geografares_formação e estrutura curricular

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GEOGRAFARES, Vitória, n o 4, 2003 127 FORMAÇÃO E ESTRUTURA CURRICULAR: PELA SUPERAÇÃO DE UMA LÓGICA Silvana de Abreu Professora Adjunta do DCH/CPDO/UFMS. O tema proposto nessa mesa nos coloca a necessi- dade de discutir: o que entendemos por currículo? Ob- viamente, não se trata aqui de grandes elucubrações conceituais sobre essa temática tão própria, normalmen- te, dos estudiosos da educação e da pedagogia. Um primeiro pressuposto é de que poderia ser o currículo uma fôrma que daria forma ou formação atra- vés de um corpo de matérias. Um segundo pressuposto é que seria o currículo um indicador de caminhos a ser traçados no percurso da formação profissional do professor e/ou do bacha- rel e que teriam como fio condutor a pesquisa. Nesse sentido, teria o papel de orientação. De qualquer forma, entendemos que o currículo de um curso de alguma forma implica intenções. No caso do primeiro pressuposto, parece que é o que está posto enquanto orientação no interior das co- missões do Ministério da Educação e que se reproduz nos gabinetes das pró-reitorias de graduação de uni- versidades públicas e faculdades privadas. Aqui, não iremos tratar da prática dos burocratas que “pensam” a educação como um todo e o ensino superior especialmente, mas não podemos deixar de apontar que o desconhecimento da realidade educa- cional brasileira, bem como das especificidades locais, ou ainda, conforme argumenta Chauí (1989), a com- petência desses técnicos conduz a decisões “frias” e desprovidas de conteúdo social. Em uma pesquisa que realizamos, no início dos anos 1990 1 , junto a egressos do curso de Geografia do campus de Dourados/UFMS, ao perguntarmos por que haviam optado pelo curso de Geografia, as respostas mais comuns eram: a) a falta de condições financeiras para sair da cidade e fazer outro curso desejado, b) a disponibilidade de horário livre apenas naquele turno, por motivo de trabalho, e finalmente c) a dificuldade em ser aprovado em vestibular mais concorrido. Já em 1999, em uma pesquisa da própria universidade, cons- tatou-se que os alunos que optavam pelo curso de Ge- ografia eram majoritariamente alunos trabalhadores, 1. ABREU, S. de. Uma análise da noção de espaço e sociedade do professor de Geografia de 1º grau: formação, discurso e prática. Campo Grande: UFMS, 1993. 181 p. (Dissertação de mestrado)

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  • GEOGRAFARES, Vitria, no 4, 2003 127

    FORMAO EESTRUTURA CURRICULAR:PELA SUPERAO DE UMA LGICA

    Silvana de AbreuProfessora Adjunta do DCH/CPDO/UFMS.

    O tema proposto nessa mesa nos coloca a necessi-dade de discutir: o que entendemos por currculo? Ob-viamente, no se trata aqui de grandes elucubraesconceituais sobre essa temtica to prpria, normalmen-te, dos estudiosos da educao e da pedagogia.

    Um primeiro pressuposto de que poderia ser ocurrculo uma frma que daria forma ou formao atra-vs de um corpo de matrias.

    Um segundo pressuposto que seria o currculoum indicador de caminhos a ser traados no percursoda formao profissional do professor e/ou do bacha-rel e que teriam como fio condutor a pesquisa. Nessesentido, teria o papel de orientao.

    De qualquer forma, entendemos que o currculo deum curso de alguma forma implica intenes.

    No caso do primeiro pressuposto, parece que oque est posto enquanto orientao no interior das co-misses do Ministrio da Educao e que se reproduznos gabinetes das pr-reitorias de graduao de uni-versidades pblicas e faculdades privadas.

    Aqui, no iremos tratar da prtica dos burocratasque pensam a educao como um todo e o ensino

    superior especialmente, mas no podemos deixar deapontar que o desconhecimento da realidade educa-cional brasileira, bem como das especificidades locais,ou ainda, conforme argumenta Chau (1989), a com-petncia desses tcnicos conduz a decises frias edesprovidas de contedo social.

    Em uma pesquisa que realizamos, no incio dos anos19901, junto a egressos do curso de Geografia docampus de Dourados/UFMS, ao perguntarmos por quehaviam optado pelo curso de Geografia, as respostasmais comuns eram: a) a falta de condies financeiraspara sair da cidade e fazer outro curso desejado, b) adisponibilidade de horrio livre apenas naquele turno,por motivo de trabalho, e finalmente c) a dificuldadeem ser aprovado em vestibular mais concorrido. J em1999, em uma pesquisa da prpria universidade, cons-tatou-se que os alunos que optavam pelo curso de Ge-ografia eram majoritariamente alunos trabalhadores,

    1. ABREU, S. de. Uma anlise da noo de espao e sociedade doprofessor de Geografia de 1 grau: formao, discurso e prtica.Campo Grande: UFMS, 1993. 181 p. (Dissertao de mestrado)

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    que viviam com uma renda de at trs salrios mni-mos, eram originrios de escolas pblicas e do notur-no e no haviam passado pelo cursinho pr-vestibular,tendo prestado seleo pela primeira vez. Um outrodado interessante foi que 70% fizeram inscrio paraGeografia por livre opo.

    Um dado tambm interessante levantado em outrapesquisa realizada, em 2003, pela COPEVE, rgo res-ponsvel pelo vestibular na UFMS, revelou que na re-alizao das provas, se fossem utilizados os mesmospesos da rea de medicina, por exemplo, ou se fosseestabelecida nota de corte acima de 1,0, os cursos delicenciaturas, principalmente, teriam dificuldade empreencher as vagas.

    Como vemos, em diferentes pesquisas, se poss-vel apontar, nos ltimos dez anos, algumas diferenasdo ingresso no curso de Geografia do campus de Dou-rados/UFMS, quanto livre opo pelo curso, o perfildesse acadmico de Geografia ainda muito singular,desde a implantao do curso at os dias atuais. Trata-se de alunos-trabalhadores, de baixa renda, oriundosde um ensino fundamental e mdio deficientes e quevislumbram atravs da formao no ensino superiorbuscar melhores condies de vida.

    Aspectos de uma realidade que, se no pode defi-nir a priori uma qualidade inferior desse acadmico eat mesmo do futuro profissional-professor (e/ou ba-charel), no pode ser desconsiderada, inclusive por-que os currculos dos cursos de graduao organiza-dos em suas devidas e diversas disciplinas mais difi-cultam do que promovem a superao das lacunas e aconstruo do conhecimento geogrfico.

    Recentemente, ainda, durante a realizao do VANPEGE2, surgiu uma discusso muito interessanteque tambm gostaria de trazer para essa nossa refle-xo sobre currculo, que o fato de que os trabalhosde pesquisa apresentados durante o evento teriam poucacontribuio terico-conceitual e reflexiva para a Ge-ografia. Uma das constataes a que se chegou nessadiscusso, e que gostaria aqui apenas de registrar, foique os cursos de graduao, em grande parte, parecemno estar preocupados com a questo epistemolgica,normalmente diluda em disciplinas como Introduo Cincia Geogrfica, cuja ementa geralmente abran-ge a histria do pensamento geogrfico.

    No caso do currculo do curso de Geografia doDepartamento de Cincias Humanas do Campus de

    Dourados/UFMS, a disciplina Teoria e Mtodo emGeografia, por exemplo, que poderia contribuir para adiscusso epistemolgica e de mtodo, tem sido mi-nistrada diferentemente, de acordo com a interpreta-o que o professor/a tem da ementa, ou mesmo sobreo que pensa de cincia e mtodo.

    No cremos que esse procedimento seja exclusivi-dade desse curso, ou mesmo dessa disciplina, tambmexistente em outros cursos de Geografia que conhece-mos, mas o exemplo serve para compreendermos queo currculo em si no o definidor de resultados. Aformao resultado de mltiplas relaes em que nose pode descartar, inclusive, a relao ensino-aprendi-zagem (mas no apenas), que se d pela teoria e pelaprtica, ou seja, a base terica que embasa o currculo,as condies de sua operacionalizao e a diversidadeterico-metodolgica dos docentes em sua prtica pe-daggica3.

    Concordamos com Mauritz (1980) quando afirmaque preciso considerar as contradies inerentes aoprocesso de ensino, haja vista que a qualidade no seresume na permanncia ou nas mudanas curriculares.Compreendemos, no entanto, que mudanas so posi-tivas, pois se, como vimos, a realidade dinmica tam-bm deve ser dinmica a produo do conhecimento.Ocorre que a realidade tem se mostrado mais rica e maisdinmica do que o conhecimento que se tem dela. Porisso a cincia, e aqui em especial a Geografia, requerconstantes esforos para acompanhar essa realidade eo processo de (re)construo do seu conhecimento. Aatual dinmica das transformaes vividas, as desco-bertas cientficas e o desenvolvimento de novas tecno-logias, os novos recortes espao-temporais, a predomi-nncia do instantneo e do simultneo, as complexasinteraes entre as esferas do local e do global interfe-rindo no nosso fazer/viver exigem da Geografia a pro-cura de caminhos terico-metodolgicos capazes deinterpretar e explicar esta realidade dinmica.

    Nesse sentido, preciso avanar do formato de gra-de para percursos possveis para a formao do profis-sional de Geografia.

    Desde sua implantao, em 1983, o curso de Geo-grafia do Campus de Dourados/UFMS sofreu vrias

    2. V Encontro Nacional da ANPEGE Associao Nacional de Ps-graduao e Pesquisa em Geografia. Florianpolis, de 3 a 5 desetembro de 2003.

    3. Ver. APLEE, M. (1982); MAURITZ JR., J. (1980).

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    mudanas, acompanhando as discusses da comuni-dade geogrfica, principalmente no seio dos eventosorganizados pela Associao dos Gegrafos Brasilei-ros, e incorporando alguns princpios, entre os quais auniversalidade das concepes geogrficas e apluralidade das idias.

    Esses princpios, acreditamos, temos conseguidogarantir, inclusive pelo fato de que eles s so poss-veis porque em toda a diversidade de concepes te-rico-prticas dos docentes do curso (o que salutar) possvel encontrar unidade de objetivos, quais sejamformar professores-pesquisadores que a partir de co-nhecimentos apreendidos no curso de formao emGeografia tenham capacidade de articular conhecimen-tos empricos e tericos na compreenso da produodo espao geogrfico; analisar e intervir na realidadeatravs de proposies de solues para questes co-locadas pela/na sociedade, bem como elaborar propos-tas de contedos para fomentar a construo de con-ceitos que vo fazer parte da formao para a vida emsociedade.

    Nesse sentido, o curso de Geografia do campus deDourados tem primado por uma preocupao com aatitude profissional de nosso egresso, ou seja, com suafuno social. O que se espera de um profissional deGeografia no mundo atual? Essa uma reflexo quedevemos fazer.

    No mbito dessa preocupao, historicamente ocor-reram vrias alteraes nas disciplinas e nos ementriosdo curso. Algumas dessas mudanas foram quantitati-vas, alterao de carga horria, por exemplo, mas tam-bm houve qualitativas. Um dos exemplos a ser citadopode ser a anlise do espao mundial, que avanou deuma regionalizao do globo baseada na diviso emcontinentes, at final dos anos de 1980, para umaregionalizao do espao mundial que levou em con-siderao as transformaes espaciais e a nova ordemeconmica internacional ocorridas na ltima dcadado sculo passado.

    A partir da segunda metade dos anos 1990, devido aprovao da LDB e a todas as novidades advindasdela, passamos, no curso de Geografia do campus deDourados, a discutir a possibilidade de construo deuma proposta curricular que pudesse romper com algica formal centrada nas disciplinas. Se a Lei de Di-retrizes e Bases acenava com um discurso de flexibili-zao, isso, ao que pudemos constatar, no significa-

    ria romper com as barreiras que as caixinhas de co-nhecimentos provocavam.

    Alm disso, o projeto pedaggico que chegamos apensar que poderia ser uma das grandes contradiesda poltica neoliberal e a possibilidade de liberdade deexpresso para os cursos de graduao cerceado porum conjunto de resolues que, aos poucos, vem seconstituindo em uma camisa-de-fora para os cursosde graduao em Geografia (ainda que no seja exclu-sividade nossa), igualando o diferente e desconside-rando a diversidade que a realidade dos cursos deGeografia no Brasil.

    O enfrentamento que vnhamos tentando fazer nointerior de nossa universidade era com a tentativa deruptura com as grades curriculares paralelas de forma-o do professor e do bacharel. Em verdade, muitoscursos de Geografia, segundo o princpio da formaointegralizada para o profissional de Geografia, vemtentando burlar a dicotomia bacharel/licenciado se uti-lizando desse artifcio, qual seja, a existncia de umcurso que possa propiciar a formao do licenciado e/ou do bacharel.

    Na UFMS, a Pr-reitoria de graduao, desde 1999,vinha pressionando para a separao em dois cursos.Uma das justificativas que essa formao duplicadano aparece e no beneficia nossas estatsticas juntoao Ministrio (duplicao de esforos sem retorno po-ltico-financeiro). Essa presso vai ser muito mais for-te com a introduo das 300 horas de Prtica de Ensi-no, j em 1999. Apesar disso, o corpo docente do cur-so de Geografia do campus de Dourados permaneceucom a proposta de manter uma s entrada no vestibu-lar, permitindo, no segundo ano, a opo do acadmi-co por bacharelado e/ou licenciatura. Assim, o projetopedaggico do curso foi enviado em 2000 para a Pr-reitoria de Ensino de Graduao mantendo o formatoanterior, apenas inserindo carga horria de 300 horaspara Prtica de Ensino.

    O projeto foi retido e devolvido, alegando-se a apro-vao do Parecer CNE 9/2001 e da Resoluo.CNE02/2002, que regem sobre a carga horria dos cursosde formao de professores, bem como sobre a suaforma: 400 horas de prtica de ensino como compo-nente curricular, vivenciadas ao longo do curso; 400horas de estgio supervisionado, a partir da segundametade do curso; 1.800 horas de aulas para os conte-dos especficos de natureza cientfico-cultural e 200

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    horas de atividades complementares a ser desenvolvi-das sob outras formas de contedos curriculares denatureza cientfico-cultural; e, ainda, a ResoluoCNE14/2002, que definiu as diretrizes curriculares nacio-nais para os cursos de graduao em Geografia, defi-nindo que as cargas horrias para a licenciatura e parao bacharelado devem respeitar as Resolues espec-ficas para os cursos de formao de professores e debacharis.

    Obviamente que essas novas resolues, acompa-nhadas da poltica da universidade, que era de divisodos cursos de bacharelado e licenciatura, caram comouma luva. Vimos-nos ento na iminncia de separar ocurso de Geografia do campus de Dourados em doisou acabar com uma modalidade; o que chegamos adiscutir e at a propor, pois com a separao e criaode dois cursos haveria a necessidade de novas salas deaulas, espao fsico de que o campus, naquele momen-to, no dispunha. Um paradoxo, j que a universidade que nos obriga a duplicar o curso mas no se respon-sabiliza pela infra-estrutura necessria. Assim, chega-mos a elaborar um projeto pedaggico apenas para alicenciatura, adormecendo o bacharelado, que po-deria ser (re)oferecido em 2005.

    Essa deciso logo trouxe resultados prticos gra-ves; um deles foi que o curso, embora tenha perdidoprofessor (aposentadoria) recentemente e tambm te-nha parte considervel de seu quadro envolvido comps-graduao lato e strito sensu, poder no recebervaga para o prximo concurso, e uma das justificati-vas, ainda que no oficial, foi o fechamento do ba-charelado. Outra reao foi o imediato interesse de umafaculdade particular, que anunciou a abertura do ba-charelado em Geografia e Ambiente, para 2004.

    Entendemos que essa situao tem sentido na me-dida em que existem muitas outras dicotomias no inte-rior dos cursos de formao de graduao. o caso deensino/pesquisa, por exemplo, que se reproduz no ima-ginrio social, de forma que os cursos de formao delicenciados no demandam grandes investimentos porserem cursos para formar reprodutores de conheci-mento. Assim, na relao interna, na prpria univer-sidade, os cursos de bacharelado so mais valoriza-dos, justificando laboratrios, contratao de profes-sores, enfim.

    Na relao externa, fora da universidade, esse modode pensar sobre o professor nos leva a compreender as-

    pectos do crescimento do ensino superior privado, quetem se dado preferencialmente no oferecimento de cur-sos de formao de professores que necessitam basica-mente de: giz, saliva e pequeno acervo bibliogrfico.

    O estabelecimento de uma carga horria refernciade 1.800 horas de conhecimento especfico para oscursos de formao de professores certamente fomen-tar os chamados Centros Universitrios de Ensino dissociao do ensino e da pesquisa e, tambm, arede privada, com a criao de cursos com poucos do-centes, sem a devida qualificao, carentes de labora-trios e que, como j nos referimos, no necessitariamde grandes investimentos para ser formados. Certamen-te, essa carga horria resultado do lobby das faculda-des privadas, bem com da prtica poltica doclientelismo, que, inclusive, aprova e credencia facul-dades em troca de favores e contribuies para cam-panhas eleitorais.

    Avaliamos que as Resolues ora em pauta ratifi-cam a dicotomia bacharel/licenciado que vimos ten-tando historicamente superar e, ao mesmo tempo, noresolvem a problemtica da formao, que, como japontamos, no passaria apenas pela frma/forma (es-trutura curricular), inclusive porque o Ministrio daEducao no tem uma avaliao dos cursos de Geo-grafia e o chamado Provo, ao que parece, no d contade diagnosticar as condies dos cursos de graduao,at mesmo porque as instituies pblicas tambm vmadotando os cursinhos pr-provo inventados pelasescolas privadas. Muitas vezes, essa opo uma for-ma de defesa em um contexto de sociedade onde, cadavez mais, em todas as situaes de vivncia, o impor-tante ser competitivo. O ranking dos cursos se dprimeiro no interior da prpria instituio e depois nombito das universidades entre si.

    Entendemos, ainda, que essas medidas no resol-vem outras dicotomias apontadas, pelo contrrio, po-dem vir a reforar a separao ensino/pesquisa e teo-ria/prtica, alm de no darem conta de superar a lgi-ca formal imposta pela grade curricular que impe umaorganizao dos cursos sob a forma de disciplinas: as-pectos que engessam e mantm a formaocompartimentada. Vejamos esse paradoxo: as ativida-des complementares para ser delegadas como respon-sabilidade para um professor devero ser transforma-das em disciplina. Isso ocorre porque o controle e aorganizao dos certificados (formao no-formal) de

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    cada aluno no podem ser contados como tempo tra-balhado do professor para efeito de Gratificao deEnsino e Docncia GED (8 horas aula/mnimo). Umcontra-senso que demonstra claramente a incapacida-de de superao da lgica formal a que nos referimos.

    O estabelecimento de 400 horas para Prtica deEnsino e 400 horas para Estgio Supervisionado, sepretendia talvez garantir a relao teoria/prtica noprocesso de formao, ao que pudemos perceber, exa-gerou na dose.

    Primeiro, porque impe para todos essa medida,inclusive para os cursos noturnos, cujos alunos, comosabemos, tero dificuldade de cumprir essa exignciacurricular. Segundo, porque impe um praticismo; nocompreendendo a prtica na sua essncia, parece mes-mo pretender ensinar como dar aula. Certamente,uma concepo equivocada sobre a relao ensino-aprendizagem, que parece ser entendida como resulta-do da tcnica e do contedo.

    A prtica no se relaciona com a teoria, no caso doestgio supervisionado. A carga horria exigida (400horas) dificulta que o aluno-estagirio de um cursonoturno, por exemplo, possa permanecer na escoladurante todo esse tempo, pela sua condio de traba-lhador, mas tambm as escolas, nossos locus de est-gio supervisionado, devero receber por todo esse tem-po inmeros estagirios, em todas as reas. Talvez sejauma forma de tambm no contratar professores paraos nveis fundamental e mdio, utilizando-se da mo-de-obra dos estagirios...

    Ou ento de instituir um faz-de-conta no processode formao profissional do professor. Em verdade,diminui-se a carga horria de conhecimento especfi-co, compartimenta-se em vrias disciplinas, com pou-cas horas-aula (34, 68 horas) os vrios campos do co-nhecimento geogrfico em prol de um discursopraticista que no vai ser cumprido de fato, principal-mente nos cursos noturnos; o que timo para as fa-culdades privadas.

    Mas o que fazer? Como resistir poltica educa-cional empreendida pelo MEC, em todos os nveis?

    Como resistir s polticas de conteno de despesasque tm contribudo para a precarizao do ensino edas universidades pblicas? Como superar as amarrasimpostas?

    Resistindo! Uma das medidas que j tomamos, nointerior do curso de Geografia do campus de Doura-dos/UFMS, foi retomar a deciso de adormecer obacharelado para 2004 e impor um problema para auniversidade construo de espao fsico.

    Outra forma seria discutir as resolues aprovadaspelo MEC, no mbito da AGB e dos cursos de Geo-grafia, enfim, no sentido de propor mudanas, j queelas vm ratificar, legalizando, a dicotomia na forma-o do professor e do bacharel.

    Para concluir, gostaramos de reforar a idia deque a problemtica da formao complexa e vai almda estrutura curricular. Trata-se de considerar a prti-ca, inclusive porque, em funo dela, poderemos con-tribuir para a formulao da crtica consciente etransformadora; de um discurso da crtica pela crtica(em geral mais baseado no senso comum/ televiso),e/ou, ainda, ratificar o status quo.

    Nesse sentido, pensar sobre o papel social do egres-so implica avaliarmos tambm qual tem sido/ nossopapel social enquanto docentes/agentes em cursos deformao de profissionais de Geografia: licenciaturae/ou bacharelado.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ABREU, S. de. Uma anlise da noo de espao e socie-dade do professor de Geografia de 1 grau: forma-o, discurso e prtica. Campo Grande: UFMS,1993. 181 p. (Dissertao de mestrado)

    APLEE, M. Ideologia e currculo. So Paulo: Brasiliense,1982.

    CHAU, M. Cultura e democracia. 4. ed. So Paulo:Cortez, 1989.

    MAURITZ JR., J. Definies e modelos na teoria do cur-rculo. In: MESSICK, R. G. et al. Currculo: anlisee debate. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.

    Texto enviado para a mesa redonda Experincias na organizao de currculos de Licenciatura em Geografia,no 7 Encontro Nacional de Prtica de Ensino de Geografia (Vitria, setembro de 2003).

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    AbstractThis article analyses the contradictories aspects of curriclesformulation and the consequences the news Resolves of deConselho Nacional de Educao (Resolve 09/2001; Resolve01/2002; Resolve 02/2002 and Resolve 14/2002) to formationteachers in the geography curses. The legislation no consideredthe formations question complexity.

    KeywordsCurricule Formation and Praxis.

    ResumoEsse texto analisa os aspectos contraditrios inerentes for-mulao de currculos, bem como as conseqncias das novasResolues do Conselho Nacional de Educao (Resoluo09/2001; Resoluo 01/2002; Resoluo 02/2002 e Resolu-o14/2002) para os cursos de formao de profissionais deGeografia. Aspectos legais que desconsideram que a proble-mtica da formao complexa e vai alm das gradescurriculares.

    Palavras-chaveCurrculo Formao e Prtica.