas antes discutidas.

Os debates que se foram travando nos últimos anos, por iniciativa de um Comité Internacional

para a gestão de qualidade do Património Cultural, seguiram uma metodologia de avanços

consolidados de uma nova reflexão. Assim, a Declaração Internacional de Calamosca (Sardenha),

de 1998, afirma três princípios muito simples, mas que são geradores desta nova abordagem:

• O Património Cultural é a memória colectiva da Humanidade;

• O Património Cultural é um recurso não renovável;

• A gestão de qualidade do Património Cultural deve ser orientada para a sua preservação, no

contexto do desenvolvimento sustentável.

Aparentemente inócuos, estes princípios afirmavam, já então: que o Património não pode ser

apropriado por Estados ou outras formas de organização social, ainda que possa ser assumido

por diversos segmentos da Humanidade; que devia ser encarado como tendo a mesma fragilidade

do Património Natural; e que a sua gestão não devia ser meramente conservacionista, antes

deveria articular-se com o desenvolvimento, numa óptica de sustentabilidade.

O Sistema Global de Avaliação HERITY, que entretanto foi estabelecido e começou a ser

implementado por iniciativa da ONG do mesmo nome entretanto criada, decorre destas

preocupações, identificando quatro áreas de avaliação e três agentes do processo de avaliação.

As quatro áreas são:

• o valor percepcionado, ou seja, o valor que um ou mais grupos de cidadãos (uma comunidade

local, científica, ou outra) atribui a um determinado bem;

• a conservação, ou seja, a capacidade de preservar no tempo a materialidade daquele bem,

e a compatibilidade do seu usufruto com tal desígnio;

035

• a informação transmitida, ou seja, a capacidade de promover o bem como um espaço de

educação e reflexão, plural, para diferentes públicos;

• os serviços oferecidos, ou seja, todos os serviços complementares disponibilizados aos

visitantes (biblioteca, cafetaria, loja, serviços sanitários, etc.)

O sistema HERITY só é aplicável aos sítios abertos ao usufruto público e introduz um mecanismo

de avaliação em que, para além dos gestores do sítio (Museu, Palácio, Estação Arqueológica

ou outro) e dos avaliadores HERITY, envolve de forma central o público, elevando a consciência

deste sobre a complexidade da gestão do património, e alertando aqueles para as carências

socialmente percepcionadas. Neste sentido, responde directamente às novas necessidades

de envolvimento dos cidadãos na gestão territorial.

Trata-se de um sistema que se traduz visualmente por um alvo, susceptível de ser colocado

à entrada do sítio avaliado, que informa sobre o nível atingido em cada uma das quatro áreas,

numa escala de 0 a 5. Um sistema desta natureza é útil para os visitantes, que poderão ter

uma informação prévia sobre “o que poderão esperar”, evitando desilusões e assumindo maior

controle sobre as suas próprias escolhas. Mas é útil para os gestores, pois ajuda a identificar

áreas de “estrangulamento”, conferindo-lhes maior poder argumentativo na hora de reclamar

apoios para os seus projectos. Finalmente, é útil para os agentes financiadores, sejam

responsáveis políticos, mecenas ou outros, que desta forma encontrarão uma base rigorosa

para poderem canalizar os seus investimentos.

Trata-se, finalmente, de um sistema dinâmico, dado que a primeira certificação, feita por

HERITY International, é válida por três anos, sujeitos a renovações por iguais períodos pela

Comissão Nacional HERITY (ao longo dos quais se espera um progresso na avaliação, mas se

poderão igualmente registar recuos). Um sistema dinâmico com muito forte impacto económico

(dado que será utilizado pela indústria turística, interessada em promover produtos de qualidade)

e cultural (dado que os gestores culturais poderão utilizar tal impacto económico para consolidar

estratégias de preservação e valorização do património).

É, assim, particularmente relevante que Portugal tenha sido o segundo País a promover a

criação de uma Comissão Nacional HERITY, depois de a Itália ter iniciado o seu processo de

certificação, e na sequência do acordo estabelecido com a Direcção-geral de Património da

UNESCO, para a certificação de todos os sítios da Lista do Património Mundial.

036

Ordenamento cultural?

Não há lugar, na nossa opinião, para ordenamentos culturais sectoriais. O ordenamento do

território deve privilegiar menos as redes de equipamentos e mais as redes de interesses inter-

pessoais, concitando a participação das pessoas em processos de cidadania activa. Entendemos

que tal participação só poderá ser conquistada na medida em que ocorra uma real transferência

de poder para essas pessoas (como ocorre com o sistema HERITY).

Tal não significa que os equipamentos não são necessários (são uma óbvia pré-condição), mas

apenas que antes de projectar equipamentos e espaços há que programar, de forma participada

e com base em análises prospectivas, redes de interesses. Neste quadro, é essencial estar

atento às novas dinâmicas locais e à criação de novas centralidades, que em muitos casos

demandarão equipamentos polivalentes.

Identificar os grupos humanos envolvidos, identificar o(s) seu(s) território(s) e escutar os seus

interesses é a base de um qualquer ordenamento eficiente, também no plano cultural. Inovação,

competitividade, qualidade, qualificação, certificação, participação, globalização, diferenciação

… são palavras que devem orientar o ordenamento territorial, também no plano cultural.

Rejeitar esquemas rígidos de planeamento é, neste quadro, a única “receita” aceitável.

LUIZ OOSTERBEEK

Doutor em Arqueologia, Professor Coordenador do Instituto Politécnico de Tomar (onde dirige o Gabinete de Relações

Internacionais), Professor Convidado da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Director do Mestrado em Arqueologia

Pré-Histórica e Arte Rupestre e do Doutoramento em Quaternário, materiais e culturas, da UTAD e IPT, Secretário-geral

da União Internacional de Ciências Pré-Históricas e Proto-Históricas (CIPSH/UNESCO), Especialista da DGEAC da Comissão

Europeia, Vice-Presidente da Organização Internacional HERITY, director científico do Museu de Arte Pré-Histórica de

Mação, professor convidado de diversas universidades europeias e brasileiras, coordenador de programas europeus de

investigação em pré-história, arqueologia, gestão do território e museologia, membro de diversas associações e sociedades

culturais e científicas, autor de cerca de duas dezenas de livros e duas centenas de artigos.

037

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038

3. PORTO 1990 - 2001: ONZE ANOS NA GESTÃO POLÍTICO-CULTURAL DE UM

MUNICÍPIO

Manuela Melo

1.  Politica Cultural  Autárquica

Chamando política cultural autárquica ao conjunto de princípios, objectivos e métodos de acção

definidos e concretizados, ao longo de um ou mais mandatos, pelos órgãos municipais, pode

dizer-se que  cada caso é um caso. Ou seja, a circunstância especifica de cada concelho, aliás

mutável no tempo devido à ocorrência ou ausência de factores muito diversos, transforma

cada município numa experiência difícil de reproduzir noutro município, ainda que em espaços

de tempo concordantes, ou até no mesmo município em épocas distintas. Isto acontece mesmo

quando os responsáveis autárquicos têm políticas culturais com princípios e objectivos

semelhantes, mesmo quando  boas práticas e exemplos são, consciente ou inconscientemente,

reproduzidos e adaptados a outros municípios.

 

No entanto, o enquadramento legal é o mesmo: a lei 159/99, que estabelece o quadro de

transferência de atribuições e competências para as autarquias locais. Para cumprir as

atribuições dos municípios no que se refere a Património, Cultura e Ciência, a lei reconhece

aos órgãos municipais competências para planear, executar e gerir centros de cultura e de

ciência, bibliotecas, teatros, museus municipais, bem como o património cultural, paisagístico

e urbanístico. Considera também competência dos órgãos municipais classificar de património

de interesse municipal ou propor a sua classificação ao organismo competente, participar na

conservação e recuperação do património e das áreas classificadas, organizar um inventário

do património cultural, urbano e paisagístico, apoiar projectos e agentes culturais não

profissionais, actividades culturais de interesse municipal e a construção e conservação de

equipamentos culturais de âmbito local.

 

Mas o modo como são entendidas, organizadas e sustentadas estas obrigações são muito

diversas.

 

Da experiência vivida na Câmara Municipal do Porto, ao longo de três mandatos, como vereadora

com os pelouros da Cultura e do Turismo, trabalhando com presidentes que permitiram um

elevadíssimo grau de liberdade e responsabilidade na elaboração e execução dos planos anuais,

refiro como prioridade desenvolver politicas de cidade e não políticas fechadas no circuito

039

interno dos equipamentos e serviços municipais, por muito importantes que sejam. Políticas

culturais de cidade têm, antes de mais, em consideração as instituições, as dinâmicas e as

virtualidades da sociedade civil. São definidas e concretizadas com agentes culturais presentes

no território, sejam eles públicos e privados, num espírito de cooperação, complementaridade

e cruzamento com realidades de outros territórios, dentro e fora do País. Entre eles estão,

obviamente, os próprios funcionários e colaboradores da Câmara Municipal.

 A alternância democrática, em si própria um elemento essencial da democracia, pode introduzir

cortes bruscos ou alterações drásticas de rumo num trabalho que é lento, em grande parte

pouco visível e sempre sujeito a forte exposição e crítica públicas. Mas, se na maturação dos

projectos e na sua execução e divulgação, os funcionários forem chamados a participar com

a responsabilidade e a visibilidade que individualmente lhes cabe, eles passarão a ser o melhor

garante da continuidade de princípios, objectivo e formas de actuação nas diversas áreas de

criação, produção e mediação culturais. Por outro lado, se a relação estabelecida com agentes

e instituições da cidade se baseou no respeito pela sua autonomia e vocação, o apoio dado

inscreve-se, naturalmente, no dinamismo próprio de cada um, correndo menos riscos de

perder-se.

 

Pode acontecer que um equipamento ou um evento cultural ou um artista marquem uma

cidade. No entanto, mesmo numa cidade média, a vida cultural não pode depender de um único

pólo, ainda que de excelência. Sem as teias de aprendizagem, formação, iniciação, usufruto

e sociabilização, sem dinâmicas criativas diversificadas e profissionalizadas, sem espaços

adequados de expressão e confronto de conhecimentos e sensibilidades, sem despertar e

manter a curiosidade e apetência dos cidadãos relativamente às práticas culturais, a polarização

excessiva pode ter impacto mediático, mas não chega para conferir à cidade a vitalidade criativa,

que, incentivada pela cultura, se estende à ciência, à inovação, ao bem-estar, à civilidade, à

abertura a outras culturas, ao entendimento das alterações rápidas em todo o mundo.

 

Actuar simultaneamente em várias frentes, com diversos graus de responsabilidade e

profissionalização, mas defendendo sempre o maior rigor possível de actuação, é a única e

complexa fórmula que permite avançar sustentadamente. Na leitura, no património edificado

e natural, nas artes plásticas e nas artes do espectáculo, os projectos devem ter em consideração

a iniciação e os primeiros contactos, a descoberta da possibilidade expressivas de cada um

(nas associações, nas escolas, nos serviços educativos dos equipamentos culturais), a formação

profissional e o aperfeiçoamento artístico e técnico, a existência de equipamentos a funcionar

com programação própria, e, como corolário lógico, a organização de eventos de grande

040

impacto pela sua qualidade, que possam servir de referência para os artistas e para os públicos.

Tal como a cidade, a cultura necessita das infra-estruturas básicas, geralmente enterradas

e invisíveis, de ruas e de praças com actividade quotidiana, de alguns pontos altos com vistas

abrangentes e magníficas.

 

Associações de bairro, escolas, centros de formação profissional artística, escolas superiores

das áreas criativas, do pensamento e das ciências, artistas individuais ou em grupos, companhia

e orquestras, instituições e equipamentos culturais: em todos eles deve tocar uma intervenção

que pretenda incentivar a participação de públicos, a qualidade da criação artística e a dinâmica

e visibilidade da cidade, que queira atrair criadores doutras paragens, cruzar saberes, reforçar

memórias, acrescentar património contemporâneo, revisitar obras artísticas universais. Enfim,

que pretenda fazer cidade, com todas as implicações sócioeconómicas que isso permite e

induz.

 

Numa cidade/município onde não há lugar para indústrias tradicionais nem para o sector

primário, a cultura é também um elemento de desenvolvimento económico através das indústrias

culturais (da edição de livro às artes gráficas e à produção audiovisual), da qualificação da

oferta turística, da restauração, do comércio, dos transportes, ou seja, do conjunto de actividades

e serviços incluídos nas fileiras produtivas a montante e a jusante de tudo o que podermos

chamar actividades culturais.

 

Entre as competências das autarquias estão a construção e gestão de equipamentos culturais.

Arquivos, bibliotecas, museus e galerias de arte, centros de ciência, teatros e cinemas são os

mais comuns. Há um limiar mínimo de equipamentos abaixo do qual é muito difícil  podemos

falar de actividade cultural.

No entanto, sabendo-se que,  mais do que na construção, é no funcionamento que reside a

maior e mais persistente responsabilidade financeira da entidade responsável, a decisão política

de avançar com projectos precisa de ser sustentada numa análise das lacunas existentes, do

efeito produzido pela sua  localização no território,  da vocação e objectivos de cada equipamento

e da sua integração numa rede (municipal, metropolitana ou nacional) formada por todos os

equipamentos existentes, independentemente da natureza jurídica dos seus proprietários.

Embora a articulação institucional se alargue a todos os domínios de intervenção municipal

na área da cultura ela é especialmente importante entre instituições gestoras de equipamentos,

quer para manter uma oferta diversificada, quer para acolher e dar visibilidade a agentes

culturais, locais ou não.

041

2. Porto: 12 anos de aplicação da mesma política cultural

É possível analisar claramente o que foi previsto e o que foi concretizado durante três mandatos

sucessivos de gestão socialista da CMP lendo os Planos e Orçamentos de 1990 a 2002 e os

respectivos Balanços e Contas. Através deles, fica claro o modo como entendemos, organizamos

e sustentamos as atribuições e competências dos órgãos municipais no património, cultura

e ciência.

2.1. Utilizamos todas as competências na área do património, a começar pela criação dos

respectivos serviços, que criaram sítios arqueológicos a partir de pesquisa e escavações,

elaboraram processos de classificação ou de propostas de classificação de conjuntos urbanos

(como o centro histórico de Nevogilde, a Avenida Montevideu, a Avenida dos Aliados, a Praça

da Liberdade, a Praça General Humberto Delgado e os edifícios circundantes) e de formações

naturais (como os gneisses da Foz), valorizaram e deram utilidade ao “banco de azulejos” e à

colecção numismática da CMP e, como trave mestra de todo o trabalho, organizaram e geriram

 o Inventário do Património Cultural do Porto, sobrepondo informações georeferenciadas sobre

 evolução urbana da cidade,  património edificado, materiais utilizados, potencialidades

arqueológicas, áreas verdes públicas e privadas. A elaboração do inventário – instrumento

decisivo para equilibrar a expansão urbanística e a salvaguarda do património – só foi possível

com a colaboração de instituições nacionais e locais, e o entusiasmo e competência do pequeno

núcleo técnico dos serviços de património.

A intervenção municipal da área do Património foi, aliás, muito mais vasta. Outros serviços do

pelouro da Cultura transformaram o recinto degradado do Palácio de Cristal, ocupado pela

Feria Popular, num espaço cuidado de jardins e bosque. E outros pelouros executaram projectos

de grande qualidade e dimensão, como o Parque da Cidade, ou tornaram possível, através da

rentabilização da zona, a classificação do Centro Histórico do Porto como Património da

Humanidade.

  

As competências do Município na área do Património distribuídas ao Pelouro da Cultura

incluíram também  iniciativas próprias ou em parceria, em espaços públicos e privados, como

a campanha de iluminação de edifícios da Baixa, da Ribeira, das Igrejas históricas e da Ponte

D. Luiz I, a valorização da Torre dos Clérigos com a instalação do Carrilhão e o apoio à

recuperação ou substituição de órgãos de tubos em várias igrejas da cidade.

 

2.2. No que respeita aos outros sectores integrados no Pelouro da Cultura, a intervenção fez-

-se seguindo linhas definidas à partida. Nos equipamentos culturais, as obras e a modernização

042

dos serviços foram enquadradas por planos  elaborados por áreas: Arquivos, Bibliotecas,

Museus, Teatro Rivoli e Palácio de Cristal .

 

Cada plano apontava os objectivos a atingir, que incluíam sempre facilitar e enriquecer o acesso

dos públicos, profissionalizar, informatizar e monitorizar os serviços, incentivar o seu

funcionamento em rede e a sua ligação a projectos exteriores de natureza semelhante. Em

cada área, os investimentos a fazer pressupunham o incremento das competências dos

funcionários e da visibilidade e reconhecimento do seu trabalho.

 

Foi assim com os Arquivos Geral e Histórico, que foram concentrados em apenas dois locais,

permitindo a preservação e tratamento digital do espólio e criando, com a expansão e reabilitação

da “Casa do Infante”, um núcleo de serviços de qualidade em pleno centro histórico do Porto,

com actividades culturais e pedagógicas relacionadas com o seu valioso acervo, aliás enriquecido

por várias doações.

 

Foi assim com as Bibliotecas, com a criação de novos serviços e a elaboração do projecto de

expansão (parado desde 2002) na Biblioteca Pública Municipal do Porto, em S. Lázaro; com a

construção de raiz duma biblioteca integrada na rede nacional de Leitura Pública  a Biblioteca

Almeida Garrett, nos jardins do Palácio de Cristal; com o levantamento e propostas de

melhoramento das bibliotecas escolares do Porto – um trabalho entregue, em 1996, à Comissão

Interministerial para as Bibliotecas Escolares e que era muito semelhante ao relatório final

da Comissão, quer no diagnóstico, quer nas medidas propostas.

 

Foi assim nos Museus, com a elaboração dum plano director dos Museus da cidade, que deu

sentido às intervenções feitas nos museus integrados no Pelouro da Cultura, a intervenções

de outros pelouros, às parcerias propostas a Instituições, como a Associação Industrial

Portuense para a instalação do Museu da Indústria na Fábrica Harmonia, ou à participação em

projectos privados.

