gereciam de bacias

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Bacias Hidrograficas

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  • 36

    Instrumentos de Planejamento e Gesto Ambiental para aAmaznia, Cerrado e Pantanal Demandas e Propostas

    METODOLOGIA DE GERENCIAMENTO DE BACIAS HIDROGR`FICAS

  • Ministro do Meio AmbienteJos Sarney Filho

    Presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais RenovveisHamilton Nobre Casara

    Diretor de Gesto EstratgicaRmulo Jos F. Barreto Mello

    Coordenador do Programa de Educao Ambiental e Divulgao Tcnico-CientficaJos Silva Quintas

    Coordenador do Projeto de Divulgao Tcnico-CientficaLuiz Cludio Machado

    As opinies expressas, bem como a reviso do texto, so de responsabilidade do autor.

    Edies IBAMAInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais RenovveisDiretoria de Gesto EstratgicaPrograma de Educao Ambiental e Divulgao Tcnico-CientficaProjeto de Divulgao Tcnico-CientficaSAIN Avenida L/4 Norte, s/n70800-200 - Braslia-DFTelefones:(061) 316-1191 e 316-1222e-mail: [email protected]:\\www.ibama.gov.br

    Braslia2001

    Impresso no BrasilPrinted in Brazil

  • Instrumentos de Planejamento e Gesto Ambiental para aAmaznia, Cerrado e Pantanal Demandas e Propostas

    METODOLOGIA DE GERENCIAMENTO DE BACIAS HIDROGR`FICAS

    2001

    Ministrio do Meio AmbienteInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis

    Diviso de Desenvolvimento de Tecnologias Ambientais - DITAM

  • Sr. meio ambiente debate, 36

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    Srie Meio Ambiente em Debate, 36

    Projeto grficoDenys Mrcio

    CapaFtima Feij

    DiagramaoIramir Souza SantosOldenyr da Silva Lima

    Bibliotecria responsvelSonia M. L. N. Machado

    Criao, arte-final e impressoEdies IBAMA

    Resposvel pela Elaborao e CoordenaoDivulgao de desenvolvimento de tecnologias ambientais /DITAMMirian Laila Absy

    L292i Lanna, Antonio Eduardo

    Instrumentos de planejamento e gesto ambiental para a Amaznia, cerrado epan tana l : demandas e p ropos ta s : me todo log ia de ge renc iamen to de bac ia shidrogrficas / Antonio Eduardo Lanna. Braslia : Ed. IBAMA, 2001. 59p. (Srie meio ambiente em debate ; 36)

    Inclui bibliografia.ISSN 1413-25883

    1. Gesto ambiental. 2. Recursos hdricos. 3. Bacia hidrogrfica. 4. Amaznia. 5. Cerrado.6. Pantanal. I. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis. II.Ttulo.III. Srie.

    CDU (2.ed.) 502.35

    CATALOGAO NA FONTEINSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENIVVEIS

  • 5Sr. meio ambiente debate, 36

    Ministrio do Meio AmbienteInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis

    Diviso de Desenvolvimento de Tecnologias Ambientais - DITAM

    Coordenao GeralMiriam Laila Absy

    Concepo e Direo EditorialMiriam Laila Absy

    Redao e PesquisaSantin Gravena

    Equipe Tcnica que Participou da Elaborao do Documento

    Gustavo Henrique M. F. ArajoLeonides Lima

    Lcio Lima da MotaRaul Laumman

    Remy F. Toscano Neto

  • No h nada mais difcil de empreender, nem mais incerto desucesso, nem mais perigoso de manejar, do que iniciar uma nova

    ordem de coisas. Por que o reformador tem inimigos em todosaqueles que lucram com a velha ordem, e apenas timidos

    defensores em todos aqueles que lucrariam com a nova. Estatimidez surge parcialmente do medo de seus adversrios, que tema lei a seu favor; e parcialmente da incredulidade do ser humano,

    que no acredita verdadeiramente em qualquer coisa nova atque tenha uma real experincia com ela.

    Maquiavel (1513). O Prncipe

  • Sumrio

    1 - INTRODUO .......................................................................................................... 9

    2 - CONCEITUAO .................................................................................................... 11

    3 - BASE DOUTRIN`RIAS ............................................................................................ 15

    3.1 Desenvolvimento sustentvel e o Gerenciamento debacias hidrogrficas ............................................................................................ 173.1.1 O conceito de desenvolvimento sustentvel ............................................... 173.1.2 Sobre a quantificao do capital natural ................................................. 213.1.3 Negociao social ou arbtrio do poder pblico? ....................................... 22

    3.2 Integrao dos instrumentos: Zoneamento ecolgico-econmicoEstudo de impacto ambiental e gerenciamento de bacias hidrogrficas ............... 24

    3.3 Marcos referncias para a gesto ambiental ........................................................ 25

    4 - MODELOS DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS HDRICOS .............................. 27

    4.1 Modelo burocrtico ............................................................................................ 274.2 Modelo econmico-financeiro ............................................................................ 284.3 Modelo sistmico de integrao participativa ...................................................... 30

    5 - HISTRICO DAS ENTIDADES DE GERENCIAMENTODE RECURSOS HDRICOS ...................................................................................... 37

    5.1 Entidades casusticas de gerencimento de bacias hidrogrficas ............................ 375.2 Superintendncias de desenvolvimento de bacias hidrogrficas .......................... 385.3 Entidades sistmicas de gerenciamento de bacias hidrogrficas ........................... 395.4 Programas de manejo ou ordenao de bacias hidrogrficas ............................... 41

    6 - A EXPERINCIA BRASILEIRA DE GERENCIAMENTODE RECURSOS HDRICOS ...................................................................................... 45

    7 - CONCLUSES ........................................................................................................ 51

    8 - RECOMENDAOES ............................................................................................. 55

    9 - REFERNCIAS BIBLIOGR`FICAS .......................................................................... 57

  • 1 - INTRODUO

    Este documento final, em uma primeira etapa, estabelece as bases do desenvolvimentosustentvel, sob a tica da economia ambiental. Atravs dele so apresentados critrios geraisde anlise de projetos e instrumentos de interveno a serem colocados disposio do poderpblico para conciliao entre o desenvolvimento econmico e a proteo ambiental. Emuma segunda etapa realizada uma anlise retrospectiva dos modelos de gerenciamento debacias hidrogrficas, buscando qualific-los quanto as possibilidades de atenderem s exignciasestabelecidas pelos critrios gerais de anlise e mecanismos de interveno previamente citados.Conclui-se que um modelo de gerenciamento de bacia hidrogrfica eficiente no atendimentodas demandas do desenvolvimento sustentvel ter que adotar uma viso sistmica dasintervenes que permita o seu planejamento estratgico. Alm disto, h necessidade de criaode instncias de participao, na forma de colegiados de bacia, que viabilizem e tornem efetivaa negociao social atravs da qual sero transacionados os objetivos de desenvolvimentoeconmico e de proteo ambiental, e foram ainda estabelecidos os padres desejveis dequalidade ambiental que se constituiro em metas de planejamento estratgico para a baciahidrogrfica.

    Atravs de um histrico das experincias mundiais e brasileiras de gerenciamento debacias hidrogrficas verifica-se que, a rigor, este gerenciamento realizado de forma parcial :ou esta pacialidade temtica, ao gerenciar unicamente o recurso hdrico, ou espacial, aogerenciar os recursos de gua e solo de pequenas bacias hidrogrficas. Nota-se tambm quenas regies de interesse do estudo poucas iniciativas de gerenciamento esto sendodesenvolvidas, a no ser as dos Estados da Bahia e de Minas Gerais, no que diz respeito implantao de sistemas de gerenciamento de recursos hdricos. Nos demais Estados soencontradas iniciativas isoladas de manejo de pequenas bacias hidrogrficas.

    O quadro apresentado, se analisado em conjunto com os dados levantados pelosdemais estudos temticos e metodolgicos, serve de pano de fundo para o estabelecimentode algumas concluses sobre as demandas e recomendaes para implantao dogerenciamento de bacias hidrogrficas na regio.

    Sempre que for apropriado, o texto remete o leitor a itens pertinentes constantes nosdocumentos aprovados pela Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento, a Rio 92, em notas de rodap.

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    2 - CONCEITUAO

    Sero a seguir apresentados para discusses posteriores alguns conceitos sugeridospara uniformizao de termos. importante a advertir que so sugestes preliminares, sujeitasa criticas e aprimoramentos.

    A Gesto ambiental uma atividade analtica e criativa voltada formulao deprincpios e diretrizes, ao preparo de documentos orientadores e projetos, estruturao desistemas gerenciais e a tomada de decises que tem por objetivo final promover, de formacoordenada, o inventrio, o uso, o controle e a proteo do ambiente.

    Fazem parte da Gesto Ambiental :

    a. Poltica ambiental: Trata-se do conjunto consistente de princpios doutrinriosque conformam as aspiraes sociais e/ou governamentais no que concerne aregulamentao ou modificao no uso, controle e proteo do ambiente.

    b. Planejamento ambiental: Estudo prospectivo que busca, na sua essncia, adequaro uso, o controle e a proteo do ambiente s aspiraes sociais e/ou governamentaisexpressas, formal ou informalmente em uma poltica ambiental, atravs dacoordenao, compatibilizao, articulao e implementao de projetos deintervenes estruturais e no-estruturais. De forma mais resumida, o planejamentoambiental visa a promoo da harmonizao da oferta e do uso dos recursosambientais no espao e no tempo.

    c. Gerenciamento ambiental: Conjunto de aes governamentais destinado aregular o uso, controle e proteo do ambiente, e a avaliar a conformidade da situaocorrente com os princpios doutrinrios estabelecidos pela poltica ambiental.

    As aes governamentais so refletidas e orientadas por leis, decretos, normas eregulamentos vigentes. Como resultado destas aes, ficar estabelecido o que denominadopor modelo de gerenciamento ou de gesto ambiental, entendido como a configuraoadministrativa adotada na organizao do Estado para gerir o ambiente. Um modelo que vemsendo amplamente utilizado, adota a bacia hidrogrfica como unidade administrativa deplanejamento e interveno ao invs de serem adotadas unidades de carter poltico-administrativo como Estados, Municpios, etc.

    d. Sistema de gerenciamento ambiental: Conjunto de organismos, agncias einstalaes governamentais e privadas, estabelecidos com o objetivo de executar apoltica ambiental atravs do modelo de gerenciamento ambiental adotado e tendopor instrumento o planejamento ambiental. No caso brasileiro, este sistema estabelecido pelo Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA).

    Em resumo, uma gesto ambiental eficiente deve ser constituda por uma polticaambiental, que estabelea as diretrizes gerais, por um modelo de gerenciamento ambientalque estabelea a organizao legal e administrativa e por um sistema de gerenciamentoambiental, que articule instituies, e aplique os instrumentos legais e metodolgicos para opreparo e execuo do planejamento ambiental.

