gentil lopes - fundamentos dos números

515
7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 1/515

Upload: adriano-j-p-nascimento

Post on 04-Mar-2016

350 views

Category:

Documents


34 download

DESCRIPTION

Fundamentos dos Números: (Tudo o que você gostaria de saber sobre números, mas não tinha a quem perguntar) - Construção dos números - Números Azuis - Números Vermelhos. Gentil, o iconoclasta. 1ª edição. Boa Vista-RR Edição do autor 2016Site do autor → www.profgentil.com.brEmail → [email protected]ção eletrônica e Diagramação: Gentil Lopes da SilvaCapa: Adriano J. P. Nascimento/Gentil Lopes da SilvaFundamentos dos Números: tudo o que você gostaria de saber sobre os números mas não tinha a quem perguntar: construção dos números: números azuis:números vermelhos/Gentil Lopes da Silva.-.- Boa Vista-RR: Uirapuru, 2015x, 514 p. il. 16x23 cm[Formato e-book][Pseudônimo: Gentil, o iconoclasta.]ISBN 978-85-63979-08-71. Matemática. 2. Números Naturais.3. Números Inteiros. 4. Números Racionais.5. Números Reais. 6. Números Complexos.7. Gentil, o iconoclasta. I. Título.CDU:519.682(Ficha catalográfica elaborada por Bibliotecária Zina Pinheiro CRB 11/611)

TRANSCRIPT

Page 1: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 1/515

Page 2: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 2/515

Fundamentos dos Numeros(Tudo o que voce gostaria de saber sobre numeros mas nao

tinha a quem perguntar)

−  Construcao dos numeros−  Numeros Azuis

−  Numeros Vermelhos

Gentil, o iconoclasta

1a edicao

Boa Vista-RREdicao do autor

2016

Page 3: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 3/515

Copyright   c 2015 Gentil Lopes da Silva

Todos os direitos reservados ao autor

Site do autor →   www.profgentil.com.br

email →  [email protected]

Editoracao eletronica e Diagramacao:

Gentil Lopes da Silva

Capa: Adriano J. P. NascimentoGentil Lopes da Silva

Ficha Catalografica

S586d Silva, Gentil Lopes da

Fundamentos dos Numeros: tudo o que voce gostaria

de saber sobre os numeros mas n~ao tinha a quem per-

guntar: construc~ao dos numeros: numeros azuis:

numeros vermelhos/Gentil Lopes da Silva.-

.- Boa Vista-RR: Uirapuru, 2015x,   514 p.   il. 16x23 cm

[Formato e-book]

[Pseudonimo: Gentil, o iconoclasta.]

ISBN 978-85-63979-08-7

1. Matematica. 2. Numeros Naturais.

3. Numeros Inteiros. 4. Numeros Racionais.

5. Numeros Reais. 6. Numeros Complexos.

7. Gentil, o iconoclasta. I. Tıtulo.

CDU:519.682

(Ficha catalografica elaborada por Bibliotecaria Zina Pinheiro CRB 11/611)

2

Page 4: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 4/515

Prefacio

Este livro trata de numeros − dos naturais aos hipercomplexos −, desdea fundamentacao filosofica ate as construcoes dos mesmos. Aqui construimosos numeros a partir do zero, literalmente falando.

0   →   N   →   Z   →   Q   →   R   →→ C

HA construcao dos numeros reais, a mais delicada e engenhosa de todas, o

fazemos por dois metodos:   Cortes , devido ao matematico Richard Dedekind;

sequencias de Cauchy , devido ao matematico Georg Cantor.Ademais, exibimos dois novos modelos para tais numeros, um dos quais,

os ideogramas chineses; por exemplo os inteiros vermelhos

. . . , , , , , , , , . . .{ }Z =...

  ...  ...

  ...  ...

  ...  ...

agora sao numeros inteiros com a mesma legitimidade matematica que “osvelhos numeros inteiros”.

Existem duas questoes debatidas ha seculos por matematicos e filosofos

as quais pretendemos ter solucionado de uma vez por todas:− O que e um numero?;

− o numero, e mais geralmente a matematica, existe independentemente dohomem?  Ou ainda, a matematica e descoberta ou criada?

Neste livro debelamos estas e muitas outras questoes correlatas.   (p. 382)

Assim como no universo da musica, tambem na ciencia − e em particularna matematica − existem os compositores e os interpretes; escrevo em duasareas, matem´ atica  e  espiritualidade , em ambas me considero um compositor,alem de interprete. Escrevi quatro livros de matematica e tres de teologia.

Nao e necessario que um interprete seja original, um compositor sempre

e original, por definicao.Existe no ambiente academico por parte daqueles que decidem o que deve

ou nao constar em um livro de matematica, ou como se deve escrever umtal livro, uma   forca niveladora   para arrastar todos ao nıvel de interpretesapenas, a   criatividade   e rechacada como uma especie de heresia. O meuultimo livro de matematica publicado (Espacos Metricos, p. 445) foi re- jeitado por duas editoras, apos o que tive que tomar dinheiro emprestado noBanco para publica-lo. Uma versao deste livro em .pdf circula por diversasUniversidades brasileiras, tenho recebido diversos email’s de agradecimento,o mais recente deles com o seguinte teor:

3

Page 5: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 5/515

Page 6: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 6/515

From: Ubiratan D,Ambrosio <[email protected]>

To: Gentil Lopes da SilvaSent: Saturday, November 06, 2004 10:46 AMSubject: Obrigado pelo livroCaro Gentil

Muito obrigado pelo livro que voce mandou pelo Chateau. Esta muito bom,interessante e cheio de provocacoes. Da oportunidade para os estudantesse iniciarem em pesquisas. Voce fala que o livro destina-se a alunos de2o e 3o graus. Eu diria que e tambem para a pos. Aritmetica continuasendo grande fonte de problemas de pesquisa que podem ser trabalhadoscom relativamente pouco da complicada linguagem, notacoes e resultadosque caracterizam muitas areas da matematica. Sao formulacoes simples que

podem ser trabalhados com pouca tecnica, exigindo imaginacao e criativi-dade. Vou recomendar aos meus alunos. Mas tive um problema. Nos sitesdas livrarias, o livro nao existe. E nem esta no site da Thesaurus. Recomen-dar um livro implica dizer como adquirir. O que voce diz? Siga em frentecom suas ideias. As suas reflexoes iniciais, a sua escolha de epıgrafes, e apropria capa, sao uma grande contribuicao para um novo pensar na urgenterenovacao da educacao em todos os nıveis. A sua trajetoria desde seus estu-dos, lecionando em condicoes precarias, e com as dificuldades para publicaro livro e um exemplo, muitıssimo frequente, do processo (certamente inten-cional) de desencorajar o florescimento dos criativos, e abrir o espaco paraos executores de ideias de outros.

Uma curiosidade: voce sabia que o  Edouard Lucas, que voce cita na pagina393, e quem fez a revisao tecnica para a publicacao postuma do livro “Melan-ges de Calcul Integral”, de Joaquim Gomes de Souza, o Souzinha, em 1882?O livro havia sido recusado por inumeras editoras enquanto ele estava vivo.Muito obrigado.Um abraco, Ubiratan

Alias, lembrei que tambem publico na area de programacao, meu livro“Programando a HP  50g ”∗  encontra-se em todas as Universidades brasileiras(em versao .pdf), servindo a milhares de estudantes. Tenho recebido dezenasde email’s de agradecimentos − tanto de alunos quanto de professores − porte-lo escrito e disponibilizado.

Para finalizar, uma justificativa. Este livro foi escrito a “uma maos”(isto e, eu e eu), e facil a diagramacao de um livro com textos apenas, naoe o caso do presente livro onde constam inumeras figuras e ilustracoes, ade-mais, em muitas situacoes o autor deve decidir quando ou nao uma figuradeve constar na mesma pagina que a explicacao correspondente, em muitoscasos para nao deixar um pedaco de pagina em branco decidi interpolar al-gum texto (ou pensamento) que tivesse a ver com o contexto local ou geralda obra.   Gentil, o iconoclasta/Boa Vista-RR/16.12.2015

∗Este tambem rejeitado pela editora da minha Universidade - UFRR.

5

Page 7: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 7/515

Dedicatoria

A meus pais (in memorian)

Uma simples dedicatoria como esta me deixaria insatisfeito, representamuito pouco, nao deixaria patente a participacao do meu pai neste livro.

Do alto dos meus atuais 55 anos de idade me sinto ate feliz por terdescortinado o que vejo como uma   lei Universal; a de que tudo no Uni-verso surge de interrelacoes (rede de interconexoes), sao interrelacoes e com-binacoes apropriadas que trazem algo a existencia. Apenas para contextua-lizar, o som nao existiria sem o ouvido, nem a luz sem o olho.

Este livro (e todos os meus outros) nao teria vindo a existencia sem oconcurso do meu pai. Nao falo da trivialidade de ele ter me colocado nomundo, nao e isto.

Devemos nos situar em um contexto, em uma epoca; meu pai, homemde poucas letras era agricultor; pra comecar, em um meio e cultura ondeos pais nao davam nenhuma importancia para o estudo dos filhos, meupai, trabalhando na roca mandou todos os filhos pra estudarem na cidade,enfatizo que esta foi uma sabia decisao que concorreu para a feitura deste ede todos os meus outros livros.

Quando completei o 2 o grau nao

existia Universidade em minha pequenacidade natal, o que so veio a ocorrermuitos anos depois; quando meu paisoube do meu interesse em viajar praBelem para dar continuidade a meus es-tudos prontamente foi ter com seu patrao para pedir um adiantamento paracustear minhas despesas, como garantia prometeu ao patrao dobrar as horasde trabalho com seu unico instrumento de sobrevivencia, o machado, istoele contava sem disfarcar o orgulho.

Ora, se tudo no Universo se origina dentro de uma teia de (inter)relacoes

entao resulta obvio que meu pai tem uma participacao direta no fato de todosos meus livros terem vindo a existencia, nao e isto?

Ainda tem mais, observando meu pai em diversas situa coes e contex-tos fui levado a fazer distincao entre cultura por um lado e sabedoria einteligencia por outro. Sao coisas distintas, nem sempre convergem em ummesmo sujeito. Meu pai nao possuia cultura, entretanto possuia inteligenciae sabedoria, essa combinacao e rara de se ver.

De minha mae e suficiente dizer que nesta vida foi uma verdadeiraheroina, tambem sem cultura e vivendo em condicoes inospitas criou eeducou oito filhos.

6

Page 8: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 8/515

Pelo que conheci minha mae, a cancao a seguir e como se tivesse sido

composta para ela.

Maria, Maria   (Milton Nascimento)

Antonio Ceara/Maria Icidor

Maria, Maria,E um dom,Uma certa magiaUma forca que nos alertaUma mulher que mereceViver e amarComo outra qualquerDo planeta

Maria, Maria,E o som, e a cor, e o suorE a dose mais forte e lentaDe uma gente que rıQuando deve chorarE nao vive, apenas aguenta

Mas e preciso ter forca,E preciso ter racaE preciso ter gana sempreQuem traz no corpo a marca

Maria, Maria,Mistura a dor e a alegriaMas e preciso ter manha,E preciso ter gracaE preciso ter sonho sempreQuem traz na pele essa marcaPossui a estranha maniaDe ter fe na vida. . .

∗ ∗ ∗De minha mae herdei esta   estranha mania de ter fe na vida.

Pelo que conheci meu pai, a cancao a seguir e como se tivesse sido com-posta para ele.

7

Page 9: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 9/515

Cantiga do Estradar   (Elomar)

Ta fechando sete tempo nas inlusao que hai no mundoqui mıa vida e camıa nas bramura qui hai pru lapulas istradas do mundo saltei pur prefundos pocodia e noite sem para qui o Tıoso tem pru laJa visitei os sete reno Jesus livro derna d’eu mocoadonde eu tıa qui canta do raivoso me paiasete didal de veneno ja passei pur tantas provatraguei sem pestaneja inda tem prova a infrentamais duras penas so eu veno vo cantando mıas trovaotro cristao pra suporta qui ajuntei no camiaso irirmao do sufrimento la no ceu vejo a lua novade pauta vea c’a do cumpaıa do istradaajuntei no isquicimento ele insino qui nois vivesseo qui o baldono guardo a vida aqui so pru passameus meste a istrada e o vento qui nois intonce invitassequem na vida me insino o mau disejo e o coracaovo me alembrano na viage nois prufiasse pra se brancodas pinura qui passei inda mais purodaquelas duras passage qui o capucho do algudaonos lugari adonde andei qui nun juntasse dividisseSo de pensa me da friage nem negasse a quem pidissenos sucesso qui assentei nosso amo o nosso bemna mia lembranca nossos terem nosso perdaoligiao de condenados so assim nois ve a face ogustanos grilhao acorrentados do qui habita os altos ceusnas treva da inguinoranca o Piedoso o Manso o Justosem a luiz do Grande Rei o Fiel e cumpassivotudo isso eu vi nas mıa andanca Sio de mortos e vivosnos tempo qui eu bascuiava Nosso Pai e nosso Deuso trecho alei disse qui havera de voltato de volta ja faiz tempo cuano essa terra pecadoraqui dexei o meu luga marguiada in transgressaoisso se deu cuano moco tivesse chea de violencaqui eu saı a percura de rapina de mintira e de ladrao

8

Page 10: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 10/515

Disponível para download em:

Page 11: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 11/515

I Ching - O Livro das Mutacoes

O Livro das mutacoes e o primeiro en-

tre os seis Classicos Confucionistas e deveser considerado como um trabalho que se

encontra no proprio cerne da cultura e do

pensamento chineses. A autoridade e con-

sideracao que tem desfrutado na China ao

longo de milhares de anos so podem ser

comparadas as gozadas por textos sagra-

dos, como os Vedas ou a Bıblia, em outras

culturas.

No centro dos comentarios de Confucio, como no centro de todo o I Ching,

encontra-se a enfase no aspecto dinamico de todos os fenomenos. A transformacao

incessante de todas as coisas e situacoes e a mensagem essencial de O Livro dasMutacoes.   (Capra/O Tao da Fısica)

Na concepc˜ ao chinesa, todas as manifestac˜ oes do Tao s˜ ao geradas pela interrelac˜ ao dinˆ amica dessas duas forcas polares (yin e yang).

1   yang

0   yin

´ E importante aprender sobre a  Dicotomia Divina  e compreende-la bem para viver feliz em nosso Universo.

A Dicotomia Divina torna possıvel duas verdades aparentemente contra-dit´ orias existirem simultaneamente no mesmo espaco.

Em seu planeta as pessoas acham difıcil aceitar isso. Apreciam a or-dem, e tudo que n˜ ao se encaixa em seu quadro e automaticamente rejeitado.Por esse motivo, quando duas realidades comecam a se afirmar e parecem contradit´ orias, a suposic˜ ao imediata e a de que uma delas e falsa.   ´ E pre-ciso muita maturidade para ver e aceitar que de fato ambas poderiam ser verdadeiras.

Contudo, na esfera do absoluto −   oposta a do relativo, em que voces vivem  −   est´ a muito claro que a ´ unica verdade que e Tudo que Existe, as vezes, produz um efeito que, visto em termos relativos, parece uma con-tradic˜ ao.

Isso e chamado de Dicotomia Divina e e uma parte muito real da ex-periencia humana. E como eu j´ a disse, e praticamente impossıvel viver feliz sem aceit´ a-la. A pessoa fica sempre resmungando, zangada, aflita, buscandoem v˜ ao “justica” ou tentando muito conciliar forcas opostas que nunca deve-riam ser conciliadas mas que, pela pr´ opria natureza da tens˜ ao entre elas,produzem exatamente o efeito desejado.   (Conversando com Deus /N. D. W.)

10

Page 12: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 12/515

Sumario

1 O QUE  E UM NUMERO 13

1.1 O Que e um Numero? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151.1.1 Conjuntos × Estruturas . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

1.1.2 O numero (ou a matematica) existe independente-mente do homem? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

1.1.3 A filosofia do Nada −  do Vazio, da Vacuidade . . . . . 26

1.1.4 A Estrutura Cognitiva de Referencia . . . . . . . . . . 36

2 RELAC OES BINARIAS 492.1 Relacoes Binarias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 532.2 Relacoes Especiais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59

2.3 Relacoes de equivalencia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

2.4 Relacoes de ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76

3 NUMEROS NATURAIS 813.1 Axiomatica de Peano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82

3.2 Construcao dos Naturais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

4 NUMEROS NATURAIS AZUIS E VERMELHOS 1174.1 Os Naturais Azuis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117

4.1.1 Inıcio da construcao dos naturais azuis . . . . . . . . . 119

4.1.2 A funcao sucessor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121

4.2 Os Naturais Vermelhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137

4.2.1 Isomorfismo entre estruturas . . . . . . . . . . . . . . 138

•  Apendice: Matriz de combinacoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141

5 NUMEROS INTEIROS 1475.1 Construcao dos Inteiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153

5.2   Identificando os inteiros positivos com os naturais . . . . . 181

6 INTEIROS AZUIS E VERMELHOS 2096.1 Os Inteiros Azuis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 209

6.1.1 Representacao binaria para os inteiros azuis . . . . . . 2116.2 Os Inteiros Vermelhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 216

11

Page 13: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 13/515

7 NUMEROS RACIONAIS 219

7.1 Construcao dos Racionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2197.1.1 Operacoes em  Q   . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227

7.2 Relacao de ordem em  Q   . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2367.3 Os Inteiros como “Subconjunto” dos Racionais . . . . . . . . 242•   Apendice: Supremo e  Infimo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 246

7.3.1 Modulo/Distancia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 256

8 RACIONAIS AZUIS E VERMELHOS 2618.1 Construcao dos Racionais Azuis . . . . . . . . . . . . . . . . . 2618.2 O Mito das Ambiguidades nas Representacoes . . . . . . . . . 276•  Apendice: Um resultado bizarro: 0, 999 . . .  = 0 . . . . . . . . . . 284

9 NUMEROS REAIS POR DEDEKIND 2879.1 Construcao dos Reais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2919.2 O que e um corte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2939.3 Operacoes em C   . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 300

9.3.1 Adicao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3019.4 Relacao de ordem em C   . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 313

9.4.1 Multiplicacao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3199.5 Completude segundo Dedekind . . . . . . . . . . . . . . . . . 350•   Apendice: Supremo e  Infimo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 372

10 NUMEROS REAIS POR CANTOR 38310.1 pre-requisitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 384

10.1.1 Sequencias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38410.1.2 Subsequencias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38910.1.3 Sequencias de Cauchy . . . . . . . . . . . . . . . . . . 396

10.2 Relacao de ordem em C   . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 419

11 NUMEROS REAIS AZUIS E VERMELHOS 453

12 NUMEROS COMPLEXOS 45512.1 Imersao de  R em  C   . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 463

13 NUMEROS HIPERCOMPLEXOS 47113.1 Imersao de  R em  H  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 478

14 CONSULTAS 48714.1 Elementos de Logica & Demonstracoes . . . . . . . . . . . . . 487

14.1.1 Operacoes Logicas sobre Proposicoes . . . . . . . . . . 48814.1.2 Tecnicas (Engenharia) de Demonstracao . . . . . . . . 49214.1.3 Funcoes Proposicionais/Quantificadores . . . . . . . . 500

12

Page 14: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 14/515

Capıtulo 1

O QUE  E UM NUMERO

A abstracao desobstrui o espırito, o

torna mais leve e dinamico.

(Gaston Bachelard)

Introducao

Parece mentira, mas se o leitor procurar em um livro de matematica aresposta para o que seja um numero, nao vai encontrar. E se o leitor fizer

esta pergunta a um matematico tambem nao vai obter a resposta, e ironico!Ele dira, a exemplo de Peano∗: “n´ umero e um conceito primitivo, n˜ ao se 

define ”, e assim ele se livra desta responsabilidade − escapa pela “tangente”como se diz.

Que esta “deficiencia”, digamos assim, ja vem de longas datas e o quepodemos inferir da citacao a seguir:

A ambivalencia dos matem´ aticos do Seculo XVIII em relac˜ ao aos n´ umeros complexos pode mais uma vez ser evidenciada em Euler. Apesar de seus trabalhos em que ensinava a operar com eles, afirma 

“Como todos os n´ umeros concebıveis s˜ ao maiores ou menores do

que zero ou iguais a zero, fica ent˜ ao claro que as raızes quadradas de n´ umeros negativos n˜ ao podem ser incluıdas entre os n´ umeros possıveis [n´ umeros reais]. E esta circunstˆ ancia nos conduz ao conceito de tais n´ umeros, os quais, por sua pr´ opria natureza, s˜ ao impossıveis, e que s˜ aogeralmente chamados de n´ umeros imagin´ arios, pois existem somente na imaginac˜ ao.”   [7]

∗Giuseppe Peano (1858-1932), natural de Cuneo, Italia, foi professor da AcademiaMilitar de Turin, com grandes contribuicoes a Matematica. Seu nome e lembrado ho jeem conexao com os axiomas de Peano  dos quais dependem tantas construcoes da algebrae da analise  −  a exemplo da “Curva de Peano”.

13

Page 15: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 15/515

Observe que, na mente de Euler, “todos os numeros concebıveis sao

maiores ou menores do que zero ou iguais a zero”; o que prova que Eulere, por extensao os demais matematicos, nao havia ainda atinado com umacompreensao necessaria (satisfatoria) do conceito de numero.

Nota : O conceito − e entendimento − de numero veio evoluindo ao longodos seculos; portanto e perfeitamente compreensıvel que os matematicos, deentao, nao se sentissem a vontade com este “ente”, bem sabemos que isto emnada diminui os meritos destes grandes matematicos, o que nao nos impede,todavia, de por em evidencia esta curiosa particularidade.

Por outro lado, o que me deixa impressionado, embasbacado ate, foi otardio domınio do importante conceito de numero negativo; ate ha poucotempo atras matematicos de estirpe ainda claudicavam no entendimento do

que fosse um numero negativo, observe como nao estou exagerando:

Peacock n˜ ao produziu resultados novos not´ aveis em matem´ atica, mas teve grande importˆ ancia na reforma do assunto na inglaterra, espe-cialmente no que diz respeito a ´ algebra. Tinha havido em Cambridge uma tendencia t˜ ao conservadora em ´ algebra quanto na geometria e na an´ alise; ao passo que, no Continente, os matem´ aticos estavam desen-volvendo a representac˜ ao gr´ afica dos n´ umeros complexos, na inglaterra havia protestos de que mesmo os n´ umeros negativos n˜ ao tinham validade.

(Boyer, p. 420)

Isto tudo dentro do ja avancado Seculo XIX.

N˜ ao constituir´ a ent˜ ao uma vergonha para a Ciencia estar t˜ ao pouco elucidada acerca do seu ob-

 jeto mais pr´ oximo, o qual deveria, aparentemente, ser t˜ ao simples? Menos prov´ avel ainda e que se seja capaz de dizer o que o n´ umero e. Se um conceito que est´ a na base de uma grande ciencia oferece dificuldades, inves-tig´ a-lo com mais precis˜ ao com vista a ultrapassar essas dificuldades e bem uma tarefa inescap´ avel.

(Frege/Os Fundamentos da Aritmetica )

Friedrich Ludwig Gottlob Frege   (1848 — 1925) foi um matematico,logico e filosofo alemao.

Trabalhando na fronteira entre a filosofia e a matematica, Frege foi umdos principais criadores da logica matematica moderna.

Nao podes encontrar a verdade com a logica se nao ja a tensencontrado sem ela.   (G.K. Chesterton)

14

Page 16: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 16/515

1.1 O Que e um Numero?

No inıcio era o caos. . . e Deus disse:

‘Que exista a luz!’ E a luz comecou a

existir. (Gn 2 : 3)

Em nosso entendimento, a falta de clareza a respeito do que seja umnumero constitui-se numa  pedra de tropeco   para a compreensao de muitasquestoes relevantes tanto no ambito da matematica quanto no da filosofia damatematica.   E nosso objetivo na presente secao dizer o que e um numero,definir (estabelecer) este conceito matematico fundamental.

1.1.1 Conjuntos ×  EstruturasO entendimento do que seja um numero inicia-se com a distincao entre

conjunto  e  estrutura.Em matematica sao frequentes conjuntos munidos de uma ou mais opera-

coes, que gozam de certas propriedades. Esses conjuntos com tais operacoese respectivas propriedades constituem aquilo que denominamos  estruturas algebricas .

Para nos auxiliar em nosso objetivo (deixar claro a diferenca entre con- junto e estrutura) vamos recorrer a uma analogia: Suponhamos um conjuntoM   cujos elementos sao materiais de construcao, assim:

M   = {tijolo,  cimento,  seixo,  pedra,  areia, . . .}“sobre” este conjunto podemos construir diversas estruturas, por exemplo:

−  Edifıcio

−  Casa

−  Ponte

Conjunto

Estruturas

Nao devemos confundir o conjunto  M   com a “estrutura” edifıcio, porexemplo.

Mas este tipo de confusao e o que comumente se faz quando se fala deconjuntos numericos. No nosso entendimento um “conjunto numerico” emuito mais que um mero conjunto,   e uma estrutura. Ha tanta impre-cisao em considerar um “conjunto numerico” como um conjunto, quantoconfundir o edifıcio com o conjunto M , na analogia acima.

Entendemos que com respeito aos entes (conceitos) matematicos naodeve ser diferente.

15

Page 17: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 17/515

Vejamos um exemplo retirado da matematica. Considere o conjunto de

pontos  R2

= (x, y) :  x, y ∈ R, cuja versao geometrica e vista a seguir:

R2

0

   (x, y)

sobre este conjunto podemos construir, p or exemplo, tres estruturas, assim:

- Espaco vetorial:

(a, b) + (c, d) = (a + c, b + d)

λ(a, b) = (λa, λb)

- Numeros  C : (a, b) + (c, d) = (a + c, b + d)

(a, b)·

(c, d) = (ac−

bd, ad + bc)

- Numeros  H :

(a, b) + (c, d) = (a + c, b + d)

(a, b) · (c, d) = (ac ∓ bd, |a|d + b|c|)

R2

0

 (x, y)

Assim o numero de estruturas que podemos construir sobre um mesmoconjunto estara limitado apenas por nossa criatividade∗.

A recıproca tambem vale: Um mesmo sistema numericopode ser implementado em varios hardwares (conjuntos)

Por oportuno, observamos que assim como podemos construir diversasestruturas sobre um mesmo conjunto (“hardware”), a recıproca tambemvale: um mesmo sistema numerico pode ser implementado em conjuntos(hardwares) distintos:

∗C   : Numeros complexos. Os numeros   Hipercomplexos e um novo sistema numericoque construimos sobre o  R2, e tambem uma generalizacao dos numeros reais.Na abscissa do produto, tomamos −  se  a c ≥  0, tomamos + caso contrario.   (p. 471)

16

Page 18: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 18/515

(Software)

- Um mesmo software (conjunto de instrucoes) pode rodar em hardwares distintos

Por exemplo, no capıtulo 4 estaremos rodando o software dos numerosnaturais,   (p. 91)

N = { 0,  1,  2,  3,  4, . . . }em outros dois hardwares: em um conjunto de sequencias binarias,

N = { 0 0 1 0 ,   0 0 0 0 ,   0 1 0 0 ,  1 0 0 0 ,  1 1 0 0 , . . . }e no conjunto de ideogramas∗   chineses,

  N =   , , , , , . . .

Resumindo,

N = { 0,  1,  2,  3,  4, . . . }

N = { 0 0 1 0 ,  0 0 0 0 ,   0 1 0 0 ,   1 0 0 0 ,   1 1 0 0 , . . . }

 

N =   , , , , , . . .

(Software dos Naturais)

- Software dos Naturais roda em tres hardwares distintos

Pois bem, retomando, do nosso ponto de vista, os  “conjuntos” numericos serao estruturas construidas sobre conjuntos.

Em alguns livros-texto ao inves de conjunto dos numeros reais diz-sesistema dos numeros reais, designacao esta mais apropriada −  a nosso ver−, uma vez que nos permite uma distincao entre conjunto e estrutura.

∗Caracteres graficos que expressam uma ideia atraves de uma forma simbolica.

17

Page 19: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 19/515

Os nossos sistemas numericos sempre serao construidos em cima de al-

gum conjunto. Em funcao do exposto e que sentimos a necessidade de umanotac˜ ao   mais apropriada. Utilizaremos dois estilos de fontes, um para oconjunto e outro para a estrutura (construida sobre aquele conjunto), porexemplo, assim:

Estrutura:   N ←−

Conjunto:   N

Estrutura:   Z ←−

Conjunto:   Z

Estrutura:   Q ←−

Conjunto:   Q

A Identidade de um Elemento

Uma outra distincao que se faz necessaria e quanto a natureza (identi-dade) de um elemento.

Perguntamos: afinal de contas o par ordenado (3, 2) e um vetor ou umnumero complexo?

Respondemos: o par ordenado (3, 2), por si so, nao e nem uma coisanem outra, e apenas um elemento do conjunto  R2. Agora dependendo docontexto em que nos situamos, este elemento pode ser um vetor, um numerocomplexo, ou ainda um numero hipercomplexo.

Se, por exemplo, o par ordenado (3,  2) estiver inserido na estrutura deespaco vetorial∗   ele sera um vetor, se estiver sendo manipulado na estru-tura numeros complexos ele sera um numero complexo, e se estiver sendo

manipulado dentro da estrutura “Hipercomplexa” sera um numero hiper-complexo.   (ver fig., p. 16).

Portanto, enfatizamos, e a estrutura que confere “dignidade” (identi-dade) a um elemento. Vejamos algumas analogias:1 a ) Suponhamos que desejamos jogar xadrez mas nao dispomos das pecas,apenas do tabuleiro. Nao ha o menor problema:

feijao →  Rei

arroz → peoes

milho → torres

...  ...

...

∗ Se estiver sendo operado segundo as regras que definem um espa co vetorial (p. 16).

18

Page 20: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 20/515

podemos substituir as pecas por cereais. Por exemplo, um caroco de feijao

fara o papel de rei, os peoes serao substituidos por graos de arroz, as torrespor carocos de milho, etc.

Observe mais uma vez que e a estrutura que confere a “dignidade” (iden-tidade) de um elemento: um mero caroco de feijao de repente ve-se pro-movido a “rei”, ao participar da estrutura xadrez.

2 a ) Como mais um exemplo da “metamorfose” conferida pela estrutura,o Brasil esta empestado de ratazanas (bandidos) que, ao ingressarem naestrutura polıtica, tornam-se “vossa excelencia”:

Assim como um mero caroco de feijao torna-se um “rei” ao ingressarna estrutura xadrez, bandidos tornam-se “vossa excelencia” ao ingressar naestrutura polıtica brasileira.

3 a ) Como mais um exemplo de que uma estrutura pode “metamorfosear”um elemento, basta observar a estrutura “religiosa” mundial.

− Estrutura Religiosa

19

Page 21: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 21/515

Assim como um mero caroco de feijao torna-se um “rei” ao ingressar na

estrutura xadrez, um assassino torturador∗   torna-se “vossa santidade” aoingressar na estrutura religiosa.

4 a ) Assim como um mero caroco de feijao torna-se um “rei” ao ingressar naestrutura xadrez, bandidos tornam-se pastores de ovelhas e homens ungidospor Deus, ao ingressarem em uma estrutura religiosa:

(Os bandidos trocaram o revolver pela Bıblia!)

- Eu nao tenho

onde reclinar

minha cabeca.

(Jesus)

∗ ∗ ∗

No lugar da verdade ou da realidade, temos uni-camente o limitado discurso humano, os sistemas de crenca e os atos de interpretac˜ ao que cada um de n´ os 

 faz na pris˜ ao da linguagem ou da cultura. Desafiar es-sas pretensas “verdades”, desconstruir as suposic˜ oes nas quais elas se ap´ oiam, e a tarefa da nossa epoca.

(Danah Zohar, fısica e filosofa)

∗Refiro-me a “Santa Inquisicao”, as inumeras Cruzadas papais, as milhares de “bruxas”torturadas e queimadas vivas em fogueiras. Lembramos que o cientista Giordano Brunofoi queimado vivo em uma fogueira no ano 1600, Galileu so nao teve o mesmo fim tragicoporque negou que a Terra girava em torno do sol.

20

Page 22: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 22/515

Retomando, antes de definir o que seja um numero necessitaremos de

duas definicoes preliminares:

Definicao 1  (Operacao).   Sendo  E  um conjunto nao vazio, toda aplicacao(funcao)  f :  E × E →   E recebe o nome de operacao sobre  E.

Para construirmos (erigirmos) um sistema numerico sobre um dado con- junto basta definirmos duas operacoes sobre este conjunto, uma das quaissera chamada de  adic˜ ao e a outra de  multiplicac˜ ao, simbolizadas por + e ·,respectivamente. Mais formalmente,

Definicao 2  (Conjunto numerico).  Dado um conjunto  E  nao vazio e duasoperacoes sobre  E,

+ :  E × E →   E(x, y)   x + y→

· :  E × E →   E(x, y)   x · y→

A   terna   (E,  +, ·) e o que entendemos por um  conjunto numerico   (ouestrutura numerica ). Usaremos da seguinte notacao (E,  +, ·) = E.

Observe que um “conjunto numerico” e mais que um mero conjunto, euma estrutura (ou sistema).

Definicao 3   (Numero).   Um “elemento” de um conjunto continuara a serchamado de elemento; agora, ao construirmos uma estrutura numerica sobreeste conjunto, este elemento  tera adquirido o status de numero.

E E ×  E EE

+

·   E = (E, +, ·)

- Conjunto

(aqui temos elementos)

- Estrutura

(aqui temos numeros)

21

Page 23: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 23/515

Exemplo:  Vamos construir um “conjunto numerico” (sistema numerico).

Considere o conjunto com dois sımbolosE = { 0,  1 }

ate este momento 0 e 1 sao reles elementos deste conjunto. Vamos atribuira eles status de numeros. Para tanto vamos definir duas operacoes sobreesse conjunto, uma chamada de adicao

+ :  E × E →   E(x, y)   x + y→

0 + 0 = 0

0 + 1 = 1

1 + 0 = 1

1 + 1 = 0

e outra chamada de multiplicacao

· :  E × E →   E(x, y)   x · y→

0 · 0 = 0

0 · 1 = 0

1 · 0 = 0

1 · 1 = 1

Acabamos de construir o seguinte sistema numerico:   E = ({ 0,  1 },  +, ·).Agora, 0 e 1 sao numeros. Mais uma vez observe que e a estrutura que

confere status de numero a um reles elemento de um conjunto:

E = { 0,  1 }−  Aqui 0 e 1 sao meros

elementos de um conjunto.