 

O objectivo era contar a história da cidade através de núcleos museológicos que reflectissem,

pela sua localização, pelas características dos seus edifícios e pelos espólios nele integrados,

os sinais das intervenções humanas mais antigas (pólos arqueológicos) os restos da ocupação

medieval e romana (Casa do Infante), a ruralidade resistente (Porto rural, no Parque da Cidade),

a cidade comercial (com a criação do Museu do Vinho do Porto e a participação no Museu dos

Transportes e Comunicações), a cidade burguesa e coleccionadora (Museus Românticos, de

043

Guerra Junqueiro e Marta Ortigão Sampaio) e a cidade industrial (Museu da Industria).

Em paralelo, a Câmara apoiava o Museu de Arte Contemporânea de Serralves (considerado

prioritário na atribuição de fundos comunitários), símbolo da cidade contemporânea, criativa

e cosmopolita, mas também o Museu do Papel Moeda e os Museus de Arte Sacra da Sé e dos

Grilos.

 

Distribuídos por toda a cidade, estes pólos constituíam etapas de um percurso que, percorrido,

permitia olhar e entender a cidade como o acumular de contribuições muito diversas de

sucessivas gerações e diferentes motores de desenvolvimento económico, social e cultural.

 

Foi assim também com o Teatro Rivoli, fechado ao público por falta de segurança em 1989,

reaberto em 1990, alvo de obras de reabilitação profundas de modo a ficar tecnicamente bem

apetrechado, com espaços de produção,  de convívio e restauração e horário de funcionamento

alargado – do meio dia às duas da madrugada. Numa “baixa” há muito em processo de

desertificação o Rivoli foi recuperado para ser ponto de encontro durante e depois do horário

de funcionamento dos estabelecimentos de comércio e restauração, mas também o espaço

de criação e apresentação de artes perfomativas. Através do compromisso de reabilitar e

assegurar o funcionamento do Rivoli, a Câmara Municipal do Porto conseguiu que o Estado

comprasse, recuperasse e transformasse o S. João, em Teatro Nacional, e que ambos

partilhassem as primeiras  obras do Teatro Carlos Alberto, a instalação do Teatro de Marionetas

na Rua de Belmonte e do Ballet Teatro em Arca d’Água. Em parceria com a Universidade do

Porto lançou-se na construção do Teatro do Campo Alegre, ao lado do Planetário do Porto, no

coração do pólo 3 da Universidade.

Finalmente, quando a compra por uma seita e um incêndio puseram o Coliseu em risco de

acabar como sala de espectáculos, a Câmara Municipal do Porto,  identificada com a vaga de

protestos que se generalizou na cidade, empenhou-se  na sua reconstrução e reequipamento,

bem como na constituição do modelo de gestão que ainda hoje persiste.

 

Foi ainda assim com o Recinto do Palácio de Cristal (ocupado pela Feira Popular e de entrada

sempre paga) onde restaurámos e ampliamos os jardins, construímos a Biblioteca e a Galeria

Municipais, introduzimos actividades culturais, de convívio e lazer e programas de divulgação

cientifica e ambiental, com o objectivo de adequar o recinto – criado para ser palco das

actividades de lazer duma burguesia empreendedora do séc. XIX às necessidades actuais de

camadas de populações mais vastas e diversificadas.

 

044

2.3. As competências legais dos municípios, relacionadas com o apoio a actividades culturais

amadoras e a actividades de interesse municipal, foram aplicadas olhando as actividades

amadoras e as actividades profissionais, artísticas e culturais com duas faces diferentes, mas

indissociáveis da mesma moeda, partindo do reconhecimento da importância e da

indispensabilidade da cultura no processo de desenvolvimento duma cidade pequena, donde

as indústrias tradicionais tinham saído por serem incompatíveis com o desenvolvimento urbano,

o comércio e a banca perdiam protagonismo regional com a dispersão pelo território, surgiam

problemas de tensão social provocados por diferenças acentuadas na possibilidade de acesso

às vantagens da educação e formação.

 

Cinco linhas de actuação nortearam o incentivo e apoio a actividades culturais.

 Com o programa “Animar o Associativismo”, promoveu-se o espírito solidário e benévolo das

associações, através de acções de reforço das suas estruturas organizativas, de apoio técnico

ou financeiro aos seus locais de funcionamento, de informação partilhada por todas, de

realização de actividades e eventos em parceria. Em simultâneo, despertou-se nelas o interesse

por contactar com actividades culturais profissionais, quebrando o mito de um antagonismo

artificial que apenas mantém e reproduz uma exclusão socialmente selectiva dos que não

beneficiam de actividade cultural mais exigente.

O programa “Descobrir” foi dedicado às escolas, com o duplo objectivo de incluir a educação

artística (literatura, musica, dança, artes plásticas, rádio) nas actividades escolares e criar nos

alunos e professores, através disso e da facilitação de acesso aos equipamentos culturais,

apetência para contactar e participar em projectos culturais fora da escola.

A partilha dessas experiências e a sua projecção no espaço público mereceu a organização

de eventos como “Os dias da Escola”.

 

O apoio à criação artística incluiu várias linhas de actuação: a formação profissional inicial, o

aperfeiçoamento através de cursos e a integração em projectos internacionais, o co-financiamento

de espectáculos e sua  divulgação, a integração do seu trabalho em projectos mais amplos

(representação exterior do município e eventos festivos).

Nestes três programas, o apoio da Câmara era contratualizado anualmente a partir de

candidaturas apresentadas com indicação das acções a desenvolver e respectivo orçamento.

As propostas de apoio eram discutidas e aprovadas pelo executivo municipal. Nenhum

equipamento ou serviço cultural detinha a possibilidade de atribuir subsídios: apenas a Câmara

o fazia.

As duas outras linhas de acção de incentivo à actividade cultural tinham, simultaneamente, o

045

objectivo de criar na cidade momentos e espaços de concentração de actividades de grande

valor artístico e de lhes dar a visibilidade e continuidade necessária para se transformar em

motivo de atracção de visitantes.

Foi por isso definido um programa anual de animação da cidade, onde se incluíam os Festivais

que já existiam  e os que apareceram depois, organizados ou apoiados  pela Câmara (Festival

de Jazz, PONTI,  “Do Natal aos Reis”, Semana do Cinema Europeu, Festival de BD, Páscoa  no

Porto, etc ).

 

A quinta linha de actuação assentava no princípio de que alguns projectos especiais eram

necessários para concentrar atenções, através de vários instrumentos, num objectivo

determinado. Pela sua dificuldade de execução e pelos custos envolvidos, admitíamos que

pudessem não ser sustentáveis durante muito tempo, mas poderiam ser tomados por outras

instituições.

 

O caso paradigmático foram as Jornadas de Arte Contemporânea do Porto, com 3 edições

realizadas em 1992, 93 e 95.

 

Após dois anos de trabalho com lançamento dos programas atrás referidos, pensamos que

era o momento de a Câmara participar activamente no esforço que a Fundação de Serralves

desenvolvia para construir o Museu de Arte Contemporânea, cujo projecto estava a ser feito

pelo Arq. Siza Vieira para integrar as diversas  actividades culturais previstas. Por isso, as

Jornadas incluíram manifestações de artes plásticas, música, dança e vídeo, com a participação

de artistas locais e internacionais de grande qualidade, já consagrados alguns, outros apenas

promessas. 

Para captar públicos sem interesse especial pela arte contemporânea, as Jornadas utilizaram,

além dos equipamentos tradicionais, espaços de grande valor patrimonial, mas degradados

e/ou fechados ao público em geral, como as catacumbas e a sala do arquivo da Alfândega do

Porto, o Palácio do Freixo e a Fábrica Harmonia e a Sala do Capítulo da Ordem Terceira. O

contacto das pessoas com esses locais desencadeou processos de recuperação e de utilização

pública desse património, que prossegue ainda hoje, com excepção do único que ficou na posse

da Câmara.

 

Finalmente, envolveu-se o tempo de duração de cada edição das Jornadas num ambiente de

descoberta, discussão, convívio e alguma festa, ambiente que se transferiu para Serralves e

se desenvolveu e enriqueceu com as extraordinárias consequências que se conhecem.

046

Para Comissário das Jornadas procuramos alguém fora do circuito dos nomes consagrados.

De João Fernandes, que dava aulas na Escola Superior de Educação do Porto, apenas

conhecíamos o seu interesse profundo pelas expressões artísticas contemporâneas. O trabalho

que desenvolveu e a visibilidade que as Jornadas lhe deram estão na origem da sua escolha

para subdirector artístico do MAC de Serralves, que agora dirige.

 

3. Algumas notas finais

 Uma cidade como o Porto é muito mais do que a sua Câmara Municipal. A cultura de uma

cidade é muito mais do que o pelouro da Cultura. Os responsáveis autárquicos não são donos

de nada, apenas gestores temporários do que é propriedade municipal que, por muito grande

que seja, é apenas uma parte do conjunto de equipamentos, espaços, actividades de outras

instituições públicas e privadas.

Do reconhecimento ou não desta realidade – que é a realidade que as pessoas apreendem

quando olham ou vivem a cidade – depende da forma como cada autarca exerce o seu mandato.

Durante doze anos, a gestão socialista na área da Cultura baseou-se na articulação institucional

como método permanente de trabalho, não apenas como um meio de rentabilizar saberes e

conhecimentos, tanto como meios humanos, logísticos e financeiros, mas também como

objectivo em si própria.

Como em tudo, monitorizar e avaliar os resultados obtidos com uma determinada forma de

intervenção num território é essencial, quer para fornecer os dados necessários à tomada de

decisões, quer para verificar se as metas foram cumpridas ou se é necessário introduzir

alterações de percurso. Os projectos de acção cultural foram acompanhados por especialistas

externos, trazidos das universidades e institutos politécnicos, convidados a fazer a caracterização

dos públicos e das suas aspirações, a estudar as condições técnicas dos equipamentos culturais

ou a sua viabilidade de gestão. Avaliar  projectos não se faz apenas através de uma contabilidade

necessariamente equilibrada ou de estatísticas superficialmente tratadas. Só é culturalmente

relevante se incluir também informações sobre o impacto na formação e comportamento das

pessoas e sobre o valor que, directa ou indirectamente, a actividade cultural traz para a

economia da cidade.

Por fim, falemos de gestão.

A política cultural autárquica pode ser definida nas suas linhas essenciais e prosseguida com

tenacidade, mas a sua concretização não é linear, depende da gestão de conflitos, de interesses

e de oportunidades tanto como da gestão de equipamentos, projectos ou orçamentos.

047

 As oportunidades aproveitam-se, mas também se criam. São importantes porque permitem

concentrar meios e visibilidade na consolidação de projectos, mas não nascem no vazio nem

por milagre. A candidatura do Porto a Capital Europeia da Cultura nasceu da constatação que,

na segunda metade dos anos noventa, a cidade tinha os equipamentos, as dinâmicas e a

qualidade de criação cultural necessárias para, em conjunto com outras cidades europeias,

disputar o título que lhe permitiria avançar um pouco mais. O júri europeu que analisou oito

candidaturas escolheu o Porto e Roterdão.

A programação cultural da PORTO2001 fez-se com a colaboração de mais de quatro centenas

de instituições locais, nacionais e internacionais. Ocupou a cidade e prolongou-se para muito

longe dos seus limites. Terminou obras em arrastado curso no Museu Nacional de Soares dos

Reis, na Cadeia da Relação/Centro Português de Fotografia. Cobriu o Claustro de S. Bento da

Vitória, fez a Casa do Cinema de Animação, comprou e lançou as obras do Teatro Carlos Alberto,

concebeu de raiz o projecto cultural e o edifício da Casa da Música.

À medida que a poeira das polémicas assenta, fica claro que as políticas culturais precisam

de gestão, mas necessitam também de algumas utopias.

 

MANUELA DE MELO

Deputada do Parlamento desde 2002 é membro das Comissões Parlamentares de Educação, Ciência e Cultura e de Poder

Local, Ambiente e Ordenamento do Território.

Licenciada em Biologia pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Exerceu o cargo de Vereadora do Pelouro

de Cultura e Turismo na Câmara Municipal do Porto entre 1990 e 2002; foi membro do Conselho de Administração –

Comissão Executiva da Porto 2001 SA, membro do Conselho de Opinião da RTP e professora do ensino superior.

048

049

CAPÍTULO II

OS NOVOSTERRITÓRIOSDA CULTURA

1. AS INDÚSTRIAS CULTURAIS E CRIATIVAS: NOVOS DESAFIOS PARA AS

POLÍTICAS MUNICIPAIS

Pedro Costa, Elisa Pérez Babo

O presente artigo pretende lançar algumas novas pistas para a intervenção cultural dos

municípios, com base em duas perspectivas que vêm sendo objecto de grande reflexão académica

e política nos anos mais recentes. Por um lado, a importância de uma visão territorializada

das políticas sectoriais para a cultura, evidenciando a importância que os recursos culturais,

materiais, imateriais e simbólicos representam no quadro dos processos de desenvolvimento

local e regional. Por outro lado, o interesse que a extensão do âmbito cultural a outras

actividades relacionadas com a comunicação, os conteúdos e a criatividade e que o seu potencial

de alargamento associado às novas tecnologias de informação e comunicação têm no quadro

de novas estratégias de competitividade e inovação.

Deste modo, partindo de uma primeira sistematização relativamente abreviada sobre conceitos

051

e abordagens teóricas ou de natureza empírica, acerca das indústrias culturais e criativas e

das suas dinâmicas de base territorial, o artigo apresenta uma leitura dessas dinâmicas no

contexto do território nacional, com especial enfoque sobre as transformações mais evidentes

registadas ao longo das últimas duas décadas.

Para além de uma abordagem mais quantitativa, centrada na análise de alguns indicadores

que permitem reconhecer as principais tendências de evolução das actividades culturais e

criativas no território português nos últimos vinte anos, o trabalho faz uma breve sistematização

de um conjunto de tipologias de experiências territorializadas de base cultural, que têm

prosseguido em Portugal nos últimos anos e sobre as quais importará retirar ensinamentos

e orientações no sentido de robustecer e inovar no campo das políticas culturais municipais,

respondendo aos desafios da competitividade e da globalização.

Este mesmo anseio é de alguma forma encetado no último capítulo, com um conjunto de

contributos que os autores enunciam em matéria de novos âmbitos, novos contextos e novas

metodologias de intervenção política no sector, à escala municipal e/ou regional.

1. Enquadramento: actividades culturais e território

Tem sido evidente ao, longo dos últimos anos, o crescimento da atenção para com as actividades

culturais e criativas, seja no campo da análise teórica e mais académica destes fenómenos,

seja no dos estudos empíricos realizados sobre estas actividades, seja ainda, e com particular

destaque, no da actuação política e da preocupação dos poderes públicos, às diversas escalas,

com o papel que estas actividades podem desempenhar na promoção do desenvolvimento e

da competitividade territorial.

O crescimento da retórica e da actuação concreta em torno da ideia das “cidades criativas”,

bem como a pura e simples assunção pelos poderes públicos e pelos agentes económicos do

papel fundamental que as actividades da cultura podem desempenhar na promoção da

competitividade e no desenvolvimento dos territórios, tem sido, neste quadro, evidente, um

pouco por todo o mundo, sem excepção para o caso português (veja-se, por exemplo, o

reconhecimento que é feito desta realidade a nível das principais instituições supranacionais

-CE/KEA, 2006; OECD, 2005).

Não obstante, a noção de “actividades” ou “indústrias” culturais e criativas não é de todo clara

nem consensual, tendo-se acumulado em torno destas ideias genéricas um conjunto de

conceitos e abordagens (nem sempre reconhecidos e partilhados de forma muito ampla ou

abrangente…) que espelham uma diversidade de preocupações, práticas e abordagens teórico-

-disciplinares muito ampla02.

052

Da mesma forma, verifica-se igualmente uma ampla diversidade de conceitos e de abordagens

teóricas no quadro da própria análise da relação entre estas actividades culturais/criativas e

os territórios onde estas se desenvolvem, e isto seja na perspectiva de perceber e mapear o

padrão da organização e estruturação espacial destas actividades, ou seja, na lógica de perceber

o papel que estas actividades podem ter na promoção do desenvolvimento territorial e na

prossecução da competitividade e da revitalização urbana (para uma visão mais exaustiva deste

aspecto, veja-se Costa, 2003).

i) Complexos territorializados de produção e consumo baseados em actividades culturais

Especialmente relevante para nós, e particularmente estimulante para a estruturação e

promoção de políticas de desenvolvimento de base local a partir destas actividades, é a análise

dos múltiplos tipos de “complexos territorializados de produção e consumo” baseados em

actividades culturais e criativas, que têm sido apontados na literatura e na observação empírica

ao longo dos últimos anos um pouco por todo o mundo. Estes diversos casos configuram em

geral sistemas de produção localizados, muito dinâmicos, e fortemente territorializados, isto

é, intimamente ancorados na realidade específica (recursos, actores, instituições, formas de

governança) local, independentemente de poderem estar (e muitas vezes estão…) perfeitamente

inseridos em dinâmicas e lógicas de funcionamento com carácter global. Não obstante a sua

diversidade e, obviamente, a especificidade das condições particulares que contextualizam,

cada um destes casos serão bons exemplos daquilo que poderá ser a base para a construção

de dinâmicas auto-sustentadas (a níveis muito distintos) que configurem oportunidades para

o desenvolvimento de soluções, a nível da actuação de base local, que possam explorar o

potencial das actividades culturais para a promoção de valor económico, a criação de emprego,

ou a dinamização de lógicas de participação e integração social, isto é, que contribuam para

o desenvolvimento territorial e para a qualidade de vida das suas populações.

Vários exemplos podem ser referidos de entre os muitos tipos de situações que, nos últimos

anos, têm sido apontados um pouco por todo o mundo, como paradigmáticos destas dinâmicas

socioeconómicas de sucesso, fortemente territorializadas, e baseadas em actividades do sector

cultural ou criativo.