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    Podem ser identificadas trs dimenses no Gerenciamento Ambiental:

    1- Relaciona-se ao contexto scio-econmico e diz respeito ao gerenciamento do usodos recursos;

    2- Relaciona-se ao contexto biofsico, natural ou do ecossistema e refere-se aogerenciamento da oferta dos recursos ambientais;

    3- Relaciona-se compartibilizao das duas gestes anteriores, e ocorre no contextopoltico, legal e administrativo, sendo aqui referida como gerenciamento institucional.

    A Figura 1 ilustra a inter-relao entre os gerenciamentos da oferta e a do uso dosrecursos ambientais. A identificao destas dimenses tem propsito operacional. Os recursosambientais, como solo, vegetao, e gua, tm usos alternativos, promovidos por diferentessetores scio-econmicos que estabelecem seus planos setoriais de gerenciamento. Acoordenao da oferta destes recursos ambientais para os diferentes setores scio-econmicoscarece igualmente de gerenciamento, tanto para resolver conflitos inter-setoriais, ou seja, entredemandas, como conflitos intergeracionais, ou seja, entre o uso pelas geraes presentes epelas geraes f uturas. Os diversos gerenciamentos da oferta dos recursos ambientais nopodem ser realizados de forma isolada j que o uso de um recurso pode diminuir a oferta deoutro e/ou aumentar a demanda sobre o mesmo. o caso tpico da vinculao entre osrecursos solo e gua : o uso do solo pode aumentar a demanda por gua e, em paralelo,diminuir sua disponibilidade, e vice-versa.

    Para promover a compatibilizao entre as diversas demandas e ofertas de recursosambientais a sociedade deve tomar decises polticas e estabelecer sistemas jurdico-administrativos adequados, o que leva terceira dimenso do gerenciamento ambiental. Acomplexidade de considerar em um espao geogrfico demasiadamente amplo estas trsdimenses, determina a busca de uma delimitao geogrfica mais restrita que contenha amaioria das relaes causa-efeito, sem se tornar de complexa operacionalidade. Em geral,existe uma tendncia em adotar a bacia hidrogrfica como a unidade ideal de planejamento einterveno devido ao papel integrador, fsico, econmico e natural, dos recursos hdricos. Daprojeo das trs dimenses anteriores do gerenciamento ambiental sobre a unidadegeogrfica de uma bacia hidrogrfica, surge o gerenciamento das intervenes na baciahidrogrfica ou, como usualmente denominado, o gerenciamento de bacias hidrogrficas,objeto deste estudo

    1.

    1 Esta concepo ampla do gerenciamento de bacias hidrogrficas est em sintonia com o Principio 4 da Declarao do Rio,Artigo 4 (e) da Conveno-Quadro sobre Modificaes Climticas e com o Artigo 10 (a) da Conveno sobre DiversidadeBiolgica e Captulos7 (d) e 10 (a) da Agenda 21.

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    Os conceitos apresentados e a tripla dimenso do gerenciamento ambiental nemsempre tem sido adequadamente entendidos e considerados nas iniciativas brasileiras deaperfeioamento administrativo, legal e metodolgico. Diante disto so freqentementeestabelecidas confuses e decises equivocadas que este projeto poder contribuir parasuperar. Uma delas diz respeito ao conceito de gerenciamento de bacia hidrogrfica. Estegerenciamento deveria ser considerado como resultado da adoo da bacia hidrogrfica comounidade de planejamento e interveno do gerenciamento ambiental. No entanto, ele tem

    GERENCIAMENTO DO USO

    DOS RECURSOS AMBIENTAIS

    DIMENSES DO

    GERENCIALMENTO

    AMBIENTAL

    A G R I C U L T U R A

    P E C U R I A

    E N E R G I A

    I N D S T R I A

    T R A N S P O R T E

    L A Z E R

    A D S E S I R M E I J L E A I T O O S

    O U T R O S

    U S O S

    G E

    D O

    SOLO

    R N E

    S

    R

    GUA

    C I A

    E C U

    VEGETAO

    M E N

    R S O

    FAUNA

    T O

    S

    A

    MINRIOS

    D A

    M B I

    AR

    O F E

    E N T

    CLIMA

    R T A

    A I S

    OUTROS

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    sido as vezes, confundido, com o gerenciamento de um nico recurso ambiental, a gua,quando realizado no mbito de uma bacia hidrogrfica, ou com o gerenciamento de recursoshdricos. No entanto, este gerenciamento busca a harmonizao da demanda e da oferta dagua em uma bacia, situando-se, portanto, como mostrado na Figura 2, na projeo da linhacorrespondente a este recurso, sobre a unidade espacial da bacia hidrogrfica selecionada.Confundir um com o outro significa estabelecer uma reduo temtica ao gerenciamento debacias hidrogrficas.

    Por outro lado, o gerenciamento de bacias hidrogrficas tambm confundido comum de seus instrumentos, qual seja, o ordenamento ou manejo de bacias hidrogrficas que,no seu sentido mais moderno, diz respeito a promoo de melhorias de uso dos recursosnaturais em uma bacia hidrogrfica, geralmente de pequenas dimenses, com a participaoda comunidade. Como estabelecido, o gerenciamento de bacia hidrogrfica, trata-se de umadimenso do gerenciamento ambiental que extrapola, em muito, os limites mais restritos doinstrumento comentado. Confundir um com o outro, significa estabelecer-se uma reduoconceitual, poltica, administrativa e geogrfica ao gerenciamento de bacias hidrogrficas.

  • 15

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    3 - BASES DOUTRIN`RIAS

    GERENCIAM ENTO DE BACIA

    HIDROGRFICA:

    GERENCIAM ENTO DO USO

    DOS RECURSOS AM BIENTAIS

    GERENCIALM ENTO AM BIENTAL

    EXECUTADO SOBRE A

    UNIDADE DE PLANEJAM ENTO

    DA BACIA HIDROGRFICA

    A G R I C U L T U R A

    P E C U R I A

    E N E R G I

    A

    I N D S T R I A

    T R A N S P O R T E

    L A Z E R

    A D S E

    S I R M E I J L E A I T O O S

    O U T R O S

    U S O S

    G E

    D O

    SOLO

    R N E

    S

    R

    GUA

    GERENCIAM ENTO RECURSOS HDRICOS

    C I A

    E C U

    VEGETAO

    M E N

    R S O

    FAUNA

    T O

    S

    A

    M INRIOS

    D A

    M B I

    AR

    O F E

    E N T

    CLIM A

    R T A

    A I S

    OUTROS

    Figura 2 - O gerenciamento de recursos hidrcos no contexto do gerenciamento de baciahidrogrfica

    Existe uma dificuldade bsica em realizar esta reviso devido confuso mencionadano captulo anterior e ao fato de que, a rigor, no existem experincias sobre gerenciamentode bacias hidrogrficas na amaznia, pantanal e cerrado. Podem ser encontradas iniciativasque atendem parte dos requisitos para o gerenciamento. Exemplos so os programas demicro-bacias, limitados mais ao ordenamento ou manejo de bacias hidrogrficas. E, tambm,tentativas mais abrangentes, mas com diversos graus de maturao, para implementar sistemasde gerenciamento ambiental e de gerenciamento de recursos hdricos, geralmente restritas atentativas de reformulao do arcabouo legal e administrativo.

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    Diante disto, foi adotada como estratgia de abordagem o conhecimento destasexperincias, complementado pela busca de modelos de gerenciamento ambiental e dosrecursos hdricos

    factiveis de adoo nos biomas considerados. Devem ser considerados comointegrantes desta experincia os dispositivos das Constituies Estaduais e de suasregulamentaes que tratam do ambiente como um todo e dos recursos hdricos em particular.Tambm devero ser buscadas as alternativas institucionais que os estados esto adotandopara tratamento do tema.

    A considerao destas questes demanda reflexes mais gerais relacionadas aodesenvolvimento e a proteo ambiental que devero formar um pano de fundo para destacare posicionar adequadamente o tema. Esta reflexo ser realizada no prximo item, tendo porbase texto indito de Lanna e Cnepa (1992).

    3.1 - Desenvolvimento sustentvel e o gerenciamento de bacias hidrogrficas

    Dois conceitos tem sido debatidos com grande nfase em discusses recentesrelacionadas ao meio ambiente em geral e aos recursos hdricos em particular: odesenvolvimento sustentvel e o gerenciamento de bacias hidrogrficas. O primeiro, emdiscusses mais amplas que tratam da conciliao entre a proteo do ambiente e odesenvolvimento econmico, ou a viabilizao do desenvolvimento econmico no longoprazo. O segundo conceito tem marcado as discusses orientadas na busca de alternativasgerenciais para conciliao destes objetivos anteriores, atravs da adoo da bacia hidrogrficacomo unidade ideal de planejamento e interveno. Obviamente, existe uma forte interrelaoentre ambos e, portanto, necessidade de se buscar uma viso integrada, que demonstre asformas com que um gerenciamento competente de bacias hidrogrficas poder conduzir aodesenvolvimento sustentvel. Mais do que isto, as necessidades criadas pelo paradigma dedesenvolvimento sustentvel servem para criticar os modelos vigentes e propostos degerenciamento de bacias hidrogrficas e, a partir dai, estabelecer orientaes para a busca dealternativas gerenciais mais eficientes.

    3.1.1 - O Conceito de desenvolvimento sustentvel

    A reflexo a ser apresentada sobre o conceito de desenvolvimento sustentvel apoiada nos ensinamentos da Economia Ambiental, conforme apresentados por PEARCE &TURNER (1990) e BARBIER, MARANDYA & PEARCE (1990). Segundo esta tica, os atuaismodelos econmicos de uso dos recursos ambientais apresentam dois tipos de problemas:

    a) deseconomias externas, ou seja, efeitos colaterais negativos do uso dos recursosambientais que atingem a terceiros, incluindo as geraes futuras, conseqentes diminuio da diversidade biolgica, degradao de ecossistemas, perdas de solo,incrementos da poluio hdrica e do solo, de cheias e estiagens, etc;

    b) comprometimento das prprias atividades antrpicas correntes, com umainternalizao parcial das deseconomias externas nos seus prprios causadores,resultando em estacionamento ou em perda de produtividade na atividade deuso dos recursos ambientais

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    A soluo deste problema poder ser considerada dentro de duas ticas: a jurdica ea econmica. Na tica jurdica, seriam estabelecidos limites s deseconomias externas, cujaobedincia seria estimulada por penalizao dos infratores conjugada por monitoramento epolcia ambiental. O nvel admissvel de deseconomia externa seria estabelecido pornegociao social, atravs da representao popular direta ou indireta (parlamentos) ouarbitrado pelo poder pblico responsvel. Seria buscado, assim, um equilbrio entre apromoo do desenvolvimento econmico de curto e mdio prazos, e o comprometimentodos recursos ambientais e, por conseqncia, as possibilidades de manuteno dodesenvolvimento econmico no longo prazo. Para avaliar se os projetos pretendidos geramum nvel admissvel de deseconomias externas realizado um estudo de impacto ambientalvisando a sua contabilizao.

    As solues econmicas procuram estabelecer, via mercado, atravs da imposio depreos, taxas e subsdios, o mesmo equilbrio buscado pela aplicao dos instrumentos legais.Na soluo econmica tradicional a abordagem se processa em duas etapas. Na primeira, realizada uma anlise custo-beneficio visando a estabelecer a rentabilidade social doempreendimento. Para tanto, necessrio deduzir, do valor dos benefcios privados, o valordas deseconomias externas geradas, se for possvel quantific-las. Isto d margem a realizaodos mesmos estudos de impacto ambiental anteriores. Ao mesmo tempo, ampliado ohorizonte de tempo do fluxo de caixa associado, de forma a serem avaliados os efeitos delongo prazo na atividade econmica.

    Na segunda etapa, estudada a correo das externalidades, especialmente a suainternalizao

    2, ou seja, fazer com que os seus causadores as considerem em seu processo

    produtivo e, desta forma, adeqem suas atividades. Isto pode ser executado pela aplicao doprincpio poluidor-pagador no qual so estabelecidos preos pblicos para os recursosambientais de propriedade do Estado, ou aplicados tributos sobre s eu uso ou comercializao.Este seria o caso da cobrana pela poluio da gua ou do a r. Uma situao que pode ocorrerneste caso a seguir exemplificada. Suponha um empreendimento instalado em uma regio o responsvel direto por um grande nmero de empregos e pela arrecadao de impostos.Seu produto comercializado em um mercado competitivo. Por isto, a aplicao do princpiopoluidor-pagador, ao aumentar os custos de produo, poder inviabilizar a colocao doproduto no mercado e, portanto, funcionamento do empreendimento. Para a regio no interessante o fechamento do empreendimento devido s conseqncias econmicas e sociais.Para evitar isto, uma das alternativas a aplicao do princpio beneficirio-pagador peloqual so concedidos subsdios aos empreendedores para que adotem alternativas maiseficientes sobre os pontos de vista econmico ou ambiental, sendo que tais subsdiosoneram a comunidade beneficiada. Exemplo poderia ser encontrado na concesso dedescontos de tributos municipais ou estaduais aos empreendedores que adequem seusprocessos produtivos necessidade de conservao ambiental. O uso simultneo dos doisprincpios estabelece um terceira alternativa. O Quadro 1 resume as abordagens econmicas.

    Uma quarta alternativa, no econmica, seria a regio estabelecer padres ambientaismenos restritivos, assumindo os custos sociais e ambientais da poluio.

    A diferena entre as abordagens que na abordagem jurdica as questes de custo-beneficio so deixadas para a anlise das partes empreendedoras e o instrumento de estudode impacto ambiental utilizado para identificar projetos que podem e que no podem ser

    A internalizao de custos externos sugerida no Princpio 16 da Declarao do Rio e nos Captulos 8 (c) e 18 (18.15) daAgenda 21.

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    implementados. Na abordagem econmica procura-se analisar conjuntamente os custos ebenefcios econmicos (sociais e privados) e os custos e benefcios ambientais. O instrumentode estudo de impacto ambiental utilizado como forma de quantificao de custos ambientais,se possvel em termos econmicos, e como indicador das alternativas e de seus custoscorrespondentes para correo de deseconomias externas que devam ser internalizadas atravsdos princpios poluidor-pagador ou beneficirio-pagador.

    QUADRO 1ABORDAGENS ECONMICAS PARA A INTERNALIZAO DEEXTERNALIDADES

    adoo do princpio poluidor-pagador, pelo qual obriga-se aos agenteseconmicos a incorporao aos seus custos privados dos custos de controledas externalidades geradas.

    adoo do princpio beneficirio-pagador, pelo qual a comunidade afetadasubsidia ou suborna, os agentes econmicos para a adoo das medidascorretivas nas suas atividades.

    adoo de uma combinao de 1 e 2.

    Um dos problemas desta abordagem que ela pode ser eficiente para controlar apoluio a ser emitida no futuro. Falha, porm, na recuperao de reas degradadas devidos aes poluidoras passadas. Sendo assim, ela pode ser pouco efetiva na maior parte dassituaes em que o ambiente esgotou sua capacidade de suporte a resduos e que medidasde recuperao, e no de mitigao apenas, devam ser aplicadas.

    Outra restrio ocorre quando acha-se em pauta a compatibilizao dodesenvolvimento econmico com a eqidade social. Esta eqidade pode ser promovidapela recuperao da capacidade de suporte do ambiente e tambm pela criao de empregos,redistribuio de renda, aumento de oportunidades educacionais, culturais e recreativas. difcil se conceber em que medida o princpio poluidor-pagador, que visa a impedir umcomportamento ambientalmente inadequado, possa ser aplicado para estimular umcomportamento social ou ambientalmente desejvel. O princpio beneficirio-pagador,aplicado atravs de subsdios aos empreendedores que gerem as medidas necessrias, pareceser mais adequado.

    Esta nova concepo apresenta uma diferena com relao a anterior que merece sermelhor explicada. Na primeira abordagem o poder pblico deixa aos agentes econmicos,privados e pblicos, o estabelecimento de metas de planejamento, cuidando apenas paraque os custos externos sejam considerados nas suas decises. Na ltima situao o poderpblico deve estabelecer as metas de planejamento compatibilizadas com os padres dequalidade ambiental e de eqidade social almejadas. Atravs, principalmente, do princpiobeneficirio-pagador e, eventualmente, do poluidor-pagador, estimula-se os empreendedoresa um comportamento adequado e/ou gera recursos financeiros para a implementao dosprojetos necessrios para obteno dos padres referidos.

    OPO 1

    OPO 2

    OPO 3

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    Isto leva a uma abordagem que atende exigncia ambiental ao incorporar oconceito de desenvolvimento sustentvel, ou seja, a noo de que as atividades econmicas,mesmo aquelas em expanso, devem, pelo menos, manter o capital natural, ou seja, oestoque de recursos naturais renovveis, para as geraes futuras ou, em caso de degradaoacelerada, para a gerao atual. Isto, por sua vez, d origem a uma soluo do tipo custo-efetividade, e no mais de custo-beneficio, ao longo de 5 etapas descritas no Quadro 2.

    A primeira etapa estabelece o nvel de comprometimento que o ambiente pode tercomo fonte de recursos econmicos, ou seja, estabelece o ponto de equilbrio entre adesenvolvimento e a proteo ambiental. O estabelecimento deste ponto de equilbrio, ou do"capital natural" a ser preservado, funo de uma negociao social que pode ser executadamediante duas alternativas. Na primeira alternativa o "capital natural" seria estabelecido porarbtrio do poder pblico, consultados ou no especialistas. Na outra alternativa o "capitalnatural" seria acordado mediante a participao popular atravs, por exemplo, da atuao decolegiados existentes ou a serem especificamente criados para tal, geralmente respeitandocertas condies de contorno estabelecidas pelo poder pblico. As vantagens e desvantagensde cada alternativa sero detalhadas adiante.

    QUADRO 2 - ABORDAGEM MODERNA : ANLISE CUSTO-EFETIVIDADE

    - Estabelecimento de padres de qualidade ambiental a atingir, no sentido demanter o capital natural. Por exemplo, reduzir a perda de solo de X para Y t/ha;reduzir a concentrao mxima de poluentes nos cursos de gua ou no ar de tpara 5 mg/l. Questo bsica : como so estabelecidos tais padres?

    - Gerao de alternativas pela introduo de projetos-sombra, isto , obras e/oumedidas mitigadoras acopladas ao modelo econmico corrente que permitamatingir os objetivos de qualidade adotados.

    - Gerao de alternativas vinculadas a modelos econmicos alternativos (comseus prprios projetos-sombra acoplados) capazes, igualmente, de atingir osobjetivos de qualidade estabelecidos.

    - Clculo da rentabilidade das alternativas geradas nas ETAPAS 2 e 3. Note-se,agora, em virtude da incorporao dos projetos-sombra (corretivos), asrentabilidades privada de longo prazo e social coincidem, podendo-se falar emuma nica rentabilidade. Questo bsica: qual o perodo de anlise a serconsiderado para o clculo das rentabilidades?

    - Seleo da alternativa mais rentvel.

    A segunda e terceiras etapas geram alternativas de interveno vinculadas ao modeloeconmico vigente, includos os investimentos necessrios preservao ou recuperao do"capital natural", ou vinculadas a modelos econmicos alternativos, em geral de carterconservacionista.

    Vide Princpio 16 da Declarao do Rio, e Captulos 8 e 18 (18.15) da Agenda 21 onde as bases da anlise custo-efetividade so sugeridas.

    ETAPA 1

    ETAPA 2

    ETAPA 3

    ETAPA 4

    ETAPA 5

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    Na quarta etapa, as alternativas geradas nas duas etapas anteriores so comparadasde forma que se possa selecionar a alternativa mais eficiente sob o ponto de vista social. Aquesto bsica, nesta etapa, trata do perodo a ser adotado na anlise da rentabilidade dasalternativas geradas. As anlises realizadas sob o ponto de vista privado tm geralmenteperodos mais reduzidos do aquelas que o so sob o ponto de vista pblico. Isto se deve squestes transgeracionais que so objeto de preferncias da sociedade como um todo, masno de indivduos atuando isoladamente. Sendo mais explcito, a sociedade, consideradacomo um todo, estar mais disposta a analisar os efeitos de longo prazo das suas atividades,e que por isto afetaro s futuras geraes, do que indivduos ou corporaes privadas,atuando de forma isolada. Diante disto cabe ao poder pblico assumir esta preferncia social,em nome da sociedade, nas anlises das atividades econmicas. Como existem alternativasque se mostram rentveis no longo prazo mas no em perodos mais reduzidos, poderohaver situaes em que o mesmo projeto tenha mritos econmicos sob uma tica social, epor isto sob o ponto de vista pblico, e no o tenha sob o ponto de vista privado. Esta questodever ser tratada em seguida na comparao das rentabilidades sociais e privadas dasalternativas.

    Se, na comparao, a melhor alternativa vinculada ao modelo econmico corrente(Etapa 2) tiver rentabilidade superior s demais, a anlise recairia na fase de incorporao deprojetos-sombra (ou corretivos) s atividades atuais, resultando em rentabilidade privadamenor que as atividades econmicas correntes. Diante disso, deve-se induzir os agentesprivados a um comportamento socialmente adequado mediante a adoo de uma das trsopes do Quadro 1. Em qualquer caso, faria-se com que a adoo dos projetos-sombrafosse atraente sob o ponto de vista privado (s custas da penalizao ou gratificao financeirados empreendedores), como o seria sob o ponto de vista social.

    Se for escolhido um dos modelos econmicos alternativos gerados na ETAPA 3,duas situaes podem ocorrer, conforme apresentado no Quadro 3.

    QUADRO 3 - SITUAES ALTERNATIVAS ORIGINADAS DA ANLISE"CUSTO- EFETIVIDADE

    A rentabilidade da melhor alternativa associada ao modelo econmicoalternativo superior rentabilidade privada de todas alternativas domodelo econmico corrente, de carter degradador.

    A rentabilidade (social) da melhor alternativa associada ao modeloeconmico alternativo, embora superior s rentabilidades sociais dasalternativas associadas ao modelo econmico corrente, inferior rentabilidade privada obtida na melhor alternativa com este ltimo modelo.

    Na primeira situao, a alterao do comportamento dos agentes, ou seja, a passagemdo modelo econmico corrente para o alternativo, uma questo de comunicao social ouextenso (ou, tambm, conscientizao). O comportamento socialmente mais desejvelser tambm o mais lucrativo do ponto de vista privado, tratando-se apenas de conscientizaros agentes sobre a existncia desta oportunidade.

    Na segunda situao, a rentabilidade privada maior das alternativas, vinculadas aomodelo econmico corrente, compelir ao empreendedor privado a adot-las. Para que istoseja evitado, o poder pblico dever usar os princpios "poluidor-pagador", "beneficirio-

    SITUAO 1

    SITUAO 2

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    pagador", ou uma combinao de ambos para induzir os empreendedores ou a adotarem omodelo econmico alternativo ou, se permanecerem no modelo corrente, a adotarem os"projetos-sombra" necessrios.

    Os Quadros 2 e 3 podem ter suas concepes estendidas facilmente incorporaode padres de eqidade social, o segundo tipo de objetivo a ser considerado. Neste caso, ospadres indicados na Etapa 1 do Quadro 2 seriam especificados atravs de metas dedistribuio de renda, de oferta de empregos e de oportunidades educacionais, culturais erecreativas. Outro tipo de negociao social dever ser promovido para o estabelecimentodestes padres e o processo prosseguiria com adaptaes similares s demais etapas.

    3.1.2 - Sobre a quantificao do "capital natural"4

    A primeira questo bsica formulada relacionou-se quantificao do "capital natural",ou seja, do estoque necessrio ou desejado de recursos naturais para a sociedade atual e quedever ser mantido para as geraes futuras. Isto requer levantamentos e anlises sobre adinmica ambiental, com o desenvolvimento de modelos formais ou informais de simulaoque integrem todas as relaes de causa-efeito e permitam a hipotetizao de cenriosvinculados a alternativas de uso e proteo do ambiente no futuro de longo prazo alm,portanto, dos horizontes de planejamento adotados pela iniciativa privada. Este requisitoesbarra na incapacidade de desenvolver-se modelos de simulao operacionais devido carncia de conhecimentos sobre a dinmica ambiental. Algum teor de subjetividade deverser utilizado nas projees, alm de um comportamento decisrio coerente com tal situaode grande incerteza do futuro. Este comportamento decisrio caracterizado pela preservaode opes para o futuro. Por exemplo, significaria evitar projetos que comprometessem,irremediavelmente, um recurso ambiental sobre o qual no se tem conhecimentos suficientespara permitir a projeo das conseqncias da interveno.

    A quantificao do "capital natural", no mbito dos estados brasileiros, tem sidobuscada atualmente pelas iniciativas de realizao do zoneamento ecolgico- restries deuso dos recursos ambientais ela est definindo usos alternativos mais rentveis social,econmica ou ambientalmente do capital natural e estabelecendo o patrimnio a serpreservado para as geraes futuras.

    A valorao destes cenrios outra etapa importante e complexa pois envolve vriasclasses de valores que so adotadas pela sociedade.

    a) Valor de uso o valor derivado do uso do ambiente como recurso para promover obem-estar da sociedade. Por exemplo, a floresta amaznica enquanto fonte demadeiras nobres. Um recurso com valor de uso, quando se torna escasso, assumeum valor econmico. Por exemplo, a gua tem um valor de uso. Onde ela abundanteem face demanda, como em certas regies da Amaznia, ela no tem valoreconmico. O contrrio ocorre quando escasseia, seja em termos quantitativos, e/ouqualitativos. Em certas condies, quando vivel e admissvel a atribuio de direitosde propriedade privada, um recurso econmico pode ter preo em mercado o que,dependendo das condies de formao de preos, pode estabelecer um parmetrode valorao. Este valor estabelecido pelo preo de mercado adotado nas anlisesob o ponto de vista privado.

    4O dimensionamento do capital natural est em consonncia com a proposta de estabelecimento de sistemas decontabilidade ecolgica e econmica integrada apresentada no Capitulo 8 (D), pargrafos 8.41 a 8.49, da Agenda 21.

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    b) Valor de opo o valor derivado do uso potencial do ambiente para promovero bem estar da sociedade. Ele se contrapem ao valor de uso j que este se refereao uso corrente do ambiente enquanto o de opo referencia um uso provvel quepoder ocorrer no futuro. Esta classe de valores pode ser associada estratgia depreservao de opes de uso, tpica de situaes de grande incerteza do futuro, oque poder tornar alguns recursos ambientais com valor social expressivo. Porexemplo, a floresta amaznica, por sua diversidade biolgica, poder se tornarfonte de possveis medicamentos no futuro. Trata-se, portanto, de uma face daquesto transgeracional j comentada.

    c) Valor intrinseco ou de existncia o valor intrinsecamente associado aoambiente, independente da possibilidade de seu uso, corrente ou potencial, parapromover o bem-estar da sociedade. Alternadamente, so valores estabelecidospela sociedade em uma base de "no uso", o que determina uma satisfao socialpela simples existncia de um bem ambiental (valor de existncia). Por exemplo, floresta amaznica poderia ser atribudo um valor intrnseco, mesmo que nenhumuso corrente ou potencial pudesse ser atribuido aos seus recursos, ou um valorintrnseco derivado de uma preferncia estabelecida pela sociedade (brasileira oui-lo, pagando ou no. No caso de bens pblicos j existentes no h possibilidadede transacion-los devido aos mesmos motivos. Devido a isto, estes bens nopossuem preo de mercado que possa balizar a quantificao de seu valor em termoseconmicos. No entanto, bens pblicos como eqidade social e amenidadesambientais assumem valores expressivos para a sociedade e devem ser produzidosou protegidos, cabendo ao poder pblico esta funo, que raramente assumidapela iniciativa privada.

    Isto leva concluso de que existem de bens com valores que podem ou no sereconomicamente quantificados, sendo que o"capital natural" e a eqidade social pertencemem grande parte segunda classe. Devido a isto, a fixao do ponto de mxima eficinciaentre o uso econmico do ambiente e sua proteo (ou fixao do capital natural), no poderser estabelecida pela anlise custo beneficio tradicional, mesmo quando realizada sob oponto de vista da sociedade como um todo. A alternativa que esta transao seja realizadapor negociao social ou arbtrio do poder pblico, questo a ser considerada a seguir.

    3.1.3 - Negociao social ou arbtrio do poder pblico?

    Em uma sociedade democrtica os valores sociais so estabelecidos tendo emconsiderao o postulado de que o valor social de um bem obtido pela agregao dosvalores que cada pessoa da sociedade lhe atribui, em estado de completa informao. Osindividuos tem oportunidade de expressar estes valores por suas disposies de pagamento,no que diz respeito a bens transacionados em mercados, ou pelo voto. Como a transaoentre o desenvolvimento econmico e a conservao do "capital natural" envolve bens pblicos,sem preo em mercado, a segunda forma de expresso, o voto, seria a nica alternativa paraa mesma. Entretanto, esta opo merece certas restries. Inicialmente, por uma questooperacional, a realizao de eleies formais para tomada de qualquer deciso que envolvaa questo desenvolvimento econmico vs. "capital natural" apresenta complexidades edificuldades de legitimao ainda no resolvidas pela moderna tecnologia da informao.Depois, porque o voto no expressa intensidade de sentimento: desta forma, uma minoriaque seja intensamente favorvel ou desfavorvel a uma deciso poder ser anulada por umagrande maioria que lhe oposta sem, no entanto, grande convico. Finalmente, existe a

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    questo da adequada informao: nem todo cidado est devidamente informado para atomada de posies que afetaro o futuro de sua gerao e das prximas.

    A alternativa de deixar estas questes para arbtrio do poder pblico pode serigualmente criticada. Isto resultaria em grande interveno estatal em questes para as quaiseventualmente no se acha devidamente preparado para resolver, a necessidade correlata demontar uma mquina administrativa e analtica ao custo de grandes investimentos, e o riscode que as decises acabem sendo direcionadas por questes menores, ao sabor de desejos,ambies e cimes do administrador pblico o qual, como o resto da sociedade, no imunea sentimentos mesquinhos.

    Uma soluo de compromisso pode ser buscada para a questo ambiental5. Nela, a

    sociedade deveria participar da negociao atravs de colegiados apropriados. Estescolegiados deveriam, em princpio, ser formados pela representao de usurios dos recursosambientais e de grupos sociais mais diretamente envolvidos com a questo. No entanto, no sepode desconhecer que embora as decises a respeito do uso dos recursos ambientais de umapequena bacia pouco afetem a sociedade como um todo, a concentrao das decises emtodas pequenas bacias que formam uma regio devero, por certo, afet-la. Alm disto, deveroser considerados os interesses da sociedade como um todo no uso ou proteo dos recursosambientais da bacia que podero conflitar com os da sociedade local e usurios de seus recursos.

    A questo informacional tambm relevante. Deve-se admitir que os usurios e acomunidade local nem sempre conhecem, ou tem condies de considerar, devidamente, asmltiplas facetas do uso dos recursos ambientais. Por todas estas razes deve ser promovida eestimulada a participao comunitria e de usurios no gerenciamento da bacia, sem que istoresulte na atribuio de direitos irrestritos de deciso. A negociao social a ser promovidadeve considerar os interesses de todas as partes, comunidade local, usurios e sociedade, eadotar mecanismos de precauo contra decises que no considerem carnciasinformacionais e consideraes intergeracionais.

    Para contornar a alternativa de aumentar de forma descontrolada a representaosocial no gerenciamento de cada pequena bacia, o poder pblico dever assumir o ponto devista da sociedade como um todo em sua participao no gerenciamento. Isto poder serrealizado atravs de "condies de contorno" que delimitem o espao decisrio em que anegociao social promovida pela comunidade local pode se desenvolver. Isto equivaleria aopoder pblico estabelecer limites mximos de comprometimento dos recursos ambientais nopresente e delegar comunidade a deciso sobre a forma de apropriao.

    O grau de informao da comunidade e usurios seria outra varivel a ser considerada.O poder pblico deveria, atravs de atividades de extenso e educao ambiental apropriadamentedimensionadas, orient-los sobre as conseqncias de cada alternativa selecionada.

    Concluindo, a negociao social em uma sociedade democrtica apresentadificuldades de ser conduzida de forma apropriada devido a questes operacionais,que levam limitao do nmero de participantes, e questes relacionadas ao nvelde informao. Caber ao poder pblico intervir para superar ambas dificuldades,representando os segmentos sociais excludos da negociao por questes operacionaise provendo os participantes com informaes necessrias atravs de programas deeducao ambiental e extenso. As alternativas para concretizao desta soluo decompromisso sero consideradas adiante.

    5Esta proposta est em sintonia com o Princpio 10 da Declarao do Rio, o Artigo 6 (a) iii da Conveno-Quadro sobreMudanas Climticas, e os seguintes pargrafos da Agenda 21 : 8.3, 10.10, 18.9, 18.22, 18.59 e 23.2.

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    J a questo de eqidade social mais abrangente pois no diz respeito diretamentea uma bacia hidrogrfica mas a uma nao como um todo e as suas unidades poltico-administrativas. Os colegiados adequados para o tratamento desta questo j existem oCongresso Nacional, as Assemblias Legislativas e as Cmaras Municipais.

    3.2 - Integrao dos Instrumentos : Zoneamento Ecolgico-Econmico, Estudode Impacto Ambiental e Gerenciamento de Bacias Hidrogrficas6.

    As anlises anteriores produziram os elementos necessrios para que seja promovidaa integrao dos instrumentos de gesto ambiental que so objeto deste projeto. Isto apresentado esquematicamente na Figura 3.

    O Zoneamento ecolgico-econmico tem por funo estabelecer a vocao doambiente regional com suporte de atividades de interesse antrpico. Isto materializado naforma de condicionantes regionais que determinam as atividades mais adequadas e aquelasque devem ser evitadas. Para viabilizar estas concluses podero ser requeridos estudos deimpacto ambiental, de carter regional, e no mbito das atividades de planejamento, quedeterminem os impactos de diferentes diretrizes de desenvolvimento regional. Comoconcluso, o zoneamento ecolgico-econmico dever apresentar o que aqui foi nomeadopor capital natural, ou seja, o estoque regional de recursos ambientais, distribudo naquelesdisponveis para a sociedade atual, vinculados s formas mais adequadas de uso, e aqueleque lhe indisponvel, devendo ser reservado para as geraes futuras.

    ZONEAMENTO ESTUDO DE IMPACTOECOLGICO ECONMICO AMBIENTAL

    FUNES FUNES Vocao ambientais Estabelecimento de "projeto-sombra" Condicionantes regionais Gerao e alternativas tcnicas e Estabelecimento do "Capital locacionais

    Natural" regional Restrio "ad hoc"

    GERENCIAMENTODE BACIAS

    HIDDROGRFICAS

    FUNES Negociaa social Compatibilizao das intervenes

    Figura 3- Integrao dos instrumentos de gesto ambiental

    6 A proposta de integrao aqui descrita est de acordo com o Princpio 17 da Declarao do Rio e com os pargrafos 7.41,18.12, 18.38, 18.39, 18.65, 18.72 e 23.2 da Agenda 21.

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    Os estudos de impacto ambiental, alm daqueles realizados regionalmente comosubsdio ao zoneamento ecolgico-econmico, sero realizados caso a caso analisandoconsequncias de intervenes especficas no ambiente. Estas intervenes estaro previstasno zoneamento devendo, porm, serem submetidas a estudos localizados que visem adeterminao de aes mitigadoras, ou projetos-sombra, de alternativas tecnolgicas elocacionais e, finalmente, de restries especficas.

    Finalmente, no gerenciamento de bacias hidrogrficas, estabelecida a negociaosocial que dever compatibilizar as metas de desenvolvimento econmico, proteo ambientale promoo social, no mbito desta unidade de planejamento. Para isto, devero ser atendidosos condicionantes de carter regional estabelecidos no zoneamento ecolgico-econmico econsideradas as alternativas e restries especficas introduzidas, para cada caso, pelos estudosde impacto ambiental. Haver igualmente a articulao e compatibilizao das intervenesdos diversos segmentos sociais com interesses nos recursos ambientais da bacia.

    3.3 - Marcos referencias para a gesto ambiental7

    Estabelecido o pano de fundo que procurou enquadrar os conceitos, problemas edemandas da gesto ambiental e do gerenciamento de bacias hidrogrficas, cabe nesteponto resumir as constataes em marcos referenciais, ou seja, em princpios e critrios quedevero ser adotados para a anlise de propostas e avaliao de resultados de experinciassobre o tema. Deve ser notado que, a rigor, pouco existe na literatura sobre gerenciamentode bacias hidrogrficas mas apenas sobre o gerenciamento de um de seus recursos ambientais,a gua. As experincias apresentadas dizem respeito ao gerenciamento de recursos hdricos,tal como ele foi destacado na Figura 2. possvel porm estender seus princpios e diretrizespara o gerenciamento de bacias hidrogrficas. Isto apresentado no Quadro 4.

    O princpio 7 do Quadro 4 estabelece a necessidade de descentralizao do poderde deciso com a coordenao das entidades sendo promovida por rgo nico. Isto estconsoante com as consideraes previamente apresentadas sobre o processo denegociao social. Os instrumentos que este rgo deve contar para promoo de suasatribuies so conhecidos: a) outorga do uso dos recursos ambientais de propriedadepblica como o caso da gua no Brasil ; b) licenciamento de atividades potencialmentepoluidoras; c) cobrana pelo direito de uso dos recursos ambientais de propriedade pblicae d) rateio de custo de obras de interesse comum. Estes instrumentos devero ser detalhadosadiante. Os critrios que devem nortear a atuao desta entidade coordenadora acham-seapresentados no Quadro 5.

    7 Os princpios e critrios aqui apresentados acham-se de acordo com aqueles oriundo da Rio 91, referenciados nas notasde rodap previamente colocadas.

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    QUADRO 5 - CRITRIOS PARA A ENTIDADE COORDENADORA DA GESTOAMBIENTAL. (Adaptado de Kneese e Bower,1968).

    1. Internalizar a maior parte das externalidades associadas descarga de resduos noambiente;

    2. Estar capacitada para implementar todas as medidas relevantes para a melhoria daqualidade ambiental ;

    3. Ser capaz de levar em conta, devidamente, as interrelaes entre a qualidade ambientale os outros aspectos do desenvolvimento e uso dos recursos ambientais;

    4. Ser capaz de levar em conta, devidamente, as interrelaes entre a gesto da qualidadeambiental e a gesto do uso do solo;

    5. Ser capaz de levar em conta, adequadamente, as interrelaes entre o gerenciamentoda qualidade de alguns aspectos ambientais e os impactos sobre os demais aspectosdaqualidade ambiental;

    6. Dar oportunidade para que as partes afetadas tenham voz ativa nas decises relativasaos recursos ambientais.

    QUADRO 4 - PRINCPIOS DA GESTO AMBIENTAL (Adaptado de Veiga da Cunha,Gonalves, Figueiredo e Lino (1980).

    1. A avaliao dos benefcios para a coletividade resultantes da utilizao dos recursosambientais deve ter em conta as vrias componentes da qualidade da vida: nvel devida, condies de vida e qualidade do ambiente.

    2. A unidade bsica da gesto ambiental deve ser a bacia hidrogrfica.

    3. A capacidade de autodepurao do ambiente deve ser considerada como um recursonatural cuja utilizao legitima devendo os benefcios resultantes desta utilizaoreverterem para a coletividade. A utilizao do ambiente como meio receptor de rejeitosno deve contudo provocar a rotura dos ciclos ecolgicos que garantem os processosde autodepurao.

    4. A gesto ambiental deve processar-se no quadro do ordenamento do territrio visandoa compatibilizar nos mbitos regional, nacional e internacional o desenvolvimentoeconmico e social com os valores do ambiente.

    5. Para por em prtica uma poltica de gesto ambiental essencial assegurar aparticipao das populaes atravs de mecanismos devidamente institucionalizados.

    6. A autoridade em matria de gesto ambiental deve pertencer ao Estado.

    7. Na definio de uma poltica de gesto ambiental devem participar todas entidades cominterveno nos problemas do ambiente. Todavia a responsabilidade pela execuo destapoltica deve competir a um nico rgo que coordene em todos os nveis a atuaodaquelas entidades em relao aos problemas ambientais.

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    4 - MODELOS DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS HIDRCOS

    A adoo da bacia hidrogrfica como a unidade ideal de planejamento e interveno,requer o desenvolvimento de modelos de gerenciamento que se mostrem apropriados sdemandas anteriormente apresentadas. Para tanto, ser realizada uma reviso dos modeloshistoricamente adotados para o gerenciamento de bacias hidrogrficas. Inicialmente, seroapresentadas suas evolues conceituais para, ento, serem comentadas as experinciasrelevantes realizadas adotando cada modelo. Quando apropriado ser estabelecida a ponteentre o gerenciamento dos recursos hdricos, que originou tais modelos, e o gerenciamento debacia hidrogrfica, objetivo mais amplo deste texto. O texto tem por base as anlises apresentadasem DNAEE (1985) e suas extenses realizadas em LANNA & ABREU (1992).

    A evoluo dos mecanismos institucionais e financeiros para o gerenciamento derecursos hdricos permite distinguir trs fases, que adotam modelos gerenciais cada vez maiscomplexos mas que, no obstante, possibilitam uma abordagem mais eficiente do problema :o modelo burocrtico, o modelo econmico-financeiro e o modelo sistmico de integraoparticipativa. Eles sero descritos a seguir.

    4.1- Modelo burocrtico

    Este modelo comeou a ser implantado no final do sculo XIX sendo seu marcoreferencial estabelecido no Brasil no incio a dcada de 30 com a aprovao do Decreto n24.643 de 10 de Junho de 1930, do Cdigo de ` guas. Neste modelo, o objetivo predominantedo administrador pblico cumprir e fazer cumprir os dispositivos legais. Para instrumentalizaodeste processo, em face da complexidade e abrangncia dos problemas das bacias hidrogrficas, gerada uma grande quantidade de leis, decretos, portarias, regulamentos e normas sobre usoe proteo do ambiente, alguns dos quais se tornam inclusive objeto de disposiesconstitucionais. Como conseqncia, a autoridade e o poder tendem a concentrar-segradualmente em entidades pblicas, de natureza burocrtica, que trabalham com processoscasusticos e reativos destinados a aprovar concesses e autorizaes de uso, licenciamento deobras, aes de fiscalizao, de interdio ou multa, e demais aes formais de acordo com asatribuies de diversos escales hierrquicos.

    As falhas identificadas deste modelo que ele busca to somente estabelecer condiesde contorno para a soluo da questo ambiental sendo omisso quanto necessidade doplanejamento estratgico, da negociao social e da gerao de recursos financeiros necessriosaos investimentos para implementao das solues. Tendo por base as consideraespreviamente realizadas, constata-se que o sucesso deste modelo, particularmente quandoaplicado ao gerenciamento de bacias hidrogrficas, exige que previamente ao preparo dosinstrumentos legais ocorra:

    1. uma bem sucedida negociao entre o desenvolvimento econmico e a proteoambiental, com a fixao de "capital natural";

    2. que esta negociao tenha legitimidade, ou seja, aceitao social, em qualquercircunstncia no espao e no tempo;

    3. e que, finalmente, seja possvel legislao captar exatamente suas determinaes.

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    Estes requisitos so extremamente exigentes, j que a questo em pauta surge emdiversos tipos de problemas decisrios, os quais variam l ocal e regionalmente, e tambm notempo. Isto faz com que nenhuma legislao, por mais completa e inteligente que se possaimagin-la, tenha condies de capturar a complexidade da questo ambiental, de formaespacialmente ampla e temporalmente permanente.

    Isto acaba por tornar esta legislao pouco precisa, permitindo sua aplicao emqualquer circunstncia porm de forma incua ou, no extremo oposto, demasiadamentedetalhada e, por isto, inaplicvel maioria das situaes. Ao se omitir sobre as necessidades deplanejamento estratgico, negociao social e financiamento, acaba-se por experimentar ofracasso no trato da questo ambiental, conforme tem sido verificado quando adotadaexclusivamente a via legal para solucion-la. Diante disto, a autoridade pblica torna-seineficiente e politicamente frgil ante os grupos de presso interessados em concesses,autorizaes e licenciamentos para benefcios setoriais ou unilaterais. A inadequao destasituao tem como consequncia o surgimento e agravamento dos conflitos de uso e proteodo ambiente, que realimentam o processo de elaborao de instrumentos legais, dentro daassertiva de que "se alguma coisa no est funcionando por que no existe lei apropriada".Isto acaba por produzir uma legislao difusa, confusa, muitas vezes conflitante entre si e quasesempre de difcil interpretao, com o conseqente agravamento dos problemas daadministrao pblica que de um quadro de atuao ineficiente passa para outro de totalinoperncia. Nesta situao, surge uma reao contrria, sintetizada pela frase j existem leissuficientes, havendo simplesmente necessidade de serem aplicadas. Neste caso remete-se aculpa do fracasso do modelo lentido da justia e inoperncia, ou mesmo venalidade, dopoder pblico, associadas a atitudes ambientalmente criminosas dos agentes econmicos. Ogerenciamento de recursos hdricos torna-se uma questo de polcia, desconhecendo-se queestes sintomas tem como causa fundamental a carncia de um sistema real e efetivo para suapromoo.

    Apesar de ter experimentado um fracasso reconhecido na produo de umgerenciamento eficiente de recursos hdricos no Brasil, este modelo encontrou condiespropcias para ser reformulado com o preparo das novas constituies federal e estaduais, apartir de 1988. A tica do que poderia ser denominado por modelo neo-burocrtico, queagora seria possvel o preparo de leis adequadas, pela produo de uma legislao totalmentenova e, desta vez sim, articulada e eficiente. No entanto, deve ser compreendido que, por umlado, a legislao anterior no foi resultado da incompetncia dos administradores, juristas elegisladores mas do prprio processo poltico que tal opo propicia. Sendo assim, ao sernovamente adotado este modelo, a tendncia de se cometer outra vez os mesmos erros. Poroutro lado, a dificuldade em se aplic-la no resulta da incompetncia ou venalidade daadministrao pblica, ou da lentido da justia, mas das limitaes do prprio modelo. Hnecessidade, portanto, de um modelo de gerenciamento de bacia hidrogrfica que resolva aquesto ambiental, operacionalizado e instrumentalizado por uma legislao efetiva, mas queno tenha no processo civil ou criminal sua nica opo para promoo do desenvolvimentosustentvel.

    4.2 - Modelo econmico-financeiro

    Este modelo pode ser considerado como um desdobramento da poltica econmicapreconizada por John Maynard Keynes utilizada na dcada de 30 para superar a grandedepresso capitalista e que resultou na criao nos EEUU da Tennessee Valley Authority em1933, como a primeira superintendncia de bacia hidrogrfica. tambm fruto do momentode glria da anlise custo-benefcio, cujas bases de aplicao aos recursos hdricos foram

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    estabelecidas pelo Flood Control Act, novamente nos EEUU, em 1936. No Brasil, tem comomarco de sua aplicao a criao, em 1948, da Companhia de Desenvolvimento do Vale doSo Francisco (CODEVASF).

    Ele caracterizado pela predominncia do emprego de instrumentos econmicos efinanceiros para promoo do desenvolvimento econmico nacional ou regional, e induzir aobedincia das disposies legais vigentes. Pode aparecer com duas orientaes. Em umadelas ele alicerado em prioridades setoriais do governo. Tem como fora motora programasde investimentos em saneamento, irrigao, eletrificao, minerao, reflorestamento, criaode reas de preservao, etc., e como entidades privilegiadas autarquias e empresas pblicas.Na outra orientao, mais moderna, ele busca o desenvolvimento integral, e portanto multi-setorial da bacia hidrogrfica.

    Na primeira orientao, de carter setorial, a injeo de recursos financeiros acarreta odesenvolvimento dos setores selecionados pelos planos governamentais. Isto tende a causarum desbalanceamento entre os diversos usos dos recursos ambientais e, destes usos com osobjetivos de proteo. Pode ocorrer uma apropriao excessiva e, mesmo perdulria, por certossetores, o que restringe a utilizao tima do ambiente pelos setores sociais e econmicos,possibilitando a intensificao do uso setorial no integrado em certas bacias de importnciaeconmica acarretando quase sempre os mesmos conflitos do modelo burocrtico, agora comcarter intersetorial e, at mesmo, intrasetorial. Finalmente, tende ou a subdimensionar a questoambiental, ou a superdimension-la, no processo do planejamento integrado da bacia, dandoorigem a processos traumticos e, muitas vezes, histricos de contestao por parte de grupos"desenvolvimentistas" ou ambientalistas.

    No obstante estas crticas a este modelo, mesmo com a orientao setorial adotada,representa um avano em relao ao anterior j que, pelo menos setorial e circunstancialmente,possibilita a realizao do planejamento estratgico da bacia e canaliza recursos financeirospara implantao dos planos. Isto permite a ocorrncia de um certo grau desenvolvimento nouso ou na proteo do ambiente. Falha porm na promoo do gerenciamento integral dabacia hidrogrfica, pois no trata de forma global todos os problemas e oportunidades dedesenvolvimento e proteo ambiental e no dispe sobre a negociao social para abordagemda questo ambiental antes, adota o arbtrio do poder pblico para resolv-la. Acarreta tambmo aparecimento de entidades pblicas com grandes poderes que estabelecem conflitos comoutras preexistentes, criando impasses polticos de difcil soluo. E tem uma grave conseqnciaque aparece quando os programas so encerrados: muitas vezes so perdidos grandesinvestimentos realizados para propiciar um uso setorial do ambiente que no ser maisprivilegiado no futuro ou a bacia se torna extremamente vulnervel a atividades com potencialde degradao ambiental.

    A crtica anterior pode ser contestada pela argumentao de que algumas baciasbrasileiras apresentam tal grau de deteriorao qualitativa, real ou potencial, que somenteprogramas de preservao ou recuperao, envolvendo grandes investimentos, poderosolucion-los. O mesmo pode ser comentado a respeito da necessidade de programas deirrigao, de energia, de navegao, etc. O estabelecimento de programas de investimentosno aqui condenado e nem poderia s-lo. O que se alega que a gesto ambiental, e oconseqente gerenciamento de bacias hidrogrficas, no pode ser efetivada exclusivamentepor programas setoriais, arbitrados pelo poder pblico. H necessidade de estabelecimento deum modelo de gerenciamento que possibilite o desenvolvimento econmico integral da bacia,socialmente eficiente e ambientalmente sustentvel, o que implica no fomento, articulao ecoordenao dos programas que sejam necessrios para atender necessidades e oportunidadesde curto e longo prazo, e no apenas a implementao de programas setoriais no integrados

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    e de carter transitrio. Um modelo que aumente a eficcia da gerao e emprego deinstrumentos legais, ao invs de produzir uma legislao catica. Enfim, h necessidade de ummodelo de gerenciamento de bacia hidrogrfica com a capacidade de abordar todos osproblemas e oportunidades de desenvolvimento econmico e social, e de proteo ambiental,gerando e aplicando com eficincia os instrumentos legais e econmicos necessrios, integrandoe articulando as instituies pblicas, privadas e comunitrias interessadas, dentro de umaconcepo sistmica do gerenciamento.

    Este modelo pode ser obtido com a segunda orientao do modelo econmico-financeiro, que visa ao desenvolvimento integral da bacia hidrogrfica. O problema destaopo a necessidade de criao de entidades de grande porte que concorrem peloespao poltico e administrativo com as demais entidades pblicas atuantes na bacia.Isto dificulta, freqentemente, a necessria articulao interinstitucional e com usuriose comunidade, como ser comentado quando for discutido o exemplo brasileiro deentidades deste tipo, a CODEVASF.

    4.3 - Modelo sistmico de integrao participativa

    Trata-se do modelo mais moderno de gerenciamento de recursos hdricos, objetivoestratgico de qualquer reformulao institucional e legal bem conduzida. Ele caracteriza-sepela criao de uma estrutura sistmica, na forma de matriz institucional de gerenciamento,responsvel pela execuo de funes gerenciais especficas, e pela adoo de trs instrumentos,apresentados no Quadro 6.

    QUADRO 6 - INSTRUMENTOS DO MODELO SISTMICO DE INTEGRAOPARTICIPATIVA

    Planejamento estratgico por bacia hidrogrfica. Baseado no estudo decenrios alternativos futuros, estabelecendo metas alternativas especficasde desenvolvimento integrado do uso mltiplo e proteo do ambiente nombito de uma bacia hidrogrfica. Vinculados a estas metas so definidosprazos para concretizao, meios financeiros e os instrumentos legaisrequeridos.

    Tomada de deciso atravs de deliberaes multilaterais edescentralizadas. Baseada na constituio de um colegiado no qualparticipem representantes de instituies pblicas, privadas, usurios,comunidades e de classes polticas e empresariais atuantes na bacia.Esse colegiado tem a si assegurada a proposio, anlise e aprovaodos planos e programas de investimentos vinculados ao desenvolvimentoe proteo ambiental da bacia, permitindo o cotejo dos benefcios e custoscorrespondentes s diferentes alternativas.

    Estabelecimento de instrumentos legais e financeiros necessrios implementao de planos e programas de investimentos. Tendo por baseo planejamento estratgico e as decises, sero estabelecidos osinstrumentos legais pertinentes e as formas de captao de recursosfinanceiros necessrios para implementao das decises.

    INSTRUMENTO 1

    INSTRUMENTO 2

    INSTRUMENTO 3

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    No que diz respeito ao planejamento estratgico por bacia hidrogrfica, deve serentendido que os interesses uso e proteo do ambiente de uma bacia hidrogrfica provm dediversos setores. H necessidade de serem conhecidos, ou pelo menos hipotetizados, os diversosplanos setoriais de longo prazo, quantificando e hierarquizando as intenes de uso e proteoambiental de forma que seja possvel a elaborao de um plano multi-setorial de longo prazoque buscar articular os usos entre si e estes com as disponibilidades da bacia hidrogrfica ecom a proteo ambiental. Como no planejamento de longo prazo no h possibilidade deobteno de previses confiveis, estabelece-se a demanda de formulao de cenriosalternativos de uso e proteo do ambiente que serviro de base para os planos setoriais. No possvel estabelecer-se o cenrio mais provvel de ocorrer. Em uma sociedade, demandas evalores mudam, e assim no ser encontrada em qualquer momento uma soluo final para osproblemas. O planejamento deve ser um processo contnuo de julgamentos e decises paraatender a novas situaes em um futuro incerto. Sendo assim, muitas decises quecomprometeriam o atendimento de determinados setores na ocorrncia de dado cenriodevero ser evitadas e o gerenciamento da bacia hidrogrfica poder privilegiar aquelasdecises que preservem opes futuras de uso e proteo do ambiente. O planejamentoestratgico contrasta com os programas circunstanciais do modelo econmico-financeiro porconsiderar unificadamente os problemas de desenvolvimento e proteo da bacia no longoprazo. Como consequncia, so previstos os programas de estmulo econmico e osinstrumentos legais requeridos para atendimento das necessidades sociais e ambientais.

    O segundo instrumento prev uma forma de estabelecimento da negociao coletivapreviamente apresentada, no mbito da unidade de planejamento formada pela baciahidrogrfica. A tomada de deciso, atravs de decises multilaterais e descentralizadas, no preconizado apenas como forma de democratizar o gerenciamento da bacia hidrogrfica. Nemdeve ser confundido com uma tentativa de se estabelecer o assemblesmos na tomada dedecises. Em outras palavras, qualquer deciso sendo obrigatoriamente tomada em umaassemblia de representantes dos interessados. Seu propsito vem de duas constataesimportantes e que se constituem em grandes dificuldades para um gerenciamento eficiente.Em primeiro lugar, o uso e a proteo do ambiente em uma bacia promovido por um grandenmero de entidades, de carter pblico ou privado. Estas entidades possuem graus distintosde poder poltico sendo geralmente privilegiadas, embora nem sempre, as entidades pblicase, entre estas, as federais, mais que as estaduais, e estas mais que as municipais. Quando aapropriao do ambiente atinge um nvel prximo ao das suas disponibilidades qualitativas equantitativas surgem os conflitos que envolvem diversas entidades, de setoriais e locais dabacia. Isto agravado em presena de degradao. A soluo destes conflitos difcil, mesmoexistindo entidade responsvel por esta tarefa. Via de regra, ela ter inmeras atribuies quedificultam o seu pleno exerccio por falta de pessoal, tempo ou canais de comunicao e,inclusive, conhecimento pleno da natureza dos problemas. No obstante, ser dela requeridatomada de decises crticas, pois envolvem a restrio ao atendimento de interesses, o quepode dar margem a contenciosos polticos e legais, sem se falar nas possveis manobras debastidores que resultam em presses ilegtimas. O resultado que nem sempre a soluo quepromove a maior satisfao social, a curto e a longo prazos, ser adotada. Em certos casosnenhuma soluo tomada, diante da complexidade do problema, deixando que os conflitosse resolvam por si mesmos, o que acarreta grandes prejuzos sociais e ambientais.

    A constituio do colegiado de bacia hidrogrfica visa a formao de um frum noqual todos os interessados possam expor seus interesses e discuti-los de forma transparente einequvoca. Parte do pressuposto que o poder pblico deve efetivamente assumir a propriedadedos recursos hdricos e estabelecer controles sobre o uso do ambiente, de acordo com o quedispem a Constituio. No entanto, o gerenciamento de bacias hidrogrficas complexo eenvolve diversos interesses conflitantes. Sendo assim, o poder pblico, sem abdicar ao seupapel gerencial e de coordenao, deve reconhecer a necessidade de promover uma

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    descentralizao do gerenciamento, permitindo a intervenincia dos representantes dos diversossegmentos interessados. Esta intervenincia viabiliza o estabelecimento da deciso que, naviso da maioria dos participantes do colegiado, melhor atenda aos interesses comuns, comas limitaes impostas pelo poder pblico para atender aos interesses mais amplos domunicpio, do estado ou da nao. Desta forma, evita-se a possibilidade de que ogerenciamento de bacias hidrogrficas se desenvolva nos bastidores, e traz sua execuo aocontexto de uma ampla participao e pleno conhecimento dos interesses e das conseqnciasdas decises adotadas.

    Uma outra constatao surge de uma reflexo sobre as causas da falncia dos modeloshistoricamente adotados para gerenciamento dos recursos ambientais. Uma delas que, como dito popularmente as leis muitas vezes no pegam ou seja, apesar de existirem, nem sempreso acatadas e as entidades com poderes para implement-las no tm condies operacionaisde evit-lo. Existem duas formas de corrigir este problema. Uma delas reforar o poder depolcia das entidades responsveis, o que exige grandes investimentos em pessoal eequipamentos, e a tomada de medidas coercitivas impopulares e de difcil sustentao poltica.Muitas vezes, retorna-se principal causa da falncia deste modelos, imaginando-se que osproblemas sero solucionados por novas imposies legais. A outra, mais racional, fazer comque os agentes entendam as razes da existncia das leis e de que forma suas infraes poderoafetar o bem estar das geraes presentes e futuras. A constituio de um colegiado comatribuies no gerenciamento de uma bacia uma das formas de se obter este entendimentofazendo com que cada participante controle sua atuao, impea a atuao ilegal de outros, ereforce a atuao das entidades com atribuies de controle, visando o bem comum dosinteressados na bacia hidrogrfica.

    Estas consideraes mostram a relevncia do estabelecimento de instncias denegociao como forma de tratar os valores ambientais no quantificveis economicamente ebalizar a atuao do poder pblico no trato da questo ambiental.

    O terceiro instrumento engloba uma srie de alternativas necessrias ante a constataode que o mercado de livre iniciativa, por si s, no eficiente para a promoo do usosocialmente timo do ambiente. Isto requer:

    a) a implementaao de instrumentos legais especificamente desenvolvidos paraa bacia, na forma de programas ou planos diretores, enquadramentos dos cursosde gua em classes de uso preponderante, criao de reas de interesse ecolgicoou de proteo ambiental, etc.

    b) a outorga do uso da gua, incluindo os lanamentos de resduos, atravs decotas: trata-se de um instrumento discricionrio que os poderes pblicos, federal eestaduais, proprietrios constitucionais das guas, dispem para promover o seuuso adequado sob o ponto de vista da sociedade como um todo, limitando ospoderes dos colegiados de bacia.

    c) a cobrana de tarifas pelo uso da gua, incluido o lanamento de resduosnos corpo s de gua: instrumento que pode ser usado para gerar recursos parainvestimentos na bacia, primordialmente, e para estimular o uso socialmenteadequado da gua, em carter complementar, sendo uma aplicao dos princpiospoluidor-pagador ou beneficirio-pagador acima apresentados.

    d) o rateio de custo das obras de interesse comum entre os seus beneficirios:desdobramento do instrumento anterior, que conjuga o carter financeiro com apromoo da justia fiscal, impondo o custeio de uma obra aos seus beneficiriosdiretos.

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    necessrio entender que o gerenciamento de bacias hidrogrficas comportainvestimentos de grande monta, seja em medidas estruturais, tais como reservatrios, sistemasde abastecimento e de esgotos, de irrigao, criao e fiscalizao de reservas, etc, seja emmedidas no estruturais voltadas consecuo do gerenciamento propriamente dito, na formade operao de entidades devidamente equipadas de pessoal e material, promoo deprogramas de extenso rural e educao comunitria, etc. No se pode pretender que toda asociedade pague por isso atravs de impostos mas, ao contrrio, que parcela substancial dosrecursos financeiros seja gerada na prpria bacia, onde se encontram os beneficirios diretosdos investimentos. Duas das formas de gerao de recursos financeiros so a cobrana pelouso da gua e, mais diretamente, o rateio das obras de interesse comum entre seusbeneficirios. A execuo destes instrumentos de participao financeira nos investimentospode ser facilitada na medida que seu estabelecimento e aplicao sejam realizados comampla participao dos envolvidos. Esta mais uma das justificativas para a criao docolegiado da bacia.

    Esta questo da cobrana causa muitas vezes violentas, quando no destemperadas,manifestaes de grupos ou pessoas que alegam que o Estado j c obra impostos demasiadospara o retorno que d sociedade. Entendem ser esta cobrana mais uma forma de aumentode imposto e por isto a desaprovam enfaticamente. Este instrumento, sendo entendidoadequadamente, poderia, no entanto, fazer parte at mesmo das recomendaes do discursoliberal que fundamenta estas reaes. A idia subjacente que a bacia deve gerar os recursosfinanceiros para seus prprios investimentos, assim como o faz um condomnio de edifcio.Como no existe na economia almoo grtis, a alternativa cobrana o financiamento dosinvestimentos justamente pelos impostos que seriam cobrados de toda sociedade e no daquelesegmento diretamente beneficiado, que se insere na bacia. Isto poder, inclusive, reforar osargumentos sobre a necessidade de diminuio de impostos, pois seria estabelecido uminstrumento de arrecadao alternativo que tem a vantagem de poder ser controlado pelosprprios pagadores, atravs da atuao do colegiado de bacia. Nas bacias sem capacidade depagamento haveria ainda necessidade de buscar-se nos impostos pagos por toda sociedadesuas fontes de financiamento. Neste caso, haveria a legitimao deste instrumento por estarcoadunado com objetivos sociais amplos, como os de diminuio de diferenas regionais,estabelecimento de plos alternativos de desenvolvimento, ampliao da fronteira agrcola,melhoria da distribuio de renda, etc.

    Em resumo, os instrumentos comentados facultam o comprometimento conscienteda sociedade e dos usurios dos recursos ambientais com os planos, programas einstrumentos legais requeridos para o desenvolvimento da bacia hidrogrfica. criadauma vontade poltica regional, que junto com a gerao de recursos financeiros, torna-se ovetor mais relevante do sucesso da administrao pblica na promoo do uso e proteodo ambiente.

    Do ponto de vista gerencial este modelo de sistmico de gerenciamento adapta aconcepo apresentada do gerenciamento ambiental, apresentada na Figura 1, s demandasgerenciais do gerenciamento de recursos hdricos. Sua extenso ao gerenciamento de baciashidrogrficas, de carter mais amplo, pode ser realizada devido sua concepo sistmica eintegradora. A Figura 3 apresenta a matriz gerencial resultante da concepo deste modelo,aplicada ao gerenciamento dos recursos hdricos.

    Para melhor se entender a concepo de um sistema gerencial desta natureza recomendvel dissecar as funes que deve cumprir (Lanna, Cnepa, Grassi eDobrovolski, 1989)

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    a) Gerenciamento do uso setorial da gua: trata das medidas que visam o atendimento dasdemandas setoriais de uso da gua. Este gerenciamento levado a efeito atravs deplanos setoriais e aes de instituies pblicas e privadas ligadas a cada uso especficodos recursos hdricos: abastecimento pblico e industrial, esgotamento sanitrio, irrigao,navegao, gerao de energia, recreao, etc.

    Idealmente, estes planos setoriais devero ser compatibilizados entre si no mbito decada bacia hidrogrfica e com o planejamento global do uso dos recursos ambientais, no mbitoregional ou nacional.

    GERENCIAMENTO DE

    RECURSOS HIDRCOS:

    GERENCIAMENTO DO USO

    DOS RECURSOS AMBIENTAIS

    MODELO SISTMICO

    DE INTEGRAO

    PARTICIPATIVA

    MATRIZ GERENCIAL

    A G R I C U L T U R A

    P E C U R I A

    E N E R G I A

    I N D S T R I A

    T R A N S P O R T E

    L A Z E R

    A D S E

    S I R M E I J L E A I T O O S

    O U T R O S

    U S O S

    G E R E N C I A M E N

    D O S

    R E C U R S O

    Q U A N T I D A D E

    T O

    DA

    O F E R T A

    S

    H D R I C O S

    Q U L I D A D E

    Figura 3 - Matriz gerencial do gerenciamento dos recursos hidricos.

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    Estas funes de compatibilizao, entretanto, so objeto de gerenciamentos outrosque sero apresentados a seguir. As entidades que cumprem essa funo gerencial devemter natureza executiva e so encontradas nas colunas da matriz institucional de gerenciamento.

    O gerenciamento da oferta dos recursos hdricos acha-se dividido, por questes deapresentao, em duas classes - quantidade e da qualidade. Isto deriva da tradio institucionalbrasileira que estabeleceu entidades distintas para atender a cada uma destas funes. Isto nodeve ser entendido que esta tradio deva necessariamente direcionar o aperfeioamentoinstitucional necessrio. O fato que, no momento, ela pode ser considerada como uma dascondies de contorno para esta tarefa. As funes gerenciais em pauta so:

    b) Gerenciamento da oferta da gua quantidade: a funo deliberativa eexecutiva de compatibilizao dos planos multi-setoriais de uso da gua, propostospelas entidades que executam o erenciamento das intervenes nas baciashidrogrficas, adiante definido, aos planos e diretrizes globais de planejamentoestabelecidos pelo poder pblico que , constitucionalmente, o proprietrio dosrecursos hdricos. no exerccio desta funo gerencial que deve ser adotado oinstrumento de planejamento estratgico por bacia hidrogrfica, que caracteriza omodelo sistmico de integrao participativa.

    c) Gerenciamento da oferta da gua qualidade: refere-se ao planejamento,monitoramento, licenciamento, fiscalizao e administrao das medidas indutorasdo cumprimento dos padres de qualidade ambiental estabelecidos pela negociaosocial efetivada neste modelo. Os instrumentos para atingi-los seriam baseados emum amplo leque de normas administrativas e legais: estabelecimento de padresde emisso, cobrana de multas e taxas de poluio, promoo de aes legais, etc.

    O exerccio destas duas funes gerenciais anteriores limitam a autonomia das entidadesde bacia, levando em considerao que existem impactos econmicos, ambientais e sociais deintervenes em bacias que extrapolam seus limites e, por isso, devem ser objeto de umacoordenao central. Alm disto, a funo de descentralizao assumida pelas entidades degerenciamento das intervenes nas bacias hidrogrficas no deve ser confundida ou utilizadacomo uma tentativa de diluio do poder central do Estado mas, exatamente o oposto, deveser adotada como mais um instrumento para seu exerccio de forma eficiente.

    Estas funes podero tambm compatibilizar as demandas de uso da gua entre si,quando ela no puder ser realizada pela entidade responsvel pelo gerenciamento dasintervenes na bacia hidrogrfica, seja por problemas operacionais, seja por sua inexistncia.Portanto, a necessidade do seu exerccio resulta do entendimento de que o uso global da gua,hoje em dia, no pode resultar de mera agregao das pretenses, demandas e planos deusurios setoriais. Cabe ao poder pblico a sua compatibilizao de forma que seu uso impliqueo mximo de benefcios para a sociedade.

    d) Gerenciamento das intervenes nas bacias hidrogrficas: trata da projeoespacial das trs funes anteriores no mbito especfico de cada bacia hidrogrfica,visando a:

    compatibilizao dos planos setoriais elaborados pelas entidades que executamo gerenciamento dos usos setoriais da gua na bacia e os planos multi-setoriaisde uso da gua;

    integrao das instituies, agentes e representantes da comunidade intervenientesna bacia ao planejamento do uso dos recursos hdricos e dos demais recursosambientais.

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    Esta funo deve ser portanto exercida por entidade nica para cada bacia hidrogrfica,que se responsabilizar pela descentralizao do gerenciamento neste mbito. Alguns tipos dedescentralizao por sub-bacia podero ser tambm preconizados, particularmente naquelasdemasiadamente grandes. Nestes casos seriam criados entidades de sub-bacia, em nvelhierrquico inferior s anteriores. no exerccio desta funo gerencial que se emprega oinstrumento do modelo sistmico de integrao participativa, que adota a tomada de decisoatravs de deliberaes multilaterais e descentralizadas.

    e) Gerenciamento interinstitucional: tendo como palavra-chave o termoarticulao, a funo que visa a:

    integrao das demais funes gerenciais entre si;

    integrao dos diversos rgos e instituies ligados gua com especial nfase questo qualidade quantidade;

    integrao do sistema de gerenciamento de recursos hdricos ao sistema global decoordenao e planejamento.

    A execuo desta funo gerencial estabelecida pela legislao que cria e distribuiatribuies s entidades que participam do sistema, devendo, contudo, haver uma entidadeque promova, oriente e estimule tais integraes interinstitucionais, servindo de instnciasuperior qual so dirigidos os recursos originados em dvidas de interpretao da legislao.Tal entidade, portanto, dever ser o rgo superior do sistema mencionado, como por exemplo,um conselho, sendo por sua natureza uma entidade consultiva, normativa e deliberativa.Esta concepo se enquadra com a sugesto da conferncia internacional da gua de mardel plata, em 1977, de que um sistema de gerenciamento de recursos hdricos seja coordenadopor um governo central (federal ou estadual), fazendo-se a descentralizao no mbito regionalou de bacia.

    A matriz gerencial esboada poder com adaptaes ser estendida aogerenciamento de bacias hidrogrficas, considerando todos os recursos ambientais e noapenas o recurso gua.

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    5 - HISTRICO DAS ENTIDADES DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS HDRICOS

    Os exemplos historicamente encontrados de entidades ou sistemas degerenciamento de recursos hdricos que ilustram os modelos gerenciais previamentereferidos sero a seguir apresentados. Sempre que possvel, devero ser identificadasexperincias brasileiras anlogas. Para organizao destas experincias, adotou-se em partea classificao sugerida por Burchi (1985).

    5.1- Entidades Casusticas de Gerenciamento de Bacias Hidrogrficas

    Estas entidades foram as primeiras a serem criadas para soluo de problemasespecficos resultantes do uso da gua em bacias hidrogrficas, sem se integrarem, a princpio,a um sistema de gerenciamento. Diante disto, elas apresentam vrias estruturas e atribuies, edevem ser analisadas caso a caso. Uma norma geral que apresentam preverem a participaodos usurios.

    Um dos exemplos mais antigos das associaes de bacias na alemanha, como a doRio Ruhr, estabelecidas no incio do sculo. Elas surgiram de uma concepo adotada peloKaiser Guilherme II de que os assuntos de recursos hdricos deveriam ser resolvidos por contade seus prprios usurios, cabendo ao governo apenas o estabelecimento de normas e diretrizesdestinadas a ordenar e assegurar o bom encaminhamento das solues. Sua razo de ser foi ogerenciamento do suprimento de gua e energia, e da poluio hdrica, em regies densamentepovoadas e/ou industrializadas. So formadas por unidades locais do governo e por corporaesprivadas que usam de diversas formas as instalaes fluviais. Seus recursos financeiros procedemdos prprios membros, alocaes do governo e emprstimos. A direo exercida por umaassemblia de representantes eleitos pelos prprios usurios, por um conselho de diretorespara conduo das tarefas do dia-a-dia e representao da associao, e por um congresso deapelao, ao qual so endereados recursos a deliberaes.

    Estas associaes no contam com a grande autonomia. O Estado exerce umasuperviso detalhada de suas atuaes, devendo ser por ele aprovados todos os projetos novose as regulamentaes da operao e uso de projetos existentes. No obstante esta restrio,elas podem assumir nas suas bacias atribuies normativas, deliberativas e executivas. Almdisso, podem, sem maiores dificuldades adotar os instrumentos gerenciais do modelo sistmicode integrao participativa, sendo de certa forma precursoras do mesmo.

    Outro exemplo Companhia Nacional do Rhne, na Frana, criada em 1933 para ogerenciamento de projetos de energia, irrigao e navegao daquele rio, em sua parte francesa.Trata-se de uma companhia por aes na qual tem participao entidades pblicas interessadasno desenvolvimento do Rhne e cmaras de comrcio representando interesses privados. Ainterferncia governamental grande, sendo exercida pela indicao da maioria dos membrosdo seu conselho diretor.

    A rigor, estas entidades no so representativas de qualquer um dos tipos de modelode gerenciamento, podendo fazer parte de todos. Elas mostram inclusive que experincias departicipao dos usurios no gerenciamento de recursos hdricos so to antigas quanto aprpria histria do gerenciamento.

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    5.2 - Superintendncias de desenvolvimento de bacias hidrogrficas

    A entidade mais conhecida, e que foi pioneira desta classe, foi a Tennessee ValleyAuthority (TVA) criada em 1933. Seu exemplo orientou a implantao em 1948 da Companhiade Desenvolvimento, depois Superintendncia de Desenvolvimento do Vale do So Francisco(SUVALE), mais tarde Comisso de