E = ({ 0,  1 },  +, ·)−  A quio 0 e 1 s ao numeros

de uma estrutura numerica.

Nota:   Neste livro utilizaremos o mesmo sımbolo, ∈, tanto de elemento paraconjunto quanto de numero para estrutura.

Adendo:   Ao contrario do que muitos leitores poderiam pensar, o sistemanumerico  E  definido acima presta para alguma coisa: tem aplicacoes na in-formatica e na matematica. Resulta numa estrutura que os matematicos

denominam de  corpo.A isto se acrescenta que todo sımbolo e ambivalente e ate mesmo

polivalente, no sentido de que ele pode significar uma pluralidade de rea-lidades diversas e mesmo contradit´ orias.   (Leon Bonaventure)

Ademais, o leitor nao se escandalize com a operacao 1 + 1 = 0, postoque, se servir de consolo, mesmo na fısica −  supostamente mais aderente arealidade − nem sempre 1 + 1 = 2. Por exemplo, se adicionarmos duas ve-locidades iguais a 1, na fısica de Galileu teremos 1 + 1 = 2, ja na de Einsteinteremos 1 + 1 = 2.   (ver p. 48)

22

Page 24: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 24/515

N˜ ao h´ a mais, para os teoremas, verdade separada e, por assim dizer 

atˆ omica: sua verdade e apenas sua integrac˜ ao no sistema; e e por issoque teoremas incompatıveis entre si podem ser igualmente verdadeiros,contanto que os relacionemos com sistemas diferentes.   (Blanche)

O que e um numero?   Respondemos: Um sistema numerico (ou “con- junto numerico”) −   a plataforma da qual podemos falar em numero −   eum conjunto de regras, tal como o xadrez, envolvendo duas opera coes, umachamada de adicao e outra de multiplicacao; este conjunto de regras podeser entendido como um software, um conjunto de instrucoes.

Este conceito abstrato que e o numero, para que possa ser util, ma-

nipulavel, deve tomar corpo (“encarnar”) em um conjunto de sımbolos; em-bora em casos especıficos (como os numeros canonicos, por exemplo) esteconjunto de sımbolos nao seja unico todavia nao e arbitrario, isto e, algumasexigencias devem ser satisfeitas.

N = { ∅, { ∅ }, { ∅, { ∅ } }, . . . }

N = { 0 0 1 0 ,  0 0 0 0 ,  0 1 0 0 ,  1 0 0 0 ,  1 1 0 0 , . . . }

 

N =   , , , , , . . .(Software dos Naturais)

(p. 91)

−  Naturais “encarnados” (tomando corpo) em tres conjuntos de sımbolos.

Adendo: Um numero como um objeto isolado (“solto”) nao existe

Por oportuno, assistindo um vıdeo sobre mecanica quantica∗ ouvir dizer que:

N˜ ao existe tal coisa como um eletron, um eletron  −   ou qualquer outra partıcula elementar  −  s´ o existe em relac˜ ao a outras coisas, como

em relac˜ ao a outras partıculas ou ao Universo mesmo. Isto nos diz com suficiente profundidade, que quando se navega na natureza mesma da materia, tudo o que sabemos do mundo cotidiano se dissolve,   e naoexistem objetos, so relacoes.

Esta conclusao da fısica quantica so vem a confirmar o que e ensinadopela filosofia budista  da  vacuidade.   (p. 26)

Todas as coisas neste mundo surgem de relacoes, nada tem existenciaintrınseca, por si mesmo, independente − Interdependencia budista .

∗Mecanica Cuantica - La realidad es un sueno-Morte.mp4

23

Page 25: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 25/515

E o que tudo isto tem a ver com numeros? Defendo que o mesmo se

da com conceitos, como numero p. ex.; isto e, nao existe algo como “umnumero isolado” −  como querem matematicos e filosofos −, os numeros sosurgem na relacao com outros objetos de uma estrutura, observe:

E E ×  EE

E

+

·   E = (E,  +, ·)

- Conjunto(aqui temos elementos)

- Estrutura(aqui temos numeros)

- Nesta figura destacamos quatro objetos (Relac~oes) quecondicionam a existencia de um numero:um conjunto, produto cartesiano, duas operac~oes.

No jogo de xadrez um rei (que pode ser um mero caroco de feijao) so erei se tomado em relacao a estrutura, fora do tabuleiro ele se descaracteriza.

No meu entendimento e um erro historico − tanto de filosofos quanto dematematicos

 − considerarem um numero como um “ente isolado”.

Poder-se-ia ate afirmar que a realidade subatˆ omica, enquanto ino-bserv´ avel, n˜ ao e constituida de objetos, mas de relac˜ oes, e que as partıculas individuais n˜ ao existem como entidades fısicas reais. Somente possuem sig-nificado dentro da totalidade das relac˜ oes que mantem com as demais enti-dades, sobretudo com a consciencia do observador.

(Marcelo Malheiros/[17], p. 23)

24

Page 26: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 26/515

1.1.2 O numero (ou a matematica) existe independentemente

do homem?Que seria a tua felicidade,

o grande astro, se nao tivessesaqueles que iluminas!

(Nietzsche/Zaratustra)

Esta e uma questao −   da filosofia da matematica −   que atravessouseculos e milenios, sem que se tenha chegado a um ponto consensual.

Pretendemos nesta secao dar nossa contribuicao a esta relevante questao.(p. 382)

Antes exibiremos um resumo das principais escolas nos fundamentos da

matematica. No final do seculo XIX inicia-se um grande debate em tornodos fundamentos da matematica, da tentativa de assenta-la em bases firmessurgiram em seus fundamentos filosoficos tres escolas principais.

A primeira foi o   logicismo, em 1884, criada pelo matematico alemaoGottlob Frege (1848-1925).

Em 1908, surge o   intuicionismo, criada pelo matematico holandes L.E. J. Brouwer (1881-1966). Por ultimo, em 1910, veio o formalismo, criadapelo matematico alemao David Hilbert (1862-1943).

Logicismo

O eixo da tese logicista era a factibilidade da reducao da matematicaa logica. A base (fundamento) da matematica seria a logica. Ou ainda: oedifıcio da matematica deveria ser erigido a partir de princıpios logicos.

(Frege, Bertrand Russel, Peano, Whitehead)

Intuicionismo

A tese dos intuicionistas e que o fundamento ultimo da matematica ea intuicao e que, ademais, esta disciplina deve ser desenvolvida apenas pormetodos construtivos finitos: Nenhum objeto matematico existe sem quetenha sido de algum modo construido.

(Brouwer, Kronecker, Poincare, Lebesgue)

Formalismo

Os formalistas, a exemplo dos intuicionistas, nao viam a logica como ofundamento da matematica. A preocupacao precıpua dos formalistas eralivrar a matematica das contradicoes (inconsistencias, paradoxos) que vin-ham se insinuando desde a teoria dos conjuntos de Cantor; para os formalis-tas a matematica se resume ao estudo dos   sistemas simb´ olicos formais . Ouainda: a matematica sustenta-se no tripe axiomas, definicoes e teoremas.

25

Page 27: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 27/515

Existem autores que ainda destacam uma quarta escola:

Conjuntista

Esta escola defende a teoria dos conjuntos como os fundamentos parase edificar uma matematica solida. Cantor (1845-1918) e Richard Dedekind(1831-1916) estao entre os principais precursores desta escola.

1.1.3 A filosofia do Nada −  do Vazio, da Vacuidade

[. . .]   Com base em tais observac˜ oes e an´ alises matem´ aticas, quantomais pr´ oximo das origens remontamos o universo, mais pr´ oximo chega-mos da perfeic˜ ao, a mais implicada de todas as ordens da realidade. A

natureza daquele v´ acuo perfeito pode conter a chave para o entendimentodo universo como um todo. Como comenta Leonard Susskind, fısico de Stanford: “Qualquer um que sabe tudo sobre nada sabe tudo”.

([13], p. 147)

Todos estes matematicos que se voltaram para os fundamentos da mate-matica foram, de um modo ou outro, influenciados por filosofos, como, porexemplo, Platao, Kant, Leibniz, etc. De igual modo, no desenvolvimentodo presente livro tambem fomos inspirados por uma filosofia, a qual de-nomino de “ filosofia do Nada ”, ou “ filosofia do Vazio”, ou ainda, “ filosofia da Vacuidade ”.

Essencialmente esta filosofia prega que o Vazio −

 ou Vacuo −

  e o fun-damento do Universo. Vejamos alguns testemunhos a favor da mesma.

1o ) Um matematico

Charles Sanders Peirce (Cambridge, 10 de

setembro de 1839 — Milford 19 de abril de 1914),

foi um filosofo, cientista e matematico ameri-

cano.

Filho do matematico, fısico e astronomo

Benjamin Peirce, Charles, sob influencia pa-

terna, formou-se na Universidade de Harvard

em fısica e matematica, conquistando tambem

o diploma de quımico na Lawrence Scientific

School.

O livro “O Conceito de Continuidade em Charles S. Peirce ”∗   trata delogica e filosofia da matematica. Apresenta uma secao sobre   cosmogoniaque a mim surpreendeu pelo fato de um logico, filosofo e matematico purotambem colocar o Vazio (Nada) como fundamento do Universo. Do livro:

∗Por Antonio Machado Rosa. Fundacao Calouste Gulbenkian (Fundacao para a Cienciae a Tecnologia)/Dezembro de 2003.

26

Page 28: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 28/515

O Nada Inicial   (p. 290)

Um dos objectivos das cosmologias e a  origem  do universo, a qual, noentanto, fica usualmente inexplicada. O princıpio de continuidade obriga air para alem dessa origem: obriga a compreender a passagem da nao exis-tencia a existencia. “Existencia” designa aqui o nosso universo actual e asreacoes materiais entre os objectos que o compoe. Deve-se ir para la dessaexistencia e conjecturar um processo evolutivo anterior a propria origem.Resulta daı que a cosmologia peirceana e tambem uma cosmologia do uni-verso   anteriormente a sua existencia . [ . . . ]

Ha, pois, um processo evolutivo anterior a existencia. Globalmente,Peirce distingue nele dois momentos: um “nada caotico” e um nada aindamais primitivo que esse nada caotico.   E nesse Nada primitivo que deve-

mos comecar por nos concentrar. O Nada primitivo e um estado em que “ouniverso nao existia”, um “absoluto nada”. Contudo, esse Nada absolutotem propriedades notaveis na medida em que a totalidade do nosso universoactual ja se encontra nele em germe; com efeito, ele representa a totalidadedas possibilidades.

2o ) Fısica quantica

Metaforicamente, como eu sugeri, podemos pensar o v´ acuo como um vasto mar; e tudo quantoexiste  −   as estrelas, a Terra, as ´ arvores, n´ os e as 

partıculas de que somos feitos  −, como ondas nesse mar. Os fısicos denominam tais “ondas”   −   n´ os e tudo quanto existe  − “excitac˜ oes” ou “flutuac˜ oes” dov´ acuo.   (Danah Zohar/Fısica)

3o ) Marcelo Malheiros/Filosofo

´ E importante assinalar que a noc˜ ao de que o Nada, ou o Vazio, e fonte de energia  −   e de energia inesgot´ avel  −   est´ a perfeitamente de acordo com o esquema b´ asico de pensamento inerente a mecˆ anica quˆ antica. A ideia de que h´ a infinitos estados de energia negativa e positiva, e sobretudo a 

especulac˜ ao de que um estado neutro de energia (o vazio), mediante uma  flutuac˜ ao quˆ antica decorrente da instabilidade do vazio, do princıpio de in-determinac˜ ao de Heisenberg, pode dar nascimento a uma grande onda de energia positiva e outra negativa (cuja soma seja zero), e uma cogitac˜ ao que hoje tem sido seriamente considerada pelos fısicos te´ oricos mais represen-tativos da atualidade (Stephen Hawking, Roger Penrouse, Alan Guth, Paul Davies, John Gribbin, Heinz Pagels e muitos outros). A hip´ otese de que oUniverso surgiu do Nada, a partir de uma simples oscilac˜ ao ou perturbac˜ aodo vazio, foi pela primeira vez sugerida pelo fısico americano Tryon em  1969.

([17], p. 164)

27

Page 29: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 29/515

4o ) A propria Ciencia

Na Super Interessante de fevereiro de 2011 saiu uma reportagem comtıtulo:  E possıvel criar materia a partir do nada.  Cientistas descobrem como extrair partıculas do vazio − sem depender de nenhuma materia-prima da natureza.

Nada se cria, tudo se transforma. Essa lei da fısica pode estar sendoultrapassada por um grupo de pesquisadores da Universidade de Michi-gan, que diz ter descoberto um meio de gerar materia a partir do v´ acuo −popularmente conhecido como “nada”. Isso seria possıvel porque, na ver-dade, o que n´ os chamamos de nada n˜ ao e um vazio absoluto. Est´ a cheiode partıculas de materia e antimateria, que se anulam mutuamente. A

novidade e que os pesquisadores descobriram um jeito de separ  a-las   [. . .]

5o ) Fısico

Tomemos ent˜ ao um espaco sem materia, “vazio”. A fısica quˆ antica mostra que, mesmo neste caso, flutuac˜ oes de energia existem. O nada tem uma energia associada. Sendo assim, partıculas podem surgir dessas flu-tuac˜ oes, materia brotando do nada.

Em 1948, H. Casimir, um fısico holandes, propˆ os que as flutuac˜ oes dov´ acuo provocariam uma forca atrativa entre duas placas met´ alicas. O efeito

 foi confirmado:   por incrıvel que pareca, a energia do nada foi medida re-centemente no laborat´ orio.   ´ E sempre bom lembrar que o vazio est´ a cheio de 

energia.   (Marcelo Gleiser/Fısico)(grifo nosso)

6o ) Sabio Lao Tse

O Nada, berco de todos os possıveis

Nas profundezas do Insond´ avel 

Jaz o Ser.

Antes que ceu e terra existissem,

J´ a era o Ser Im´ ovel, sem forma,

O V´ acuo, o Nada, berco de todos os Possıveis.

Para alem de palavra e pensamento

Est´ a Tao, origem sem nome nem forma,

A Grandeza, a Fonte eternamente borbulhante,

O ciclo do Ser e do Existir.   (Lao Tse/Tao Te Ching)

28

Page 30: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 30/515

7o ) Fısico

Contradit´ orio? A nova ciencia explica: a base da existencia e, ao mesmotempo, plena de possibilidades, sim, mas as possibilidades n˜ ao s˜ ao “coisas”,e por isso tambem podem ser chamadas de nada.   (Amit Goswami)

O mais importante: No Vazio nao encontramos apenas energia, comotambem  Consciencia , e o que afirma um filosofo budista.

8o ) Filosofia budista

O princıpio da incerteza de Heisenberg sugere que violac˜ oes doprincıpio da conservac˜ ao da energia podem ocorrer por causa de flu-tuac˜ oes espontˆ aneas e imprevisıveis do v´ acuo que e o espaco. Isso

 foi legitimado por in´ umeros experimentos. De acordo com a mecˆ anica 

quˆ antica, a energia pode surgir do nada por um breve instante; quantomenor o intervalo, maior o desvio de energia. [. . . ] sugere que o v´ acuopode n˜ ao estar preenchido apenas de energia ponto-zero, que pode ser medida objetivamente com tecnicas da fısica, mas tambem permeado de consciencia, que pode ser experienciada subjetivamente com tecnicas de introspecc˜ ao.   (Wallace/[13], pp. 53, 54 )

Coloco em destaque (sobre o vacuo):

“ . . . mas tambem permeado de consciencia, que pode ser experienciadasubjetivamente com tecnicas de introspeccao.”

Nota:   Esta experiencia (consciencia do vacuo) ja realizei inumeras vezes

− “com tecnicas de introspeccao” −, assim e que este livro, que o leitor temem maos, e fruto de um processo colaborativo entre este autor e a referidaconsciencia do vacuo − pelo ao menos assim creio.∗   (p. 218)

Pois bem, retomando, esta “filosofia do Nada” e que vai nos orientar emalgumas conclusoes e afirmacoes ao longo deste livro.

Apos esta necessaria digressao, retornemos a pergunta original: Os nume-ros existem independentemente do homem?.

A partir de nossa definicao de numero fica facil concluir que numeroe uma criacao do homem −   como afirmava o matematico Gauss −   e ar-rematamos:   se o homem deixasse de existir os numeros concomi-

tantemente desapareceriam da face da terra. Ainda que todos oslivros de matematica fossem preservados nas bibliotecas.Ja respondemos a questao levantada, nao obstante vamos alongar um

pouco mais nossa discussao.Suponhamos, por hipotese de trabalho, que um meteorito atingisse a

Terra e dizimasse todos os homens da face do planeta, menos alguns bebese alguma tribo indıgena.

∗Por vezes acontece de alguem esta trabalhando em um problema e, ao amanhecer, semnenhum esforco, tem um insight (ideia) “do Nada” que lhe permite resolver o problema.Eu digo que esta solucao (insight) veio da “consciencia do vacuo”.

29

Page 31: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 31/515

Na cena a seguir vemos, ao centro, um tabuleiro com as pecas do xadrez

a esquerda a suposta tribo indıgena, a direita um bebe remanescente.

Pergunto: nestas circunstancias o xadrez tera desaparecido da face da terra?

?

30

Page 32: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 32/515

A resposta e um rotundo sim!, uma vez que o xadrez nao se constitui

nas pecas propriamente mas em suas  regras.Nota:   Que um indıgena e um bebe tenham o potencial para vir a jogar

xadrez, nao resta duvida, mas a questao em foco nao e esta. A questao e,repito, o xadrez tera desaparecido?

Supondo, ademais, que todos os manuais de xadrez tenham sido extravia-dos na hecatombe, nao teremos nenhuma garantia de que, no futuro, o jogode xadrez venha a ser reinventado.

Substitua o xadrez pelos numeros e se faca a mesma pergunta . . .Pergunto: nestas circunstancias os numeros teriam desaparecido da face

da terra?A resposta e, novamente, um rotundo sim!, uma vez que os numeros

nao se constituem nos numerais (sımbolos) propriamente mas sim em suasregras  de manipulacao (estrutura).

Lembramos que a historia da matematica registra que os  n´ umeros in-teiros ,  Z = {−3, −2, −1,  0,  1,  2,  3, . . . }, precisaram de mais de  mil anospara serem efetivamente compreendidos −  isto e para adquirirem unanimi-dade entre os matematicos, cidadania matematica.

Descartes (1596 -1650) chamava de falsas as raızes negativas de umaequacao; Viete (1540 -1630) era mais radical: simplesmente rejeitava osnumeros negativos.

Um dos gigantes na matematica, Laplace (1749 -1827), certa feita pro-feriu: “ ´ E difıcil conceber que um produto de   (

−a)  por   (

−b)   e o mesmo que 

a  por  b ”.

Colocamos novamente em destaque a questao:   os n´ umeros existem in-dependentemente do homem? . Um filosofo acentua com muita propriedade:

[. . . ] as possibilidades de existir s˜ ao apenas possibilidades vazias. So-mente quando pensadas e que ganham um impulso para a existencia, porque e preciso que tais realidades primeiro sejam concebidas, imaginadas, men-talizadas, elaboradas na forma de Ideias, que constituem “programas” de criac˜ ao, sementes de eventos e de Universos. [. . . ] O tempo linear de nossa dimens˜ ao, e de nossa consciencia, constitui o mundo onde essas possibili-dades ainda n˜ ao existentes ter˜ ao condic˜ ao de “existir”, de ser (ser aqui tem 

o significado “ser objeto para uma consciencia”, ser um “outro” que n˜ aoessa mesma consciencia, enfim, a alteridade).   (Marcelo/[17], p. 163)

Enfatizo: “ser . . . tem o significado ‘ser objeto para uma consciencia’ ”

Em particular, os numeros sao numeros ‘para uma consciencia’.Pergunto ao leitor: Os numeros naturais vermelhos,

  N =   , , , , , . . .N =( ), ,+   ·existem?

31

Page 33: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 33/515

Respondo:  para minha consciencia sim, para os demais homens

nao.∗Os numeros vermelhos passaram a existir somente “quando pensados”:

“[. . . ] as possibilidades de existir s˜ ao apenas possibilidades vazias. So-mente quando pensadas e que ganham um impulso para a existencia ”.

Tal como no argumento do xadrez, se eu (Gentil) deixasse de existir, osnumeros vermelhos (ou azuis) deixariam de existir, posto que, ate a pre-sente data ninguem, exceto eu, conhece a construcao de tais numeros − euos trouxe a existencia, ao “pensar” neles. O mesmo argumento vale para osn´ umeros hipercomplexos , capıtulo 13.

Existir significa existir para uma consciencia. Nao ha como fugir disto.

Como estas questoes filosoficas sao delicadas, sutis −   e relevantes −,deixa eu tentar contribuir com uma ilustracao (analogia).

Existe uma experiencia na fısica na qual um  prisma  ao receber a Luzbranca a decompoe em um espectro de frequencias, “as sete cores do arco-ıris ” , assim:

(Prisma)Luz Branca

VermelhoAlaranjado

Amarelo

Verde

Azul

AnilVioleta

Pois bem, em nossa analogia, esta luz branca e a Consciencia do vacuo− referida a pagina 29 −, o prisma e a mente do homem; as cores, sao tudoo que o homem produz, em particular os numeros, a matematica, ciencias,artes, etc. −  e tambem as guerras.

Luz Branca

Consciencia

Vacuo

                  

                

      P     r     o      d     u      t     o     s      d

     a

     m     e     n      t     e

(Mente)consciencia do homem

NumerosMatematica

Fısica

Artes

LiteraturaGuerras

Numeros AzuisNumeros Vermelhos

“A mente e a verdadeira natureza das coisas ”   (Zen budismo)

∗Estou escrevendo isto no dia 28.01.2015, estes numeros eu os concebi ha poucos dias,prevejo que o livro que estou escrevendo agora so sera publicado daqui a um ano.

32

Page 34: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 34/515

Platao e o “Mundo das ideias”

Na filosofia de Platao encontramos duasrealidades diferentes que envolvem o ser hu-mano, o Mundo das Ideias e o Mundo das Som-bras, conhecido tambem como Mundo dos sen-tidos. O mundo sensıvel e apenas uma copiado mundo ideal; o objeto da ciencia deve ser omundo real das Ideias.

Para Platao, o mundo real (sensıvel) apenas reflete um mundo puro deentidades perfeitas, imutaveis e eternas; em particular, os conceitos matema-ticos.

A filosofia de Platao teve, e ainda tem, grande influencia na concepcaofilosofica de cientistas e matematicos; razao porque decidimos incorporar emnosso trabalho este adendo.

Em nossa concepcao −   que se harmoniza com a filosofia budista, emespecial a da vacuidade, como ja salientamos −, nao existe um Mundo dasIdeias, o que existe e o Vacuo; este Vacuo (“Oceano”) de fato contem todasas p ossibilidades, todavia, apenas em potencia. As “Ideias” surgem da in-teracao entre o Vacuo e a mente do homem, vejamos isto na ilustra cao:

“Luz Branca”

Vacuo

                                  

      I      d     e      i     a     s

(Mente)

NumerosMatematica

Fısica

Artes

LiteraturaGuerras

Numeros Azuis

Φ

Reiteramos, nao existe um “Mundo das Ideias”, existe o Vacuo com to-das as suas potencialidades, em especial as ideias, entretanto, sem o “prisma”estas ideias nao veem a existencia.

Uma analogia: ao contrario do que a quase totalidade dos homens imagi-na, o sol nao brilha, o sol nao emite luz, emite ondas eletromagneticas queao interagirem com o olho humano resulta em luz.

Mesmo que um grande n´ umero de pessoas olhem um carro de bombeiroe o vejam como vermelho, isso n˜ ao significa que a cor exista independente-mente das faculdades visuais delas.   (Alan Wallace/Filosofo)

33

Page 35: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 35/515

A luz existe apenas como uma potencialidade na onda, entretanto, sema mente, “e mesmo que nada!”.

 S  ol   

 Assim como a luz surge

nesta interac~ao...

ΦM en t   e

 V´   a c u o

 qualquer ideia surge

nesta interac~ao.

Querer, como quer Platao, que existam ideias independentemente damente e como querer que exista luz sem o olho, ou som sem o ouvido.

A nao ser que Platao admita que o Demiurgo possua atributos humanos,tais como pensamentos e desejos. Se for este o caso, sua filosofia resvala parao misticismo e pouco diferira das teologias comuns.

Pelo contrario, o Vacuo, como entendo, nao possui nenhum dos atribu-tos humanos.

Nao importa se as Ideias a que Platao se refere nao sejam as humanase que sejam perfeitas por se originarem em um “mundo perfeito”, isto saoapenas especulacoes metafısicas.

Se alguma verdade existe que n˜ ao guarde nenhuma relac˜ ao sensi-tiva ou racional com a inteligencia humana, ser´ a igual a zero, enquanto

 formos n´ os seres humanos.   (Rabindranath Tagore)

Contradit´ orio? A nova ciencia explica: a base da existencia e, ao mesmotempo, plena de possibilidades, sim, mas as possibilidades n˜ ao s˜ ao “coisas”,e por isso tambem podem ser chamadas de nada.   (Amit Goswami)

Adendo:  Desejo compartilhar com o leitor, atraves de uma analogia, meuentendimento de afirmacoes “sutis e abstratas ” tais como: “existe em poten-cia ”, “estado de n˜ ao-existencia ”, etc., referentes ao Vacuo.

Perguntamos, a rigor podemos afirmar que existe musica ou imagem emum pen-drive ou onda eletromagnetica?

34

Page 36: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 36/515

Obvio, em um pen-drive, ou onda eletromagnetica, nao existem musicasou imagens, mas tao somente musicas e imagens codificadas, em codigo.

No pen-drive, ou onda eletromagnetica, existem musicas e imagens “em potencia ”, “num estado de n˜ ao-existencia ”, para virem a existencia neces-sitam apenas de um hardware apropriado que as decodifiquem.

O Vacuo, e este estado de “n˜ ao-existencia ” mas que contem Tudo (emcodigos) − O que significa que todas as possibilidades existem em potencia

(codificadas) no Vacuo.Tudo veio a ser. N˜ ao h´ a fatos 

eternos nem verdades absolutas.

(Nietzsche)

Daı por que dizer-se que consciencia e objeto s˜ ao binˆ omios insepar´ aveis,correlativos e complementares do que denominamos realidade. Real e aquiloque existe em uma ( ou para uma ) consciencia e de acordo com a estrutura condicionada e condicionadora dessa mesma consciencia. Procurar saber oque seja a realidade ( o objeto de investigac~ ao) independentemente da consciencia e de nosso aparato cognitivo-sensıvel n˜ ao tem sentido, pois pre-

cisamos da consciencia para pensar nessa suposta “realidade independente”,que ser´ a sempre, a proporc˜ ao que a pensamos, uma realidade para “uma”consciencia, uma realidade pensada. De maneira que e razo´ avel supor que o mundo atˆ omico n˜ ao existe num estado bem definido ate que o observemos mediante um instrumento, instante em que ele se define para a consciencia do observador, ocorrendo o que alguns denominam de  colapso da funcaode onda. O que constituia um campo de probabilidade de existencia num certo espaco transforma-se em uma existencia espacialmente determinada num ponto especıfico do espaco e do tempo.   (Marcelo,[17], p. 22)

35

Page 37: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 37/515

1.1.4 A Estrutura Cognitiva de Referencia

Ha um outro filosofo, ja mencionado anteriormente (o budista), quetambem esta de acordo com o filosofo de “A potencia do Nada”.   ([17])

Ele afirma,

Todos os fenˆ omenos   [tanto perceptıveis quanto conceituais ]   podem ser postulados como existentes apenas em relac˜ ao a uma estrutura cognitiva de referencia .   (Wallace/[13], p. 97 )

Pronto!, aı esta! . . . Existem “postulados” que, aos meus ouvidos, soamcomo verdadeira poesia, este enunciado e um deles.

No “meu sistema” este enunciado foi elevado a categoria de   axioma.Deste axioma deduzo que o Universo so existe

 − como existe

 − porque

nos existimos. Por exemplo, veja o leitor como a nossa “estrutura cognitivade referencia (cerebro)” decodifica uma formiga que “existe la fora”:

−  Perceptıvel:   Se a estru-tura cognitiva de referencia, istoe, o hardware a decodificar a“formiga que existe la fora” e ocerebro humano, a formiga aparececomo na figura.

Vamos trocar de  estrutura cognitiva de referencia , assim:−   Perceptıvel:   Por outro lado,

tomando um microscopio como a estru-tura cognitiva de referencia, isto e, doponto de vista de um microscopio, umaformiga e como aparece ao lado.

Conceitual:  Suponhamos um observador  O   fixo em relacao ao solo, eum vagao movendo-se com velocidade v  em relacao ao solo. Dentro do vagaoha uma bola que se move com velocidade  u  (em relacao ao vagao).

∼  ≀     

O

· ·v

u

Tomando u  =  v  = 1 teremos que a velocidade da bola para o observadordepende de quem e este observador − a  estrutura cognitiva de referencia .

− Se Galileu, entao 1 + 1 = 2;

− Se Eintein, entao 1 + 1 = 2.   (p. 48)

36

Page 38: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 38/515

Conceitual:  Onde muitos enxergam homens santos e respeitaveis,

eu vejo bandidos, demonios e lobos.

Mudou a “estrutura cognitiva de referencia” (mente) muda a forma depercepcao. Se da tal como naquelas ilusoes de otica: em um mesmo quadropodemos perceber imagens distintas. Reitero: onde muitos enxergam umaindumentaria, eu enxergo outra. Algum problema?

Em resumo enfatizamos o seguinte: se uma formiga −  ou outro objetoqualquer − que vemos e apalpamos e uma construcao da mente, o que dizerde conceitos abstratos? −  como e o de numero.

Na   Scientific American Brasil∗   existe um artigo com tıtulo “Por que a Matem´ atica Funciona ”, por Mario Livio. Na sıntese lemos:

Parte desse enigma   e a quest  ao de saber se ela [a matem´ atica] e uma invenc˜ ao (uma criac˜ ao da mente humana) ou uma descoberta (algoque existe independentemente de n´ os). O autor sugere ambos.

Por tudo o que aqui foi exposto, somos forcados a discordar do autor doartigo. Ficamos apenas com a primeira opcao:  A matematica e uma criacaoda mente humana.  Em colaboracao com a Consciencia do vacuo, acrescento.

E uma criacao da mente humana tanto quanto a criacao de uma formiga“que existe la fora” − Ou mesmo do Universo “que existe la fora”.

∗Edicao Especial No 61, Historia e Filosofia da Ciencia.

37

Page 39: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 39/515

A visao dos microscopios

Fica mais facil exemplificarmos como a “realidade” resume-se a umamera quest˜ ao de zoom   se apelarmos para a visao de um microscopio. Ve-

 jamos, atraves de uns poucos exemplos, como a nossa realidade se modificaquando vista sob as lentes (“visao”) de um microscopio:

Formiga

Piolho

Ponta da lıngua de uma borboleta

∗ ∗ ∗Os construtivistas em filosofia da matem´ atica s˜ ao anti-realistas quer 

em ontologia, quer em epistemologia, quer em ambos. Eles n˜ ao acreditam que os objetos matem´ aticos existam “em si”, independentemente de qual-quer construc˜ ao, ou que os enunciados matem´ aticos sejam determinada-mente verdadeiros ou falsos independentemente de qualquer verificac˜ ao efe-tiva. Em poucas palavras, para o construtivista a existencia ou a verdade depende da atividade matem´ atica. N˜ ao se  descobrem  entidades ou verdades matem´ aticas, se as  criam .   ([10], p. 147)

Observe que esta postura dos construtivistas se harmoniza com o “axio-ma de Wallace ”:   (p. 36)

Todos os fenˆ omenos   [tanto perceptıveis quanto conceituais ]   podem ser postulados como existentes apenas em relac˜ ao a uma estrutura cognitiva de referencia .

Com o proposito de contribuir ainda mais com o entendimento do para-doxal binomio Existencia-Nao Existencia   e que a seguir transcreveremos −comentaremos e ilustraremos − um pequeno trecho de um dialogo ocorridoentre dois eminentes pensadores.

38

Page 40: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 40/515

Dialogo entre Einstein e Tagore

Na tarde de 14 de julho de 1930, o cientista Albert Einstein recebia emsua residencia, em Caputh, Alemanha − durante a Segunda Guerra Mundial−  Rabindranath Tagore∗, para um dialogo informal o qual ficou registradonos apontamentos de Tagore que, posteriormente, publicou-o com o tıtulo“A Natureza da Realidade”.

Aqui vamos apenas comentar um pequeno trecho, o leitor interessado nodialogo completo pode baixa-lo na internet. Iniciamos o dialogo com umapergunta de Einstein. Apenas para situar: Einstein acredita que a verdadee a beleza sao independentes do homem, Tagore, ao contrario, diz que nao.

×

Pois bem, Einstein e Tagore discutiam sobre se e possıvel que exista umaverdade “la fora” independentemente do homem.

Tagore diz que nao, Einstein diz que sim. Num certo momento Einstein

tenta refutar a posicao de Tagore com a seguinte alegacao:E: [. . .] Por exemplo, se nao estivesse ninguem nesta casa, nem por issodeixaria de estar aqui esta mesa.

Apenas a tıtulo de reforco, Einstein acredita que a mesa que existe “lafora” nao depende da presenca dele, isto e um fato indiscutıvel, e que, por-tanto, Tagore seria um tolo se negasse esta “verdade evidente”.

Coment´ ario: Observe, pelo conteudo da pergunta de Einstein, que ele acredi-ta que a “realidade la fora (no caso a mesa)” e independente do homem.

Tagore, responde:

T: A ciencia demonstrou que a mesa, como ob jeto solido, e uma aparencia,

e, por conseguinte,   isso que a mente humana percebe como tal mesa n aoexistiria se nao existisse a mente humana.   (Grifo nosso)

Tagore responde que a mesa −  como e observada por Einstein −   naoexiste independentemente da mente de Einstein.

∗Rabindranath Tagore nasceu a 7 de Maio de 1861 na cidade de Calcut a, a antigacapital da  India. Poeta, dramaturgo, filosofo, pintor, musico e coreografo. A edicaoinglesa, traduzida e comentada por ele proprio, de uma obra sua em Bengali, o Gitanjali(“Cancao de oferendas” ou “Oferenda Lırica”, 1912) fez com que Tagore ganhasse o PremioNobel de Literatura de 1913, pela primeira vez atribuido a um nao-ocidental.

39

Page 41: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 41/515

Gedankenexperiment

Consta que Einstein amiude se servia de “experimentos mentais ” pararefutar (tripudiar?) seus oponentes em questoes de fısica. Decidi usar aarma de Einstein contra ele proprio, o feitico virando-se contra o feiticeiro.