Desde os diversos “distritos culturais” ou “artísticos” e os “bairros culturais” existentes em

muitas cidades, onde se concentram lógicas de produção e consumo cultural específicas e se

desenvolvem dinâmicas e formas de governança particulares que atraem e fomentam a

criatividade e a produção cultural, aos complexos territoriais baseados na “produção de imagens

e símbolos” exportáveis para o exterior (como Hollywood ou outros); desde os centros das

grandes metrópoles, com a sua grande concentração de actividades culturais e a geração de

053

massas críticas e de efeitos de densidade e heterogeneidade que possibilitam a ocorrência

das práticas culturais mais especializadas ou independentes, aos clusters de actividade

especializados (em meio urbano ou não), com uma base territorial muito forte, centrados na

produção de bens culturais particulares ou na articulação destes bens, com peso estético e

simbólico muito forte, com outros sectores de actividade (através da moda ou do design

industrial, por exemplo); desde a ocorrência de complexos de alta tecnologia (ou múltiplos

parques de ciência e pólos tecnológicos), com uma grande concentração de actividades criativas

e da produção de conteúdos culturais (multimédia, etc.), às mais diversificadas operações de

requalificação, regeneração ou revitalização baseadas em actividades culturais, em zonas

degradadas ou abandonadas ou nos centros históricos tradicionais das cidades (ou, nalguns

casos, menos ambiciosamente, a operações baseadas na realização de grandes eventos –

capitais da cultura, grandes exposições, festivais, … – ou na materialização de equipamentos

“flagship” – grandes museus, centros culturais, grandes auditórios, … – com eventual capacidade

multiplicadora na vida cultural das cidades); muitos são os exemplos referidos neste campo…

Uma característica, no entanto, é essencial, apesar desta diversidade: a sua forte territorialidade,

isto é, a forte ancoragem local das dinâmicas que os suportam e a aposta em soluções

específicas (e muitas vezes, portanto, em lógicas de governança particulares) que os distingam

e que possibilitem o seu potencial competitivo numa realidade crescentemente globalizada.

ii) Abordagens a dinâmicas territoriais

Neste quadro, a diversidade de dinâmicas territoriais assentes numa centralidade das actividades

culturais e criativas é a regra, e esta multiplicidade reflecte-se igualmente numa grande

amplitude de abordagens teóricas e conceptuais a estas realidades (bem como,

consequentemente, de lógicas de formulação de políticas…).

Podemos brevemente sintetizar a multiplicidade de abordagens que têm tido por alvo esta

dinâmicas, em 4 grandes grupos (Costa, Magalhães, Vasconcelos e Sugahara, 2006).

Um primeiro grupo de abordagens pode ser definido em torno das perspectivas mais

explicitamente centradas na noção de “cidades criativas”, que desde o final dos anos 90 tem

tido uma ampla divulgação, um pouco por todo o mundo, e que têm sustentado muitas das

intervenções que a nível local, se têm definido no campo da promoção do desenvolvimento

territorial associado a estas actividades. Inserem-se neste grupo, no entanto, vários

entendimentos e perspectivas do que é a construção das “cidades criativas”: (i) seja, por um

lado, a noção do uso da criatividade essencialmente como instrumento para o desenvolvimento

e a regeneração urbana (construindo soluções “criativas” para esse desenvolvimento, na linha

de autores como Landry ou Bianchini, e instituições como a Comedia); (ii), seja, por outro lado,

054

o entendimento de cidades criativas como aquelas que assentam o seu desenvolvimento

essencialmente nas “actividades” ou nas “indústrias” criativas (na linha de autores como Pratt,

ou instituições como o DCMS ou o NESTA, na Grã Bretanha ou outras em muitos outros países);

(iii), ou seja, ainda, pela assimilação do conceito de “cidade criativa” à ideia de atrair as “classes

criativas” e o talento (na linha das muito disseminadas ideias de Richard Florida ou outros

autores).

Um segundo grupo de abordagens, mais amplo do que o primeiro, poderá ser assumido em

torno das múltiplas perspectivas que assumem as actividades culturais e criativas como uma

clara prioridade na formulação de políticas para a promoção do desenvolvimento regional e

local. Podemos aqui incluir toda a actuação desenhada em torno da promoção de eventos,

festivais, grandes equipamentos e espaços culturais (pense-se por exemplo nas capitais da

cultura, na realização de grandes exposições, eventos, festivais de música ou cinema, etc.); a

aposta em instituições do tipo das agências de desenvolvimento local para a promoção da

cultura, da criatividade e do desenvolvimento urbano; ou as operações, mais ou menos

integradas, e de maior ou menor dimensão, de renovação, regeneração ou revitalização urbana,

desde intervenções em pequenos bairros como o muito citado Temple Bar, em Dublin, a grandes

operações como a Expo 98, em Lisboa (veja-se, por exemplo, sobre isto, autores como Bianchini

e Parkinson, O’Connor e Wynne ou estudos de instituições como o MIPC ou o ERICArts).

Podemos igualmente incluir aqui as abordagens mais institucionais das principais organizações

supranacionais a esta questão (EU, UNESCO, OCDE, …), que nos últimos anos têm realçado

crescentemente, através de sucessivas análises e relatórios, o papel das actividades criativas

e da economia cultural na promoção do desenvolvimento, particularmente a nível local.

Um terceiro grupo de abordagens, mais abrangente que os precedentes (e consequentemente,

englobando-os a ambos), poderá ser definido em torno da consideração das dinâmicas culturais

e criativas como factores–chave para o desenvolvimento regional e urbano, mas

independentemente da existência ou não de uma actuação pública explícita com esse objectivo.

É o caso, por exemplo, de muitas das situações, acima referidas, associados aos complexos

territorializados de produção e de consumo cultural. Por exemplo, muitas dos estudos efectuados

sobre sistemas produtivos ou dinâmicas territoriais localizadas (pense-se novamente em casos

clássicos como Hollywood, por exemplo), sobre bairros ou distritos culturais, ou a própria

análise das dinâmicas da localização intra-urbana ou intra-metropolitana das actividades

culturais, podem ser incluídas nesta categoria. Também muitas outras abordagens, centradas

na análise da organização da “inner-city”, de clusters, de sistemas regionais de inovação ou

de meios inovadores baseados em actividades culturais, na ideia das cidades de arte, ou nos

distritos culturais, no papel de certos equipamentos culturais instituições ou modelos

055

organizacionais emblemáticos (Guggenheim, complexos museológicos, etc.), podem ser aqui

incluídos (veja-se a este propósito, contributos de autores tão diversos como Scott, Hutton,

Camagni, Mailat e Matteaciolli, Santagata, Lazzeretti,…).

Finalmente, um quarto e ainda mais amplo conjunto de abordagem poderá ser estruturado

em torno da ideia de valorização territorial com base na identidade e na cultura específicas

de cada território. Para além dos aspectos acima referidos, esta perspectiva abrangente entra

ainda em linha de conta com outras análises, centradas na identidade cultural (ou no património,

por exemplo) como recursos essenciais para a competitividade (ou seja, na lógica da valorização

da diferenciação territorial através de recursos endógenos específicos); com a importância da

imagem territorial e do marketing urbano; ou com a afirmação do espaço urbano nas

representações, internas e externas, que as pessoas constroem das cidades e dos seus bairros,

e na sua reprodução nas suas identidades.

2. Dinâmicas culturais em Portugal: uma leitura territorial

2.1. Tendências territoriais das dinâmicas culturais

As dinâmicas de territorialização das actividades culturais nos últimos anos em Portugal têm

vindo a acentuar algumas tendências, embora não necessariamente convergentes, na medida

em que são diversos os factores determinantes da sua evolução. Se em determinadas dimensões,

a questão da massa crítica de oferta e de procura de bens e serviços artísticos e culturais

constitui elemento determinante na configuração da distribuição territorial das dinâmicas em

causa, existem outros factores, designadamente associados ao papel assumido pelas políticas

autárquicas e ao potencial de exploração turística que os recursos do património detêm, que

têm contribuído para reforçar tendências de distribuição de certa forma divergentes das

anteriores.

A análise territorial das dinâmicas culturais das duas ou três últimas décadas confirma a

importância que as políticas municipais adquiriram no desenvolvimento das actividades artísticas

e culturais e das práticas culturais e de lazer da população, sobretudo fora das grandes cidades

(Lisboa e Porto) onde se concentram as principais instituições do sector, seja de iniciativa

pública central, seja de iniciativa privada. O esforço conferido pelas autarquias na construção

de redes de novos equipamentos, nas diversas áreas de intervenção (livro e leitura, museologia

e preservação do património, espectáculos e artes performativas) e na assunção de outras

novas áreas de intervenção, designadamente, na formação de públicos, na programação de

espaços culturais, na promoção das artes, como na divulgação e salvaguarda do património,

foi essencial. Muitas autarquias consolidaram neste mesmo período novas competências,

056

reforçaram as suas estruturas organizativas e enveredaram também por vezes por novas

soluções institucionais que, no seu conjunto, procuraram contribuir para densificar e reforçar

o tecido cultural e artístico dos respectivos territórios.

Em geral, os projectos municipais promovidos dentro das diferentes áreas de intervenção

beneficiaram do acesso aos Fundos Estruturais europeus, em especial no quadro dos Programas

Operacionais Regionais, e no último período de programação de Fundos Estruturais (QCA III),

no quadro também do Programa Operacional da Cultura. Em determinadas áreas, as autarquias

beneficiaram do apoio técnico e financeiro conferido pelo Governo, onde se destaca, por exemplo

o caso das bibliotecas municipais e dos projectos apoiados no quadro do Programa de Rede

de Leitura Pública. Em termos globais, segundo algumas das análises feitas03, o investimento

autárquico na cultura assumiu neste período uma quota-parte muito significativa do total de

investimento público para o sector.

Os gráficos seguintes permitem ilustrar, de forma global, esse esforço financeiro por parte

da Administração Local, no período que se estende entre 1990 e 2004, sendo de destacar a

importância que continuam a assumir no caso das despesas correntes municipais, as áreas

de actividades sócioculturais e as actividades relacionadas com as bibliotecas, áreas em que

as autarquias mais cedo desenvolveram competências específicas. (ver Gráfico 1)

No caso das despesas de capital, para além do significativo investimento no património, realça-

se mais recentemente (a partir de finais da década de 80) uma grande aposta das autarquias

na construção de recintos culturais destinados às artes do espectáculo, acção que permite

que muitos destes concelhos assegurem hoje uma programação de espectáculos artísticos

regular e mais estruturada. (ver Gráfico 2)

Apesar da importância e do significado que assumiram as políticas e as intervenções autárquicas

no desenvolvimento cultural dos territórios nas duas décadas precedentes, mantém-se, contudo,

actualmente um panorama territorial bastante desigual, em especial se nos centrarmos nas

vertentes de natureza organizativa privada (do terceiro sector e empresarial), de carácter

artístico ou cultural, verificando que as dinâmicas se centram sobretudo nos principais

aglomerados urbanos.

Admitindo à partida que esta constatação não confere uma novidade para quem se tem

preocupado e dedicado a estudar, reflectir e intervir, a diversos níveis, no desenvolvimento

cultural do país, procura-se no âmbito deste artigo dar alguns contributos para, por um lado,

sistematizar e perceber melhor estas tendências e, por outro lado, abrir hipóteses de novos

campos de acção que possam cumprir objectivos mais ambiciosos e estruturadores de um

057

novo paradigma da cultura no quadro do desenvolvimento dos territórios.

A leitura de alguns elementos de informação quantitativa permite retirar conclusões interessantes

que ajudam a perceber tendências de evolução do tecido organizativo do sector em termos

espaciais. Propomos neste âmbito, e a título ilustrativo04, uma leitura cruzada de três

componentes, com base em três fontes distintas de informação de base estatística e empírica05:

i) A dinâmica empresarial e de emprego no sector cultural e criativo06, analisada com base

no número de estabelecimentos de empresas e no número de TPCO (Trabalhadores por Conta

de Outrem) retirados dos Quadros do Pessoal do Ministério do Trabalho e da Segurança Social

de 2003;

ii) As dinâmicas de oferta artística e cultural, analisadas com base em duas fontes muito

diversas, uma de carácter público, associada a um sistema de financiamento da produção e

programação artística e cultural, o programa Território Artes, em que se utiliza um indicador

de distribuição territorial dos agrupamentos artísticos e culturais inseridos no sistema e uma

outra, de iniciativa privada, associada à entidade procur.arte que publica um catálogo de oferta

de artistas e produtores artísticos e culturais, o Pisa-papéis07, utilizando neste caso igualmente

um indicador de distribuição territorial;

iii) As dinâmicas de investimento público e privado no sector artístico e cultural, analisadas

com base nos projectos culturais financiados no último período de programação dos Fundos

Estruturais, 2000-2006, quer no âmbito do Programa Operacional da Cultura, quer dos Programas

Operacionais Regionais, utilizando indicadores de número de projectos por áreas e de volume

financeiro.

2.1.1. Dinâmicas empresariais no sector cultural e criativo

Esta análise incide sobre um conjunto de subsectores que se designa por actividades culturais

e criativas, de acordo com conceitos actualmente trabalhados por diversos autores e/ou

considerados em diversos documentos de base internacional, designadamente da Comissão

Europeia (a sua desagregação por CAE é apresentada em anexo). Os dados utilizados foram

os disponíveis nos Quadros de Pessoal do Ministério do Trabalho e Segurança Social, referentes

aos anos de 1999 a 2003.

Apesar de o sector das actividades culturais e criativas integrar uma parte significativa de

profissionais individuais (profissionais em regime individual) e empresas em nome individual,

em especial em subsectores das áreas artísticas e do audiovisual e multimédia, bem como de

058

entidades de natureza pública ou privada não empresarial, nas áreas do património, dos

museus, das bibliotecas e de outras actividades culturais, considerou-se mesmo assim de

interesse a análise das dinâmicas empresariais08. A predominância de empresas em subsectores

ligados aos media, à comunicação, à actividade de edição (livros e outros suportes gravados)

ou à actividade de joalharia e ourivesaria justificam a análise feita com base nesta informação.

As actividades do sector cultural e criativo (segundo a delimitação definida) representavam em

Portugal, em 2003, apenas cerca de 1,9% do total de empresas e 2,4% do total de trabalhadores

ao serviço nas empresas. Esta pequena representatividade quantitativa não reduz o interesse

da análise proposta na medida em que se trata, como referido, de um sector com um significativo

potencial de crescimento no âmbito da economia baseada na informação e no conhecimento.

A estrutura empresarial por subsectores em 2003 mantinha uma forte presença das actividades

de perfil industrial, associadas a actividades tradicionais relacionadas com os media, o livro

e a publicidade. A Impressão e actividades de serviços relacionados com a impressão (CAE

222) e a Publicidade (CAE 744) representavam cerca de 68% de estabelecimentos de empresas

e 69% dos trabalhadores ao serviço nas empresas do sector de actividades culturais e criativas.

Os subsectores do Cinema e Vídeo (CAE 921) e da Rádio e Televisão (CAE 922) representavam,

nesse mesmo ano, respectivamente 7,2% e 5% dos estabelecimentos e 5,7% e 8,7% dos

trabalhadores ao serviço. Muito próximo destes dois subsectores de perfil industrial situava-

-se o subsector das Artes Visuais e performativas com 7,1% dos estabelecimentos e 5,1% dos

trabalhadores ao serviço nas empresas.

Os gráficos seguintes apresentam a evolução entre 1999 e 2003 do número de estabelecimentos

de empresas e do número de pessoas ao serviço (TPCO) segundo os subsectores analisados.

(ver Gráfico 3)

Entre 1999 e 2003, o total de número de estabelecimentos do sector de actividades culturais

e criativas cresceu cerca de 25%, sendo que o crescimento mais significativo se verificou nas

empresas do subsector das artes e do património (cerca de 98,9%), enquanto que nos subsectores

inseridos no segmento de indústrias culturais o aumento foi apenas de 19,9% e nas actividades

de lazer de 28,6%.

Nos subsectores da comunicação, da publicidade e da impressão ou ainda da fabricação de

joalharia e ourivesaria verifica-se uma estabilidade ou um leve decréscimo do número de

estabelecimentos, enquanto que é crescente a tendência de evolução dos estabelecimentos

nos subsectores artísticos, em especial no caso das actividades artísticas e de espectáculo,

mas também no caso da edição e das actividades de rádio e televisão. De referir ainda a

presença muito pouco significativa no sector empresarial das actividades de bibliotecas,

059

arquivos, museus e outras actividades culturais, em que é dominante a intervenção do sector

público.

As tendências de evolução em termos de pessoas ao serviço (TPCO) nas empresas do sector

apresentam igualmente algum contraste. (ver Gráfico 4)

A evolução, nos últimos anos, do número de pessoas ao serviço em empresas dos subsectores

da impressãoe da publicidade é claramente de sinal negativo, o que estará em princípio

relacionado com transformações de pendor tecnológico associadas à utilização de tecnologias

digitais e às tecnologias de informação e comunicação mais avançadas. Nos restantes sectores,

as tendências são na maioria dos casos ou levemente decrescentes ou estacionárias, excepto,

mais uma vez, no caso das actividades artísticas e de espectáculo que manifestam um ligeiro

crescimento.

As dinâmicas empresariais e de emprego neste conjunto de actividades culturais e criativas

têm demonstrado, desde os finais da década de 90, algum vigor sobretudo nas áreas urbanas

de maior dimensão ou em áreas de urbanização mais intensa (designadamente nas NUTS III

da Península de Setúbal, Cávado, Ave, Baixo Vouga, Baixo Mondego e Algarve) e em diferentes

subsectores, quer de natureza artística, quer nas áreas relacionadas com os media.

Em termos de distribuição espacial, verifica-se uma concentração acentuada dos

estabelecimentos do sector das actividades culturais e criativas, com uma presença superior

a 50% do total nas aglomerações de Lisboa e do Porto (Figura 1). Para além da concentração

nas principais cidades (64% dos estabelecimentos nestes subsectores localizam-se nas

aglomerações de Lisboa e do Porto e num pequeno grupo de cidades de média dimensão

distribuídas pelo restante território nacional) constata-se que só na Grande Lisboa estão

localizados cerca de 40% do total de estabelecimentos do sector. A distribuição do emprego

nas empresas do sector manifesta um perfil ainda mais acentuado de concentração, com cerca

de 82% dos trabalhadores por conta de outrem localizados nas duas aglomerações de Lisboa

e do Porto e nas áreas das NUTS III de Península de Setúbal, do Ave, do Baixo Vouga e do

Algarve (Figura 2).

Fora das grandes aglomerações do Porto e de Lisboa, a Península de Setúbal é a zona que

concentra maior percentagem de estabelecimentos (cerca de 5,6%) e de trabalhadores ao

serviço nas empresas (3,5%) no sector das actividades culturais e criativas.

Esta tendência de distribuição espacial estará associada em princípio a determinadas condições,

seja em termos de aglomeração e de interdependência destas actividades com outros sectores

de actividade (no caso específico da publicidade, por exemplo), seja em termos da dimensão

060

de mercado e de massa crítica dos consumidores culturais (em especial no campo das

actividades artísticas e de espectáculo). A par disso, a centralização e a concentração espacial

do sector cultural de iniciativa pública da administração central têm contribuído, por seu lado,

para reforçar as tendências de concentração de actividades artísticas e performativas na cidade

e aglomeração de Lisboa e para fazer emergir um núcleo crescente destas actividades na

cidade do Porto (para o que contribuem de forma muito significativa projectos de parceria

público-privada como o da Fundação de Serralves e, mais recentemente, o da Casa da Música).

As dinâmicas de concentração do sector dos media e das tecnologias de informação e de

comunicação em Lisboa influenciam paralelamente, e de forma determinante, a concentração

dos pequenos produtores e dos profissionais independentes no sector do cinema e vídeo e da

rádio e televisão em certos concelhos da Grande Lisboa.

Apesar das tendências de concentração espacial do sector cultural e criativo, as actividades

de edição e de publicidade mantêm um perfil de distribuição territorial mais disseminado,

embora com uma maior expressão na faixa litoral do território, onde se concentram os núcleos

urbanos de maior dimensão (cidades de média dimensão) (Figura 3).

Os subsectores de actividade das bibliotecas, arquivos, museus e outras actividades culturais

ou recreativas, por seu lado, manifestam uma presença crescente fora dos grandes centros

de Lisboa e Porto e configuram uma distribuição relativamente equilibrada, associada em

grande parte ao papel que as políticas culturais locais têm desempenhado na promoção destas

actividades no restante território nacional, como anteriormente referido.

Essa dinâmica municipal associada às políticas públicas autárquicas explica, em parte, o facto

de os municípios com uma presença significativa de empresas do sector no quadro do contexto

nacional (municípios com mais de 1% do total de estabelecimentos do sector das actividades

culturais e criativas em 1999 – para além de Lisboa e Porto, Sintra, Oeiras, Cascais, Loures,

Amadora, Odivelas, Vila Nova de Gaia, Matosinhos, Maia, Almada, Braga, Coimbra, Leiria, Viseu,

Guimarães, Aveiro e Loulé) terem aumentado, no período entre 1999 e 2003, o número de

estabelecimentos, considerando que este crescimento esteve sobretudo associado a um

acréscimo de estabelecimentos nos subsectores artísticos e do património.

Apesar disso, em termos de número de trabalhadores ao serviço, apenas uma parte dos

municípios com mais de 1% do total nacional de trabalhadores ao serviço no sector das

actividades culturais e criativas em 1999 (para além de Lisboa e Porto, os municípios de Oeiras,

Sintra, Cascais, Loures, Odivelas, Vila Nova de Gaia, Maia, Matosinhos, Almada, Braga, Coimbra,

Guimarães e Póvoa de Varzim) viu o seu volume de trabalhadores ao serviço nestes subsectores

061

aumentar nesse mesmo período. Esta tendência positiva verificou-se nos municípios de Oeiras,

Sintra, Vila Nova de Gaia, Maia, Almada, Guimarães e Póvoa de Varzim. O menor dinamismo

em termos de emprego pode, por outro lado, confirmar a percepção de que em grande parte

destes contextos municipais a capacidade de profissionalização do sector é ainda muito débil.

2.1.2. Dinâmicas de oferta artística

A análise da oferta de actividades artísticas e de espectáculo numa perspectiva da sua

territorialização não se tem deparado uma tarefa fácil devido à falta de registos estatísticos,

sistemáticos e regulares, da presença de actores e agentes artísticos e da sua dinâmica de

criação e produção. As estatísticas nacionais são relativamente insuficientes nesta matéria,

facultando apenas dados de oferta de espectáculos (sessões de teatro, de cinema e de

espectáculos públicos) a nível nacional ou por grandes áreas (NUTS II ou III). Optou-se assim,

no âmbito deste trabalho, pela leitura das dinâmicas de oferta artística e da sua distribuição

espacial com base em duas fontes de informação – Programa Território Artes do Instituto das

Artes, Ministério da Cultura, através da informação disponível no respectivo site em Fevereiro

de 2007 e Catálogo Pisa-Papéis de 2006, da empresa procur.arte. Estas duas fontes de

informação não são de forma alguma exaustivas e sistemáticas, mas poderão ser indicativas

de tendências, apesar de relativamente grosseiras, da actividade do sector. O seu tratamento

e o resultado em termos de representação em mapa têm o mérito de permitir uma leitura

espacializada de tais dinâmicas (Figuras 4 e 5).

Esta representação espacial vem confirmar a ideia, mais ou menos impressiva e que decorre

de outras análises sustentadas noutros indicadores económicos ou de oferta e procura, de que

a oferta de produtos e serviços artísticos e culturais se mantém muito concentrado no território,

em especial na aglomeração de Lisboa e em parte também na do Porto, continuando a ser

muito débil ou mesmo inexistente nos restantes centros urbanos, na maioria dos concelhos

do interior e em certas zonas do litoral com padrões de urbanidade menos acentuados.

Para além do sector empresarial privado e do sector público, as actividades artísticas e de

espectáculo e as actividades ligadas ao património têm sido desenvolvidos por um número

alargado de organizações do terceiro sector (predominantemente associações e também

fundações) de pequena ou média dimensão. De forma semelhante, dentro deste terceiro sector,

as organizações mais dinâmicas e com recursos mais qualificados encontram-se localizadas

nos principais centros, com uma clara concentração em Lisboa e nalguns dos seus concelhos

limítrofes e alguma presença no Porto ou respectiva área envolvente.

As autarquias continuam a desempenhar um papel determinante em termos da oferta e procura

artística e cultural fora dos grandes centros de Lisboa e do Porto, na medida em que são, em

062

geral, o principal ou por vezes mesmo o único “programador” artístico e cultural e, em geral,

o principal comprador de produtos e serviços artísticos. Nestes contextos, os novos modelos

institucionais, designadamente, as empresas municipais ou outras organizações em parceria

(associações com participação de privados ou fundações) representam soluções muito

interessantes para responder aos desafios da programação cultural e do crescimento dos

sectores profissionais artísticos e culturais.

Lançado em 2006 pelo Ministério da Cultura, o Programa Território Artes envolve actualmente

um número expressivo de produtores artísticos e culturais inscritos como fornecedores/

vendedores de produtos e serviços e praticamente metade dos municípios portugueses, como

compradores/programadores dos produtos e serviços oferecidos pelos agentes inscritos na

base.

Os criadores/produtores inscritos nesta base encontram-se espacialmente concentrados em

Lisboa, praticamente 48% do total, e uma parte no Grande Porto, cerca de 10% do total. Assim,

um significativo número de criadores e produtores artísticos e culturais que oferecem produtos

e serviços a nível do território nacional encontra-se concentrado em Lisboa, e abarca um leque

de áreas artísticas e de propostas muito alargado, dentro do teatro, da dança, da música e dos

projectos transdisciplinares. Esta tendência é confirmada pela distribuição das companhias

e estruturas artísticas e artistas inseridos no catálogo Pisa-Papéis e pela densidade de produtos

que estes oferecem em cada um dos concelhos.

Para além dos concelhos que integram as aglomerações de Lisboa e do Porto (Grande Lisboa

e Grande Porto), os concelhos que apresentam um número mais significativo de agentes

culturais e artísticos, bem como de oferta de produtos, correspondem em geral à “rede” de

cidades médias, coincidindo, em geral, fora do litoral, com as capitais de distrito. Esta tendência

não deixa de se relacionar também com uma aposta destes principais centros urbanos na

construção e gestão de novos espaços de espectáculos, designadamente, beneficiando de apoio

da política cultural do Governo nos últimos anos (promoção de uma rede de cineteatros) e do

apoio dos Fundos Estruturais no quadro das prioridades do Programa Operacional da Cultura

(no período de 2000 a 2006).

Esta concentração territorial é para além disso extensível às organizações de promoção e de

gestão artística e cultural, organizações que na sua grande maioria têm o formato associativo,

mas que adoptam igualmente, e talvez cada vez mais, outras fórmulas jurídicas e de gestão,

empresarial ou cooperativa, mas também de carácter informal, envolvendo profissionais

individuais, artísticos e criativos.

063

2.1.3. Dinâmicas de investimento público e privado

Por último, a análise da dinâmica de projectos de investimento, materiais e imateriais, e a sua

expressão territorial, com base em dados provenientes do último Quadro Comunitário de Apoio,

permite acrescentar algumas considerações sobre as tendências das dinâmicas de investimento

no sector das actividades culturais e criativas, que confirmam algumas das tendências

anteriormente apontadas.

O Programa Operacional da Cultura, no período entre 2000 e 2006, constituiu um importante

instrumento de financiamento das actividades relacionadas com o património, em especial no

quadro do sector museológico, permitindo em paralelo com uma política de lançamento da

rede nacional de museus, de iniciativa pública governamental, uma distribuição mais ou menos

dispersa pelo território de projectos museológicos de natureza material ou imaterial (Figura

6). Em matéria de consolidação da rede de salas de espectáculo, o mesmo instrumento de

financiamento favoreceu o apoio de investimentos (construção de salas de espectáculo e apoio

para o arranque da respectiva programação) nos principais centros urbanos (capitais de distrito

na sua maioria), numa lógica de reforço das dinâmicas artísticas e de programação de

espectáculos nos principais centros urbanos estruturadores do sistema urbano nacional.

Enquanto que o financiamento de projectos dentro das áreas do património e dos museus se

reflecte de forma disseminada no território, abarcando concelhos de diferente dimensão e

perfil, localizados no litoral ou no interior do país, o financiamento orientado para as actividades

artísticas – actividades de espectáculos e para os novos suportes multimédia – favoreceram

claramente as dinâmicas urbanas, quer no seio das grandes aglomerações de Lisboa e do

Porto, quer dos centros urbanos de média dimensão que em todo o território nacional formam

uma rede de cidades médias.

A expressão territorial do apoio financeiro a projectos culturais consubstanciado através dos

Programas Operacionais Regionais (Figura 7) apresenta, no entanto, um padrão de distribuição

espacial muito mais fragmentado, quer no apoio à iniciativa pública, maioritariamente de base

municipal, quer no apoio a projectos de iniciativa privada, principalmente dentro do terceiro

sector. Os projectos culturais apoiados por estes programas, dentro do mesmo período,

incidiram principalmente em duas vertentes da área cultural, o património e os equipamentos

culturais de base local. Na sua maioria, trata-se de projectos que decorrem das prioridades

enunciadas pelas autarquias e que respondem aos objectivos formulados no quadro das políticas

culturais municipais mais frequentes: contribuir para a promoção do município e para valorização

da identidade local, fomentar a qualificação e diversificação da programação artística e cultural,

que em grande parte dos casos recorre a produções de origem exterior (nos principais centros

064

urbanos) e, promover o turismo local e ou regional através de estratégias de qualificação e

interpretação dos recursos culturais locais.

Confrontando pois a expressão espacial dos diferentes programas, é evidente alguma

complementaridade espacial dos dois tipos, regionais e sectorial, ou seja, a concentração de

projectos apoiados no âmbito do Programa Operacional da Cultura nos centros urbanos e no

litoral e uma maior disseminação espacial dos projectos apoiados no quadro dos Programas

Operacionais Regionais, com uma significativa representatividade dos municípios das áreas

do interior. Realça-se, ainda, o facto da fraquíssima representatividade do financiamento do

sector dentro do Programa Operacional Regional dentro da área da Grande Lisboa.

2.1.4. Algumas linhas conclusivas

Da análise dos elementos apresentados é possível retirar algumas conclusões quanto às

tendências mais recentes de distribuição territorial das actividades e práticas artísticas e

culturais em Portugal:

• A concentração e poder de atracção da aglomeração de Lisboa no que se refere ao património

e actividades artísticas e às indústrias culturais;

• O incremento progressivo de dinâmicas culturais e artísticas, associando crescentemente

as indústrias culturais, na aglomeração do Porto;

• A localização muito pontual de indústrias culturais fora das principais aglomerações, apesar

da emergência de alguns núcleos muito específicos que se associam em geral à presença de

centros do ensino superior;

• O reforço e consolidação das actividades culturais, patrimoniais e artísticas, de iniciativa

predominantemente pública, nas cidades de média dimensão e no sistema urbano da zona

litoral;

• O reforço das relações entre recursos e actividades ligadas ao património cultural e as

dinâmicas turísticas, no quadro de um modelo de uma maior dispersão espacial no território

nacional.

2.2. Experiências territorializadas de base cultural

A análise das dinâmicas de evolução do sector numa perspectiva territorial é completada com

a descrição de um conjunto de experiências de natureza diferente que têm contribuído para

enriquecer o quadro nacional, configurando um potencial de boas práticas que demonstra

vantagens em termos de sistematização e disseminação.

A sua inclusão no quadro deste artigo é bastante resumida, procurando contribuir para ilustrar

a alargada gama de oportunidades, com natureza diferenciada, de que as políticas locais/

065

municipais podem vir a usufruir, seguindo práticas e estratégias de cooperação e de colaboração

melhor estruturadas, convergindo na prossecução dos seus objectivos de política cultural e

de desenvolvidamente sustentável.

2.2.1. Teatros municipais nas cidades de média dimensão

A opção pela construção de salas de espectáculo/teatros municipais ou pela reconstrução de

antigos cineteatros existentes em centros urbanos que, actualmente, possuem uma dimensão

e funções urbanas que lhes conferem, no quadro do sistema urbano nacional, um perfil de

cidade de média dimensão, tem constituído um factor estruturador de novas dinâmicas artísticas

e culturais, com expressão territorial indiscutível. Resultando a maioria destes novos projectos

culturais de opções e objectivos de natureza política municipal, casos como Bragança, Vila

Real, Guarda, Vila Nova de Famalicão, Torres Novas, Alcobaça, Torres Vedras, Santarém e

alguns outros, a configuração destes novos pólos de desenvolvimento artístico e cultural tem,

contudo, assumido contornos e soluções diversificadas, quer do ponto de vista das soluções

institucionais e de gestão, quer do ponto de vista da estratégia e das condições criadas no

sentido de assegurar uma programação regular e diversificada.

Os efeitos destes novos pólos de divulgação e animação artística e cultural têm-se feito sentir

em diferentes dimensões, com diferentes níveis de repercussão no território. Embora à partida

tudo leve a crer que esses efeitos dependem em parte das configurações de gestão e organização

escolhidas, a explicitação dessas relações necessitaria de um estudo mais aprofundado dos

diversos casos em consolidação.

Em termos gerais pode-se, de uma forma mais indistinta, apontar alguns efeitos significativos

destas novas experiências municipais ao nível das dinâmicas artísticas e culturais, incluindo

a sua expressão territorial. Estes novos pólos têm contribuído para uma diversificação e

qualificação em geral das práticas e dos consumos culturais de alguns segmentos da população

(primeiramente, a população escolar e a população com níveis mais elevados de qualificação

e práticas mais eruditas) e, simultaneamente, para aumentar as tendências de profissionalização

nalgumas áreas profissionais relacionadas com a divulgação e apresentação ou mesmo a

produção de espectáculos, bem como das actividades educativas com elas relacionadas. As

experiências de maior sucesso estão, em geral, associadas a soluções com maior autonomia,

em que foram constituídas equipas com competências adequadas às novas actividades em

exercício e onde se optou pela contratação de um profissional competente na área da

programação/programador.

Em determinados centros, em especial quando preexistiam formações ou pequenos

agrupamentos artísticos de natureza profissional, estes novos pólos permitem alavancar de

066

certo modo a sua actividade, em especial se esses coexistem com núcleos de formação

(profissional ou superior) orientados para as áreas artísticas (mais frequentemente na área

da música ou do teatro e dança ou de outras linguagens e suportes visuais e tecnológicos).

O funcionamento destes novos centros de programação artística tem, por outro lado, contribuído

frequentemente para reforçar a centralidade territorial dos centros urbanos em que se localizam,

atraindo dos concelhos envolventes segmentos de população mais motivados e estimulados

(no caso dos públicos escolares) para este tipo de consumos e práticas culturais de exterior

(ou de saída). Frequentemente também, a aposta municipal que é feita no novo pólo de animação

artística aparece inscrita em estratégias de afirmação do município (ou da cidade, embora só

muito excepcionalmente formuladas em apostas dentro do marketing territorial) e, por vezes,

pode surgir mesmo de uma forma articulada com outras apostas dentro de outros sectores

e no quadro de uma estratégia mais alargada de competitividade territorial.

2.2.2. Grandes organizações culturais não lucrativas

O papel potencial destas entidades na mobilização de dinâmicas territoriais específicas pode

ser exemplificado através do caso paradigmático de Serralves, no Porto. Embora não se

proponha aqui uma reflexão aprofundada sobre os impactos que a Fundação de Serralves e

os projectos que por ela foram sendo promovidos têm tido sobre o tecido e as dinâmicas

artísticas e culturais na cidade do Porto e na aglomeração urbana em que esta se insere,

interessa sobretudo referir o importante papel que as organizações com este perfil assumem

na afirmação de uma cidade no contexto do seu território de proximidade e na região e a nível

internacional ou no contexto de redes de cidades. A abordagem deste caso apenas tem como

objectivo a análise de uma boa prática (case study) que permite inferir um conjunto de conclusões

sobre a importância que estas organizações assumem em contextos de desenvolvimento

urbano ou regional. Este não é o único caso de sucesso (por exemplo poderíamos analisar o

caso do projecto “O Espaço do Tempo” – Centro Nacional de Artes Transdisciplinares, em

Montemor-o-Novo), mas talvez seja um dos mais significativos e com mais amplitude de

resultados.

Procura-se de seguida evidenciar, nesta última perspectiva, mais territorial, alguns dos efeitos

induzidos pelo projecto Serralves. Por um lado, os efeitos na própria cidade, em termos de

criação de uma nova centralidade, em termos da viabilização de novas estruturas, agentes e

profissionais que, trabalhando com e para Serralves, se foram consolidando e enraizando na

cidade, em termos da capacidade de atracção de visitantes exteriores, dentro de uma área de

influência muito mais alargada, espacial e socialmente, e, por último, em termos da consolidação

de relações com outras estruturas e organizações que intervêm no mesmo sector, possibilitando

067

a emergência de um processo de clusterização na cidade (o caso das relações por exemplo

com a dinâmicas das galerias de arte localizadas na Rua Miguel Bombarda e que actualmente

geram um efeito de diversificação de actividades artísticas e criativas nesta mesma zona da

cidade, ou das relações no âmbito da programação com outras instituições centrais como o

Teatro Nacional de S. João ou a Casa da Música).

Por outro lado, os efeitos em termos da rede de relações e de cooperação com outros pólos

de programação artística e cultural, de nível internacional, inserindo a própria organização e

arrastando consigo a cidade, para novos espaços de cooperação internacional, a nível europeu

e mundial.

Ainda dentro de uma perspectiva territorial, realce-se o fenómeno da crescente cooperação

e consultoria na área da programação que a Fundação tem vindo a desenvolver com outros

municípios da Região do Norte e do restante território nacional. Esta estratégia de relacionamento

da Fundação com outras instituições, públicas ou privadas, tem contribuído de forma muito

clara para a viabilização de projectos endógenos no campo da divulgação da arte contemporânea

e, consequentemente, para atenuar assimetrias muito acentuadas entre os grandes centros

de Lisboa e Porto e o restante território nacional.

2.2.3. Planos municipais estratégicos para a cultura

Outro campo de novas dinâmicas de política cultural está associado à emergência de processos

de elaboração de planos estratégicos para o sector cultural de âmbito local/municipal.

Experiência iniciada a nível municipal pela autarquia de Évora, associada ao seu capital cultural

e aos efeitos da classificação de património da humanidade do seu centro histórico, a elaboração

de planos estratégicos para a cultura tem sido opção posterior de outros municípios,

designadamente, Castelo Branco e Torres Novas, os quais, no seguimento de um esforço muito

significativo de investimento em infra-estruturas culturais, optaram por formular uma estratégia

sectorial de médio prazo que contribuísse para assegurar a respectiva dinamização e

rentabilização.

Tais exercícios e processos de planeamento estratégico cultural, quando devidamente elaborados,

implementados e participados, designadamente no quadro de uma integração alargada com

a estratégia de desenvolvimento do concelho e/ou da cidade, possibilitam que o sector das

actividades culturais e criativas possa assumir um papel muito mais ampliado e multifacetado

dentro do processo de desenvolvimento local contribuindo, concomitantemente, para o reforço

da competitividade, para a melhoria da qualidade de vida das populações e para a coesão social

e territorial.

Tais processos, para atingir uma tal dimensão, devem assentar num conjunto muito alargado

068

de dimensões de planeamento (ao nível dos investimentos materiais e imateriais bem como

no plano organizativo) e de participação e cooperação entre agentes e actores públicos e

privados, das áreas culturais, artísticas e criativas, gerando efeitos de densificação do tecido

artístico e criativo local e a sua abertura e interacção com o exterior e procurando a inserção

em redes de relacionamento e de colaboração a diversos níveis.

2.2.4. “Quarteirões culturais” ou projectos culturais intra-urbanos

Em Portugal, se há alguma realidade que tenha algo de semelhante com as experiências

fortemente territorializadas mencionadas na primeira parte deste texto – sistemas produtivos

locais, meios inovadores ou outras formas de aglomeração fortemente centradas na produção

de bens culturais (e embora muito longe dos complexos high tech de produção de símbolos

a nível mundial) –, é a zona do Bairro Alto e Chiado, em Lisboa, a única com no país que

verdadeiramente se poderá considerar como um bairro cultural.

Com efeito, esta zona, não obstante a sua diversidade, reúne um conjunto muito diversificado

de actividades, que têm permitido afirmá-la, desde o séc. XV, como o bairro cultural por

excelência da capital, configurando o próprio bairro e o seu ambiente um recurso com um

estatuto, uma imagem e formas de governança e auto-regulação específicas que têm conseguido

afirmar a sua sustentabilidade ao longo dos séculos, não obstante a variação do tipo de agentes

e de actividades em que a sua dinâmica é centrada ou diversas outras ameaças pontuais às

características fundamentais e intrínsecas em que essa sustentabilidade é assente (cf. Costa,

2003). Com efeito, às características de um sistema de produção e consumo de bens culturais

fortemente territorializado associa-se ainda uma forte componente simbólica, patente nas

representações, tanto internas como externas, que se fazem desta zona da cidade, bem como

a formas de governança específicas que (para além da intervenção pública ou do funcionamento

dos mercados) alavancam o seu dinamismo numa complexa teia de relações formais e informais

entre os diversos agentes culturais, e onde os diversos mediadores culturais e circuitos de

mediação específicos em cada um dos múltiplos “mundos da arte” assumem igualmente um

papel fulcral.

Embora ainda longe do dinamismo criativo de múltiplos bairros culturais nas grandes metrópoles

mundiais, mas com características semelhantes a muitos outros espalhados um pouco por

cidades de todo o mundo, esta realidade não tem no entanto nenhuma que se lhe compare no

contexto nacional.

Para além de diversos bairros ou áreas, em diversas cidades, com um dinamismo acentuado

das actividades mais ligadas às indústrias culturais de juventude e sobretudo às sociabilidades

e convivialidade (muito focadas na animação nocturna), um pouco por todo o país e

069

particularmente em cidades dinamizadas pela presença de estabelecimentos do Ensino Superior

(mas com um dinamismo cultural e criativo bem mais débil e uma auto-sustentabilidade muito

questionável…), são eventualmente de destacar algumas poucas experiências de bairros ou

zonas urbanas polarizadas por uma concentração de estabelecimentos de subsectores culturais

específicos, muitas vezes associadas a formas de governança também elas muito particulares

(essencialmente de natureza privada ou associativa) por detrás deste seu dinamismo.

São os casos, por exemplo, da aglomeração de galerias e espaços associados às artes visuais

na zona da Rua Miguel Bombarda, no Porto; da aglomeração de agentes auto-denominada

“Santos Design District”, em Lisboa, agregando e promovendo integradamente um conjunto

de agentes muito diversos de várias áreas do “subcluster” do design, nesta área da cidade; da

Rua de São Bento (e da zona do Príncipe Real), também em Lisboa, no campo das antiguidades;

ou mesmo, numa fronteira mais difusa do campo das actividades culturais, a criação da própria

marca da “Avenida do Mobiliário” (Av. Almirante Reis, em Lisboa) como forma de criar uma

identidade e uma comunidade em torno de um valor simbólico associado à comercialização

de mobiliário mais “tradicional”.

São, no entanto, todos estes exemplos, no essencial, pequenas operações, constituídas por

um número reduzido de agentes e, sobretudo, muito centrados em (e dependentes de) formas

de governança que traduzem a assunção de interesses colectivos sectoriais, a uma escala

muito local, mais do que verdadeiros interesses territoriais. Podem, no entanto, ser importantes

e interessantes para a promoção do desenvolvimento local e a regeneração e revitalização de

certas zonas das cidades.

Estas novas formas de cooperação entre diversos tipos de actividade dentro de sectores urbanos

específicos da cidade, têm contribuído para a consolidação de novas identidades para tais

espaços facilitando a fidelização de segmentos de públicos e a concentração de novos actores

criativos. Um dos aspectos que se têm evidenciado nestes processos é, no entanto, o fraco

envolvimento das entidades públicas com responsabilidade na gestão destes espaços urbanos,

situação que, por um lado, implica um esforço acrescido destes actores na consolidação das

dinâmicas de concertação e de afirmação no mercado (por vezes, faltando infra-estruturas

complementares que contribuam para melhorar a acessibilidade, em termos por exemplo de

estacionamento ou de transportes públicos) e que, por outro lado, traduz uma percepção ainda

reduzida do potencial que estas “aglomerações” de actores e serviços dentro das áreas artísticas

e criativas podem configurar enquanto factores de competitividade territorial e na geração de

contextos mais favoráveis à inovação.

2.2.5. Redes de programação temáticas ou territoriais

Passando agora para outros contextos territoriais de natureza diferente, dentro de uma

070

dimensão regional ou nacional, incluindo espaços territoriais menos densos e não estruturados,

algumas experiências recentes de concertação e de cooperação inter-institucional,

predominantemente de base autárquica, mas não necessariamente, têm demonstrado as suas

vantagens em matéria de aumento da massa crítica, seja numa perspectiva de competências

e recursos, seja na perspectiva de mercado.

São diversas as experiências em curso no panorama nacional, as quais decorrem de processos

com características diferentes. Em certos casos, estes processos formam-se a partir de

dinâmicas promovidas por instituições que encontram parceiros nas proximidades territoriais

e se associam no sentido de ganharem vantagens de escala em programação – como é o

exemplo, talvez dos primeiros, da constituição da ACERT – Rede Cultural, em Tondela. Noutros

casos, nascem a partir de dinâmicas com uma forte vertente temática envolvendo várias

instituições programadoras, espalhadas por praticamente todo o território nacional, que se

associam para partilhar recursos e programas em determinada área de divulgação artística

– como é o exemplo da Sem Rede – Rede Nacional de Programação de Novo Circo. Em

alternativa ainda, algumas dinâmicas de cooperação emergem a partir de uma estratégia de

iniciativa regional, procurando estimular a associação e parceria entre actores da região com

vista a utilização comum de recursos e de competências, procurando ganhos de escala em

matéria de programação artística e de espectáculos, bem como o aumento da capacidade de

internacionalização – como é o exemplo do lançamento do projecto da ARTEMREDE pela CCDR

de Lisboa e Vale do Tejo.

Estas diversas experiências em rede têm contribuído para uma melhor difusão e disseminação

no território dos recursos de programação artística e de espectáculos, atenuando as assimetrias

mais tradicionais de oferta de produtos e serviços artísticos e culturais, em especial, em zonas

do interior e em pequenos aglomerados urbanos dos concelhos limítrofes dos principais centros

urbanos da rede de cidades no litoral. Por outro lado, estas experiências têm contribuído para

viabilizar uma programação regular e de qualidade de novas salas de espectáculos construídas

ou reabilitadas em centros urbanos onde é ainda muito débil o tecido artístico no campo das

artes performativas e do espectáculo, assegurando condições favoráveis à sua emergência e

à fixação de profissionais artísticos.

2.2.6. Parcerias municipais para programação e gestão cultural

Dentro de uma vertente relativamente distinta, mas igualmente no contexto de espaços regionais

(supramunicipais), têm emergido algumas experiências interessantes e inovadoras de concertação

intermunicipal no sentido da gestão dos recursos artísticos e culturais e da programação em

parceria. Alguns municípios confrontados com as inúmeras exigências que os novos desafios

071

em matéria de política e de intervenção cultural colocam, e que resultam designadamente de

investimentos consideráveis realizados na construção de novos equipamentos cujas funções

e temáticas são cada vez mais diversificadas, têm procurado estratégias de cooperação e

associação no sentido de partilharem recursos, em geral escassos, e de alargarem o seu

âmbito de acção (polarizando populações de outros concelhos dentro de ofertas diversificadas

e complementares).

Estas experiências têm demonstrado o interesse e o potencial que a conjugação de objectivos,

de acções e de utilização de recursos oferece no sentido de viabilização de novas estruturas

físicas, por vezes sobredimensionadas para a escala local. Por outro lado, as mesmas

experiências têm permitido demonstrar o potencial de progressão em matéria de reforço e

qualificação de competências, sobretudo com recursos humanos profissionais e artísticos

especializados, que cada município de per si tem enorme dificuldade em fixar.

Apesar das vantagens e do potencial que estas soluções associativas e de cooperação

intermunicipal evidenciam, os processos de concretização da gestão e programação em parceria

têm-se confrontado em geral com dificuldades que resultam do perfil organizativo das próprias

autarquias (por exemplo no caso da complementaridade de recursos humanos com

especialidades profissionais diferentes que podem trabalhar com outras autarquias vizinhas,

ou na contratualização conjunta de novos profissionais) ou da dificuldade de formatar a prestação

de serviços para uma população alvo que extravasa o próprio concelho (e, portanto, os respectivos

eleitores). Em geral, estes problemas apontam para a criação ou o aproveitamento de soluções

formais que permitam ultrapassar os limites de intervenção municipal, como é o caso das

associações de municípios.

Algumas experiências em curso têm procurado encontrar as soluções mais adequadas para

responder a esses desafios, designadamente, na Região do Norte, o projecto Comédias do

Minho, e os processos em curso conduzidos, quer pela VALIMAR, quer pela Associação de

Municípios da Terra Quente Transmontana.

2.2.7. Redes de património

Com algumas semelhanças relativamente aos anteriores dois tipos de experiências

territorializadas em matéria de gestão de bens culturais e artísticos, mas com uma especificidade

particular, por se associarem a bens patrimoniais imóveis distribuídos por territórios que

assumem uma dimensão alargada, de base sub-regional, encontram-se designadamente, as

experiências da Rota dos Frescos, no Alto Alentejo, das Aldeias Históricas, na Região do Centro

e das Aldeias Vinhateiras, na área classificada do Douro Vinhateiro Património Mundial.

072

Mais uma vez estamos perante experiências com diferenças em termos das soluções

institucionais encontradas e dos modos de intervenção e promoção adoptados, mas que têm

em comum o facto de assentarem num quadro identificado com o conceito de rede, que procura

formatar um novo produto, integrado, que adquire um potencial de promoção e de interpretação

muito mais amplo.

A sua dimensão territorial é, desde logo, assegurada pelo facto de os bens ou sítios se

distribuírem espacialmente por zonas mais alargadas do território regional, mas por outro

lado, pressupõem algum valor acrescentado em matéria organizativa, na medida em que

dependendo de tutelas diversas (Câmaras Municipais ou outros organismos públicos ou

privados), implicam soluções de parceria e de colaboração no sentido de configurarem um

produto com linguagens, suportes e serviços comuns.

Nalguns casos tem sido determinante a capacidade de as própria entidades tutelares desse

património se aproximarem e encontrarem as soluções organizativas adequadas para proteger,

reabilitar, gerir, promover e divulgar este património em conjunto; noutros casos a iniciativa

tem sobretudo partido das entidades regionais (designadamente ao nível das CCDR ou das

delegações do IPPAR) no sentido de viabilizarem o funcionamento em rede desses sítios,

conferindo-lhes uma maior coerência e um sentido de produto perceptível e atractivo nos

mercados cultural e turístico.

3. Políticas culturais municipais: das competências adquiridas aos novos desafios

Para além de uma análise das orientações que têm vindo a marcar a política cultural ao nível

dos municípios portugueses importa pensar naquela que poderá ser a resposta desses mesmos

municípios para tentar passar para uma patamar mais ambicioso, que corresponda a uma

tentativa de promover políticas inovadoras, visando a criação, o aproveitamento e o fomento

de outro tipo de dinâmicas criativas, ao nível das actividades culturais, que estejam latentes

ou que tenham possibilidade de desenvolver, explorando eventualmente novas formas de

governança e novas formas de articulação entre actores (ultrapassando a mera actuação

pública), entre subsectores e mundos da cultura (ultrapassando a visão mais tradicional e

limitada de cultura), e mesmo entre tipos e objectivos de políticas (ultrapassando e esbatendo

as fronteiras entre política cultural e outras políticas).

Neste quadro, levantam-se, portanto, novos e importantes desafios à actuação cultural e às

políticas de promoção do desenvolvimento regional e urbano, a todos os níveis, incluindo

portanto, também, as políticas municipais.

Estes desafios passam por assumir um conjunto de ideias-chave, no sentido de uma

transversalização da actuação, ao nível dos agentes, dos sectores e dos tipos de políticas, que

073

passa, entre outros aspectos, pela assunção das seguintes linhas orientadoras:

• O desenvolvimento das competências artísticas, da formação criativa e artística, das

competências profissionais, da formação nas áreas da gestão e organização e do marketing,

mas também, a continuação de um esforço sistemático na formação ampla de públicos e na

sensibilização da população em geral para o desenvolvimento de práticas e do consumo artístico

e cultural;

• O fomento de estruturas artísticas e culturais com carácter empresarial, nos campos e

sectores onde essa iniciativa é possível (a par, obviamente, da garantia de um apoio público

forte à provisão de bens públicos ou não passíveis de rentabilização pelo mercado) e o

desenvolvimento do apoio e criação de incentivos ao empreendedorismo, nomeadamente no

campo da pequena iniciativa cultural e criativa, bem como no apoio ao desenvolvimento da sua

sustentabilidade económica;

• A promoção de “meios” e “ambientes” criativos, através da facilitação de condições físicas

e de contexto, bem como de apoio ao nível de outras políticas transversais (urbanismo, inclusão

social, transportes, etc.), que, em estreita articulação e interacção com o planeamento urbano

e as políticas de desenvolvimento e de vitalização das cidades, permita o desenvolvimento de

massas críticas, em termos de procura e oferta, que proporcionem o desenvolvimento destas

actividades, bem como a exploração de economias de escala e de gama conjuntas, bem como

do aproveitamento das sinergias e externalidades positivas associadas a dinâmicas fortemente

territorializadas assentes neste tipo de actividades;

• O estímulo à cooperação e colaboração entre os agentes do sector cultural e criativo (públicos,

privados e outros), a promoção da sua articulação em rede, seja ao nível dos sistemas mais

territorializados de produção e consumo, seja entre estes e o exterior, inserindo-os em mercados

e tendências crescentemente globalizados, bem como o desenvolvimento de modelos de

governança e quadros institucionais (não necessariamente convergentes), que enquadrem e

estimulem as realidades específicas associadas ao sector criativo e cultural a nível local.

Neste contexto, poderemos sintetizar estas novas oportunidades de renovação de políticas,

em torno de três grandes linhas, correspondentes, respectivamente, a novos campos, a novos

contextos e novas metodologias para a acção municipal no campo da cultura e das actividades

criativas:

3.1.Novos campos de acção

A um primeiro nível colocam-se novos desafios em termos dos campos de acção das políticas.

As políticas para os sectores culturais e criativos não podem continuar radicar em supostas

074

e artificiais dicotomias, entre cultura e mercado, entre sector público e empresas, no que toca

aos seus alvos e beneficiários. O sector cultural e criativo, ele próprio cada vez mais alvo de

interpenetração entre os seus diferentes elementos, é caracterizado por uma variedade de

agentes e de subsectores, que exigem uma actuação integrada, que radique numa concepção

ampla daquilo que são as actividades culturais e da forma como são percebidas pelos cidadãos

e pelos agentes culturais. Neste sentido, exige-se uma visão abrangente do sector, que cruze

e interligue alta cultura, cultura popular e cultura de massas, que entenda a lógica do mercado

e as lógicas de funcionamento que não podem (ou não querem) passar por aí, e que englobe,

necessariamente, artes e património, indústrias culturais e indústrias criativas: da ópera ao

design, da música popular e das novas culturas urbanas ao teatro e ao cinema de autor, da

preservação do património à promoção da leitura, da produção multimédia à arquitectura, da

actividade artesanal à edição livreira e discográfica, da expressão artística à criatividade inserida

dentro de outras áreas de produção industrial e de comunicação institucional e territorial.

3.2.Novos contextos de acção

A um segundo nível, importa perspectivar as políticas municipais em termos dos seus contextos

de acção, e em particular das possibilidades e potencialidades de actuação multidimensional

sobre os seus territórios de referência e, em particular sobre os espaços urbanos onde na

maior parte dos casos se tendem a desenvolver. É aqui imprescindível também uma

interpenetração e cruzamento das lógicas sectoriais de política e dos seus instrumentos,

mobilizando, em torno do planeamento de realidades territoriais concretas, estruturadas em

torno da importância das actividades culturais e criativas, todo um conjunto de lógicas sectoriais

de actuação (a cultural, mas também a da educação e formação, a da inclusão social, a da

dinamização económica, a da inovação, a fiscal, a vertente ambiental, etc.). Em torno da

resolução de problemas que são eles próprios multidimensionais, importa cruzar lógicas de

actuação política, ligando as estratégias culturais com as políticas urbanas e aproveitando

as actividades culturais e criativas como fonte de competitividade urbana e de bem-estar, como

auxiliares e motores de processos de regeneração ou revitalização urbana ou como base para

a promoção da inclusão social e a assunção da cidadania e da participação das populações.

3.3.Novas metodologias de acção

Finalmente, importa igualmente explorar novas metodologias de acção que enquadrem esta

actuação pública municipal no campo da cultura. Para além de uma clara necessidade de

reflexão estratégica, e de envolvimento dos actores locais em efectivos processos de planeamento

estratégico participados, em que seja possível consensualizar diagnósticos da situação por

075

parte dos diversos stakeholders, e estabelecer as bases para um comprometimento em torno

de projectos de colaboração comuns, importa obviamente, estabelecer parcerias e gerar novos

quadros de actuação multi-actor, que permitam maximizar a eficiência e eficácia das actuações

culturais a nível local. O desenvolvimento de formas específicas de institucionalização da

colaboração interactor (mais ou menos formalizadas) a nível local e regional é um corolário

deste princípio, sendo de admitir as mais diversas formas de governança, adaptáveis às

especificidades da situação territorial e do conjunto de actores envolvidos.

Para além do aproveitamento das dinâmicas territorializadas já existentes e do assegurar de

condições (muitas vezes, fora do âmbito estrito das políticas culturais, mas mais no âmbito

de condições de contexto, como as fiscais, os transportes ou as acessibilidades, por exemplo),

a actuação municipal pode assumir um papel mais ou menos interventor, mais ou menos

directo, mais ou menos interligado com os agentes culturais (locais ou externos) que actuam

no território, procurando e desenhando uma solução específica (ela própria também “criativa”…)

para a sua actuação. As políticas culturais a nível municipal, tal como, de forma mais ampla,

as políticas que visam a promoção do desenvolvimento a nível regional e local, devem, portanto,

ter o cuidado de atender aos eventuais mecanismos de auto-regulação destes sistemas

territoriais e adaptar sempre a sua actuação a essas realidades.

PEDRO COSTA

Professor Auxiliar do Departamento de Economia do ISCTE e Investigador do Dinâmia – Centro de Estudos sobre a

Mudança Socioeconómica; Doutorado em Planeamento Regional e Urbano.

ELISA PÉREZ BABO

Economista, Administradora da Quaternaire Portugal – Consultoria para o Desenvolvimento, SA, mestranda em ”Inovação

e Políticas de Desenvolvimento” na Universidade de Aveiro.

076

Gráfico 1 - Evolução das despesas correntes com cultura dos municípios, segundo as áreas,

no período entre 1990 e 2004

Fonte: INE, Portugal, 2006, Anuário Estatístico de Portugal 2005. Informação disponível até 30 de Setembro de 2006.

Gráfico 2 - Evolução das despesas de capital com cultura dos municípios, segundo as áreas,

no período entre 1990 e 2004

Fonte: INE, Portugal, 2006, Anuário Estatístico de Portugal 2005. Informação disponível até 30 de Setembro de 2006.

077

Gráfico 3 – Evolução do número de estabelecimentos de empresas por subsector das actividades

culturais e criativas, entre 1999 e 2003.

Fonte: MTSS, Quadros de Pessoal, 1999 a 2003.

Gráfico 4 – Evolução do número de trabalhadores ao serviço nas empresas (TPCO) por

sub-sector das actividades culturais e criativas, entre 1999 e 2003.

Fonte: MTSS, Quadros de Pessoal, 1999 a 2003.

078

Figuras 1 e 2 – Distribuição espacial das empresas e do emprego (TPCO) no sector cultural e

criativo, 2003

079

080

Figura 2

Figura 3 – Distribuição do emprego (TPCO) privado do sector cultural e criativo segundo os

subsectores, 2003

081

Figura 4 – Oferta de Produtores e produtos/serviços artísticos e culturais,

Programa Território Artes, Fevereiro 2007 e Catálogo Pisa-Papéis 2006

082

083

Figura 5

Figuras 6 e 7 – Projectos Culturais apoiados no quadro do Programa Operacional da Cultura

e dos Programas Operacionais Regionais no QCA III 2000-200609

084

085

Figura 7

Referências bibliográficasBABO, E. P. and P. COSTA (Coord.), 2006, Plano de

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087

2. “CULTURAS – NOVAS – GEOGRAFIAS – NOVAS – CULTURAS –

GEOGRAFIAS…”

João Sarmento e Ana F. Azevedo

Just as none of us is outside or beyond geography, none of us is completely free from the

struggle over geography.” (Edward Said, 1994, p.7)

Resumo

Este artigo é um exercício crítico realizado com base na exploração da ideia de espaços culturais.

O recurso à técnica de montagem textual tenta evidenciar algumas das contradições centrais

que percorrem o uso recorrente de diferentes noções de cultura na sua relação irónica com a

construção de lugares. O objectivo central é o de colocar o leitor como produtor e consumidor

activo do espaço, de forma a provocar uma revisão do seu próprio estatuto como interveniente

no território, através de um resgate, exposição e colisão hipertextual de fragmentos do quotidiano.

Introdução

Novas Geografias da Cultura foi o convite. Algo que merece consideração, pensamos. Mas

quais as trajectórias praticáveis? Existem todos aqueles itinerários que nos apontam a exploração

dos lugares de produção e consumo cultural. Por um lado, há um mundo que articula a dinâmica

territorial com mobilidades, acessibilidades, planos e tipologias, investimentos e gestão,

marketing e publicidade, consumo e especulação, de uma panóplia de artefactos culturais

convencionados.

Auditórios, teatros, ateliers, pavilhões multiusos, museus, centros paroquiais, galerias de arte,

salas de cinema e conferências, entre outros… Por outro lado, há também o universo das

práticas culturais quotidianas do sujeito, com os seus espaços genitais da experiência; as

cozinhas onde as mães reproduzem gastronomias seculares na minúcia de rapadelas e cortes

com saber ou mesmo as conversas no refeitório de uma qualquer fábrica em que se articulam

as intimidades do discurso.

Incluiríamos aqui também as músicas cantaroladas nos infantários, extensões da casa e do

tempo que revelam instituições ou ideologias de poder, herdados ou perpetuados nas

performances destes mesmos espaços. A re-asserção da cultura que urge discutir e que nos

levaria a outras espacialidades, a outras tantas teias de produção de verdade e conhecimento

que é premente desconstituir e reconstituir.

088

A nossa opção revela a inscrição no papel de uma construção geográfica de momentos culturais

de espaço-tempo, articulados pelo gesto transgressivo da experiência. O objectivo é então

mostrar a prática do espaço enquanto prática textual, como lugar de inscrição do sujeito,

superfície inacabada de criação da experiência. A intertextualidade funciona aqui como modo

de se accionar a natureza sempre aberta dessa mesma prática, tal como a vivência rizomática

do lugar é o fundamento da génese do espaço.

A folha branca como território

O aparente poder de a esculpir

De escrever e re-escrever

Como se inscreve a terra

Porque lado se começa?

Que direcção se toma?

Quem mora nesta folha?

21:30 (GMT) Rocky Balboa começa a ser projectado em ‘732’ salas de cinema do país. Em

Viseu, um casal de namorados, únicos espectadores, sentados no fundo da sala, estão mais

interessados em olhar-se…

11:23:41 (GMT) Mélanie, uma Texana pertencente a um grupo de 46 turistas americanos em

busca das suas raízes étnicas, inclinada de costas beija a Blarney Stone, na Irlanda. Um ritual

sedimentado pelos anos e que supostamente abre passagem para a eloquência.

À mesma hora, R. van der Weyden (1339-1464) coloca três personagens em movimento no

espaço exterior representado em perspectiva do seu ‘Madalena Reading’.

Through the de-signing and re-signing designs of montage,

one may confront the reader

with the possibility of seeing and hearing

what she would otherwise neither see, nor hear,

with the possibility of making associations,

that otherwise would go unmade,

by subtly demanding that the meaning of each fragment

be enhanced and shifted repeatedly

as a consequence of preceding-fragment echoes

and subsequent-fragment contents.

(Pred, 1997, p.136)

089

9:04:17 (GMT+1) Um visitante Albanês coloca a sua mão na Bocca della Verità, em Roma,

enquanto afirma temerariamente a inevitabilidade da Grande Albânia.

17:09 (GMT+12) Cardona, ilha sul da Nova Zelândia: um pequeno Hyundai alugado pára por

breves instantes na paisagem bucólica. Os turistas despedem-se de algumas peças de roupa

interior, preparam a câmara e registam o momento enquanto vão dançando e enfeitando a Bra

Fence (um estudo recente revela que são tiradas 160 fotografias diárias a esta rede de soutiens!)

A história hipertextual é o espaço aberto pela sua leitura.

E o espaço que se abre chama-se…

13:12 (GMT +1) alguns anos atrás….Inaugura-se a Praça Sony na Potsdamer Platz, Berlim…Nem

nos seus sonhos mais arrojados teria Albert Speer imaginado o novo centro da Europa desta

forma!

14:23:08 (GMT +1) Mais um gesto e rito sensorial que leva a um beijo profano na fita da Madona

Negra de Montserrat.

16:07 (GMT) Ano sim, ano sim…chega a ambulância do INEM para levar três estudantes à

urgência do hospital. Estão em coma alcoólico. Desperdiçarão os bilhetes do concerto dessa

noite, no recinto poeirento pejado de casas de banho plásticas e amovíveis.

A map of the world that does not include Utopia is not even worth glancing at.

(Oscar Wilde, 1895)

22:12 (GMT) Afonso assiste ao Guimarães Jazz, um dos ‘239’ Festivais de Jazz do país (talvez

seja melhor não numerar os Festivais de Música de Verão!). Há mesma hora a irmã Sara ouve

na rádio o programa ‘5 minutos de Jazz’, os únicos 5 minutos em 24 horas em que qualquer

uma das milhentas rádios do país transmite consistentemente um programa de rádio de Jazz

(Ah! nos últimos 40 anos).

19:37 (GMT) Brilhante e cristalino escorre o fio de azeite Galo no anúncio que enche o LCD

gigantesco do café Zéman, logo após a propaganda despudorada de paraísos e experiências

galácticas na venda do “milionário excêntrico” que oblitera misericórdias e comezinhas

solidariedades sociais. A tensão é crescente e o espaço reajusta-se entre o balcão e as mesas

090

de acordo com as configurações clubísticas. O Harpic nunca conseguirá disfarçar a proximidade

da casa de banho de reduzidas dimensões que Bruxelas não aprova.

Montage is transgression

of the (hyper)modern condition(ing)s

out of which it is created.

in demanding new associations, new connections that transcend taken-for-granted meanings,

it also demands transgressions

on the part of those who read it.

(Pred, 1997, p.137)

17.22 (GMT) Castro abandona o carrinho de compras que desliza pelo asfalto breve. Mais uma

vez a porta do carro estroncada no parque do Lidl transforma as “novas” geografias de consumo

numa miragem muitas vezes mal abençoada. Castro dá a moeda ao puto que chega, dá o leite

e dá o carrinho inteiro. Senta-se ao volante assaltado pela paranóia colectiva do Outro figurado

vezes sem conta nesse espaço indefinido que é o Leste. Dorme até amanhecer.

16:32 (GMT+1) Vilaça e a festa do grotesco em Pamplona. As artes performativas dos corpos

em (im)pactos de colisão.

6.33 (GMT) Uma varina peleja desanimadamente com um semáforo que teima em não a deixar

cruzar uma qualquer rua transformada entretanto em rota de atravessamento da cidade.

Intervalo!

Respire

Reflicta

Comece do fim para o início…o mundo também não é linear…não é sequencial…

Os textos são?

A folha tem muitas SEÕÇCERID!

Mas qual a relação de tudo isto com as Novas Geografia da Cultura?

20:10 (GMT) Carlos e o seu parceiro João saem em direcção à Culturgest. Em cartaz está um

recital de piano (Schütz, Kurtág e Messiaen). Maria da Cunha ficou em casa, tentando combater

a experiência contraditória e opressiva de um corpo fora de lugar.

091

Ao mesmo tempo, Quinten Massys (1465-1530) desvelava em Antuérpia a sua última grande

produção retirada do mundo satírico de Erasmus: ‘A Grotest Old Woman’, para uns séculos

mais tarde Alice derramar o chá a ferver sobre a duquesa encartada.

Materially, our bodies circumscribe our existences. In this sense we are sensual beings, ones

that feel, tactilely, emotionally and sensorially. (…) our bodies carry cultural markers that

tag us as aged, racialised, sexed, classed, sexualised, disabled or ill. (…) A radical body politics

has to look beyond the surface, into the space of materiality and discourse, in order to

understand the complexity of journeys of transition.

(Moss e Dyck, 1999, pp.162,163 e 171)

7:52 (GMT -4) Alencar desliza vagueando numa canoa no Amazonas. A selva, a humidade, a

invisibilidade da fauna, o ‘celular’ que não funciona, os rostos de indígenas ‘aturistados’, a

performance dos Tupi-Guarani na véspera, escondem a grande incompreensão das lutas entre

cultura e natureza que se vão envolvendo de discursos globais e ‘primeiro-mundistas’ de

compaixão.

12:40 (GMT) Dâmaso e Sara, estudantes de Belas Artes no Porto, embarcam na Ryan-Air.

Dentro de 50 minutos, e por apenas 26.46€ (taxas incluídas), estão em Barajas. Vão ao Prado

fazer esquiços para um trabalho semestral. Voltam no dia seguinte...

Em 2002, o emprego no sector cultural em Portugal era de 1,4%

(Eurostat, 2005)

23.12 (GMT) Susana e Raquel estão felizes, arranjaram finalmente bilhetes para os seus bebés,

para a casa da música. A família atenta mais um espaço clínico, a busca de uma dose de

genialidade e erudição fornecida pelo átrio panóptico do edifício.

Rurbanização-interstício-deslocalização-fluído-campo/cidade-morbilidade-concentração-

subúrbio-local-contra-urbanização-centro-dispersão-enclave-reabilitação-acessibilidade-

conurbação-policentrismo-cidade-jardim-decliniodifusão-bicefalia-regionalização-hinterland-

circulação-megapolis-crescimento-bidonvilles-densidade-mobilidade-global-periurbanização-

vazio-desindustralização: restless landscapes!…

One does indeed find folds everywhere.

(Gilles Deleuze, 1995, p.156)

092

10:52 (GMT -7) Steve Wynn, acidentalmente perfura o seu quadro ‘Le Reve’, de Picasso, avaliado

em 139 milhões de dólares. Este faz parte da decoração do também seu restaurante Picasso,

onde um chefe espanhol (com um salário declarado de 500,000 dólares/ano) cozinha comida

francesa num hotel cujo tema é a Itália (tudo em Las Vegas). Anteontem o jogo, ontem o

entretenimento, hoje a arte. Afinal o ‘theming’ está passé.

12.05 (GMT) A morte do capitão América e mais uma guerra civil silenciada nas escolas públicas

de Portugal-país.

Há dois Algarves (…)

Orlando Ribeiro (1987, p.1261)

23:15 (GMT) Afinal o filme Rocky Balboa estava a ser projectado na sala ao lado, o ‘caixote’ 21.

O casal de namorados apercebeu-se de que o filme que estava a terminar era o ‘Mosaico

Cultural Global’, um documentário sobre fragmentos quotidianos de espaço-tempo que tem

tido parcas audiências. Por isso estavam sós. Ao lado poucos lugares estavam vazios.

Geography…has meant different things to different people at different times and in different

places.

Livingstone (1992, p.7)

Figura 1: Azurém, Guimarães. Fotografia de João Sarmento (Março, 2007)

093

Conclusões

In the end,

through all of these simultaneous strivings,

through the maneuvered configurations of montages,

through the intercutting of a set of (geographical hi)stories,

through a strategy of radical heterogeneity,

through (c)rudely juxtaposing the incompatible and contradictory,

one may attempt to bring component fragments into mutually illumination,

and thereby startle.

(Pred, 1997, p.136)

JOÃO SARMENTO

Doutor em Geografia pela Universidade de Cork, Irlanda (2001). É Professor na Universidade do Minho desde 1999. Tem

publicado nas áreas da Geografia Cultural, Geografia do Turismo e Pensamento Geográfico. Em 2004 recebeu o prémio

Nacional de Geografia Orlando Ribeiro, pela obra Representation, Imagination and Virtual Space. Geographies of Tourism

Landscapes in West Cork and the Azores. Já leccionou em Timor, Brasil, Irão, Finlândia, Letónia, República Checa,

Espanha e Irlanda. Em 2006 foi co-organizador (com A. F. Azevedo e J.R. Pimenta) do livro Ensaios de Geografia Cultural,

uma obra implicada com a reconceptualização das ideias de espaço, lugar e paisagem.

ANA F. AZEVEDO

Docente e investigadora no Departamento de Geografia do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho. Tendo

realizado o mestrado em Educação Ambiental e no âmbito do projecto Europeu de Investigação que lhe proporcionou

uma bolsa de estudos na Danish Research Academy, esta geógrafa desenvolveu pesquisa em torno das geografias da

infância. Efectuado de 2001 a 2004 na University College London e de 2004 a 2006 na Universidade do Minho, o seu

doutoramento desenvolve a aproximação entre Geografia e Cinema explorando a paisagem como construção cultural,

como ideia e como experiência.

094

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095

CAPÍTULO III

REDES: NOVASGEOGRAFIASDA CULTURA?

1. TEATRO MUNICIPAL DE BRAGANÇA: O PALCO DAS ARTES E A NOVA

FORMA DE ESTAR DE UM PÚBLICO EMERGENTE

Helena Genésio

Bragança foi ao longo de décadas um pólo cultural interessante e vivo que se impôs na aridez

cultural transmontana, constituindo-se como núcleo de saber e de cultura desde o século XVI

quando os jesuítas aqui se instalaram fundando o seu colégio (1562). Bragança assumiu-se,

a, partir de então, como uma cidade estudantil por excelência e criou fortes tradições culturais

no âmbito das artes do espectáculo.

Não obstante, a cidade viu-se nas últimas décadas sem equipamentos culturais capazes de

satisfazer cabalmente as necessidades e as exigências da população, criando um vazio em

termos de oferta e de procura, com uma consequente falta de motivação, interesse e vontade

de usufruir e fruir o consumo de bens culturais.

A construção do Teatro Municipal de Bragança foi um projecto que a autarquia assumiu no

âmbito dos principais objectivos estratégicos no que diz respeito à política cultural, procurando,

deste modo, responder aos anseios mais antigos e profundos dos agentes culturais, da população

da cidade, do concelho e da região e ao mesmo tempo contrariar a tendência quase instalada

de não participação e não intervenção em actividades culturais.

Com o apoio do Programa Operacional de Cultura, a Câmara Municipal de Bragança assumiu

o compromisso de executar o projecto de Planeamento e Programação do Teatro Municipal

097

de Bragança que contemplasse eventos culturais regionais, nacionais e internacionais, de

forma a diversificar e formar públicos, cabendo na sua programação representações teatrais,

artes circenses, novo-circo, dança e música.

Investir na construção de um Teatro é dar lugar nobre à cultura, é investir na educação e na

formação dos cidadãos porque cultura é educação e a educação é a pedra de toque de uma

sociedade mais coesa, mais forte, mais justa, porque cultura é também uma forma, e talvez

a mais nobre, de diálogo entre os povos.

A construção do Teatro Municipal de Bragança, para além de dotar a cidade de uma estrutura

cultural de referência, satisfaz a procura de produtos e bens culturais; incentiva o aparecimento

de hábitos culturais, criando públicos e atraindo grupos sociais diversos; proporciona qualidade

de vida aos cidadãos traduzida na fruição cultural.

Efectivamente com a abertura do Teatro Municipal de Bragança em Janeiro de 2004 uma nova

página se abriu na vida cultural da cidade.

A aposta foi e é na qualidade e na diversidade de propostas cujo objectivo foi/é formar públicos,

educar públicos para num momento seguinte os fixar. Não há um público para o Teatro, há

sim uma diversidade de públicos e cumpre-nos programar actividades que vão de encontro a

esses públicos, oferecendo-lhes propostas capazes de os envolver, de entrar aos poucos na

vida dos bragançanos e estes deverão criar hábito de ir ao Teatro e olhar esta casa como sua.

Entendemos, desde a primeira hora, que a programação tem de ser rigorosa e exigente

pautando-se pela qualidade. Só assim a cultura tem sentido e só assim será veículo de formação

e educação. Não deveremos cair no fácil nem no comercial sem qualidade, escolheremos o

caminho mais difícil, mas também o mais seguro10.

A formação e educação do público está no centro da programação e esta deve permitir que o

público cresça, considerando sobretudo as especificidades dos diferentes públicos nomeadamente

o público infantil e juvenil. Daí que seja fundamental o diálogo com as escolas, com os

educadores, com os professores. A existência de um serviço educativo funcional é fundamental

para que o consumo de bens culturais não fique apenas e só pelo consumo, mas possa produzir

um trabalho anterior e posterior que com toda a certeza trará uma mais-valia a todas as

crianças e jovens, despertando nelas o gosto e o prazer de vir ao Teatro e depois de discutir

o que vê.

Acreditamos que a música, o teatro, a dança, as artes de palco em geral têm um papel

activo na construção de uma sociedade melhor, que assenta na formação e educação de

públicos, particularmente públicos jovens, onde a semente cultural lançada hoje dará o

seu fruto amanhã.

098

Estamos convictos da indiscutível importância das artes e do seu papel na preservação da

diversidade cultural, no desenvolvimento da criatividade e do espírito crítico, do espírito

de iniciativa.

O Teatro Municipal de Bragança é uma estrutura que entra agora no seu quarto ano de

funcionamento efectivo. Proporciona, desde a sua abertura, uma oferta regular de dois

espectáculos por semana. Percebemos desde o início que a oferta era muito maior do que a

procura, mas assumimos o risco, conscientes de que o Teatro tinha de se impor, tinha de se

tornar visível. Aos poucos os bragançanos foram-se aproximando do Teatro. Preocupámo-nos

desde o início em cobrir todas as faixas etárias com especial atenção à Infância e Juventude.

O executivo assumiu esta causa, proporcionando entrada livre e transporte a todas as crianças

do ensino pré-escolar e 1º ciclo da cidade e concelho de Bragança. Oferecemos a este público

um espectáculo por período escolar o que em média faz com que todas as crianças do concelho

venham ao Teatro três vezes por ano.

Para o Teatro Municipal de Bragança foi ainda definido e defendido pelo Executivo a política

do utilizador/pagador, criando contudo um desconto de 50% para estudantes, maiores de 65

anos e grupos. Temos consciência do longo caminho a percorrer, mas acreditamos estar no

caminho certo. Aos poucos os bragançanos vão aderindo às nossas propostas, cultivando o

hábito de vir ao Teatro. A comprová-lo temos uma taxa de ocupação média de sala de 60%.

O nosso mais nobre objectivo é que o Teatro Municipal de Bragança se transforme num lugar

onde as pessoas se sintam bem, assumam esse espaço como um espaço colectivo de prazer,

de fruição, de cultura. Só esta relação com o espaço dará ao Teatro a sua personalidade

exemplar.

Acreditamos que a existência do Teatro Municipal de Bragança tem vindo a alterar a atitude

dos bragançanos em relação ao consumo dos bens culturais; o Teatro como espaço de convívio,

de fruição, de cultura é já uma realidade do quotidiano de muitos. Hoje a fruição de bens

culturais está mais próxima dos cidadãos; esta proximidade deve-se sobretudo à existência

dos novos equipamentos culturais. O acesso à cultura descentralizou-se, democratizou-se.

Como programadores dos novos espaços culturais temos a missão de escolher um conjunto

de propostas artísticas cuja escolha depende de critérios e convicções que passam pela

consciência do papel da arte em geral e das artes de palco em particular na vida das pessoas,

das comunidades. Por isso, procurámos desde o início apresentar uma programação criteriosa

acreditando que a arte e as manifestações artísticas têm um papel activo na construção de

uma sociedade melhor. É nisto que acreditamos. É por este caminho que seguimos.

099

HELENA GENÉSIO

Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas – Estudos Portugueses e Franceses pela Faculdade de Letras da

Universidade do Porto.

Mestre em Literatura Portuguesa Contemporânea pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova

de Lisboa.

Professora adjunta do quadro de pessoal docente da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Bragança

– (departamento de português).

Directora do Teatro Municipal de Bragança desde 2003 (em regime de requisição).

Fundadora e Directora Artística do Teatro de Estudantes de Bragança.

100

2. TIMES ARE CHANGING

Vítor Nogueira

O mapa cultural do País mudou radicalmente na última meia dúzia de anos, sobretudo no que

diz respeito ao conjunto de infra-estruturas de qualidade disponíveis. Aproveitando um importante

fluxo de fundos comunitários, é justo destacar o esforço que o Estado central desenvolveu

nesta matéria, através de sucessivos governos. Bem sabemos, todavia, que os investimentos

não se esgotam nos edifícios construídos. Estará o mesmo Estado suficientemente preparado

para esta nova realidade e para o que ela a partir de agora implica? Receio que não. Têm sido

ténues os sinais, as medidas apresentadas para colaborar no esforço de consolidação da rede

entretanto constituída, medidas assentes em mecanismos pesados, pouco ambiciosos quando

confrontados com a grandeza dos novos equipamentos, tímidos projectos de que é exemplo

o recente programa Território Artes.

Entretanto, espera-se. Espera-se pelo Estado. Espera-se que sejam postas no terreno, com

equilíbrio e eficácia, as anunciadas medidas de apoio às entidades que vêm assumindo a

programação desses importantes recintos culturais.

Em Vila Real, onde trabalho, tem vindo a ser realizado, com especial ênfase nos últimos quatro

ou cinco anos, um grande investimento na área da cultura. Esse investimento traduziu-se, por

exemplo, na construção do Teatro Municipal, mas também do Conservatório Regional de

Música, da Biblioteca e do Arquivo municipais.

No que se refere ao Teatro de Vila Real, concretamente, foi possível garantir, nestes três anos

que decorreram desde a sua abertura, um orçamento capaz de possibilitar uma agenda

dinâmica, que por seu turno procura ter por base eventos de grande qualidade, programando

não para maiorias, mas para muitas minorias – talvez a melhor maneira de assegurar aquilo

a que se costuma chamar serviço público.

E, não obstante, foi possível conquistar um público assíduo e participativo. No ano de 2006, por

exemplo, o Teatro apresentou 381 espectáculos e recebeu mais de 65 mil espectadores, de

um total de 276 mil visitantes. A taxa média de ocupação das salas atingiu 91,7%. Esta apetência

cultural da região trouxe consigo um novo objectivo, o da consolidação de públicos,

simultaneamente a principal tarefa com que agora se depara o equipamento. De resto, a

formação e consolidação de públicos é sempre uma tarefa sem fim à vista.

101

A gestão do Teatro de Vila Real tem estado a cargo de uma empresa municipal constituída

para o efeito. Essa empresa tem vindo a estabelecer protocolos com muitas entidades, de

modo a promover dentro e fora das portas do Teatro actividades culturais programadas em

conjunto com cada vez mais instituições públicas e privadas. Para além de inúmeras parcerias

pontuais, é crescente a cooperação com instituições da região e de outros pontos do País, com

vista à produção de eventos marcantes, capazes de tirarem partido da aplicação de uma

economia de escala.

Acima de tudo, dir-se-ia que a estratégia do Teatro de Vila Real não se limita a inserir eventos

nos diferentes ciclos da sua programação. É que a identidade de um centro cultural desta

envergadura não se constrói sem dedicar uma atenção particular aos processos de criação

artística.

Com todas as dificuldades inerentes aos concelhos do interior, o Teatro de Vila Real tem

conseguido, sem se colocar em bicos de pés, mas também sem falsas modéstias, marcar de

forma indelével a cultura na região em que se insere. Mas, em Vila Real como em tantas outras

cidades do País, este desempenho só parece sustentável se os organismos nacionais estiverem

em sintonia e apoiarem significativamente os equipamentos culturais de cada distrito.

E, assim, talvez valha a pena salientar que as actividades realizadas em Vila Real, como de

resto acontece noutras cidades, não se limitam a promover a descentralização cultural, não

se limitam a facilitar o acesso à cultura do público potencial de uma determinada região. Elas

são também parte importante do apoio à criação artística em Portugal, não só na medida em

que se co-produz localmente, mas também na medida em que se acolhem as novas produções

de inúmeros agentes nacionais. É importante que isto seja reconhecido e possa também ser

apoiado pelo Estado central, dado tratar-se, antes de mais, de um contributo local para o vigor

do panorama artístico de todo o País.

Do mesmo modo que o Estado reconheceu a importância, para a coesão nacional, de se

construir equipamentos culturais descentralizados, traduzindo-se o reconhecimento dessa

importância em investimentos financeiros, é necessário que se veja o funcionamento desses

equipamentos e a sua programação como igualmente importantes para a coesão nacional,

para a redução das assimetrias regionais. E é necessário que o reconhecimento dessa

importância se traduza, de novo, em claros investimentos financeiros, no co-financiamento

das programações, apoiando redes (sem todavia pretender que os recintos culturais percam

102

a sua identidade por se constituírem como meras caixas de ressonância dos seus congéneres).

Tudo isto de modo a assegurar a viabilidade dos equipamentos construídos e a continuidade

do trabalho feito até aqui. Não são só as cidades, os concelhos, as regiões que ganham com

isto; é todo o País, de facto.

VÍTOR NOGUEIRA

É director do Teatro de Vila Real e coordenador dos Serviços de Cultura do Município de Vila Real. É mestre em Filosofia

pela Universidade do Minho. Tem obra publicada nos domínios da poesia, da ficção e do ensaio.

103

3. CORPOS CULTURAIS

Paulo Brandão

“Nós somos meros mortais, mas o teatro é tão eterno como a própria vida”.

Sultão Bin Mohammed Al Qasimi

Como espectador, comecei a minha actividade nos idos anos 80, tempo de adolescente,

praticamente confinado ao local onde vivia: Vila Nova de Famalicão. As tardes de fim-de-

-semana eram passadas no CineTeatro Augusto Correia, entretanto demolido, onde naturalmente

só o cinema existia. Ou quase.

Uma avaliação mesmo que primária do panorama actual da actividade cultural na região levará

a concluir que ele se alterou grandemente nos últimos dez anos, sendo hoje possível afirmar

que, de uma situação de falta de espectáculos no início da década de 90, se passou para uma

abundância no novo milénio.

Podemos ainda afirmar que a fartura hoje existente é geral, alargando-se a todo o território

nacional, sendo rara a cidade que não possui um equipamento cultural, fruto, obviamente, da

criação da Rede Nacional de Teatros e CineTeatro e da Rede Municipal de Espaços Culturais,

lançadas em 1999. Na generalidade, equipamentos com ampla oferta de títulos nas áreas da

dança, do teatro, da performance, das músicas, das artes plásticas, muitas com departamentos

ou valências nas áreas pedagógicas e educativas, que trabalham, sobretudo, a pensar na

criação de públicos. Atitude moderna e cosmopolita, colocando-nos assim a par da actualidade

da criação contemporânea e fazendo parte do circuito nacional e internacional, permitindo aos

públicos acompanhar os mais variados percursos criativos, nacionais e estrangeiros, com

acesso ao que de mais pertinente existe.

Para sublinhar esta alteração da paisagem cultural, sobretudo a Norte, poderíamos marcar

algumas das estruturas natas: Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão (2001), Centro de

Artes do Espectáculo de Portalegre (2006), Centro Cultural Vila Flor (Guimarães, 2005), Teatro

Municipal da Guarda (2005), Teatro Municipal de Bragança (2004), Teatro Municipal de Faro

(2005), Teatro de Vila Real (2004), Teatro Virgínia (Torres Novas, 2005) e Theatro Circo de Braga

(2006). Paisagem fértil, mas ainda em mutação, pois há espaços actualmente em construção,

como é o caso do CineTeatro Neiva (Vila do Conde).

Apesar da excelente programação da pluralidade dos equipamentos citados, certo é que a

maioria anda ainda à procura do modelo de gestão ideal, consolidando caminhos para a estreita

104

relação com as autarquias e seus objectivos, além de exigir do Ministério da Cultura uma maior

atenção. A programação cultural como ferramenta de reconfiguração dos territórios culturais

tem um poder enorme e tem vindo a transformar as cidades – isso é indesmentível –, embora

seja ainda prematuro avaliar qual o verdadeiro impacto na vidas das pessoas.

Autêntico é que, nos métodos de trabalho, as coisas têm evoluído francamente. Tome-se como

exemplo o teatro e as redes de programação, sejam elas formais ou informais, onde as

companhias procuram encontrar uma alternativa aos apoios e subsídios do Ministério da

Cultura, de que estavam inteiramente dependentes, assegurando uma série de datas pelo país

que, no seu todo, suportam os custos de produção (assumindo, por vezes, essas estruturas o

papel de co-produtores). Ou seja, às companhias não chega a fixação ao local onde residem

(e fixação terá aqui um duplo sentido), pois o bolo dos equipamentos garante, na realidade, a

sustentação financeira dos projectos.

O mesmo acontece a título internacional, por vezes. A existência de um dos eventos em que

estive envolvido como programador, a última tournée internacional de Anthony and Johnsons

e o espectáculo “Turning”, dependeu também do Theatro Circo (do seu financiamento), a par

de casas como o Barbican de Londres e o Olympia de Paris; ou ainda o arranque na Europa

de um projecto norte-americano, “Yard Dogs Road Show” – espectáculo de circo-cabaret –,

só possível porque se somaram Lisboa, Portalegre e Braga.

O apagamento do Porto e o caos de Lisboa são no entanto sintomáticos e preocupantes, porque

centros de decisão (e de absorção financeira). Sobretudo Lisboa, que por vezes desconhece a

realidade e a importância dos “novos” equipamentos. O Ministério da Cultura tem evoluído no

sentido positivo, observando e reconhecendo o trabalho dos diferentes espaços e criando apoios

e instrumentos. O mais recente, o Programa Território Artes ou, ainda em fase de arranque,

o Acordo Tripartido (decreto-lei nº 225/2006 de 13 de Novembro). Não há dados agora que

possam auferir uma avaliação, sendo que o dinheiro existente leva muitos dos programadores

a torcer o nariz. Basta pensar na estranha dotação orçamental para a cultura do actual governo

de José Sócrates, quando observações de Bruxelas, muito recentes, na voz de Durão Barroso,

apontam para a valorização da cultura na Europa ou, se quisermos, da cultura europeia

identitária: “O nosso sonho lúcido na Europa deve ser este: um novo humanismo para uma

globalização com os nossos valores”.

A cultura é um poderoso componente do processo de formação de identidades e da auto-

-estima dos povos. A globalização da cultura e as intersecções global/local estão na ordem

do dia e são item primeiro nos grandes debates sobre o tema. A programação, como expressão

máxima de um espaço de cultura, deve por isso elevar a pesquisa, a experimentação, a criação

e inovação artísticas.

105

Nesse sentido, devemos pensar os equipamentos como “corpos culturais” ou “centros de

afectos”, ao longo do tempo criando os seus perfis, jogando (novamente este verbo, a pensar

no Francês, “joué”) com a realidade local, potenciando as redes nacionais, ganhando expressão

nacionalmente e criando a diferença para a Europa.

Neste contexto, os centros de decisão têm um papel vital, sobretudo as autarquias, modelares

na boa gestão dos equipamentos culturais, embora também apresentem exemplos negativos,

como é o caso do Rivoli Teatro Municipal. Nesta matéria, é fulcral o trabalho de topo do

Ministério da Cultura, cujo o orçamento de que é dotado está longe de permitir a adequada

sustentação necessária ao eficaz funcionamento dos espaços existentes, absolutamente

capitais, a par de outras políticas, para a valorização cultural dos portugueses e de Portugal.

PAULO BRANDÃO

Vila Nova de Famalicão, Agosto de 1967. Curso de Interpretação da Academia Contemporânea do Espectáculo (Porto).

Estágio em Teatro Naturalista na The Arden School of Theatre (Manchester). Licenciatura em Estudos Portugueses na

Universidade do Porto (frequência). Teatro Nacional S. João (Porto), Produção e Direcção de Cena (cerca de 8 anos).

Director/Programador da Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão, entre 2002 e 2006. Actualmente: Director Artístico

do Theatro Circo de Braga (desde Maio de 2006).

106

4. TEATRO MUNICIPAL DE FARO, UM TEATRO AO SUL.

Anabela Afonso

Nasci e cresci no Algarve e desde cedo senti as limitações de viver numa região com uma

escassa oferta cultural, tanto do ponto de vista de espaços de circulação de espectáculos como

da oferta formativa nas áreas da música, teatro e dança. Nos anos passados em Lisboa, durante

a vida universitária, apercebo-me de forma mais concreta dos efeitos provocados pela ausência

de hábitos e práticas culturais na minha cidade.

Da diferença de interesses que os jovens da minha idade demonstravam em Lisboa e daquilo

que me recordava serem os interesses e as conversas dos jovens da minha idade que comigo

cresceram. Desde aí não mais me largou o desejo de um dia poder vir a dar um contributo no

sentido de diminuir estas diferenças, só não imaginava como.

Quando em 2000 me foi colocada a possibilidade de integrar a equipa que iria pôr de pé o

projecto do Teatro Municipal de Faro, não hesitei na resposta. Finalmente chegara a oportunidade

de, profissionalmente, contribuir para algo que poderia vir a ter um impacto objectivo nos

hábitos de vida da população da cidade.

Gradualmente fui tendo a percepção de que este não era um projecto pacífico para a comunidade

farense, facto que me pareceu constituir uma evidência clara da urgência da sua construção

e da sua efectiva utilidade.

Questionava-me como seria possível numa região considerada por muitos o cartão de visita

de Portugal, pelo seu peso turístico, não haver, à entrada do século XXI, um equipamento

cultural de média dimensão, havendo ainda uma parte considerável da população local que

não o considerava sequer necessário.

Este aparente afastamento de alguns sectores da população local para o domínio das artes

não era mais do que o resultado da longa ausência de uma política e estratégia de desenvolvimento

cultural para o país, a qual, como em todos os outros sectores da vida social, se fazia sentir

de forma mais acentuada nas regiões geograficamente mais afastadas dos grandes centros

urbanos do Porto e Lisboa.

Face a esta situação, o impacto do Teatro Municipal de Faro na cidade e na região do Algarve,

107

deve ser avaliado muito para além dos dados estatísticos que normalmente são apresentados

neste tipo de situações, mas aos quais será inevitável fazer referência. Em 2006, o Teatro

Municipal de Faro acolheu um total de 80 espectáculos, com 110 sessões, distribuídos pelas

diferentes disciplinas artísticas da seguinte forma: 11 espectáculos de Teatro, 50 de Música,

13 de Dança, 4 de Cinema e 2 de Novo Circo.

Dos 80 espectáculos referidos, 22 deles (num total de 34 sessões) realizaram-se no âmbito

da programação do Serviço Educativo, abrangendo as várias disciplinas artísticas já referidas.

Assistiram a estes espectáculos 38.352 espectadores, 6.581 dos quais, via Serviço Educativo.

Estes números totalizam uma taxa média de ocupação do Teatro Municipal de Faro, durante

o ano de 2006, na ordem dos 55%.11

Por si só, estes números não dirão grande coisa, até porque a sua interpretação e validação

científica exigiria que tivessem como base um estudo de públicos do Teatro que ainda não foi

feito. Mostram-nos, no entanto, que um ano após a abertura do espaço, o público continua a

aderir e a justificar a sua existência.

Para além dos números, existem outros dados que podem indicar a importância que esta

estrutura pode vir a ter enquanto factor de mudança social e cultural do território. Um deles

está relacionado com a possibilidade de contacto entre os inúmeros profissionais do espectáculo,

entre actores, bailarinos, músicos e técnicos que neste quase ano e meio passaram (e que

continuarão a passar) por Faro, e a inevitável troca de experiências com os profissionais locais,

consolidando assim um sector profissional emergente, mas em crescimento. Também do

ponto de vista económico este equipamento representa uma mais-valia para a cidade,

considerando o consumo que os milhares de pessoas que por aqui passaram já realizaram

em hotéis, bares, lojas, etc.

A progressiva profissionalização nas diferentes áreas circundantes do espectáculo é outro

contributo do Teatro Municipal de Faro. A partir da sua abertura, um sem número de jovens

passa a ter a possibilidade de poder contar com actividades periféricas, como meio de sustento

profissional mais ou menos regular, como sejam as de carregadores, assistentes de sala,

distribuidores de publicidade ou simplesmente o apoio pontual enquanto assistentes de figurinos,

assistentes de cena, etc.

Esta proximidade, ainda que através de uma actividade “paralela” não regular, conduz também

de forma muito clara para um estreitar do contacto destes jovens com o mundo das artes,

permitindo-lhes, ao mesmo tempo que trabalham e retiram daqui algum proveito económico,

ter a oportunidade de contactar com actores, sonoplastas, luminotécnicos, cenógrafos,

108

coreógrafos e outros profissionais do espectáculo, que muitas vezes lhes servem de modelo

ou referência.

Penso, no entanto, que o pretendido, neste caso particular, é a análise de um ponto de vista

mais pessoal e subjectivo, do programador, e das expectativas existentes em relação a uma

série de opções que necessariamente se tomam quando um espaço de acolhimento de

espectáculos propõe ao seu público determinada oferta cultural em detrimento de outra. Deste

ponto de vista, é preciso ter em atenção que as opções que se tomam ao programar, são

também elas condicionadas por uma série de factores que muitas vezes vão muito para além

do puro critério estético e do gosto pessoal de quem programa. É óbvio que o gosto pessoal

estará sempre presente, em graus diferentes, em qualquer programa de qualquer teatro, no

entanto, quem trabalha nesta área sabe que factores como a disponibilidade financeira, o

equilíbrio e diversidade das áreas e disciplinas artísticas apresentadas, o processo interno de

decisão das estruturas, entre outros, condicionam em grande parte o resultado final apresentado

ao público.

Passado tão pouco tempo, será ainda cedo para dizer efectivamente qual o impacto do Teatro

Municipal de Faro no tecido cultural da região do Algarve, pois este tipo de alterações sociais

só se consegue medir no médio e longo prazo. Não seria justo, naturalmente, deixar de referir

que antes do aparecimento do novo teatro, outras estruturas e agentes marcaram a cidade e

a região, com contributos imprescindíveis ao seu desenvolvimento cultural no que respeita,

em particular, às artes de palco. Falo, entre outras, do aparecimento da primeira companhia

de teatro profissional do Algarve, a ACTA em 1998, do surgimento do CAPA, Centro de Artes

Performativas do Algarve, que continua a desempenhar um papel singular e de extrema

importância na divulgação e formação de públicos para a dança contemporânea, não esquecendo,

obviamente, o papel que o próprio Teatro Lethes tem vindo a desempenhar enquanto a mais

antiga sala de espectáculos da cidade, embora com algumas interrupções na sua actividade.

Em termos imediatos, a grande diferença que penso ser legítima apontar é que, com o Teatro

Municipal de Faro, a cidade passou a deter um espaço de apresentação regular de espectáculos,

com uma equipa profissional dedicada exclusivamente à programação, produção, divulgação

e montagem dos mesmos. A existência de uma oferta cultural regular de qualidade traz consigo

o reconhecimento, por parte de estruturas idênticas doutros pontos do país, de um parceiro

ao sul, uniformizando pela primeira vez o território nacional em termos de actividade cultural.

Finalmente, surge a possibilidade de, por Faro e pelo Algarve, poderem passar os mesmos

109

espectáculos que normalmente passam por Lisboa e pelo Porto, sem constrangimentos de

ordem técnica ou cénica, que normalmente a adaptação de espaços não vocacionados para

acolher espectáculos provoca. Isto contribui também, ainda que não de forma absolutamente

consciente, para a consolidação da identidade cultural da região, reforçando a auto-estima da

população local que deixa de se sentir à margem do que se passa no resto do país.

Mas o desenvolvimento cultural de uma região mede-se também pela sua capacidade de

afirmação ao nível da criação artística e, neste domínio, o Algarve ainda tem um longo caminho

a percorrer, colocando-se aqui, talvez, o maior desafio ao Teatro Municipal de Faro, e daquele

que será o seu sector de actividade mais sensível e com impacto mais directo nos futuros

hábitos culturais da cidade, o Serviço Educativo.

Desde a sua criação, o Serviço Educativo do Teatro Municipal de Faro tem centrado a sua

actividade em torno da sensibilização dos mais jovens em particular, e da comunidade em

geral, para as artes de palco. Este trabalho tem vindo a ser feito através da programação de

espectáculos direccionados a faixas etárias mais específicas, mas, sobretudo, através da

realização de ateliers temáticos direccionados e adequados às diversas franjas de público, nas

áreas da música, da filosofia, da dança, da expressão corporal, do teatro, etc. O Serviço Educativo

privilegia as actividades com pequenos grupos de trabalho, por acreditar que, apesar de demorar

mais tempo a atingir um maior número de pessoas, o resultado será mais eficaz e duradouro.

É o resultado deste trabalho, silencioso e lento, que se espera venha a provar, nos próximos

anos, sem sombra de dúvida, o quanto era necessário o Teatro Municipal de Faro.

ANABELA AFONSO

Licenciatura em Relações Internacionais, pela Universidade Lusíada de Lisboa em 1995. Especialização pós-licenciatura

em Gestão Cultural, pela Universidade do Algarve em 2000.

É actualmente assistente de direcção e programação do Teatro Municipal de Faro.

110

111

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BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA

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http://www.juntadeandalucia.es/cultura/peca/servlet/d

escarga?up=701

Neste site pode-se aceder ao Plano Estratégico para a

Cultura da Cidade de Buenos Aires – Diagnóstico e

Formulação Estratégica cuja elaboração se baseou numa

metodologia participativa de fixação de objectivos e de

formulação de estratégias.

http://www.juntadeandalucia.es/cultura/peca/publico/i

ndex.jsp

Plano Estratégico para a Cultura de Andaluzia. Documento

Estratégico para 10 anos – 2005-2015

Este site permite aceder aos vários documentos de

discussão e formulação do PECA – Plano Estratégico para

a Cultura da Andaluzia. A Conselheria de Cultura da Junta

de Andaluzia dinamizou a realização deste Plano

Estratégico, concebido como um documento estratégico

integral que fixa as linhas mestras da política cultural

autonómica para os próximos dez anos, com o objectivo

de “definir orientações estáveis, democráticas e

participativas que permitam melhorar a qualidade de vida

dos andaluzes e andaluzas”.

http://www.diba.es/cerc/assessorament.asp

Este site do Centro de Estudos e Recursos Culturais da

Diputació de Barcelona apresenta um conjunto muito vasto

de Plano Estratégicos e Planos de Acção para a Cultura

realizados para o território espanhol, elaborados segundo

processos participados com envolvimento dos agentes

culturais.

http://www.maestrazgo.org

Neste site poder-se-á encontrar informação sobre o Parque

Cultural do Maestrazgo, que corresponde a um território

de 42 municípios aragoneses e constitui uma experiência

inovadora de criação e gestão de um Parque em que o

património cultural e natural se definem como um elemento

de identidade colectiva.

http://www.eurocult.org

Nesta página poder-se-ão encontrar as últimas notícias

no que se refere a cooperação cultural, a boas práticas de

cooperação cultural europeia, a oportunidades de

mobilidade e financiamento europeu e ainda uma livraria

virtual e centro de recursos.

LISTA DE CHAMADAS DA OBRA

01Eduard Miralles – “Elements de reflexió sobre la cultura, el territori i la proximitat”, in Pla Estratègic de Cultura de

Barcelona, Barcelona, 2006 (documento de trabalho).

02Para uma discussão sobre esta questão veja-se, por exemplo, Costa, Magalhães, Vasconcelos e Sugahara, 2006.

03Veja-se análise específica da intervenção municipal e sua evolução, Neves, 2000 e Cabral Ferreira /CCRN, 1999.

04Para uma análise mais exaustiva, embora já mais desactualizada, de territorialização dos indicadores estatísticos

disponíveis para o sector no país, e sua evolução, veja-se Costa, 2003.

05Tratamento de informação estatística e quantitativa (não necessariamente exaustiva) com fontes diversificadas cujo

tratamento é da responsabilidade dos autores.

06Anexo 1: Delimitação do sector cultural e criativo, aproximando da proposta de delimitação do sector que o estudo

recentemente publicado pela Comissão Europeia, KEA, The Economy of Culture in Europe, 2006, apresenta.

07Foi utilizada a edição do Pisa-Papéis de 2006.

08Recorde-se que esta fonte disponibiliza o emprego por conta de outrem formalizado, que não é a regra em muita da

actividade artística e criativa, sobretudo aquela que se organiza mais em torno de projectos concretos do que em relações

contratuais estáveis com uma entidade empregadora fixa.

09Os dados relativos ao Programa Operacional da Cultura são referentes a acções apoiadas até 30 de Setembro de 2006,

respeitantes apenas a projectos promovidos num único concelho e classificadas segundo as quatro medidas – Recuperação

e animação dos sítios históricos e culturais, Modernização e dinamização dos museus nacionais, Criação de uma rede

fundamental de recintos culturais e Utilização das novas tecnologias de informação para acesso à cultura, dados disponíveis

no site do programa, www.poc.min-cultura.pt. No que se refere aos dados referentes aos Programas Operacionais

Regionais, usaram-se apenas os dados referentes às medidas específicas para a cultura, do Eixo 3. Ainda dentro deste

caso, foram considerados apenas os projectos cujo executor respeita apenas a um concelho, excluindo, portanto, os

projectos apoiados dentro destas medidas mas com um âmbito sub-regional ou regional. Neste último caso, foram ainda

tratados valores globais de investimento total para esses mesmos projectos

10Muitas vezes, fomos acusadas de elitista por assim pensarmos. A melhor resposta encontramo-la em George Steiner:

“É essencial ser elitista – mas no sentido original da palavra: assumir responsabilidade pelo «melhor» do espírito humano.

Uma elite cultural deve ter a responsabilidade pelo conhecimento e preservação das ideias e dos valores mais importantes,

pelos clássicos, pelo significado das palavras, pela nobreza do nosso espírito. Ser elitista, como explicou Goethe, significa

ser respeitador: respeitador do divino, da natureza, dos nossos congéneres humanos e, assim, da nossa própria dignidade

humana” in: A Ideia de Europa; 3ª edição; Janeiro 2006; Gradiva Publicações Lda; Lisboa; página 17.

11Dados retirados dos relatórios de bilheteira e de frente de casa do Teatro Municipal de Faro

115

FICHA TÉCNICA

Editor

SETEPÉS

Título

Gestão Cultural do Território

Coordenação Editorial

J. Henrique Praça

Susana Marques

Coordenação Científica

João Teixeira Lopes

Coordenação da publicação

José Portugal

Susana Marques

Autores

Ana F. Azevedo Manuela de Melo

Anabela Afonso Paulo Brandão

Elisa Babo Pedro Costa

Helena Genésio Roberto Gómez de la Iglesia

João Sarmento Vítor Nogueira

Luiz Oosterbeek

Revisão de textos

Ana Telma Botas

Assistente Editorial

Márcia Pinto

Design

Carlos Mendonça

Pré-Impressão, Impressãoe Acabamentos

Empresa Diário do Porto, Lda.

1ª Edição, 2007. Porto

ISBN: 978-972-99312-5-3

Depósito Legal: 267148/07

Tiragem: 500 ex.

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