gestão cultural no território
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Colecção PÚBLICOS Nº 4
Gestão Culturaldo TerritórioCoordenação: José Portugal e Susana Marques
Edição financiada pela Medida 4.2. Desenvolvimento e Modernização das Estruturas e Serviçosde Apoio ao Emprego e Formação; Tipologia 4.2.2. Desenvolvimento de Estudos e RecursosDidácticos
005 Prefácio
João Teixeira Lopes
009 Introdução
José Portugal e Susana Marques
CAPÍTULO I
A Gestão Cultural do Território
015 1. Cultura, Desarrollo y Territorio en la Economía de la Experiencia
Roberto Gómez de la Iglesia
028 2. Ordenamento Cultural de um Território
Luiz Oosterbeek
039 3. Porto 1990 - 2001: onze anos na gestão político-cultural de um município
Manuela Melo
CAPÍTULO II
Os Novos Territórios da Cultura
051 1. As indústrias Culturais e criativas: novos desafios para as políticas municipais
Elisa Pérez Babo e Pedro Costa
088 2. Culturas – Novas – Geografias – Novas – Culturas – Geografias...
João Sarmento e Ana F. Azevedo
CAPÍTULO III
Redes: Novas Geografias da Cultura?
097 1. Teatro Municipal de Bragança: o palco das artes e a nova forma de estar de um
público emergente
Helena Genésio
101 2. Times are changing
Vítor Nogueira
104 3. Corpos Culturais
Paulo Brandão
107 4. Teatro Municipal de Faro, um teatro a sul
Anabela Afonso
113 Bibliografia recomendada
114 Sites de interesse
115 Lista de chamadas da obra
ÍNDICE
Públicos são comunidades de estranhos, efémeras e contigentes, que se formam pela
convocatória de um discurso e pela apropriação reflexiva de sentido. Comunidades que, no
entanto, apesar de pouco cristalizadas, assentam na possibilidade de acrescentar mundos aos
mundos da vida.
Públicos são os espaços de livre acesso, nós de articulação das cidades fragmentadas, onde
não existe, de antemão, um percurso predefinido, uma realidade preexistente ou um sentido
único. Lugares onde vemos e somos vistos, estranhos que somos, nós no lugar do Outro, o
estranho do estranho.
Públicos são os conteúdos destes volumes, de distribuição gratuita, onde se abordam temáticas,
associadas ao desenvolvimento imaterial e simbólico e aos chamados sectores criativos das
sociedades modernas: Leitura(s), Serviços Educativos na Cultura, Exposições, Gestão Cultural
do Território e Comunicação de Ciência.
Três pressupostos essenciais presidiram à organização desta colecção: em primeiro lugar, a
qualidade dos textos, solidamente ancorada na experiência e conhecimento dos autores. Em
segundo lugar, a pluralidade de pontos de vista, longe de uma escrita e pensamento únicos,
enquanto estímulo à diversidade de leituras e ao jogo de cruzamentos que o leitor poderá
accionar: complementaridades, conflitos, sínteses, bricolagem de conteúdos… Em terceiro
lugar, finalmente, o equilíbrio entre a actualidade e o rigor dos conteúdos e a clareza na sua
apropriação, capaz de propiciar, assim o pensamos, um alargamento dos públicos potenciais
desta colecção. Ela dirige-se, na verdade, aos especialistas das diferentes áreas, mas, também,
aos chamados «novos intermediários culturais», aqueles e aquelas que lidam com a produção,
difusão e manuseamento da informação e do conhecimento.
O valor simbólico das sociedades actuais está à vista de todos. Importa, por isso, desenvolver
lógicas de cidadania activa, o que requer uma franca, plural e permanente actualização de
repertórios. Ditas de risco, as nossas sociedades são também reflexivas, já que, cada vez mais,
os nossos comportamentos incorporam capital informacional.
PREFÁCIOJoão Teixeira Lopes
005
Urge, ainda, que sejam sociedades críticas e exigentes, que tenhamos consciência não só dos
limites e constrangimentos (as portas que se fecham), mas também das possibilidades de
mudança (as janelas que se abrem) nos profissionalismos da inovação e da criatividade.
João Teixeira Lopes é sociólogo. Professor Associado com Agregação do curso de Sociologia da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto e coordenador do Instituto de Sociologia, unidade de I&D da Fundação de Ciência e Tecnologia.
Mestre em ciências sociais pelo Instituto de Ciências Sociais da Universida de Lisboa e Doutorado em Sociologia da
Cultura e da Educação com a Dissertação – A Cidade e a Cultura – Um Estudo sobre Práticas Culturais Urbanas (Porto,
Edições Afrontamento, 2000).
Membro efectivo do Observatório das Actividades Culturais entre 1996 e 1998 e seu actual colaborador. Foi programador
de Porto Capital Europeia da Cultura 2001, assessor do Presidente da Câmara de Matosinhos para os assuntos sócioculturais
(2000-01), fez parte de equipas de estudo e avaliador de projectos.
Escreveu, entre 1996 e 2007, dez livros, quatro dos quais em co-autoria, e co-organizou outros dois.
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Novos territórios que questionam visões tradicionais da cultura
A Gestão Cultural é determinada pelos diferentes territórios em que a acção cultural se leva
à prática: um equipamento cultural, um departamento de cultura de um município, uma
associação, uma fundação, uma cidade, um território nas suas múltiplas escalas. Tem de estar
disponível para escutar e interagir com a diversidade e a evolução dos fenómenos sociais,
sejam eles de natureza estritamente cultural, de natureza económica, política, sociológica ou
outra.
1. É seguro que uma dessas alterações ocorre nos territórios culturais que não são já definidos
apenas por fronteiras geográficas ou administrativas nem correspondem sequer a comunidades
de identidade baseadas na Tradição e na História; integram progressivamente grupos sociais
com percursos culturais diversos, desde os que mergulham as suas raízes nas origens rurais,
até às populações imigradas, de vivência mais recente no território, que não se identificam
com a memória colectiva tradicional. Os territórios urbanos são hoje baseados na diferença
e não nas identidades. Nas culturas urbanas não se partilham culturas, histórias comuns; o
que se partilha é o futuro, são os projectos. E é assim que comunidades reconhecidas e apoiadas
em discursos de construção de identidades dão lugar, cada vez mais, a comunidades de destino,
que as levam a buscar relações com o exterior e a construir itinerários e redes com base em
afinidades de vária ordem.
2. O conjunto de textos que se seguem permite combater uma concepção dual de cultura
associada aos territórios porque se convencionou que os territórios da criatividade e da inovação
são apanágio da cidade e que o espaço rural é comummente referenciado como o repositório
do património e da tradição, transformado numa imensa área de serviços de lazer, esquecendo-
-nos de que sem protagonistas, as culturas locais se manipularão como um produto. E esse
é o risco da “folclorização cultural”, expressão suprema da desigualdade, isto é, do
subdesenvolvimento.
3. Estes territórios são também os do público e do privado. Uma política cultural pública deverá
definir contornos precisos sobre domínios e responsabilidades de intervenção dos vários actores
INTRODUÇÃOJosé Portugal e Susana Marques
009
010
culturais (autarquias, administração pública sectorial, agentes privados e do terceiro sector),
imprimindo progressivamente coerência e coordenação das acções sem cair, no entanto, numa
municipalização e estatização da cultura que possa secar outras iniciativas ou até ofender o
pluralismo das formas de expressão e das práticas culturais.
Isto exige um novo entendimento do serviço público, alicerçado numa estratégia para o território
amplamente reflectida e debatida, cabendo ao Estado um papel de facilitador, regulador e
avaliador das iniciativas dos agentes culturais e, desejavelmente, cada vez menos o de agente
único, promotor, programador, produtor cultural, ao nível local.
4. É imperioso pôr em prática políticas culturais que correspondam a um estádio superior de
desenvolvimento da sociedade que se rejam por princípios de subsidiariedade, com cidadãos
mais informados, exigentes e participativos e que atendam à necessidade crescente de atenção
às franjas mais frágeis e desintegradas da sociedade (comunidades imigradas, populações
isoladas, cidadãos doentes, idosos, etc.)
Eduard Miralles01, que foi director do Centro de Estudos e Recursos Culturais da Diputació de
Barcelona, defende que é urgente uma nova geração de políticas activas para a cultura, que
superem a tradicional dimensão descendente da difusão cultural e as suas estratégias de
proximidade, que contemplem quatro dinâmicas complementares: i) uma dinâmica descendente,
democratizadora, de proximidade; ii) uma dinâmica ascendente, comunitária; iii) uma dinâmica
transversal (que fomente as relações entre a política cultural e os outros sectores e ainda com
as políticas de desenvolvimento do território); iv) uma dinâmica de tipo horizontal que favoreça
a criação da cidadania organizada como a dimensão fundamental das políticas públicas da
cultura.
O que aqui propomos ao leitor é, assim, uma viagem por um dos caminhos que é a Gestão
Cultural dos Territórios, na perspectiva do desenvolvimento, ordenamento, do fazer política,
gerir e programar equipamentos e perspectivar soluções futuras para a criatividade nesses
territórios. Oferecemos visões de pensadores, políticos, técnicos, gestores, programadores
que nestes últimos anos contribuíram para a construção de algumas das paisagens culturais
nacionais e transnacionais.
Com um leque variado de autores, temas e experiências organizamos esta publicação em três
capítulos. O primeiro – A Gestão Cultural do Território – propõe-nos três visões distintas, mas
complementares da prática da gestão cultural enquanto ferramenta fundamental e imprescindível
para a boa gestão de valores, recursos, da envolvente, das experiências e da mudança; onde
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os cidadãos mais do que públicos devem ser incorporados como actores nos processos de
gestão, de fazer cidade, de construir território.
O segundo capítulo dedicámo-lo à inovação, palavra muito em voga nos dias de hoje, aqui
entendida como o que de novo e desafiante se espera para o panorama nacional e local da
cultura. Se o artigo “As cidades criativas e a gestão cultural do território” enquadra, perspectiva
e orienta a acção dos municípios no quadro das componentes da criatividade que ultrapassam
as definições convencionais do conceito de cultura, já o segundo artigo conduz o leitor ao
exercício crítico, à reflexão sobre a definição de territórios de cultura e o uso dessa definição
na construção dos lugares de cultura, mas também ao questionamento dos lugares culturais
de cada sujeito; é pois uma viagem textual e criativa, conduzida por geógrafos em Culturas -
Novas - Geografias - Novas - Culturas - Geografias…
E por fim os Teatros, o testemunho de quem programa, gere e se preocupa em inscrever no
mapa nacional o seu equipamento cultural. Fechamos esta publicação com uma pergunta,
Redes: Novas Geografias da Cultura?
Uma década após o lançamento de um programa nacional descentralizador que visava criar
uma Rede Nacional de Cineteatros é possível recolher resultados. Estes equipamentos assumem
hoje uma importância central nas cidades, não só pelo protagonismo que vão conquistando
como também pelo desafio que trazem aos actuais e futuros políticos e gestores culturais de
território. Sendo peças centrais na estratégia cultural municipal, posicionam-se competitivamente
em relação a outros equipamentos, absorvem investimentos locais consideráveis e reclamam
uma intervenção mais presente do estado central.
Mas a pergunta é também, até que ponto, estes novos equipamentos não reconfiguraram um
novo mapa nacional e portanto uma nova geografia cultural; os testemunhos dos programadores
deixam pistas para essa reflexão.
E antes de acabar temos sugestões de leitura e de pesquisa na Internet, estas últimas centradas
nos planos estratégicos para a cultura em territórios internacionais.
E a quem se dirige esta publicação?
Pois bem, a todos os profissionais do sector cultural (e aos que ambicionam vir a ser) que
detêm funções neste vasto campo que é a gestão cultural de um território e aos que planeiam
e decidem politicamente.
Quando a Setepés se propôs realizar esta publicação, o tema remetia para a Gestão Cultural,
disciplina bastante praticada e já suficientemente estudada em graduações superiores. A
reflexão levou-nos a focar no tema do TERRITÓRIO, não só pela actualidade e pertinência da
palavra no quadro estratégico nacional, mas também pela necessidade de nos distanciarmos
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do mundo das organizações culturais e focarmo-nos no vasto terreno onde elas se inscrevem
e interagem.
José Portugal. Licenciado em Antropologia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa, com Pós-Graduação em Gestão e Políticas Culturais pela Universidade de Barcelona.
Pertence, desde 2001, aos quadros da Quaternaire Portugal, empresa em que é consultor, onde tem participado e
coordenado vários Estudos e Planos nos domínios do desenvolvimento regional e da cultura.
Até 2001 foi técnico superior da Comissão de Coordenação da Região do Norte, no âmbito da Divisão dos Sectores Sociais
– Direcção Regional de Planeamento e Desenvolvimento, onde desempenhou o cargo de Chefe de Divisão de 1997 a 2001.
Foi Director Executivo do CRAT – Centro Regional de Artes Tradicionais, no Porto, de 1987 a 2000.
Susana Marques. Licenciada em Gestão do Património. Directora da Setepés desde 1998 com funções de administração
da empresa e de concepção, programação e coordenação de projectos culturais. Foi docente regular do Ensino Superior
Artístico entre 2001 e 2006 na área da Gestão da Cultura.
1. CULTURA, DESARROLLO Y TERRITORIO EN LA ECONOMÍA DE LA
EXPERIENCIA
Roberto Gómez de la Iglesia
“En un mundo tan cambiante como impredecible,
sólo ganan quienes están dispuestos a reescribir,
periódicamente, las reglas de su organización y de su sector”.
Gary Hamel, en “El imperativo de innovar”
Tiempos de cambio. ¡Ya es hora de romper la ortodoxia!
El mundo cultural es amplio y diverso, cada vez más. Sin embargo parece sufrir, casi de manera
estructural, una cierta parálisis que le lleva, también en el ámbito de la gestión cultural, a
guiarse por estereotipos y prejuicios fruto del modo de actuar en las últimas décadas, en
muchas ocasiones condicionado a la lógica reacción ante tiempos previos carentes de libertad.
015
Pero, curiosamente, este proceso ha ido acompañado por la definición de grandes objetivos
sociales pero con resultados hoy necesariamente discutibles; de un lenguaje progresista y
unos comportamientos de las organizaciones culturales muy conservadores; un deseo de
desarrollar e impulsar la sociedad civil y una cada vez mayor presencia del Estado; una
permanente reivindicación de un espacio profesional propio del gestor cultural y una insuficiente
consolidación del corpus teórico-conceptual y metodológico...
La sociedad española, y sin duda también la portuguesa, ha cambiado mucho durante los
últimos 30 años, y sigue cambiando a gran velocidad, y sin embargo quienes mantienen la
ortodoxia de la Gestión Cultural se resisten a cuestionar los dogmas creados en un contexto
que ya no existe.
Vivimos en un constante movimiento, en una crisis perpetua, y es que tenía razón mi tocayo
Zimmerman (Bob Dylan) cuando decía que los tiempos están cambiando. ¡sí, a gran velocidad!
Pensar que todas las cosas, en realidad, continúan igual, es un comportamiento miope y
autocomplaciente que nos lleva al fracaso. Y en la gestión cultural hablamos de cambio, pero
nos cuesta cambiar; hablamos de progreso pero a menudo nos aferramos a nuestras sillas
(sin necesitar ser poltronas); hablamos de transformación y cada vez tenemos más mausoleos
y “templos culturales” que conservar inamovibles.
Los roles que tradicionalmente han jugado las diferentes instituciones y agentes, los empleos,
las habilidades necesarias, la forma de hacer las cosas, las ideas y valores, las estrategias,
las aspiraciones y esperanzas de las personas, los miedos y preocupaciones, han cambiado.
Y siguen cambiando a marchas forzadas, como nos recuerdan Nordström y Riddestrale.
Queramos o no, el cambio nos obliga a cambiar. Pero en vez ser reactivos ¿por qué no ser
proactivos? ¿por qué no anticiparnos al futuro y construirlo? Porque las bases de la intervención
cultural, fruto del despertar democrático de nuestros países, están ya obsoletas. Han pasado
demasiadas cosas en 30 años como para seguir trabajando bajo los mismos paradigmas. Y es
verdad que parece que vivimos una situación caótica y de permanente ambigüedad, pero este
es el entorno natural en que se mueven nuestras vidas y nuestra profesión, en esa necesaria
gestión de la complejidad social de la que hablábamos (una estrecha franja entre el equilibrio
estable y el equilibrio explosivo). Pero, ¿hacia dónde nos lleva? ¿Hacia el progreso decadente
del que habla Racionero? ¿Hacia la tan cacareada sociedad del conocimiento?
Sí, el cambio constante es lo único permanente y, ahí, lo único estable, en sus propias
contradicciones y evolución cotidiana, es la persona.
Hemos de entender, por tanto, desde la Gestión Cultural, en qué entorno trabajamos: una
sociedad compleja donde hemos de ser gestores de esa complejidad social; en un marco
profesional de barreras difusas, funciones difusas y agentes hasta ahora “extraños a nuestro
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sector” entrando en la Gestión Cultural; con nuevos conceptos y nuevas tendencias sociales,
en un marco de gran transformación de las tecnologías, de las instituciones y de los valores
…para poder ser capaces de sistematizar (y primero definir qué es preciso sistematizar) y
repensar el papel de la Gestión Cultural, y sus profesionales (muchos, diversos, y no por ello
menos legitimados) en el desarrollo cultural de nuestros territorios; en el marco de un nuevo
protagonismo de la cultura, de la ciudad... y, sobre todo, de la ciudadanía emergente.
Y eso requiere definir un marco estratégico de actuación en cultura. Es decir, primero la
política, que no es hacer, sino orientar la acción, para pasar después a la definición de un
marco operativo.
Todo ello teniendo claro cuál es nuestra razón de ser, qué tipo de ciudadanía queremos
construir, qué valores queremos promover, a dónde nos gustaría llegar como organización...para
poder tener claro a qué nos vamos a dedicar y a qué no (la política implica tomar decisiones
“discriminatorias” en busca del interés general).
¿Entonces, qué es gestionar cultura? Gestionar cultura es gestionar personas (individuos y
colectividades), gestionar relaciones, gestionar valores, emociones y sentimientos, gestionar
expresiones diversas, pero también los entornos que hacen posible los encuentros, el diálogo,
la experimentación, la creatividad…, el crecimiento personal y colectivo.
Los gestores culturales debemos ser, también gestores del territorio y su complejidad,
gestores del cambio, constructores de futuro. Como señala Tomás Calleja, miembro del
Capítulo Español del Club de Roma, “... la creación de futuro es siempre la creación más
rentable, el descubrimiento es siempre creación de futuro y, por eso, la investigación y el
desarrollo es la mejor manera de invertir en futuro. Pero hemos simplificado estos términos
limitándolos a la ciencia y a la tecnología, olvidando que invertir en sociedad tiene horizontes
de destino que sólo aparecen cuando somos capaces de cuestionar lo que creemos inventado
y consagrado”... “El crecimiento sostenible es un buen destino, pero difícil de alcanzar con los
parámetros actuales que guían las actitudes y los comportamientos de las personas y de las
sociedades. Hay que inventar el crecimiento solidario ya que, sin la solidaridad suficiente, no
es posible el crecimiento sostenible. El crecimiento solidario es el nuevo invento de la inversión
en sociedad”.
Para ello, a Gestión Cultural requiere nuevos nutrientes, en términos de contenidos, formas
y aspiraciones. Y esos nuevos inputs surgen de la oportunidad del cambio y de la hibridación
progresiva en que nos movemos, y a la que hacemos referencia posteriormente al hablar de
los ejes de la Gestión Cultural. Esta debe ser, necesariamente, motor de innovación social y,
para ello, debe buscar sus propias vías de innovación profesional.
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Gestionar cultura, generar experiencias
Jeremy Rifkin considera que “la propiedad de bienes está obsoleta, lo que importa es el
intercambio de experiencias, con lo cual las relaciones humanas se convierten en relaciones
comerciales y la vida se concibe como un negocio. Entramos en un capitalismo cultural y
abandonamos el capitalismo industrial”.
Sí, por ejemplo, los productos cambian. Vivimos una progresiva intangibilización y estetización
de las economías occidentales. El principal valor añadido de los productos y servicios es hoy
fruto de la aplicación del conocimiento y la creatividad (investigación científica, diseño industrial,
ingeniería, marca, comunicación y capital relacional, cultura organizativa y gestión de las
personas, vinculación territorial…). Ya no sólo se busca emocionar en la comercialización. Las
empresas y organizaciones no son ya sólo productoras de bienes o prestadoras de servicios;
son creadoras de significados y especialmente generadoras de experiencias.
Al mismo tiempo, y en nuestro sector, vivimos una progresiva intangibilización de las artes,
más vinculadas al proceso creativo que a la plasmación en una obra de formato tradicional,
en torno a ámbitos sociales no aceptados socialmente como artísticos, a la crítica social…,
planteadas desde la mixtura de expresiones y disciplinas, abiertas a otros campos de conocimiento
y cada vez más reforzadas/condicionadas por las nuevas tecnologías. Formatos, lenguajes y
mensajes “progresistas” de ruptura en un entorno de mercado de lógicas hipercapitalistas y
de modelos de organización típicamente industriales. Estos son sólo algunos de los cambios
que nos conducen hacia una nueva cultura económica y una nueva economía de la cultura,
donde aún estamos a tiempo de que las relaciones humanas no lo sean sólo bajo el prisma
comercial.
Los productos tangibles son consumibles, los servicios intangibles usables, las ideas adoptables…
y las experiencias deben ser memorables.
Como recuerda Joseph Pine II, la oferta de experiencias no sólo se produce en las artes, la
cultura y el espectáculo; tiene lugar cada vez que una organización emplea deliberadamente
los bienes como utillería y los servicios como escenario para captar al público. Es decir, el
mundo económico en general está buscando aquello que se supone nosotros tenemos, aquello
que sabemos hacer. Se abre por tanto una gran oportunidad para la gestión cultural en la
nueva “economía de la experiencia”.
De acuerdo, ya todo el mundo se ha aprendido el discurso de la importancia de la cultura para
la regeneración de ciudades y territorios, ha puesto el ejemplo del Guggenheim y el impulso
de Bilbao, y ha exaltado el impacto económico de la cultura (¡quién lo hubiese dicho hace una
década!). Pero muy pocos políticos y técnicos de nuestros ayuntamientos y regiones, de cultura
y sobre todo de otras áreas de actuación, se lo creen de verdad. O si se lo creen no se atreven
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a dar un salto de coherencia y redefinir la políticas culturales locales en términos de proyecto
de ciudad, de interacción múltiple entre la cultura, las artes, la educación, la comunicación,
la economía y el territorio.
La cultura no es consecuencia del desarrollo, es causa. Y esta reflexión, a menudo pone en
cuestión una política basada sólo en acciones, en programación (yo también hago lo que hacen
otros), y en la cultura como escaparate partidista (otra vez la dichosa partitocracia) o de los
santones culturales del lugar.
La política cultural es una política de ciudad; la gestión cultural es la gestión de valores,
expresiones, personas, relaciones... en/desde la ciudad (repito).
La relación entre economía y cultura excede el impacto directo e indirecto de ésta en aquella
en términos de Producto Interior Bruto o empleos; existen otras dimensiones de esta relación
y quizás la fundamental tenga que ver con la cultura como caldo de cultivo de la generación
de actitudes y valores innovadores pero también con esta nueva realidad en que la cultura y
las artes se nos presentan como un nuevo medio de incorporación de valor a muy diversas
actividades sociales y económicas. Pero todo ello sin olvidar que el primer impacto que ha de
buscar la Gestión Cultural es el específicamente cultural.
Como señala Boris Groys en Sobre lo nuevo, ”la cultura es, por su dinámica y capacidad de
innovación el ámbito efectivo por excelencia de la lógica económica. La lógica económica
también se manifiesta, y de un modo especial, en la lógica de la cultura. Por eso, la cultura
es tan irrenunciable como la propia economía. Y, por ello, la economía de la cultura no consiste
en una descripción de la cultura como la representación de determinados procesos económicos
exteriores a ella, sino en el intento de comprender la lógica del propio desarrollo cultural como
una lógica económica de transmutación de valores”.
Gestionamos cultura para generar experiencias en la ciudadanía: conocimiento, sensaciones,
percepciones, sentimientos, emociones… para desarrollar nuevos (o no tan nuevos) valores,
nuevas relaciones… que ayuden a hacer más feliz a la gente, y aporten más valor a sus
territorios, que contribuyan a hacer más próspero su entorno.
La gestión cultural y las políticas culturales ante el desarrollo en una sociedad “confusa”
Situaciones complejas, como son las que afectan al desarrollo territorial, requieren actitudes
proactivas (frente a reactivos, inactivos y preactivos), capital intelectual (conocimiento x
compromiso) y, ante todo, capacidad de visión de las interacciones entre políticas y actuaciones
(“la cabeza en lo global y los pies en lo concreto”). Requieren visión, y reflexión, estratégica
y, en definitiva, decidir “a qué estrella enganchamos el arado”.¿Qué hacemos para aumentar
019
el conocimiento?. ¿Qué hacemos para aumentar el compromiso? Si el capital intelectual es
clave para el desarrollo y el progreso social, ¿cómo lo abordamos desde la gestión cultural?.La
sociedad cambia profundamente, a velocidad de vértigo, y nuestra reflexión sigue centrándose
en decidir qué pequeña adaptación hacemos al programa de carnaval, qué orquesta sinfónica
protagonizará el concierto de año nuevo...o cómo subsistir con prórroga presupuestaria.
Para ir más allá, para ser agentes activos en el cambio cultural de la ciudad, hemos de propiciar
nuevas estrategias, sabiendo que estas también han de cambiar con la realidad. Y para ello
no hay mejor estrategia que una buena organización, proactiva, dinámica, enamorada de la
gente por encima de los proyectos... con visión global.
¿Quién se atreve a iniciar el cambio organizativo? De ello va a depender que en el futuro
signifiquemos algo para la ciudadanía; va a depender nuestra propia existencia.
Hemos pasado de las ciudades/organizaciones “patera” a las ciudades/organizaciones “tren”,
con locomotoras más o menos potentes (propias del Estado de Bienestar).
La complejidad social actual requiere unas ciudades/organizaciones “todoterreno”, con una
visión clara, una misión interiorizada y un posicionamiento suficientemente definido y diferenciado
(y sin embargo más propias de un Estado Moderno y Modesto).
Y es que la organización es la estrategia, y esa organización moderna precisa del desarrollo
de determinados valores culturales sobre los que construir una base sólida de desarrollo
diferencial.Nuestros recursos, nuestros conocimientos, habilidades y destrezas es posible que
no puedan crecer a la velocidad que imprime la realidad. Entonces, ¿cómo podemos actuar?
Abordando el desarrollo desde una estrategia de cambio cultural, que nos permita pasar de
una innovación social incremental, evolutiva, a una radical, revolucionaria.
El marco de referencia del mercado cultural y de las políticas culturales se centra en la relación
entre una oferta y una demanda. Esa relación, para ser efectiva, necesita tener una gestión
adecuada y una financiación suficiente.
Marco de referencia del mercado cultural y de las políticas culturales
GESTIÓN
CULTURAL
DEMANDA
CULTURAL
FINANCIACIÓN
CULTURAL
OFERTA
CULTURAL
paraqué
.cóm
o.d
ónde
. cuándo .cuánto . qué
.qu
ién.porqué.
definir
020
En cada uno de estos aspectos (oferta, demanda, gestión, financiación) habremos de definir
el cómo, el dónde, el cuándo, el qué, el quién…, cruzando orientaciones y estableciendo
prioridades en el destino de los recursos de tiempo, dinero, conocimientos y relaciones.
Es este conjunto de decisiones el que nos define una política cultural. Pero conocer los
elementos que conforman, en esencia, el mercado cultural, no implica que dominemos su
lógica de funcionamiento procesual. Necesitamos tener datos e información sobre la oferta
cultural, sobre la demanda cultural, sobre los modelos de gestión de la cultura (macro y micro)
y sobre los modelos de financiación, pero también sobre la cadena de valor y la intervención
de los distintos agentes; sobre cómo es y cómo creemos que debe ser.
Este esquema nos es útil, por tanto, para situar los ámbitos de decisión en que se mueve la
Gestión Cultural (porque es cierto que la estrategia dicta la táctica, pero también la táctica
dicta la estrategia) en la inevitable reflexión sobre hacia dónde deben ir las nuevas políticas
culturales, públicas o privadas, en este entorno complejo en que la cultura se nos antoja clave
en los procesos de desarrollo territorial.
Políticas culturales que en el marco de una idea de sociedad, se enfrentan, en su concreción
en organizaciones, proyectos y/o equipamientos a algunos retos, entre los que podemos
destacar:
• La determinación de los modelos de gestión (públicos/privados, de dominio artístico/gerencial...).
• La determinación de los modelos organizativos, tanto desde el punto de vista de los modelos
jurídicos (organismos autónomos de la Administración, sociedades mercantiles, asociaciones,
fundaciones...), como de los modelos internos relacionales (modelos jerarquizados, sistemas
matriciales y empresas heterárquicas...).
• La cualificación de los responsables directivos (políticos, propiedad...) y técnicos gestores,
su adecuación a los proyectos, y el necesario encuentro de metodologías y lenguajes comunes.
• La relación con los públicos, su fidelización, y la generación de nuevas audiencias.
• La estabilidad y la diversificación de la financiación. La generación de recursos de manera
sostenible.
• El mantenimiento y la renovación de infraestructuras, contenidos y propuestas culturales.
• El exceso de oferta repetitiva para una demanda también repetitiva, en pocos públicos de
alta frecuencia.
• La falta de establecimiento de una política de precios segmentada.
• La búsqueda del equilibrio entre la especialización elitista y la participación abierta.
• El impulso de los eslabones más débiles de la cadena de valor cultural.
• El empuje a la iniciativa empresarial en cultura (emprendedores e intraemprendedores).
• El desarrollo de políticas de calidad en las organizaciones culturales y el impulso a la I+D+i cultural.
021
• Y el papel que deben jugar en el desarrollo específicamente cultural, social y económico del
territorio, interactuando con una gran variedad de agentes y ámbitos.
Los factores del desarrollo territorial y el cambio cultural.
La ciudad, el territorio, es el resultado de las relaciones y contactos entre sus ciudadanas y
ciudadanos: Desde la Gestión Cultural hemos de apostar por repensar la ciudad, el territorio,
como el lugar donde es posible maximizar las posibilidades de relaciones e intercambios,
donde el espacio público es un espacio de ciudadanía y participación, y cuya calidad requiere
respuestas complejas, que han de venir también, aunque no sólo, del urbanismo y la
arquitectura.
Nuestras ciudades y territorios requieren gestionar la incertidumbre, el cambio y el
conocimiento – adquirido y por adquirir – y socializarlo en términos de oportunidad en el
marco de competitividad y colaboración entre ciudades y territorios; mucho más que gestionar
el espacio de un modo eficiente con las herramientas tradicionales del urbanismo. Porque
las personas son las que generan nuevos significados en el territorio, ellas son el auténtico
valor. Los factores tradicionales que han impulsado el desarrollo hasta hoy, tales como las
infraestructuras, las comunicaciones, la tecnología, la capacidad de ahorro e inversión, la
cualificación de los/as trabajadores/as, la energía barata… siguen siendo condición necesaria,
pero no suficiente para un desarrollo duradero y estable en el tiempo, para una diferenciación
competitiva, porque todos los productos y servicios se pueden copiar, todos los modelos
organizativos son adaptables, no hay ventajas permanentes, pero ¿y qué ocurre con las
experiencias, los valores...? ¿Dónde está la identidad diferencial de nuestras organizaciones,
de nuestros territorios? Nuestros pueblos y ciudades requieren algo más que gestionar el
espacio de un modo eficiente, responder a las crisis con éxito, requieren algo más que “pan y
circo”, requieren gestionar la incertidumbre, el cambio y el conocimiento – adquirido y por
adquirir – y socializarlo en términos de oportunidad en el marco de la competitividad y
colaboración entre ciudades y territorios. Requieren innovar, y también, para ello, la cultura
y las artes juegan un papel esencial en la ciudad y en la transgresión de pensamientos y
comportamientos fosilizados y en la generación de experiencias en la cotidaneidad.
Richard Florida habla de 3 factores clave de desarrollo (las 3 T): Talento, Tecnología y Tolerancia.
Y nosotros le añadimos “aTrevimiento” para pasar de la imitación (a partir de la repetición) a
la innovación (a partir de la creatividad). Las ventajas competitivas de un territorio, a la hora
de afrontar un papel de liderazgo en las nuevas redes de ciudades, o de una organización en
los nuevos mercados, vienen determinadas singularmente por cuatro factores:
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Creatividad: De la sociedad de la información a la del conocimiento y de esta a la de la
imaginación; de las ideas diversas a la innovación.
Sostenibilidad: Equilibrios medioambientales, cohesión, productividad y valor añadido sociales
como claves de una trayectoria hacia la eficiencia y la eficacia.
Flexibilidad: De la adaptación a los cambios a las apuestas estratégicas de especialización
flexible.
Espíritu de riesgo: Capacidad social e individual clave en la teoría económica.
Intangibles “amasados” por otros intangibles: confianza, diversidad, participación, proximidad
y liderazgo interno. Una sociedad que quiera llegar a desarrollar esos factores/valores necesita
el soporte de una estrategia de cambio cultural.
La cultura es, en este marco de complejidad, un elemento central en la conformación del
territorio, a la par que éste condiciona, caracteriza, la vida cultural de una población.Las
personas son quienes dan sentido al territorio y a la acción de las políticas culturales, públicas
y privadas.
Factores y valores de desarrollo en la economía de la experiencia
Hoy la cultura y la comunicación (íntimamente ligada a aquella ya que, etimológicamente,
comunicar es poner en común, poner en relación) son nutrientes fundamentales para pasar
de una sociedad de la información a una sociedad del conocimiento, y su necesaria
democratización, no sólo desde la perspectiva de dotar de contenidos a las tecnologías de la
información sino también desde el impulso de los valores necesarios para el desarrollo y la
incorporación social de criterios de valoración de los flujos informativos y relacionales.
En definitiva cultura y comunicación, y su gestión, son fundamentales para construir una
023
ESTRATEGIA DE CAMBIO CULTURAL
imaginación + creatividad + personalización + flexibilidad + sostenibilidad + espíritu de riesgo
INFORMACIÓN
input
GLOBAL
(apertura)
CULTURA Y
COMUNICACIÓN
(identidad)
LOCAL
CONOCIMIENTO
output
ECONOMÍADE LA
EXPERIENCIA
sociedad/gestión
de la
información
gestión cultural
y de la
comunicación
sociedad/gestión
del conocimiento
(y su democratización)
sociedad
de la
imaginación
Sociedad de la Imaginación, una Economía de la Experiencia, donde los sectores creativos,
más allá de las industrias culturales, se conviertan en claves para el desarrollo social, económico
y territorial.
Incorporar imaginación y creatividad a la gestión del cambio, en un entorno complejo, es
fundamental no sólo para la innovación específicamente cultural y social sino en general por
el desarrollo de cualquier proceso de innovación (ver como ejemplo www.disonancias.com)
No en vano, como nos vuelve a recordar Boris Groys “la economía consiste en el tráfico con
valores dentro de una determinada jerarquía de valores. Ese tráfico es una experiencia de
todos los que quieran tomar parte en la vida social. Y la cultura es una parte de ella”.
Pero si la cultura crea, refuerza, modifica valores, la acción cultural es central en la generación
de un nuevo modelo de desarrollo económico y territorial.
“Si queremos cambiar actitudes y comportamientos, tenemos que actuar sobre las motivaciones
y, para ser eficaces en estas actuaciones, tenemos que cambiar algunos de nuestros objetivos.
Especialmente aquellos que tienen que ver con la creación de riqueza, con la creación de valor
y con la creación de futuro” (Tomás Calleja, 2006).
La cultura y la creatividad aplicadas a los cambios sociales
Los ejes de la gestión cultural
El desarrollo de los territorios, en el marco de la economía de la experiencia, donde la
intangibilidad toma el papel protagonista, pero en el que, a la vez, sus ciudadanas y ciudadanos
estrategia de cambio cultural
creatividad / imaginación
gestión del cambio / gestión del caos
innovación
productivaCAMBIOS
innovación
social y cultural
desarrollo de territorios inteligentes:
ciudades e industrias creativas
en la economia de la experiencia
instituciones
tecn
olog
iavalores
024
siguen teniendo necesidades espaciales ligadas a su marco de vida productiva y relacional,
pública y privada, pasa, necesariamente, por un nuevo concepto de política económica territorial.
Esta nueva política económica territorial (P.E.T.) asume la globalidad del territorio como marco
más relacional – entre sus diversos agentes – que estrictamente físico, en el que se desarrolla
la vida de una comunidad con potencialidad de crecimiento individual y colectivo. Como dice
Peter Katz, en The New Urbanism: “Estamos en una sociedad inundada de redes pero hambrienta
de comunidad”.
Esta P.E.T. se configura bajo un concepto reticular y es fruto de la interrelación de tres tipos
de políticas fundamentales:la política económica, la política de ordenación del territorio y de
planificación urbana y la política cultural.G. Améndola nos recuerda que la cultura ya no se
considera un resultado (eventualmente algo opcional) del proceso de desarrollo, sino la causa,
el motor y el elemento de consolidación y estabilización del mismo. Es, ante todo motor y
catalizador de las ciudades, creadora de desarrollo, elemento de creación y consolidación de
la identidad colectiva en el proyecto de desarrollo y factor constitutivo de la calidad de vida.La
gestión cultural se presenta, por tanto, como una herramienta de gestión territorial y de
desarrollo local, a partir de los propios proyectos artísticos y culturales, y como un marco
conceptual para la reflexión estratégica en el territorio. En este marco es importante comprender
cuáles son los ejes de la gestión cultural que nos ayudan, a tener una visión global para trabajar
con la complejidad social: Cultura, Artes, Educación, Comunicación, Economía, Territorio y el
Sistema Ciencia-Tecnología-Sociedad. La combinación de los ejes de la Gestión Cultural, nos
plantea un marco explosivo y lleno de interacciones y oportunidades para el enriquecimiento
de los proyectos culturales y de su proyección a los diferentes públicos (usuarios, patrocinadores,
prescriptores, comunidad artística...) y por tanto en la redefinición de la cadena de valor cultural
y el papel de la Gestión Cultural en los procesos de desarrollo.
Ejes de la gestión cultural
CIENCIA
comunicación
culturaSOCIEDAD SOCIEDADeducación artes
territorioeconomía
TECNOLOGÍA
025
Cualquier planteamiento estratégico en la gestión cultural conlleva el tener en cuenta la
interrelación entre estos ejes. Hoy las políticas y gestión culturales no pueden seguir mirándose
al ombligo de sus tradicionales campos de actuación y han de repensar, reinventar, su papel
desde la interacción con un conjunto de ámbitos de actuación y profesionales cada vez más
interdependientes.
La cultura parece haber ocupado un lugar importante en los discursos del desarrollo, pero
aún no lo tiene en la percepción institucional y social de su propio valor cultural y en la traducción
presupuestaria en sus departamentos públicos ni en el apoyo inequívoco al impulso de un
sector creativo y cultural privado.
Corremos el riesgo de que la cultura sea secuestrada por quienes sólo buscan instrumentalizarla
para reforzar un modelo de desarrollo poco sostenible, pero ante el auge de su valor simbólico
también tenemos la oportunidad de enriquecerla conceptualmente, y en la práctica, buceando
en el diálogo con otras disciplinas, con personas diversas que ven la realidad de manera diversa,
recogiendo preocupaciones y respuestas diversas, reelaborándolas…para liderar una necesaria
estrategia de cambio cultural, de nuevos valores y de experiencias ciudadanas.
ROBERTO GOMEZ DE LA IGLESIA
Consejero Delegado de Grupo Xabide, Gestión Cultural y Comunicación Global.
Economista y Gestor Cultural. Licenciado en Ciencias Económicas, en la especialidad de Economía Regional y Urbana
por la Universidad del País Vasco y Master en Dirección de Empresas por la Universidad Autónoma de Madrid.
Coautor del libro “El Técnico en Actividades Socioculturales”, y autor de “El Fondo de Educación y Promoción Cooperativa.
Una visión desde el patrocinio empresarial”, coautor y director de los libros "Valor, Precio y Coste de la Cultura", “Público
y Privado en la gestión cultural”, “Cultura, Desarrollo y Territorio” y “Economía Social, Nuevos Yacimientos de Empleo y
Desarrollo Local”, “Centros Cívicos y Servicios de Proximidad”, “Arte, Empresa y Sociedad: más allá del patrocinio”.
026
Bibliografia utilizadaDORTE SKOT-HANSEN, Why Urban Cultural Policies?
Helsinki, 2005. Eurocult 21. Integrated Report.
PINE II, Joseph B. – GILMORE, James H., La economía de
la experiencia. El trabajo es teatro y cada empresa un
escenario. Barcelona, 2000. Ediciones Granica, S.A.
GÓMEZ DE LA IGLESIA, Roberto.(editor), Cultura, Desarrollo
y Territorio. Vitoria-Gasteiz, 2001. Edita Grupo Xabide.
GÓMEZ DE LA IGLESIA, Roberto.,(editor) Arte, Empresa y
Sociedad. Vitoria-Gasteiz, 2004. Edita Grupo Xabide.
ETXEBARRIA, Mikel G. Hacia un nuevo modelo. La
especificidad de la gestión de las organizaciones
culturales. Materiales del V Curso Superior de Gestión de
Empresas y Organizaciones Culturales. Edita Grupo Xabide.
Vitoria-Gasteiz. 2004.
GROYS, Boris, Sobre lo nuevo: Ensayo de una economía
cultural. Valencia, 2005. Editorial Pre-Textos.
NORDSTRÖM, Kjell, RIDDERSTRÁLE, Jonas. Funky
Business: El talento mueve al capital. Ed.Prentice may.
Madrid, 2000. Ed. Prentice Hill y Expansión.
RACIONERO, Luis. El progresso decadente. Repqso al
Siglo XX, Madrid 2000. Editorial Espasa - Calpe.
027
2. ORDENAMENTO CULTURAL DE UM TERRITÓRIO
Luiz Oosterbeek
Economia e cultura
A falta de rigor conceptual tende a separar as dimensões da economia e da cultura. No presente
texto, entendemos por “cultura” o conjunto de morfologias comportamentais destinadas a
identificar e regular as relações que os seres humanos estabelecem entre si, no quadro da
adaptação de cada indivíduo, e de cada grupo, ao contexto em que se insere. Entendemos por
“economia” o conjunto de mecanismos de identificação e regulação das relações de produção,
distribuição e troca de bens e serviços, que os seres humanos estabelecem entre si, no mesmo
quadro.
Dito de outra forma, a dicotomia entre economia e cultura só serve para impedir a sua análise,
pois ambas consistem no mesmo fenómeno (comportamento humano), olhado sob ângulos
distintos (mas não independentes nem essenciais).
Do sítio à paisagem
Quando, há mais de três décadas, foi criado em Portugal o Instituto Português do Património
Cultural, pela primeira vez, a esfera do Património ganhava real autonomia face a outras áreas
de intervenção do Estado. A noção de Património Cultural então existente, em Portugal e no
Mundo, era marcada pelas palavras-chave de “obra de arte”, “sítio” e “monumento”, a que
acrescia a dimensão de “exemplaridade”.
O Mundo, após a segunda grande guerra, assistiu a uma aceleração dramática da destruição
dos vestígios materiais do passado, correlata de três processos paralelos: o crescimento e
renovação dos centros urbanos (instalados, com raras excepções, em áreas com prévias
densidades patrimoniais significativas); a mecanização da agricultura (conduzindo à destruição
de vestígios por essa via) e o enorme desenvolvimento das redes viárias (aproximando os
mundos rural e urbano). Esse Novo Mundo, marcado pela modernidade e optimismo, olhava
menos para o Passado e mais para o seu próprio Futuro, não reflectindo globalmente sobre
a relevância das memórias em tal futuro. Assim se gerou, internacionalmente, uma preocupação
defensiva, conservacionista, protagonizada pelos profissionais da arqueologia, da arte, da
028
museologia, da história e áreas afins. Muitos anos depois, o I.P.P.C. foi criado em Portugal
ainda nesse paradigma, e a ele se deveu a salvaguarda de muitos bens, sobretudo “rurais” ou
“arqueológicos”, que de outra forma já não existiriam hoje.
A estratégia defensiva teve, no plano internacional, como melhor expressão jurídica a criação
da “Lista do Património Mundial” e como melhor expressão prática a megaoperação de
transladação do complexo de Abu-Simbel, durante as obras de construção daquela barragem
no Egipto. Essa estratégia visou, com algum sucesso, preservar testemunhos arquitectónicos
como se de objectos em Museus se tratassem, para os transmitir às gerações futuras. E o
maior sucesso dessa estratégia é mensurável pelo crescimento geométrico dos interessados
em Património, dos cursos e profissionais dessas áreas e, em particular, da legislação que o
foi incorporando como categoria relevante no quadro do Ambiente.
Mas o Mundo mudou, e com ele a percepção do Património. As palavras-chave são, hoje,
outras: “conjunto”, “paisagem”, “intangível”, e a elas se junta o conceito de “diversidade”. A
primeira razão da mudança decorre do facto de o optimismo do pós-guerra ter esmorecido,
e com ele as estruturas tradicionais de socialização e identificação dos cidadãos, voltando a
valorizar-se o Passado, como um “saco de impressões” onde se pode intuir as identidades
actuais, pessoais ou colectivas. A segunda razão é, ainda, exterior à memória: a compreensão
de que os principais problemas da humanidade não são redutíveis espacialmente, implicando
uma visão holística e ambientalista. A terceira razão foi já referida: o sucesso de várias décadas
de “promoção” da ideia de Património, que no entanto se alargou de forma imprevisível.
Hoje, incorporamos no Património Cultural todos os vestígios, materiais e imateriais, do
Passado, sublinhando a sua diversidade e pluralidade de leituras, e destacando a sua relevância
para a construção de múltiplos futuros. Já não se pretende, apenas, conservar “o castelo”, ou
“a ponte romana”, ou “os artefactos da Citânia”. Procura-se conservar conjuntos, paisagens,
de uma forma dinâmica e participativa, tal como se procura Museus interactivos, com forte
preocupação educativa, formando para uma cultura crítica e dessacralizando os sítios,
monumentos ou artefactos, individualmente considerados.
Esta nova visão do Património acompanha a globalização económica e social, e teve, à escala
internacional, um momento crucial no debate sobre as gravuras de Foz Côa, ocasião em que
o “modelo Abu-Simbel” foi rejeitado, com o argumento de que as gravuras não teriam significado
fora do contexto do vale, todo ele erigido à condição de Património e, finalmente, integrado na
029
lista do Património Mundial (o que, obviamente, o protegeu, mas também reduziu a uma solução
“antiga”).
Na sociedade actual, a dimensão dos micro e meso territórios como uma malha de fronteiras
fluidas, ganha crescente relevância. Entendemos por território fundamental a área de captação
de recursos primários de acesso quotidiano, onde se desenvolvem os planos da ocupação
laboral e das relações sociais primárias, por oposição ao conceito de paisagem, mais subjectivo,
e determinado pelas percepções do meio, projectados pelo indivíduos e pelos grupos sociais.
Nesta acepção, o território é, antes de mais, uma teia de relações humanas (relações de
produção e troca), ou seja, uma construção cultural concreta (síntese de diversas dimensões,
da economia à sociologia, da história à tecnologia), e o seu ordenamento equilibrado deve
atender ao conjunto das dimensões constituintes (contrariamente à gestão da paisagem que,
por ser uma projecção eminentemente subjectiva, permite abordagens menos plurais). A
realidade da gestão dos territórios não raro se afasta destas preocupação, mas estamos
convictos de que aí reside um dos mais graves problemas estruturais do nosso ordenamento
territorial.
Nesta acepção, a extensão do território está, obviamente, condicionada pelos meios de transporte
e vias de comunicação, já que a captação de recursos se mede em distância temporal e não
meramente física. O perímetro do território é, assim, definido num raio de uma hora de distância
(o que corresponde a duas horas de deslocação diária), sabendo-se que tudo o que exceda
esse “peso temporal” tende a reduzir a produtividade (e é sabido que grande parte da população
activa percorre mais de duas horas diárias nos percurso casa/trabalho).
A emergência de meso e micro territórios (e, também, dos megaterritórios continentais e
mundiais) decorre da nova dinâmica dos processos socioeconómicos, que se apoia nas novas
tecnologias de informação, tecnologia e transportes, que possibilitam a construção de novas
centralidades fora dos núcleos tradicionais (rompendo hierarquias territoriais estabelecidas,
invalidando a aplicabilidade dos modelos de análise poligonal), impelem para a concentração
urbana e sub-urbana (com o correlato despovoamento da maior parte do território e a conversão
do espaço rural em mero espaço peri-urbano) e implicam uma nova estratégia de ordenamento
territorial (que deve incorporar a descontinuidade física de espaços económica, social e
culturalmente contíguos). No quadro da globalização, os territórios “periféricos” possuem
algumas vantagens competitivas: distâncias temporais para o trabalho mais curtas, que
consentem tempos de lazer e reflexão mais amplos, num contexto de maior acessibilidade aos
030
recursos primários situados a grandes distâncias físicas (agora “encurtadas”).
Esta dinâmica pode sintetizar-se na afirmação de que a esfera local ganhou uma preponderância
tal que deixou de existir enquanto local. Tal como o espaço rural se converteu em peri-urbano,
também o espaço local passou a poder ser global (ou, não o sendo, é condenado a definhar
como um mero resquício da modernidade).
O ordenamento cultural de um território deve, hoje, partir desta realidade. É um erro programar
as redes culturais a partir de uma mimética formal, que vai replicando em cada espaço uma
receita física de eventual sucesso em espaços supostamente semelhantes. O País está cheio
de equipamentos culturais de grande qualidade física, mas despovoados, porque não se
projectaram para além do local. Locais “incontornáveis”, como o Convento de Cristo em Tomar,
perderam dezenas de milhares de visitantes, por não saberem inscrever os seus planos de
gestão na complexa teia a que pertencem, ao mesmo tempo que monumentos e museus
“menores” se afirmam como grandes centros culturais, produtores conhecimento e potenciadores
de desenvolvimento.
Da paisagem à pessoa
Há o sentimento, difuso, de que o Mundo em que vivemos é um mundo em transição, para algo
ainda indefinido. Uma transição que é marcada, antes de mais, pela mencionada aproximação
radical entre os problemas locais e as grandes questões da Humanidade. Os exemplos são
inúmeros, desde a questão da poupança da água potável até à preservação do património
identitário.
Esta aproximação é acompanhada por um reforço do estatuto da pessoa na sociedade e dos
seus direitos de participação cívica. Na verdade, ao mesmo tempo que se vão enfraquecendo
as estruturas sociais colectivas (igrejas, partidos, associações, sindicatos, … família), vai sendo
pedido a cada um que assuma, directamente, as suas responsabilidades no todo que é a
sociedade.
Este reforço do estatuto individual, esta atomização social, pode conduzir ou a um aprofundamento
dos mecanismos de participação em liberdade ou ao caudilhismo ditatorial. Nas sociedades
livres, torna-se imperioso que os poderes organizados (políticos ou outros) respondam aos
anseios dos cidadãos, considerados individualmente. Ora, se no passado recente tais anseios
eram estruturados através das estruturas sociais colectivas (que se colocavam objectivos de
031
médio e longo prazo), hoje importa responder a anseios mais imediatos, como a necessidade
de um emprego, o pagamento da amortização de uma hipoteca ou a prestação dos cuidados
de saúde a um doente concreto. A incapacidade de os poderes instituídos compreenderem
esta nova realidade, conduzirá inevitavelmente à alternativa caudilhista.
Os anseios dos cidadãos não são meramente materiais. O sentimento de pertença a algo que
é mais do que cada um, que é mediatizado pelo património cultural, é igualmente crucial, nesta
fase de transição. Não cuidar dele, sobretudo face às novas gerações, que vão crescendo com
menos referentes, é potencialmente desagregador da sociedade, e está na raiz das afirmações
centrípetas a que se assiste por toda a Europa, da crise dos Estados Espanhol ou Belga aos
ímpetos autonomistas da Lombardia, passando pelos desvarios hiper-regionalistas em Portugal.
Neste cenário difícil, é importante que se vão construindo novas estruturas, mais participadas,
de gestão do território. A verdade é que, como vem sendo reconhecido no plano internacional,
as estruturas político-administrativas que temos (dos Estados-Nação às Nações Unidas) não
são baseadas nos indivíduos e cada vez são menos eficientes para resolver os problemas dos
cidadãos (mesmo os locais, devido à sua globalização). Mas não existem, ainda, estruturas
alternativas. No plano local e regional, agir localmente sempre com estratégias globais,
apostando na qualidade e excelência e, sobretudo, criando redes de participação, parece ser
o caminho a seguir (a agenda 21, de forma tímida, ensaiou este caminho).
A construção de redes de cidadania é um processo lento, difícil, que se move numa direcção
imprecisa e que está sempre a recomeçar. Mas a alternativa é a barbárie, não apenas de
Darfour ou do Iraque, mas dos carros incendiados em Paris, da insurreição prisional em São
Paulo ou do assassinato de travestis por jovens … em Portugal.
Tomemos o exemplo do Vale do Tejo.
O Vale do Tejo é o mais importante eixo de povoamento do Ocidente da Península Ibérica, desde
a Pré-História. Nele coexistem polaridades diferenciadas, e que carecem de estratégias
particulares, ao mesmo tempo que se podem e devem articular, sempre, nesse eixo histórico
que é o Vale.
Daqui decorre uma segunda constatação: nenhuma das estruturas político-administrativas
existentes está totalmente adequada a este desiderato. Não o estão as autarquias, que são
espaços demasiado restritos para uma intervenção eficaz nos grandes problemas estruturais
da região (comunicações, saúde, ensino, transportes, cultura, ambiente,...). Não o estão os
032
governos civis, que são entidades de facto desprovidas de capacidade coordenadora nestas
matérias. Mas tão-pouco o está a nossa estrutura regional (CCDRs), que muito embora possa
responder à dinâmica das subpolaridades, corta a meio o seu eixo principal, que é o Vale (já
de si dividido pela fronteira nacional).
No plano das polaridades, podemos reconhecer essencialmente quatro: o estuário, que
corresponde grosso modo à “Grande Lisboa”; a Lezíria, menos centralizada, mas na qual se
reconhecerá Santarém como principal centro; o Médio-Tejo, ainda mais descentralizado,
marcado pelo cruzamento único de influências Estremenhas, Beirãs e Ribatejanas, no qual
Tomar, Abrantes e Torres Novas dominam; o Alto Tejo português, que incorpora o Tejo
internacional.
Uma estratégia integrada deve partir da compreensão de que a sociedade actual é, definitivamente,
urbana. Assim, importa conceber cada uma das quatro polaridades como um espaço de
dominância urbana, com os respectivos equipamentos económicos, sociais e culturais. É
desejável que cada uma das quatro sub-regiões disponha de uma oferta adequada de recursos.
É nesse sentido, aliás, que se têm vindo a concretizar os principais investimentos da administração
central (redes hospitalar, viária, escolar, de bibliotecas, etc.), mesmo se, muitas vezes, com
erros de percurso. E, actualmente, do ponto de vista formal, o essencial de tais recursos foi,
ou está em curso de ser, reunido. Falta, no entanto, o eseencial, que é uma adequada vivência
de comunidade, que exige a descentralização coordenada de estruturas decisórias (e não a
totalmente disléxica desconcetração ad-hoc de serviços centrais), bem como uma aposta
essencial na qualificação dos recursos humanos existentes (que poderá passar pelo incentivo
à deslocação de quadros para a periferia). Às várias redes já existentes, é preciso sobrepor
uma única rede integrada de recursos, à escala da sub-região. Importa, também, entender
que a articulação espacial desses recursos não pode ser a mesma em todas as áreas. Se ao
nível hospitalar ou do ensino superior é essencial que exista pelo menos um grande centro,
já ao nível das bibliotecas ou das escolas do ensino básico a escala deve ser concelhia, enquanto
que a nível económico não se pode encarar, sequer, uma auto-suficiência de qualquer das
sub-regiões não metropolitanas.
Quanto mais nos afastamos do estuário, mais os espaços não urbanizados ganham expressão.
Esta realidade permite que se criem territórios urbanos de qualidade, polinucleado, sem a
densidade de tipo sub-urbano que, perigosamente, já assalta alguns deles. Territórios que,
para se afirmarem, carecem de uma clara coesão cultural. Nenhuma destas comunidades
033
existirá sem um hospital (que já existe), sem estradas (que estão aí), sem ensino superior (que
foi criado), sem parques empresariais (que são conhecidos). Mas, sobretudo, nenhuma destas
comunidades se afirmará se os seus habitantes se não reconhecerem como fazendo parte
dela, de forma identitária e não meramente administrativa. Por isso, cada uma precisa de uma
forte rede cultural, ancorada num grande museu de ambição nacional, com serviços pedagógicos
estreitamente ligados às escolas e um discurso de auto-estima da sub-região.
Poderemos, neste contexto, aspirar a que o troço português do Vale do Tejo venha a conhecer
três “cidades médias” (ou seja, polaridades urbanas) de nível europeu, cada uma com cerca
de 150.000 habitantes, para além da área metropolitana de Lisboa. Espaços com identidade
cultural e dinamismo económico e empresarial.
Gerir o território é gerir pessoas, e cada um de nós só é pessoa se for consciente da sua
identidade. Quando se fala de “qualidade”, é disto que devemos falar e não apenas de mais
números. E o que nos identifica como pessoas, e não como meros animais bípedes, é a cultura
(ou seja, as expressões das relções inter-pessoais, ou seja, das relações económicas).
Da pessoa à gestão do património cultural
Na construção das identidades que se inter-relacionam, individuais ou colectivas, os bens
culturais passados (a herança ou património cultural em sentido estrito) são os referentes
indispensáveis num mundo em transição. A sua preservação enfrenta, hoje, dificuldades
dramáticas.
É certo que o conceito de património é recente e que a História da Humanidade sempre foi
progredindo sem dele carecer. Mas não é menos verdade que os remotos vestígios do passado
nunca foram totalmente obliterados pelas novas paisagens humanizadas que se foram
construindo, excepto nos últimos dois séculos (por a moderna ciência os pode estudar).
Temos, hoje, dois tipos de problema. O primeiro é a incapacidade de os poderes públicos sequer
registarem, para não dizer estudarem ou protegerem, o Património Cultural na sua plena
extensão; haverá sempre muitos quilómetros quadrados não percorridos por historiadores ou
arqueólogos, por arquitectos ou etnógrafos, mas cuja apropriação patrimonial tenderá a ser
feita, mesmo que de forma questionável, de forma incontrolada, pelos cidadãos. O segundo é
que os instrumentos jurídicos disponíveis para a protecção, a classificação nacional e, em
034
última instância, a lista do Património Mundial, nem podem abarcar senão uma minoria de
sítios, nem aferem a evolução desses sítios e paisagens ao longo do tempo.
É preciso, pois, mudar o paradigma na esfera da gestão do património e da cultura, seguindo
dois eixos: primeiro o reconhecimento de que a cultura (material e imaterial, memorial e
performativa) é uma expressão indissociável da economia e dos interesses e tensões inter-
pessoais e inter-sociais que nela se geram; segundo, que é preciso incorporar as pessoas, os
cidadãos, nos processos de decisão e gestão cultural (ou territorial), em função das novas
dinâmicas antes discutidas.
Os debates que se foram travando nos últimos anos, por iniciativa de um Comité Internacional
para a gestão de qualidade do Património Cultural, seguiram uma metodologia de avanços
consolidados de uma nova reflexão. Assim, a Declaração Internacional de Calamosca (Sardenha),
de 1998, afirma três princípios muito simples, mas que são geradores desta nova abordagem:
• O Património Cultural é a memória colectiva da Humanidade;
• O Património Cultural é um recurso não renovável;
• A gestão de qualidade do Património Cultural deve ser orientada para a sua preservação, no
contexto do desenvolvimento sustentável.
Aparentemente inócuos, estes princípios afirmavam, já então: que o Património não pode ser
apropriado por Estados ou outras formas de organização social, ainda que possa ser assumido
por diversos segmentos da Humanidade; que devia ser encarado como tendo a mesma fragilidade
do Património Natural; e que a sua gestão não devia ser meramente conservacionista, antes
deveria articular-se com o desenvolvimento, numa óptica de sustentabilidade.
O Sistema Global de Avaliação HERITY, que entretanto foi estabelecido e começou a ser
implementado por iniciativa da ONG do mesmo nome entretanto criada, decorre destas
preocupações, identificando quatro áreas de avaliação e três agentes do processo de avaliação.
As quatro áreas são:
• o valor percepcionado, ou seja, o valor que um ou mais grupos de cidadãos (uma comunidade
local, científica, ou outra) atribui a um determinado bem;
• a conservação, ou seja, a capacidade de preservar no tempo a materialidade daquele bem,
e a compatibilidade do seu usufruto com tal desígnio;
035
• a informação transmitida, ou seja, a capacidade de promover o bem como um espaço de
educação e reflexão, plural, para diferentes públicos;
• os serviços oferecidos, ou seja, todos os serviços complementares disponibilizados aos
visitantes (biblioteca, cafetaria, loja, serviços sanitários, etc.)
O sistema HERITY só é aplicável aos sítios abertos ao usufruto público e introduz um mecanismo
de avaliação em que, para além dos gestores do sítio (Museu, Palácio, Estação Arqueológica
ou outro) e dos avaliadores HERITY, envolve de forma central o público, elevando a consciência
deste sobre a complexidade da gestão do património, e alertando aqueles para as carências
socialmente percepcionadas. Neste sentido, responde directamente às novas necessidades
de envolvimento dos cidadãos na gestão territorial.
Trata-se de um sistema que se traduz visualmente por um alvo, susceptível de ser colocado
à entrada do sítio avaliado, que informa sobre o nível atingido em cada uma das quatro áreas,
numa escala de 0 a 5. Um sistema desta natureza é útil para os visitantes, que poderão ter
uma informação prévia sobre “o que poderão esperar”, evitando desilusões e assumindo maior
controle sobre as suas próprias escolhas. Mas é útil para os gestores, pois ajuda a identificar
áreas de “estrangulamento”, conferindo-lhes maior poder argumentativo na hora de reclamar
apoios para os seus projectos. Finalmente, é útil para os agentes financiadores, sejam
responsáveis políticos, mecenas ou outros, que desta forma encontrarão uma base rigorosa
para poderem canalizar os seus investimentos.
Trata-se, finalmente, de um sistema dinâmico, dado que a primeira certificação, feita por
HERITY International, é válida por três anos, sujeitos a renovações por iguais períodos pela
Comissão Nacional HERITY (ao longo dos quais se espera um progresso na avaliação, mas se
poderão igualmente registar recuos). Um sistema dinâmico com muito forte impacto económico
(dado que será utilizado pela indústria turística, interessada em promover produtos de qualidade)
e cultural (dado que os gestores culturais poderão utilizar tal impacto económico para consolidar
estratégias de preservação e valorização do património).
É, assim, particularmente relevante que Portugal tenha sido o segundo País a promover a
criação de uma Comissão Nacional HERITY, depois de a Itália ter iniciado o seu processo de
certificação, e na sequência do acordo estabelecido com a Direcção-geral de Património da
UNESCO, para a certificação de todos os sítios da Lista do Património Mundial.
036
Ordenamento cultural?
Não há lugar, na nossa opinião, para ordenamentos culturais sectoriais. O ordenamento do
território deve privilegiar menos as redes de equipamentos e mais as redes de interesses inter-
pessoais, concitando a participação das pessoas em processos de cidadania activa. Entendemos
que tal participação só poderá ser conquistada na medida em que ocorra uma real transferência
de poder para essas pessoas (como ocorre com o sistema HERITY).
Tal não significa que os equipamentos não são necessários (são uma óbvia pré-condição), mas
apenas que antes de projectar equipamentos e espaços há que programar, de forma participada
e com base em análises prospectivas, redes de interesses. Neste quadro, é essencial estar
atento às novas dinâmicas locais e à criação de novas centralidades, que em muitos casos
demandarão equipamentos polivalentes.
Identificar os grupos humanos envolvidos, identificar o(s) seu(s) território(s) e escutar os seus
interesses é a base de um qualquer ordenamento eficiente, também no plano cultural. Inovação,
competitividade, qualidade, qualificação, certificação, participação, globalização, diferenciação
… são palavras que devem orientar o ordenamento territorial, também no plano cultural.
Rejeitar esquemas rígidos de planeamento é, neste quadro, a única “receita” aceitável.
LUIZ OOSTERBEEK
Doutor em Arqueologia, Professor Coordenador do Instituto Politécnico de Tomar (onde dirige o Gabinete de Relações
Internacionais), Professor Convidado da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Director do Mestrado em Arqueologia
Pré-Histórica e Arte Rupestre e do Doutoramento em Quaternário, materiais e culturas, da UTAD e IPT, Secretário-geral
da União Internacional de Ciências Pré-Históricas e Proto-Históricas (CIPSH/UNESCO), Especialista da DGEAC da Comissão
Europeia, Vice-Presidente da Organização Internacional HERITY, director científico do Museu de Arte Pré-Histórica de
Mação, professor convidado de diversas universidades europeias e brasileiras, coordenador de programas europeus de
investigação em pré-história, arqueologia, gestão do território e museologia, membro de diversas associações e sociedades
culturais e científicas, autor de cerca de duas dezenas de livros e duas centenas de artigos.
037
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038
3. PORTO 1990 - 2001: ONZE ANOS NA GESTÃO POLÍTICO-CULTURAL DE UM
MUNICÍPIO
Manuela Melo
1. Politica Cultural Autárquica
Chamando política cultural autárquica ao conjunto de princípios, objectivos e métodos de acção
definidos e concretizados, ao longo de um ou mais mandatos, pelos órgãos municipais, pode
dizer-se que cada caso é um caso. Ou seja, a circunstância especifica de cada concelho, aliás
mutável no tempo devido à ocorrência ou ausência de factores muito diversos, transforma
cada município numa experiência difícil de reproduzir noutro município, ainda que em espaços
de tempo concordantes, ou até no mesmo município em épocas distintas. Isto acontece mesmo
quando os responsáveis autárquicos têm políticas culturais com princípios e objectivos
semelhantes, mesmo quando boas práticas e exemplos são, consciente ou inconscientemente,
reproduzidos e adaptados a outros municípios.
No entanto, o enquadramento legal é o mesmo: a lei 159/99, que estabelece o quadro de
transferência de atribuições e competências para as autarquias locais. Para cumprir as
atribuições dos municípios no que se refere a Património, Cultura e Ciência, a lei reconhece
aos órgãos municipais competências para planear, executar e gerir centros de cultura e de
ciência, bibliotecas, teatros, museus municipais, bem como o património cultural, paisagístico
e urbanístico. Considera também competência dos órgãos municipais classificar de património
de interesse municipal ou propor a sua classificação ao organismo competente, participar na
conservação e recuperação do património e das áreas classificadas, organizar um inventário
do património cultural, urbano e paisagístico, apoiar projectos e agentes culturais não
profissionais, actividades culturais de interesse municipal e a construção e conservação de
equipamentos culturais de âmbito local.
Mas o modo como são entendidas, organizadas e sustentadas estas obrigações são muito
diversas.
Da experiência vivida na Câmara Municipal do Porto, ao longo de três mandatos, como vereadora
com os pelouros da Cultura e do Turismo, trabalhando com presidentes que permitiram um
elevadíssimo grau de liberdade e responsabilidade na elaboração e execução dos planos anuais,
refiro como prioridade desenvolver politicas de cidade e não políticas fechadas no circuito
039
interno dos equipamentos e serviços municipais, por muito importantes que sejam. Políticas
culturais de cidade têm, antes de mais, em consideração as instituições, as dinâmicas e as
virtualidades da sociedade civil. São definidas e concretizadas com agentes culturais presentes
no território, sejam eles públicos e privados, num espírito de cooperação, complementaridade
e cruzamento com realidades de outros territórios, dentro e fora do País. Entre eles estão,
obviamente, os próprios funcionários e colaboradores da Câmara Municipal.
A alternância democrática, em si própria um elemento essencial da democracia, pode introduzir
cortes bruscos ou alterações drásticas de rumo num trabalho que é lento, em grande parte
pouco visível e sempre sujeito a forte exposição e crítica públicas. Mas, se na maturação dos
projectos e na sua execução e divulgação, os funcionários forem chamados a participar com
a responsabilidade e a visibilidade que individualmente lhes cabe, eles passarão a ser o melhor
garante da continuidade de princípios, objectivo e formas de actuação nas diversas áreas de
criação, produção e mediação culturais. Por outro lado, se a relação estabelecida com agentes
e instituições da cidade se baseou no respeito pela sua autonomia e vocação, o apoio dado
inscreve-se, naturalmente, no dinamismo próprio de cada um, correndo menos riscos de
perder-se.
Pode acontecer que um equipamento ou um evento cultural ou um artista marquem uma
cidade. No entanto, mesmo numa cidade média, a vida cultural não pode depender de um único
pólo, ainda que de excelência. Sem as teias de aprendizagem, formação, iniciação, usufruto
e sociabilização, sem dinâmicas criativas diversificadas e profissionalizadas, sem espaços
adequados de expressão e confronto de conhecimentos e sensibilidades, sem despertar e
manter a curiosidade e apetência dos cidadãos relativamente às práticas culturais, a polarização
excessiva pode ter impacto mediático, mas não chega para conferir à cidade a vitalidade criativa,
que, incentivada pela cultura, se estende à ciência, à inovação, ao bem-estar, à civilidade, à
abertura a outras culturas, ao entendimento das alterações rápidas em todo o mundo.
Actuar simultaneamente em várias frentes, com diversos graus de responsabilidade e
profissionalização, mas defendendo sempre o maior rigor possível de actuação, é a única e
complexa fórmula que permite avançar sustentadamente. Na leitura, no património edificado
e natural, nas artes plásticas e nas artes do espectáculo, os projectos devem ter em consideração
a iniciação e os primeiros contactos, a descoberta da possibilidade expressivas de cada um
(nas associações, nas escolas, nos serviços educativos dos equipamentos culturais), a formação
profissional e o aperfeiçoamento artístico e técnico, a existência de equipamentos a funcionar
com programação própria, e, como corolário lógico, a organização de eventos de grande
040
impacto pela sua qualidade, que possam servir de referência para os artistas e para os públicos.
Tal como a cidade, a cultura necessita das infra-estruturas básicas, geralmente enterradas
e invisíveis, de ruas e de praças com actividade quotidiana, de alguns pontos altos com vistas
abrangentes e magníficas.
Associações de bairro, escolas, centros de formação profissional artística, escolas superiores
das áreas criativas, do pensamento e das ciências, artistas individuais ou em grupos, companhia
e orquestras, instituições e equipamentos culturais: em todos eles deve tocar uma intervenção
que pretenda incentivar a participação de públicos, a qualidade da criação artística e a dinâmica
e visibilidade da cidade, que queira atrair criadores doutras paragens, cruzar saberes, reforçar
memórias, acrescentar património contemporâneo, revisitar obras artísticas universais. Enfim,
que pretenda fazer cidade, com todas as implicações sócioeconómicas que isso permite e
induz.
Numa cidade/município onde não há lugar para indústrias tradicionais nem para o sector
primário, a cultura é também um elemento de desenvolvimento económico através das indústrias
culturais (da edição de livro às artes gráficas e à produção audiovisual), da qualificação da
oferta turística, da restauração, do comércio, dos transportes, ou seja, do conjunto de actividades
e serviços incluídos nas fileiras produtivas a montante e a jusante de tudo o que podermos
chamar actividades culturais.
Entre as competências das autarquias estão a construção e gestão de equipamentos culturais.
Arquivos, bibliotecas, museus e galerias de arte, centros de ciência, teatros e cinemas são os
mais comuns. Há um limiar mínimo de equipamentos abaixo do qual é muito difícil podemos
falar de actividade cultural.
No entanto, sabendo-se que, mais do que na construção, é no funcionamento que reside a
maior e mais persistente responsabilidade financeira da entidade responsável, a decisão política
de avançar com projectos precisa de ser sustentada numa análise das lacunas existentes, do
efeito produzido pela sua localização no território, da vocação e objectivos de cada equipamento
e da sua integração numa rede (municipal, metropolitana ou nacional) formada por todos os
equipamentos existentes, independentemente da natureza jurídica dos seus proprietários.
Embora a articulação institucional se alargue a todos os domínios de intervenção municipal
na área da cultura ela é especialmente importante entre instituições gestoras de equipamentos,
quer para manter uma oferta diversificada, quer para acolher e dar visibilidade a agentes
culturais, locais ou não.
041
2. Porto: 12 anos de aplicação da mesma política cultural
É possível analisar claramente o que foi previsto e o que foi concretizado durante três mandatos
sucessivos de gestão socialista da CMP lendo os Planos e Orçamentos de 1990 a 2002 e os
respectivos Balanços e Contas. Através deles, fica claro o modo como entendemos, organizamos
e sustentamos as atribuições e competências dos órgãos municipais no património, cultura
e ciência.
2.1. Utilizamos todas as competências na área do património, a começar pela criação dos
respectivos serviços, que criaram sítios arqueológicos a partir de pesquisa e escavações,
elaboraram processos de classificação ou de propostas de classificação de conjuntos urbanos
(como o centro histórico de Nevogilde, a Avenida Montevideu, a Avenida dos Aliados, a Praça
da Liberdade, a Praça General Humberto Delgado e os edifícios circundantes) e de formações
naturais (como os gneisses da Foz), valorizaram e deram utilidade ao “banco de azulejos” e à
colecção numismática da CMP e, como trave mestra de todo o trabalho, organizaram e geriram
o Inventário do Património Cultural do Porto, sobrepondo informações georeferenciadas sobre
evolução urbana da cidade, património edificado, materiais utilizados, potencialidades
arqueológicas, áreas verdes públicas e privadas. A elaboração do inventário – instrumento
decisivo para equilibrar a expansão urbanística e a salvaguarda do património – só foi possível
com a colaboração de instituições nacionais e locais, e o entusiasmo e competência do pequeno
núcleo técnico dos serviços de património.
A intervenção municipal da área do Património foi, aliás, muito mais vasta. Outros serviços do
pelouro da Cultura transformaram o recinto degradado do Palácio de Cristal, ocupado pela
Feria Popular, num espaço cuidado de jardins e bosque. E outros pelouros executaram projectos
de grande qualidade e dimensão, como o Parque da Cidade, ou tornaram possível, através da
rentabilização da zona, a classificação do Centro Histórico do Porto como Património da
Humanidade.
As competências do Município na área do Património distribuídas ao Pelouro da Cultura
incluíram também iniciativas próprias ou em parceria, em espaços públicos e privados, como
a campanha de iluminação de edifícios da Baixa, da Ribeira, das Igrejas históricas e da Ponte
D. Luiz I, a valorização da Torre dos Clérigos com a instalação do Carrilhão e o apoio à
recuperação ou substituição de órgãos de tubos em várias igrejas da cidade.
2.2. No que respeita aos outros sectores integrados no Pelouro da Cultura, a intervenção fez-
-se seguindo linhas definidas à partida. Nos equipamentos culturais, as obras e a modernização
042
dos serviços foram enquadradas por planos elaborados por áreas: Arquivos, Bibliotecas,
Museus, Teatro Rivoli e Palácio de Cristal .
Cada plano apontava os objectivos a atingir, que incluíam sempre facilitar e enriquecer o acesso
dos públicos, profissionalizar, informatizar e monitorizar os serviços, incentivar o seu
funcionamento em rede e a sua ligação a projectos exteriores de natureza semelhante. Em
cada área, os investimentos a fazer pressupunham o incremento das competências dos
funcionários e da visibilidade e reconhecimento do seu trabalho.
Foi assim com os Arquivos Geral e Histórico, que foram concentrados em apenas dois locais,
permitindo a preservação e tratamento digital do espólio e criando, com a expansão e reabilitação
da “Casa do Infante”, um núcleo de serviços de qualidade em pleno centro histórico do Porto,
com actividades culturais e pedagógicas relacionadas com o seu valioso acervo, aliás enriquecido
por várias doações.
Foi assim com as Bibliotecas, com a criação de novos serviços e a elaboração do projecto de
expansão (parado desde 2002) na Biblioteca Pública Municipal do Porto, em S. Lázaro; com a
construção de raiz duma biblioteca integrada na rede nacional de Leitura Pública a Biblioteca
Almeida Garrett, nos jardins do Palácio de Cristal; com o levantamento e propostas de
melhoramento das bibliotecas escolares do Porto – um trabalho entregue, em 1996, à Comissão
Interministerial para as Bibliotecas Escolares e que era muito semelhante ao relatório final
da Comissão, quer no diagnóstico, quer nas medidas propostas.
Foi assim nos Museus, com a elaboração dum plano director dos Museus da cidade, que deu
sentido às intervenções feitas nos museus integrados no Pelouro da Cultura, a intervenções
de outros pelouros, às parcerias propostas a Instituições, como a Associação Industrial
Portuense para a instalação do Museu da Indústria na Fábrica Harmonia, ou à participação em
projectos privados.
O objectivo era contar a história da cidade através de núcleos museológicos que reflectissem,
pela sua localização, pelas características dos seus edifícios e pelos espólios nele integrados,
os sinais das intervenções humanas mais antigas (pólos arqueológicos) os restos da ocupação
medieval e romana (Casa do Infante), a ruralidade resistente (Porto rural, no Parque da Cidade),
a cidade comercial (com a criação do Museu do Vinho do Porto e a participação no Museu dos
Transportes e Comunicações), a cidade burguesa e coleccionadora (Museus Românticos, de
043
Guerra Junqueiro e Marta Ortigão Sampaio) e a cidade industrial (Museu da Industria).
Em paralelo, a Câmara apoiava o Museu de Arte Contemporânea de Serralves (considerado
prioritário na atribuição de fundos comunitários), símbolo da cidade contemporânea, criativa
e cosmopolita, mas também o Museu do Papel Moeda e os Museus de Arte Sacra da Sé e dos
Grilos.
Distribuídos por toda a cidade, estes pólos constituíam etapas de um percurso que, percorrido,
permitia olhar e entender a cidade como o acumular de contribuições muito diversas de
sucessivas gerações e diferentes motores de desenvolvimento económico, social e cultural.
Foi assim também com o Teatro Rivoli, fechado ao público por falta de segurança em 1989,
reaberto em 1990, alvo de obras de reabilitação profundas de modo a ficar tecnicamente bem
apetrechado, com espaços de produção, de convívio e restauração e horário de funcionamento
alargado – do meio dia às duas da madrugada. Numa “baixa” há muito em processo de
desertificação o Rivoli foi recuperado para ser ponto de encontro durante e depois do horário
de funcionamento dos estabelecimentos de comércio e restauração, mas também o espaço
de criação e apresentação de artes perfomativas. Através do compromisso de reabilitar e
assegurar o funcionamento do Rivoli, a Câmara Municipal do Porto conseguiu que o Estado
comprasse, recuperasse e transformasse o S. João, em Teatro Nacional, e que ambos
partilhassem as primeiras obras do Teatro Carlos Alberto, a instalação do Teatro de Marionetas
na Rua de Belmonte e do Ballet Teatro em Arca d’Água. Em parceria com a Universidade do
Porto lançou-se na construção do Teatro do Campo Alegre, ao lado do Planetário do Porto, no
coração do pólo 3 da Universidade.
Finalmente, quando a compra por uma seita e um incêndio puseram o Coliseu em risco de
acabar como sala de espectáculos, a Câmara Municipal do Porto, identificada com a vaga de
protestos que se generalizou na cidade, empenhou-se na sua reconstrução e reequipamento,
bem como na constituição do modelo de gestão que ainda hoje persiste.
Foi ainda assim com o Recinto do Palácio de Cristal (ocupado pela Feira Popular e de entrada
sempre paga) onde restaurámos e ampliamos os jardins, construímos a Biblioteca e a Galeria
Municipais, introduzimos actividades culturais, de convívio e lazer e programas de divulgação
cientifica e ambiental, com o objectivo de adequar o recinto – criado para ser palco das
actividades de lazer duma burguesia empreendedora do séc. XIX às necessidades actuais de
camadas de populações mais vastas e diversificadas.
044
2.3. As competências legais dos municípios, relacionadas com o apoio a actividades culturais
amadoras e a actividades de interesse municipal, foram aplicadas olhando as actividades
amadoras e as actividades profissionais, artísticas e culturais com duas faces diferentes, mas
indissociáveis da mesma moeda, partindo do reconhecimento da importância e da
indispensabilidade da cultura no processo de desenvolvimento duma cidade pequena, donde
as indústrias tradicionais tinham saído por serem incompatíveis com o desenvolvimento urbano,
o comércio e a banca perdiam protagonismo regional com a dispersão pelo território, surgiam
problemas de tensão social provocados por diferenças acentuadas na possibilidade de acesso
às vantagens da educação e formação.
Cinco linhas de actuação nortearam o incentivo e apoio a actividades culturais.
Com o programa “Animar o Associativismo”, promoveu-se o espírito solidário e benévolo das
associações, através de acções de reforço das suas estruturas organizativas, de apoio técnico
ou financeiro aos seus locais de funcionamento, de informação partilhada por todas, de
realização de actividades e eventos em parceria. Em simultâneo, despertou-se nelas o interesse
por contactar com actividades culturais profissionais, quebrando o mito de um antagonismo
artificial que apenas mantém e reproduz uma exclusão socialmente selectiva dos que não
beneficiam de actividade cultural mais exigente.
O programa “Descobrir” foi dedicado às escolas, com o duplo objectivo de incluir a educação
artística (literatura, musica, dança, artes plásticas, rádio) nas actividades escolares e criar nos
alunos e professores, através disso e da facilitação de acesso aos equipamentos culturais,
apetência para contactar e participar em projectos culturais fora da escola.
A partilha dessas experiências e a sua projecção no espaço público mereceu a organização
de eventos como “Os dias da Escola”.
O apoio à criação artística incluiu várias linhas de actuação: a formação profissional inicial, o
aperfeiçoamento através de cursos e a integração em projectos internacionais, o co-financiamento
de espectáculos e sua divulgação, a integração do seu trabalho em projectos mais amplos
(representação exterior do município e eventos festivos).
Nestes três programas, o apoio da Câmara era contratualizado anualmente a partir de
candidaturas apresentadas com indicação das acções a desenvolver e respectivo orçamento.
As propostas de apoio eram discutidas e aprovadas pelo executivo municipal. Nenhum
equipamento ou serviço cultural detinha a possibilidade de atribuir subsídios: apenas a Câmara
o fazia.
As duas outras linhas de acção de incentivo à actividade cultural tinham, simultaneamente, o
045
objectivo de criar na cidade momentos e espaços de concentração de actividades de grande
valor artístico e de lhes dar a visibilidade e continuidade necessária para se transformar em
motivo de atracção de visitantes.
Foi por isso definido um programa anual de animação da cidade, onde se incluíam os Festivais
que já existiam e os que apareceram depois, organizados ou apoiados pela Câmara (Festival
de Jazz, PONTI, “Do Natal aos Reis”, Semana do Cinema Europeu, Festival de BD, Páscoa no
Porto, etc ).
A quinta linha de actuação assentava no princípio de que alguns projectos especiais eram
necessários para concentrar atenções, através de vários instrumentos, num objectivo
determinado. Pela sua dificuldade de execução e pelos custos envolvidos, admitíamos que
pudessem não ser sustentáveis durante muito tempo, mas poderiam ser tomados por outras
instituições.
O caso paradigmático foram as Jornadas de Arte Contemporânea do Porto, com 3 edições
realizadas em 1992, 93 e 95.
Após dois anos de trabalho com lançamento dos programas atrás referidos, pensamos que
era o momento de a Câmara participar activamente no esforço que a Fundação de Serralves
desenvolvia para construir o Museu de Arte Contemporânea, cujo projecto estava a ser feito
pelo Arq. Siza Vieira para integrar as diversas actividades culturais previstas. Por isso, as
Jornadas incluíram manifestações de artes plásticas, música, dança e vídeo, com a participação
de artistas locais e internacionais de grande qualidade, já consagrados alguns, outros apenas
promessas.
Para captar públicos sem interesse especial pela arte contemporânea, as Jornadas utilizaram,
além dos equipamentos tradicionais, espaços de grande valor patrimonial, mas degradados
e/ou fechados ao público em geral, como as catacumbas e a sala do arquivo da Alfândega do
Porto, o Palácio do Freixo e a Fábrica Harmonia e a Sala do Capítulo da Ordem Terceira. O
contacto das pessoas com esses locais desencadeou processos de recuperação e de utilização
pública desse património, que prossegue ainda hoje, com excepção do único que ficou na posse
da Câmara.
Finalmente, envolveu-se o tempo de duração de cada edição das Jornadas num ambiente de
descoberta, discussão, convívio e alguma festa, ambiente que se transferiu para Serralves e
se desenvolveu e enriqueceu com as extraordinárias consequências que se conhecem.
046
Para Comissário das Jornadas procuramos alguém fora do circuito dos nomes consagrados.
De João Fernandes, que dava aulas na Escola Superior de Educação do Porto, apenas
conhecíamos o seu interesse profundo pelas expressões artísticas contemporâneas. O trabalho
que desenvolveu e a visibilidade que as Jornadas lhe deram estão na origem da sua escolha
para subdirector artístico do MAC de Serralves, que agora dirige.
3. Algumas notas finais
Uma cidade como o Porto é muito mais do que a sua Câmara Municipal. A cultura de uma
cidade é muito mais do que o pelouro da Cultura. Os responsáveis autárquicos não são donos
de nada, apenas gestores temporários do que é propriedade municipal que, por muito grande
que seja, é apenas uma parte do conjunto de equipamentos, espaços, actividades de outras
instituições públicas e privadas.
Do reconhecimento ou não desta realidade – que é a realidade que as pessoas apreendem
quando olham ou vivem a cidade – depende da forma como cada autarca exerce o seu mandato.
Durante doze anos, a gestão socialista na área da Cultura baseou-se na articulação institucional
como método permanente de trabalho, não apenas como um meio de rentabilizar saberes e
conhecimentos, tanto como meios humanos, logísticos e financeiros, mas também como
objectivo em si própria.
Como em tudo, monitorizar e avaliar os resultados obtidos com uma determinada forma de
intervenção num território é essencial, quer para fornecer os dados necessários à tomada de
decisões, quer para verificar se as metas foram cumpridas ou se é necessário introduzir
alterações de percurso. Os projectos de acção cultural foram acompanhados por especialistas
externos, trazidos das universidades e institutos politécnicos, convidados a fazer a caracterização
dos públicos e das suas aspirações, a estudar as condições técnicas dos equipamentos culturais
ou a sua viabilidade de gestão. Avaliar projectos não se faz apenas através de uma contabilidade
necessariamente equilibrada ou de estatísticas superficialmente tratadas. Só é culturalmente
relevante se incluir também informações sobre o impacto na formação e comportamento das
pessoas e sobre o valor que, directa ou indirectamente, a actividade cultural traz para a
economia da cidade.
Por fim, falemos de gestão.
A política cultural autárquica pode ser definida nas suas linhas essenciais e prosseguida com
tenacidade, mas a sua concretização não é linear, depende da gestão de conflitos, de interesses
e de oportunidades tanto como da gestão de equipamentos, projectos ou orçamentos.
047
As oportunidades aproveitam-se, mas também se criam. São importantes porque permitem
concentrar meios e visibilidade na consolidação de projectos, mas não nascem no vazio nem
por milagre. A candidatura do Porto a Capital Europeia da Cultura nasceu da constatação que,
na segunda metade dos anos noventa, a cidade tinha os equipamentos, as dinâmicas e a
qualidade de criação cultural necessárias para, em conjunto com outras cidades europeias,
disputar o título que lhe permitiria avançar um pouco mais. O júri europeu que analisou oito
candidaturas escolheu o Porto e Roterdão.
A programação cultural da PORTO2001 fez-se com a colaboração de mais de quatro centenas
de instituições locais, nacionais e internacionais. Ocupou a cidade e prolongou-se para muito
longe dos seus limites. Terminou obras em arrastado curso no Museu Nacional de Soares dos
Reis, na Cadeia da Relação/Centro Português de Fotografia. Cobriu o Claustro de S. Bento da
Vitória, fez a Casa do Cinema de Animação, comprou e lançou as obras do Teatro Carlos Alberto,
concebeu de raiz o projecto cultural e o edifício da Casa da Música.
À medida que a poeira das polémicas assenta, fica claro que as políticas culturais precisam
de gestão, mas necessitam também de algumas utopias.
MANUELA DE MELO
Deputada do Parlamento desde 2002 é membro das Comissões Parlamentares de Educação, Ciência e Cultura e de Poder
Local, Ambiente e Ordenamento do Território.
Licenciada em Biologia pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Exerceu o cargo de Vereadora do Pelouro
de Cultura e Turismo na Câmara Municipal do Porto entre 1990 e 2002; foi membro do Conselho de Administração –
Comissão Executiva da Porto 2001 SA, membro do Conselho de Opinião da RTP e professora do ensino superior.
048
1. AS INDÚSTRIAS CULTURAIS E CRIATIVAS: NOVOS DESAFIOS PARA AS
POLÍTICAS MUNICIPAIS
Pedro Costa, Elisa Pérez Babo
O presente artigo pretende lançar algumas novas pistas para a intervenção cultural dos
municípios, com base em duas perspectivas que vêm sendo objecto de grande reflexão académica
e política nos anos mais recentes. Por um lado, a importância de uma visão territorializada
das políticas sectoriais para a cultura, evidenciando a importância que os recursos culturais,
materiais, imateriais e simbólicos representam no quadro dos processos de desenvolvimento
local e regional. Por outro lado, o interesse que a extensão do âmbito cultural a outras
actividades relacionadas com a comunicação, os conteúdos e a criatividade e que o seu potencial
de alargamento associado às novas tecnologias de informação e comunicação têm no quadro
de novas estratégias de competitividade e inovação.
Deste modo, partindo de uma primeira sistematização relativamente abreviada sobre conceitos
051
e abordagens teóricas ou de natureza empírica, acerca das indústrias culturais e criativas e
das suas dinâmicas de base territorial, o artigo apresenta uma leitura dessas dinâmicas no
contexto do território nacional, com especial enfoque sobre as transformações mais evidentes
registadas ao longo das últimas duas décadas.
Para além de uma abordagem mais quantitativa, centrada na análise de alguns indicadores
que permitem reconhecer as principais tendências de evolução das actividades culturais e
criativas no território português nos últimos vinte anos, o trabalho faz uma breve sistematização
de um conjunto de tipologias de experiências territorializadas de base cultural, que têm
prosseguido em Portugal nos últimos anos e sobre as quais importará retirar ensinamentos
e orientações no sentido de robustecer e inovar no campo das políticas culturais municipais,
respondendo aos desafios da competitividade e da globalização.
Este mesmo anseio é de alguma forma encetado no último capítulo, com um conjunto de
contributos que os autores enunciam em matéria de novos âmbitos, novos contextos e novas
metodologias de intervenção política no sector, à escala municipal e/ou regional.
1. Enquadramento: actividades culturais e território
Tem sido evidente ao, longo dos últimos anos, o crescimento da atenção para com as actividades
culturais e criativas, seja no campo da análise teórica e mais académica destes fenómenos,
seja no dos estudos empíricos realizados sobre estas actividades, seja ainda, e com particular
destaque, no da actuação política e da preocupação dos poderes públicos, às diversas escalas,
com o papel que estas actividades podem desempenhar na promoção do desenvolvimento e
da competitividade territorial.
O crescimento da retórica e da actuação concreta em torno da ideia das “cidades criativas”,
bem como a pura e simples assunção pelos poderes públicos e pelos agentes económicos do
papel fundamental que as actividades da cultura podem desempenhar na promoção da
competitividade e no desenvolvimento dos territórios, tem sido, neste quadro, evidente, um
pouco por todo o mundo, sem excepção para o caso português (veja-se, por exemplo, o
reconhecimento que é feito desta realidade a nível das principais instituições supranacionais
-CE/KEA, 2006; OECD, 2005).
Não obstante, a noção de “actividades” ou “indústrias” culturais e criativas não é de todo clara
nem consensual, tendo-se acumulado em torno destas ideias genéricas um conjunto de
conceitos e abordagens (nem sempre reconhecidos e partilhados de forma muito ampla ou
abrangente…) que espelham uma diversidade de preocupações, práticas e abordagens teórico-
-disciplinares muito ampla02.
052
Da mesma forma, verifica-se igualmente uma ampla diversidade de conceitos e de abordagens
teóricas no quadro da própria análise da relação entre estas actividades culturais/criativas e
os territórios onde estas se desenvolvem, e isto seja na perspectiva de perceber e mapear o
padrão da organização e estruturação espacial destas actividades, ou seja, na lógica de perceber
o papel que estas actividades podem ter na promoção do desenvolvimento territorial e na
prossecução da competitividade e da revitalização urbana (para uma visão mais exaustiva deste
aspecto, veja-se Costa, 2003).
i) Complexos territorializados de produção e consumo baseados em actividades culturais
Especialmente relevante para nós, e particularmente estimulante para a estruturação e
promoção de políticas de desenvolvimento de base local a partir destas actividades, é a análise
dos múltiplos tipos de “complexos territorializados de produção e consumo” baseados em
actividades culturais e criativas, que têm sido apontados na literatura e na observação empírica
ao longo dos últimos anos um pouco por todo o mundo. Estes diversos casos configuram em
geral sistemas de produção localizados, muito dinâmicos, e fortemente territorializados, isto
é, intimamente ancorados na realidade específica (recursos, actores, instituições, formas de
governança) local, independentemente de poderem estar (e muitas vezes estão…) perfeitamente
inseridos em dinâmicas e lógicas de funcionamento com carácter global. Não obstante a sua
diversidade e, obviamente, a especificidade das condições particulares que contextualizam,
cada um destes casos serão bons exemplos daquilo que poderá ser a base para a construção
de dinâmicas auto-sustentadas (a níveis muito distintos) que configurem oportunidades para
o desenvolvimento de soluções, a nível da actuação de base local, que possam explorar o
potencial das actividades culturais para a promoção de valor económico, a criação de emprego,
ou a dinamização de lógicas de participação e integração social, isto é, que contribuam para
o desenvolvimento territorial e para a qualidade de vida das suas populações.
Vários exemplos podem ser referidos de entre os muitos tipos de situações que, nos últimos
anos, têm sido apontados um pouco por todo o mundo, como paradigmáticos destas dinâmicas
socioeconómicas de sucesso, fortemente territorializadas, e baseadas em actividades do sector
cultural ou criativo.
Desde os diversos “distritos culturais” ou “artísticos” e os “bairros culturais” existentes em
muitas cidades, onde se concentram lógicas de produção e consumo cultural específicas e se
desenvolvem dinâmicas e formas de governança particulares que atraem e fomentam a
criatividade e a produção cultural, aos complexos territoriais baseados na “produção de imagens
e símbolos” exportáveis para o exterior (como Hollywood ou outros); desde os centros das
grandes metrópoles, com a sua grande concentração de actividades culturais e a geração de
053
massas críticas e de efeitos de densidade e heterogeneidade que possibilitam a ocorrência
das práticas culturais mais especializadas ou independentes, aos clusters de actividade
especializados (em meio urbano ou não), com uma base territorial muito forte, centrados na
produção de bens culturais particulares ou na articulação destes bens, com peso estético e
simbólico muito forte, com outros sectores de actividade (através da moda ou do design
industrial, por exemplo); desde a ocorrência de complexos de alta tecnologia (ou múltiplos
parques de ciência e pólos tecnológicos), com uma grande concentração de actividades criativas
e da produção de conteúdos culturais (multimédia, etc.), às mais diversificadas operações de
requalificação, regeneração ou revitalização baseadas em actividades culturais, em zonas
degradadas ou abandonadas ou nos centros históricos tradicionais das cidades (ou, nalguns
casos, menos ambiciosamente, a operações baseadas na realização de grandes eventos –
capitais da cultura, grandes exposições, festivais, … – ou na materialização de equipamentos
“flagship” – grandes museus, centros culturais, grandes auditórios, … – com eventual capacidade
multiplicadora na vida cultural das cidades); muitos são os exemplos referidos neste campo…
Uma característica, no entanto, é essencial, apesar desta diversidade: a sua forte territorialidade,
isto é, a forte ancoragem local das dinâmicas que os suportam e a aposta em soluções
específicas (e muitas vezes, portanto, em lógicas de governança particulares) que os distingam
e que possibilitem o seu potencial competitivo numa realidade crescentemente globalizada.
ii) Abordagens a dinâmicas territoriais
Neste quadro, a diversidade de dinâmicas territoriais assentes numa centralidade das actividades
culturais e criativas é a regra, e esta multiplicidade reflecte-se igualmente numa grande
amplitude de abordagens teóricas e conceptuais a estas realidades (bem como,
consequentemente, de lógicas de formulação de políticas…).
Podemos brevemente sintetizar a multiplicidade de abordagens que têm tido por alvo esta
dinâmicas, em 4 grandes grupos (Costa, Magalhães, Vasconcelos e Sugahara, 2006).
Um primeiro grupo de abordagens pode ser definido em torno das perspectivas mais
explicitamente centradas na noção de “cidades criativas”, que desde o final dos anos 90 tem
tido uma ampla divulgação, um pouco por todo o mundo, e que têm sustentado muitas das
intervenções que a nível local, se têm definido no campo da promoção do desenvolvimento
territorial associado a estas actividades. Inserem-se neste grupo, no entanto, vários
entendimentos e perspectivas do que é a construção das “cidades criativas”: (i) seja, por um
lado, a noção do uso da criatividade essencialmente como instrumento para o desenvolvimento
e a regeneração urbana (construindo soluções “criativas” para esse desenvolvimento, na linha
de autores como Landry ou Bianchini, e instituições como a Comedia); (ii), seja, por outro lado,
054
o entendimento de cidades criativas como aquelas que assentam o seu desenvolvimento
essencialmente nas “actividades” ou nas “indústrias” criativas (na linha de autores como Pratt,
ou instituições como o DCMS ou o NESTA, na Grã Bretanha ou outras em muitos outros países);
(iii), ou seja, ainda, pela assimilação do conceito de “cidade criativa” à ideia de atrair as “classes
criativas” e o talento (na linha das muito disseminadas ideias de Richard Florida ou outros
autores).
Um segundo grupo de abordagens, mais amplo do que o primeiro, poderá ser assumido em
torno das múltiplas perspectivas que assumem as actividades culturais e criativas como uma
clara prioridade na formulação de políticas para a promoção do desenvolvimento regional e
local. Podemos aqui incluir toda a actuação desenhada em torno da promoção de eventos,
festivais, grandes equipamentos e espaços culturais (pense-se por exemplo nas capitais da
cultura, na realização de grandes exposições, eventos, festivais de música ou cinema, etc.); a
aposta em instituições do tipo das agências de desenvolvimento local para a promoção da
cultura, da criatividade e do desenvolvimento urbano; ou as operações, mais ou menos
integradas, e de maior ou menor dimensão, de renovação, regeneração ou revitalização urbana,
desde intervenções em pequenos bairros como o muito citado Temple Bar, em Dublin, a grandes
operações como a Expo 98, em Lisboa (veja-se, por exemplo, sobre isto, autores como Bianchini
e Parkinson, O’Connor e Wynne ou estudos de instituições como o MIPC ou o ERICArts).
Podemos igualmente incluir aqui as abordagens mais institucionais das principais organizações
supranacionais a esta questão (EU, UNESCO, OCDE, …), que nos últimos anos têm realçado
crescentemente, através de sucessivas análises e relatórios, o papel das actividades criativas
e da economia cultural na promoção do desenvolvimento, particularmente a nível local.
Um terceiro grupo de abordagens, mais abrangente que os precedentes (e consequentemente,
englobando-os a ambos), poderá ser definido em torno da consideração das dinâmicas culturais
e criativas como factores–chave para o desenvolvimento regional e urbano, mas
independentemente da existência ou não de uma actuação pública explícita com esse objectivo.
É o caso, por exemplo, de muitas das situações, acima referidas, associados aos complexos
territorializados de produção e de consumo cultural. Por exemplo, muitas dos estudos efectuados
sobre sistemas produtivos ou dinâmicas territoriais localizadas (pense-se novamente em casos
clássicos como Hollywood, por exemplo), sobre bairros ou distritos culturais, ou a própria
análise das dinâmicas da localização intra-urbana ou intra-metropolitana das actividades
culturais, podem ser incluídas nesta categoria. Também muitas outras abordagens, centradas
na análise da organização da “inner-city”, de clusters, de sistemas regionais de inovação ou
de meios inovadores baseados em actividades culturais, na ideia das cidades de arte, ou nos
distritos culturais, no papel de certos equipamentos culturais instituições ou modelos
055
organizacionais emblemáticos (Guggenheim, complexos museológicos, etc.), podem ser aqui
incluídos (veja-se a este propósito, contributos de autores tão diversos como Scott, Hutton,
Camagni, Mailat e Matteaciolli, Santagata, Lazzeretti,…).
Finalmente, um quarto e ainda mais amplo conjunto de abordagem poderá ser estruturado
em torno da ideia de valorização territorial com base na identidade e na cultura específicas
de cada território. Para além dos aspectos acima referidos, esta perspectiva abrangente entra
ainda em linha de conta com outras análises, centradas na identidade cultural (ou no património,
por exemplo) como recursos essenciais para a competitividade (ou seja, na lógica da valorização
da diferenciação territorial através de recursos endógenos específicos); com a importância da
imagem territorial e do marketing urbano; ou com a afirmação do espaço urbano nas
representações, internas e externas, que as pessoas constroem das cidades e dos seus bairros,
e na sua reprodução nas suas identidades.
2. Dinâmicas culturais em Portugal: uma leitura territorial
2.1. Tendências territoriais das dinâmicas culturais
As dinâmicas de territorialização das actividades culturais nos últimos anos em Portugal têm
vindo a acentuar algumas tendências, embora não necessariamente convergentes, na medida
em que são diversos os factores determinantes da sua evolução. Se em determinadas dimensões,
a questão da massa crítica de oferta e de procura de bens e serviços artísticos e culturais
constitui elemento determinante na configuração da distribuição territorial das dinâmicas em
causa, existem outros factores, designadamente associados ao papel assumido pelas políticas
autárquicas e ao potencial de exploração turística que os recursos do património detêm, que
têm contribuído para reforçar tendências de distribuição de certa forma divergentes das
anteriores.
A análise territorial das dinâmicas culturais das duas ou três últimas décadas confirma a
importância que as políticas municipais adquiriram no desenvolvimento das actividades artísticas
e culturais e das práticas culturais e de lazer da população, sobretudo fora das grandes cidades
(Lisboa e Porto) onde se concentram as principais instituições do sector, seja de iniciativa
pública central, seja de iniciativa privada. O esforço conferido pelas autarquias na construção
de redes de novos equipamentos, nas diversas áreas de intervenção (livro e leitura, museologia
e preservação do património, espectáculos e artes performativas) e na assunção de outras
novas áreas de intervenção, designadamente, na formação de públicos, na programação de
espaços culturais, na promoção das artes, como na divulgação e salvaguarda do património,
foi essencial. Muitas autarquias consolidaram neste mesmo período novas competências,
056
reforçaram as suas estruturas organizativas e enveredaram também por vezes por novas
soluções institucionais que, no seu conjunto, procuraram contribuir para densificar e reforçar
o tecido cultural e artístico dos respectivos territórios.
Em geral, os projectos municipais promovidos dentro das diferentes áreas de intervenção
beneficiaram do acesso aos Fundos Estruturais europeus, em especial no quadro dos Programas
Operacionais Regionais, e no último período de programação de Fundos Estruturais (QCA III),
no quadro também do Programa Operacional da Cultura. Em determinadas áreas, as autarquias
beneficiaram do apoio técnico e financeiro conferido pelo Governo, onde se destaca, por exemplo
o caso das bibliotecas municipais e dos projectos apoiados no quadro do Programa de Rede
de Leitura Pública. Em termos globais, segundo algumas das análises feitas03, o investimento
autárquico na cultura assumiu neste período uma quota-parte muito significativa do total de
investimento público para o sector.
Os gráficos seguintes permitem ilustrar, de forma global, esse esforço financeiro por parte
da Administração Local, no período que se estende entre 1990 e 2004, sendo de destacar a
importância que continuam a assumir no caso das despesas correntes municipais, as áreas
de actividades sócioculturais e as actividades relacionadas com as bibliotecas, áreas em que
as autarquias mais cedo desenvolveram competências específicas. (ver Gráfico 1)
No caso das despesas de capital, para além do significativo investimento no património, realça-
se mais recentemente (a partir de finais da década de 80) uma grande aposta das autarquias
na construção de recintos culturais destinados às artes do espectáculo, acção que permite
que muitos destes concelhos assegurem hoje uma programação de espectáculos artísticos
regular e mais estruturada. (ver Gráfico 2)
Apesar da importância e do significado que assumiram as políticas e as intervenções autárquicas
no desenvolvimento cultural dos territórios nas duas décadas precedentes, mantém-se, contudo,
actualmente um panorama territorial bastante desigual, em especial se nos centrarmos nas
vertentes de natureza organizativa privada (do terceiro sector e empresarial), de carácter
artístico ou cultural, verificando que as dinâmicas se centram sobretudo nos principais
aglomerados urbanos.
Admitindo à partida que esta constatação não confere uma novidade para quem se tem
preocupado e dedicado a estudar, reflectir e intervir, a diversos níveis, no desenvolvimento
cultural do país, procura-se no âmbito deste artigo dar alguns contributos para, por um lado,
sistematizar e perceber melhor estas tendências e, por outro lado, abrir hipóteses de novos
campos de acção que possam cumprir objectivos mais ambiciosos e estruturadores de um
057
novo paradigma da cultura no quadro do desenvolvimento dos territórios.
A leitura de alguns elementos de informação quantitativa permite retirar conclusões interessantes
que ajudam a perceber tendências de evolução do tecido organizativo do sector em termos
espaciais. Propomos neste âmbito, e a título ilustrativo04, uma leitura cruzada de três
componentes, com base em três fontes distintas de informação de base estatística e empírica05:
i) A dinâmica empresarial e de emprego no sector cultural e criativo06, analisada com base
no número de estabelecimentos de empresas e no número de TPCO (Trabalhadores por Conta
de Outrem) retirados dos Quadros do Pessoal do Ministério do Trabalho e da Segurança Social
de 2003;
ii) As dinâmicas de oferta artística e cultural, analisadas com base em duas fontes muito
diversas, uma de carácter público, associada a um sistema de financiamento da produção e
programação artística e cultural, o programa Território Artes, em que se utiliza um indicador
de distribuição territorial dos agrupamentos artísticos e culturais inseridos no sistema e uma
outra, de iniciativa privada, associada à entidade procur.arte que publica um catálogo de oferta
de artistas e produtores artísticos e culturais, o Pisa-papéis07, utilizando neste caso igualmente
um indicador de distribuição territorial;
iii) As dinâmicas de investimento público e privado no sector artístico e cultural, analisadas
com base nos projectos culturais financiados no último período de programação dos Fundos
Estruturais, 2000-2006, quer no âmbito do Programa Operacional da Cultura, quer dos Programas
Operacionais Regionais, utilizando indicadores de número de projectos por áreas e de volume
financeiro.
2.1.1. Dinâmicas empresariais no sector cultural e criativo
Esta análise incide sobre um conjunto de subsectores que se designa por actividades culturais
e criativas, de acordo com conceitos actualmente trabalhados por diversos autores e/ou
considerados em diversos documentos de base internacional, designadamente da Comissão
Europeia (a sua desagregação por CAE é apresentada em anexo). Os dados utilizados foram
os disponíveis nos Quadros de Pessoal do Ministério do Trabalho e Segurança Social, referentes
aos anos de 1999 a 2003.
Apesar de o sector das actividades culturais e criativas integrar uma parte significativa de
profissionais individuais (profissionais em regime individual) e empresas em nome individual,
em especial em subsectores das áreas artísticas e do audiovisual e multimédia, bem como de
058
entidades de natureza pública ou privada não empresarial, nas áreas do património, dos
museus, das bibliotecas e de outras actividades culturais, considerou-se mesmo assim de
interesse a análise das dinâmicas empresariais08. A predominância de empresas em subsectores
ligados aos media, à comunicação, à actividade de edição (livros e outros suportes gravados)
ou à actividade de joalharia e ourivesaria justificam a análise feita com base nesta informação.
As actividades do sector cultural e criativo (segundo a delimitação definida) representavam em
Portugal, em 2003, apenas cerca de 1,9% do total de empresas e 2,4% do total de trabalhadores
ao serviço nas empresas. Esta pequena representatividade quantitativa não reduz o interesse
da análise proposta na medida em que se trata, como referido, de um sector com um significativo
potencial de crescimento no âmbito da economia baseada na informação e no conhecimento.
A estrutura empresarial por subsectores em 2003 mantinha uma forte presença das actividades
de perfil industrial, associadas a actividades tradicionais relacionadas com os media, o livro
e a publicidade. A Impressão e actividades de serviços relacionados com a impressão (CAE
222) e a Publicidade (CAE 744) representavam cerca de 68% de estabelecimentos de empresas
e 69% dos trabalhadores ao serviço nas empresas do sector de actividades culturais e criativas.
Os subsectores do Cinema e Vídeo (CAE 921) e da Rádio e Televisão (CAE 922) representavam,
nesse mesmo ano, respectivamente 7,2% e 5% dos estabelecimentos e 5,7% e 8,7% dos
trabalhadores ao serviço. Muito próximo destes dois subsectores de perfil industrial situava-
-se o subsector das Artes Visuais e performativas com 7,1% dos estabelecimentos e 5,1% dos
trabalhadores ao serviço nas empresas.
Os gráficos seguintes apresentam a evolução entre 1999 e 2003 do número de estabelecimentos
de empresas e do número de pessoas ao serviço (TPCO) segundo os subsectores analisados.
(ver Gráfico 3)
Entre 1999 e 2003, o total de número de estabelecimentos do sector de actividades culturais
e criativas cresceu cerca de 25%, sendo que o crescimento mais significativo se verificou nas
empresas do subsector das artes e do património (cerca de 98,9%), enquanto que nos subsectores
inseridos no segmento de indústrias culturais o aumento foi apenas de 19,9% e nas actividades
de lazer de 28,6%.
Nos subsectores da comunicação, da publicidade e da impressão ou ainda da fabricação de
joalharia e ourivesaria verifica-se uma estabilidade ou um leve decréscimo do número de
estabelecimentos, enquanto que é crescente a tendência de evolução dos estabelecimentos
nos subsectores artísticos, em especial no caso das actividades artísticas e de espectáculo,
mas também no caso da edição e das actividades de rádio e televisão. De referir ainda a
presença muito pouco significativa no sector empresarial das actividades de bibliotecas,
059
arquivos, museus e outras actividades culturais, em que é dominante a intervenção do sector
público.
As tendências de evolução em termos de pessoas ao serviço (TPCO) nas empresas do sector
apresentam igualmente algum contraste. (ver Gráfico 4)
A evolução, nos últimos anos, do número de pessoas ao serviço em empresas dos subsectores
da impressãoe da publicidade é claramente de sinal negativo, o que estará em princípio
relacionado com transformações de pendor tecnológico associadas à utilização de tecnologias
digitais e às tecnologias de informação e comunicação mais avançadas. Nos restantes sectores,
as tendências são na maioria dos casos ou levemente decrescentes ou estacionárias, excepto,
mais uma vez, no caso das actividades artísticas e de espectáculo que manifestam um ligeiro
crescimento.
As dinâmicas empresariais e de emprego neste conjunto de actividades culturais e criativas
têm demonstrado, desde os finais da década de 90, algum vigor sobretudo nas áreas urbanas
de maior dimensão ou em áreas de urbanização mais intensa (designadamente nas NUTS III
da Península de Setúbal, Cávado, Ave, Baixo Vouga, Baixo Mondego e Algarve) e em diferentes
subsectores, quer de natureza artística, quer nas áreas relacionadas com os media.
Em termos de distribuição espacial, verifica-se uma concentração acentuada dos
estabelecimentos do sector das actividades culturais e criativas, com uma presença superior
a 50% do total nas aglomerações de Lisboa e do Porto (Figura 1). Para além da concentração
nas principais cidades (64% dos estabelecimentos nestes subsectores localizam-se nas
aglomerações de Lisboa e do Porto e num pequeno grupo de cidades de média dimensão
distribuídas pelo restante território nacional) constata-se que só na Grande Lisboa estão
localizados cerca de 40% do total de estabelecimentos do sector. A distribuição do emprego
nas empresas do sector manifesta um perfil ainda mais acentuado de concentração, com cerca
de 82% dos trabalhadores por conta de outrem localizados nas duas aglomerações de Lisboa
e do Porto e nas áreas das NUTS III de Península de Setúbal, do Ave, do Baixo Vouga e do
Algarve (Figura 2).
Fora das grandes aglomerações do Porto e de Lisboa, a Península de Setúbal é a zona que
concentra maior percentagem de estabelecimentos (cerca de 5,6%) e de trabalhadores ao
serviço nas empresas (3,5%) no sector das actividades culturais e criativas.
Esta tendência de distribuição espacial estará associada em princípio a determinadas condições,
seja em termos de aglomeração e de interdependência destas actividades com outros sectores
de actividade (no caso específico da publicidade, por exemplo), seja em termos da dimensão
060
de mercado e de massa crítica dos consumidores culturais (em especial no campo das
actividades artísticas e de espectáculo). A par disso, a centralização e a concentração espacial
do sector cultural de iniciativa pública da administração central têm contribuído, por seu lado,
para reforçar as tendências de concentração de actividades artísticas e performativas na cidade
e aglomeração de Lisboa e para fazer emergir um núcleo crescente destas actividades na
cidade do Porto (para o que contribuem de forma muito significativa projectos de parceria
público-privada como o da Fundação de Serralves e, mais recentemente, o da Casa da Música).
As dinâmicas de concentração do sector dos media e das tecnologias de informação e de
comunicação em Lisboa influenciam paralelamente, e de forma determinante, a concentração
dos pequenos produtores e dos profissionais independentes no sector do cinema e vídeo e da
rádio e televisão em certos concelhos da Grande Lisboa.
Apesar das tendências de concentração espacial do sector cultural e criativo, as actividades
de edição e de publicidade mantêm um perfil de distribuição territorial mais disseminado,
embora com uma maior expressão na faixa litoral do território, onde se concentram os núcleos
urbanos de maior dimensão (cidades de média dimensão) (Figura 3).
Os subsectores de actividade das bibliotecas, arquivos, museus e outras actividades culturais
ou recreativas, por seu lado, manifestam uma presença crescente fora dos grandes centros
de Lisboa e Porto e configuram uma distribuição relativamente equilibrada, associada em
grande parte ao papel que as políticas culturais locais têm desempenhado na promoção destas
actividades no restante território nacional, como anteriormente referido.
Essa dinâmica municipal associada às políticas públicas autárquicas explica, em parte, o facto
de os municípios com uma presença significativa de empresas do sector no quadro do contexto
nacional (municípios com mais de 1% do total de estabelecimentos do sector das actividades
culturais e criativas em 1999 – para além de Lisboa e Porto, Sintra, Oeiras, Cascais, Loures,
Amadora, Odivelas, Vila Nova de Gaia, Matosinhos, Maia, Almada, Braga, Coimbra, Leiria, Viseu,
Guimarães, Aveiro e Loulé) terem aumentado, no período entre 1999 e 2003, o número de
estabelecimentos, considerando que este crescimento esteve sobretudo associado a um
acréscimo de estabelecimentos nos subsectores artísticos e do património.
Apesar disso, em termos de número de trabalhadores ao serviço, apenas uma parte dos
municípios com mais de 1% do total nacional de trabalhadores ao serviço no sector das
actividades culturais e criativas em 1999 (para além de Lisboa e Porto, os municípios de Oeiras,
Sintra, Cascais, Loures, Odivelas, Vila Nova de Gaia, Maia, Matosinhos, Almada, Braga, Coimbra,
Guimarães e Póvoa de Varzim) viu o seu volume de trabalhadores ao serviço nestes subsectores
061
aumentar nesse mesmo período. Esta tendência positiva verificou-se nos municípios de Oeiras,
Sintra, Vila Nova de Gaia, Maia, Almada, Guimarães e Póvoa de Varzim. O menor dinamismo
em termos de emprego pode, por outro lado, confirmar a percepção de que em grande parte
destes contextos municipais a capacidade de profissionalização do sector é ainda muito débil.
2.1.2. Dinâmicas de oferta artística
A análise da oferta de actividades artísticas e de espectáculo numa perspectiva da sua
territorialização não se tem deparado uma tarefa fácil devido à falta de registos estatísticos,
sistemáticos e regulares, da presença de actores e agentes artísticos e da sua dinâmica de
criação e produção. As estatísticas nacionais são relativamente insuficientes nesta matéria,
facultando apenas dados de oferta de espectáculos (sessões de teatro, de cinema e de
espectáculos públicos) a nível nacional ou por grandes áreas (NUTS II ou III). Optou-se assim,
no âmbito deste trabalho, pela leitura das dinâmicas de oferta artística e da sua distribuição
espacial com base em duas fontes de informação – Programa Território Artes do Instituto das
Artes, Ministério da Cultura, através da informação disponível no respectivo site em Fevereiro
de 2007 e Catálogo Pisa-Papéis de 2006, da empresa procur.arte. Estas duas fontes de
informação não são de forma alguma exaustivas e sistemáticas, mas poderão ser indicativas
de tendências, apesar de relativamente grosseiras, da actividade do sector. O seu tratamento
e o resultado em termos de representação em mapa têm o mérito de permitir uma leitura
espacializada de tais dinâmicas (Figuras 4 e 5).
Esta representação espacial vem confirmar a ideia, mais ou menos impressiva e que decorre
de outras análises sustentadas noutros indicadores económicos ou de oferta e procura, de que
a oferta de produtos e serviços artísticos e culturais se mantém muito concentrado no território,
em especial na aglomeração de Lisboa e em parte também na do Porto, continuando a ser
muito débil ou mesmo inexistente nos restantes centros urbanos, na maioria dos concelhos
do interior e em certas zonas do litoral com padrões de urbanidade menos acentuados.
Para além do sector empresarial privado e do sector público, as actividades artísticas e de
espectáculo e as actividades ligadas ao património têm sido desenvolvidos por um número
alargado de organizações do terceiro sector (predominantemente associações e também
fundações) de pequena ou média dimensão. De forma semelhante, dentro deste terceiro sector,
as organizações mais dinâmicas e com recursos mais qualificados encontram-se localizadas
nos principais centros, com uma clara concentração em Lisboa e nalguns dos seus concelhos
limítrofes e alguma presença no Porto ou respectiva área envolvente.
As autarquias continuam a desempenhar um papel determinante em termos da oferta e procura
artística e cultural fora dos grandes centros de Lisboa e do Porto, na medida em que são, em
062
geral, o principal ou por vezes mesmo o único “programador” artístico e cultural e, em geral,
o principal comprador de produtos e serviços artísticos. Nestes contextos, os novos modelos
institucionais, designadamente, as empresas municipais ou outras organizações em parceria
(associações com participação de privados ou fundações) representam soluções muito
interessantes para responder aos desafios da programação cultural e do crescimento dos
sectores profissionais artísticos e culturais.
Lançado em 2006 pelo Ministério da Cultura, o Programa Território Artes envolve actualmente
um número expressivo de produtores artísticos e culturais inscritos como fornecedores/
vendedores de produtos e serviços e praticamente metade dos municípios portugueses, como
compradores/programadores dos produtos e serviços oferecidos pelos agentes inscritos na
base.
Os criadores/produtores inscritos nesta base encontram-se espacialmente concentrados em
Lisboa, praticamente 48% do total, e uma parte no Grande Porto, cerca de 10% do total. Assim,
um significativo número de criadores e produtores artísticos e culturais que oferecem produtos
e serviços a nível do território nacional encontra-se concentrado em Lisboa, e abarca um leque
de áreas artísticas e de propostas muito alargado, dentro do teatro, da dança, da música e dos
projectos transdisciplinares. Esta tendência é confirmada pela distribuição das companhias
e estruturas artísticas e artistas inseridos no catálogo Pisa-Papéis e pela densidade de produtos
que estes oferecem em cada um dos concelhos.
Para além dos concelhos que integram as aglomerações de Lisboa e do Porto (Grande Lisboa
e Grande Porto), os concelhos que apresentam um número mais significativo de agentes
culturais e artísticos, bem como de oferta de produtos, correspondem em geral à “rede” de
cidades médias, coincidindo, em geral, fora do litoral, com as capitais de distrito. Esta tendência
não deixa de se relacionar também com uma aposta destes principais centros urbanos na
construção e gestão de novos espaços de espectáculos, designadamente, beneficiando de apoio
da política cultural do Governo nos últimos anos (promoção de uma rede de cineteatros) e do
apoio dos Fundos Estruturais no quadro das prioridades do Programa Operacional da Cultura
(no período de 2000 a 2006).
Esta concentração territorial é para além disso extensível às organizações de promoção e de
gestão artística e cultural, organizações que na sua grande maioria têm o formato associativo,
mas que adoptam igualmente, e talvez cada vez mais, outras fórmulas jurídicas e de gestão,
empresarial ou cooperativa, mas também de carácter informal, envolvendo profissionais
individuais, artísticos e criativos.
063
2.1.3. Dinâmicas de investimento público e privado
Por último, a análise da dinâmica de projectos de investimento, materiais e imateriais, e a sua
expressão territorial, com base em dados provenientes do último Quadro Comunitário de Apoio,
permite acrescentar algumas considerações sobre as tendências das dinâmicas de investimento
no sector das actividades culturais e criativas, que confirmam algumas das tendências
anteriormente apontadas.
O Programa Operacional da Cultura, no período entre 2000 e 2006, constituiu um importante
instrumento de financiamento das actividades relacionadas com o património, em especial no
quadro do sector museológico, permitindo em paralelo com uma política de lançamento da
rede nacional de museus, de iniciativa pública governamental, uma distribuição mais ou menos
dispersa pelo território de projectos museológicos de natureza material ou imaterial (Figura
6). Em matéria de consolidação da rede de salas de espectáculo, o mesmo instrumento de
financiamento favoreceu o apoio de investimentos (construção de salas de espectáculo e apoio
para o arranque da respectiva programação) nos principais centros urbanos (capitais de distrito
na sua maioria), numa lógica de reforço das dinâmicas artísticas e de programação de
espectáculos nos principais centros urbanos estruturadores do sistema urbano nacional.
Enquanto que o financiamento de projectos dentro das áreas do património e dos museus se
reflecte de forma disseminada no território, abarcando concelhos de diferente dimensão e
perfil, localizados no litoral ou no interior do país, o financiamento orientado para as actividades
artísticas – actividades de espectáculos e para os novos suportes multimédia – favoreceram
claramente as dinâmicas urbanas, quer no seio das grandes aglomerações de Lisboa e do
Porto, quer dos centros urbanos de média dimensão que em todo o território nacional formam
uma rede de cidades médias.
A expressão territorial do apoio financeiro a projectos culturais consubstanciado através dos
Programas Operacionais Regionais (Figura 7) apresenta, no entanto, um padrão de distribuição
espacial muito mais fragmentado, quer no apoio à iniciativa pública, maioritariamente de base
municipal, quer no apoio a projectos de iniciativa privada, principalmente dentro do terceiro
sector. Os projectos culturais apoiados por estes programas, dentro do mesmo período,
incidiram principalmente em duas vertentes da área cultural, o património e os equipamentos
culturais de base local. Na sua maioria, trata-se de projectos que decorrem das prioridades
enunciadas pelas autarquias e que respondem aos objectivos formulados no quadro das políticas
culturais municipais mais frequentes: contribuir para a promoção do município e para valorização
da identidade local, fomentar a qualificação e diversificação da programação artística e cultural,
que em grande parte dos casos recorre a produções de origem exterior (nos principais centros
064
urbanos) e, promover o turismo local e ou regional através de estratégias de qualificação e
interpretação dos recursos culturais locais.
Confrontando pois a expressão espacial dos diferentes programas, é evidente alguma
complementaridade espacial dos dois tipos, regionais e sectorial, ou seja, a concentração de
projectos apoiados no âmbito do Programa Operacional da Cultura nos centros urbanos e no
litoral e uma maior disseminação espacial dos projectos apoiados no quadro dos Programas
Operacionais Regionais, com uma significativa representatividade dos municípios das áreas
do interior. Realça-se, ainda, o facto da fraquíssima representatividade do financiamento do
sector dentro do Programa Operacional Regional dentro da área da Grande Lisboa.
2.1.4. Algumas linhas conclusivas
Da análise dos elementos apresentados é possível retirar algumas conclusões quanto às
tendências mais recentes de distribuição territorial das actividades e práticas artísticas e
culturais em Portugal:
• A concentração e poder de atracção da aglomeração de Lisboa no que se refere ao património
e actividades artísticas e às indústrias culturais;
• O incremento progressivo de dinâmicas culturais e artísticas, associando crescentemente
as indústrias culturais, na aglomeração do Porto;
• A localização muito pontual de indústrias culturais fora das principais aglomerações, apesar
da emergência de alguns núcleos muito específicos que se associam em geral à presença de
centros do ensino superior;
• O reforço e consolidação das actividades culturais, patrimoniais e artísticas, de iniciativa
predominantemente pública, nas cidades de média dimensão e no sistema urbano da zona
litoral;
• O reforço das relações entre recursos e actividades ligadas ao património cultural e as
dinâmicas turísticas, no quadro de um modelo de uma maior dispersão espacial no território
nacional.
2.2. Experiências territorializadas de base cultural
A análise das dinâmicas de evolução do sector numa perspectiva territorial é completada com
a descrição de um conjunto de experiências de natureza diferente que têm contribuído para
enriquecer o quadro nacional, configurando um potencial de boas práticas que demonstra
vantagens em termos de sistematização e disseminação.
A sua inclusão no quadro deste artigo é bastante resumida, procurando contribuir para ilustrar
a alargada gama de oportunidades, com natureza diferenciada, de que as políticas locais/
065
municipais podem vir a usufruir, seguindo práticas e estratégias de cooperação e de colaboração
melhor estruturadas, convergindo na prossecução dos seus objectivos de política cultural e
de desenvolvidamente sustentável.
2.2.1. Teatros municipais nas cidades de média dimensão
A opção pela construção de salas de espectáculo/teatros municipais ou pela reconstrução de
antigos cineteatros existentes em centros urbanos que, actualmente, possuem uma dimensão
e funções urbanas que lhes conferem, no quadro do sistema urbano nacional, um perfil de
cidade de média dimensão, tem constituído um factor estruturador de novas dinâmicas artísticas
e culturais, com expressão territorial indiscutível. Resultando a maioria destes novos projectos
culturais de opções e objectivos de natureza política municipal, casos como Bragança, Vila
Real, Guarda, Vila Nova de Famalicão, Torres Novas, Alcobaça, Torres Vedras, Santarém e
alguns outros, a configuração destes novos pólos de desenvolvimento artístico e cultural tem,
contudo, assumido contornos e soluções diversificadas, quer do ponto de vista das soluções
institucionais e de gestão, quer do ponto de vista da estratégia e das condições criadas no
sentido de assegurar uma programação regular e diversificada.
Os efeitos destes novos pólos de divulgação e animação artística e cultural têm-se feito sentir
em diferentes dimensões, com diferentes níveis de repercussão no território. Embora à partida
tudo leve a crer que esses efeitos dependem em parte das configurações de gestão e organização
escolhidas, a explicitação dessas relações necessitaria de um estudo mais aprofundado dos
diversos casos em consolidação.
Em termos gerais pode-se, de uma forma mais indistinta, apontar alguns efeitos significativos
destas novas experiências municipais ao nível das dinâmicas artísticas e culturais, incluindo
a sua expressão territorial. Estes novos pólos têm contribuído para uma diversificação e
qualificação em geral das práticas e dos consumos culturais de alguns segmentos da população
(primeiramente, a população escolar e a população com níveis mais elevados de qualificação
e práticas mais eruditas) e, simultaneamente, para aumentar as tendências de profissionalização
nalgumas áreas profissionais relacionadas com a divulgação e apresentação ou mesmo a
produção de espectáculos, bem como das actividades educativas com elas relacionadas. As
experiências de maior sucesso estão, em geral, associadas a soluções com maior autonomia,
em que foram constituídas equipas com competências adequadas às novas actividades em
exercício e onde se optou pela contratação de um profissional competente na área da
programação/programador.
Em determinados centros, em especial quando preexistiam formações ou pequenos
agrupamentos artísticos de natureza profissional, estes novos pólos permitem alavancar de
066
certo modo a sua actividade, em especial se esses coexistem com núcleos de formação
(profissional ou superior) orientados para as áreas artísticas (mais frequentemente na área
da música ou do teatro e dança ou de outras linguagens e suportes visuais e tecnológicos).
O funcionamento destes novos centros de programação artística tem, por outro lado, contribuído
frequentemente para reforçar a centralidade territorial dos centros urbanos em que se localizam,
atraindo dos concelhos envolventes segmentos de população mais motivados e estimulados
(no caso dos públicos escolares) para este tipo de consumos e práticas culturais de exterior
(ou de saída). Frequentemente também, a aposta municipal que é feita no novo pólo de animação
artística aparece inscrita em estratégias de afirmação do município (ou da cidade, embora só
muito excepcionalmente formuladas em apostas dentro do marketing territorial) e, por vezes,
pode surgir mesmo de uma forma articulada com outras apostas dentro de outros sectores
e no quadro de uma estratégia mais alargada de competitividade territorial.
2.2.2. Grandes organizações culturais não lucrativas
O papel potencial destas entidades na mobilização de dinâmicas territoriais específicas pode
ser exemplificado através do caso paradigmático de Serralves, no Porto. Embora não se
proponha aqui uma reflexão aprofundada sobre os impactos que a Fundação de Serralves e
os projectos que por ela foram sendo promovidos têm tido sobre o tecido e as dinâmicas
artísticas e culturais na cidade do Porto e na aglomeração urbana em que esta se insere,
interessa sobretudo referir o importante papel que as organizações com este perfil assumem
na afirmação de uma cidade no contexto do seu território de proximidade e na região e a nível
internacional ou no contexto de redes de cidades. A abordagem deste caso apenas tem como
objectivo a análise de uma boa prática (case study) que permite inferir um conjunto de conclusões
sobre a importância que estas organizações assumem em contextos de desenvolvimento
urbano ou regional. Este não é o único caso de sucesso (por exemplo poderíamos analisar o
caso do projecto “O Espaço do Tempo” – Centro Nacional de Artes Transdisciplinares, em
Montemor-o-Novo), mas talvez seja um dos mais significativos e com mais amplitude de
resultados.
Procura-se de seguida evidenciar, nesta última perspectiva, mais territorial, alguns dos efeitos
induzidos pelo projecto Serralves. Por um lado, os efeitos na própria cidade, em termos de
criação de uma nova centralidade, em termos da viabilização de novas estruturas, agentes e
profissionais que, trabalhando com e para Serralves, se foram consolidando e enraizando na
cidade, em termos da capacidade de atracção de visitantes exteriores, dentro de uma área de
influência muito mais alargada, espacial e socialmente, e, por último, em termos da consolidação
de relações com outras estruturas e organizações que intervêm no mesmo sector, possibilitando
067
a emergência de um processo de clusterização na cidade (o caso das relações por exemplo
com a dinâmicas das galerias de arte localizadas na Rua Miguel Bombarda e que actualmente
geram um efeito de diversificação de actividades artísticas e criativas nesta mesma zona da
cidade, ou das relações no âmbito da programação com outras instituições centrais como o
Teatro Nacional de S. João ou a Casa da Música).
Por outro lado, os efeitos em termos da rede de relações e de cooperação com outros pólos
de programação artística e cultural, de nível internacional, inserindo a própria organização e
arrastando consigo a cidade, para novos espaços de cooperação internacional, a nível europeu
e mundial.
Ainda dentro de uma perspectiva territorial, realce-se o fenómeno da crescente cooperação
e consultoria na área da programação que a Fundação tem vindo a desenvolver com outros
municípios da Região do Norte e do restante território nacional. Esta estratégia de relacionamento
da Fundação com outras instituições, públicas ou privadas, tem contribuído de forma muito
clara para a viabilização de projectos endógenos no campo da divulgação da arte contemporânea
e, consequentemente, para atenuar assimetrias muito acentuadas entre os grandes centros
de Lisboa e Porto e o restante território nacional.
2.2.3. Planos municipais estratégicos para a cultura
Outro campo de novas dinâmicas de política cultural está associado à emergência de processos
de elaboração de planos estratégicos para o sector cultural de âmbito local/municipal.
Experiência iniciada a nível municipal pela autarquia de Évora, associada ao seu capital cultural
e aos efeitos da classificação de património da humanidade do seu centro histórico, a elaboração
de planos estratégicos para a cultura tem sido opção posterior de outros municípios,
designadamente, Castelo Branco e Torres Novas, os quais, no seguimento de um esforço muito
significativo de investimento em infra-estruturas culturais, optaram por formular uma estratégia
sectorial de médio prazo que contribuísse para assegurar a respectiva dinamização e
rentabilização.
Tais exercícios e processos de planeamento estratégico cultural, quando devidamente elaborados,
implementados e participados, designadamente no quadro de uma integração alargada com
a estratégia de desenvolvimento do concelho e/ou da cidade, possibilitam que o sector das
actividades culturais e criativas possa assumir um papel muito mais ampliado e multifacetado
dentro do processo de desenvolvimento local contribuindo, concomitantemente, para o reforço
da competitividade, para a melhoria da qualidade de vida das populações e para a coesão social
e territorial.
Tais processos, para atingir uma tal dimensão, devem assentar num conjunto muito alargado
068
de dimensões de planeamento (ao nível dos investimentos materiais e imateriais bem como
no plano organizativo) e de participação e cooperação entre agentes e actores públicos e
privados, das áreas culturais, artísticas e criativas, gerando efeitos de densificação do tecido
artístico e criativo local e a sua abertura e interacção com o exterior e procurando a inserção
em redes de relacionamento e de colaboração a diversos níveis.
2.2.4. “Quarteirões culturais” ou projectos culturais intra-urbanos
Em Portugal, se há alguma realidade que tenha algo de semelhante com as experiências
fortemente territorializadas mencionadas na primeira parte deste texto – sistemas produtivos
locais, meios inovadores ou outras formas de aglomeração fortemente centradas na produção
de bens culturais (e embora muito longe dos complexos high tech de produção de símbolos
a nível mundial) –, é a zona do Bairro Alto e Chiado, em Lisboa, a única com no país que
verdadeiramente se poderá considerar como um bairro cultural.
Com efeito, esta zona, não obstante a sua diversidade, reúne um conjunto muito diversificado
de actividades, que têm permitido afirmá-la, desde o séc. XV, como o bairro cultural por
excelência da capital, configurando o próprio bairro e o seu ambiente um recurso com um
estatuto, uma imagem e formas de governança e auto-regulação específicas que têm conseguido
afirmar a sua sustentabilidade ao longo dos séculos, não obstante a variação do tipo de agentes
e de actividades em que a sua dinâmica é centrada ou diversas outras ameaças pontuais às
características fundamentais e intrínsecas em que essa sustentabilidade é assente (cf. Costa,
2003). Com efeito, às características de um sistema de produção e consumo de bens culturais
fortemente territorializado associa-se ainda uma forte componente simbólica, patente nas
representações, tanto internas como externas, que se fazem desta zona da cidade, bem como
a formas de governança específicas que (para além da intervenção pública ou do funcionamento
dos mercados) alavancam o seu dinamismo numa complexa teia de relações formais e informais
entre os diversos agentes culturais, e onde os diversos mediadores culturais e circuitos de
mediação específicos em cada um dos múltiplos “mundos da arte” assumem igualmente um
papel fulcral.
Embora ainda longe do dinamismo criativo de múltiplos bairros culturais nas grandes metrópoles
mundiais, mas com características semelhantes a muitos outros espalhados um pouco por
cidades de todo o mundo, esta realidade não tem no entanto nenhuma que se lhe compare no
contexto nacional.
Para além de diversos bairros ou áreas, em diversas cidades, com um dinamismo acentuado
das actividades mais ligadas às indústrias culturais de juventude e sobretudo às sociabilidades
e convivialidade (muito focadas na animação nocturna), um pouco por todo o país e
069
particularmente em cidades dinamizadas pela presença de estabelecimentos do Ensino Superior
(mas com um dinamismo cultural e criativo bem mais débil e uma auto-sustentabilidade muito
questionável…), são eventualmente de destacar algumas poucas experiências de bairros ou
zonas urbanas polarizadas por uma concentração de estabelecimentos de subsectores culturais
específicos, muitas vezes associadas a formas de governança também elas muito particulares
(essencialmente de natureza privada ou associativa) por detrás deste seu dinamismo.
São os casos, por exemplo, da aglomeração de galerias e espaços associados às artes visuais
na zona da Rua Miguel Bombarda, no Porto; da aglomeração de agentes auto-denominada
“Santos Design District”, em Lisboa, agregando e promovendo integradamente um conjunto
de agentes muito diversos de várias áreas do “subcluster” do design, nesta área da cidade; da
Rua de São Bento (e da zona do Príncipe Real), também em Lisboa, no campo das antiguidades;
ou mesmo, numa fronteira mais difusa do campo das actividades culturais, a criação da própria
marca da “Avenida do Mobiliário” (Av. Almirante Reis, em Lisboa) como forma de criar uma
identidade e uma comunidade em torno de um valor simbólico associado à comercialização
de mobiliário mais “tradicional”.
São, no entanto, todos estes exemplos, no essencial, pequenas operações, constituídas por
um número reduzido de agentes e, sobretudo, muito centrados em (e dependentes de) formas
de governança que traduzem a assunção de interesses colectivos sectoriais, a uma escala
muito local, mais do que verdadeiros interesses territoriais. Podem, no entanto, ser importantes
e interessantes para a promoção do desenvolvimento local e a regeneração e revitalização de
certas zonas das cidades.
Estas novas formas de cooperação entre diversos tipos de actividade dentro de sectores urbanos
específicos da cidade, têm contribuído para a consolidação de novas identidades para tais
espaços facilitando a fidelização de segmentos de públicos e a concentração de novos actores
criativos. Um dos aspectos que se têm evidenciado nestes processos é, no entanto, o fraco
envolvimento das entidades públicas com responsabilidade na gestão destes espaços urbanos,
situação que, por um lado, implica um esforço acrescido destes actores na consolidação das
dinâmicas de concertação e de afirmação no mercado (por vezes, faltando infra-estruturas
complementares que contribuam para melhorar a acessibilidade, em termos por exemplo de
estacionamento ou de transportes públicos) e que, por outro lado, traduz uma percepção ainda
reduzida do potencial que estas “aglomerações” de actores e serviços dentro das áreas artísticas
e criativas podem configurar enquanto factores de competitividade territorial e na geração de
contextos mais favoráveis à inovação.
2.2.5. Redes de programação temáticas ou territoriais
Passando agora para outros contextos territoriais de natureza diferente, dentro de uma
070
dimensão regional ou nacional, incluindo espaços territoriais menos densos e não estruturados,
algumas experiências recentes de concertação e de cooperação inter-institucional,
predominantemente de base autárquica, mas não necessariamente, têm demonstrado as suas
vantagens em matéria de aumento da massa crítica, seja numa perspectiva de competências
e recursos, seja na perspectiva de mercado.
São diversas as experiências em curso no panorama nacional, as quais decorrem de processos
com características diferentes. Em certos casos, estes processos formam-se a partir de
dinâmicas promovidas por instituições que encontram parceiros nas proximidades territoriais
e se associam no sentido de ganharem vantagens de escala em programação – como é o
exemplo, talvez dos primeiros, da constituição da ACERT – Rede Cultural, em Tondela. Noutros
casos, nascem a partir de dinâmicas com uma forte vertente temática envolvendo várias
instituições programadoras, espalhadas por praticamente todo o território nacional, que se
associam para partilhar recursos e programas em determinada área de divulgação artística
– como é o exemplo da Sem Rede – Rede Nacional de Programação de Novo Circo. Em
alternativa ainda, algumas dinâmicas de cooperação emergem a partir de uma estratégia de
iniciativa regional, procurando estimular a associação e parceria entre actores da região com
vista a utilização comum de recursos e de competências, procurando ganhos de escala em
matéria de programação artística e de espectáculos, bem como o aumento da capacidade de
internacionalização – como é o exemplo do lançamento do projecto da ARTEMREDE pela CCDR
de Lisboa e Vale do Tejo.
Estas diversas experiências em rede têm contribuído para uma melhor difusão e disseminação
no território dos recursos de programação artística e de espectáculos, atenuando as assimetrias
mais tradicionais de oferta de produtos e serviços artísticos e culturais, em especial, em zonas
do interior e em pequenos aglomerados urbanos dos concelhos limítrofes dos principais centros
urbanos da rede de cidades no litoral. Por outro lado, estas experiências têm contribuído para
viabilizar uma programação regular e de qualidade de novas salas de espectáculos construídas
ou reabilitadas em centros urbanos onde é ainda muito débil o tecido artístico no campo das
artes performativas e do espectáculo, assegurando condições favoráveis à sua emergência e
à fixação de profissionais artísticos.
2.2.6. Parcerias municipais para programação e gestão cultural
Dentro de uma vertente relativamente distinta, mas igualmente no contexto de espaços regionais
(supramunicipais), têm emergido algumas experiências interessantes e inovadoras de concertação
intermunicipal no sentido da gestão dos recursos artísticos e culturais e da programação em
parceria. Alguns municípios confrontados com as inúmeras exigências que os novos desafios
071
em matéria de política e de intervenção cultural colocam, e que resultam designadamente de
investimentos consideráveis realizados na construção de novos equipamentos cujas funções
e temáticas são cada vez mais diversificadas, têm procurado estratégias de cooperação e
associação no sentido de partilharem recursos, em geral escassos, e de alargarem o seu
âmbito de acção (polarizando populações de outros concelhos dentro de ofertas diversificadas
e complementares).
Estas experiências têm demonstrado o interesse e o potencial que a conjugação de objectivos,
de acções e de utilização de recursos oferece no sentido de viabilização de novas estruturas
físicas, por vezes sobredimensionadas para a escala local. Por outro lado, as mesmas
experiências têm permitido demonstrar o potencial de progressão em matéria de reforço e
qualificação de competências, sobretudo com recursos humanos profissionais e artísticos
especializados, que cada município de per si tem enorme dificuldade em fixar.
Apesar das vantagens e do potencial que estas soluções associativas e de cooperação
intermunicipal evidenciam, os processos de concretização da gestão e programação em parceria
têm-se confrontado em geral com dificuldades que resultam do perfil organizativo das próprias
autarquias (por exemplo no caso da complementaridade de recursos humanos com
especialidades profissionais diferentes que podem trabalhar com outras autarquias vizinhas,
ou na contratualização conjunta de novos profissionais) ou da dificuldade de formatar a prestação
de serviços para uma população alvo que extravasa o próprio concelho (e, portanto, os respectivos
eleitores). Em geral, estes problemas apontam para a criação ou o aproveitamento de soluções
formais que permitam ultrapassar os limites de intervenção municipal, como é o caso das
associações de municípios.
Algumas experiências em curso têm procurado encontrar as soluções mais adequadas para
responder a esses desafios, designadamente, na Região do Norte, o projecto Comédias do
Minho, e os processos em curso conduzidos, quer pela VALIMAR, quer pela Associação de
Municípios da Terra Quente Transmontana.
2.2.7. Redes de património
Com algumas semelhanças relativamente aos anteriores dois tipos de experiências
territorializadas em matéria de gestão de bens culturais e artísticos, mas com uma especificidade
particular, por se associarem a bens patrimoniais imóveis distribuídos por territórios que
assumem uma dimensão alargada, de base sub-regional, encontram-se designadamente, as
experiências da Rota dos Frescos, no Alto Alentejo, das Aldeias Históricas, na Região do Centro
e das Aldeias Vinhateiras, na área classificada do Douro Vinhateiro Património Mundial.
072
Mais uma vez estamos perante experiências com diferenças em termos das soluções
institucionais encontradas e dos modos de intervenção e promoção adoptados, mas que têm
em comum o facto de assentarem num quadro identificado com o conceito de rede, que procura
formatar um novo produto, integrado, que adquire um potencial de promoção e de interpretação
muito mais amplo.
A sua dimensão territorial é, desde logo, assegurada pelo facto de os bens ou sítios se
distribuírem espacialmente por zonas mais alargadas do território regional, mas por outro
lado, pressupõem algum valor acrescentado em matéria organizativa, na medida em que
dependendo de tutelas diversas (Câmaras Municipais ou outros organismos públicos ou
privados), implicam soluções de parceria e de colaboração no sentido de configurarem um
produto com linguagens, suportes e serviços comuns.
Nalguns casos tem sido determinante a capacidade de as própria entidades tutelares desse
património se aproximarem e encontrarem as soluções organizativas adequadas para proteger,
reabilitar, gerir, promover e divulgar este património em conjunto; noutros casos a iniciativa
tem sobretudo partido das entidades regionais (designadamente ao nível das CCDR ou das
delegações do IPPAR) no sentido de viabilizarem o funcionamento em rede desses sítios,
conferindo-lhes uma maior coerência e um sentido de produto perceptível e atractivo nos
mercados cultural e turístico.
3. Políticas culturais municipais: das competências adquiridas aos novos desafios
Para além de uma análise das orientações que têm vindo a marcar a política cultural ao nível
dos municípios portugueses importa pensar naquela que poderá ser a resposta desses mesmos
municípios para tentar passar para uma patamar mais ambicioso, que corresponda a uma
tentativa de promover políticas inovadoras, visando a criação, o aproveitamento e o fomento
de outro tipo de dinâmicas criativas, ao nível das actividades culturais, que estejam latentes
ou que tenham possibilidade de desenvolver, explorando eventualmente novas formas de
governança e novas formas de articulação entre actores (ultrapassando a mera actuação
pública), entre subsectores e mundos da cultura (ultrapassando a visão mais tradicional e
limitada de cultura), e mesmo entre tipos e objectivos de políticas (ultrapassando e esbatendo
as fronteiras entre política cultural e outras políticas).
Neste quadro, levantam-se, portanto, novos e importantes desafios à actuação cultural e às
políticas de promoção do desenvolvimento regional e urbano, a todos os níveis, incluindo
portanto, também, as políticas municipais.
Estes desafios passam por assumir um conjunto de ideias-chave, no sentido de uma
transversalização da actuação, ao nível dos agentes, dos sectores e dos tipos de políticas, que
073
passa, entre outros aspectos, pela assunção das seguintes linhas orientadoras:
• O desenvolvimento das competências artísticas, da formação criativa e artística, das
competências profissionais, da formação nas áreas da gestão e organização e do marketing,
mas também, a continuação de um esforço sistemático na formação ampla de públicos e na
sensibilização da população em geral para o desenvolvimento de práticas e do consumo artístico
e cultural;
• O fomento de estruturas artísticas e culturais com carácter empresarial, nos campos e
sectores onde essa iniciativa é possível (a par, obviamente, da garantia de um apoio público
forte à provisão de bens públicos ou não passíveis de rentabilização pelo mercado) e o
desenvolvimento do apoio e criação de incentivos ao empreendedorismo, nomeadamente no
campo da pequena iniciativa cultural e criativa, bem como no apoio ao desenvolvimento da sua
sustentabilidade económica;
• A promoção de “meios” e “ambientes” criativos, através da facilitação de condições físicas
e de contexto, bem como de apoio ao nível de outras políticas transversais (urbanismo, inclusão
social, transportes, etc.), que, em estreita articulação e interacção com o planeamento urbano
e as políticas de desenvolvimento e de vitalização das cidades, permita o desenvolvimento de
massas críticas, em termos de procura e oferta, que proporcionem o desenvolvimento destas
actividades, bem como a exploração de economias de escala e de gama conjuntas, bem como
do aproveitamento das sinergias e externalidades positivas associadas a dinâmicas fortemente
territorializadas assentes neste tipo de actividades;
• O estímulo à cooperação e colaboração entre os agentes do sector cultural e criativo (públicos,
privados e outros), a promoção da sua articulação em rede, seja ao nível dos sistemas mais
territorializados de produção e consumo, seja entre estes e o exterior, inserindo-os em mercados
e tendências crescentemente globalizados, bem como o desenvolvimento de modelos de
governança e quadros institucionais (não necessariamente convergentes), que enquadrem e
estimulem as realidades específicas associadas ao sector criativo e cultural a nível local.
Neste contexto, poderemos sintetizar estas novas oportunidades de renovação de políticas,
em torno de três grandes linhas, correspondentes, respectivamente, a novos campos, a novos
contextos e novas metodologias para a acção municipal no campo da cultura e das actividades
criativas:
3.1.Novos campos de acção
A um primeiro nível colocam-se novos desafios em termos dos campos de acção das políticas.
As políticas para os sectores culturais e criativos não podem continuar radicar em supostas
074
e artificiais dicotomias, entre cultura e mercado, entre sector público e empresas, no que toca
aos seus alvos e beneficiários. O sector cultural e criativo, ele próprio cada vez mais alvo de
interpenetração entre os seus diferentes elementos, é caracterizado por uma variedade de
agentes e de subsectores, que exigem uma actuação integrada, que radique numa concepção
ampla daquilo que são as actividades culturais e da forma como são percebidas pelos cidadãos
e pelos agentes culturais. Neste sentido, exige-se uma visão abrangente do sector, que cruze
e interligue alta cultura, cultura popular e cultura de massas, que entenda a lógica do mercado
e as lógicas de funcionamento que não podem (ou não querem) passar por aí, e que englobe,
necessariamente, artes e património, indústrias culturais e indústrias criativas: da ópera ao
design, da música popular e das novas culturas urbanas ao teatro e ao cinema de autor, da
preservação do património à promoção da leitura, da produção multimédia à arquitectura, da
actividade artesanal à edição livreira e discográfica, da expressão artística à criatividade inserida
dentro de outras áreas de produção industrial e de comunicação institucional e territorial.
3.2.Novos contextos de acção
A um segundo nível, importa perspectivar as políticas municipais em termos dos seus contextos
de acção, e em particular das possibilidades e potencialidades de actuação multidimensional
sobre os seus territórios de referência e, em particular sobre os espaços urbanos onde na
maior parte dos casos se tendem a desenvolver. É aqui imprescindível também uma
interpenetração e cruzamento das lógicas sectoriais de política e dos seus instrumentos,
mobilizando, em torno do planeamento de realidades territoriais concretas, estruturadas em
torno da importância das actividades culturais e criativas, todo um conjunto de lógicas sectoriais
de actuação (a cultural, mas também a da educação e formação, a da inclusão social, a da
dinamização económica, a da inovação, a fiscal, a vertente ambiental, etc.). Em torno da
resolução de problemas que são eles próprios multidimensionais, importa cruzar lógicas de
actuação política, ligando as estratégias culturais com as políticas urbanas e aproveitando
as actividades culturais e criativas como fonte de competitividade urbana e de bem-estar, como
auxiliares e motores de processos de regeneração ou revitalização urbana ou como base para
a promoção da inclusão social e a assunção da cidadania e da participação das populações.
3.3.Novas metodologias de acção
Finalmente, importa igualmente explorar novas metodologias de acção que enquadrem esta
actuação pública municipal no campo da cultura. Para além de uma clara necessidade de
reflexão estratégica, e de envolvimento dos actores locais em efectivos processos de planeamento
estratégico participados, em que seja possível consensualizar diagnósticos da situação por
075
parte dos diversos stakeholders, e estabelecer as bases para um comprometimento em torno
de projectos de colaboração comuns, importa obviamente, estabelecer parcerias e gerar novos
quadros de actuação multi-actor, que permitam maximizar a eficiência e eficácia das actuações
culturais a nível local. O desenvolvimento de formas específicas de institucionalização da
colaboração interactor (mais ou menos formalizadas) a nível local e regional é um corolário
deste princípio, sendo de admitir as mais diversas formas de governança, adaptáveis às
especificidades da situação territorial e do conjunto de actores envolvidos.
Para além do aproveitamento das dinâmicas territorializadas já existentes e do assegurar de
condições (muitas vezes, fora do âmbito estrito das políticas culturais, mas mais no âmbito
de condições de contexto, como as fiscais, os transportes ou as acessibilidades, por exemplo),
a actuação municipal pode assumir um papel mais ou menos interventor, mais ou menos
directo, mais ou menos interligado com os agentes culturais (locais ou externos) que actuam
no território, procurando e desenhando uma solução específica (ela própria também “criativa”…)
para a sua actuação. As políticas culturais a nível municipal, tal como, de forma mais ampla,
as políticas que visam a promoção do desenvolvimento a nível regional e local, devem, portanto,
ter o cuidado de atender aos eventuais mecanismos de auto-regulação destes sistemas
territoriais e adaptar sempre a sua actuação a essas realidades.
PEDRO COSTA
Professor Auxiliar do Departamento de Economia do ISCTE e Investigador do Dinâmia – Centro de Estudos sobre a
Mudança Socioeconómica; Doutorado em Planeamento Regional e Urbano.
ELISA PÉREZ BABO
Economista, Administradora da Quaternaire Portugal – Consultoria para o Desenvolvimento, SA, mestranda em ”Inovação
e Políticas de Desenvolvimento” na Universidade de Aveiro.
076
Gráfico 1 - Evolução das despesas correntes com cultura dos municípios, segundo as áreas,
no período entre 1990 e 2004
Fonte: INE, Portugal, 2006, Anuário Estatístico de Portugal 2005. Informação disponível até 30 de Setembro de 2006.
Gráfico 2 - Evolução das despesas de capital com cultura dos municípios, segundo as áreas,
no período entre 1990 e 2004
Fonte: INE, Portugal, 2006, Anuário Estatístico de Portugal 2005. Informação disponível até 30 de Setembro de 2006.
077
Gráfico 3 – Evolução do número de estabelecimentos de empresas por subsector das actividades
culturais e criativas, entre 1999 e 2003.
Fonte: MTSS, Quadros de Pessoal, 1999 a 2003.
Gráfico 4 – Evolução do número de trabalhadores ao serviço nas empresas (TPCO) por
sub-sector das actividades culturais e criativas, entre 1999 e 2003.
Fonte: MTSS, Quadros de Pessoal, 1999 a 2003.
078
Figuras 1 e 2 – Distribuição espacial das empresas e do emprego (TPCO) no sector cultural e
criativo, 2003
079
Figura 3 – Distribuição do emprego (TPCO) privado do sector cultural e criativo segundo os
subsectores, 2003
081
Figura 4 – Oferta de Produtores e produtos/serviços artísticos e culturais,
Programa Território Artes, Fevereiro 2007 e Catálogo Pisa-Papéis 2006
082
Figuras 6 e 7 – Projectos Culturais apoiados no quadro do Programa Operacional da Cultura
e dos Programas Operacionais Regionais no QCA III 2000-200609
084
Referências bibliográficasBABO, E. P. and P. COSTA (Coord.), 2006, Plano de
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087
2. “CULTURAS – NOVAS – GEOGRAFIAS – NOVAS – CULTURAS –
GEOGRAFIAS…”
João Sarmento e Ana F. Azevedo
Just as none of us is outside or beyond geography, none of us is completely free from the
struggle over geography.” (Edward Said, 1994, p.7)
Resumo
Este artigo é um exercício crítico realizado com base na exploração da ideia de espaços culturais.
O recurso à técnica de montagem textual tenta evidenciar algumas das contradições centrais
que percorrem o uso recorrente de diferentes noções de cultura na sua relação irónica com a
construção de lugares. O objectivo central é o de colocar o leitor como produtor e consumidor
activo do espaço, de forma a provocar uma revisão do seu próprio estatuto como interveniente
no território, através de um resgate, exposição e colisão hipertextual de fragmentos do quotidiano.
Introdução
Novas Geografias da Cultura foi o convite. Algo que merece consideração, pensamos. Mas
quais as trajectórias praticáveis? Existem todos aqueles itinerários que nos apontam a exploração
dos lugares de produção e consumo cultural. Por um lado, há um mundo que articula a dinâmica
territorial com mobilidades, acessibilidades, planos e tipologias, investimentos e gestão,
marketing e publicidade, consumo e especulação, de uma panóplia de artefactos culturais
convencionados.
Auditórios, teatros, ateliers, pavilhões multiusos, museus, centros paroquiais, galerias de arte,
salas de cinema e conferências, entre outros… Por outro lado, há também o universo das
práticas culturais quotidianas do sujeito, com os seus espaços genitais da experiência; as
cozinhas onde as mães reproduzem gastronomias seculares na minúcia de rapadelas e cortes
com saber ou mesmo as conversas no refeitório de uma qualquer fábrica em que se articulam
as intimidades do discurso.
Incluiríamos aqui também as músicas cantaroladas nos infantários, extensões da casa e do
tempo que revelam instituições ou ideologias de poder, herdados ou perpetuados nas
performances destes mesmos espaços. A re-asserção da cultura que urge discutir e que nos
levaria a outras espacialidades, a outras tantas teias de produção de verdade e conhecimento
que é premente desconstituir e reconstituir.
088
A nossa opção revela a inscrição no papel de uma construção geográfica de momentos culturais
de espaço-tempo, articulados pelo gesto transgressivo da experiência. O objectivo é então
mostrar a prática do espaço enquanto prática textual, como lugar de inscrição do sujeito,
superfície inacabada de criação da experiência. A intertextualidade funciona aqui como modo
de se accionar a natureza sempre aberta dessa mesma prática, tal como a vivência rizomática
do lugar é o fundamento da génese do espaço.
A folha branca como território
O aparente poder de a esculpir
De escrever e re-escrever
Como se inscreve a terra
Porque lado se começa?
Que direcção se toma?
Quem mora nesta folha?
21:30 (GMT) Rocky Balboa começa a ser projectado em ‘732’ salas de cinema do país. Em
Viseu, um casal de namorados, únicos espectadores, sentados no fundo da sala, estão mais
interessados em olhar-se…
11:23:41 (GMT) Mélanie, uma Texana pertencente a um grupo de 46 turistas americanos em
busca das suas raízes étnicas, inclinada de costas beija a Blarney Stone, na Irlanda. Um ritual
sedimentado pelos anos e que supostamente abre passagem para a eloquência.
À mesma hora, R. van der Weyden (1339-1464) coloca três personagens em movimento no
espaço exterior representado em perspectiva do seu ‘Madalena Reading’.
Through the de-signing and re-signing designs of montage,
one may confront the reader
with the possibility of seeing and hearing
what she would otherwise neither see, nor hear,
with the possibility of making associations,
that otherwise would go unmade,
by subtly demanding that the meaning of each fragment
be enhanced and shifted repeatedly
as a consequence of preceding-fragment echoes
and subsequent-fragment contents.
(Pred, 1997, p.136)
089
9:04:17 (GMT+1) Um visitante Albanês coloca a sua mão na Bocca della Verità, em Roma,
enquanto afirma temerariamente a inevitabilidade da Grande Albânia.
17:09 (GMT+12) Cardona, ilha sul da Nova Zelândia: um pequeno Hyundai alugado pára por
breves instantes na paisagem bucólica. Os turistas despedem-se de algumas peças de roupa
interior, preparam a câmara e registam o momento enquanto vão dançando e enfeitando a Bra
Fence (um estudo recente revela que são tiradas 160 fotografias diárias a esta rede de soutiens!)
A história hipertextual é o espaço aberto pela sua leitura.
E o espaço que se abre chama-se…
13:12 (GMT +1) alguns anos atrás….Inaugura-se a Praça Sony na Potsdamer Platz, Berlim…Nem
nos seus sonhos mais arrojados teria Albert Speer imaginado o novo centro da Europa desta
forma!
14:23:08 (GMT +1) Mais um gesto e rito sensorial que leva a um beijo profano na fita da Madona
Negra de Montserrat.
16:07 (GMT) Ano sim, ano sim…chega a ambulância do INEM para levar três estudantes à
urgência do hospital. Estão em coma alcoólico. Desperdiçarão os bilhetes do concerto dessa
noite, no recinto poeirento pejado de casas de banho plásticas e amovíveis.
A map of the world that does not include Utopia is not even worth glancing at.
(Oscar Wilde, 1895)
22:12 (GMT) Afonso assiste ao Guimarães Jazz, um dos ‘239’ Festivais de Jazz do país (talvez
seja melhor não numerar os Festivais de Música de Verão!). Há mesma hora a irmã Sara ouve
na rádio o programa ‘5 minutos de Jazz’, os únicos 5 minutos em 24 horas em que qualquer
uma das milhentas rádios do país transmite consistentemente um programa de rádio de Jazz
(Ah! nos últimos 40 anos).
19:37 (GMT) Brilhante e cristalino escorre o fio de azeite Galo no anúncio que enche o LCD
gigantesco do café Zéman, logo após a propaganda despudorada de paraísos e experiências
galácticas na venda do “milionário excêntrico” que oblitera misericórdias e comezinhas
solidariedades sociais. A tensão é crescente e o espaço reajusta-se entre o balcão e as mesas
090
de acordo com as configurações clubísticas. O Harpic nunca conseguirá disfarçar a proximidade
da casa de banho de reduzidas dimensões que Bruxelas não aprova.
Montage is transgression
of the (hyper)modern condition(ing)s
out of which it is created.
in demanding new associations, new connections that transcend taken-for-granted meanings,
it also demands transgressions
on the part of those who read it.
(Pred, 1997, p.137)
17.22 (GMT) Castro abandona o carrinho de compras que desliza pelo asfalto breve. Mais uma
vez a porta do carro estroncada no parque do Lidl transforma as “novas” geografias de consumo
numa miragem muitas vezes mal abençoada. Castro dá a moeda ao puto que chega, dá o leite
e dá o carrinho inteiro. Senta-se ao volante assaltado pela paranóia colectiva do Outro figurado
vezes sem conta nesse espaço indefinido que é o Leste. Dorme até amanhecer.
16:32 (GMT+1) Vilaça e a festa do grotesco em Pamplona. As artes performativas dos corpos
em (im)pactos de colisão.
6.33 (GMT) Uma varina peleja desanimadamente com um semáforo que teima em não a deixar
cruzar uma qualquer rua transformada entretanto em rota de atravessamento da cidade.
Intervalo!
Respire
Reflicta
Comece do fim para o início…o mundo também não é linear…não é sequencial…
Os textos são?
A folha tem muitas SEÕÇCERID!
Mas qual a relação de tudo isto com as Novas Geografia da Cultura?
20:10 (GMT) Carlos e o seu parceiro João saem em direcção à Culturgest. Em cartaz está um
recital de piano (Schütz, Kurtág e Messiaen). Maria da Cunha ficou em casa, tentando combater
a experiência contraditória e opressiva de um corpo fora de lugar.
091
Ao mesmo tempo, Quinten Massys (1465-1530) desvelava em Antuérpia a sua última grande
produção retirada do mundo satírico de Erasmus: ‘A Grotest Old Woman’, para uns séculos
mais tarde Alice derramar o chá a ferver sobre a duquesa encartada.
Materially, our bodies circumscribe our existences. In this sense we are sensual beings, ones
that feel, tactilely, emotionally and sensorially. (…) our bodies carry cultural markers that
tag us as aged, racialised, sexed, classed, sexualised, disabled or ill. (…) A radical body politics
has to look beyond the surface, into the space of materiality and discourse, in order to
understand the complexity of journeys of transition.
(Moss e Dyck, 1999, pp.162,163 e 171)
7:52 (GMT -4) Alencar desliza vagueando numa canoa no Amazonas. A selva, a humidade, a
invisibilidade da fauna, o ‘celular’ que não funciona, os rostos de indígenas ‘aturistados’, a
performance dos Tupi-Guarani na véspera, escondem a grande incompreensão das lutas entre
cultura e natureza que se vão envolvendo de discursos globais e ‘primeiro-mundistas’ de
compaixão.
12:40 (GMT) Dâmaso e Sara, estudantes de Belas Artes no Porto, embarcam na Ryan-Air.
Dentro de 50 minutos, e por apenas 26.46€ (taxas incluídas), estão em Barajas. Vão ao Prado
fazer esquiços para um trabalho semestral. Voltam no dia seguinte...
Em 2002, o emprego no sector cultural em Portugal era de 1,4%
(Eurostat, 2005)
23.12 (GMT) Susana e Raquel estão felizes, arranjaram finalmente bilhetes para os seus bebés,
para a casa da música. A família atenta mais um espaço clínico, a busca de uma dose de
genialidade e erudição fornecida pelo átrio panóptico do edifício.
Rurbanização-interstício-deslocalização-fluído-campo/cidade-morbilidade-concentração-
subúrbio-local-contra-urbanização-centro-dispersão-enclave-reabilitação-acessibilidade-
conurbação-policentrismo-cidade-jardim-decliniodifusão-bicefalia-regionalização-hinterland-
circulação-megapolis-crescimento-bidonvilles-densidade-mobilidade-global-periurbanização-
vazio-desindustralização: restless landscapes!…
One does indeed find folds everywhere.
(Gilles Deleuze, 1995, p.156)
092
10:52 (GMT -7) Steve Wynn, acidentalmente perfura o seu quadro ‘Le Reve’, de Picasso, avaliado
em 139 milhões de dólares. Este faz parte da decoração do também seu restaurante Picasso,
onde um chefe espanhol (com um salário declarado de 500,000 dólares/ano) cozinha comida
francesa num hotel cujo tema é a Itália (tudo em Las Vegas). Anteontem o jogo, ontem o
entretenimento, hoje a arte. Afinal o ‘theming’ está passé.
12.05 (GMT) A morte do capitão América e mais uma guerra civil silenciada nas escolas públicas
de Portugal-país.
Há dois Algarves (…)
Orlando Ribeiro (1987, p.1261)
23:15 (GMT) Afinal o filme Rocky Balboa estava a ser projectado na sala ao lado, o ‘caixote’ 21.
O casal de namorados apercebeu-se de que o filme que estava a terminar era o ‘Mosaico
Cultural Global’, um documentário sobre fragmentos quotidianos de espaço-tempo que tem
tido parcas audiências. Por isso estavam sós. Ao lado poucos lugares estavam vazios.
Geography…has meant different things to different people at different times and in different
places.
Livingstone (1992, p.7)
Figura 1: Azurém, Guimarães. Fotografia de João Sarmento (Março, 2007)
093
Conclusões
In the end,
through all of these simultaneous strivings,
through the maneuvered configurations of montages,
through the intercutting of a set of (geographical hi)stories,
through a strategy of radical heterogeneity,
through (c)rudely juxtaposing the incompatible and contradictory,
one may attempt to bring component fragments into mutually illumination,
and thereby startle.
(Pred, 1997, p.136)
JOÃO SARMENTO
Doutor em Geografia pela Universidade de Cork, Irlanda (2001). É Professor na Universidade do Minho desde 1999. Tem
publicado nas áreas da Geografia Cultural, Geografia do Turismo e Pensamento Geográfico. Em 2004 recebeu o prémio
Nacional de Geografia Orlando Ribeiro, pela obra Representation, Imagination and Virtual Space. Geographies of Tourism
Landscapes in West Cork and the Azores. Já leccionou em Timor, Brasil, Irão, Finlândia, Letónia, República Checa,
Espanha e Irlanda. Em 2006 foi co-organizador (com A. F. Azevedo e J.R. Pimenta) do livro Ensaios de Geografia Cultural,
uma obra implicada com a reconceptualização das ideias de espaço, lugar e paisagem.
ANA F. AZEVEDO
Docente e investigadora no Departamento de Geografia do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho. Tendo
realizado o mestrado em Educação Ambiental e no âmbito do projecto Europeu de Investigação que lhe proporcionou
uma bolsa de estudos na Danish Research Academy, esta geógrafa desenvolveu pesquisa em torno das geografias da
infância. Efectuado de 2001 a 2004 na University College London e de 2004 a 2006 na Universidade do Minho, o seu
doutoramento desenvolve a aproximação entre Geografia e Cinema explorando a paisagem como construção cultural,
como ideia e como experiência.
094
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095
1. TEATRO MUNICIPAL DE BRAGANÇA: O PALCO DAS ARTES E A NOVA
FORMA DE ESTAR DE UM PÚBLICO EMERGENTE
Helena Genésio
Bragança foi ao longo de décadas um pólo cultural interessante e vivo que se impôs na aridez
cultural transmontana, constituindo-se como núcleo de saber e de cultura desde o século XVI
quando os jesuítas aqui se instalaram fundando o seu colégio (1562). Bragança assumiu-se,
a, partir de então, como uma cidade estudantil por excelência e criou fortes tradições culturais
no âmbito das artes do espectáculo.
Não obstante, a cidade viu-se nas últimas décadas sem equipamentos culturais capazes de
satisfazer cabalmente as necessidades e as exigências da população, criando um vazio em
termos de oferta e de procura, com uma consequente falta de motivação, interesse e vontade
de usufruir e fruir o consumo de bens culturais.
A construção do Teatro Municipal de Bragança foi um projecto que a autarquia assumiu no
âmbito dos principais objectivos estratégicos no que diz respeito à política cultural, procurando,
deste modo, responder aos anseios mais antigos e profundos dos agentes culturais, da população
da cidade, do concelho e da região e ao mesmo tempo contrariar a tendência quase instalada
de não participação e não intervenção em actividades culturais.
Com o apoio do Programa Operacional de Cultura, a Câmara Municipal de Bragança assumiu
o compromisso de executar o projecto de Planeamento e Programação do Teatro Municipal
097
de Bragança que contemplasse eventos culturais regionais, nacionais e internacionais, de
forma a diversificar e formar públicos, cabendo na sua programação representações teatrais,
artes circenses, novo-circo, dança e música.
Investir na construção de um Teatro é dar lugar nobre à cultura, é investir na educação e na
formação dos cidadãos porque cultura é educação e a educação é a pedra de toque de uma
sociedade mais coesa, mais forte, mais justa, porque cultura é também uma forma, e talvez
a mais nobre, de diálogo entre os povos.
A construção do Teatro Municipal de Bragança, para além de dotar a cidade de uma estrutura
cultural de referência, satisfaz a procura de produtos e bens culturais; incentiva o aparecimento
de hábitos culturais, criando públicos e atraindo grupos sociais diversos; proporciona qualidade
de vida aos cidadãos traduzida na fruição cultural.
Efectivamente com a abertura do Teatro Municipal de Bragança em Janeiro de 2004 uma nova
página se abriu na vida cultural da cidade.
A aposta foi e é na qualidade e na diversidade de propostas cujo objectivo foi/é formar públicos,
educar públicos para num momento seguinte os fixar. Não há um público para o Teatro, há
sim uma diversidade de públicos e cumpre-nos programar actividades que vão de encontro a
esses públicos, oferecendo-lhes propostas capazes de os envolver, de entrar aos poucos na
vida dos bragançanos e estes deverão criar hábito de ir ao Teatro e olhar esta casa como sua.
Entendemos, desde a primeira hora, que a programação tem de ser rigorosa e exigente
pautando-se pela qualidade. Só assim a cultura tem sentido e só assim será veículo de formação
e educação. Não deveremos cair no fácil nem no comercial sem qualidade, escolheremos o
caminho mais difícil, mas também o mais seguro10.
A formação e educação do público está no centro da programação e esta deve permitir que o
público cresça, considerando sobretudo as especificidades dos diferentes públicos nomeadamente
o público infantil e juvenil. Daí que seja fundamental o diálogo com as escolas, com os
educadores, com os professores. A existência de um serviço educativo funcional é fundamental
para que o consumo de bens culturais não fique apenas e só pelo consumo, mas possa produzir
um trabalho anterior e posterior que com toda a certeza trará uma mais-valia a todas as
crianças e jovens, despertando nelas o gosto e o prazer de vir ao Teatro e depois de discutir
o que vê.
Acreditamos que a música, o teatro, a dança, as artes de palco em geral têm um papel
activo na construção de uma sociedade melhor, que assenta na formação e educação de
públicos, particularmente públicos jovens, onde a semente cultural lançada hoje dará o
seu fruto amanhã.
098
Estamos convictos da indiscutível importância das artes e do seu papel na preservação da
diversidade cultural, no desenvolvimento da criatividade e do espírito crítico, do espírito
de iniciativa.
O Teatro Municipal de Bragança é uma estrutura que entra agora no seu quarto ano de
funcionamento efectivo. Proporciona, desde a sua abertura, uma oferta regular de dois
espectáculos por semana. Percebemos desde o início que a oferta era muito maior do que a
procura, mas assumimos o risco, conscientes de que o Teatro tinha de se impor, tinha de se
tornar visível. Aos poucos os bragançanos foram-se aproximando do Teatro. Preocupámo-nos
desde o início em cobrir todas as faixas etárias com especial atenção à Infância e Juventude.
O executivo assumiu esta causa, proporcionando entrada livre e transporte a todas as crianças
do ensino pré-escolar e 1º ciclo da cidade e concelho de Bragança. Oferecemos a este público
um espectáculo por período escolar o que em média faz com que todas as crianças do concelho
venham ao Teatro três vezes por ano.
Para o Teatro Municipal de Bragança foi ainda definido e defendido pelo Executivo a política
do utilizador/pagador, criando contudo um desconto de 50% para estudantes, maiores de 65
anos e grupos. Temos consciência do longo caminho a percorrer, mas acreditamos estar no
caminho certo. Aos poucos os bragançanos vão aderindo às nossas propostas, cultivando o
hábito de vir ao Teatro. A comprová-lo temos uma taxa de ocupação média de sala de 60%.
O nosso mais nobre objectivo é que o Teatro Municipal de Bragança se transforme num lugar
onde as pessoas se sintam bem, assumam esse espaço como um espaço colectivo de prazer,
de fruição, de cultura. Só esta relação com o espaço dará ao Teatro a sua personalidade
exemplar.
Acreditamos que a existência do Teatro Municipal de Bragança tem vindo a alterar a atitude
dos bragançanos em relação ao consumo dos bens culturais; o Teatro como espaço de convívio,
de fruição, de cultura é já uma realidade do quotidiano de muitos. Hoje a fruição de bens
culturais está mais próxima dos cidadãos; esta proximidade deve-se sobretudo à existência
dos novos equipamentos culturais. O acesso à cultura descentralizou-se, democratizou-se.
Como programadores dos novos espaços culturais temos a missão de escolher um conjunto
de propostas artísticas cuja escolha depende de critérios e convicções que passam pela
consciência do papel da arte em geral e das artes de palco em particular na vida das pessoas,
das comunidades. Por isso, procurámos desde o início apresentar uma programação criteriosa
acreditando que a arte e as manifestações artísticas têm um papel activo na construção de
uma sociedade melhor. É nisto que acreditamos. É por este caminho que seguimos.
099
HELENA GENÉSIO
Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas – Estudos Portugueses e Franceses pela Faculdade de Letras da
Universidade do Porto.
Mestre em Literatura Portuguesa Contemporânea pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova
de Lisboa.
Professora adjunta do quadro de pessoal docente da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Bragança
– (departamento de português).
Directora do Teatro Municipal de Bragança desde 2003 (em regime de requisição).
Fundadora e Directora Artística do Teatro de Estudantes de Bragança.
100
2. TIMES ARE CHANGING
Vítor Nogueira
O mapa cultural do País mudou radicalmente na última meia dúzia de anos, sobretudo no que
diz respeito ao conjunto de infra-estruturas de qualidade disponíveis. Aproveitando um importante
fluxo de fundos comunitários, é justo destacar o esforço que o Estado central desenvolveu
nesta matéria, através de sucessivos governos. Bem sabemos, todavia, que os investimentos
não se esgotam nos edifícios construídos. Estará o mesmo Estado suficientemente preparado
para esta nova realidade e para o que ela a partir de agora implica? Receio que não. Têm sido
ténues os sinais, as medidas apresentadas para colaborar no esforço de consolidação da rede
entretanto constituída, medidas assentes em mecanismos pesados, pouco ambiciosos quando
confrontados com a grandeza dos novos equipamentos, tímidos projectos de que é exemplo
o recente programa Território Artes.
Entretanto, espera-se. Espera-se pelo Estado. Espera-se que sejam postas no terreno, com
equilíbrio e eficácia, as anunciadas medidas de apoio às entidades que vêm assumindo a
programação desses importantes recintos culturais.
Em Vila Real, onde trabalho, tem vindo a ser realizado, com especial ênfase nos últimos quatro
ou cinco anos, um grande investimento na área da cultura. Esse investimento traduziu-se, por
exemplo, na construção do Teatro Municipal, mas também do Conservatório Regional de
Música, da Biblioteca e do Arquivo municipais.
No que se refere ao Teatro de Vila Real, concretamente, foi possível garantir, nestes três anos
que decorreram desde a sua abertura, um orçamento capaz de possibilitar uma agenda
dinâmica, que por seu turno procura ter por base eventos de grande qualidade, programando
não para maiorias, mas para muitas minorias – talvez a melhor maneira de assegurar aquilo
a que se costuma chamar serviço público.
E, não obstante, foi possível conquistar um público assíduo e participativo. No ano de 2006, por
exemplo, o Teatro apresentou 381 espectáculos e recebeu mais de 65 mil espectadores, de
um total de 276 mil visitantes. A taxa média de ocupação das salas atingiu 91,7%. Esta apetência
cultural da região trouxe consigo um novo objectivo, o da consolidação de públicos,
simultaneamente a principal tarefa com que agora se depara o equipamento. De resto, a
formação e consolidação de públicos é sempre uma tarefa sem fim à vista.
101
A gestão do Teatro de Vila Real tem estado a cargo de uma empresa municipal constituída
para o efeito. Essa empresa tem vindo a estabelecer protocolos com muitas entidades, de
modo a promover dentro e fora das portas do Teatro actividades culturais programadas em
conjunto com cada vez mais instituições públicas e privadas. Para além de inúmeras parcerias
pontuais, é crescente a cooperação com instituições da região e de outros pontos do País, com
vista à produção de eventos marcantes, capazes de tirarem partido da aplicação de uma
economia de escala.
Acima de tudo, dir-se-ia que a estratégia do Teatro de Vila Real não se limita a inserir eventos
nos diferentes ciclos da sua programação. É que a identidade de um centro cultural desta
envergadura não se constrói sem dedicar uma atenção particular aos processos de criação
artística.
Com todas as dificuldades inerentes aos concelhos do interior, o Teatro de Vila Real tem
conseguido, sem se colocar em bicos de pés, mas também sem falsas modéstias, marcar de
forma indelével a cultura na região em que se insere. Mas, em Vila Real como em tantas outras
cidades do País, este desempenho só parece sustentável se os organismos nacionais estiverem
em sintonia e apoiarem significativamente os equipamentos culturais de cada distrito.
E, assim, talvez valha a pena salientar que as actividades realizadas em Vila Real, como de
resto acontece noutras cidades, não se limitam a promover a descentralização cultural, não
se limitam a facilitar o acesso à cultura do público potencial de uma determinada região. Elas
são também parte importante do apoio à criação artística em Portugal, não só na medida em
que se co-produz localmente, mas também na medida em que se acolhem as novas produções
de inúmeros agentes nacionais. É importante que isto seja reconhecido e possa também ser
apoiado pelo Estado central, dado tratar-se, antes de mais, de um contributo local para o vigor
do panorama artístico de todo o País.
Do mesmo modo que o Estado reconheceu a importância, para a coesão nacional, de se
construir equipamentos culturais descentralizados, traduzindo-se o reconhecimento dessa
importância em investimentos financeiros, é necessário que se veja o funcionamento desses
equipamentos e a sua programação como igualmente importantes para a coesão nacional,
para a redução das assimetrias regionais. E é necessário que o reconhecimento dessa
importância se traduza, de novo, em claros investimentos financeiros, no co-financiamento
das programações, apoiando redes (sem todavia pretender que os recintos culturais percam
102
a sua identidade por se constituírem como meras caixas de ressonância dos seus congéneres).
Tudo isto de modo a assegurar a viabilidade dos equipamentos construídos e a continuidade
do trabalho feito até aqui. Não são só as cidades, os concelhos, as regiões que ganham com
isto; é todo o País, de facto.
VÍTOR NOGUEIRA
É director do Teatro de Vila Real e coordenador dos Serviços de Cultura do Município de Vila Real. É mestre em Filosofia
pela Universidade do Minho. Tem obra publicada nos domínios da poesia, da ficção e do ensaio.
103
3. CORPOS CULTURAIS
Paulo Brandão
“Nós somos meros mortais, mas o teatro é tão eterno como a própria vida”.
Sultão Bin Mohammed Al Qasimi
Como espectador, comecei a minha actividade nos idos anos 80, tempo de adolescente,
praticamente confinado ao local onde vivia: Vila Nova de Famalicão. As tardes de fim-de-
-semana eram passadas no CineTeatro Augusto Correia, entretanto demolido, onde naturalmente
só o cinema existia. Ou quase.
Uma avaliação mesmo que primária do panorama actual da actividade cultural na região levará
a concluir que ele se alterou grandemente nos últimos dez anos, sendo hoje possível afirmar
que, de uma situação de falta de espectáculos no início da década de 90, se passou para uma
abundância no novo milénio.
Podemos ainda afirmar que a fartura hoje existente é geral, alargando-se a todo o território
nacional, sendo rara a cidade que não possui um equipamento cultural, fruto, obviamente, da
criação da Rede Nacional de Teatros e CineTeatro e da Rede Municipal de Espaços Culturais,
lançadas em 1999. Na generalidade, equipamentos com ampla oferta de títulos nas áreas da
dança, do teatro, da performance, das músicas, das artes plásticas, muitas com departamentos
ou valências nas áreas pedagógicas e educativas, que trabalham, sobretudo, a pensar na
criação de públicos. Atitude moderna e cosmopolita, colocando-nos assim a par da actualidade
da criação contemporânea e fazendo parte do circuito nacional e internacional, permitindo aos
públicos acompanhar os mais variados percursos criativos, nacionais e estrangeiros, com
acesso ao que de mais pertinente existe.
Para sublinhar esta alteração da paisagem cultural, sobretudo a Norte, poderíamos marcar
algumas das estruturas natas: Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão (2001), Centro de
Artes do Espectáculo de Portalegre (2006), Centro Cultural Vila Flor (Guimarães, 2005), Teatro
Municipal da Guarda (2005), Teatro Municipal de Bragança (2004), Teatro Municipal de Faro
(2005), Teatro de Vila Real (2004), Teatro Virgínia (Torres Novas, 2005) e Theatro Circo de Braga
(2006). Paisagem fértil, mas ainda em mutação, pois há espaços actualmente em construção,
como é o caso do CineTeatro Neiva (Vila do Conde).
Apesar da excelente programação da pluralidade dos equipamentos citados, certo é que a
maioria anda ainda à procura do modelo de gestão ideal, consolidando caminhos para a estreita
104
relação com as autarquias e seus objectivos, além de exigir do Ministério da Cultura uma maior
atenção. A programação cultural como ferramenta de reconfiguração dos territórios culturais
tem um poder enorme e tem vindo a transformar as cidades – isso é indesmentível –, embora
seja ainda prematuro avaliar qual o verdadeiro impacto na vidas das pessoas.
Autêntico é que, nos métodos de trabalho, as coisas têm evoluído francamente. Tome-se como
exemplo o teatro e as redes de programação, sejam elas formais ou informais, onde as
companhias procuram encontrar uma alternativa aos apoios e subsídios do Ministério da
Cultura, de que estavam inteiramente dependentes, assegurando uma série de datas pelo país
que, no seu todo, suportam os custos de produção (assumindo, por vezes, essas estruturas o
papel de co-produtores). Ou seja, às companhias não chega a fixação ao local onde residem
(e fixação terá aqui um duplo sentido), pois o bolo dos equipamentos garante, na realidade, a
sustentação financeira dos projectos.
O mesmo acontece a título internacional, por vezes. A existência de um dos eventos em que
estive envolvido como programador, a última tournée internacional de Anthony and Johnsons
e o espectáculo “Turning”, dependeu também do Theatro Circo (do seu financiamento), a par
de casas como o Barbican de Londres e o Olympia de Paris; ou ainda o arranque na Europa
de um projecto norte-americano, “Yard Dogs Road Show” – espectáculo de circo-cabaret –,
só possível porque se somaram Lisboa, Portalegre e Braga.
O apagamento do Porto e o caos de Lisboa são no entanto sintomáticos e preocupantes, porque
centros de decisão (e de absorção financeira). Sobretudo Lisboa, que por vezes desconhece a
realidade e a importância dos “novos” equipamentos. O Ministério da Cultura tem evoluído no
sentido positivo, observando e reconhecendo o trabalho dos diferentes espaços e criando apoios
e instrumentos. O mais recente, o Programa Território Artes ou, ainda em fase de arranque,
o Acordo Tripartido (decreto-lei nº 225/2006 de 13 de Novembro). Não há dados agora que
possam auferir uma avaliação, sendo que o dinheiro existente leva muitos dos programadores
a torcer o nariz. Basta pensar na estranha dotação orçamental para a cultura do actual governo
de José Sócrates, quando observações de Bruxelas, muito recentes, na voz de Durão Barroso,
apontam para a valorização da cultura na Europa ou, se quisermos, da cultura europeia
identitária: “O nosso sonho lúcido na Europa deve ser este: um novo humanismo para uma
globalização com os nossos valores”.
A cultura é um poderoso componente do processo de formação de identidades e da auto-
-estima dos povos. A globalização da cultura e as intersecções global/local estão na ordem
do dia e são item primeiro nos grandes debates sobre o tema. A programação, como expressão
máxima de um espaço de cultura, deve por isso elevar a pesquisa, a experimentação, a criação
e inovação artísticas.
105
Nesse sentido, devemos pensar os equipamentos como “corpos culturais” ou “centros de
afectos”, ao longo do tempo criando os seus perfis, jogando (novamente este verbo, a pensar
no Francês, “joué”) com a realidade local, potenciando as redes nacionais, ganhando expressão
nacionalmente e criando a diferença para a Europa.
Neste contexto, os centros de decisão têm um papel vital, sobretudo as autarquias, modelares
na boa gestão dos equipamentos culturais, embora também apresentem exemplos negativos,
como é o caso do Rivoli Teatro Municipal. Nesta matéria, é fulcral o trabalho de topo do
Ministério da Cultura, cujo o orçamento de que é dotado está longe de permitir a adequada
sustentação necessária ao eficaz funcionamento dos espaços existentes, absolutamente
capitais, a par de outras políticas, para a valorização cultural dos portugueses e de Portugal.
PAULO BRANDÃO
Vila Nova de Famalicão, Agosto de 1967. Curso de Interpretação da Academia Contemporânea do Espectáculo (Porto).
Estágio em Teatro Naturalista na The Arden School of Theatre (Manchester). Licenciatura em Estudos Portugueses na
Universidade do Porto (frequência). Teatro Nacional S. João (Porto), Produção e Direcção de Cena (cerca de 8 anos).
Director/Programador da Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão, entre 2002 e 2006. Actualmente: Director Artístico
do Theatro Circo de Braga (desde Maio de 2006).
106
4. TEATRO MUNICIPAL DE FARO, UM TEATRO AO SUL.
Anabela Afonso
Nasci e cresci no Algarve e desde cedo senti as limitações de viver numa região com uma
escassa oferta cultural, tanto do ponto de vista de espaços de circulação de espectáculos como
da oferta formativa nas áreas da música, teatro e dança. Nos anos passados em Lisboa, durante
a vida universitária, apercebo-me de forma mais concreta dos efeitos provocados pela ausência
de hábitos e práticas culturais na minha cidade.
Da diferença de interesses que os jovens da minha idade demonstravam em Lisboa e daquilo
que me recordava serem os interesses e as conversas dos jovens da minha idade que comigo
cresceram. Desde aí não mais me largou o desejo de um dia poder vir a dar um contributo no
sentido de diminuir estas diferenças, só não imaginava como.
Quando em 2000 me foi colocada a possibilidade de integrar a equipa que iria pôr de pé o
projecto do Teatro Municipal de Faro, não hesitei na resposta. Finalmente chegara a oportunidade
de, profissionalmente, contribuir para algo que poderia vir a ter um impacto objectivo nos
hábitos de vida da população da cidade.
Gradualmente fui tendo a percepção de que este não era um projecto pacífico para a comunidade
farense, facto que me pareceu constituir uma evidência clara da urgência da sua construção
e da sua efectiva utilidade.
Questionava-me como seria possível numa região considerada por muitos o cartão de visita
de Portugal, pelo seu peso turístico, não haver, à entrada do século XXI, um equipamento
cultural de média dimensão, havendo ainda uma parte considerável da população local que
não o considerava sequer necessário.
Este aparente afastamento de alguns sectores da população local para o domínio das artes
não era mais do que o resultado da longa ausência de uma política e estratégia de desenvolvimento
cultural para o país, a qual, como em todos os outros sectores da vida social, se fazia sentir
de forma mais acentuada nas regiões geograficamente mais afastadas dos grandes centros
urbanos do Porto e Lisboa.
Face a esta situação, o impacto do Teatro Municipal de Faro na cidade e na região do Algarve,
107
deve ser avaliado muito para além dos dados estatísticos que normalmente são apresentados
neste tipo de situações, mas aos quais será inevitável fazer referência. Em 2006, o Teatro
Municipal de Faro acolheu um total de 80 espectáculos, com 110 sessões, distribuídos pelas
diferentes disciplinas artísticas da seguinte forma: 11 espectáculos de Teatro, 50 de Música,
13 de Dança, 4 de Cinema e 2 de Novo Circo.
Dos 80 espectáculos referidos, 22 deles (num total de 34 sessões) realizaram-se no âmbito
da programação do Serviço Educativo, abrangendo as várias disciplinas artísticas já referidas.
Assistiram a estes espectáculos 38.352 espectadores, 6.581 dos quais, via Serviço Educativo.
Estes números totalizam uma taxa média de ocupação do Teatro Municipal de Faro, durante
o ano de 2006, na ordem dos 55%.11
Por si só, estes números não dirão grande coisa, até porque a sua interpretação e validação
científica exigiria que tivessem como base um estudo de públicos do Teatro que ainda não foi
feito. Mostram-nos, no entanto, que um ano após a abertura do espaço, o público continua a
aderir e a justificar a sua existência.
Para além dos números, existem outros dados que podem indicar a importância que esta
estrutura pode vir a ter enquanto factor de mudança social e cultural do território. Um deles
está relacionado com a possibilidade de contacto entre os inúmeros profissionais do espectáculo,
entre actores, bailarinos, músicos e técnicos que neste quase ano e meio passaram (e que
continuarão a passar) por Faro, e a inevitável troca de experiências com os profissionais locais,
consolidando assim um sector profissional emergente, mas em crescimento. Também do
ponto de vista económico este equipamento representa uma mais-valia para a cidade,
considerando o consumo que os milhares de pessoas que por aqui passaram já realizaram
em hotéis, bares, lojas, etc.
A progressiva profissionalização nas diferentes áreas circundantes do espectáculo é outro
contributo do Teatro Municipal de Faro. A partir da sua abertura, um sem número de jovens
passa a ter a possibilidade de poder contar com actividades periféricas, como meio de sustento
profissional mais ou menos regular, como sejam as de carregadores, assistentes de sala,
distribuidores de publicidade ou simplesmente o apoio pontual enquanto assistentes de figurinos,
assistentes de cena, etc.
Esta proximidade, ainda que através de uma actividade “paralela” não regular, conduz também
de forma muito clara para um estreitar do contacto destes jovens com o mundo das artes,
permitindo-lhes, ao mesmo tempo que trabalham e retiram daqui algum proveito económico,
ter a oportunidade de contactar com actores, sonoplastas, luminotécnicos, cenógrafos,
108
coreógrafos e outros profissionais do espectáculo, que muitas vezes lhes servem de modelo
ou referência.
Penso, no entanto, que o pretendido, neste caso particular, é a análise de um ponto de vista
mais pessoal e subjectivo, do programador, e das expectativas existentes em relação a uma
série de opções que necessariamente se tomam quando um espaço de acolhimento de
espectáculos propõe ao seu público determinada oferta cultural em detrimento de outra. Deste
ponto de vista, é preciso ter em atenção que as opções que se tomam ao programar, são
também elas condicionadas por uma série de factores que muitas vezes vão muito para além
do puro critério estético e do gosto pessoal de quem programa. É óbvio que o gosto pessoal
estará sempre presente, em graus diferentes, em qualquer programa de qualquer teatro, no
entanto, quem trabalha nesta área sabe que factores como a disponibilidade financeira, o
equilíbrio e diversidade das áreas e disciplinas artísticas apresentadas, o processo interno de
decisão das estruturas, entre outros, condicionam em grande parte o resultado final apresentado
ao público.
Passado tão pouco tempo, será ainda cedo para dizer efectivamente qual o impacto do Teatro
Municipal de Faro no tecido cultural da região do Algarve, pois este tipo de alterações sociais
só se consegue medir no médio e longo prazo. Não seria justo, naturalmente, deixar de referir
que antes do aparecimento do novo teatro, outras estruturas e agentes marcaram a cidade e
a região, com contributos imprescindíveis ao seu desenvolvimento cultural no que respeita,
em particular, às artes de palco. Falo, entre outras, do aparecimento da primeira companhia
de teatro profissional do Algarve, a ACTA em 1998, do surgimento do CAPA, Centro de Artes
Performativas do Algarve, que continua a desempenhar um papel singular e de extrema
importância na divulgação e formação de públicos para a dança contemporânea, não esquecendo,
obviamente, o papel que o próprio Teatro Lethes tem vindo a desempenhar enquanto a mais
antiga sala de espectáculos da cidade, embora com algumas interrupções na sua actividade.
Em termos imediatos, a grande diferença que penso ser legítima apontar é que, com o Teatro
Municipal de Faro, a cidade passou a deter um espaço de apresentação regular de espectáculos,
com uma equipa profissional dedicada exclusivamente à programação, produção, divulgação
e montagem dos mesmos. A existência de uma oferta cultural regular de qualidade traz consigo
o reconhecimento, por parte de estruturas idênticas doutros pontos do país, de um parceiro
ao sul, uniformizando pela primeira vez o território nacional em termos de actividade cultural.
Finalmente, surge a possibilidade de, por Faro e pelo Algarve, poderem passar os mesmos
109
espectáculos que normalmente passam por Lisboa e pelo Porto, sem constrangimentos de
ordem técnica ou cénica, que normalmente a adaptação de espaços não vocacionados para
acolher espectáculos provoca. Isto contribui também, ainda que não de forma absolutamente
consciente, para a consolidação da identidade cultural da região, reforçando a auto-estima da
população local que deixa de se sentir à margem do que se passa no resto do país.
Mas o desenvolvimento cultural de uma região mede-se também pela sua capacidade de
afirmação ao nível da criação artística e, neste domínio, o Algarve ainda tem um longo caminho
a percorrer, colocando-se aqui, talvez, o maior desafio ao Teatro Municipal de Faro, e daquele
que será o seu sector de actividade mais sensível e com impacto mais directo nos futuros
hábitos culturais da cidade, o Serviço Educativo.
Desde a sua criação, o Serviço Educativo do Teatro Municipal de Faro tem centrado a sua
actividade em torno da sensibilização dos mais jovens em particular, e da comunidade em
geral, para as artes de palco. Este trabalho tem vindo a ser feito através da programação de
espectáculos direccionados a faixas etárias mais específicas, mas, sobretudo, através da
realização de ateliers temáticos direccionados e adequados às diversas franjas de público, nas
áreas da música, da filosofia, da dança, da expressão corporal, do teatro, etc. O Serviço Educativo
privilegia as actividades com pequenos grupos de trabalho, por acreditar que, apesar de demorar
mais tempo a atingir um maior número de pessoas, o resultado será mais eficaz e duradouro.
É o resultado deste trabalho, silencioso e lento, que se espera venha a provar, nos próximos
anos, sem sombra de dúvida, o quanto era necessário o Teatro Municipal de Faro.
ANABELA AFONSO
Licenciatura em Relações Internacionais, pela Universidade Lusíada de Lisboa em 1995. Especialização pós-licenciatura
em Gestão Cultural, pela Universidade do Algarve em 2000.
É actualmente assistente de direcção e programação do Teatro Municipal de Faro.
110
AGUILETA, Iñaki López – Cultura y Ciudad: manual de
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Figueirinhas, 2006.
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA
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SITES DE INTERESSE
http://www.juntadeandalucia.es/cultura/peca/servlet/d
escarga?up=701
Neste site pode-se aceder ao Plano Estratégico para a
Cultura da Cidade de Buenos Aires – Diagnóstico e
Formulação Estratégica cuja elaboração se baseou numa
metodologia participativa de fixação de objectivos e de
formulação de estratégias.
http://www.juntadeandalucia.es/cultura/peca/publico/i
ndex.jsp
Plano Estratégico para a Cultura de Andaluzia. Documento
Estratégico para 10 anos – 2005-2015
Este site permite aceder aos vários documentos de
discussão e formulação do PECA – Plano Estratégico para
a Cultura da Andaluzia. A Conselheria de Cultura da Junta
de Andaluzia dinamizou a realização deste Plano
Estratégico, concebido como um documento estratégico
integral que fixa as linhas mestras da política cultural
autonómica para os próximos dez anos, com o objectivo
de “definir orientações estáveis, democráticas e
participativas que permitam melhorar a qualidade de vida
dos andaluzes e andaluzas”.
http://www.diba.es/cerc/assessorament.asp
Este site do Centro de Estudos e Recursos Culturais da
Diputació de Barcelona apresenta um conjunto muito vasto
de Plano Estratégicos e Planos de Acção para a Cultura
realizados para o território espanhol, elaborados segundo
processos participados com envolvimento dos agentes
culturais.
http://www.maestrazgo.org
Neste site poder-se-á encontrar informação sobre o Parque
Cultural do Maestrazgo, que corresponde a um território
de 42 municípios aragoneses e constitui uma experiência
inovadora de criação e gestão de um Parque em que o
património cultural e natural se definem como um elemento
de identidade colectiva.
http://www.eurocult.org
Nesta página poder-se-ão encontrar as últimas notícias
no que se refere a cooperação cultural, a boas práticas de
cooperação cultural europeia, a oportunidades de
mobilidade e financiamento europeu e ainda uma livraria
virtual e centro de recursos.
LISTA DE CHAMADAS DA OBRA
01Eduard Miralles – “Elements de reflexió sobre la cultura, el territori i la proximitat”, in Pla Estratègic de Cultura de
Barcelona, Barcelona, 2006 (documento de trabalho).
02Para uma discussão sobre esta questão veja-se, por exemplo, Costa, Magalhães, Vasconcelos e Sugahara, 2006.
03Veja-se análise específica da intervenção municipal e sua evolução, Neves, 2000 e Cabral Ferreira /CCRN, 1999.
04Para uma análise mais exaustiva, embora já mais desactualizada, de territorialização dos indicadores estatísticos
disponíveis para o sector no país, e sua evolução, veja-se Costa, 2003.
05Tratamento de informação estatística e quantitativa (não necessariamente exaustiva) com fontes diversificadas cujo
tratamento é da responsabilidade dos autores.
06Anexo 1: Delimitação do sector cultural e criativo, aproximando da proposta de delimitação do sector que o estudo
recentemente publicado pela Comissão Europeia, KEA, The Economy of Culture in Europe, 2006, apresenta.
07Foi utilizada a edição do Pisa-Papéis de 2006.
08Recorde-se que esta fonte disponibiliza o emprego por conta de outrem formalizado, que não é a regra em muita da
actividade artística e criativa, sobretudo aquela que se organiza mais em torno de projectos concretos do que em relações
contratuais estáveis com uma entidade empregadora fixa.
09Os dados relativos ao Programa Operacional da Cultura são referentes a acções apoiadas até 30 de Setembro de 2006,
respeitantes apenas a projectos promovidos num único concelho e classificadas segundo as quatro medidas – Recuperação
e animação dos sítios históricos e culturais, Modernização e dinamização dos museus nacionais, Criação de uma rede
fundamental de recintos culturais e Utilização das novas tecnologias de informação para acesso à cultura, dados disponíveis
no site do programa, www.poc.min-cultura.pt. No que se refere aos dados referentes aos Programas Operacionais
Regionais, usaram-se apenas os dados referentes às medidas específicas para a cultura, do Eixo 3. Ainda dentro deste
caso, foram considerados apenas os projectos cujo executor respeita apenas a um concelho, excluindo, portanto, os
projectos apoiados dentro destas medidas mas com um âmbito sub-regional ou regional. Neste último caso, foram ainda
tratados valores globais de investimento total para esses mesmos projectos
10Muitas vezes, fomos acusadas de elitista por assim pensarmos. A melhor resposta encontramo-la em George Steiner:
“É essencial ser elitista – mas no sentido original da palavra: assumir responsabilidade pelo «melhor» do espírito humano.
Uma elite cultural deve ter a responsabilidade pelo conhecimento e preservação das ideias e dos valores mais importantes,
pelos clássicos, pelo significado das palavras, pela nobreza do nosso espírito. Ser elitista, como explicou Goethe, significa
ser respeitador: respeitador do divino, da natureza, dos nossos congéneres humanos e, assim, da nossa própria dignidade
humana” in: A Ideia de Europa; 3ª edição; Janeiro 2006; Gradiva Publicações Lda; Lisboa; página 17.
11Dados retirados dos relatórios de bilheteira e de frente de casa do Teatro Municipal de Faro
115
FICHA TÉCNICA
Editor
SETEPÉS
Título
Gestão Cultural do Território
Coordenação Editorial
J. Henrique Praça
Susana Marques
Coordenação Científica
João Teixeira Lopes
Coordenação da publicação
José Portugal
Susana Marques
Autores
Ana F. Azevedo Manuela de Melo
Anabela Afonso Paulo Brandão
Elisa Babo Pedro Costa
Helena Genésio Roberto Gómez de la Iglesia
João Sarmento Vítor Nogueira
Luiz Oosterbeek
Revisão de textos
Ana Telma Botas
Assistente Editorial
Márcia Pinto
Design
Carlos Mendonça
Pré-Impressão, Impressãoe Acabamentos
Empresa Diário do Porto, Lda.
1ª Edição, 2007. Porto
ISBN: 978-972-99312-5-3
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Tiragem: 500 ex.
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