Apos refletir um pouco elaborei um “Gedankenexperiment”∗   com o ob- jetivo de evidenciar a ingenuidade de Einstein frente a Tagore.

Como nao tenho a imagem de uma mesa ao microscopio irei substituı-lapor um pernilongo, sem perda de generalidade. Na ilustracao a seguir,

P  erni l  on   g o

P  erni l  on   g o

(Gedankenexperiment)

(Caixa)

Φ

Φ

Einstein e um pequeno robo (com a visao de um microscopio) observam

“um mesmo pernilongo” que se encontra dentro de uma caixa. A perguntaque nao quer calar: quando os dois se retiram da presenca da caixa, qual opernilongo que fica la dentro, aquele que Einstein ve ou aquele que o robove?   (Nota: na p. 47 damos o significado de Φ)

Nao se precipite leitor, reflita antes de responder, se voce por acaso seequivocar, sem problemas, Einstein tambem nao entendeu. . . Ufa!

∗A expressao alema   Gedankenexperiment   significa um raciocınio logico sobre umexperimento nao realizavel na pratica mas cujas consequencias podem ser exploradascientıficamente.

40

Page 42: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 42/515

Este contexto e um caso especial do que afirma Wallace:

Na   teoria da relatividade ontologica, h´ a uma verdade que e in-vari´ avel atraves de todos os sistemas de referencia cognitivos:   tudo o que apreendemos, seja perceptiva ou conceitualmente, e desprovido de natureza inerente pr´ opria, ou identidade, independentemente dos meios pelos quais seja conhecido.   Objetos percebidos, ou entidades observ´ aveis, existem em relac˜ ao as faculdades sensoriais ou sistemas de medic˜ ao pelos quais s˜ ao de-tectados  −  n˜ ao de modo independente no mundo objetivo.

(Wallace/[13], p. 99/Grifo nosso)

Traduzindo para o nosso contexto, significa que o “pernilongo” queEinstein percebe “e desprovido de natureza inerente propria”. Ainda: os

numeros s˜ ao desprovidos de natureza inerente pr´ opria , so existem em relacaoas faculdades sensoriais pelas quais sao detectados, em particular, os numerosazuis e vermelhos so existem −  ate o momento −  em relacao com a minhamente. O mesmo argumento vale para os  n´ umeros hipercomplexos , capıtulo13.

Ainda um ultimo corolario: O “Mundo das Ideias de Platao” nao temnatureza inerente propria, independentemente dos meios pelos quais sejaconhecido.

Resumindo e sendo ainda mais explıcito, cristalinamente explıcito, naopodemos afirmar a existencia de nada sem antes fixarmos um “referencial”.Existir implica existir em relacao a algo, a um referencial, a uma  ECR.

∗ ∗ ∗A Consciencia cria a realidade

Ainda uma outra interpretacao propoe que o ato de observacao cria arealidade fısica. Em sua forma forte, essa interpretacao assevera que a cons-ciencia e o estado basico fundamental, mais primario que a materia ou ener-gia. Essa posicao concede um papel especial a observacao, quando a trans-forma no agente ativo que provoca o colapso das possibilidades quanticas emrealidades. Muitos fısicos suspeitam dessa interpretacao porque ela lembraideias originarias das filosofias orientais e das propostas mısticas. Mas umnotavel subconjunto de fısicos proeminentes, incluindo os laureados Nobelem Fısica Eugene Wigner, Brian Josephson, John Wheeler e Jonh von Neu-mann, abracou conceitos que sao, pelo menos, um pouco simpaticos a esteponto de vista. O fısico Amit Goswami, da Universidade de Oregon, e umdos que o promovem com muito vigor.

(Dean Radin/Mentes Interligadas, p. 221)

Nota:  Voltando a  teoria da relatividade ontol´ ogica , referida acima, no meulivro “O Deus Quˆ antico” ([20])   defendo a tese de que ate a morte e a vida saoconstrucoes da mente humana (ECR), ou ainda, sao desprovidas de naturezainerente propria.

41

Page 43: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 43/515

Retomando, vejamos uma ligeira variacao do experimento anterior, antes

leia o seguinte:

Papagaios Psico delicos:   Temos tres receptores de

cor nos olhos (para verde, azul e vermelho). Entao essas tres

sao as nossas cores primarias − e a combinacao entre elas cria

as cores do nosso mundo. Os papagaios (e outras especies

de aves, peixes e repteis) tem quatro receptores: os nossos

mais um dedicado ao ultravioleta. A combinacao desses qua-

tro cria um mundo estupidamente mais colorido que o nosso

−   um mundo tao difıcil de imaginar quanto uma realidade

com quatro dimensoes, em vez das tres que agente conhece.

(Super Interessante/out. 2012)

Suponhamos que Einstein e um papagaio observam uma mesma paisagem

Φ

Obviamente que, segundo a ciencia, o cerebro de Einstein e o cerebro dopapagaio “decodificam a paisagem la fora” de modo distinto.

A pergunta que nao quer calar: qual a paisagem verdadeira, a que Eins-tein observa ou a que o papagaio observa?

E possıvel que agora o leitor esteja em melhores condicoes de apreciar oconteudo das seguintes extraordinarias afirmacoes:   (p. 31)

Todos os fenˆ omenos   [tanto perceptıveis quanto conceituais ]   podem ser postulados como existentes apenas em relac˜ ao a uma estrutura cognitiva de referencia .   (Wallace/[13], p. 97 )

O tempo linear de nossa dimens˜ ao, e de nossa consciencia, constitui o mundo onde essas  possibilidades  ainda n˜ ao existentes ter˜ ao condic˜ ao de “existir”, de ser (ser aqui tem o significado “ser objeto para uma cons-ciencia” )   (Marcelo/[17], p. 163)

42

Page 44: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 44/515

Retomando, uma mesa −  como se apresenta a nos −  e uma construcaode nossa propria mente. Alias, poderiamos ter chegado a esta mesma con-clusao lembrando do que afirmou o eminente filosofo:

Os fenˆ omenos s˜ ao organizados pelo nosso aparelho perceptivo e cognitivo,sendo assim em parte dependentes do sujeito.   (Immanuel Kant)

Uma observacao pertinente e a de que a mesa nao e uma criacao damente a partir de nada, existe “algo” que a mente decodifica como sendo amesa que vemos; entretanto esse algo, em sua essencia, nao sabemos o que e:

A realidade, tal como ela e, em sua essencia (noumeno) e incognoscıvel, ou seja, n˜ ao podemos conhece-la.

Portanto, jamais conhecemos as coisas em si (noumeno), mas so-mente tal como elas nos aparecem (fenˆ omenos).

(Immanuel Kant/Crıtica da Razao Pura)

Adendo:   Um momento! . . . uma retificacao. Acho que podemos fazer umaobjecao a Kant. Com efeito, inicialmente ele afirma que “os fenˆ omenos s˜ ao em parte dependentes do sujeito”; ou ainda, ele acredita na “realidade tal como ela e ”, ou nas “coisas em si ”. Cotejando Kant com Marcelo(p. 35) − com quem estamos integralmente de acordo −, deduzimos que osfenomenos sao   totalmente   dependentes do sujeito e, ademais, nao existe

uma “realidade tal como ela e”. Kant ainda afirma: “ jamais conhecemos as coisas em si ”, redarguimos: Existe uma “coisa em si”?, de acordo comMarcelo nao, a comecar das partıculas subatomicas.

A este respeito para dirimir qualquer resquıcio de duvida sugerimos aoleitor ponderar um pouco sobre a imagem de Einstein, o robˆ o e o pernilongo.

Voltemos a palavra ao mestre Tagore:

T: [. . . ] Existe a realidade do papel, totalmente distinta da realidade daliteratura. Pois a classe de inteligencia que possui a traca que engole essaliteratura de papel e, em absoluto, inexistente, e, sem embargo, para ainteligencia do homem possui a literatura um valor de verdade maior que o

proprio papel. De modo analogo, se alguma verdade existe que nao guardenenhuma relacao sensitiva ou racional com a inteligencia humana, sera iguala zero, enquanto formos nos seres humanos.   (Grifo nosso)

Coment´ ario:  No meu entendimento os argumentos do poeta foram bem maisconsistentes e admiravelmente sintonizados com o encaminhamento atual dafısica quantica que os de Einstein. Diz ele:

T: “Pois todo o Universo se acha entrelacado a n´ os de um modo seme-lhante; e um Universo humano”.

Um fısico hodierno da inteira razao ao mıstico-poeta e nao a Einstein, fısico:

43

Page 45: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 45/515

Ainda que disponha de instrumentos poderosos de 

investigac˜ ao e medic˜ ao, a fısica contemporˆ anea e frutoda mente humana e, portanto, limitada a nossa capaci-dade de ver e interpretar a realidade. Pode-se afirmar que, se a beleza est´ a nos olhos de quem a ve, a ciencia est´ a na mente de quem a faz.   (Marcelo Gleiser/Fısico)

Tagore ainda afirma: “Por que n˜ ao? A verdade realiza-se mediante ohomem ”. O que esta admiravelmente de acordo com um biologo moderno:

“Na verdade” n˜ ao e um termo que devemos usar com confianca.   [. . .]

“Na verdade”, para um animal, e aquilo que seu cerebro precisa que seja, para ajud´ a-lo a sobreviver. E,como especies diferentes vivem em mundos t˜ ao dife-

rentes, haver´ a uma variedade perturbadora de “na verdade”.O que vemos do mundo real n˜ ao e o mundo real intocado, mas um modelo

do mundo real, regulado e ajustado por dados sensoriais  − um modelo que e construıdo para que seja ´ util para lidar com o mundo real. A natureza desse modelo depende do tipo de animal que somos. Um animal que voa precisa de um modelo de mundo diferente do de um animal que anda, que escala ou que nada. Predadores precisam de um modelo diferente dos das presas, embora seus mundos necessariamente se sobreponham. O cerebro de um macaco pre-

cisa ter uma programac˜ ao capaz de simular um labirinto tridimensional de galhos e troncos. O cerebro de um notonectıdeo n˜ ao precisa de um programa em  3D, j´ a que mora na superfıcie de um lago na Fatland de Edwin abbott.O software para construir modelos do mundo de uma toupeira e adaptadopara uso subterrˆ aneo. Os ratos-toupeiras pelados provavelmente tem um pro-grama de representac˜ ao do mundo parecido com o de uma toupeira. Mas um esquilo, embora roedor como o rato-toupeira, provavelmente tem um software de construc˜ ao do mundo muito mais pr´ oximo do do macaco.

(Richard Dawkins/Deus, um delırio, p. 471)

Observe, “Predadores precisam de um modelo diferente dos das presas,

embora seus mundos necessariamente se  sobreponham .”Para finalizar, a sutil e perspicaz observacao de Tagore:

Se alguma verdade existe que nao guarde nenhuma relacao sensitiva ouracional com a inteligencia humana, sera igual a zero, enquanto formos nosseres humanos.

, nao exclui nem mesmo as “verdades” da matematica. Pior ainda, naoexiste dentre os proprios matematicos um consenso a respeito do que sejaverdadeiro em matematica, veja:

44

Page 46: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 46/515

A axiom´ atica de Zermelo sofreu algumas modificac˜ oes e hoje tem-se 

v´ arios sistemas de axiomas para a Teoria dos Conjuntos.Um fato curioso e que as Teorias obtidas por axiom´ aticas diferentes s˜ ao

distintas, de modo que se a matem´ atica e edificada sobre a Teoria dos Con- juntos, para cada sistema de axiomas destes tem-se uma matem´ atica dife-rente!    ([16], p. 2)

A proposito, os matematicos da   escola intuicionista   nao consideramcomo verdadeiras muitas das proposicoes da matematica tradicional.

Por oportuno, ha tempos atras eu me colocava o seguinte problema:supondo que exista no Universo uma outra civilizacao a matematica prati-cada por eles seria a mesma nossa?

Hoje dei-me conta de que nao preciso nem apelar para a existencia deuma outra civilizacao pois aqui mesmo na Terra se pratica mais de umamatematica −  ou geometria.

Podemos ir um pouco mais longe ir conjecturar ate mesmo a respeito dapossibilidade de mais de uma fısica em nosso planeta. Com efeito, a   teoria da relatividade especial  de Einstein fundamenta-se em dois axiomas, ambosnegados por um outro fısico, o professor e doutor Andre Koch Torres Assis.

Andre Koch:   ´ E uma crıtica, porque, por exemplo, Einstein queria imple-mentar esse efeito. Ele criou a teoria para isso, mas n˜ ao conseguiu. Ele acreditava nas ideias desse fil´ osofo Mach, mas a teoria matem´ atica dele,aplicada na teoria da relatividade, o efeito n˜ ao acontece. Einstein ate ten-tou criar outros termos, mas o que fez mesmo foi abandonar a teoria doMach e ficou com a teoria dele. Eu, particularmente, prefiro abandonar as ideias do Einstein e voltar para as ideias do Ernest Mach, que s˜ ao, para mim, mais intuitivas.   (Publicacao eletronica)

John Wheeler

A noc˜ ao de Wheeler de um universo participativo foi ligada ao princıpio antr´ opico, que afirma que o universoe desse jeito porque estamos aqui. Isso implica que, en-quanto os humanos veem o universo por meio de con-ceitos humanos, que impomos a nossa experiencia, es-tamos sempre envolvidos num universo antropocentrico

− estamos no centro do universo que habitamos e explo-ramos. Isso n˜ ao quer dizer que o universo, ate mesmo

todos os outros seres conscientes, n˜ ao existisse antes do surgimento da vida como a conhecemos, ou que v´ a desaparecer quando a especie humana extinguir-se. Apenas o universo como o concebemos, como existindo nopassado, presente e futuro, vai desaparecer. De modo mais geral, todos os mundos possıveis somem simultˆ aneamente com o desaparecimento das estru-turas cognitivas de referencia dentro das quais s˜ ao apreendidos. Os mundos experienciados por outros seres conscientes continuar˜ ao a existir em relac˜ aoa eles. Nesse sentido, os observadores cocriam os mundos em que residem.

45

Page 47: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 47/515

([13], p. 109)

Nota:   Para constatar −  em um caso particular − que isto e verdade bastareconsiderar a figura de Einstein, o robo e o pernilongo  (p. 40). Se o robo ouo Einstein (o ser humano) desparecesse da face do planeta a respectiva formade percepcao de um pernilongo concomitantemente tambem desapareceria.

De outro modo: antes da invencao do microscopio aquela forma de per-cepcao de um pernilongo nao existia.

A questao do que existe ou como existe vai depender sempre do “ob-servador”, a estrutura cognitiva de referencia, como ja argumentamos desobejo. Insistimos que isto em particular vale no universo da matematica,para os objetos da matematica. Por exemplo para Euler  (p. 81)  os numeroscomplexos nao existiam, eram  impossıveis ; “pior ainda”, ate o seculo XIXos numeros negativos nao existiam para muitos matematicos   (p. 14).

Como se explica isto?   E a propria mente, a  estrutura cognitiva de re- ferencia , que atraves de “restricoes apropriadas” diz o que deve existir ounao, ou como existir. Por exemplo, para Euler “todos os numeros con-cebıveis sao maiores ou menores do que zero ou iguais a zero”, a partir destarestricao (da mente de Euler) surge a impossibilidade do que hoje aceitamoscomo numeros complexos. Um outro exemplo notorio na matematica deve-seao matematico irlandes William Rowan Hamilton (1805-1865) que ao que-brar o dogma da comutatividade da multiplicacao trouxe a existencia (criou)os numeros conhecidos hoje como quaternions (p. 152). Se, por acaso, algum

matematico exigir a comutatividade na multiplicacao de numeros entao paraeste matematico os quaternions de Hamilton nao existem como numeros.Como ja afirmei algures   a verdade (inclusive na matem´ atica) reduz-se a uma mera quest˜ ao de consenso entre uma “maioria” de homens.

Esta perspectiva transcende o ambito da matematica, por exemplo, pode-mos estende-la ate a teologia. Por exemplo, o que e Deus para os cristaos e

 judeus nao e para mim, para a minha  ECR, posto que faco algumas restricoes(para o que seja Deus) nao satisfeitas p or Jave, por exemplo, nao admitoque um Deus aceite, ou exija, sacrifıcios humanos.   (ver Juızes cap. 11)

Retomando o contexto matematico, no capıtulo 13 abrimos mao da as-sociatividade da multiplicacao e criamos um novo   conjunto   numerico, os

hipercomplexos. Um outro aspecto nao neglicenciavel quando se decide dalegitimidade de algo, tanto na matematica quanto fora dela, diz respeito asua utilidade. Dizemos, se alguma construcao matematica se revelar utilesta assegurada sua “sobrevivencia”, existe uma especie de  selec˜ ao natural tanto na matematica quanto fora dela, como por exemplo, na fısica, filosofia,teologia, etc.

Veja-se por exemplo, o   eter  e o  cal´ orico   ja existiram e foram de algumautilidade na fısica, hoje nao mais. O purgatorio ja existiu e foi de alguma“utilidade” na teologia, hoje nao mais. O inferno ainda “existe e e util”.

46

Page 48: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 48/515

Funcao de Onda   (p. 35)

O que vem a seguir e uma tentativa nossa de “formalizar” as experienciasanteriores. A “Func˜ ao de onda ” na mecanica quantica e uma funcao com-plexa que descreve o estado quantico de um sistema de uma ou mais partı-culas, e contem todas as informacoes sobre o sistema considerado isolado.O sımbolo utilizado para denotar esta funcao e a letra grega Ψ. A funcaode onda evolui ao longo do tempo e e solucao da equacao de Schrodinger,proposta em 1926,

−  ℏ 2

2m

∂ 2 Ψ(x, t)

∂x2  + V (x, t) Ψ(x, t) = i ℏ 

∂ Ψ(x, t)

∂t

para a descricao das ondas de materia, postuladas por Louis de Broglie em1924, em sua tese de doutorado apresentada a Faculdade de Ciencias daUniversidade de Paris.

No inıcio o proprio Schrodinger apresentou duas propostas para a inter-pretacao da funcao Ψ, nenhuma das duas logrou exito∗ .

A interpretacao que hoje e aceita foi a formulada pelo fısico alemao MaxBorn, que a considerou como uma amplitude de probabilidade.

Entao, por analogia com a funcao de onda de Schrodinger, e tomandocomo um postulado as afirmacoes de Wallace e Marcelo, propomos uma“funcao de onda” (notacao: Φ) associada a todo ob jeto fısico (ou conceitual,como n´ umero, por exemplo) a qual carrega uma “superposicao de possibili-

dades” que ao entrarem em contato com uma consciencia (ao ser “medida”,a observacao e uma medicao) colapsa para uma das possibilidades fısicas  (ouconceituais) observadas. Por exemplo, o “pernilongo” − que jamais sabere-mos o que e em sua essencia − possui uma func˜ ao de onda , ao ser observadopor Einstein colapsa naquela forma que Einstein percebe, ao ser observadopelo robo colapsa na forma observada pelo robo, e assim sucessivamente;digo, cada consciencia a observar o pernilongo (o papagaio psicodelico, p.ex., seria uma outra) o ve de uma forma distinta oriunda da “superposicaode possibilidades” que estao em potencia na funcao de onda do pernilongo.

Φ

Apenas uma analogia com fins didaticos, nafigura ao lado (ilusao de otica) existe uma su-perposicao de estados; ao ser observada, isto e“medida”, colapsa para uma de duas possibi-lidades: um pato ou um coelho.

Tenha em conta que os animais poderiamainda colapsar (ve) outras possibilidades nestamesma figura. Ver ainda figuras na p. 36.

∗Ver   A Interpretac˜ ao da Func˜ ao de Onda de Schr¨ odinger , por Jose Maria Bassalo.Publicacao eletronica.

47

Page 49: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 49/515

A esdruxula adicao de Einstein

Suponhamos um observador   O   fixo em relacao ao solo, e um vagaomovendo-se com velocidade  v  em relacao ao solo. Dentro do vagao ha umabola que se move com velocidade  u.

∼  ≀     

O

· ·v

u

Sendo assim, Galileu nos diz que:   V   = v + u.Onde,  V   : velocidade da bola para o observador no solo.

Einstein, respaldado em seu segundo postulado∗, corrigiu a adicao deGalileu da seguinte forma:

V   =  v + u

1 + v · u

c2

Onde  c  = 3 · 108 (m/s) e a velocidade da luz. Tomando  u  =  v  = 1 teremosque para Galileu 1 + 1 = 2, ja para Einstein 1 + 1 = 2. De fato,

V   =  1 + 1

1 +  1 · 1

(3 · 108

)2

= 2 (1.1)

Claro, os fısicos argumentariam que “para todos os fins pr´ aticos ” 10−16 = 0,e aı as duas adicoes coincidem. Primeiro que neste caso arredondamento euma opcao, nao somos obrigados a tal. Segundo, nao trata-se de arredonda-mento, e uma questao conceitual. Por exemplo, “para todos os fins pr´ aticos ”π = 3,  14159265359, entretanto conceitualmente o numero da esquerda e ir-racional  e o da direita  racional .

A fısica de Newton-Galileu nao e um caso particular da de Einstein.Observe que so existe uma maneira de obter 1 + 1 = 2 na fısica de

Einstein, devemos fazer 10−16 = 0, o que implicaria 1 = 0 (multiplicandopor 1016). Logo, estabelecemos (na fısica de Einstein):

Se 1 + 1 = 2 entao 1 = 0. Mas isto equivale a: Se 1 = 0 entao 1 + 1 = 2.

An passant, gostaria de deixar aqui um questionamento aos fısicos. Amatematica nos diz que a adicao de vetores obedece a regra do paralelogramo,dada por |  V  |2 = |  u |2 + |v |2 + 2 | u | · |v | · cos θ. Esta equacao para  θ  = 0o

torna-se |  V  | = | u |+ |v |. Tomando u  =  v  = 1 teremos |  V  | = | 1 |+ | 1 | = 2,contrariando (1.1)!

Entao velocidade nao e um vetor na fısica de Einstein?

∗A velocidade da luz no vacuo tem o mesmo valor   c   em qualquer referencial inercial,independentemente da velocidade da fonte de luz.

48

Page 50: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 50/515

Capıtulo 2

RELAC OES BINARIAS

O mundo de voces e um mundo criado pelo ego; o mundo de voces e um mundo projetado. Voces est˜ ao usando o mundo real como uma tela e projetando nela as suas pr´ oprias ideias.   (Osho)

Introducao

Dediquei alguns anos de minha vida a pesquisar (e refletir) o universodas religioes, como resultado escrevi e publiquei tres livros, o ultimo delespor nome “O Deus Quˆ antico (Um Deus pra homem nenhum botar defeitomesmo que esse homem seja um ateu), uma conclusao a que cheguei e quea questao Deus, no fundo no fundo, e uma questao  ideologica, partidaria,

tanto e que numa ligeira pesquisa me deparei com centenas, milhares deDeuses sobre a face da Terra, como por exemplo os seguintes:

Deus

Hinduısmo

Gnosticismo

Jainismo

Confucionismo

Sufismo

Taoısmo

Xintoısmo

Tenrikyo

Judaısmo

Islamismo

Cristianismo...

49

Page 51: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 51/515

Ate aqui nenhuma novidade para alguns. Pois bem, apos a conclusao

do livro citado anteriormente sentei para redigir a vers ao final do presentelivro, a novidade e que para minha surpresa cheguei a conclusao de que amatematica tambem e, no fundo no fundo, uma questao  ideologica, par-tidaria, tanto e que numa ligeira pesquisa na   filosofia da matem´ atica   medeparei com muitas Escolas de pensamento, como por exemplo

Matematica

Logicismo

Intuicionismo, Construtivismo

Conjuntista

Formalismo

Realismo matematico...

para citar apenas as principais.   (Ver p. 25; rodape p. 179)

Estaremos provando esta afirmativa em varias oportunidades −   comoe o caso da definicao de  Relac˜ oes bin´ arias , um dos conceitos basilares damatematica.

Assim como as religioes se dividem em   grupos dissidentes   tambem asEscolas matematicas se dividem em tantas outras; por exemplo, o logicismoe o formalismo sao derivacoes do  realismo matem´ atico.

A influencia ideologica do grupo Bourbaki

Ademais, dei-me conta de que a   ideologia   que prevalece nos livrosdidaticos de matematica −   do ensino fundamental a universidade −   e a

conjuntista.   (Ver p. 26)

Esta prevalencia se deve a influencia de um  grupo, estamos falando de:Nicolas Bourbaki, foi o pseudonimo de um grupo de matematicos, majori-tariamente franceses, que se propos reorganizar boa parte da Matematica

desenvolvida ate entao; optaram pelo metodo axiomatico e, ademais, igno-rando − tal como um avestruz que enfia a cabeca em um buraco − os para-doxos∗  que proliferavam na teoria dos conjuntos  decidiram que o edifıcioda “matematica moderna” deveria ser erigido sobre esta teoria(Conjuntos)−  a coisa passa por aı, estamos dizendo.

∗Na tentativa de “salvar” a teoria dos conjuntos de Cantor, alguns destes paradoxosforam eliminados “por decreto”, isto e, na “forca bruta” (via axiomas  ad hoc , i.e., “de-senhados para esta finalidade”, p. ex., ver [15], p. 94); tanto e que nao existe entreos matematicos um consenso sobre que conjunto de axiomas e valido; existem muitasaxiomaticas para a teoria dos conjuntos.

50

Page 52: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 52/515

De um livro de Teoria dos Conjuntos:   ([16], p. 2)

A Teoria desenvolvida por Cantor era ingenua (intuitiva, n˜ ao axiom´ atica)e os paradoxos comecaram logo a surgir. O primeiro paradoxo realmente importante foi o de Bertrand Russel (1872-1970), envolvia aspectos mais elementares da Teoria, n˜ ao poderia ser ignorado.

A reac˜ ao dos matem´ aticos foi de axiomatizar a Teoria, pois ela con-tinha muitas vantagens para ser deixada de lado. O primeiro matem´ aticoa construir um sistema de axiomas foi E. Zermelo (1871-1953) em 1908.A axiom´ atica de Zermelo sofreu algumas modificac˜ oes e hoje tem-se v´ arios sistemas de axiomas para a Teoria dos Conjuntos.

Um fato curioso e que as Teorias obtidas por axiom´ aticas diferentes s˜ aodistintas, de modo que se a matem´ atica e edificada sobre a Teoria dos Con-

 juntos, para cada sistema de axiomas destes tem-se uma matem´ atica dife-rente! O sistema de Zermelo-Fraenkel (ZF) e o que melhor reproduz a Teoria de Cantor e a matem´ atica oriunda deste sistema e denominada matem´ atica cantoriana; as demais, n˜ ao-cantorianas, em analogia com as geometrias.

Adendo:  Acrescentamos ainda que a multiplicidade de interpretacoes naoe prerrogativa da matematica, um fenomeno analogo acontece na fısica.Com efeito, no artigo   Por que ha tantas interpretacoes da teoriaquantica?   do filosofo com doutorado em fısica quantica Osvaldo PessoaJr. ele afirma: “H´ a dezenas de interpretac˜ oes diferentes, e interpretac˜ oes novas v˜ ao surgindo a cada ano.”, e lista as principais:

FısicaQuantica

(1) Ondulatoria Realista.

(2) Corpuscular Realista.

(3) Dualista Realista.

(4) Dualista Fenomenalista.

(5) Corpuscular Fenomenalista.

O autor acrescenta ainda um dado relevante para o nosso contexto:

H´ a um terceiro eixo que e significativo para classificar as inter-pretac˜ oes cientıficas, que e o aspecto “intencional” ou “emocional”, que as pessoas agregam as suas posic˜ oes interpretativas. H´ a indivıduos que defendem ardentemente e ate agressivamente uma interpretac˜ ao, e o em-bate emocionalmente carregado envolvendo dois ou mais partidos pode resultar numa controversia cientıfica.

Por paradoxal que pareca, os aspectos “intencional” e “emocional” es-tiveram − e estao −  presentes nas disputas entre as escolas matematicas.

51

Page 53: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 53/515

Reduzir os objetos matematicos a conjuntos e intencional e por vezes

tendencioso, por partes dos conjuntistas.“A literatura sobre a mecanica quantica convida ao uso metaforico do

termo dissidencia, comum em polıtica e em religiao, para lidar com as con-troversias cientıficas. De fato, Heilbron (2001) escreveu sobre os Missionariosdo espırito de Copenhague, Rosenfeld utilizou “heresia” para se referir asideias de Everett (OSNAGHI; FREITAS; FREIRE, 2009, p. 240), Wigner(1963) apresentou a sua propria ideia como a ortodoxia na mecanica quanticae Jammer (1974, p. 250) escreveu sobre a “monocracia incontestada da Es-cola de Copenhague na filosofia da mecanica quantica”, ao analisar os de-bates sobre a interpretacao, no inıcio da decada de 1950, apenas para citaralguns exemplos. A metafora e atrativa.”

(Dissidentes quanticos: pesquisa em fundamentos da TeoriaQuantica em torno de 1970./Olival Freire Junior)

∗ ∗ ∗Brouwer nasceu em   1881, dedicou a maior parte de sua vida 

profissional a Universidade de Amsterdam, e faleceu em   1966. Lutou impiedosamente por suas ideias. Como editor da revista  Mathematische

annalen , encarregado de aceitar ou rejeitar artigos submetidos para publicac˜ ao, abriu ataque contra o uso indiscriminado da   reductio ad 

absurdum , recusando todos os artigos que aplicavam a lei do terceiro ex-

cluıdo em proposic˜ oes cuja veracidade ou falsidade n˜ ao podia ser decidida em um n´ umero finito de passos. A crise se encerrou com a comiss˜ aoeditorial decidindo por sua ren´ uncia coletiva. S´ o que depois todos se reelegeram, menos Brouwer. O governo holandes ficou t˜ ao indignadocom essa afronta ao maior de seus matem´ aticos que resolveu criar uma revista rival, com Brouwer a testa.

(Howard Eves/Introducao  A Historia da Matematica, p. 681)

Teorema de Nagarjuna

Acredito que e possıvel se reconhecer um sabio iluminado por apenas umde seus pensamentos. O pensamento a seguir, de um monge indiano (sec.II-III) por nome Nagarjuna, me causou uma especie de fascınio tanto e quedecidi conferir-lhe o status de um  teorema matem´ atico, afirma ele:

Se eu tivesse qualquer posic˜ ao te´ orica, ent˜ ao eu teria problemas; mas j´ a que n˜ ao tenho qualquer posic˜ ao te´ orica, ent˜ ao n˜ ao tenho qualquer problema.

Diriamos que e “uma especie de teorema da incompletude de G¨ odel ”,mais geral − isto e, aplica-se a muitas outras areas do conhecimento.

52

Page 54: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 54/515

2.1 Relacoes Binarias

As  relac˜ oes bin´ arias  sao objetos centrais na matematica. Os autores deorientacao conjuntista bourbakista as definem assim:

Definicao 4.   Sejam  A   e   B   dois conjuntos. Chama-se  relac˜ ao bin´ aria de A   em   B   ou apenas  relac˜ ao de  A   em   B   todo   subconjunto   R   do produtocartesiano A × B. Portanto, simbolicamente:

R   e relacao de A   em   B   ⇐⇒   R ⊂ A × B

A princıpio posso ver esta definicao como um  acochambramento,   uma

tentativa de reduzir este importante conceito a conjuntos. Todavianao vamos discutir a legitimidade da mesma para nao nos alongarmos emdemasia; entretanto queremos ressaltar ao leitor o carater um tanto quantosubjetivo da matematica em algumas questoes importantes −  deixemos asEscolas de lado −, existe um autor∗  que traz uma outra definicao, assim:

Relacoes

A  relac˜ ao   R   consiste no seguinte:

(1) um conjunto A;

(2) um conjunto B ;

(3) uma sentenca aberta P (x, y) na qual   P (a, b) e verdadeiro ou falsopara qualquer par ordenado (a, b) pertencendo a  A × B.

Chamamos entao  R   uma  relac˜ ao de   A   para   B   e designamos por

R =

A, B, P (x, y)

.

Alem disso, se  P (a, b) e verdadeiro, escrevemos

a R b

que se le “a   esta relacionado a   b”. Por outro lado, se  P (a, b) nao e ver-

dadeiro, escrevemosa

      R  b

que se le “a   nao esta relacionado a   b”.

Pois bem, observe que segundo esta definicao uma relacao binaria e umaterna consistindo de dois conjuntos e uma sentenca aberta, a subjetividadeesta em que preferimos − e adotamos em nosso livro −  esta definicao, poisque a mesma ressalta o “aspecto estrutural” de uma relacao binaria.

∗Seymour Lipschutz/Teoria dos Conjuntos /Colecao Schaum/p. 114.

53

Page 55: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 55/515

Uma relacao binaria pode ainda ser vista como um  sistema de processa-

mento de informac˜ oes , no qual entramos com dois conjuntos  A   e   B,

A

B

A × B

 p(x, y) F 

G = {   . . .   }

calcula-se o produto cartesiano, testa-se cada par ordenado (a, b) ∈ A × Bna sentenca aberta, se o resultado for verdadeiro coloca-se este par numa

lista G, caso contrario envia-se para a lixeira.

Um pequeno resumo sobre sentencas abertas   (p. 500)

Antes de darmos um ou dois exemplos de relacoes vejamos um resumode sentencas abertas. Consideremos as proposicoes:

 p :   x + 6  <  10, V ( p ) =?

q : 2 + 6 <  10, V ( q ) = 1

A proposicao  q , como se ve, e verdadeira, ao passo que nada podemosafirmar sobre o valor logico de   p   :   V ( p) =?; que somente sera conhecidoquando   x   for substituido por um numero bem determinado. Neste caso,dizemos que a proposicao  p  e uma sentenca aberta .

Na sentenca aberta p(x) :   x + 6  <  10

o sımbolo x  e chamado de  vari´ avel .Chamamos conjunto universo da variavel ao conjunto das possibilidades

que podem substituir a variavel na sentenca. Denotaremos este conjuntopor  U.

Conjunto-verdade   (da sentenca aberta) e o conjunto dos valores davariavel para os quais a sentenca torna-se verdadeira. Denotaremos esteconjunto por V:

V =

x ∈ U :  V  p(x)

 =  V 

  (2.1)

Na verdade as sentencas abertas que nos interessam no presente contextocomportam duas variaveis. Seja   p(x, y) uma sentenca aberta com duasvariaveis. Inicialmente observamos que, nao necessariamente, as variaveisenvolvidas tem o mesmo conjunto universo. Na “pratica” e frequente queestes conjuntos sejam distintos. Assim e que os denotaremos por:   Ux  e Uy.

54

Page 56: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 56/515

Por exemplo, para a sentenca

 p(x, y) :  x2 − 1

x + 1  +

 y2 − 1

y − 1  < 0

os respectivos conjuntos universos sao necessariamente distintos, podendoser, por exemplo:

Ux = R − {−1 }   e   Uy  = R − { 1 }.

Obs:  Quando em um dado contexto citarmos apenas um conjunto universo,significa que este e o mesmo para as duas variaveis, isto e,  Ux  =  Uy.

Grafico de uma relacao

Seja   R   = A, B, p(x, y)   uma relacao. O conjunto verdade   V   darelacao, dado em (2.1), e constituido pelos pares (a, b) em   A × B, para oqual  p(a, b) e verdadeiro. Este conjunto sera denotado por

G =

(x, y) ∈ A × B  :   V  p(x, y)

 =  V 

  (2.2)

e chamado o  grafico  da relacao.

Exemplo:

Encontre o grafico da seguinte relacao:   (p. 53)

(1)   A = { 1,  2,  3 };

(2)   B  = { 3,  4 };(3)   p(x, y) :   x + 1 < y.

Solucao:   Inicialmente temos,

A × B  = { (1,  3),  (1,  4),  (2,  3),  (2,  4),  (3,  3),  (3,  4) }Testando cada um destes pares na sentenca aberta obtemos:

G = { (1,  3),  (1,  4),  (2,  4) }Geometricamente tudo se passa assim:

A

B

1 2 3

A×B

   

   

   

   

3

4

A

B

1 2 3

G

   

   

   

   

3

4

55

Page 57: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 57/515

Vejamos esta relacao de uma outra perspectiva, assim:

{ 1,  2,  3 }{ 3,  4 }

A × B

 p(x, y) F 

G = { (1,  3),  (1,  4),  (2,  4) }

 (   2,  3  )

(  3   , 3   )    (   

        3     ,       

        4         )   

Importante: Observe que pela definicao dos conjuntistas,   (def. 4, p. 53),perdemos a “visao estrutural” do objeto relac˜ ao; ademais, eles confundem

intencionalmente  a relacao com o proprio grafico da relacao.

E isto o que denunciamos: esta tentativa espuria de reduzir (acocham-brar) todos os objetos matematicos a conjuntos obscurece muitos conceitos,como o de numero, por exemplo − a ser visto oportunamente.

Relacao sobre um conjunto

Em matematica sao muito importantes e frequentes as relacoes binarias

em que  A  =  B .

Definicao 5.   Quando  A  =  B   e   R   e uma relacao de  A   em B, diz-se queR   e uma  relac˜ ao sobre  A  ou, ainda,  R   e uma  relac˜ ao em  A.

Exemplo:

Encontre o grafico da seguinte relacao (em   A):

(1)   A = { x ∈ Z : |x| ≤ 3 };

(2)   p(x, y) :   x + |x| = y  + |y|.Solucao:   Inicialmente temos,

A = {−3, −2, −1,  0,  1,  2,  3 }

Fazendo o produto cartesiano

56

Page 58: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 58/515

A −3   −2   −1 0 1 2 3

   

   

   

   

   

   

1

2

3

−1

−2

−3

Devemos “abrir” a sentenca aberta em cada um dos quadrantes. Entao,tendo em conta que

|x| =

  x,   se   x ≥ 0;

−x,   se   x < 0.e   |y| =

  y,   se   y ≥ 0;

−y,   se   y < 0.

Resulta,

IQ :   x + |x| = y + |y| ⇐⇒   x + x =  y  + y   ⇐⇒   x =  yIIQ:   x + |x| = y + |y| ⇐⇒   x − x =  y  + y   ⇐⇒   y = 0

IIIQ:   x + |x| = y + |y| ⇐⇒   x − x =  y − y   ⇐⇒   0 = 0

IVQ:   x + |x| = y + |y| ⇐⇒   x + x =  y − y   ⇐⇒   x = 0

Na figura a seguir observamos o grafico da relacao (pontos em azul):

x

y

−3   −2   −1 0 1 2 3

   

   

   

   

   

   

1

2

3

−1

−2

−3

57

Page 59: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 59/515

Por oportuno, vejamos um outro importante objeto matematico cuja

compreensao e obscurecida pela ditadura bourbakista , digo, pelos conjuntis-tas:  Espaco Vetorial. Uma definicao padrao nos livros didaticos e∗:

Um espaco vetorial  E   e um conjunto, cujos elementos sao chamados  ve-tores , no qual estao definidas duas operacoes: a  adic˜ ao, que a cada par devetores u, v ∈ E  faz corresponder um novo vetor u +v ∈ E , chamado a soma de u  e  v , e a multiplicac˜ ao por um n´ umero real , que a cada numero α ∈ R   e acada vetor v ∈ E   faz corresponder um vetor  α ·v , ou αv , chamado o produtode  α   por   v . Essas operacoes devem satisfazer, para quaisquer  α, β  ∈   R   e

u, v, w ∈ E , as condicoes abaixo, chamadas os  axiomas  de espaco vetorial:

comutatividade:   u  + v  =  v  + u ;

associatividade:   (u  + v ) + w  = u  + (v  + w ) e (αβ )v  =  α(β v );

vetor nulo:   existe um vetor  0 ∈ E , chamado vetor nulo, ou   vetor zero,tal que  v  + 0  =  0 + v  =  v   para todo  v ∈ E ;

inverso aditivo:   para cada vetor   v  ∈   E    existe um vetor −v  ∈   E ,chamado o inverso aditivo, ou o simetrico de v , tal que −v +v  =  v +(−v ) = 0;

distributividade:   (α + β )v  =  αv  + β v   e   α(u  + v ) =  αu  + αv ;

multiplicacao por 1:   1 · v  =  v .

Entao, vejamos alguns poucos comentarios sobre esta definicao padrao:Primeiro que um espaco vetorial nao e um conjunto. Segundo, nao conheconenhum conjunto “cujos elementos sao chamados vetores ”. O leitor conhece

algum? −  O que vem depois na definicao anterior nao muda em nada.A verdadeira natureza de um espaco vetorial e a de uma estrutura −

tanto e que e conhecido como uma  estrutura algebrica −, por exemplo, assim:

E

R

E × E

R

×E 

E

E

+

·

E = (E,  R,  +, ·)

(aqui temos escalares)

(aqui temos meros elementos)

Estrutura

Espaco Vetorial

(aqui temos vetores)

Nao existe nenhum conjunto “cujos elementos sao chamados   vetores ”posto que em qualquer conjunto temos meros elementos, ao construirmosuma estrutura sobre um tal conjunto entao seus elementos adquirem umaidentidade como ja argumentamos, de sobejo, na pagina 18.

∗Do livro:  Algebra Linear/Elon Lages Lima. 8. ed. Rio de Janeiro: IMPA, 2011.

58

Page 60: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 60/515

Na figura a seguir

- Espaco vetorial:

(a, b) + (c, d) = (a + c, b + d)

λ(a, b) = (λa, λb)

- Numeros  C :

 (a, b) + (c, d) = (a + c, b + d)

(a, b) · (c, d) = (ac − bd, ad + bc)

- Numeros  H :

(a, b) + (c, d) = (a + c, b + d)

(a, b) · (c, d) = (ac ∓ bd, |a|d + b|c|)

R2

0

 (x, y)

o “conjunto base” e o mesmo,  R

2

, seus elementos sao meros pontos, agoradependendo da estrutura construida sobre este conjunto seus elementosadquirem status de vetores, numeros complexos ou numeros hipercomplexos.Voltamos a enfatizar:   forcar a que os objetos matematicos sejam vistos comoconjuntos apenas obscurece e obnubila os conceitos.

2.2 Relacoes Especiais

Veremos agora alguns casos especiais de relacoes binarias que serao cru-ciais na construcao dos numeros inteiros, racionais e reais. Lembramos queG   e o grafico da Relacao, cf. def. 2.2, p. 55.

Definicao 6   (Relacao Reflexiva).   Seja  R   =

A, A, p(x, y)

  uma relacaoem um conjunto  A,   R   e chamada de  relacao reflexiva, se para todo  x ∈ Ase tem (x, x) ∈ G.

De outro modo: Uma relacao  R   em  A   e   reflexiva se e somente se todoelemento  x ∈ A   esta relacionado consigo mesmo. Em sımbolos:

R   e reflexiva   ⇐⇒   (∀ x)

x ∈ A   ⇒   x R x

Exemplos:

a)   A relacao  R   em A  = { a, b, c }   cujo grafico e dado a seguir:

G = { (a, a),  (b, b),  (c, c),  (a, b),  (b, c) }e reflexiva pois  a R a,   b R b   e   c R c; isto e, todo elemento esta relacionadoconsigo mesmo.

b)   A relacao  R   no sistema dos numeros inteiros

Z =

{ . . . , −3, −2, −1,  0,  1,  2,  3, . . . },  +, ·

59

Page 61: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 61/515

com sentenca aberta dada por,

 p(x, y) :   x < 2 y

n˜ ao e reflexiva , posto que nao se tem x < 2 x  para todo  x ∈ Z; por exemplo p(0,   0) nao e verdadeira. Ou ainda, 0 <  2 · 0 e falso.

Observe que a restricao desta relacao ao sistema

Z+∗   =

{ 1,  2,  3, . . . },  +, ·dos inteiros positivos e  reflexiva , porque e verdade que todo inteiro positivoe menor que o seu dobro.

c)   A relacao   R   de paralelismo definida sobre o conjunto   R   das retas do

espaco euclidiano x R y   se, e somente se,  x//y   e reflexiva, pois  x//x, paratoda reta  x.

Definicao 7   (Relacao Simetrica).   Seja  R  =

A, A, p(x, y)

  uma relacaoem um conjunto   A,   R   e chamada de   relacao simetrica   se, e somente se,quaisquer que sejam os elementos  x, y ∈ A, se (x, y) ∈ G, entao (y, x) ∈ G.

De outro modo: Uma relacao   R   em   A   e   simetrica   se e somente se opar ordenado   recıproco   (y, x) de todo par ordenado (x, y) ∈   G   tambem

pertence a G. Em sımbolos:

R   e simetrica   ⇐⇒   (∀ x) (∀ y)

x, y ∈ A   e   x R y ⇒   y R x

Exemplos:

a)   A relacao  R   em A = { a, b, c }   cujo grafico e dado a seguir:

G = { (a, a),  (a, b),  (b, a),  (c, c) }

e simetrica.

Observe que uma relacao  R   sobre A   nao e simetrica se existirem  x   e   yem A   tais que   x R y   e   y

      R  x.

b)   A relacao  R   em A  = { a, b, c }   cujo grafico e dado a seguir:

G = { (a, a),  (a, b),  (b, b),  (c, c) }nao e simetrica, pois  a R b   e   b

      R  a   .

c)   A relacao R   de perpendicularismo definida sobre o conjunto R  das retasdo espaco euclidiano, x R y   se, e somente se,  x ⊥ y   e simetrica, pois, paraduas retas  x   e   y   quaisquer  x ⊥ y   ⇒   y ⊥ x.

60

Page 62: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 62/515

d)   Seja A  o conjunto de triangulos no plano euclidiano, e seja  R  a relacao

em A   cuja sentenca aberta e: “x   e semelhante a   y”. Logo,  R   e simetrica,pois se o triangulo  a   e semelhante ao triangulo  b   entao  b   e tambem seme-lhante a  a.

e)   Seja   R   a relacao nos numeros naturais   N   cuja sentenca aberta e: “xdivide   y”. Logo,  R   e nao e simetrica, pois 2 divide 4 mas 4 nao divide 2.De outro modo

(2,  4) ∈ G   mas (4,  2) ∈ G.

Definicao 8   (Relacao Antissimetrica).   Seja   R   =

A, A, p(x, y)

  uma

relacao em um conjunto   A,   R   e chamada de   relacao antissimetrica   se, e

somente se, quaisquer que sejam os elementos   x, y ∈   A, s e (x, y) ∈   G   e(y, x) ∈ G, entao  x  =  y).

Em sımbolos:

R   e antissimetrica ⇐⇒  (∀ x) (∀ y)

x, y ∈ A,   se   x R y   e   y R x ⇒   x =  y

De outro modo: se  x = y, entao possivelmente x   estara relacionado com

y   ou possivelmente  y   estara relacionado com  x, porem nunca ambos.

R   e antissimetrica ⇐⇒  (∀ x) (∀ y)

x, y ∈ A,   se   x = y   e   x R y  ⇒   y   

   R  x

Segundo a definicao dada, uma relacao   R   em   A   nao e  antissimetrica

se, e somente se, existe ao menos um par ordenado (x, y) ∈ G, com  x = y,cujo par ordenado recıproco (y, x) ∈ G. Em sımbolos:

R   nao e antissimetrica ⇐⇒  (∃ x) (∃ y)

x, y ∈ A, x = y, x R y   e   y R x

Exemplos:

a)   Seja   R   a relacao nos numeros naturais   N   cuja sentenca aberta e: “xdivide   y” (em sımbolo,   x|y). Logo,  R   e antissimetrica, pois se  x   divide  ye  y   divide  x   entao  x =  y.

Observe que a extensao desta relacao aos inteiros Z   nao e antissimetrica,pois, por exemplo, 5| − 5 e  −5|5 e 5 = −5.

b)   Seja  A  = { 1,  2,  3,  4 }  e seja  G  = { (1,  3),  (4,  2),  (4,  4),  (2,  4) }.

R   nao e uma relacao antissimetrica em  A  pois (4,  2) ∈ G   e (2,  4) ∈ G.

61

Page 63: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 63/515

De outro modo:

R   nao e antissimetrica ⇐⇒  (∃ x) (∃ y)

x, y ∈ A, x =  y, x R y   e   y R x

↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓4 2 4 = 2 (4,  2) (2,  4)

c)   Seja A  uma colecao de conjuntos e seja a relacao R  cuja sentenca abertae: “x   e um subconjunto de   y”. Logo,  R   e antissimetrica, pois se  x ⊂ y   ey ⊂ x   entao   x =  y.

Definicao 9   (Relacao Transitiva).   Seja  R  =

A, A, p(x, y)

  uma relacaoem um conjunto   A,   R   e chamada de   relacao transitiva   se, e somente se,

quaisquer que sejam os elementos  x, y, z ∈  A, se (x, y) ∈ G   e (y, z) ∈ G,entao (x, z) ∈ G.

Em poucas palavras: se  x   esta relacionado com  y   e   y   esta relacionadocom z , entao  x   esta relacionado com  z . Em sımbolos:

R   e transitiva ⇐⇒ (∀ x)(∀ y)(∀ z)

x, y, z ∈ A,   se   x R y   e   y R z  ⇒   x R z

Desta definicao se segue que:

R   nao e transitiva⇐⇒

(∃

x)(∃

y)(∃

z) x, y, z ∈

A,   com   x R y   e   y R z   e   x   

   R  z

Exemplos:

a)   Seja A  uma colecao de conjuntos e seja a relacao R  cuja sentenca abertae: “x   e um subconjunto de   y”. Logo,  R   e transitiva, pois se  x ⊂ y   e   y ⊂ zentao   x ⊂ z.

b)   Seja A  o conjunto das pessas no mundo. Seja  R  a relacao cuja sentencaaberta e: “x   ama   y”. Logo,  R   nao e transitiva, pois se  a   ama  b   e   b   amac, nao se conclui necessariamente que  a   ama  c.

c)   Seja  A  = { a, b, c }   e  R  uma relacao cujo grafico e dado por

G = { (a, b),  (c, b),  (b, a),  (a, c) }

R   nao e uma relacao transitiva em  A   pois,

(c, b) ∈ G   e (b, a) ∈ G   mas (c, a) ∈ G.

De outro modo:

R   nao e transitiva ⇐⇒ (∃ x)(∃ y)(∃ z)

x, y, z ∈ A,   com   x R y   e   y R z   e   x   

   R  z

↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓c b a   (c, b) (b, a) (c, a)

62

Page 64: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 64/515

2.3 Relacoes de equivalencia

As relacoes de equivalencia desempenham um importante papel em todaa matematica, neste livro, em particular, elas serao utilizadas para a cons-trucao dos numeros inteiros, racionais e reais.

Em matematica quando desejamos colocar ordem em (“arrumar”) umconjunto qualquer o instrumento apropriado sao as relac˜ oes de equivalencia ,definidas a seguir:

Definicao 10 (Relacao de Equivalencia).  Uma relacao R  sobre um conjuntoA e chamada relac˜ ao de equivalencia  sobre A  se, e somente se, R   e reflexiva,simetrica e transitiva, isto e, se sao verdadeiras as sentencas:

( i ) ( ∀ x ∈ A ) ( x R x ) (Reflexiva)

( ii ) ( ∀ x ∀ y ∈ A) ( se   x R y   ⇒   y R x ) (Simetrica)

( iii ) ( ∀ x ∀ y ∀ z ∈ A) ( se   x R y   e   y R z ⇒   x R z ) (Transitiva)

Mudanca de notacao:  No caso especial das relacoes de equivalencia fare-mos uma mudanca de notacao: Trocaremos R   por  ∼, entao,

x R y   ⇐⇒   x ∼ y   ⇐⇒   (x, y) ∈ R   ⇐⇒   (x, y) ∈ ∼   (2.3)

Exemplos:

a)   A relacao ∼   de paralelismo definida sobre o conjunto   R   das retas doespaco euclidiano pela sentenca,   x  ∼   y   se, e somente se,   x//y, e umarelacao de equivalencia, pois, sendo  x, y  e  z   retas de  R, temos:

( i ) ( x//x )

( ii ) ( x//y   ⇒   y//x )

( iii ) ( x//y   e   y//z   ⇒   x//z )

b)   A relacao

 ∼ no sistema  R   dos numeros reais com sentenca aberta,

 p(x, y) :   |x − 1| = |y − 1|e uma relacao de equivalencia em   R. Com efeito, quaisquer que sejam osnumeros reais  x,   y   e   z, temos:

( i ) ( x ∼   x ), pois   |x − 1| = |x − 1|;( ii ) ( x ∼ y ⇒   y ∼ x ), pois |x−1| = |y−1| ⇒ |y−1| = |x−1| ⇒   y ∼ x;

( iii ) ( se   x ∼ y   e   y ∼ z   ⇒   x ∼ z ).

Neste caso vamos decompor o problema da prova em hipotese e tese,assim:

63

Page 65: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 65/515

H :

x ∼ y   :   |x − 1| = |y − 1|

y ∼ z   :   |y − 1| = |z − 1| T :   x ∼ z   : |x − 1| = |z − 1|

A tese decorre trivialmente das hipoteses. Adicionalmente vamos encon-trar o grafico desta relacao.   (p. 55)

Entao, os pares (x, y) ∈ R × R  para os quais a sentenca aberta

 p(x, y) :   |x − 1| = |y − 1|

e verdadeira pertencem ao grafico da relacao. Logo,

|x − 1| = |y − 1| ⇒   x − 1 = ±(y − 1)   ⇒

x − 1 = y − 1

x − 1 = −(y − 1)

Sendo assim, temos

R

R

1 2 3

   

   

   

1

2

3

y =  xy = 2 − x

Qualquer ponto sobre as retas em azul quando substituido na sentencaaberta p(x, y) a torna verdadeira e por isto pertence ao grafico G  da relacao∼, os demais pontos tornam a sentenca aberta p(x, y) falsa e, por isto, saodescartados para a lixeira. Assim,

R

R

R × R

 p(x, y) F 

G =

{ }

R

R

1 2 3

   

   

   

1

2

3

64

Page 66: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 66/515

c)   A relacao ∼   em  Z   cuja sentenca aberta e:

 p(x, y) : 5|(x − y)

ou ainda,x ∼ y   ⇐⇒   5|(x − y)

e uma relacao de equivalencia em   Z. Com efeito, quaisquer que sejam osnumeros inteiros  x,   y   e   z, temos:

( i ) ( x ∼ x ), pois 5|(x − x);

( ii ) ( x ∼ y ⇒   y ∼ x ), pois 5|(x − y) ⇒   5|(y − x)  ⇒   y ∼ x;

( iii ) ( se   x∼

y   e   y ∼

z  ⇒

  x∼

z ), pois

x ∼ y   e   y ∼ z ⇒   5|(x − y) e 5|(y − z)

⇒   5|(x − y) + (y − z)   ⇒   5|(x − z)

⇒   x ∼ z

Sendo assim, a relacao ∼   em  Z   e reflexiva, simetrica e transitiva e, poristo mesmo, ∼   e uma relac˜ ao de equivalencia  em  Z.

d)   A relacao ∼   em  N × N   (N   inteiros positivos) cuja sentenca aberta e:

 p (x, y),  (z, t) :   x t =  y z

ou ainda,(x, y) ∼ (z, t)   ⇐⇒   x t =  y z

e uma relacao de equivalencia em   N × N. Com efeito, quaisquer que sejamos elementos (x, y), (z, t) e (u, v) de  N × N, temos:

( i )

(x, y) ∼ (x, y)

, pois   x y =  y x;

( i i )

 (x, y) ∼ (z, t) ⇒   (z, t) ∼ (x, y)

, pois . . .

Vamos decompor o problema da prova em hipotese e tese, assim:

H : (x, y) ∼ (z, t) T : (z, t) ∼ (x, y)

Ou ainda:H :   x t =  y z   T :   z y  =  t x

A tese decorre trivialmente da hipotese.

(iii)

se (x, y) ∼ (z, t) e (z, t) ∼ (u, v)   ⇒   (x, y) ∼ (u, v)

, pois . . .

65

Page 67: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 67/515

Vamos decompor o problema da prova em hipotese e tese, assim:

H :

(x, y) ∼ (z, t) :   x t =  y z

(z, t) ∼ (u, v) :   z v =  t uT : (x, y) ∼ (u, v) :  x v =  y u

Multiplicando as hipoteses, temos:

(x t)(z v) = (y z)(t u)   ⇒   x v =  y u,

o resultado desejado. Sendo assim, a relacao ∼   em   N ×  N   e reflexiva,simetrica e transitiva e, por isto mesmo, ∼   e uma relac˜ ao de equivalencia .

Classe de equivalencia

Definicao 11   (Classe de equivalencia).   Seja ∼ =

A, A, p(x, y)

  umarelacao de equivalencia em um conjunto  A. Fixado arbitrariamente um ele-mento  a ∈  A, chama-se  classe de equivalencia  determinada por  a, modulo∼, o subconjunto a   de  A   constituido pelos elementos  x   tais que  x ∼ a.

Em sımbolos:

a = { x ∈ A : x ∼ a }Resumindo: a classe de equivalencia de um elemento  a ∈ A  reuni todos

os elementos que se relacionam com  a (que sao equivalentes a a, diriamos),segundo o criterio ∼  escolhido.

Nota:  Pela propriedade reflexiva de uma  relac˜ ao de equivalencia  temos quea ∼ a. Logo,  a ∈  a, o que significa que uma classe de equivalencia nunca evazia: a = ∅,   ∀ a ∈ A.

Vamos a mais um mega-importante conceito. Os conjuntos (sistemas)dos numeros inteiros, racionais e reais podem ser definidos a partir do con-ceito de  conjunto-quociente .

Definicao 12 (Conjunto-quociente).  O conjunto formado por todas as classesde equivalencia modulo ∼   sera indicado por  A/ ∼   e chamado o conjunto-quociente de  A  por ∼.

66

Page 68: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 68/515

Exemplos:

a)   Seja a relacao de equivalencia ∼   em A  = { 0,  1,  2,  3 }   cujo grafico e:

G = { (0,  0),  (0,  2),  (1,  1),  (1,  3),  (2,  2),  (2,  0),  (3,  1),  (3,  3) }

As  classes de equivalencia  modulo ∼  dos elementos de  A   sao:

0 = { x ∈ A :  x ∼ 0 } = { 0,  2 }1 = { x ∈ A :  x ∼ 1 } = { 1,  3 }2 = { x ∈ A :  x ∼ 2 } = { 2,  0 }3 = { x ∈ A :  x ∼ 3 } = { 3,  1 }

Observamos que 0 = 2 e   1 = 3. Isto e um caso especial de um resultadoque provaremos daqui a pouco.

O conjunto-quociente de  A   pela relacao ∼   e:

A/∼ =

0,  1,  2,  3

Ou seja,A/∼ =

{ 0,  2 }, { 1,  3 }, { 2,  0 }, { 3,  1 }Ou ainda,

A/∼ =

{ 0,  2 }, { 1,  3 }

b)   Seja a relacao de equivalencia ∼   em   A  = {−2, −1,  0,  1,  2 }   cuja sen-tenca aberta e:

x ∼ y   ⇐⇒   x2 + x =  y2 + y

As  classes de equivalencia  modulo ∼  dos elementos de  A   sao:

−2 = { x ∈ A :  x ∼ −2 }

observe que,x ∼ −2   ⇐⇒   x2 + x = (−2)2 + (−2)

entao,

−2 = { x ∈ A :  x ∼ −2 } = { x ∈ A :  x2 + x = 2 } = { x ∈ A :  x2 + x − 2 = 0 }

Por fim,

−2 = { x ∈ A :  x ∼ −2 } = {−2,  1 }

67

Page 69: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 69/515

Procedendo de modo analogo para os demais elementos, obtemos:

−1 = { x ∈ A :  x ∼ −1 } = { x ∈ A :  x2 + x = (−1)2 + (−1) } = {−1,  0 }0 = { x ∈ A :  x ∼ 0 } = { x ∈ A :  x2 + x = 02 + 0 } = { 0, −1 }1 = { x ∈ A :  x ∼ 1 } = { x ∈ A :  x2 + x = 12 + 1 } = { 1, −2 }2 = { x ∈ A :  x ∼ 2 } = { x ∈ A :  x2 + x = 22 + 2 } = { 2, −3}

O conjunto-quociente de  A   pela relacao ∼   e:

A/∼ =−2, −1,  0,  1,  2

Ou seja,

A/∼ = {−2,  1 }, {−1,  0 }, {−3,  2}c)   Seja ∼   a relacao de equivalencia em  A = { 0,  1,  2,  3,  5,  7,  9 }   cuja sen-tenca aberta e:

 p(x, y) : 4|(x − y)

ou ainda,x ∼ y   ⇐⇒   4|(x − y)

As   classes de equivalencia  modulo ∼  dos elementos de  A   sao:

0 = { x ∈ A :  x ∼ 0 } = { x ∈ A : 4|(x − 0) } = { 0 }

1 = { x ∈ A :  x ∼ 1 } = { x ∈ A : 4|(x − 1) } = { 1,  5,  9 }2 = { x ∈ A :  x ∼ 2 } = { x ∈ A : 4|(x − 2) } = { 2 }3 = { x ∈ A :  x ∼ 3 } = { x ∈ A : 4|(x − 3) } = { 3,  7 }5 = { x ∈ A :  x ∼ 5 } = { x ∈ A : 4|(x − 5) } = { 1,  5,  9 }7 = { x ∈ A :  x ∼ 7 } = { x ∈ A : 4|(x − 7) } = { 3,  7 }9 = { x ∈ A :  x ∼ 9 } = { x ∈ A : 4|(x − 9) } = { 1,  5,  9 }

O conjunto-quociente de  A   pela relacao ∼   e:

A/∼ = ¯0,

 ¯1,

 ¯2,

 ¯3,

 ¯5,

 ¯7,

 ¯9

Ou seja,A/∼ =

{ 0 }, { 1,  5,  9 }, { 2 }, { 3,  7 }Observacao:   Observe nos exemplos vistos que as classes de equivalenciapossuem as seguintes propriedades:

i) Duas classes quaisquer ou sao iguais ou sao disjuntas;

ii) a reuniao de todas as classes resulta no conjunto  A   original.

Estas observacoes serao formalizadas a partir de agora.

68

Page 70: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 70/515

Propriedades das relacoes de equivalencia

Os teoremas a seguir sao da maxima importancia na construcao dosnumeros inteiros, racionais e reais.

Seja ∼   uma relacao de equivalencia num conjunto nao vazio  A   e sejama   e   b  dois elementos quaisquer de  A.

Teorema 1.  As classes de equivalencia a   e   b   sao iguais se, e somente se,  ae equivalente a b, isto e,  a ∼ b.

Prova: (⇒) Separando em hipotese e tese, temos:

H :   a ∼ b   T: a =  b

Antes lembramos da mudanca de notacao, (2.3), pagina 63.

Com efeito, seja x ∈ a = { x ∈ A :  x ∼ a }, um elemento arbitrariamentefixado. Sendo assim  x ∼ a, invocando a transitividade de ∼   sao validas asimplicacoes:

x ∼ a   e   a ∼ b   ⇒   x ∼ b   ⇒   x ∈ b

Sendo assim mostramos a inclusao: a ⊂ b. Vejamos a inclusao contraria.

Seja agora y ∈ b = { x ∈ A :  x ∼ b }, um elemento qualquer; logo  y ∼ b   ecomo ∼   e simetrica,  a ∼ b   implica b ∼ a, e pela transitividade de ∼, valemas implicacoes:

y ∼ b   e   b ∼ a   ⇒   y ∼ a   ⇒   y ∈ a

e, portanto,  b ⊂ a. Tendo em conta as duas inclusoes, resulta, a = b.

(⇐) Separando em hipotese e tese, temos:

H : a = b   T:   a ∼ b

Sao validas as seguintes implicacoes:   (Nota, p. 66)

b ∈ b   ⇒   b ∈ a   ⇒   b ∼ a

e como ∼   e simetrica,  b ∼ a   implica  a ∼ b. 

A seguir temos um importante resultado:

Teorema 2.   As seguintes implicacoes sao validas:

a ∼   b   ⇒   a ∈ b   ⇒   b ∈ a   ⇒   a = b   ⇒   a ∼   b

( I ) ( II ) ( III ) ( IV ) ( I )

Prova:

( I )  ⇒  ( II ): Decorre da propria definicao de classe de equivalencia.

69

Page 71: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 71/515

( I I )  ⇒ ( III ): Como a ∈ b, entao a ∼ b. Logo, pela propriedade de simetria

de ∼, resulta   b ∼ a  e, portanto,  b ∈ a.(III)  ⇒  ( IV): Por hipotese, b ∈ a, isto e,  b ∼ a. Logo,  a ∼ b. Para provara igualdade a  =  b, entre conjuntos, devemos mostrar que a ⊂   b   e   b ⊂   a.Para provar a primeira destas inclusoes, tome  x ∈ a. Logo,  x ∼ a  e, tendoem conta que  a ∼  b, conclui-se, pela transitividade de ∼, que  x ∼  b; logo,x ∈ b  e, finalmente, a ⊂ b. Analogamente, demonstra-se a outra inclusao.

( I V )  ⇒  ( I ): Teorema 1.  

Teorema 3.   Se as classes de equivalencia a   e   b   nao sao disjuntas, entaosao iguais.

Prova: (⇒) Separando em hipotese e tese, temos:H : a ∩ b = ∅   T : a = b

Com efeito, se a   e   b   nao sao disjuntas, entao existe  c ∈ A   tal que  c ∈ ae   c ∈   b, isto e, tal que   c ∼  a   e   c ∼  b; logo, por ser ∼   simetrica, resulta,a ∼ c. Pela transitividade de ∼   valem as implicacoes:

a ∼ c   e   c ∼ b   ⇒   a ∼ b

Sendo assim, pelo teorema 1, resulta: a = b.  

Teorema 4.  Se as classes de equivalencia a   e   b   sao diferentes, entao saodisjuntas.

Prova:   E o teorema contrapositivo do anterior.∗  

Particao de um conjunto

Consideremos o conjunto  A  = { 1,  2,  3,  4,  5,  6,  7,  8,  9,  10 }   e seus sub-conjuntos,

P 1  = { 1,  3 }, P 2  = { 2,  5,  6 }, P 3  = { 4,  9 }, P 4  = { 7,  8 }, P 5  = { 10 }A famılia de conjuntos

 F   =

 {P 1 , P 2 , P 3 , P 4 , P 5

}  tem duas propriedades

importantes:1a )   A   e a uniao dos conjuntos em F , isto e,

A =  P 1 ∪ P 2 ∪ P 3 ∪ P 4 ∪ P 5

2a ) Quaisquer dois conjuntos distintos sao disjuntos, isto e,

P i ∩ P  j  = ∅, i = j.

A famılia de conjuntos F   e chamada de uma  particao de  A.

∗A negacao da tese implica na negacao da hipotese.   (p. 494)

70

Page 72: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 72/515

Definicao 13   (Particao de um conjunto).   Seja  A   um conjunto nao vazio.Diz-se que uma classe (colecao) F  de subconjuntos nao vazios de  A   e umaparticao de  A  se, e somente se:

i )  dois membros (conjuntos) quaisquer de F   ou sao iguais ou sao dis- juntos;

ii )   a uniao dos membros de F   e igual a  A.

Exemplos:

a)   Considere o conjunto  A = { a, b, c }. A famılia F   ={ { a, c }, { b } }   de

subconjuntos de  A   e uma particao de  A.b)   Considere o conjunto  N = { 0,  1,  2,  3, . . . }. A famılia F  ={ P,  I }, onde

P = { 0,  2,  4,  6, . . . }I = { 1,  3,  5,  7, . . . }

e uma particao de  N.

c)   Uma outra particao dos naturais e dada assim:

N = { 0,  1,  2,  3, . . . }

{ 0,  3,  6,  9, . . . }

{ 1,  4,  7,  10, . . . }{ 2,  5,  8,  11, . . . }

Logo, um conjunto pode ser  particionado  de mais de uma forma.

Cada elemento (subconjunto) de uma particao e chamado   celula   daparticao.

Particao associada a uma relacao de equivalencia

Provaremos que, atraves de uma relacao de equivalencia sobre um con- junto A  fica determinada uma particao de A.

A construcao que faremos dos inteiros, racionais e reais se baseia no

seguinte:

Teorema 5.  Dados um conjunto nao vazio A  e uma relacao de equivalencia∼   em A   o conjunto-quociente  A/ ∼   e uma particao de  A.

Prova: Pela definicao 13   (p. 71)  devemos provar que:

i )   duas classes de equivalencia quaisquer de  A/ ∼   ou sao iguais ou saodisjuntas.

Isto ja foi feito no teorema 3   (p. 70)  e teorema 4   (p. 70).

ii )   a uniao das classes em   A/∼   e igual a  A.

71

Page 73: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 73/515

Provemos que a∈A

a =  A. Entao:

Para cada  a ∈ A, temos, def. 11   (p. 66), a ⊂ A; portanto,

a ∈A

a ⊂ A.

Considere  x  um elemento arbitrario em  A, entao  x ∼  x; logo,   x ∈  x  e,

portanto,  x ∈

a ∈A

a. Logo,  A ⊂

a ∈A

a.  

Uma relacao de equivalencia sobre um conjunto A  determina uma particaodeste conjunto em celulas (“gavetas”),

A

cada classe de equivalencia  e uma celula da particao.E importante observar que sobre um mesmo conjunto podemos definir

varias relacoes de equivalencia, o que significa que nao existe um unico modo(criterio) para organizarmos um conjunto por celulas.

Vejamos alguns exemplos “empıricos”, por assim dizer:

Exemplos:

a)  Suponha que a prefeitura de uma cidade  A  deseja organiza-la segundocriterios determinados sobre seus habitantes.

Pois bem, dados dois habitantes x  e  y  quaisquer um criterio poderia ser:

x ∼ y   ⇔   x   e   y   moram no mesmo bairro.

(Leia-se: o habitante  x  relaciona-se, ou e equivalente, ao habitante   y   se, esomente se, eles moram no mesmo bairro.)

Esta relac˜ ao de equivalencia  organiza os habitantes por bairros, que saoas celulas da particao − ou classes de equivalencia.

A

Fixando o morador “Antonio” por exemplo, temos que a classe de equiva-lencia do Antonio e o conjunto:

Antonio = { habitantes que moram no mesmo bairro que antonio }uma das celulas da particao (um bairro).

72

Page 74: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 74/515

Sobre esta mesma cidade poderemos adotar um outro criterio (relacao)

para agrupar seus habitantes, como, por exemplo:

x ∼ y   ⇔   x   e   y   tem a mesma idade.

Esta relacao origina uma outra particao (organizacao) da cidade.

b)  Suponha que um professor queira separar sua turma “A”:

A

em grupos. O professor poderia adotar varios criterios −   ou relacoes deequivalencia −  para formar os grupos, por exemplo,

(i)   Por idade:   x ∼ y   ⇔   x   e   y   tem a mesma idade .

A/∼

segundo esta relacao de equivalencia a sala foi separada em oito grupos∗.

Cada grupo representa uma celula da particao, que e a classe de equiva-lencia de qualquer membro do grupo.

Observe ainda a diferenca entre o conjunto original (sala de aula) e oconjunto-quociente: os elementos do primeiro sao os alunos, enquanto que oselementos do segundo sao os grupos − formados segundo o criterio (relacao)estabelecido(a). Explicitamente:

∗Observamos que esta foi uma “simulacao real” que fiz em minha turma de  estruturas algebricas /I sem. 2015.

73

Page 75: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 75/515

A ={ Adriano, Carla, Cıcero, Eudes, Elisama, Francisco, Igor, Jardel,

Jean, Samara, Wildson }Enquanto que,

A/∼ =

{ Cıcero }, { Elisama }, { Jardel,  Wildson }, { Francisco }, { Igor }

{ Adriano,  Jean,  Samara }, { Carla }, { Eudes }

A/∼   E  u  d

  e  s C   ıc e r o 

J  a r d  e l  W   i   l   d   s  o  n  

C  a r l  a E  l  i  s  a m 

I   g o r 

A d  r  i  a n o  J e a

 n

 Sa ma ra

   F  r  a  n

  c   i  s  c  o

(ii)   Pelo mes de nascimento:

x ∼ y   ⇔   x   e   y   nasceram no mesmo mes

A/∼

segundo esta relacao de equivalencia a mesma sala agora foi separada emsete grupos:

A/∼ =

{ Adriano, Eudes}, { Carla, Jean }, { Cıcero,  Jardel,  Wildson },

{ Elisama }, { Samara }, { Francisco }, { Igor }

74

Page 76: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 76/515

Relacao de equivalencia associada a uma particao

A recıproca do teorema 5   (p. 71) tambem e verdadeira.

Teorema 6.   Seja F   = { P 1 , P 2 , . . . , P  n

 , . . . }   uma particao do conjuntonao vazio   A. A relacao ∼   em   A   tal que dois elementos   x, y ∈   A   estaona relacao ∼   se, e somente se,  x   e   y   pertencem a uma mesma cela  P 

i  da

particao F , isto e, cuja sentenca aberta e dada por,

 p(x, y) :   x ∼   y   ⇐⇒   x, y ∈ P i

e uma relacao de equivalencia em  A.

Prova: Entao, quaisquer que sejam os elementos   x,   y   e   z ∈ A, temos:

( i ) ( x ∼

  x ). Com efeito, seja  x ∈

 A, pela definicao de particao de umconjunto (def. 13, p. 71) existe um ındice  i  de modo que x ∈ P 

i, para algum

P i ∈ F ; logo,  x, x ∈ P 

i, sendo assim os elementos constantes no par (x, x)

pertencem a uma mesma cela da particao F , logo, para este par, a sentencaaberta   p(x, y) e verdadeira, isto e, ( x ∼   x ).

( ii ) ( x ∼ y ⇒   y ∼ x ); pois,

x ∼ y   ⇒   x, y ∈ P i  ⇒   y, x ∈ P 

i  ⇒   y ∼ x

( iii ) ( se   x ∼ y   e   y ∼ z   ⇒   x ∼ z ). Com efeito,

Vamos decompor o problema da prova em hipotese e tese, assim:

H : x ∼ y   :   x, y ∈ P i

y ∼ z   :   y, z ∈ P j

T :   x ∼ z   :  x, z ∈ P k

Da hipotese inferimos que  y ∈ P i

  e   y ∈ P j, logo,  y ∈ P 

i∩ P 

j; sendo assim,

pela definicao de particao   (def. 13, p. 71)  concluimos que  P i  =   P 

j. Logo,

ainda da hipotese, concluimos que x, z ∈ P i = P 

j, ou seja,  x ∼ z.  

Exemplo:   Considere a particao F   = { { a, b }, { c, d }, { e } }   do conjuntoA = { a, b, c, d, e }. Encontre o grafico da relacao de equivalencia associadaa esta particao.

Solucao:  Neste caso, temos

F  = { { a, b }     P 1

, { c, d }   P 2

, { e }  P 3

}

considerando a definicao da relacao de equivalencia associada a uma particao:

 p(x, y) :   x ∼   y   ⇐⇒   x, y ∈ P i

resulta,P 1 : (a, a),  (b, b),  (a, b),  (b, a)

P 2 : (c, c),  (d, d),  (c, d),  (d, c)

P 3 : (e, e)

75

Page 77: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 77/515

Portanto,

G = { (a, a),  (b, b),  (a, b),  (b, a),  (c, c),  (d, d),  (c, d),  (d, c),  (e, e) }

2.4 Relacoes de ordem

A definicao a seguir tambem se revelara importante na construcao dossistemas numericos −  ja a partir do proximo capıtulo onde faremos a cons-trucao dos numeros naturais.

Definicao 14   (Relacao de ordem parcial).   Uma relacao   R  sobre um con- junto A  nao vazio e chamada relac˜ ao de ordem parcial  sobre A  se, e somentese,   R   e reflexiva, antissimetrica e transitiva; isto e, se sao verdadeiras assentencas:

( i ) ( ∀ x ∈ A ) ( x R x ) (Reflexiva)

( ii ) ( ∀ x, y ∈ A)

se   x R y   e   y R x  ⇒   x =  y

  (Antissimetrica )

( iii ) ( ∀ x, y, z ∈ A) ( se   x R y   e   y R z ⇒   x R z ) (Transitiva)

Mudanca de notacao:  No caso especial das relacoes de ordem faremos −quando conveniente − uma mudanca de notacao (a nosso criterio): Trocare-mos  R   por

 ≤, entao,

a R b   ⇐⇒   a ≤ b   ⇐⇒   (a, b) ∈ R   ⇐⇒   (a, b) ∈ ≤   (2.4)

A notacao   a ≤   b   se le “a   precede   b” o u “b   segue   a”. Esta notacaonao deve ser confundida com a correspondente para numeros. Na definicaoacima o conjunto  A   e arbitrario, digo, nao necessariamente e um conjuntonumerico, e a ordem nao necessariamente e a usual entre numeros.

Para exprimir que (a, b) ∈ R   e  a = b, usaremos a notacao  a < b   que sele “a   precede estritamente  b” ou “b   segue estritamente  a”.

Exemplos:

a)   A relacao em P (A) (conjunto das partes de A) cuja sentenca aberta e:

X  ≤ Y    ⇐⇒   X  ⊂ Y 

e uma relacao de ordem parcial em P (A). Com efeito, quaisquer que sejamos conjuntos  X, Y, Z  ∈ P (A), temos:

( i )   X  ⊂ X 

( i i )   X  ⊂ Y    e   Y  ⊂ X    ⇒   X  = Y 

(iii)   X  ⊂ Y    e   Y  ⊂ Z    ⇒   X  ⊂ Z 

76

Page 78: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 78/515

b)   A relacao ≤   em  N∗   com sentenca aberta dada por

x ≤ y   ⇐⇒   x|ye uma relacao de ordem parcial em   N∗. Com efeito, quaisquer que sejam

os naturais  x, y, z ∈ N∗, temos:

( i )   x|x( i i )   x|x   e   y|x   ⇒   x =  y

(iii)   x|y   e   y|z   ⇒   x|zObserve que a extensao desta relacao aos inteiros Z   nao e antissimetrica,

pois, por exemplo, 5| − 5 e  −5|5 e 5 = −5.

c)   A relacao  R   em  C   com sentenca aberta dada por   (p. 455)

(a + bi) ≤ (c + di)   ⇐⇒   a ≤ c   e   b ≤ d

e uma relacao de ordem parcial em  C.

Com efeito, quaisquer que sejam os complexos  x =  a  + bi,   y  =  c + di   ez =  e + f i , temos:

( i ) ( x R x ), pois,

(a + bi) ≤ (a + bi)   ⇐⇒   a ≤ a   e   b ≤ b

( i i ) se   x R y   e   y R x

 ⇒  x =  y .

Com efeito, separando em hipotese e tese, temos:

H :

a + bi ≤ c + di

c + di ≤ a + biT :   a + bi =  c + di

ou ainda,

H :

a ≤ c   e   b ≤ d

c ≤ a   e   d ≤ bT :   a =  c   e   b =  d

Sendo assim, a tese decorre trivialmente das hipoteses.

( iii ) ( se   x R y   e   y R z ⇒   x R z ).Com efeito, separando em hipotese e tese, temos:

H :

a + bi ≤ c + di

c + di ≤ e + f iT :   a + bi ≤ e + f i

ou ainda,

H :

a ≤ c   e   b ≤ d

c ≤ e   e   d ≤ f T :   a ≤ e   e   b ≤ f 

77

Page 79: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 79/515

Sendo assim, a tese decorre trivialmente das hipoteses.

Exercıcio:   Sejam A   e   B   conjuntos parcialmente ordenados pela ordem ≤.Mostre que a relacao  R   em A × B   assim definida:

(x, y)R (z, t)   ⇐⇒   x < z   ou (x =  z   e   y ≤ t)

e uma relacao de ordem parcial em  A × B.

Nota:  Esta relacao de ordem R   em A × B   denomina-se  ordem lexicogr´ afica de   A × B, por ser analoga a maneira como se dispoem as palavras numdicionario.

Definicao 15.   Um conjunto   A, com uma relacao   R   (ou

 ≤) de ordem

parcial especıfica em  A, e chamado   conjunto parcialmente ordenado.

Nota:  A bem da verdade, ao dotarmos um conjunto  A   de uma ordem pas-samos a ter uma estrutura:   um conjunto ordenado; por esta razao, umconjunto parcialmente ordenado e algumas vezes designado pelo par orde-nado

(A, R) ou (A, ≤)

Definicao 16   (Elementos comparaveis).   Sejam  A   um conjunto e   R   umarelacao de ordem parcial em A. Dois elementos quaisquer x, y ∈ A  dizem-se

comparaveis pela ordem R  se e somente se uma das sentencas x R y   ou y R xe verdadeira.

Exemplo:

a)   Os numeros naturais 3 e 5 sao comparaveis pela ordem natural “x ≤ y”em   N∗, porque 3 ≤  5, mas nao sao comparaveis pela ordem parcial “x|y”em  N∗, visto que 3 nao divide 5 e 5 nao divide 3.

Conjuntos Totalmente Ordenados

Como vimos anteriormente, numa ordem parcial em um conjunto A   po-dem existir elementos que nao sao comparaveis; esta e a razao da palavra“parcial” na definicao de uma ordem parcial. Se, por outro lado, quaisquerdois elementos num conjunto parcialmente ordenado   A   sao comparaveis,entao a ordem parcial em  A   e chamada  ordem total  em A.

Definicao 17  (Conjuntos totalmente ordenados).   Sejam   A   um conjuntoe   R   uma relacao de ordem parcial em   A. Diz-se que   R   e uma relacao deordem total em  A   ou apenas uma ordem total em  A   se, e somente se, doiselementos quaisquer de  A   sao comparaveis pela  R.

Um conjunto A  com uma ordem total  especıfica em  A   e chamado de umconjunto totalmente ordenado.

78

Page 80: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 80/515

De modo mais conciso: uma ordem parcial  R   em A   e uma ordem total

em A  se, e somente se, para todo par ordenado (x, y) ∈ A × A   se tem x R you  y R x.

Exemplos:

a)   Seja R   a relacao de ordem parcial em  A  = { 1,  2,  3 }   cujo grafico e:

G = { (1,  1),  (1,  2),  (1,  3),  (2,  2),  (2,  3),  (3,  3) }

R   e uma relacao de ordem total em A, pois, 1 R 2, 1 R 3 e 2 R 3; isto e, doiselementos quaisquer de  A   sao comparaveis por R.

b)   A relacao ≤   em  N∗   com sentenca aberta dada por

x ≤ y   ⇐⇒   x|ye uma relacao de ordem parcial em  N∗.   (p. 77)

Essa ordem nao ordena totalmente   N∗   porque ha elementos de  N∗   naocomparaveis por divisibilidade, como, por exemplo, o 3 e o 5; isto e,

3| 5 e 5| 3

c)   Seja  R   a relacao de ordem parcial em  A  = { 2,  4,  8, . . . ,  2n, . . . }   cujasentenca aberta e dada por

x≤

y  ⇐⇒

  x|y

dois elementos quaisquer de   A   sao comparaveis por   R. Logo,   R   e umarelacao de ordem total em  A.

d)   Sejam o conjunto  A  = { a, b, c, d }  e a relacao  R   em P (A) (conjuntodas partes de  A) cuja sentenca aberta e:

X  ≤ Y    ⇐⇒   X  ⊂ Y 

R   e uma relacao de ordem parcial em P (A).   (p. 76)

Os elementos { a, b }   e   { b, c }   de P (A) sao tais que

{ a, b } ⊂ { b, c }   e   { b, c } ⊂ { a, b }isto e, nao sao comparaveis pela ordem parcial   R. Logo,   R   nao e umarelacao de ordem total em P (A).   R   nao ordena totalmente P (A).

79

Page 81: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 81/515

Essa pagina ficaria em branco (“ociosa”) razao porque decidir aproveita-

la para divulgar mais um resultado meu em matematica.

Uma Formula Inedita

Nos livros de Calculo I constam algumas formulas para se encontrar asoma de potencias dos  n  primeiros numeros naturais, por exemplo:

1 + 2 + 3 + · · ·  +  n   =  n(n + 1)

2

Ou ainda

12 + 22 + 32 +

 · · ·  +   n2 =

  n(2n + 1)(n + 1)

6Ou ainda

13 + 23 + 33 + · · ·   +  n3 =  n2 (n + 1)2

4  (2.5)

Durante muitos anos −  por decadas, talvez seculos −   os matematicosestiveram a procura de uma formula unica que incluisse como caso especialas anteriores. . . Ninguem teve exito.

Coube a mim materializar essa aspiracao. Em 1997 demonstrei o seguinte:

Teorema 7  (Gentil/1997).   Sendo  m   um natural arbitrariamente fixado, e v´ alida a seguinte identidade:

1m + 2m + 3m + · · ·   +   nm =m

 j=0

  n j + 1

a

(m−j)

Onde:

a(m−j)

  =

 jk=0

(−1)k

 j

k

(1 − k + j)

m

Prova: Ver [21].  

Vejamos um exemplo de aplicacao desta formula (m = 3):

13

+ 23

+ 33

+ · · ·  +  n3

=

3 j=0

  n

 j + 1a(3−j)

=

n

1

a3   +

n

2

a2   +

n

3

a1   +

n

4

a0

Onde:

a(3−j)

 =

 jk=0

(−1)k

 j

k

(1 − k + j)

3; ( j  = 0,  1,  2,  3. )

Substituindo e simplificando chegamos ao resultado (2.5).

80

Page 82: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 82/515

Capıtulo 3

NUMEROS NATURAIS

Matem´ atica: Esta “ciencia vazia” que  − espantosamente  − se aplica a todas as contingencias fenomenol´ ogicas, apesar de ser um puro for-malismo reflexivo.

Introducao

Ha poucos dias estive consultando a obra “Introduc˜ ao a Filosofia Matem´ a-tica ” de Bertrand Russel.   ([18])

Segundo meu entendimento, o eminente logico e filosofo comete algu-mas impropriedades (imprecisoes) no que diz respeito a algumas de suasafirmacoes concernentes a numeros

 −  como estaremos evidenciando em

ocasioes oportunas ao longo deste livro.O que estaria acontecendo? Segundo entendo, o que acontece e que nem

matematicos e nem filosofos tem uma nocao clara do que seja numero, emparticular numero natural; a exemplo do proprio Peano que toma numerocomo um conceito primitivo −   isto prova que ele nao se encontrava emcondicoes de definir numero, ou ainda, nao sabia o que era um numero.

Por oportuno, encontrei dois autores   ([1], [12])   que ao construirem osnumeros naturais pela axiomatica de Peano, inicialmente admitem a exis-tencia destes mesmos numeros naturais. . . pasmem! Vejam, como nao estoumentindo!:

([1], p. 177)   [. . .] Finalmente, os numeros naturais podem ser apresentadoscomo um conjunto,  cuja existencia admitimos, em que vale um reduzidonumero de axiomas.

([12], p. 493)   Suponha-se, daqui em diante, que tenhamos um conjunto   N,chamado conjunto dos numeros naturais, e uma aplicac σ :  N →   N, satis-fazendo aos seguintes axiomas (Peano): (lista os axiomas)   (Grifo nosso)

Ora, se eles se propoem a construir os numeros naturais como podemadmitir, a priori, a existencia daquilo que desejam construir?

Se na mente dos autores esta claro onde eles pretendem chegar, naopodemos afirmar que o mesmo acontece na mente do aluno.

81

Page 83: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 83/515

N˜ ao constituir´ a ent˜ ao uma vergonha para a Ciencia estar t˜ ao pouco

elucidada acerca do seu objeto mais pr´ oximo, o qual deveria, aparente-mente, ser t˜ ao simples? Menos prov´ avel ainda e que se seja capaz de dizer o que o n´ umero e. Se um conceito que est´ a na base de uma grande ciencia oferece dificuldades, investig´ a-lo com mais precis˜ ao com vista a ultrapassar essas dificuldades e bem uma tarefa inescap´ avel.

(Frege/Os Fundamentos da Aritmetica )

A matematica classica esta fundamentada sobre os numeros reais; osmatematicos deram-se conta de que poderiam construir os proprios numerosreais a partir do conjunto mais primitivo dos  n´ umeros naturais :

N

  ←−  Z

  ←−  Q

  ←−  R

donde se conclui, admitida esta possibilidade, que toda a matematica tradi-cional esta fundamentada nos numeros naturais. Essa conquista foi denomi-nada de  aritmetizac˜ ao da an´ alise .

E os numeros naturais, poderiam ainda serem construidos a partir dealgo mais primitivo?

O matematico alemao Leopold Kronecker (1823-1891) achava que nao −ou pelo ao menos nao achava isto necessario −, tendo proclamado:“Deus criou os numeros naturais; e o resto e obra dos homens.”

No entanto, varios matematicos nao partilhavam da crenca de Kroneckere buscaram construir os proprios naturais a partir de um conjunto basico de

axiomas, a exemplo do matematico italiano Giuseppe Peano (1858-1932):

{ axiomas de Peano } →   N →   Z →   Q →   R →   C

3.1 Axiomatica de Peano

A seguir apresentamos a “axiom´ atica de Peano”, formulada em 1889, oseu ponto de partida para a construcao dos numeros naturais.

Inicialmente Peano assume tres termos primitivos:

numero natural,   zero,   sucessor (3.1)

Os cinco axiomas de Peano sao:

(1) Zero e um numero natural;

(2) Zero nao e sucessor de nenhum numero natural;

(3) O sucessor de um numero natural e um numero natural;

(4) Dois numeros diferentes nunca tem o mesmo sucessor;

(5) Se zero possuir uma propriedade P, e se do fato de um numero natu-ral  n  qualquer possuir P, acarretar que o sucessor de  n  tambem possui estapropriedade, entao todo numero natural possui a propriedade P.

82

Page 84: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 84/515

Para o zero − que e um termo indefinido na axiomatica de Peano, lem-

bramos −   foi adotado o seguinte sımbolo: 0. Peano define o sucessor de 0como sendo 1, o sucessor de 1 como sendo 2, etc. De sorte que o conjuntodos numeros naturais resulta,

N = { 0,  1,  2,  3, . . . }   (3.2)

Dado um numero natural n, o sucessor de  n  sera denotado por  σ(n), desorte que podemos ver  σ  como a seguinte aplicacao:

σ :  N  →   N

A funcao  σ   satisfaz aos seguintes axiomas:

P1 ) Existe um elemento 0 ∈ N tal que 0 ∈ Im(σ).

Ou seja, existe um unico numero natural que nao e sucessor de nenhumoutro. Ele se chama “zero”.

Sendo assim, qualquer que seja  n ∈ N, temos 0 = σ(n).

P2 )   σ :  N →   N  e injetiva.

Isto e, se  m = n  entao σ(m) = σ(n): dois elementos distintos no domınionao podem ter o mesmo sucessor.

P3 ) (Princıpio de Inducao) Seja A  um subconjunto de  N  tal que:

( i ) 0 ∈   A;

( ii ) Se  n ∈ A, entao  σ(n) ∈ A.Entao,  A =  N.

Uma demonstracao na qual o axioma   P3   e empregado, chama-se umademonstracao por inducao. Vejamos um exemplo de tais demonstracoes.

Teorema 8.   Para todo  n ∈ N tem-se  σ(n) = n.

Prova: Com efeito, seja  A  = { n ∈ N :  σ(n) = n }. Tem-se 0 ∈ A, pois por

P1, 0 nao e sucessor de numero algum, em particular 0 = σ(0).Agora vamos assumir que, para um  n  arbitrariamente fixado,  n = σ(n).

Logo, pela injetividade de σ temos que σ(n) = σ

σ(n)

, portanto σ(n) ∈ A.

Assim, mostramos que  n

 ∈A  implica  σ(n)

∈ A. Como 0

∈ A, segue-se do

axioma P3  que  A  =  N, ou seja,  n = σ(n) para todo  n ∈ N.  

Deste teorema decorre o seguinte esquema simbolico:

σ σ σ0   σ(0) = 0   σ(σ(0)) = σ(0)   σ(σ(σ(0))) = σ(σ(0)) · · ·N N N N · · ·

Sendo assim os axiomas de Peano nos garantem a existencia do seguinteconjunto:

N = { 0, σ(0), σ(σ(0)), σ(σ(σ(0))), . . . }   (3.3)

83

Page 85: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 85/515

Peano adota os seguintes sımbolos,

N = { 0, σ(0)   1

, σ(σ(0))     2

, σ(σ(σ(0)))     3

, . . . }

Neste momento observe o seguinte, aqui 0 e apenas um sımbolo, naverdade nao se sabe o que ele e, e um  conceito primitivo. O que caracterizao 0 na axiomatica de Peano e que ele nao e sucessor de nenhum numeronatural. No proximo capıtulo estaremos adotando dois outros sımbolos parazero, a sequencia binaria infinita: 0000   . . ., para a construcao do naturaisazuis, e o ideograma chines,

...

para a construcao dos naturais vermelhos.

A proposito os conjuntistas adotam ainda um outro sımbolo, o conjuntovazio ∅.

Ora, se nao se sabe o que e o 0, tampouco se sabe o que e o sucessordeste, σ(0), e o sucessor deste,  σ(σ(0)), etc.

Digamos que a construcao de Peano, e uma construcao apenas abstrata.Ele toma,  por definicao,   (infinitas definicoes)

σ(0)   1

, σ(σ(0))   2

, σ(σ(σ(0)))     3

, . . .

para obter o conjunto   N = { 0,  1,  2,  3, . . . }; em outras palavras, ele “ajusta”os seus sımbolos (indefinidos, lembro) aos “numeros naturais”, isto e, ao“objetivo pretendido”; e o que podemos chamar de uma construcao  ad hoc.

Um pequeno interregno com Bertrand Russel

Bertrand Russel, em sua obra ja referida   ([18]), nao acha a axiomaticade Peano plenamente satisfatoria, senao vejamos∗,   (p. 23)

[. . . ] mas apresentaremos algumas das razoes pelas quais o tratamentode Peano e menos definitivo do que parece.

Em primeiro lugar, as tres ideias primitivas de Peano −   a saber, “0”,“numero” e “sucessor” −  sao passıveis de infinitas interpretacoes, todas asquais satisfarao as cinco proposicoes primitivas. Daremos alguns exemplos.

•  Embora os conceitos primitivos de Peano comportem uma pluralidade deinterpretacoes, todavia nao sao tao flexıveis como afirma Russel, pelo aomenos nao ao ponto de validar os seus “contraexemplos”, como veremos.Vejamos um “contraexemplo” de Russel   (p. 24)

∗Faremos nossos comentarios (interpolacoes), precedidos por uma bolinha, •, para quenao se confunda com o texto de Russel.

84

Page 86: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 86/515

(2) Suponhamos que “0” tem seu sentido usual, mas que “numero” sig-

nifica o que chamamos usualmente de “numeros pares”, e suponhamos queo “sucessor” de um numero e o que resulta da adicao de dois. Neste caso,“1” sera substituıdo pelo numero dois, “2” sera substituıdo pelo numeroquatro, e assim por diante; a serie de “numeros” agora sera

0,  dois,  quatro,  seis,  oito . . .

•  Segundo entendo, esta argumentacao de Russel nao procede, ele coloca o“carro na frente dos bois”. Ora, se ainda vamos construir os numeros natu-rais, entao ainda nao sabemos o que sao numeros pares e tampouco o que

significa “adicao de dois”. Ele esqueceu que ate este ponto −  apresentacaoda axiomatica −  ainda nao foi definida a operacao de adicao de numerosnaturais, ainda nao sabemos o que significa “adicionar dois”.

De outro modo, ele esta definindo “sucessor” em funcao da operacaode adicao; ora, mas na construcao de Peano a operacao de adicao e que edefinida em funcao de “sucessor”, portanto Russel comete uma “circulari-dade” no seu argumento.

Vejamos um outro ıtem de seus exemplos,   (p. 24)

(3) Suponhamos que “0” significa o numero um e que “numero” significao conjunto

1,  1/2,  1/4,  1/8,  1/16, . . .

e suponhamos que “sucessor” significa “metade”. Nesse caso, todos os cincoaxiomas de Peano se aplicarao a esse conjunto.

E claro que os exemplos poderiam ser multiplicados indefinidamente. Defato, dada qualquer serie

x0 , x1 , x2, x3 , . . . , xn, . . .

que e interminavel, nao contem repeticao alguma, tem um comeco e nao temnenhum termo que nao possa ser alcancado a partir do comeco num numerofinito de passos, temos um conjunto de termos que verificam o axioma dePeano. [...]

• Novamente, segundo meu entendimento, o eminente logico e filosofo cometeuma falha de interpretacao da axiomatica de Peano. Com efeito, trata-se damesma observacao feita anteriormente, se ainda vamos construir os numerosnaturais, a partir dos axiomas, entao nao sabemos o que significa “metade”,pois esta (a divisao por dois, ou multiplicacao por meio) e uma operacaoque pertence aos numeros racionais e ainda vamos construir os numerosnaturais∗, estamos longe dos racionais. Resumindo minha objecao,

∗Construir a estrutura numeros naturais, i. e., definir a adicao e a multiplicacao emostrar que estas operacoes satisfazem um conjunto de propriedades.   (p. 91)

85

Page 87: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 87/515

{ axiomas de Peano } →   N  →   Z →   Q →   R →   C

Ainda estamos aqui Russel argumenta

utilizando operacao

deste conjunto.

Reitero, se Russel discorre sobre a axiomatica de Peano, entao o “suces-sor” de 1/2, “a metade”,

1/4 = 1/2

2nao tem sentido, posto que, ate aqui ainda nao foi fixado o significado detodos estes sımbolos; portanto, nao faz sentido a argumentacao de Russel.

Ademais, como entendo, qualquer serie (sequencia),

x0 , x1 , x2 , x3 , . . . , xn

, . . .

nas condicoes especificadas por Russel, resultam nos numeros naturais desdeque tenhamos (exibamos) uma funcao sucessor, σ, que nos permita, a partirdo “0”, alcancar qualquer outro termo na sequencia −  a bem da verdade,σ   gera todos os termos da sequencia a partir do zero.

Uma condicao essencial e que   σ   nao pode ser dada, por exemplo, em

funcao das operacoes de   N −   e, com mais razao ainda, com operacoes deconjuntos cujas construcoes dependam de   N −, isto se deve a que, comoveremos   (p. 92), as operacao de adicao e multiplicacao em  N   sao dadas emfuncao de  σ −  como Russel argumenta teriamos uma “circularidade”.

Para citar, a tıtulo de exemplo, uma construcao valida, que atende aestes requisitos, e a dos numeros naturais realizada pelos conjuntistas:

Para zero eles adotam o conjunto vazio, ∅; dado um conjunto x, chamamsucessor  de  x, e denotam por  x+, ao conjunto  x ∪ { x }; por exemplo

∅ ⇒ ∅+ = ∅ ∪ { ∅ } = { ∅ } ⇒ { ∅ }+ = { ∅ } ∪ { { ∅ } } = { ∅, { ∅ } }, . . .

Em nossa notacao,  σ, temos,  σ(x) = x∪ {

x}

.

Fazendo uma mudanca de notacao, os naturais dos conjuntistas ficam:

∅ = 0

{ ∅ } = 1

{ ∅, { ∅ } } = 2

{ ∅, { ∅ }, { ∅, { ∅ } } } = 3

{ ∅, { ∅ }, { ∅, { ∅ } }, { ∅, { ∅ }, { ∅, { ∅ } } } } = 4

· · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · ·

86

Page 88: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 88/515

Retomando; finalmente,  σ  atendendo as estas condicoes preliminares deve-

mos provar que ela satisfaz aos axiomas  P1   e   P2, listados na pagina 83.Atendidas a estas condicoes, so entao estamos de acordo com Russel a

respeito de que a sequencia,

x0   x1   x2   x3   x4   . . .

σ σ σ σ   · · ·representa os numeros naturais.

Segundo entendemos, a construcao de Peano −   a qual sera vista logomais

 −  e o que podemos chamar de uma   construc˜ ao abstrata dos n´ umeros 

naturais ; ele nao exibe nenhum modelo de tais numeros, uma vez que seussımbolos,

N = { 0, σ(0), σ(σ(0)), σ(σ(σ(0))), . . . }como ja frisamos, nao possuem nenhum significado, a comecar do zero, umconceito primitivo. A figura a seguir,

N = { ∅, { ∅ }, { ∅, { ∅ } }, . . . }

N = { 0 0 1 0 ,  0 0 0 0 ,   0 1 0 0 ,   1 0 0 0 ,   1 1 0 0 , . . . }

  N =   , , , , , . . .

(Software dos Naturais)

pretende ilustrar Peano fazendo a construcao axiomatica (abstrata) dosnumeros naturais, em cima desta construcao, exibimos tres modelos paraos numeros naturais, o conjuntista†  e dois outros que serao apresentados noproximo capıtulo.

Veremos no proximo capıtulo, em nossa construcao, que quando exibir-mos um  modelo  concreto para os “naturais abstratos de Peano” entao re-duziremos drasticamente o numeros de seus axiomas:  de cinco para ape-nas um.

E, ademais, nao precisamos de nenhum de seus tres termos primitivoslistados em (3.1), p. 82; pois, definiremos todos eles.

Uma citacao filosofica afirma que “Deformamos o real porque o apreen-demos espontaneamente atraves de nossos desejos, interesses e h´ abitos ”, aseguir descortinamos o quanto esta verdade perpassa nossas vidas, em par-ticular quando fazemos matematica.

†Esta construcao encontra-se em livros de Teoria dos Conjuntos.

87

Page 89: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 89/515

De um livro de teoria dos conjuntos   [14]

“Neste capıtulo, definiremos os numeros naturais como conjuntos ade-quados e convenientes. Embora os numeros nao parecam, a primeira vista,serem conjuntos, pois sao conceitos gerais, abstratos e difıceis de ser manusea-dos, construiremos conjuntos especıficos que servirao, perfeitamente bem,como numeros.

Isso pode ser feito por diversos caminhos. Em 1908, Zermelo proposusar a sequencia ∅, { ∅ }, { { ∅ } }, . . .como numeros naturais. Mais tardevon Neumann propos uma alternativa que tem algumas vantagens e temsido o padrao. O princıpio da construcao de von Neumann e fazer com quecada numero natural seja o conjunto de todos os numeros naturais menoresdo que ele. Assim definimos os primeiros cinco numeros naturais como segue:

0 =def  ∅,

1 =def  { 0 } =def  { ∅ },

2 =def  { 0,  1 } =def  { ∅, { ∅ } },

3 =def  { 0,  1,  2 } =def  { ∅, { ∅ }, { ∅, { ∅ } } },

4 =def  { 0,  1,  2,  3 } =def  { ∅, { ∅ }, { ∅, { ∅ } }, { ∅, { ∅ }, { ∅, { ∅ } } } }.”

O autor afirma: “Embora os numeros nao parecam, a primeira vista,serem conjuntos, . . . ”.

E nao sao mesmo!. . . digo, querer ver os numeros naturais como conjuntose uma mera questao de opcao. . . nada mais que isto! Esta afirmativa induzo estudante (e ate professores) a ver um numero natural como um conjunto.

O que estaria acontecendo? A questao e o que voce escolhe, digo, qualsımbolo voce escolhe para representar o primeiro elemento na sequencia dosnaturais. Na figura a seguir exibimos pelo ao menos tres opcoes, veja:

σ σ σ0   σ(0) = 0   σ(σ(0)) = σ(0)   σ(σ(σ(0))) = σ(σ(0)) · · ·N N N N · · ·

∅0 0 0 0

Se voce escolhe a primeira das tres opcoes acima, entao um numeronatural sera um conjunto − como querem os conjuntistas −; se voce escolhea segunda opcao, entao um numero natural sera uma sequencia binaria; naterceira opcao um numero natural sera um ideograma chines.

Aos conjuntistas se aplica o antigo ditado:

Quando so se tem um martelo na mao, tudo se parece com um prego.

88

Page 90: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 90/515

Estao deformando “o real” por conta de seus desejos e interesses.

Podemos ver ainda o que esta se passando por uma outra perspectivaum pouco mais sofisticada: a da “funcao de onda”   (p. 47). A figura a seguir

(Gentil)

              (      R     u     s     s     e      l              )

N = { ∅, { ∅ }, { ∅, { ∅ } }, . . . }

N = { 0 0 1 0 ,  0 0 0 0 ,  0 1 0 0 ,  1 0 0 0 ,  1 1 0 0 , . . . }

 

N =   , , , , , . . .

(Software dos Naturais)Φpretende ilustrar o seguinte: os numeros naturais (sistema, estrutura) sendoum conceito possui uma funcao de onda que comporta varias possibilidades;os conjuntistas ao “medirem” os naturais colapsam a funcao de onda evem um numero natural como um conjunto; por outro lado, observandoeste mesmo sistema, minha consciencia colapsa a possibilidade, digo, ve umnumero natural como uma sequencia binaria ou como um ideograma chines.

Uma observacao pertinente ao contexto e a de que a funcao de ondade um objeto, ou conceito, nao possui “possibilidades arbitrarias”, tudo oque vem a existencia depende de  relacoes −   refiro-me ao contexto da p.23 −, entao, por exemplo, as possibilidades para numero natural apontadaspor Russel a pagina 84 sao fictıcias, so existem na mente dele. Ou ainda,as “relacoes” (logicas) oriundas da construcao de Peano nao sao suficientespara que os numeros naturais surjam da forma pretendida por Russel.

Diriamos que a forma a ser “colapsada” depende nao apenas de relacoeslogicas, como, ademais, de preferencias − “desejos, interesses, habitos”. Istoacontece ate na fısica, ver p. 51.

Adendo:   E possıvel que eu nao esteja entendendo muito bem a proposta

dos conjuntistas, mas veja so: eles tem  conjunto como um conceito primi-tivo, o que significa que eles nao sabem muito bem o que e um conjunto.Ora, como eles pretendem edificar a matematica sobre aquilo que eles naosabem o que e?   (p. 26). Pelo ao menos nos meus ouvidos isto soa estranho.Segundo, nao apenas eles nao sabem o que e um conjunto mas tambem,ao que parece, nao sabem o que e um numero, em particular um numeronatural; entao, como podem afirmar que um numero natural e um conjunto?

Por oportuno, por que todas as escolas (filosofias) matematicas falharamem estabelecer um fundamento ou ponto de apoio para a matematica?

Desejo expor minha visao desta questao: a razao e que o Vazio e o fun-

89

Page 91: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 91/515

damento da matematica, mas nao apenas desta como tambem da fısica, da

quımica, da biologia, etc.

[. . .]   Com base em tais observac˜ oes e an´ alises matem´ aticas,quanto mais pr´ oximo das origens remontamos o universo, mais pr´ oximochegamos da perfeic˜ ao, a mais implicada de todas as ordens da realidade.A natureza daquele v´ acuo perfeito pode conter a chave para o entendi-mento do universo como um todo. Como comenta Leonard Susskind,

 fısico de Stanford: “Qualquer um que sabe tudo sobre nada sabe tudo”.([13], p. 147)

Reiteramos: o Vazio e o fundamento do real, de tudo; e o Vazio naocomporta um ponto de apoio, um referencial absoluto, nada que pode servir

como ancora.Matem´ atica: Esta “ciencia vazia” que  −   espantosamente  −  se aplica a 

todas as contingencias fenomenol´ ogicas, apesar de ser um puro formalismoreflexivo.

Toda a “realidade” (concreta ou abstrata) e instavel −   carece de umponto de apoio −   nao apenas porque tem o Vazio como fundamento masporque e feita de  relacoes, surge de  relacoes.

A fısica precisa limitar-se a descric˜ ao das relac˜ oes entre as percepc˜ oes.A coisa em si n˜ ao lhe e acessıvel, apenas as relac˜ oes entre as coisas.

(Jurgen Neffe)

Tanto a citacao anterior quanto a proxima, relativas a fısica, aplica-setambem a matematica e ate a filosofia:

Descobrimos que onde a ciencia mais progrediu a mente recuperou da natureza aquilo que colocou l´ a. Encontramos uma pegada estranha nas praias do desconhecido. Criamos teorias profundas, uma ap´ os a outra,para explicar a origem daquela pegada. Por fim, conseguimos reconstruir com sucesso a criatura que deixou aquela marca. E vejam! A pegada e nossa.   (Sir Arthur Eddington)

O texto a seguir, de uma perspicacia inaudita,   (Grifo nosso)

De acordo com a  teoria geral da relatividade ontol´ ogica   aqui defen-dida, a verdade de uma teoria n˜ ao pode ser pensada com relac˜ ao a uma “correspondencia” com alguma realidade absolutamente objetiva. O mo-tivo e que os objetos postulados em uma teoria n˜ ao existem de modoindependente dos procedimentos para se fazer observac˜ oes do mundo e identificar elementos est´ aveis e invariantes nele.   (Wallace/[13], p. 98 )

se aplica, em particular, a “teoria (construtiva) dos numeros”, cujos objetossao os proprios numeros.

90

Page 92: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 92/515

3.2 Construcao dos Naturais

Para construirmos os numeros naturais precisamos antes saber aquiloque desejamos construir, isto e, o que sao os numeros naturais.

O conjunto dos numeros naturais, conforme ja mencionamos no capıtuloanterior,  e a seguinte estrutura :   N = (N,  +, ·). Ou seja, um conjunto mu-nido de duas operacoes, uma chamada de adicao e a outra de multiplicacao.Duas observacoes devem ser feitas:

1a ) A bem da verdade o que caracteriza (fixa) o sistema dos numerosnaturais e o fato de que estas operacoes satisfazem um certo numero depropriedades que sao as “especificacoes do sistema”, listadas a seguir:

A1 ) (a + b) + c =  a + (b + c)

A2 )   ∃ 0 ∈ N :   a + 0 = 0 + a =  a

A3 )   a + b =  b + a

M 1 ) (a · b) · c =  a · (b · c)

M 2 )   ∃ 1 ∈ N :   a · 1 = 1 · a =  a

M 3 )   a · b =  b · a

D)   a

·(b + c) = a

·b + a

·c

•   Ordenado

PBO) :   Todo subconjunto nao vazio de naturais possui um menor elemento.

N

PBO  significa “Princıpio da Boa Ordem”, o significado de  ordenado estadado no quadro a seguir

Ordenado

1a )   Ordem parcial: Definicao 14, p. 76.

2a )   Ordem total: Definicao 17, p. 78.

3a )   Compatibilidade com a Adic~ao

a ≤ b ⇔   a + c ≤ b + c

4a )   Compatibilidade com a Multiplicac~ao

a ≤ b   ⇒   a · c ≤ b · c

91

Page 93: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 93/515

Vamos juntar estas nove propriedades em um conjunto denotado por  ρ:

ρ = { A1, A2, A3, M 1, M 2, M 3, D,  Ordenado,  PBO }   (3.4)

2a ) Apenas lembrando: assim como o que caracteriza o xadrez e o con- junto de suas regras − e nao suas pecas − similarmente o que caracteriza osnumeros naturais e o conjunto de regras listadas em  ρ, estas sao as  especi-

 ficac˜ oes do sistema .

Definicao dos Numeros Naturais

Considere o conjunto,

N = { 0,  1,  2,  3, . . . }

Definicao 18   (Adicao).   Seja  n ∈ N um natural dado. Entao

( i )   m + 0 = m;

( ii )   m + σ(n) = σ(m + n).

Definicao 19  (Multiplicacao).   A multiplicacao em  N   e definida por:

n

·0 = 0;

 ∀n

∈N

n · (m + 1) = n · m + n,  sempre que n · m esta definido.

Definicao 20  (Numeros Naturais).   Denominamos de sistema (“conjunto”)dos numeros naturais a terna,

N = (N,  +, ·)

Observe esta construcao no esquema a seguir,

N N ×  NN

N

+

·   N = (N,  +, ·)

- Conjunto

(aqui temos meros elementos)

- Estrutura

(aqui temos os numeros naturais)

92

Page 94: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 94/515

E por que estes sao os numeros naturais? Respondemos: porque com

estas operacoes demonstramos que as especificacoes do sistema,   ρ   (p. 92),sao atendidas. Quadro amarelo.

Por oportuno, se alguem perguntar a voce leitor o que e um numeronatural, arranque (digo, imprima) o quadro amarelo   (p. 91)  e entregue-lhe.Um n´ umero natural   e um sımbolo manipulado segundo aquelas regras.

Observe que a adicao e a multiplicacao sao dadas em funcao do sucessor,σ, razao porque refutamos os “contraexemplos” de Russel.   (p. 85)

Sobre as operacoes com numeros naturais

Faremos algumas consideracoes sobre as duas operacoes; por ora conside-

raremos a adicao e, oportunamente, a multiplicacao.Observe que, por definicao, 0 sera o  elemento neutro  (por ora a direita)de nossa operacao.

Definicao 21.   Indicaremos por 1 (lemos “um”) o numero natural que esucessor de 0, isto e, 1 = σ(0).

Ainda por definicao, colocamos:   σ(1) = 2 (“dois”),  σ(2) = 3 (“tres”), etc.

Por ( ii ), podemos somar   m   com o sucessor de 0, com o sucessor dosucessor de 0 e assim por diante, tipo:

n = 0   ⇒   m + σ(0) = σ(m + 0)   ⇒   m + 1 = σ(m).n = 1   ⇒   m + σ(1) = σ(m + 1)   ⇒   m + 2 = σ

σ(m)

.

n = 2   ⇒   m + σ(2) = σ(m + 2)   ⇒   m + 3 = σ

σ

σ(m)

.

Isto e, para obter o resultado da adicao de m com 1 devemos nos deslocar,a partir de   m, uma posicao para a direita na sucessao dos naturais; paraobter o resultado da adicao de  m  com 2 devemos nos deslocar, a partir dem, duas posicoes para a direita, etc., assim:

m+1 :m• • • · · ·   •   • • • • • · · ·

0 1 2   ···   σ

m+2 :m• • • · · ·   •   • • • • • · · ·

0 1 2   ···  σ σ

m+3 :m• • • · · ·   •   • • • • • · · ·

0 1 2   ···  σ σ σ

De modo geral,  m + n  e definida como o resultado que se obtem quandose itera  n  vezes, a partir de  m.

93

Page 95: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 95/515

Observe que na teoria ordinal de Peano estamos  somando  (e, oportuna-

mente, multiplicando)  posic˜ oes , nada mais que isto.

Consideracoes sobre a multiplicacao de numeros naturais

Consideremos novamente a definicao 19,   (p. 92)n · 0 = 0; ∀ n ∈ N

n · (m + 1) = n · m + n,  sempre que n · m esta definido.

Observe alguns casos especiais,

m = 0

  ⇒  n

·(0 + 1) =  n

·0 + n

·1

  ⇒  n

·1 = n.

m = 1   ⇒   n · (1 + 1) =  n · 1 + n · 1   ⇒   n · 2 = n + n  .

m = 2   ⇒   n · (2 + 1) =  n · 2 + n · 1   ⇒   n · 3 = n · 2 + n = (n + n) + n.

Isto e, multiplicar um numero   n   por 0 resulta, por definicao, 0; mul-tiplicar um numero   n   por 1 nao o altera; multiplicar um numero  n  por 2significa adicionar  n, consigo mesmo, “duas vezes”; multiplicar um numeron  por 3 significa adicionar  n, consigo mesmo, “tres vezes”. De modo geral,o produto n · m  e a soma de  m  parcelas iguais a  n.

Proposicao 1.   Seja m ∈ N um numero natural. Entao, a soma  m + n esta

definida para todo numero natural  n ∈ N.Prova: Seja  A  o conjunto dos naturais  n  para os quais a soma  m + n  estadefinida.

Pela condicao ( i ) da definicao de adicao, temos que 0 ∈ A, e da condicao( ii ) temos que se m + n esta definida, entao m + σ(n) tambem esta definidaou, em sımbolos, se  n ∈ A, entao  σ(n) ∈ A. Do axioma de inducao temosque  A  =  N  e segue a tese.  

Lema 1.   Para todo natural   m, tem-se   σ(m) =   m + 1 e   σ(m) = 1 + m;portanto  m + 1 = 1 + m.

Observac˜ ao:   Este lema nao e necessariamente “trivial”  −   a ponto dedispensar uma prova −; por exemplo, nos naturais vermelhos um caso par-ticular e,

σ(m) = 1 + m   ←→   σ( ) = +

Esta igualdade nao e imediata, inclusive porque esta amarrada com adefinicao de adicao (“de tetragramas”).

94

Page 96: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 96/515

´ E, pois, aos inıcios da Aritmetica que podemos esperar encon-

trar a explicac˜ ao que procuramos, mas, justamente, acontece que e na demonstrac˜ ao dos teoremas mais elementares que os autores dos tratados cl´ assicos fizeram uso de menos precis˜ ao e rigor. N˜ ao devemos conden´ a-los por isso; eles atenderam uma necessidade; os iniciantes n˜ ao est˜ aopreparados para o verdadeiro rigor matem´ atico; s´ o veriam nisso v˜ as e 

 fastidiosas sutilezas, perderıamos nosso tempo se quisessemos, cedo de-mais, torn´ a-los mais exigentes.   (Poincare/A Ciencia e a Hip´ otese )

Prova: Temos,

m + 1 = m + σ(0) = σ(m + 0) = σ(m)

O que prova a primeira igualdade na proposicao. Observe que na primeiraigualdade acima utilizamos a definicao  σ(0) = 1, na segunda igualdade uti-lizamos (ii) da definicao 18   (p. 92) e, finalmente, na terceira igualdade uti-lizamos (i) da definicao 18.

Para provar a segunda igualdade, consideremos o conjunto

A = { m ∈ N :  σ(m) = 1 + m }

e provemos que  A  =  N.

Por (ii) (definicao 18) temos que 1 + 0 = 1 =  σ(0), portanto 0 ∈ A.

Considerando, por hipotese, que  m ∈  A, vamos provar que  σ(m) ∈  A.Isto e, provemos que

σ

σ(m)

 = 1 + σ(m) (3.5)

Apliquemos σ   a hipotese de inducao,  σ(m) = 1 + m, isto e,

σ

σ(m)

 =  σ(1 + m)

Por (ii) (definicao 18) temos  σ(1 + m) = 1 + σ(m), daqui decorre (3.5).

Do axioma de inducao temos que  A =  N  e segue a tese.  

A seguir provaremos a primeira especificacao,   A1, da lista   ρ   dada em(3.4)   (p. 92).

Proposicao 2   (Associatividade da adicao).   Para toda terna  m, n, p   denumeros naturais, vale:

m + (n + p) = (m + n) + p

Prova: Vamos fixar os naturais  m   e   n e aplicar inducao sobre p. Considereentao a seguinte proposicao:

m + (n + p) = (m + n) + p

95

Page 97: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 97/515

Entao, seja A  o conjunto dos naturais p  tais que  m + (n + p) = (m + n) + p,

para todo par de naturais   m, n. Para demonstrar a proposicao, bastaraprovar que  A  =  N. Com efeito, temos que

m + (n + 0) = m + n = (m + n) + 0

Portanto, 0 ∈ A.

Ainda, suponhamos que  p ∈ A, isto e, que

m + (n + p) = (m + n) + p

Vamos mostrar que σ( p) ∈ A. Com efeito,

m + n + σ( p)  =  m + σ(n + p) =  σm + (n + p) = σ

(m + n) + p)

 = (m + n) + σ( p)

Do axioma de inducao temos que  A  =  N  e segue a tese.  

Vamos agora provar  A2, da lista  ρ.

Proposicao 3  (0 e elemento neutro).   Para todo  n ∈ N tem-se:

n + 0 = 0 + n =  n

Prova: Seja  A  o conjunto dos naturais  n  tais que  n + 0 = 0 + n, para todonatural  n. Para demonstrar a proposicao, bastara provar que  A  =  N. Com

efeito, temos que 0 + 0 = 0 + 0

Portanto, 0 ∈ A.

Ainda, suponhamos que  p ∈ A, isto e, que   (Hipotese de Inducao (H.I.))

 p + 0 = 0 + p

Devemos provar que   σ( p) ∈  A, isto e, que:   σ( p) + 0 = 0 + σ( p). Ou, sequisermos,

( p + 1) + 0 = 0 + ( p + 1)

Aplicando  σ   a H.I., temos:   σ( p + 0) = σ(0 + p). Por (ii) esta igualdade

transforma-se em:   p + σ(0) = 0 + σ( p). Entao, e verdade que

 p + 1 = 0 + ( p + 1)

Mas, por (i) podemos escrever ( p + 1) + 0 =  p + 1, logo

( p + 1) + 0 = 0 + ( p + 1)

Para concluir que 0 e elemento neutro basta apelar para a definicao de adicaoque nos diz que n + 0 = n.  

A seguir provaremos a terceira especificacao,  A3, da lista  ρ.   (p. 92)

96

Page 98: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 98/515

Proposicao 4   (Comutatividade da adicao).   Para  m   e   n naturais, vale:

n + m =  m + n

Prova: Vamos fixar m  e aplicar inducao sobre n. Considere entao a seguinteproposicao:

 p + m =  m + p

Entao, seja A  o conjunto dos naturais  p  tais que  p + m =  m + p, para todo p natural. Para demonstrar a proposicao, bastara provar que  A  =  N. Comefeito, temos, pela proposicao 3   (p. 96), que 0 + m =  m +0. Portanto, 0 ∈ A.

Ainda, suponhamos que  p ∈ A, isto e, que   (H.I.)

 p + m =  m + p

Vamos mostrar que  σ( p) ∈ A, isto e,

σ( p) + m =  m + σ( p)

Ou ainda, pelo lema 1   (p. 94), devemos provar que

( p + 1) + m =  m + ( p + 1) (3.6)

Aplicando σ  na H.I. temos,  σ( p + m) = σ(m + p). Entao, por (ii) e verdadeque

 p + σ(m) = m + σ( p)

Ainda pelo lema 1 e verdade que

 p + (m + 1) = m + ( p + 1)

Pelo lema 1,  m + 1 = 1 + m, logo

 p + (1 + m) = m + ( p + 1)

Aplicando a proriedade associativa no lado esquerdo, obtemos

( p + 1) + m =  m + ( p + 1)

o que prova (3.6). Do axioma de inducao temos que  A  =  N  e segue a tese.

Vamos agora provar uma importante propriedade dos naturais a ser uti-lizada oportunamente.

Proposicao 5  (Lei do corte).   Para  m,  n   e   r  naturais, vale:

m + r =  n + r   ⇒   m =  n

97

Page 99: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 99/515

Nota:  Observe que nao e necessariamente trivial que se pode “cortar”,

+ = +

Para se realizar um corte nesta igualdade vai depender da definicao deadicao de “tetragramas”. Ademais, o leitor deve ter em conta que, por umaeconomia de sımbolos, estamos utilizando “+” para a adicao de tetagramas,a rigor deveriamos utilizar um outro sımbolo para esta operacao, quem sabe

∗   =   ∗

Lembramos que em matematica existem muitas estruturas nas quais paramuitas operacoes nao vale a lei do corte, apenas dois exemplos: no produto

de matrizes nao podemos cortar, no produto Hipercomplexo (p. 479) tambemnao vale a lei do corte.Prova: Suponhamos  m   e   n   naturais fixos e considere   A  o conjunto dosnaturais  r  tais que

m + r =  n + r   ⇒   m =  n

Para demonstrar a proposicao, bastara provar que  A =  N. Com efeito,sendo verdade que

m + 0 = n + 0   ⇒   m =  n

resulta que 0 ∈ A. Suponhamos que  r ∈ A, isto e, que   (H.I.)

m + r =  n + r   ⇒   m =  n

Vamos mostrar que σ(r) ∈ A, isto e,

m + σ(r) = n + σ(r)   ⇒   m =  n

Ou ainda, pelo lema 1   (p. 94), devemos provar que   (T.I.)

m + (r + 1) = n + (r + 1)   ⇒   m =  n

Entao, inicialmente vamos assumir que

m + (r + 1) = n + (r + 1)

Vamos aplicar associatividade

(m + r) + 1 = (n + r) + 1

Pelo lema 1 podemos escrever

σ(m + r) = σ(n + r)

98

Page 100: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 100/515

pelo axioma  P2   (p. 83)  temos que

σ(m + r) =  σ(n + r)   ⇒   m + r =  n + r

pela hipotese de inducao decorre que  m  =  n. Do axioma de inducao temosque  A  =  N  e segue a tese.  

Se devemos provar que podemos “cortar ” quantidades iguais de ambosos membros de uma igualdade, entao devemos provar a “operacao inversa”.

Proposicao 6  (Lei do acrescimo).   Para  m,  n   e   r  naturais, vale:

m =  n  ⇒

  m + r =  n + r

Prova: Suponhamos   m   e   n   naturais fixos e considere   A  o conjunto dosnaturais  r  tais que

m =  n   ⇒   m + r =  n + r

Para demonstrar a proposicao, bastara provar que  A  =  N. Com efeito,sendo verdade que

m =  n   ⇒   m + 0 = n + 0

resulta que 0 ∈ A. Suponhamos que  r ∈ A, isto e, que   (H.I.)

m =  n   ⇒   m + r =  n + r

Vamos mostrar que  σ(r) ∈ A, isto e,

m =  n   ⇒   m + σ(r) = n + σ(r)

Ou ainda, pelo lema 1   (p. 94), devemos provar que   (T.I.)

m =  n   ⇒   m + (r + 1) = n + (r + 1)

e verdadeira. Entao, iniciando com a hipotese de inducao, temos

m =  n   ⇒   m + r =  n + r

⇒   (m + r) + 1 = (n + r) + 1

⇒   m + (r + 1) = n + (r + 1)

Na segunda implicacao acima utilizamos o axioma  P2   (p. 83).

Do axioma de inducao temos que  A =  N  e segue a tese.  

Vamos agora provar a especificacao  M 2 de  ρ.   (p. 92)

99

Page 101: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 101/515

Proposicao 7  (1 e elemento neutro).   Para todo  n ∈ N tem-se:

n · 1 = 1 · n =  n

Nota:   Enfatizamos que as igualdades acima nao sao necessariamentetriviais −   a ponto de dispensar uma prova −; por exemplo, nos naturaisvermelhos um exemplo e

· ·= =

Estas igualdades nao sao imediatas, inclusive porque estao amarradascom a definicao de adicao  (de tetragramas).

Prova: Mostremos inicialmente que  n · 1 = n, veja:

n · 1 =  n · (0 + 1) =  n · 0 + n = 0 + n =  n   (3.7)

na primeira igualdade utilizamos a proposicao 3   (p. 96), na segunda e terceiraigualdades usamos a definicao de multiplicacao.

Mostremos agora, por inducao sobre  n, que   n · 1 = 1 · n. Com efeito,consideremos a proposicao

P(n) :   n · 1 = 1 · n,   para todo n ∈ N

De (3.7) e da definicao de multiplicacao decorre que

P(0) : 0 · 1 = 0 = 1 · 0

e verdade. Suponhamos que para  n  =  k ∈ N

P(k) :   k · 1 = 1 · k

seja verdadeira. Provemos que

P(k + 1) : (k + 1) · 1 = 1 · (k + 1)

e verdadeira. Entao, de (3.7), temos

(k + 1) · 1 = k + 1

Por outro lado

1 · (k + 1) = 1 · k + 1 = k · 1 + 1 = k  + 1

Na primeira igualdade usamos a definicao de multiplicacao, na segunda usa-mos a hipotese de inducao e na ultima novamente o resultado (3.7).  

100

Page 102: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 102/515

Teorema 9.   Para todo  m,  n   e   p   valem as seguintes proposicoes:

(i)   n · m ∈ N

(ii)   m · (n + p) =  m · n + m · p(iii)   m · (n · p) = (m · n) · p(iv) (n + p) · m =  n · m + p · m

(v)   m · n =  n · m

(i)   nos diz que a multiplicacao esta bem definida, isto e, de fato e umaoperacao em  N;(ii) afirma que vale a propriedade distributiva a esquerda;(iii) afirma que vale a propriedade associativa;

(iv)  afirma que vale a propriedade distributiva a direita;

(v) afirma que vale a propriedade comutativa.

Prova:   (i) Suponhamos n  um natural arbitrariamente fixado.Vamos aplicar inducao sobre  m. Consideremos a proposicao

P(m) :   n · m ∈ N,   para todo m ∈ N

Sendo assimP(1) :   n · 1 ∈ N

e verdadeira, posto que  n · 1 = n, pela proposicao 7.   (p. 100)

Suponhamos agora que para algum  k ∈ N   (H.I.)

P(k) :   n · k ∈ N

seja verdadeira. Sendo assim

P(k + 1) :   n · (k + 1) ∈ N

e verdadeira, pois pela definicao de multiplicacao   (p. 92)

n · (k + 1) = n · k + n

e, ademais,  n · k ∈N

, logo, (n · k + n) ∈N

, pela proposicao 1  (p. 94)

.(ii) Sejam m  e  n   naturais arbitrariamente fixados − vamos aplicar inducaosobre  p. Consideremos a proposicao

P( p) :   m · (n + p) = m · n + m · p, ∀ p ∈ N

Vamos provar que

P(1) :   m · (n + 1) = m · n + m · 1

e verdadeira.

101

Page 103: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 103/515

Pela definicao de multiplicacao   (p. 92) temos que  m · (n + 1) = m · n + m,

e pela proposicao 7   (p. 100),  m  =  m · 1.Suponhamos que para  p  =  k ∈ N   (H.I.)

P(k) :   m · (n + k) = m · n + m · k

seja verdadeira. Vamos provar que   (T.I.)

P(k + 1) :   m · n + (k + 1)

 =  m · n + m · (k + 1)

e verdadeira. Temos

m · n + (k + 1)

 =  m · (n + k) + 1

= m

·(n + k) + m

·1

= m · n + m · k + m · 1

= m · n + m · (k + 1)

Na primeira igualdade acima usamos a associativa da adicao, na segundaigualdade usamos P(1), na terceira a hipotese de inducao, na quarta nova-mente P(1).

(iii) Sejam m  e  n  naturais arbitrariamente fixados − vamos aplicar inducaosobre  p. Consideremos a proposicao

P( p) :   m · (n · p) = (m · n) · p, ∀ p ∈ N

Vamos provar queP(1) :   m · (n · 1) = (m · n) · 1

e verdadeira. Temos

m · (n · 1) = m · n = (m · n) · 1

Na primeira e segunda igualdades fizemos uso da proposicao 7   (p. 100). Logo,P(1) e verdadeira.

Suponhamos que para  p  =  k ∈ N   (H.I.)

P(k) :   m · (n · k) = (m · n) · k

seja verdadeira. Vamos provar que   (T.I.)

P(k + 1) :   m · n · (k + 1)

 = (m · n) · (k + 1)

e verdadeira. Temos

m · n · (k + 1)

 =  m · (n · k + n · 1)

= m · (n · k) + m · n

= (m · n) · k + m · n

= (m · n) · (k + 1)

102

Page 104: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 104/515

Na primeira igualdade usamos distributividade a esquerda, na segunda

igualdade distributividade a esquerda juntamente com a proposicao 7   (p.100), na terceira a hipotese de inducao, na quarta utilizamos a definicao demultiplicacao   (p. 92). Logo P(k +1) e verdadeira e, pelo princıpio de inducao,P( p) esta demonstrada.

(iv)  Sejam  n  e  p  naturais arbitrariamente fixados − vamos aplicar inducaosobre  m. Consideremos a proposicao

P(m) : (n + p) · m =  n · m + p · m, ∀ m ∈ N

Vamos provar que

P(1) : (n + p)

·1 = n

·1 + p

·1

e verdadeira. Temos

(n + p) · 1 = n + p =  n · 1 + p · 1

Na primeira e segunda igualdades utilizamos a proposicao 7   (p. 100). Logo,P(1) e verdadeira.

Suponhamos que para  m  =  k ∈ N   (H.I.)

P(k) : (n + p) · k =  n · k + p · k

seja verdadeira. Vamos provar que   (T.I.)

P(k + 1) : (n + p) · (k + 1) = n · (k + 1) + p · (k + 1)

e verdadeira. Temos

(n + p) · (k + 1) = (n + p) · k + (n + p)

= n · k + p · k + (n + p)

= n · k + ( p · k + n) + p

= n · k + (n + p · k) + p

= (n · k + n) + ( p · k + p)

= n·

(k + 1) + p·

(k + 1)

Na primeira igualdade usamos a definicao de multiplicacao   (p. 92), na se-gunda usamos a hipotese de inducao, na terceira associatividade da adicao,na quarta comutatividade da adicao, na quinta novamente associatividadeda adicao, na sexta distributividade a esquerda. Logo P(k + 1) e verdadeirae, pelo princıpio de inducao, P(m) esta demonstrada.

(v) Suponhamos n um natural arbitrariamente fixado. Vamos aplicar inducaosobre  m. Consideremos a proposicao

P(m) :   n · m =  m · n,   para todo m ∈ N

103

Page 105: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 105/515

Sendo assim

P(1) :   n · 1 = 1 · ne verdadeira, pela proposicao 7   (p. 100).

Suponhamos agora que para algum  k ∈ N   (H.I.)

P(k) :   n · k =  k · n

seja verdadeira, e provemos que P(k + 1) e verdadeira, isto e, que   (T.I.)

P(k + 1) :   n · (k + 1) = (k + 1) · n

Temos que

n · (k + 1) = n · k + n

= k · n + n

= k · n + 1 · n

= (k + 1) · n

A primeira igualdade decorre da propria definicao de multiplicacao, a se-gunda da hipotese de inducao, a terceira da proposicao 7   (p. 100), a quartada distributividade a direita. Logo P(k + 1) e verdadeira e, pelo princıpiode inducao, P(m) esta demonstrada.  

Ate aqui finalizamos todas as propriedades algebricas de  N, listadas em  ρ.Oportunamente faremos uso da seguinte proposicao:

Proposicao 8.   Sejam m   e, n  naturais. Se m +n = 0, entao m  = 0 e   n = 0.

Prova: Suponhamos, por um momento que  n = 0. Entao, n  =  σ( p) = p + 1,para algum  p ∈ N.

Entao:

0 = m + n =  m + ( p + 1) = (m + p) + 1 = σ(m + p)

Ora, mas isto contraria o axioma  P1   (p. 83)  que afirma que 0 nao e sucessor

de nenhum natural. Logo,   n   = 0. Daqui concluimos que   m   =   m + 0 =m + n = 0.  

104

Page 106: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 106/515

Relacao de ordem em   N

A operacao de adicao, e propriedades desta, nos permitira introduzir umarelacao de ordem em  N, formalizando a ideia intuitiva de que 0 e menor que1, que e menor que 2, que e menor que 3, etc.

Definiremos a seguinte relacao binaria sobre  N:   (def. 5, p. 56)

Definicao 22 (Relacao de ordem em N).   Dados x, y ∈ N  dizemos que x R yse, e somente se, existir  p ∈ N   tal que  y  =  x + p.

Destacando a sentenca aberta de   R = N,  N, p(x, y) , temos:

 p(x, y) :   y  =  x + p,   para algum   p ∈ N.

Por exemplo, p(1,  3) : 3 = 1 + 2,   para 2 ∈ N.

e   p(1,  3) e verdadeira, isto e, 1 R 3. Tambem,

 p(0,  1) : 1 = 0 + 1,   para 1 ∈ N.

e   p(0,  1) e verdadeira, isto e, 0 R 1.

Vamos provar que R   e uma relacao de ordem parcial em  N. Acompanhepela definicao 14, p. 76.

Com efeito, quaisquer que sejam os naturais  x,   y   e   z, temos:

( i ) ( x R x ), pois e verdadeira a sentenca aberta

 p(x, x) :   x =  x + 0,   para 0 ∈ N.

( i i )

se   x R y   e   y R x  ⇒   x =  y

.

Separando em hipotese e tese, temos:

H :

 p(x, y):   y =  x + p,   para algum   p ∈ N,

 p(y, x):   x =  y  + q,   para algum   q  ∈ N.T :   x =  y.

Substituindo  y  da primeira equacao na segunda equacao, obtemos

x = (x + p) + q   ⇒   x =  x + ( p + q )   ⇒   p + q  = 0   ⇒   p =  q  = 0.

Conclusao: das duas hipoteses concluimos que x  =  y.

( iii ) ( se   x R y   e   y R z ⇒   x R z ).

Separando em hipotese e tese, temos:

H :

 p(x, y) :   y  =  x + p,   para algum   p ∈ N,

 p(y, z) :   z =  y + q,   para algum   q  ∈ N.

105

Page 107: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 107/515

e

T:   p(x, z) :   z  =  x + r,   para algum   r ∈ N.Substituindo  y  da primeira equacao na segunda equacao, obtemos

z  = (x + p) + q   ⇒   z =  x + ( p + q )

Conclusao: e suficiente tomar  r =  p + q .

Mudanca de notacao:   No caso desta   relac˜ ao de ordem parcial   faremosuma mudanca de notacao: Trocaremos  R   por ≤, entao,

x R y   ⇐⇒   x ≤ y   ⇐⇒   (x, y) ∈ R   ⇐⇒   p(x, y) e verdadeira.

a)   Se  x ≤ y, mas  x = y, escreveremos x < y  e diremos que  x   e menor doque  y . Neste caso, temos:

Definicao 23.  Dados os numeros naturais m   e   n  diremos que  m   e  menorque n, e denotamos m < n, se e somente se, existir  p ∈ N∗ tal que m+ p =  n.

b)   Alternativamente, escreveremos  y ≥ x  no lugar de  x ≤ y. Diremos  y   e maior do que ou igual   x.

c)   Alternativamente, escreveremos  y > x  no lugar de  x < y. Diremos  y   e maior do que   x.

Observacoes:

−   Enfatizamos que a relacao de ordem e dada em funcao da operacao deadicao.

− Lembramos que na axiomatica de Peano os elementos do conjunto,

N = { 0,  1,  2,  3, . . . }sao apenas sımbolos, a priori sem nenhum significado (ou vazio de signifi-cado), assim:

N = { 0, σ(0)   1

, σ(σ(0))     2

, σ(σ(σ(0)))     3

, . . . }

A desigualdade 0 <  1 so e trivial porque o conjunto encontra-se ordenado, oufomos “programados” para ver assim. Por exemplo, o leitor saberia “queme menor do que quem” no conjunto (nao ordenado) a seguir?

  N =   , , , , , . . .Observe as seguintes equivalencias

1 <  3   ⇐⇒   <

0 <  1   ⇐⇒   <

Esta ultima desigualdade, nos naturais vermelhos, nao e trivial; ou mel-hor, precisamos dar a ela um significado preciso (defini cao).

106

Page 108: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 108/515

Page 109: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 109/515

Substituindo  m  =  n  + r  na primeira equacao resulta: (n + r) + p  =  n, que

equivale a  n + (r + p) = n + 0, aplicando a lei do corte resulta:   r + p = 0.O absurdo resulta se considerarmos a proposicao 8   (p. 104).Agora vamos provar que uma das tres relacoes dadas ocorre. Para isto,

considere  n ∈ N arbitrariamente fixado, e, ademais, o conjunto:

A = { m ∈ N :   m =  n   ou   m < n   ou   n < m }Apenas a tıtulo de referencia, facamos:

A = { m ∈ N :   m =  n    I

ou   m < n    II

ou   n < m   III

}

Vamos aplicar inducao sobre  m. Isto e, vamos provar que  A  = N.

Temos que  m  = 0 ∈  A. De fato, se o n  que foi fixado arbitrariamentepor acaso for 0, nada mais a provar (I satisfeita). Agora, se ocorre  n = 0,entao  n =  σ( p) = p + 1, para algum  p ∈ N. Neste caso 0  < n   (II satisfeita).

Agora, suponhamos que   m ∈  A   e provemos que   σ(m) =   m + 1 ∈   A.Consideremos tres possibilidades:

(ii)   m < n. Neste caso existe  p ∈ N∗  tal que  m + p =  n. Se  p  = 1, entao

n =  m + 1 = σ(m)

Logo,  σ(m) ∈ A (I satisfeita).Por outro lado, se  p = 1, entao  p > 1, ou ainda 1 < p, logo existe  r ∈ N∗

tal que 1 + r =  p. Entao:σ(m) + r = (m + 1) + r =  m + (1 + r) =  m + p =  n

Daqui se conclui  (def. 23, p. 106) que σ(m) < n. Logo, σ(m) ∈ A (II satisfeita).

(i)   m  =  n. Neste caso, tendo em conta que pelo axioma P2   (p. 83),   σ   einjetiva, temos

σ(m) = σ(n) =  n + 1

ou ainda,  n < σ(m), logo  σ(m) ∈ A (III satisfeita).

(iii)   n < m. Neste caso existe  p ∈ N∗  tal que  n + p =  m. Sendo assim

σ(m) = σ(n + p) = n + σ( p)

Na segunda igualdade nos valemos da definicao de adicao   (p. 92). Entao,n < σ(m). Portanto,  σ(m) ∈ A (III satisfeita).

Portanto nas tres possibilidades resultou  σ(m) ∈ A  logo, pelo Princıpiode Inducao,  A  = N.  

A lei da tricotomia equivale a afirmar que, dados quaisquer  m, n ∈   N,decorre necessariamente   n ≤   m   ou   m ≤  n, o que significa dizer que doisnaturais sao sempre comparaveis  (def. 16, p. 78)  pela relacao de ordem dadana definicao 22   (p. 105). Uma relacao de ordem parcial que satisfaz a lei datricotomia e dita uma  relacao de ordem total.   (def. 17, p. 78)

108

Page 110: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 110/515

Teorema 12 (Princıpio de Inducao Generalizado).   Seja M  um subconjunto

de numeros naturais tal que  k ∈ M   e  σ(m) ∈ M , para todo  m ≥ k  em  M .Entao,  M   contem todos os numeros naturais  n ≥ k.

Prova: Considere N = { 0,  1,  2,  3, . . . , p } ∪ M , onde  p   e tal que  σ( p) = k.Temos que 0 ∈ N , suponhamos que   n ∈ N , entao   σ(n) ∈ N ; logo, peloPrincıpio de Inducao, temos N   = N.  

Exemplo:   M   = { 4,  5,  6, . . . }, satisfaz as hipoteses do teorema, comk = 4, sendo assim teremos

 N = { 0,  1,  2,  3 } ∪ M  = { 0,  1,  2,  3,  4, . . . }Mas tambem satisfaz com  k  = 6, neste caso teremos,

 N =

{0,  1,  2,  3,  4,  5

} ∪M  =

{0,  1,  2,  3,  4, . . .

}

Teorema 13.   Sejam m, n, p   e   q  naturais, entao as seguintes propriedadesse verificam:

(i)   m < n + 1   ⇒   m ≤ n;

(ii)   m + p ≤ n + p   ⇔   m ≤ n;   (Compatibilidade com a Adicao)

(iii)   m ≤ n   e   p ≤ q   ⇒   m + p ≤ n + q ;

(iv)   m < n   ⇒   m · p < n · p;   (Compatibilidade com a Multiplicacao)

(v)   m · p =  n · p   ⇒   m =  n;   ( p = 0)   (Lei do corte)

(vi)   m < n   ⇒   m + 1 ≤ n;(vii)   m ≤ n   e   n ≤ m   ⇒   m =  n.

Prova:   (i)   Considere   m < n + 1, entao pela definicao 23   (p. 106)  existe p ∈ N∗  de modo que  m + p =  n + 1. Se  p  = 1, resulta  m + 1 = n + 1, logo,pela lei do corte, temos   m   =   n, e a igualdade ocorre. Seja   p = 1, entao

 p =  σ(q ), para algum  q  ∈ N, logo

n + 1 = m + σ(q ) = m + (q  + 1) = (m + q ) + 1   ⇒   n =  m + q 

desta ultima igualdade segue que  m < n, e a desigualdade ocorre.

(ii)   ( ⇒ ) Seja  m + p ≤ n + p, entao  m + p < n + p   ou   m + p =  n + p.Se  m + p < n + p, entao existe  q  ∈ N∗  de modo que (m + p) + q  =  n + p.

Entao

m + ( p + q ) = n + p   ⇒   m + (q  + p) =  n + p   ⇒   (m + q ) + p =  n + p

logo, pela lei do corte,   m + q   =   n, donde segue   m < n, e a desigualdadeocorre.

Se  m + p =  n + p, decorre  m =  n; logo, a igualdade ocorre.

( ⇐ ) Seja m ≤ n, entao,  m < n   ou   m =  n.

109

Page 111: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 111/515

Se  m < n   entao existe  r ∈ N∗  tal que  m + r =  n. Logo

m + r =  n   ⇒   (m + r) + p =  n + p   ⇒   m + (r + p) = n + p

⇒   m + ( p + r) =  n + p

⇒   (m + p) + r =  n + p

Donde decorre,  m + n < n + p. Logo, a desigualdade ocorre. Observe quena primeira implicacao acima fizemos uso da lei do acrescimo   (p. 99).

Se  m  =  n, decorre que  m + p =  n + p, logo, a igualdade ocorre.

(iii)   m ≤ n   e   p ≤ q   ⇒   m + p ≤ n + q ;

Da definicao 22   (p. 105)  concluimos que existem  r, s ∈ N  tais que

m =  n + r   e   p =  s + q 

logo

m + p = (n + r) + (s + q )   ⇒ · · · ⇒   m + p = (n + q ) + (r + s)

Sendo assim,  m + p ≤ n + q .

Por oportuno, vamos provar o seguinte resultado:

(iii)’  m < n   e   p < q   ⇒   m + p < n + q ;

Da definicao 23   (p. 106)  concluimos que existem  r, s ∈ N∗  tais que

m =  n + r   e   p =  s + q 

logo

m + p = (n + r) + (s + q )   ⇒ · · · ⇒   m + p = (n + q ) + (r + s)

Sendo assim,  m + p < n + q .

(iv)   m ≤ n   ⇒   m · p ≤ n · p.

Suponhamos  m, n  arbitrariamente fixados e consideremos a proposicao

P( p) :  m ≤ n   ⇒   m · p ≤ n · p,   ∀ p ∈ N

Esta proposicao para p  = 0 ficaP(0):  m ≤ n   ⇒   m · 0 ≤ n · 0,   ∀ p ∈ N

que e verdadeira, pela definicao de multiplicacao   (p. 92).Suponhamos   (H.I.)

P(k) :  m ≤ n   ⇒   m · k ≤ n · k

verdadeira, e provemos que   (T.I.)

P(k + 1):  m ≤ n   ⇒   m · (k + 1) ≤ n · (k + 1)

110

Page 112: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 112/515

resulta verdadeira. Com efeito, vamos iniciar fazendo uso da hipotese de

inducao

m ≤ n   ⇒   m · k ≤ n · k

⇒   m · k + m ≤ n · k + n

⇒   m · (k + 1) ≤ n · (k + 1)

Na segunda implicacao usamos o ıtem  (iii)   . Logo P(k + 1) e verdadeira e,pelo Princıpio da Inducao finita, P( p) e verdadeira para m, n, p  naturais.

Para provar a   Lei do corte   para a multiplicacao, vamos necessitar doseguinte resultado

(iv)’  m < n   ⇒   m · p < n · p.   ( p = 0)Suponhamos m, n  arbitrariamente fixados e consideremos a proposicao

P( p) :  m < n   ⇒   m · p < n · p,   ∀ p ∈ N∗

Esta proposicao para  p  = 1 fica

P(1):  m < n   ⇒   m · 1 < n · 1

que e verdadeira. Suponhamos   (H.I.)

P(k) :  m < n   ⇒   m · k < n · k

verdadeira, e provemos que   (T.I.)

P(k + 1) :  m < n   ⇒   m · (k + 1)  < n · (k + 1)

resulta verdadeira. Com efeito, vamos iniciar fazendo uso da hipotese deinducao

m < n   ⇒   m · k < n · k

⇒   m · k + m < n · k + n

⇒   m · (k + 1)  < n · (k + 1)

Na segunda implicacao usamos o ıtem  (iii)’   . Logo P(k + 1) e verdadeirae, pelo Princıpio de Inducao finita Generalizado   (p. 109), P( p) e verdadeirapara  m, n  naturais e  p ≥ 1.

Vamos abrir aqui um parentesis para justificar a afirmativa de que P(1),na prova anterior, e verdadeira. Isto se deve a que, por hipotese, a proposicaom < n  e verdadeira, logo

P(1):   m < n

     V

⇒   m · 1 < n · 1

     V

111

Page 113: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 113/515

e, pela tabela-verdade do condicional (estamos falando de Logica):

 p q p −→ q

V V V 

V F F 

F V V 

F F V 

a implicacao e verdadeira. Estamos na primeira linha da tabela acima.

(v)   m · p =  n · p   ⇒   m =  n, ( p = 0).

Pois bem, se  m

 =  n, entao, pela lei da tricotomia,   m < n   ou   n < m.

Pelo ıtem  (iv)’ , se m < n resulta m· p < n· p   e se n < m resulta n · p < m· p.Conclusao: em ambos os casos  m · p = n · p  o que nega a hipotese.  

Neste ponto damos por encerrada a prova de que o sistema dos numerosnaturais e  ordenado, conforme especificado nos retangulos da pagina 91.

∗ ∗ ∗Aritmetizacao da Analise

Alem da libertac˜ ao da geometria e da libertac˜ ao da ´ algebra, um terceiromovimento matem´ atico profundamente significativo teve luguar no seculoXIX. Esse terceiro movimento, que se materializou lentamente, tornou-se conhecido como  aritmetizac~ ao da an´ alise.

Quando se entende apenas parcamente a teoria subjacente a uma certa operac˜ ao matem´ atica, h´ a o perigo de se aplicar essa operac˜ ao de maneira 

 formal, cega e, talvez, il´ ogica. O executante, desinformado das possıveis limitac˜ oes da operac˜ ao, e levado a us´ a-la em exemplos nos quais ela n˜ ao se aplica necessariamente. [. . . ] 

A procura de um entendimento mais profundo dos fundamentos da an´ alise ganhou um relevo extraordin´ ario em 1874 com a publicac˜ ao de um exemplo,da lavra do matem´ atico alem˜ ao Karl Weirstrass, de uma func˜ ao contınua n˜ ao-deriv´ avel ou, o que e equivalente, de uma curva contınua que n˜ ao admite tangente em nenhum de seus pontos. Georg Bernhard Riemann inventou 

uma func˜ ao que e contınua em todos os valores irracionais da vari´ avel mas descontınua para os valores racionais. Exemplos como esses pareciam con-trariar a intuic˜ ao humana e tornavam cada vez mais evidente que Cauchy n˜ ao tiha atingido o verdadeiro ˆ amago das dificuldades na procura de uma 

 fundamentac˜ ao s´ olida para a an´ alise. [...] 

De fato, o sistema dos n´ umeros reais tinha sido admitido sem maiores cuidados, como ainda se faz na maioria dos textos elementares de c´ alculo. E e claro que a teoria dos limites, continuidade e diferenciabilidade dependem mais de propriedades recˆ onditas dos n´ umeros do que se supunha ent˜ ao.

(Howard Eves/Introducao  A Historia da Matematica, pp. 609, 610)

112

Page 114: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 114/515

Interregno cultural

Creio que nenhum engenheiro e capaz de  resolver   a seguinte equacaodo primeiro grau:

2 x + 1 = 7 (3.8)

tomando-se como conjunto universo os naturais, isto e,  U   = N.

Neste conjunto nao contamos com oposto aditivo e inverso multiplicativo.

Claro, ate por   inspec˜ ao   chega-se a solucao correta:   x   = 3. Entretanto,quando digo resolver significa que, partindo-se da equacao, deve-se chegarao resultado x  = 3.

2 x + 1 = 7   ⇒ · · · ⇒   x = 3 (?)

E nao apenas isto, mas tambem justificar (provar) todos os passos inter-mediarios. Este e o nıvel adequado de rigor a que Poincare se refere napagina 94.

Apenas para situar o leitor − a respeito da nao trivialidade desta equacao− nos naturais vermelhos a mesma equacao toma a forma:

·   + =x

Saberia o engenheiro resolver esta equacao? Sendo-lhe ensinado apenasas operacoes de adicao e multiplicacao neste conjunto.

Processar sımbolos nao e o mesmo que processar significado

O fato de alguem usar (operar) um controle remoto ou um celular naosignifica que este alguem compreenda como estes ob jetos funcionam, entreoperar e compreender existe uma enorme distancia. Estamos defendendoque a mesma coisa se da quando 99% dos indivıduos resolvem a equacaoproposta.

2 x+1=7x = 3

A calculadora   HP50g resolve a equacao 2 x + 1 = 7 em fracoes de

segundos − Por sinal, equacoes muito mais complexas que esta. Umcomputador processa  sımb olos  mas nao significado. O cerebro da

maioria de indivıduos que lida com a matematica apenas processa

(manusea) sımbolos −  tal como a   HP50g.

Estamos afirmando que a maioria dos indivıduos (estudantes ou forma-dos) que lida com a matematica foi apenas programada atraves de comandostais como: “menos vezes menos d´ a mais ”, “o que esta somando de um ladopassa para o outro subtraindo”, etc.

113

Page 115: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 115/515

Vamos resolver a equacao proposta no contexto da construcao dos naturais.

2 x + 1 = 7   ⇒   2 x + 1 = 6 + 1   ⇒   2 x = 6

Fizemos uso da lei do corte da adicao   (prop. 5, p. 97). Entao:

2 x = 6   ⇒   2 x = 2 · 3   ⇒   x = 3.

Fizemos uso da lei do corte da multiplicacao   (teo. 13, p. 109, (v)   ).Como disse o eminente Poincare,

´ E, pois, aos inıcios da Aritmetica que podemos esperar encontrar a ex-plicac˜ ao que procuramos . . .

A seguir apresentamos o fluxograma de resolucao da equacao proposta.

(Um novo “zoom” na resolucao da equacao 2 x + 1 = 7)

Axioma de Inducao  P2

(p. 83)

Definicao 18

(Adicao, p. 92)

Lema 1, p. 94

Lei do Corte (+)

(Prop. 5, p. 97)

Lei da Tricotomia

(Teo. 11, p. 107)

Definicao 22

(p. 105)

Teorema 12

(p. 109)

Item  (iii)’

(p. 110)

Proposicao 8

(p. 104)

Lei do Corte ( · )

(Teo. 13, p. 109,  (v))

Item  (iv)’

(p. 111)

2 x + 1 = 7

114

Page 116: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 116/515

Princıpio da Boa Ordem

Vamos estabelecer agora um dos resultados mais importantes envolvendoa relacao de ordem −   o que vai nos permitir a caracterizacao final dosnaturais − i.e., fechar a construcao dos numeros naturais. Antes precisamosde uma

Definicao 24   (Menor elemento).   Seja  A  um subconjunto de  N. Diremosque  m ∈ N  e o menor elemento de  A, se:

(i)  m ∈ A;

(ii) m ≤ n,  para todo  n  em  A.

Este menor elemento e tambem chamado de   elemento mınimo de   A  e,por vezes, e denotado por min  A.

Teorema 14 (Princıpio da Boa Ordem).  Todo subconjunto nao vazio de Ntem um menor elemento.

Prova: Na prova que faremos o que vem entre o par de retas paralelasa seguir e apenas um  exemplo   para facilitar o entendimento da demons-tracao, que de modo algum interfere no desenvolvimento logico da prova.

Pois bem, Seja  A ⊂ N = { 0,  1,  2,  3, . . . },  A = ∅.

A = { 9,  7,  8,  15 }

Consideremos o conjunto  B  = { n ∈ N :   n ≤ m, ∀ m ∈ A }.

Isto e, os elementos de  B   sao os naturais menores (ou =) que qualquerelemento de  A.

B  =

n ∈ N :   n ≤ m, ∀ m ∈ { 9,  7,  8,  15 } = { 0,  1,  2,  3,  4,  5,  6,  7 }

Nao e difıcil ver, pela definicao de  B , que sempre teremos 0 ∈ B.

Como   A = ∅, tome   r ∈  A. Entao   r + 1 ∈  B   (pois, caso   r + 1 ∈   B, ecomo os elementos de  B   sao menores ou iguais a todos os elementos de  A,teriamos  r  + 1 ≤ r, contradicao).

Sendo assim,  B = N. Como 0 ∈ B  e  B = N, deve existir um  p ∈ B   talque  p + 1 ∈ B. (Claro, pois se para todo  p ∈ B  tivermos  p + 1 ∈ B  e tendoem conta que 0 ∈ B , entao, pelo Princıpio de Inducao, deveria ser  B  = N,contradicao). Vamos  escolher  este  p  como o candidato procurado.

B  = { 0,  1,  2,  3,  4,  5,  6,  7 }, para este exemplo,  p = 7 e o tal elemento.

115

Page 117: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 117/515

Afirmamos que um tal  p   e o menor elemento de  A, isto e,  p  = min  A.

Com efeito, como  p ∈ B, entao  p ≤ m, ∀ m ∈ A, o que prova o ıtem  (ii)da definicao 24   (p. 115). Falta apenas provar o ıtem (i)  da referida definicao.

Vamos admitir o contrario, isto e, que  p ∈ A. Observe que

 p ≤ m, ∀ m ∈ A   ⇒

 p < m, ∀ m ∈ A;

ou

 p =  m,  para algum m ∈ A.

Como excluimos, por hipotese, a segunda possibilidade acima, so resta admi-tir que p < m, ∀ m ∈ A. Porem, pelo ıtem  (vi)  do teorema 13   (p. 109) temos

 p < m   ⇔   p + 1 ≤ m,   logo

 p < m, ∀ m ∈ A   ⇔   p + 1 ≤ m, ∀ m ∈ A

de modo que teriamos  p + 1 ∈ B, em contradicao com a  escolha  de  p.  

Finalmente, construimos o sistema   N   dos numeros naturais, de acordocom as especificacoes exigidas no retangulo amarelo da pagina 91. Tendoem conta que todos os outros sistemas numericos serao construidos sobreeste, nosso feito nao e pouco, veja:

N   →   Z   →   Q   →   R   →   C

Nota:   O Princıpio de Inducao foi utilizado na demonstracao do Princıpioda Boa Ordem. Na verdade pode ser mostrado que ambos os princıpios saoequivalentes matematicamente. Isto significa afirmar: assumindo um deles∗

podemos provar o outro.De fato, assumindo o Princıpio da Boa Ordem como axioma, seja  A  um

subconjunto de  N  tal que 0 ∈ A   e se  n ∈ A, entao  n + 1 ∈ A.Suponhamos que   A =   N. Entao o complementar de   A   e diferente do

vazio, digamos  Ac = ∅. Logo, pelo  P.B.O.,  Ac tem um menor elemento  p.

Como  p = 0 (pois 0 ∈ Ac), existe  q  ∈ N tal que  p  =  σ(q ) = q  + 1.Logo,  q < p, portanto q  ∈ Ac, logo,  q  ∈ A. Entretanto, pela definicao de

A, somos forcados a concluir que  q  + 1 ∈ A, logo  q  + 1 = p ∈ A; conclusao:

 p ∈ Ac e   p ∈ A

o que e absurdo, logo,  A =  N.

∗Na presenca dos demais axiomas de Peano.

116

Page 118: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 118/515

Capıtulo 4

NUMEROS NATURAIS

AZUIS E VERMELHOS

4.1 Os Naturais Azuis

Introducao:

Segundo afirma o fısico Vlatko Vedral os bits 0 e 1 estao no fundamentoconstitutivo do Universo, o que tambem e confirmado pelo eminente filosofoLeibniz.   (p. 140)

Vamos provar que pelo ao menos no que respeita a matematica isto e

inteiramente verdadeiro, uma vez que neste livro faremos a seguinte cons-trucao:

0   →   N   →   Z   →   Q   →   R   →   C

Isto e, partindo do bit 0 construiremos todos os conjuntos numericos.Nesta secao estaremos implementando a segunda das alternativas que

comparecem na figura a seguir

N = { ∅, { ∅ }, { ∅, { ∅ } }, . . . }

N =

{0 0 1 0 ,  0 0 0 0 ,   0 1 0 0 ,   1 0 0 0 ,   1 1 0 0 , . . .

}  N =   , , , , , . . .

(Software dos Naturais)

os numeros naturais azuis, na proxima secao implementaremos a terceira,os naturais vermelhos.

A primeira das alternativas acima e implementada em alguns livros deTeoria dos Conjuntos, como, por exemplo, [14] e [15].

117

Page 119: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 119/515

Construcao

Alternativamente, podemos ver os sistemas numericos como sistemasde processamento de informacoes, compostos por duas partes:   hardware   esoftware . Por exemplo, os naturais podem ser vistos assim:

N = ( N, ρ )

Conjunto(hardware)

Software(instruc~oes)

onde, como ja vimos,

N = { 0,  1,  2,  3, . . . }   (4.1)e   (p. 92)

ρ = { A1, A2, A3, M 1, M 2, M 3, D,  Ordenado,  PBO }Nesta secao estaremos implementando os naturais em um outro hard-

ware − vale dizer, estaremos construindo um outro modelo para os numerosnaturais.

Em matematica existe uma convencao tacita de que nao se deve criarnovos sımbolos, a menos que seja estritamente necessario, assim e que, ob-servando esta convencao, nao criaremos novos sımbolos para os “novos natu-rais”, simplesmente mudaremos a cor dos antigos naturais para azul; assim

e que construiremos os naturais azuis, ao final, teremos:

N = ( N, ρ )

Conjunto(hardware)

Software(instruc~oes)

onde,N = { 0,  1,  2,  3, . . . }

∗ ∗ ∗

Em outros termos, podemos dizer que a partir do Nada, como puro in-condicionado, tudo e possıvel, pois n˜ ao h´ a condic˜ oes ou limites previos que determinem de antem˜ ao qualquer modo de existencia ou de ser. No Nada as possibilidades contradit´ orias s˜ ao simultˆ aneas, e por isso se anulam re-ciprocamente. O Nada e, assim, a totalidade simultˆ anea das possibilidades contradit´ orias.   (Marcelo Malheiros/[17], p. 43)

118

Page 120: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 120/515

4.1.1 Inıcio da construcao dos naturais azuis

Ele [Buda] chamou o supremo de nada, de vazio, suniata, zero.Ora, como o ego pode fazer do “zero” um objetivo? Deus pode ser trans-

 formado num objetivo, mas n˜ ao o zero. Quem quer ser um zero? Pois e exatamente isso que tememos ser; todo mundo est´ a evitando todas as possibilidades de se tornar um zero, e Buda fez dele uma express˜ ao para o supremo!    (Osho/Buda, p. 138/Cultrix)

Pois bem, iniciemos com o sımbolo (zero)

0

Um ponto importante a serressaltado e que este zero naoe o mesmo de Peano, mas o deBuda −   o sımbolo e o mesmo,mas o “conteudo” (essencia) dife-re −, a diferenca entre ambos eque o zero do Buda e tambemplenitude.

Todo sımbolo e ambivalente

e ate mesmo polivalente, no

sentido de que ele pode sig-

nificar uma pluralidade de rea-

lidades diversas e mesmo con-

traditorias.

(Leon Bonaventure)

A diferenca essencial entre o zero de Buda e o de Peano comeca com aseguinte

Definicao 25  (Complementacao).  Tal como na informatica, colocamos:

0 = 1 e   1 = 0

Ou seja, o complementar de 0 e 1 e o complementar de 1 e 0.

Citamos, de passagem, que na eletronica digital existe um circuito noqual podemos simular a operacao complementacao. Este circuito, por nomeflip-flop, possui duas entradas e duas saıdas.

CLK   Q   0⊲

D Q   1

A primeira entrada, D, e chamada entrada de controle , a outra e chamadade clock  (relogio); as duas saidas (Q   e  Q) sao complementares. Pela frequen-cia do relogio controlamos a velocidade com que as saidas ficam “vibrando”entre 0 e 1.

119

Page 121: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 121/515

Retomando, juntemos estes dois sımbolos em um conjunto e teremos a

celula da dualidade :   Z = { 0,  1 }. Ou ainda

0 1Z = { 0,  1 }

O hardware dos futuros numeros naturais azuis sera gerado (construido)pelo produto cartesiano da celula da dualidade. Por exemplo

Z2 ={

0,  1} × {

0,  1}

  = {

01,  10,  00,  11}

Ou ainda:

Z3 = { 0,  1 } × { 0,  1 } × { 0,  1 }= { 000,  100,  010,  110,  001,  101,  011,  111 }

Como o leitor certamente ja se deu conta, via produto cartesiano pode-mos obter sequencias binarias de qualquer tamanho, resumindo∗:

Z = { 0,  1 }Z2 = { 00,  10,  01,  11 }Z3 = { 000,  100,  010,  110,  001,  101,  011,  111 }Z4 = { 0000,  1000,  0100,  1100,  0010,  1010,  0110,  1110,

0001,  1001,  0101,  1101,  0011,  1011,  0111,  1111 }

O numero de sequencias binarias no conjunto  Zn e 2n.   (p. 143)

O nosso espaco de trabalho sera o “produto cartesiano infinito”, assim:

Z∞

Este e o conjunto das sequencias binarias infinitas. Podemos utilizar aseguinte notacao para um elemento arbitrario de  Z∞ :

x =  x0 x1 x2 x3   . . .

∗No Apendice damos um algoritmo e uma formula para gerarmos os   Zn.

120

Page 122: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 122/515

Vamos inicialmente separar o seguinte subconjunto de  Z∞ :

N = x ∈ Z∞ :   x =  x0 x1 x2 x3   . . . xk−1

00000   . . . e o conjunto de todas as sequencias com todos os termos iguais a 0 a partir

de alguma posicao  k. Por exemplo, sao elementos de  N:

000000000000   . . .

101010100000   . . .

110010100000   . . .

Nao sao elementos de  N:

101010101010   . . .

001100110011   . . .

111111111111   . . .

Retomando, lembramos que a ordem com que os elementos comparecemem um conjunto e aleatoria.

Desejamos agora erigir uma estrutura sobre o conjunto N. Esta estruturasera denominada, oportunamente, de  n´ umeros naturais azuis .

O primeiro passo e ordenar os elementos de  N, assim:

,1o

? ,2o

? , . . .3o

?

Quem, e por qual razao, escolheremos para primeiro elemento? quemescolheremos para segundo elemento?, etc.

4.1.2 A funcao sucessor

Neste momento faz-se necessario introduzirmos uma funcao que sera de-nominda de  funcao sucessor.

A funcao  σ , que vai ordenar os elementos de   N, sera definida assim

σ :  N −→   N

Onde, dada a sequencia

m =  a0 a1 a2   . . . ai . . . a

k−1 0 0 0   . . .   (4.2)

teremos por definicao

σ(m) =

Se   a0  = 0 →   complementamos apenas o bit a0  em (4.2);

Se   a0  = 1 →   complementamos apenas os bits desde a0

ate o primeiro bit 0 em (4.2).

121

Page 123: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 123/515

Em ambos os casos os demais bits sao preservados.

Exemplos:

a)   0 1 1 0 0 1 0 1 1 0 0 0   . . .   −→   1 1 1 0 0 1 0 1 1 0 0 0   . . .σ

Ou ainda, de uma outra perspectiva

0 1 1 0 0 1 0 1 1 0 0 0  . . .

1 1 1 0 0 1 0 1 1 0 0 0  . . .σ   

b)   1 1 1 0 0 1 0 1 1 0 0 0   . . .   −→   0 0 0 1 0 1 0 1 1 0 0 0   . . .σ

Ou ainda, de uma outra perspectiva

1 1 1 0 0 1 0 1 1 0 0 0  . . .

0 0 0 1 0 1 0 1 1 0 0 0  . . .σ   

Nosso ob jetivo agora e provar que o axioma de Peano:   (p. 82)

(2) Zero nao e sucessor de nenhum numero natural;

sai como um teorema em nossa construcao. Antes, faremos uma troca denotacao:

0 = 0 0 0 0 0   . . .

Prova: Vamos mostrar que 0 nao e sucessor de nenhum elemento de  N. Ouainda, dado m  como em (4.2) nao ocorre  σ(m) = 0.

Com efeito, dado   m   teremos   a0   = 0 o u   a0   = 1. Se   a0   = 0 entao,pela definicao de  σ,  σ(m) e uma sequencia cujo primeiro bit e 1, portanto,σ(m) = 0. Consideremos agora que o primeiro bit de  m   e 1, isto e,

m = 1 a1 a2   . . . ai . . . a

k−1 0 0 0   . . .

ao aplicar  σ, em alguma posicao vai surgir um bit 1, logo,  σ(m) = 0.  

Nosso ob jetivo agora e provar que o axioma de Peano:   (p. 82)

(4) Dois numeros diferentes nunca tem o mesmo sucessor;

sai como um teorema em nossa construcao.

Ou ainda, provaremos que   σ   e injetiva.

Prova: Mostraremos que  m = n   ⇒   σ(m) = σ(n).

122

Page 124: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 124/515

Consideremos,

m =  a0 a1 a2   . . .  0  . . . ak−1 0 0 0   . . .

n =  b0   b1  b2   . . .   0   . . . bk−1

 0 0 0   . . .

Se  m =  n   significa que estas sequencias diferem, pela primeira vez, emalgum bit de mesma posicao; para facilitar o entendimento da prova vejamosalgumas possibilidades. Supondo que diferem no primeiro bit, sem perda degeneralidade podemos supor

m = 1 a1 a2   . . .  0  . . . ak−1

 0 0 0  . . .

n = 0  b1  b2   . . .   0   . . . bk−1

 0 0 0   . . .

ao aplicar   σ  o bit 1 sera convertido em 0 e o bit 0 sera convertido em 1,assim teremos  σ(m) = σ(n).

Vamos supor agora que   ai =  b

i, para alguma posicao 1 ≤   i  ≤  k − 1.

Sem perda de generalidade vamos supor que,

m =  a0 a1 a2   . . .  1 . . . ak−1 0 0 0   . . .

n = a0 b1  b2   . . .   0   . . . bk−1

 0 0 0  . . .

se a0  = 0, entao, pela definicao de  σ , teremos

σ(m) = 1 a1 a2   . . .  1  . . . ak−1

 0 0 0   . . .

σ(n) = 1  b1  b2   . . .  0   . . . bk−1

 0 0 0  . . .

logo,  σ(m) = σ(n). Consideremos agora  a0  = 1, isto e,

m = 1 a1 a2   . . . ai−1   1   . . . a

k−1 0 0 0   . . .

n = 1 a1 a2   . . . ai−1  0   . . . b

k−1   0 0 0  . . .

Ou um dos bits com 1 ≤   i ≤   i − 1 e igual a 0 ou nao e. Se for, peladefinicao de  σ , os bits apos este bit 0 serao preservados, o que vai implicarσ(m) = σ(n). Se nao for, isto e, se

m = 1   a1

  1

a2

  1

. . . ai−1

  1

1  . . . ak−1

 0 0 0   . . .

n = 1   a1  1

a2  1

. . . ai−1  1

0   . . . bk−1 0 0 0  . . .

apos aplicar σ  teremos,

σ(m) = 0   a1  0

a2  0

. . . ai−1  0

0  . . . ak−1 0 0 0  . . .

σ(n) = 0   a1  0

a2  0

. . . ai−1  0

1   . . . bk−1

 0 0 0   . . .

e, novamente,  σ(m) = σ(n).  

123

Page 125: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 125/515

Vimos que os naturais de Peano se resumem ao conjunto

N = { 0, σ(0), σ(σ(0)), σ(σ(σ(0))), . . . }(eq. (3.3), p. 83)

Comparando com o hardware dos naturais azuis,

N =

x ∈ Z∞ :   x =  x0 x1 x2 x3   . . . xk−1

00000   . . .

perguntamos se toda sequencia deste conjunto e alcancada por iteracoessucessivas de  σ , como dada na pagina 121.

O predecessor

Dada uma sequencia em  N   desejamos definir uma “funcao”   σ−1 que,por exemplo, faca o seguinte:

Exemplos:

a)   0 1 1 0 0 1 0 1 1 0 0 0   . . .

1 1 1 0 0 1 0 1 1 0 0 0  . . .σ−1

   

Ou ainda,

b)   1 1 1 0 0 1 0 1 1 0 0 0   . . .

0 0 0 1 0 1 0 1 1 0 0 0  . . .σ−1

   

Pois bem, dada a sequencia   (m = 0)

m =  a0 a1 a2   . . . ai . . . a

k−1 0 0 0   . . .   (4.3)

teremos por definicao,

σ−1(m) =

Se   a0  = 1 →   complementamos apenas o bit a0  em (4.3);

Se   a0  = 0 →   complementamos apenas os bits desde a0

ate o primeiro bit 1 em (4.3).

Em ambos os casos os demais bits sao preservados.

Nestas condicoes teremos∗:   (Exercıcio)

σ

σ−1(m)

 =  m

Sendo assim, qualquer que seja a sequencia m   em N  uma hora ela seraalcancada por alguma iteracao de  σ .

∗Nao obstante a notacao, σ−1 nao e a inversa de  σ. Por exemplo, 0 nao esta no domıniode  σ−1; ademais,  σ  nao e sobrejetora pois  0  ∈  I m(σ).

124

Page 126: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 126/515

Retomando, agora estamos em condicoes de ordenar os elementos de N :

,1o

? ,2o

? , . . .3o

?

escolhemos para primeiro elemento o  0, que nao e sucessor de elemento al-gum. Para segundo elemento escolhemos  σ(0), o sucessor de 0, para terceiroelemento escolhemos o sucessor do sucessor de   0, isto e,   σ

σ(0)

; e assim

por diante, veja:

0 0 0 0 0 0 0 0  . . .

1 0 0 0 0 0 0 0  . . .

0 1 0 0 0 0 0 0  . . .

1 1 0 0 0 0 0 0  . . .

0 0 1 0 0 0 0 0  . . .

1 0 1 0 0 0 0 0  . . .

· · · · · · · · · · · · · · · ·

σ

σ

σ

σ

σ

   

            

Adotaremos a seguinte notacao:

0 = 0 0 0 0 0 0 0 0   . . .

1 = 1 0 0 0 0 0 0 0   . . .2 = 0 1 0 0 0 0 0 0   . . .

3 = 1 1 0 0 0 0 0 0   . . .

4 = 0 0 1 0 0 0 0 0   . . .

5 = 1 0 1 0 0 0 0 0   . . .

· · · · · · · · · · · · · · · · · · · ·

Teremos,

N =

{0,  1,  2,  3,  4, . . .

 }Esse e o hardware que comparece em

N = ( N, ρ )

Conjunto(hardware)

Software(instruc~oes)

sobre o qual construiremos a estrutura numeros naturais azuis.

125

Page 127: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 127/515

Definicao dos Numeros Naturais Azuis

Considere o conjunto,   (p. 92)

N = { 0,  1,  2,  3,  4, . . . }

Definicao 26   (Adicao).   Seja  n ∈ N um natural dado. Entao

( i )   m + 0 =  m;

( ii )   m + σ(n) = σ(m + n).

Definicao 27  (Multiplicacao).   A multiplicacao em  N   e definida por:n · 0 = 0; ∀ n ∈ N

n · (m + 1) = n · m + n,  sempre que n · m esta definido.

Definicao 28   (Numeros Naturais Azuis).  Denominamos de sistema (“con- junto”) dos numeros naturais azuis a terna,

N = (N,  +, ·)Observe esta construcao no esquema a seguir,

N N × NN

N

+

·   N = (N,  +, ·)

- Conjunto

(aqui temos meros   elementos)   - Estrutura(aqui temos os   numeros naturais azuis)

Para a prova de que estas operacoes satisfazem as especificacoes listadasem ρ, na figura a seguir   (ρ, p. 92)

N = ( N, ρ )

Conjunto(hardware)

Software(instruc~oes)

basta “clonar” as respectivas provas na construcao de Peano.

126

Page 128: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 128/515

Uma exegese comparativa do nosso sistema e o de Peano

Vamos retomar os conceitos primitivos e os axiomas de Peano:Conceitos primitivos de Peano:   (p. 82)

numero natural,   zero,   sucessor

Os cinco axiomas de Peano sao:

(1) Zero e um numero natural;

(2) Zero nao e sucessor de nenhum numero natural;

(3) O sucessor de um numero natural e um numero natural;

(4) Dois numeros diferentes nunca tem o mesmo sucessor;

(5) Se zero possuir uma propriedade P, e se do fato de um numero natu-ral  n  qualquer possuir P, acarretar que o sucessor de  n  tambem possui estapropriedade, entao todo numero natural possui a propriedade P.

Dos tres conceitos primitivos de Peano, nao necessitamos de nenhum,pois temos condicoes de definir todos eles, veja na figura a seguir comodefinimos os dois primeiros,

N N × N

N

N

+

·   N = (N,  +, ·)

N = { 0,  1,  2,  3, . . . }(meros elementos)

(Aqui   0   assume sua identidade:

e o elemento neutro da adic~ao)(Aqui   0   ainda n~ao e zero)

N = ({ 0,  1,  2,  3, . . . },  +, ·)

Quanto ao sucessor,   σ, definimos na subsecao 4.1.2, p. 121. Ademais, do

exposto ate aqui concluimos que em nosso sistema reduzimos drasticamenteo numero dos axiomas de Peano:   so precisamos de um, o axioma da Inducao.

127

Page 129: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 129/515

Sobre a operacao de adicao nos naturais azuis

A bem da verdade, a adicao e a mesma que no sistema de Peano −deslocamento de posicoes −, apenas por questoes didaticas veremos algunsexemplos no novo contexto.

3+1 :   • • • • • • • •   · · ·· · ·0 1 2 3 4 5 6 7

σ

3+2 :   • • • • • • • •   · · ·· · ·0 1 2 3 4 5 6 7

σ σ

3+3 :   • • • • • • • •   · · ·· · ·0 1 2 3 4 5 6 7

σ σ σ

Ou ainda, de uma outra perspectiva,

3+1

0 = 0 0 0 0 0 0   . . .

1 = 1 0 0 0 0 0   . . .

2 = 0 1 0 0 0 0   . . .

3 = 1 1 0 0 0 0   . . .

4 = 0 0 1 0 0 0   . . .

5 = 1 0 1 0 0 0   . . .

6 = 1 0 1 0 0 0   . . .

7 = 1 0 1 0 0 0   . . .

· · · · · · · · · · · · · · · ·

   σ

3+2

0 = 0 0 0 0 0 0   . . .

1 = 1 0 0 0 0 0   . . .

2 = 0 1 0 0 0 0   . . .

3 = 1 1 0 0 0 0   . . .

4 = 0 0 1 0 0 0   . . .

5 = 1 0 1 0 0 0   . . .

6 = 1 0 1 0 0 0   . . .

7 = 1 0 1 0 0 0   . . .

· · · · · · · · · · · · · · · ·

      

σ

σ

3+3

0 = 0 0 0 0 0 0   . . .

1 = 1 0 0 0 0 0   . . .

2 = 0 1 0 0 0 0   . . .

3 = 1 1 0 0 0 0   . . .

4 = 0 0 1 0 0 0   . . .

5 = 1 0 1 0 0 0   . . .

6 = 1 0 1 0 0 0   . . .

7 = 1 0 1 0 0 0   . . .

· · · · · · · · · · · · · · · ·

         

σ

σ

σ

Nota:   Por definicao, os elementos de  N   sao sequencias binarias infinitascom todos os termos iguais a 0 a partir de alguma posi cao, sendo assim,quando conveniente, representaremos estas sequencias por elementos de  Zn

(isto e, por sequencias finitas), fica subentendido que os termos que seguemsao todos iguais a 0, esta simplificacao nao trara prejuızos; pelo contrario,facilitara a exposicao didatica −  e eventuais calculos computacionais.

128

Page 130: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 130/515

Exemplos:

0 0 0 0 0 0 0 0 0  . . .   ←→   0 0 0 0 0

0 0 1 0 1 0 0 0 0  . . .   ←→   0 0 1 0 1

Um algoritmo para gerar Zn ordenado

Iniciando com a celula da dualidade  Z = { 0,  1 }  numa matriz (tabela):

0

1

O algoritmo e o seguinte:

1 ) Acrescente uma coluna de 0’s;2) faca uma reflexao da matriz;3 ) complemente a imagem.

Vamos exemplificar: partindo da matriz anterior, obtemos:

0

1  −→   0

1

0

0  −→   0

1

0

0

1

0

0

0

   

−→   0

1

0

0

0

1

1

1

1 ) 2 ) 3 )

Esta ultima matriz nos fornece todas as combinacoes possıveis de dois

bits. Para obter todas as combinacoes possıveis de tres bits facamos maisuma iteracao.

−→0

1

0

0

0

1

1

1

−→0

1

00

0   0

0

0

0

1

1

1

−→0

1

00

0   0

0

0

0

1

1

1

1

0

01

1   0

0

0

1

0

0

0

   

0

1

00

0   0

0

0

0

1

1

1

0

1

10

0   1

1

1

0

1

1

1

1 ) 2 ) 3 )

Temos

0

1

0

0

0

1

1

1

0

1

2

3

0

1

00

0   0

0

0

0

1

1

1

0

1

10

0   1

1

1

0

1

1

1

0

1

2

34

5

6

7

129

Page 131: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 131/515

Voltando a adicao, como dissemos,   m + n   e definida como o resultado

que se obtem quando se  itera  n  vezes, a partir de m. Vejamos um exemplode como isto fica na tabela,

3 + 1

0

1

00

0   0

0

0

0

1

1

1

0

1

10

0   1

1

1

0

1

1

1

0

1

2

34

5

6

7

σ

3 + 2

0

1

00

0   0

0

0

0

1

1

1

0

1

10

0   1

1

1

0

1

1

1

0

1

2

34

5

6

7

σ

σ

3 + 3

0

1

00

0   0

0

0

0

1

1

1

0

1

10

0   1

1

1

0

1

1

1

0

1

2

34

5

6

7

σ

σ

σ

No apendice   (p. 141)  damos uma formula para gerar estas tabelas.

A seguir mostramos, em um caso particular, uma outra alternativa paraa construcao destas tabelas; iniciando com a tabela da esquerda,

=⇒

20 21 22 23 20 21 22 23

0 0 0 0   0 = 0·20 + 0·21 + 0·22 + 0·23

1 0 0 0   1 = 1·20 + 0·21 + 0·22 + 0·23

0 1 0 0   2 = 0·20 + 1·21 + 0·22 + 0·23

1 1 0 0   3 = 1·20 + 1·21 + 0·22 + 0·23

0 0 1 0   4 = 0·20

+ 0·21

+ 1·22

+ 0·23

1 0 1 0   5 = 1·20 + 0·21 + 1·22 + 0·23

0 1 1 0   6 = 0·20 + 1·21 + 1·22 + 0·23

1 1 1 0   7 = 1·20 + 1·21 + 1·22 + 0·23

0 0 0 1   8 = 0·20 + 0·21 + 0·22 + 1·23

1 0 0 1   9 = 1·20 + 0·21 + 0·22 + 1·23

0 1 0 1   10 = 0·20 + 1·21 + 0·22 + 1·23

1 1 0 1   11 = 1·20 + 1·21 + 0·22 + 1·23

0 0 1 1   12 = 0·20 + 0·21 + 1·22 + 1·23

1 0 1 1   13 = 1·20 + 0·21 + 1·22 + 1·23

0 1 1 1   14 = 0·20 + 1·21 + 1·22 + 1·23

1 1 1 1   15 = 1·20 + 1·21 + 1·22 + 1·23

a primeira linha e preenchida com 0. A frequencia de mudancas em cadacoluna esta de acordo com a respectiva potencia de 2.

130

Page 132: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 132/515

Um pouco mais sobre os naturais azuis

Alguem poderia indagar: os computadores nao trabalham − na sua partearitmetica (CPU) − com numeros binarios?

•   Diagrama de blocos de uma calculadora

Teclado

Entrada

Display

Saida

+   0   −1   2 3

4   5 6

7   8 9

Codificador

ր001100010010101100110010

CPU

ր00110011

Decodificador

Respondemos que nao. Os computadores trabalham com representacoesbinarias  dos numeros.

E qual a diferenca entre numeros binarios e representacoes binarias?

Pra comecar as representacoes binarias nao sao numeros, como o proprionome diz, sao meras representacoes (binarias) de numeros.

Esta representacao advem de uma bijecao entre dois conjuntos, ver [9].

Por exemplo, na ultima tabela da pagina anterior, 0 1 1 0 e a repre-

sentacao no sistema de base 2 do inteiro 6.Retomando, nao sao numeros p orque ninguem ainda construiu em cima

do conjunto das representacoes uma estrutura numerica, como fizemos comos numeros binarios, digo:

N N × NN

N

+

·   N = (N,  +, ·)

- Conjunto

(aqui temos meros   elementos)

- Estrutura

(aqui temos os   numeros naturais)

Observamos ainda que os computadores adicionam duas representacoesbinarias “bit a bit”, enquanto nos naturais azuis a soma, como vimos, serealiza mediante deslocamento de posicoes − temos uma funcao σ   que geraestas “posicoes”; e ainda temos um algoritmo e uma formula.

131

Page 133: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 133/515

As representacoes binarias tornar-se-iam numeros naturais se alguem

definisse, no conjunto das representacoes, uma adicao e uma multiplicacaoe mostrasse que todas as “especificacoes” dos naturais estariam satisfeitas.

(ρ, p. 92)

Nos mesmos ja haviamos tentado fazer isto antes e nao obtivemos exito;entramos − em nossa primeira tentativa − em um “beco escuro e sem saıda”,abandonamos o projeto por um tempo e, apos retornarmos, atinamos como caminho agora apresentado.

Ademais, observe que os naturais azuis nao devem nada, do ponto devista da logica, aos naturais canonicos. Do ponto de vista das aplicacoes,vao alem. Vamos resumir esta afirmativa na figura seguinte:

0 = 0 0 0 0 0 0 0 0   . . .

1 = 1 0 0 0 0 0 0 0   . . .

2 = 0 1 0 0 0 0 0 0   . . .

3 = 1 1 0 0 0 0 0 0   . . .

4 = 0 0 1 0 0 0 0 0   . . .

5 = 1 0 1 0 0 0 0 0   . . .

· · · · · · · · · · · · · · · · · · · ·

      

                                            - Com esta   notac˜ ao

os naturais azuis e

canonicos se equi-

valem.

- Com esta   notac˜ ao

os naturais azuis

v~ao alem.

Ondas binarias

Toda a vida e uma vibrac˜ ao. [. . . ] Essa energia vibra constante-mente. Move-se em ondas. As ondas vibram em velocidades diferentes,produzindo graus diferentes de densidade ou luz. Por sua vez, isso pro-duz o que voce chamaria de “efeitos” diferentes no mundo fısico −  na verdade, objetos fısicos diferentes. No entanto, embora os objetos sejam diferentes e distintos, a energia que os produz e a mesma.

(C.C.D., vol. III, p. 108)

Os numeros binarios podem se converter em ondas bin´ arias , por exemplo:

. . .0 0 1 0 0 1 0 0 0 1 0 0 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 0 1 1

132

Page 134: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 134/515

Operacoes Mux e Dmux

Duas operacoes que podem ser realizadas com os naturais azuis − e naocom os canonicos −   sao conhecidas como  multiplexac˜ ao  e  demultiplexac˜ ao,largamente aplicadas na informatica∗.

A multiplexagem de duas ou mais sequencias consiste no “entrelacamentode seus bits”, vejamos um exemplo,

0 1 0 1 0 0 0 0  . . .

0 0 1 1 0 0 0 0  . . .

0 0 1 0 0 1 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0  . . .≻ ց

ր 

Ou ainda, seguindo as setas montamos a sequencia resultante:

0 1 0 1 0 0 0 0  . . .

0 0 1 1 0 0 0 0 . . .

⇒   0 0 1 0 0 1 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0  . . .

Apenas a tıtulo de informacao,na eletronica digital existe um circuitoeletronico (Chip) que realiza a multi-plexacao de duas sequencias binarias.

A operacao de demultiplexagem  Dmux  faz o inverso, separa a sequenciaem duas (subsequencias), assim:

0 0 1 0 0 1 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0  . . .ր ր ր ր ր ր ր ր

0 1 0 1 0 0 0 0  . . .

ց ց ց ց ց ց ց ց0 0 1 1 0 0 0 0  . . .

Apenas a tıtulo de informacao,na eletronica digital existe um circuitoeletronico (Chip) que realiza as duasoperacoes: multiplexacao e demulti-plexacao de sequencias binarias.

∗Oportumamente teremos necessidade destas duas operacoes.

133

Page 135: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 135/515

Curva de Peano e o cubo hipermagico

O ob jetivo deste ıtem e apenas assinalar ao leitor que as duas operacoesvistas anteriormente tem aplicacoes nao apenas na informatica como, ade-mais, na propria matematica.

Peano (1858-1932) em 1890 mostrou ate que ponto a matematica podiainsultar o senso comum quando, tratando do aprofundamento dos conceitosde continuidade  e  dimens˜ ao, publica a sua famosa curva cobrindo totalmentea superfıcie de um quadrado∗. A bem da verdade, a construcao de Peano valealem do quadrado, vale em um hipercubo; neste livro nao cabe entrarmos

em detalhes a respeito da construcao de Peano, no entanto observe comotransferimos um ponto do intervalo unitario para o cubo:

0

14356

    

↑   1 1 0 0 0 1 0 0 1...

( 1 0 0 0..., 1 0 0 0..., 0 1 1 1... )

B

Ψ  

    

    

{ 0, 1 }∞

{ 0, 1 }∞

{ 0, 1 }∞

  

η1

η2

η3

η0   1

1

1

ξ 

A aplicacao Ψ toma a representacao binaria de um ponto do inter-valo unitario; a aplicacao   η   faz a   demultiplexagem   desta representacaoseparando-a em tres subsequencias:

x1  x2  x3  x4  x5   . . .

x1  x4  x7  x10   . . .

x2  x5  x8  x11   . . .

x3  x6  x9  x12   . . .

No caso da figura, assim:

1 1 0 0 0 1 0 0 1  . . .

1 0 0 0   . . .

1 0 0 0   . . .0 1 1 1   . . .

a aplicacao   ξ   converte cada uma destas subsequencias em um ponto dointervalo (aresta do cubo)†.

∗A descoberta desta curva chocou os matematicos do seculo XIX, conduzindo a umacrise acerca do conceito de curva. Hoje, a curva de Peano possui aplicacoes na informatica,por exemplo em compactacao de dados.

†Esta e uma versao (construcao) inedita da curva de Peano e consta no meu livro [19].

134

Page 136: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 136/515

No ano 2006 −  apos 126 anos da construcao de Peano −  construi uma

especie de “volta” da Curva de Peano, observe como transferimos um pontodo cubo para o intervalo:

0   1

1

1

    

      

B

B B

B

  

η1

η2

η3

h  g

  

0

1 p  

•  Cubo hipermagico

A funcao  h  toma a representacao binaria de cada uma das coordenadasde um ponto do cubo; a funcao   g   faz uma   multiplexagem   destas tresrepresentacoes obtendo apenas uma sequencia binaria; a funcao  f   converteesta sequencia em um ponto do intervalo unitario (que pode ser visto comouma aresta do cubo).

Intuitivamente, esta construcao transfere  todos  os pontos de um cubopara uma de suas arestas, sem guardar dois pontos do cubo em uma mesmaposicao da aresta (a aplicacao e injetiva) e ainda sobra espaco na aresta −lugares aonde nao chegam pontos do cubo −, a aplicacao nao e sobrejetora.Estas construcoes encontram-se no livro [19].

Operacoes logicas

Outras operacoes que podem ser realizadas com os numeros azuis e naocom os numeros canonicos sao as operacoes logicas booleanas: OR, AND,XOR, NOT, etc.; dadas (definidas) pelas seguintes tabelas-verdade:

 p q   p OR q

1 1 1

1 0 1

0 1 1

0 0 0

 p q   p AND q

1 1 1

1 0 0

0 1 0

0 0 0

 p q   p XOR q

1 1 0

1 0 1

0 1 1

0 0 0

 p   ¯ p

1 0

0 1

135

Page 137: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 137/515

Objecao a uma afirmacao (“mito”) que consta na literatura

Ja enfatizamos que um numero e uma entidade abstrata que, entretanto,pode descer em nosso plano assumindo diversos “corpos” (formas).

Existem autores∗   que defendem a tese de que “e irrelevante a forma(sımbolo) que um numero assume”. Nas palavras do autor (Elon):

“[. . . ] a natureza intrınseca dos objetos matem´ aticos e uma materia ir-relevante, sendo importante as relac˜ oes entre esses objetos.”

Vamos argumentar no sentido de defender nossa tese na direcao contraria,qual seja: a relevancia da natureza dos elementos de um “conjunto numerico”.

Com efeito, como se nao bastasse a maior flexibilidade (elasticidade)em termos de operacoes adicionais para os numeros azuis, vamos explicitar

mais alguns argumentos. Afirmamos que em alguns casos − isto e, em algunsproblemas −  a natureza dos elementos e decisiva.

De fato, consideremos o simples problema aritmetico:

123 + 99

123 + 99

Temos aqui um mesmo problema proposto em dois sistemas distintos: odecimal e o binario (naturais azuis). Para nos, humanos, e mais facil efetuara primeira adicao (isto e, em N), ja para o computador (ou uma calculadora)torna-se impossıvel a adicao neste sistema, em  N   torna-se facil:

123 = 1 1 0 1 1 1 1 0 0 0   . . .99 = 1 1 0 0 0 1 1 0 0 0   . . .

Isto mostra que o modelo que escolhemos para encarnar um determinadosistema numerico, e nao apenas relevante como decisivo na resolucao dedeterminados problemas.

Como um outro exemplo, a curva de Peano apresentada anteriormentepode ser enunciada como um teorema matematico.

Teorema 15   (Curva de Peano).  Existe uma sobrejec˜ ao contınua,

ϕ : [ 0,  1 ] −→   [ 0,  1 ]3

A demonstracao deste resultado torna-se bem mais simples se os elemen-tos de [0,  1 ] forem substituidos por sequencias binarias.   (ver [19])

A bem da verdade, nao tenho conhecimento se e possıvel demonstrareste teorema sem a referida substituicao − creio que nao.

Portanto, nao achamos irrelevante o modelo numerico que venhamos aadotar na resolucao de determinado problema matematico ou, ate mesmo,eventuais demonstracoes de teoremas, como e o caso da curva de Peano.

∗Por exemplo: Lima, Elon Lages.   Curso de An´ alise , Volume 1. Projeto Euclides. Riode Janeiro: IMPA - CNPq, 1976.

136

Page 138: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 138/515

4.2 Os Naturais Vermelhos

Introducao:   Para a construcao dos numeros naturais vermelhos escolhe-remos para ponto de partida o seguinte ideograma chines

...

Nesta construcao, os numeros naturais encarnar-se-ao, digo, tomaraocorpo nos milenares sımbolos chineses,

N =

{0,  1,  2,  3,  4, . . .

}N = { 0 0 1 0 ,  0 0 0 0 ,   0 1 0 0 ,   1 0 0 0 ,   1 1 0 0 , . . . }

  N =   , , , , , . . .

(Software dos Naturais)

Estamos na terceira das alternativas na figura acima.

Na pagina 10 ja nos referimos ao classico chines “I Ching - O Livro das Mutac˜ oes ”, ainda acrescentaremos mais alguns adendos.

A ideia de padr˜ oes cıclicos no movimento do  Tao  recebeu uma estru-tura precisa com a introduc˜ ao dos opostos polares yin e yang. S˜ ao eles os dois p´ olos que estabelecem os limites para os ciclos de mudanca:

O yang, tendo alcancado o seu apogeu, retrocede em favor do yin;o yin, tendo alcancado o seu apogeu, retrocede em favor do yang.

Na concepc˜ ao chinesa, todas as manifestac˜ oes do Tao s˜ ao geradas pela interrelac˜ ao dinˆ amica dessas duas forcas polares.

(Fritjof Capra/O Tao da Fısica , p. 86)

O seguinte diagrama nos auxilia a compreender essas afirmativas:

1   yang

0   yin

O movimento de rotacao (do sımbolo) a esquerda quando projetado emuma linha vertical nos mostra como o yin e o yang sao intercambiaveis(permutaveis). Podemos considerar que um e a imagem especular do outro.

137

Page 139: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 139/515

Observe outrossim, que a velocidade de permuta entre ambos depende

da velocidade angular (de rotacao) do sımbolo.Lembramos que no universo abstruso da fısica quantica a imagem de

um objeto por um espelho nao necessariamente e identica ao objeto. Estefenomeno e conhecido como   quebra da simetria especular .

4.2.1 Isomorfismo entre estruturas

No capıtulo 1, p. 18, dissemos que as pecas do xadrez podem ser substi-tuidas por cereais e ainda assim o jogo se processa.

Em matematica e frequente duas estruturas (“jogos”) terem a  mesmaforma  no entanto diferirem apenas na natureza de seus elementos. Isto e o

que se chama de   Isomorfismo   entre estruturas. Quando isto ocorre estasestrutura sao consideradas semelhantes − ou ate mesmo iguais.Pois bem, atraves da seguinte mudanca de notacao,

0   ←→e

1   ←→as duas estruturas (N   e   N) se tornam isomorfas.

Os naturais vermelhos sao construidos sobre o seguinte “hardware”,  N =

...

               0

...

               1

...

               2

...

               3

...

               4

, , , , , . . .

Estruturalmente, temos

N N × N

N

N

+

·   N = (N,  +, ·)

- Conjunto

(aqui temos meros   ideogramas)   - Estrutura(aqui temos os   numeros naturais vermelhos)

138

Page 140: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 140/515

Onde a adicao e a multiplicacao de ideogramas e dada nas definicoes 26

e 27   (p. 126), basta trocar a cor azul pela vermelha e considerar   σ   comodada na p. 121.

Observem uma  bijecao entre os hexagramas e sequencias binarias:

(no caso   Z6)

000000

100000

010000

110000

001000

101000

011000

111000

000100

100100

010100

110100

001100

101100

011100

111100

000010

100010

010010

110010

001010

101010

011010

111010

000110

100110

010110

110110

001110

101110

011110

111110

000001

100001

010001

110001

001001

101001

011001

111001

000101

100101

010101

110101

001101

101101

011101

111101

000011

100011

010011

110011

001011

101011

011011

111011

000111

100111

010111

110111

001111

101111

011111

111111

Ate ao termino deste livro teremos feito a seguinte construcao,

→   N   →   Z   →   Q   →   R   →   C

...

o que significa que conferimos aos ideogramas chineses o status de numerose, por conseguinte, e legıtimo afirmamos que eles estao na base (fundamento)de toda a matematica.

Eles serao uteis didaticamente na matematica para elaborarmos con-traexemplos, como ja fizemos no capıtulo anterior e o faremos nos seguintes.Ademais, sao uteis “filosoficamente falando” para compreendermos a na-

139

Page 141: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 141/515

tureza dos numeros, o que tem sido ate hoje uma pedra de tropeco a

matematicos e filosofos.

N˜ ao constituir´ a ent˜ ao uma vergonha para a Ciencia estar t˜ ao poucoelucidada acerca do seu objeto mais pr´ oximo, o qual deveria, aparente-mente, ser t˜ ao simples? Menos prov´ avel ainda e que se seja capaz de dizer o que o n´ umero e. Se um conceito que est´ a na base de uma grande ciencia oferece dificuldades, investig´ a-lo com mais precis˜ ao com vista a ultrapassar essas dificuldades e bem uma tarefa inescap´ avel.

(Frege/Os Fundamentos da Aritmetica )

Matem´ atica: Esta “ciencia vazia” que  −   espantosamente  −   se 

aplica a todas as contingencias fenomenol´ ogicas, apesar de ser um puro formalismo reflexivo.

O universo e um computador quantico

Do que o universo e feito? Materia? Materia escura? Energia? Vi-bracoes? De acordo com um fısico chamado Vlatko Vedral, nosso universoe feito de informacao.

Segundo o f ısico, se quebrarmos o universo em pedacos cada vez menoreso que sobraria no final sao bits.

Numa escala minuscula, o universo seria controlado pelas malucas leis

da fısica quantica.   (Fonte: New Scientist)

O eminente filosofo Leibniz esta de acordo com o fısico, veja:

[. . .]  Sim, de fato ele [Leibniz] percebeu no bit   0   e no bit   1   o poder combinat´ orio para criar o universo inteiro, que e exatamente o que acon-tece nos modernos computadores digitais eletrˆ onicos e no restante de nossa tecnologia de informac˜ ao digital:   CDS ,   DVDS , cˆ ameras digitais,PCS . . . Tudo isso e   0’s e  1’s, e esta e a nossa imagem do mundo! Voce combina apenas   0’s e  1’s e voce consegue tudo.   [. . .]

A despeito da crıtica de Laplace, a vis˜ ao de Leibniz, pela qual o mundoe criado a partir dos   0’s e   1’s, recusa-se a sair de cena. De fato, ela comecou a inspirar alguns fısicos contemporˆ aneos, que provavelmente nunca ouviram falar de Leibniz.   (Gregory Chaitin/Metamat!/p.’s 99-101)

140

Page 142: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 142/515

Apendice: Matriz de combinacoes

Calculo de Combinacoes

Este apendice foi retirado do meu livro [21] e de alguns artigos meus.A conhecida formula da analise combinatoria

nr

 =   n !

(n−r)! r! nos fornece

o numero de combinacoes dos  n  elementos de um conjunto, tomados  r  a  r.Mas esta formula nao nos fornece as tais combinacoes. O nosso ob jetivo eprovar uma formula que tem precisamente esta finalidade.

Vejamos como as tabelas dadas anteriormente prestam-se ao calculo decombinacoes.

A tıtulo de ilustracao, suponhamos o seguinte conjunto A = { a0 , a1 , a2 }.Podemos utilizar a tabela a seguir para o calculo de todos os subconjuntos

0

1

00

0   0

0

0

0

1

1

1

0

1

10

0   1

1

1

0

1

1

1

0

1

00

0   0

0

0

0

1

1

1

0

1

10

0   1

1

1

0

1

1

1

{ a0 , a1 , a2 }{ }{ a0 }{ a1 }{ a0 , a1 }{ a2 }{ a0 , a2 }{ a1 , a2 }{ a0 , a1 , a2 }

onde convencionamos que quando ocorre 1 na sequencia o respectivo ele-mento (na coluna) participa da combinacao, onde ocorre 0 nao participa.

Esta matriz nos fornece todas as possıveis combinacoes de elementos doconjunto A.

Uma formula geratriz   (ver [21])

A formula seguinte,

aij

  =

0,   se

  i

2j

  e par;

1,   se

  i

2j

  e ımpar.

(4.4)

gera a matriz de combinacoes. Onde (

⌊x

⌋= parte inteira de x)

Para provar que isto e verdade iniciamos com o seguinte lema.

Lema 2   (Propriedade do DNA).   Seja   n ≥   2 um natural arbitrariamentefixado e  j  = 0, . . . , n − 2. Sob estas condicoes, temos

aij

  = a(i+2n−1)j

(4.5)

Prova: Tendo em conta (4.4) e suficiente provar que os inteiros a seguir tema mesma paridade   (i.e., ambos sao pares ou ımpares)   i

2j

  e

  (i + 2n−1)

2j

  (4.6)

141

Page 143: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 143/515

Com efeito, temos   i + 2n−

1

2j

 =   i2j   + 2

n−

1

2j

Sendo   2n−1

2j   = 2n−1− j , temos, por hipotese

0 ≤   j ≤   n − 2   ⇒   1 ≤   n − 1 − j ≤   n − 1

Sendo assim, 2n−1− j e sempre um inteiro, o que nos permite escrever   i + 2n−1

2j

 =   i

2j  +

 2n−1

2j

 =   i

2j

+ 2n−1− j

Daqui concluimos que 2n−1− j divide a diferenca   i+2n−1

2j  −   i

2j , logo

  i + 2n−1

2j

≡   i

2j

  mod. 2n−1− j

 Entao   i + 2n−1

2j

≡   i

2j

  mod. 2

O que significa que os dois numeros em (4.6) tem a mesma paridade.Portanto, a identidade (4.5) esta provada.  

Interpretac˜ ao:   Neste lema  n   e o numero de bits (colunas na tabela de com-binacoes). Vamos concretizar a propriedade anterior: Observe

i: 0 1   . . .   2n−1−1

i+2n−1: 2n−1 2n−1+1   . . .   2n−1

o que significa que a identidade  aij

  = a(i+2n−1 )j

nos assegura que havera uma

copia da metade superior para a metade inferior da matriz binaria (isto soate a coluna  n − 2, bem entendido).

Exemplo:  Nas matrizes a seguir temos n  = 2 e   n = 3, respectivamente

0

1

0

0

0

1

1

1

0

1

00

0   00

0

0

1

1

1

0

1

10

0   1

1

1

0

1

1

1

A contagem das linhas e colunas da matriz inicia-se em zero.

Na verdade a identidade em questao nos conta mais que esta inter-pretacao; mas, para o proposito que temos em mente, isto ja e suficiente.

142

Page 144: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 144/515

Sendo  p (= n − 1) a ultima coluna das tabelas, deixamos como exercıcio

a prova de que   (Confira nas tabelas anteriores)

aip

 =

0,   se   i = 0,  1, . . . ,  2 p −  1;

1,   se   i = 2 p, . . . ,  2 p+1 −  1.

Agora vamos envidar esforcos para demonstrar que a matriz digital , efe-tivamente se presta ao calculo de combinacoes.   ((4.4) p. 141)

Para a consecucao do nosso intento iremos precisar de alguns resultados:

Lema 3.   Seja   A   =

 {a0 , a1 , . . . , a

n−1

}  um conjunto com   n   elementos, e

seja  A′  =  A ∪ { an }. Entao o numero de subconjuntos de  A′   e o dobro donumero de subconjuntos de  A; e mais: seus subconjuntos sao precisamenteos mesmos de  A  juntamente com cada um destes unido com { an }.

Prova: Temos pela transitividade da inclusao que todo subconjuto   B   deA  o e de   A′   (isto e,   B ⊂  A, A ⊂  A′ ⇒  B ⊂  A′). Ainda: dado  B ⊂  A ⇒B ∪ { a

n} ⊂   A′. Agora vamos mostrar que todo subconjunto de   A′   e da

forma acima, isto e:“Dado  D ⊂ A′  entao  D ⊂ A ou  D  =  B ∪ { a

n}  para algum  B ⊂ A”.

De fato, se   D   = ∅   e obvio. Suponha que ∅ =   D ⊂   A′   e   D ⊂   A   eD =   B ∪ { an

}, ∀B ⊂   A. Entao existe   x ∈   D   tal que   x ∈   A′   e   x ∈   A;

logo so pode ser   x   =   an. Sendo   D =   B ∪ { an }   ( ∀B ⊂   A ), temos duaspossibilidades:

(i)   existe  y ∈ D  tal que  y ∈ B ∪ { an}, ∀B ⊂ A. Absurdo, tome  B  =  A.

(ii) ∀B ⊂ A existe  z ∈ B ∪ { an}  tal que  z ