gerenciamento integrado das inundações urbanas no brasil...61 tucci, c. e. m.. gerenciamento...

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RESUMO: O desenvolvimento urbano tem le- vado as cidades da América Latina a um cenário de deteriorização da qualidade de vida e do im- pacto ambiental. Este processo ocorre devido a falta de controle do espaço urbano que produz efeito direto sobre a infra-estrutura de água: abas- tecimento, esgotamento sanitário, drenagem ur- bana e inundações ribeirinhas e resíduos sólidos. As inundações urbanas são resultado do uso de solo de risco e/ou da ampliação das cheias na dre- nagem urbana devido a impermeabilização do solo. Praticamente não existe política de gestão destes problemas no Brasil e em muitos países da Améri- ca Latina, e, quando existe, é equivocada. O artigo destaca os problemas, as políticas inadequadas e desenvolve os elementos fundamentais para uma política sustentável de gerenciamento das inunda- ções baseada em mecanismos legais e econômicos. PALAVRAS-CHAVE: Gerenciamento, inunda- ção, urbana. ÁGUAS URBANAS O desenvolvimento urbano nos países em desenvolvimento tem sido realizado de forma insustentável com deterioração da qualidade de vida e do meio ambiente. Este processo é ainda mais significativo na América Latina onde 77% da população é urbana (48% a nível mundial). Existem 44 cidades na América Latina com po- pulação superior a 1 milhão de habitantes (de um total de 389 cidades do mundo, UNITED, 2003). O crescimento das cidades, que ocorreu principalmente depois da década de 70 nos países em desenvolvimento, tem sido realizado sem um planejamento adequado da ocupação do espaço. A urbanização é espontânea, o pla- nejamento urbano é realizado apenas para a parte da cidade ocupada pela população de média e alta renda, enquanto que para as áreas de baixa renda e de periferia o processo se dá Gerenciamento integrado das inundações urbanas no Brasil Carlos E. M. Tucci de forma irregular ou clandestina. Isto é decor- rência de vários fatores, entre os quais: (a) o valor da propriedade comerciável não é sufici- ente para implementar a infra-estrutura exigi- da ou esperada; (b) a população que migra para as cidades geralmente é de baixa renda e ocu- pa as áreas de risco de inundação ou de desliza- mento, desprezada pelo restante da população; (c) déficit de emprego, renda e de moradia é alto em toda a América Latina; (d) as proprie- dades do Estado (município, Estado ou Fede- ração) são invadidas como forma de pressão social e política; (e) legislações equivocadas de controle do espaço urbano; (e) incapacidade do município de planejar e investir no desen- volvimento do espaço seguro e adequado como base do desenvolvimento urbano; (f) crise eco- nômica nos países e no Estado. ABSTRACT: Urban development of Latin Ame- rican cities has been an unsustainable trend lea- ding to deterioration of quality of life and incre- ased environmental impact. This process is due to the lack of control on the urban land use which has a direct impact on urban waters facili- ties such as: water supply, waste control, urban drainage and flood plains and total solids. Urban floods have been the result of flood plain occupation and/or increased impermea- ble surfaces and canalization of natural rivers. No management policy exists for these proble- ms in Brazil and many Latin American countri- es, and when it does exist it is not appropriate. This paper presents the problems and unsound policies, and develops sustainable flood mana- gement policies based on legal and economic mechanisms. KEY-WORDS: Management, floods, urban.

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RESUMO: O desenvolvimento urbano tem le-vado as cidades da América Latina a um cenáriode deteriorização da qualidade de vida e do im-pacto ambiental. Este processo ocorre devido afalta de controle do espaço urbano que produzefeito direto sobre a infra-estrutura de água: abas-tecimento, esgotamento sanitário, drenagem ur-bana e inundações ribeirinhas e resíduos sólidos.

As inundações urbanas são resultado do uso desolo de risco e/ou da ampliação das cheias na dre-nagem urbana devido a impermeabilização do solo.Praticamente não existe política de gestão destesproblemas no Brasil e em muitos países da Améri-ca Latina, e, quando existe, é equivocada. O artigodestaca os problemas, as políticas inadequadas edesenvolve os elementos fundamentais para umapolítica sustentável de gerenciamento das inunda-ções baseada em mecanismos legais e econômicos.

PALAVRAS-CHAVE: Gerenciamento, inunda-ção, urbana.

ÁGUAS URBANAS

O desenvolvimento urbano nos países emdesenvolvimento tem sido realizado de formainsustentável com deterioração da qualidade devida e do meio ambiente. Este processo é aindamais significativo na América Latina onde 77%da população é urbana (48% a nível mundial).Existem 44 cidades na América Latina com po-pulação superior a 1 milhão de habitantes (deum total de 389 cidades do mundo, UNITED,2003). O crescimento das cidades, que ocorreuprincipalmente depois da década de 70 nospaíses em desenvolvimento, tem sido realizadosem um planejamento adequado da ocupaçãodo espaço. A urbanização é espontânea, o pla-nejamento urbano é realizado apenas para aparte da cidade ocupada pela população demédia e alta renda, enquanto que para as áreasde baixa renda e de periferia o processo se dá

Gerenciamento integradodas inundações urbanas no Brasil

Carlos E. M. Tucci

de forma irregular ou clandestina. Isto é decor-rência de vários fatores, entre os quais: (a) ovalor da propriedade comerciável não é sufici-ente para implementar a infra-estrutura exigi-da ou esperada; (b) a população que migra paraas cidades geralmente é de baixa renda e ocu-pa as áreas de risco de inundação ou de desliza-mento, desprezada pelo restante da população;(c) déficit de emprego, renda e de moradia éalto em toda a América Latina; (d) as proprie-dades do Estado (município, Estado ou Fede-ração) são invadidas como forma de pressãosocial e política; (e) legislações equivocadas decontrole do espaço urbano; (e) incapacidadedo município de planejar e investir no desen-volvimento do espaço seguro e adequado comobase do desenvolvimento urbano; (f) crise eco-nômica nos países e no Estado.

ABSTRACT: Urban development of Latin Ame-rican cities has been an unsustainable trend lea-ding to deterioration of quality of life and incre-ased environmental impact. This process is dueto the lack of control on the urban land usewhich has a direct impact on urban waters facili-ties such as: water supply, waste control, urbandrainage and flood plains and total solids.

Urban floods have been the result of floodplain occupation and/or increased impermea-ble surfaces and canalization of natural rivers.No management policy exists for these proble-ms in Brazil and many Latin American countri-es, and when it does exist it is not appropriate.This paper presents the problems and unsoundpolicies, and develops sustainable flood mana-gement policies based on legal and economicmechanisms.

KEY-WORDS: Management, floods, urban.

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O município consegue apenas controlar asáreas de médio e alto valor econômico comregulamentação do uso do solo, onde estabe-lece a cidade formal. Mesmo neste ambientede controle do espaço urbano o desenvolvi-mento da infra-estrutura é realizado de for-ma setorial, ou seja, considera apenas o som-breamento dos edifícios e o tráfego no pla-nejamento urbano, sem avaliar o impacto dainfra-estrutura de água, o que tem levado aosseguintes impactos: (a) a falta de tratamentode esgoto: grande parte das cidades da região,não possuem tratamento de esgoto e lançamos efluentes na rede de esgotamento pluvial,que escoa pelos rios urbanos (maioria das ci-dades brasileiras); (b) outras cidades optarampor fazer as redes de esgotamento sanitário(muitas vezes sem tratamento), mas não rea-lizaram o esgotamento pluvial, sofrendo fre-qüentes inundações com o aumento da im-permeabilização (exemplos de partes de San-tiago, Barranquilla); (c) ocupação do leito deinundação ribeirinha, sofrendo freqüentesinundações; (d) impermeabilização e canali-zação dos rios urbanos com aumento da va-zão de cheia (até sete vezes) e sua freqüênciae prejuízos devido a inundação; (e) aumentoda carga de resíduos sólidos e da qualidadeda água pluvial sobre os rios próximos dasáreas urbanas.

Mesmo dentro do âmbito das áreas urbanas,existe uma visão limitada do que é a gestão in-tegrada deste recurso e grande parte dos pro-blemas destacados acima foram gerados por umou mais dos aspectos destacados a seguir:

falta de conhecimento generalizado sobre o as-sunto: da população e dos profissionaisde diferentes áreas que não possuem in-formações adequadas sobre os problemase suas causas. As decisões resultam emcustos altos, onde algumas empresas seapoiam para aumentar seus lucros. Porexemplo, o uso de canalização para dre-nagem é uma prática generalizada noBrasil, mesmo representando custosmuito altos e geralmente tendem a au-mentar o problema que pretendiam re-solver. A própria população, quando pos-sui algum problema de inundação, soli-cita a execução de um canal para o con-trole da inundação. Com o canal a inun-

dação é transferida para jusante afetan-do outra parte da população. As empre-sas de engenharia lucram de forma sig-nificativa pois estas obras podem chegara uma ordem de magnitude 10 vezes su-perior ao controle local;concepção inadequada dos profissionais deengenharia para o planejamento e controle dossistemas: Uma parcela importante dos en-genheiros que atuam no meio urbano,estão desatualizados quanto a visão am-biental e geralmente buscam soluçõesestruturais, que alteram o ambiente, comexcesso de áreas impermeáveis e conse-qüente aumento de temperatura, inun-dações, poluição, entre outros;visão setorizada do planejamento urbano: Oplanejamento e o desenvolvimento dasáreas urbanas é realizado sem incorpo-rar os aspectos relacionados com os dife-rentes componentes da infra-estrutura deágua. Uma parte importante dos profis-sionais que atuam nesta área possui umavisão setorial limitada, identificando osaneamento como o abastecimento deágua e esgotamento sanitário, quando oproblema é mais complexo e amplo,onde não se pode desprezar os compo-nentes de inundações e drenagem urba-na, resíduos sólidos e saúde;falta de capacidade gerencial: os municípi-os não possuem estrutura para o plane-jamento e gerenciamento adequado dosdiferentes aspectos da água no meio ur-bano.

A tabela 1 apresenta uma comparação doscenários de desenvolvimento dos aspectos daágua no meio urbano entre países desenvolvi-dos e países em desenvolvimento. Nos paísesdesenvolvidos o abastecimento de água e o tra-tamento de esgoto e controle quantitativo dadrenagem urbana estão de forma geral resol-vidos através de mecanismos de investimentose legislação. Na drenagem urbana e nas inun-dações ribeirinhas foi priorizado o controleatravés de medidas não-estruturais (legais) queobrigam a população a controlar na fonte osimpactos devido a urbanização. O principalproblema nos países desenvolvidos é o contro-le da poluição difusa devido às águas pluviaisurbanas e rurais.

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De outro lado o controle nos países em de-senvolvimento ainda está no estágio do trata-mento de esgoto. Em alguns países, como oBrasil, o abastecimento de água que poderiaestar resolvido, devido à grande cobertura deabastecimento, volta a ser um problema devi-do a forte contaminação dos mananciais pelaexpansão urbana e falta de tratamento de es-goto. Devido ao aumento do volume de esgo-to não tratado e limitada capacidade de dilui-ção, resultam mananciais contaminados pelaprópria população o que se denominou de ci-clo de contaminação urbana (Tucci, 2003). Umexemplo deste cenário é a cidade de São Pau-lo que se encontra no rio Tietê e tem deman-da total de abastecimento da ordem de64 m3/s, sendo que mais da metade da água éimportada (33 m3/s) da bacia do rio Piracica-ba (cabeceiras na serra da Cantareira). Istoocorre porque os mananciais na vizinhança dascidades estão contaminados pelos esgotos daprópria cidade depositados sem tratamento.Atualmente a cidade tem passado todos os anospor períodos de racionamento que devem seagravar com o passar do tempo.

Inundações ribeirinhas, drenagem urbanae resíduos sólidos são processos sem políticade gestão nos países em desenvolvimento. Acombinação de todos estes fazem com que osrios e aqüíferos urbanos estejam contamina-dos, a população sofra freqüentes inundações

com conseqüências diretas sobre a saúde, alémda deteriorização ambiental.

INUNDAÇÕES URBANAS

A inundação urbana é uma ocorrência tãoantiga quanto as cidades. A inundação ocorrequando as águas dos rios, riachos, galerias plu-viais saem do leito de escoamento devido a fal-ta de capacidade de transporte de um destessistemas e ocupa áreas onde a população utili-za para moradia, transporte (ruas, rodovias epasseios), recreação, comércio, indústria, en-tre outros. Até recentemente as inundaçõeseram consideradas como processos naturais jáque ao inundar as margens dos rios o homemnão tem interferência sobre o processo, ape-nas sofre o efeito por ocupar um lugar de ris-co. Quando a precipitação é intensa e o solonão tem capacidade de infiltrar, grande partedo volume escoa para o sistema de drenagem,superando sua capacidade natural de escoa-mento. O excesso do volume que não conse-gue ser drenado ocupa a várzea inundando deacordo com a topografia das áreas próximasaos rios. Estes eventos ocorrem de forma alea-tória em função dos processos climáticos lo-cais e regionais. Este tipo de inundação é de-nominado de inundação ribeirinha.

Na segunda metade do século passado, como acelerado desenvolvimento das cidades e a

TABELA 1Comparação dos aspectos da água no meio urbano (adaptado de Tucci, 2003).

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densificação urbana, rios urbanos passaram ainundar com maior freqüência. Este processoocorre devido ao aumento das áreas imperme-áveis e a canalização que acelera o escoamen-to através de condutos e canais. A quantidadede água que chega ao mesmo tempo no siste-ma de drenagem aumenta produzindo inun-dações mais freqüentes do que as que existi-am quando a superfície era permeável e o es-coamento se dava pelo ravinamento natural.Esta inundação é devido à urbanização ou àdrenagem urbana.

Estes dois efeitos podem ocorrer isolada-mente ou combinados, mas geralmente asinundações ribeirinhas ocorrem em bacias degrande e médio e porte (> 500 km2) no seutrecho onde a declividade é baixa e a seção deescoamento pequena, enquanto que as inun-dações na drenagem urbana ocorrem em pe-quenas bacias urbanizadas (1 - 100 km2, a ex-ceção são grandes cidades como São Paulo).

Os problemas resultantes da inundação de-pendem do grau de ocupação da várzea pelapopulação no primeiro caso e da impermea-bilização e canalização da rede de drenagemno segundo. A inundação ribeirinha tem sidoregistrada com a história do desenvolvimentohumano. A inundação devido à urbanizaçãotem sido mais freqüente nos últimos 30 anos,com o aumento significativo da impermeabili-zação das cidades e a tendência dos engenhei-ros de drenarem o escoamento pluvial o maisrápido possível das áreas urbanizadas (visãoultrapassada, mas mantida nos países em de-senvolvimento).

IMPACTOS

O ciclo hidrológico sofre fortes alteraçõesnas áreas urbanas devido principalmente a al-teração da superfície e a canalização do escoa-mento, aumento de poluição devido a conta-minação do ar, das superfícies urbanas e domaterial sólido disposto pela população.

Leopold (1968) mostrou que o aumento davazão média de cheia chega a valores de 6 vezesao das condições naturais. Tucci (1996) demons-trou este resultado para uma bacia urbana de42 km2 com 60% de áreas impermeáveis emCuritiba. Campana e Tucci (1994) estabelece-ram uma relação bem definida entre áreas im-

permeáveis e densidade habitacional para ma-cro-bacias urbanas (> 2 km2) com dados deCuritiba, São Paulo e Porto Alegre onde

AI = 0,49 DH (1)

onde AI é a área impermeável (%) e; DH é adensidade habitacional em hab/ha (habitantepor hectare). Esta equação é válida até120 hab/ha, quando a curva tende a ser assin-tótica ao valor de 65%. Esta equação indica queuma pessoa tende a impermeabilizar da ordemde 49 m2. Além do evidente aumento das va-zões máximas, também ocorre aumento do vo-lume de escoamento superficial, redução do es-coamento subterrâneo e da evapotranspiração.

O impacto sobre a qualidade da água é re-sultado do seguinte: (a) poluição existente noar que precipita junto com a água; (b) lavagemdas superfícies urbanas contaminadas com di-ferentes componentes orgânicos e metais; (c)resíduos sólidos representados por sedimentoserodidos pelo aumento da vazão (velocidade doescoamento) e lixo urbano depositado ou trans-portado para a drenagem; (d) esgoto cloacalque não é coletado e escoa através da drena-gem. A carga de contaminação dos três primei-ros itens pode ser superior a carga resultantedo esgoto cloacal sem tratamento.

No desenvolvimento urbano são observa-dos alguns estágios distintos da produção dematerial sólido na drenagem urbana, que sãoos seguintes: (a) No estágio inicial: quandoocorre modificação da cobertura da bacia pelaretirada da sua proteção natural, o solo ficadesprotegido e a erosão aumenta no períodochuvoso, aumentando também a produção desedimentos. Exemplos desta situação são: en-quanto um loteamento é implementado osolo fica desprotegido; da mesma forma naconstrução de grandes áreas ou quando oslotes são construídos ocorre também grandemovimentação de terra, que é transportadapelo escoamento superficial. Nesta fase exis-te predominância dos sedimentos e pequenaprodução de lixo; (b) No estágio intermediário:parte da população está estabelecida, aindaexiste importante movimentação de terradevido a novas construções e a produção delixo da população se soma ao processo deprodução de sedimentos; (c) No estágio final:

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nesta fase praticamente todas as superfíciesurbanas estão consolidadas e apenas resultaprodução de lixo urbano, com menor parce-la de sedimentos de algumas áreas de cons-trução ou sem cobertura consolidada.

Neste último caso, os sólidos totais que che-gam a drenagem são devido ao seguinte: (a)Freqüência e cobertura da coleta de lixo; (b)Freqüência da limpeza das ruas; (c) Forma dedisposição do lixo pela população; (d) Freqüên-cia da precipitação. A produção de lixo médiacoletada no Brasil é da ordem 0,74 kg/hab/diapara um intervalo de 0,5 a 0,8 kg/hab/dia(MONTEIRO, 2001), mas não existem infor-mações sobre a quantidade de lixo que fica retidana drenagem. Em San José, Califórnia o lixo quechega na drenagem foi estimado em 4 lb /pessoa/ano. Após a limpeza das ruas resulta 1,8 lb/pes-soa/ano na rede (Larger et al, 1977). Em paí-ses em desenvolvimento a quantidade de lixoque chega a drenagem é maior devido a efici-ência dos municípios nos itens acima e a edu-cação da população. Segundo Armitage e Roo-seboom (1996), na Africa do Sul, estimaram que18% do lixo existente nas ruas chegam a drena-gem. ALLISON et al. (1998) na Austrália esti-maram que as àreas urbanas podem contribuirda ordem de 20 a 40 kg/ha/ano. Armitage eRooseboom (2000), comparando todos os re-sultados obtidos na África do Sul, Austrália eNova Zelândia, concluíram que as taxas de la-vagem de lixo parecem variar de 0,53 kg/ha/ano para áreas residenciais em Auckland para96 kg/ha/ano em Springs. Os autores concluí-ram que o problema é 100 vezes pior na Áfricado Sul do que na Austrália e na Nova Zelândia.A vegetação parece não ser um problema naÁfrica do Sul como é na Austrália.

A quantidade de material suspenso na dre-nagem pluvial apresenta uma carga muito altaconsiderando a vazão envolvida. Esse volumeé mais significativo no início das enchentes.Os primeiros 25 mm de escoamento superfici-al geralmente transportam grande parte dacarga poluente de origem pluvial (Schueller,1987). Os poluentes que ocorrem na área ur-bana variam muito, desde compostos orgâni-cos a metais altamente tóxicos. Alguns polu-entes são colocados para diferentes funções noambiente urbano como o chumbo provenien-te das emissões dos automóveis e óleos de va-

zamento ou de caminhões, ônibus e automó-veis são resultados de atividades dentro doambiente urbano. A fuligem é resultante dasemissões de gases dentro do ambiente urbanodos veículos, das indústrias, queima de resídu-os que se depositam na superfície e são lava-dos pela chuva. A água, resultante desta lava-gem chega aos rios contaminada.

Os principais poluentes encontrados no es-coamento superficial urbano são: sedimentos,nutrientes, substâncias que consomem oxigê-nio, metais pesados, hidrocarbonetos de pe-tróleo, bactérias e virus patogênicos.

A qualidade da água da rede pluvial depen-de de vários fatores: da limpeza urbana e suafreqüência, da intensidade da precipitação esua distribuição temporal e espacial, da épocado ano e do tipo de uso da área urbana. Osprincipais indicadores da qualidade da águasão os parâmetros que caracterizam a polui-ção orgânica e a quantidade de metais.

POLÍTICA ATUAL DE CONTROLE

A tendência da urbanização é de ocorrerno sentido de jusante para montante, na ma-cro-drenagem urbana, devido às característi-cas de relevo. Quando um loteamento é pro-jetado, os municípios exigem apenas que oprojeto de esgotos pluviais seja eficiente nosentido de drenar a água do loteamento. Quan-do o poder público não controla essa urbani-zação ou não amplia a capacidade da macro-drenagem, a ocorrência das enchentes aumen-ta, com perdas sociais e econômicas. Normal-mente, o impacto do aumento da vazão máxi-ma sobre o restante da bacia não é avaliadopelo projetista ou exigido pelo município. Acombinação do impacto dos diferentes lotea-mentos produz aumento da ocorrência deenchentes a jusante. Esse processo ocorre atra-vés da sobrecarga da drenagem secundária(condutos) sobre a macro-drenagem (riachose canais) que atravessa as cidades. As áreas maisafetadas, devido à construção das novas habi-tações a montante, são as mais antigas, locali-zadas a jusante (figura 1).

Depois que o espaço está todo ocupado, assoluções disponíveis são extremamente caras,tais como canalizações, diques com bombea-mentos, reversões e barragens, entre outras.

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O poder público passa a investir uma parte sig-nificativa do seu orçamento para proteger umaparcela da cidade que sofre devido à imprevi-dência da ocupação do solo.

Na macrodrenagem a tendência de contro-le da drenagem urbana é através da canaliza-ção dos trechos críticos. Este tipo de soluçãosegue a visão particular de um trecho da ba-cia, sem que as conseqüências sejam previs-tas para o restante da mesma ou dentro dediferentes horizontes de ocupação urbana. A

canalização dos pontos críticos acaba apenastransferindo a inundação de um lugar paraoutro na bacia. Este processo, em geral, ocor-re na seguinte seqüência: (1) a bacia começaa ser urbanizada de forma distribuída, commaior densificação a jusante, aparecendo, noleito natural, os locais de inundação devido aestrangulamentos naturais ao longo do seucurso (figura 2); (2): as primeiras canaliza-ções são executadas a jusante, com base naurbanização atual; com isso, o hidrograma a

FIGURA 1Tendência da ocupaçãoe impacto.

FIGURA 2Estágiodo desenvolvimentoda drenagem

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jusante aumenta, mas é ainda contido pelasáreas que inundam a montante (fazem o efei-to de um reservatório) e porque a bacia nãoestá totalmente densificada. (figura 2); (3):com a maior densificação, a pressão públicafaz com que os administradores continuem oprocesso de canalização para montante.Quando o processo se completa, ou mesmoantes, as inundações retornam a jusante, de-vido ao aumento da vazão máxima em fun-ção da urbanização e canalização a montan-te. Neste estágio, são necessárias mais obraspara ampliar todas as seções e a canalizaçãosimplesmente transfere a inundação para jusante(figura 2). Já não existem espaços laterais paraampliar os canais a jusante, e as soluções con-vergem para o aprofundamento do canal queenvolvem custos altos.

Este processo é prejudicial aos interessespúblicos e representa um prejuízo extrema-mente alto para toda a sociedade ao longodo tempo. A sociedade perde duas vezes aopagar por obra ineficiente e pelo aumentodas inundações.

Na figura 3 pode-se observar o conjunto dosprocessos que se origina no uso do solo e cul-minação com a aceleração do escoamento nadrenagem.

Os outros impactos relacionados com a qua-lidade da água pluvial, contaminação dos aqüí-feros e os resíduos sólidos na drenagem nãoexiste nem mesmo agenda para buscar seu con-trole ao longo do tempo. Observa-se que a po-pulação, decisores e mesmo profissionais da áreade saneamento desconhecem estes problemas.

A gestão municipal é realizada de formatotalmente setorial sem a menor integraçãoentre os diferentes componentes da água nomeio urbano. Geralmente existe um departa-mento ligado ao planejamento urbano, trans-porte, água e esgotamento sanitário, limpezaurbana. O Plano Diretor Urbano, obrigatóriono Brasil depois da constituição de 1988, temsido elaborado com base em padrões desatua-lizados que contemplam apenas a densificaçãourbana baseada no sombreamento e tráfego.

Este cenário apresenta a política de gran-de parte da região e os impactos quantitati-

FIGURA 3Política de controle

e o impacto quantitativoda drenagem urbana

(Suderhsa, 2002)

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vos resultantes. Os impactos sobre a qualida-de da água não são considerados já que nemmesmo a coleta e tratamento do esgoto pos-suem cobertura adequada. Na grande maio-ria das cidades o esgoto cloacal escoa pelo sis-tema de esgoto pluvial que é descarregado innatura nos rios.

A gestão municipal de todos os componen-tes tem sido realizada desintegrada com muitopouco foco no conjunto da cidade, atuandosempre sobre problemas pontuais e nunca de-senvolvendo um planejamento preventivo e in-dutivo. A visão profissional é pouco integrado-ra e muito limitada, infelizmente os profissio-nais que atuam na área são muito limitados navisão de conjunto dos problemas da cidade.

GERENCIAMENTO INTEGRADO

A visãoA visão moderna envolve o Planejamento

integrado da água na cidade e incorporada ao

Plano de Desenvolvimento Urbano (figura 3)onde os componentes de manancial, esgota-mento sanitário, resíduo sólido, drenagemurbana e inundação ribeirinha são vistos den-tro de um mesmo conjunto e relacionados coma causa principal que é a ocupação do solourbano. Esta visão integrada dentro do espaçogerencial urbano também deve estar ligado aoPlanejamento integrado da bacia, onde a ci-dade faz parte como concentração de pessoase de usos de recursos naturais (Marsalek et al,2001). Esta interligação é realizada no espaçoatravés da bacia hidrográfica. No âmbito ad-ministrativo e legal pode ser realizado pelocomitê e agência de bacia (tendência de cons-trução institucional) e pelas legislações muni-cipais, estaduais e federais (figura 4).

A atuação preventiva no desenvolvimentourbano reduz o custo da solução dos proble-mas relacionados com a água. Ou seja, plane-jando a cidade com áreas de ocupação e con-trole da fonte da drenagem, a distribuição do

FIGURA 4Visão integradado planejamentodos aspectos da águano ambiente urbano

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espaço de risco e o desenvolvimento dos siste-mas de abastecimento e esgotamento os cus-tos serão muito menores do que quando ocor-rem as crises onde o remédio passa por custosinviáveis para o município.

O desenvolvimento do planejamento das áre-as urbanas envolve principalmente: planejamen-to do desenvolvimento urbano; transporte; abas-tecimento de água e saneamento; drenagem ur-bana e controle de inundações; resíduo sólido;controle ambiental.O planejamento urbano deveconsiderar os aspectos relacionados com a água,no uso do solo e na definição das tendências dosvetores de expansão da cidade.

Existe uma forte inter-relação entre os com-ponentes da água no ambiente urbano. Quan-do planejados dentro de cada uma de suas dis-ciplinas, em planos setoriais, certamente resul-tarão em prejuízos para a sociedade. Na figu-ra 3 pode-se observar a representação do pla-nejamento integrado dos setores essenciaisrelacionados com os água no meio urbano.

Algumas destas inter-relações são as seguin-tes: (a) o abastecimento de água é realizado apartir de mananciais que podem ser contami-nados pelo esgoto cloacal, pluvial ou por depó-sitos de resíduos sólidos; (b) a solução do con-trole da drenagem urbana depende da existên-cia de rede de esgoto cloacal e suas característi-cas; (c) a limpeza das ruas, a coleta e disposiçãode resíduos sólidos interfere na quantidade ena qualidade da água dos pluviais.

A maior dificuldade para a implementaçãodo planejamento integrado decorre da limita-da capacidade institucional dos municípiospara enfrentar problemas tão complexos e in-terdisciplinares e a forma setorial como a ges-tão municipal é organizada.

Aspectos InstitucionaisA estrutura institucional é a base do geren-

ciamento dos recursos hídricos urbanos e dasua política de controle. A definição instituci-onal depende dos espaços de atribuição daorganização do país, sua inter-relação tantolegal como de gestão quanto a água, uso dosolo e meio ambiente. Para estabelecer o me-canismo de gerenciamento destes elementosé necessário definir os espaços geográficos re-lacionados com o problema.

Espaço geográfico de gerenciamento

O impacto dos efluentes de esgotamento sa-nitário e da drenagem urbana pode ser anali-sado dentro de dois contextos espaciais dife-rentes, discutidos a seguir: (a) Impactos queextrapolam o município, ampliando as en-chentes e contaminando a jusante os sistemashídricos como rios, lagos e reservatórios. Estacontaminação é denominada poluição pontuale difusa urbana. Este tipo de impacto é a resul-tante das ações dentro da cidade, que são trans-feridas para o restante da bacia. Para o seucontrole podem ser estabelecidos padrões aserem atingidos e geralmente são reguladospor legislação ambiental e de recursos hídri-cos, federal ou estadual; (b) Impacto dentrodas cidades: estes impactos são disseminadosdentro da cidade, que atingem a sua própriapopulação. O controle neste caso é estabeleci-do através de medidas desenvolvidas dentro domunicípio através de legislação municipal eações estruturais específicas.

A experiência americana no processo temsido aplicada através de um programa nacionaldesenvolvido pela EPA (Environmental Protec-tion Agency) que obriga a todas as cidades commais de 100 mil habitantes a estabelecer umprograma de BMP (Best Management Practi-ces). Recentemente iniciou-se a segunda fasedo programa para cidades com população in-ferior à mencionada (Roesner e Traina, 1994).As BMPs envolvem o controle da qualidade equantidade por parte do município através demedidas estruturais e não-estruturais. O muni-cípio deve demonstrar que está avançando ebuscar atingir estes objetivos através de um Pla-no. Este processo contribui para reduzir a po-luição difusa dos rios da vizinhança das cida-des. A penalidade que pode ser imposta é a açãojudicial da EPA contra o município.

A experiência francesa envolve o gerencia-mento dos impactos e controles através do co-mitê de bacia, que é o Fórum básico para atomada de decisão. As metas nas quais os mu-nicípios e outros atores devem ser atingidossão decididas no comitê.

Legislações

As legislações que envolvem as águas urba-nas estão relacionadas com recursos hídricos,

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uso do solo e licenciamento ambiental. A se-guir é apresentada uma análise dentro do ce-nário brasileiro onde existem os níveis Fede-ral, Estadual e Municipal.

(a) quanto aos Recursos Hídricos: A constitui-ção Federal define o domínio dos rios e a le-gislação de recursos hídricos a nível federal eestabelece os princípios básicos da gestão atra-vés de bacias hidrográficas. As bacias podemser de domínio estadual ou federal.

A lei federal (lei n. 9.433 de janeiro de 1997)estabelece como uma das outorgas (artigo 12inciso III) os lançamentos em corpo de água deesgotos e demais resíduos. Algumas legislaçõesestaduais de recursos hídricos estabelecem cri-térios para a outorga do uso da água, mas nãolegislam sobre a outorga relativa ao despejo deefluentes de drenagem. A legislação ambientalestabelece normas e padrões de qualidade daágua dos rios através de classes, mas não definerestrições com relação aos efluentes urbanoslançados nos rios. A ação dos órgãos estaduaisde controle ambiental é limitada devido a faltade capacidade dos municípios em investir nes-te controle. Portanto, não existe exigência e nãoexiste pressão para investimentos no setor.

Dentro deste contexto o escoamento pluvi-al resultante das cidades pode ser objeto deoutorga à partir da lei 9.433, regulamentandoo inciso III do artigo 12. Como estes procedi-mentos ainda não estão sendo cobrados pelosEstados, não existe no momento uma pressãodireta para a redução dos impactos resultan-tes da urbanização.

(b) Quanto ao uso do solo: Na Constituição Fe-deral, artigo 30, é definido que o uso do solo émunicipal. Porém, os Estados e a União po-dem estabelecer normas para o disciplinamen-to do uso do solo visando a proteção ambien-tal, controle da poluição, saúde pública e dasegurança. Desta forma, observa-se que no casoda drenagem urbana que envolve o meio am-biente e o controle da poluição a matéria é decompetência concorrente entre Município,Estado e Federação. A tendência é dos muni-cípios introduzirem diretrizes de macrozone-amento urbano nos Planos Diretores urbanos,incentivados pelos Estados.

Observa-se que no zoneamento relativo aouso do solo não tem sido contemplado pelos

municípios o aspecto de águas urbanas comoesgotamento sanitário, resíduo sólido, drena-gem e inundações. O que tem sido observadosão legislações restritivas quanto à proteção demananciais e ocupação de áreas ambientais. Alegislação muito restritiva somente produz re-ações negativas e desobediência. Portanto, nãoatingem os objetivos de controle ambiental.Isto ocorre na forma de invasão das áreas, lo-teamentos irregulares, entre outros. Um exem-plo feliz foi o introduzido pelo município deEstrela (RS) Brasil, onde foi realizado o zone-amento de inundação (Rezende e Tucci,1979). O município permitiu (através de leimunicipal) a troca de áreas de inundação(proibida para uso) por solo criado ou índicede aproveitamento urbano acima do previstono Plano Diretor nas áreas mais valorizadas dacidade Ao introduzir restrições do uso do soloé necessário que a legislação dê alternativa eco-nômica ao proprietário da terra ou o municí-pio deve comprar a propriedade. Numa socie-dade democrática o impedimento do uso doespaço privado para o bem público deve sercompensado pelo público beneficiado, casocontrário torna-se um confisco. Atualmente aslegislações do uso do solo se apropriam da pro-priedade privada e ainda exigem o pagamen-to de impostos pelo proprietário que não pos-sui alternativa econômica. A conseqüênciaimediata na maioria das situações é a desobe-diência legal.

Observa-se que muitos municípios, no seuPlano Diretor Urbano procuram limitar a im-permeabilização com a finalidade de minimi-zar os impactos ambientais e o aumento doescoamento. Este não é um procedimentomuito eficiente, já que mesmo proporçõespequenas de áreas impermeáveis podem pro-duzir aumento significativo do escoamento(Tucci, 2000). O mais eficiente é limitar o au-mento da vazão natural, utilizado pela maio-ria das cidades em países desenvolvidos e, noBrasil, pela cidade de Porto Alegre. No entan-to, é possível induzir a medidas na fonte atra-vés deste mesmo mecanismo.

(c) Quanto ao licenciamento ambiental: este li-cenciamento estabelece os limites para cons-trução e operação de canais de drenagem, re-gulado pela Lei 6938/81 e resolução CONA-MA n. 237/97. Da mesma forma, a resolução

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CONAMA 1/86 art 2o, VII estabelece a neces-sidade de licença ambiental para “obras hi-dráulicas para drenagem”. Observa-se que exis-tem mecanismos legais para controle das cida-des. No entanto, observa-se nas cidades queenquanto as indústrias são multadas e redu-zem o seu impacto, as cidades possuem baixacobertura de tratamento e não obedecem aslegislações ambientais. É comum encontrarbacias hidrográficas onde as cidades contro-lam 5% da carga e as indústrias 95%. As enti-dades estaduais de meio ambiente não conse-guem impor a legislação às cidades.

(d) Gerenciamento de bacias urbanas comparti-das: grande parte das cidades possui bacia hi-drográfica comum com outros municípios.Geralmente existem os seguintes cenários: ummunicípio está a montante de outro ou o riodivide os municípios. O controle institucio-nal da drenagem que envolve mais de um mu-nicípio pode ser realizado através de legisla-ção municipal adequada para cada municí-pio; ou através de legislação estadual que es-tabeleça os padrões a serem mantidos nosmunicípios de tal forma a não serem transfe-ridos os impactos; ou uso dos dois procedi-mentos anteriores.

GERENCIAMENTO SUSTENTÁVEL

A gestão sustentável envolve a busca de equi-líbrio entre a legislação e um programa de in-vestimento para uma determinada região (ba-cia, Estado, ou País) quanto a busca de susten-tabilidade na gestão das inundações e dos ou-tros componentes das águas urbanas. O pro-cesso indutor estratégico deve possuir Políticade Controle, Mecanismos Legais e de Gestãoe o Econômico – Financeiro.

PolíticaA política de controle da drenagem urbana

proposta envolve algumas definições como(PORTO ALEGRE, 2000): Objetivos: a obten-ção da sustentabilidade ambiental e a melho-ria da qualidade de vida e do meio ambiente;Metas: as metas qualitativas se referem a redu-ção das cargas poluentes que chegam aos rios,através do controle das cargas urbanas e mini-mização do impacto das inundações urbanas.

Princípios: os principais princípios são: (a) a vi-são integrada do esgotamento sanitário, dre-nagem urbana e resíduos sólidos dentro doambiente urbano; (b) a distribuição dos cus-tos para os responsáveis pelos impactos; (c)participação pública no gerenciamento inte-grado; (d) o controle ambiental dentro dogerenciamento das alternativas.

Quanto ao espaço, existem dois ambientes:externo e o interno à cidade. O externo é oambiente onde o comitê de bacia ou Estadoou ainda a Federação controla as ações domunicípio quanto ao controle de seus impac-tos (figura 4). Dentro da cidade o município éo agente que desenvolverá os Planos Integra-dos e sua implementação dentro da legislação.Quando existirem mais de um município deuma ou mais bacias urbanizadas o processodeverá ser acordado através do Comitê de Ba-cia ou gerenciado com a interveniência deentidade do Estado.

LegislaçãoA legislação envolve também os referidos

espaços. Existe uma grande inter-relação en-tre os elementos de uso do solo, controle am-biental e recursos hídricos tanto internamen-te na cidade como no Plano da Bacia Hidro-gráfica. Portanto, é proposta uma legislaçãopara o espaço externo à cidade e dentro doPlano integrado, uma legislação para o espa-ço interno à cidade. O mecanismo previsto nalegislação brasileira para o gerenciamento ex-terno das cidades é o Plano de Recursos Hí-dricos Bacia. No entanto, dificilmente no re-ferido Plano será possível elaborar os Planosde drenagem, esgotamento sanitário e resíduosólido de cada cidade contida na bacia. O Pla-no deveria estabelecer as metas que as cidadesdevem atingir para que o rio principal e seusafluentes atinjam níveis ambientalmente ade-quados de qualidade da água. O Plano Inte-grado de Drenagem Urbana, EsgotamentoSanitário e Resíduos Sólidos deve obedecer aoscontroles estabelecidos no Plano da bacia noqual estiver inserido.

Atualmente a legislação prevê a outorgapara efluentes seja na de Recursos Hídricos,como na ambiental. Desta forma, os aspectoslegais seriam baseados na definição de normas

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e critérios para outorga deefluentes que alterem a qua-lidade e quantidade de águasprovenientes de áreas urbanas.

No caso brasileiro, uma dasalternativas é a regulamentaçãodo artigo 12 inciso III da Lei9.433 de 8 de janeiro de 1997 emconjunto com a legislação am-biental. Esta regulamentaçãopode ser na seguinte forma:

Art.(?) É de responsabilidadeda (?) a definição de critérios enormas quanto a outorga sobreas alterações na quantidade equalidade da água pluvial pro-veniente de áreas urbanas pre-visto no artigo 12 inciso III daLei 9.433 de 8 de janeiro de 1997.

Art (?) A outorga dos esgotos cloacais, plu-viais e disposição dos resíduos sólidos dos mu-nicípios deve ser precedido dos Planos Inte-grados de Esgotamento Sanitário, ResíduosSólidos e Drenagem Urbana do município vi-sando o atendimento das exigências do artigo(?) deste decreto.

Parágrafo 1º Para as cidades com mais de200.000 (a ser melhor definido) habitantes oPlano deverá ser concluído no máximo em 5anos e mais 5 anos para sua implementação.Para as demais cidades o plano deverá ser con-cluído em até 10 anos e mais 5 anos para suaimplementação.

Parágrafo 2º O acompanhamento da imple-mentação dos Planos ficará a cargo do comitêdas bacias hidrográficas.

O texto acima é apenas uma orientação doconteúdo técnico. Existem várias definiçõesque podem ser discutidas e negociadas de acor-do com uma avaliação mais detalhada. Porexemplo, o tamanho das cidades e o prazo,além das penalidades relativas. A penalidadepode não estar na lei, mas podem-se utilizar

mecanismos de financiamentos. Os municípi-os teriam a outorga provisória no prazo acimade acordo com o andamento dos procedimen-tos do Plano e sua ação de implementação.

FinanciamentoQuanto ao econômico-financeiro, existem

dois componentes, o financiamento para odesenvolvimento do Plano e a implementaçãodas medidas, os mecanismos de pagamento dofinanciamento e os incentivos indiretos parase inserir no programa.

O financiamento do Plano pode ser realiza-do pelo comitê de bacia ou um fundo com re-cursos de menor monta. Maior detalhe sobre osaspectos do Plano de Drenagem e Inundaçõespode ser obtido em Tucci (2002). Os custos deimplementação são muito maiores e exigirãoinvestimentos de infra-estrutura. Os custos esti-mados para implementação do controle da dre-nagem urbana em áreas com alagamento são daordem de US$ 1 - 2 milhões/km2, enquanto queplanejando o controle através de medidas não-estruturais (legislação e controle na fonte) o cus-

FIGURA 5Elementos do sistemade gerenciamento

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to é praticamente inexistente para a o poderpúblico (PORTO ALEGRE, 2000).

Atualmente no Brasil, Porto Alegre adota ocontrole por legislação da ampliação da vazãodevido a urbanização. Desde 2000 nenhumnovo empreendimento tem vazão de saída su-perior a de pré-desenvolvimento para o tem-po de retorno de 10 anos. Para isto foi deter-minado para a cidade a vazão limite de 20,8 l/(s.ha) e para os que desejarem construir umreservatório o seu volume é estimado para áre-as de até 100 ha pela equação:

V (m3)= 4,15 A. AI (2)

onde A é a área em hectares (ha); AI a área im-permeável em %. Geralmente a superfície ne-cessária para controle representa de 2 a 3 % daárea total controlada (PORTO ALEGRE, 2000).

O programa deveria desenvolver dois fun-dos: fundo para investimento nos Planos e fun-dos para implementação das obras. Provavel-mente deverá existir uma parcela de subsídiovisando criar incentivo.

Os potenciais elementos de indução para osmunicípios seriam os seguintes: O comitê debacia ou o Estado ou ainda a Federação subsi-diaria parte dos recursos para elaboração dosPlanos; Criação de um fundo econômico parafinanciar as ações do Plano previsto para as ci-dades. O ressarcimento dos investimentos seri-am através das taxas municipais específicas paraesgotamento sanitário, resíduo sólido e drena-gem urbana, este último baseado na área im-permeável das propriedades. O Plano deveriainduzir a transparência destes mecanismos den-tro do município visando a sustentabilidade delongo período do sistema de cobrança, com adevida fiscalização; Criar fundo para investimen-to nas obras, que poderia estar integrado aoanterior; Desenvolver condicionantes nos ór-gãos federais e estaduais condicionando a ob-tenção da outorga e a inserção no programa.

GestãoA gestão do desenvolvimento do programa

envolve o seguinte: Desenvolvimento do Progra-ma: Este programa deveria ser desenvolvidodentro de uma entidade federal e cooperaçãocom os Estados; Fiscalização: a fiscalização do

programa pode ser realizada pelo comitê debacia quando houver, pelo Estado (através deórgão ambiental ou de recursos hídricos) embacias estaduais, pelo Governo Federal (tam-bém através de órgão ambiental ou de recur-sos hídricos) para bacias federais. A escolha edefinição da fiscalização devem ser suficiente-mente flexíveis em função das dimensões dopaís e das diferentes realidades; Desenvolvimen-to do Plano Integrado: a implementação do Pla-no integrado a nível do município e de baciasinseridas dentro de um mesmo município deveser desenvolvida pelo próprio município. Parabacias dentro de mais de um município o co-mitê da bacia ou Estado devem coordenar es-tas bacias, procurando estabelecer normas con-juntas para a área de influência.

Na figura 5 pode ser observado um exem-plo de coordenação na Região Metropolitanade Curitiba. O gerenciamento da cidade é con-trolado através do monitoramento da qualida-de da água a jusante dos efluentes das cidadesou o que a cidade exporta para o restante dabacia. Este controle deve ser normatizadoquanto a metas a serem atingidas na qualida-de da água dos rios através de parâmetros dequalidade da água. Estas normas devem ser asbases legais de indução para as soluções inter-nas dentro das cidades. O processo internodentro da(s) cidade(s) é uma atribuição essen-cialmente do município ou de consórcios demunicípios, dependendo das característicasdas bacias urbanas e seu desenvolvimento.

CONCLUSÃO

O atual desenvolvimento da drenagem ur-bana e dos outros componentes das águas ur-banas é insustentável, a sociedade está perden-do os poucos recursos disponíveis devido a fal-ta de uma organização adequada dos mecanis-mos de governabilidade do país.

O artigo identificou os principais problemas,suas inter-relações setoriais e apresentou umavisão mais integrada e uma proposta institucio-nal e financeira buscando o mínimo de interfe-rências no sistema atual de legislação e gestãovisando tornar viável o processo de mudança.

As principais dificuldades são: (a) Se nãohouver interferência de governo dificilmen-te haverá solução adequada em drenagem

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urbana, pois quemproduz os impactosnão é quem sofre omesmo; (b) Infeliz-mente a geração deengenheiros hidráuli-cos que atua na áreaestá muito desatuali-zada e não compreen-de a sustentabilidadeambiental e dos recur-sos hídricos, o queexige uma grandeatualização e uma me-lhor formação futura dos profissionais; (c)Da mesma forma, a população necessita demais informações, para que possa ter umaefetiva participação pública; (d) São neces-sárias legislações efetivas e penalidades para

os municípios que não participarem do pro-cesso, na forma de corte de financiamentosgovernamentais ou induções como a ofertade financiamento adequado ao programa,caso contrário a adesão é mínima.

FIGURA 6Exemplo da interaçãotécnico-financeira(SUDHERSA, 2002)

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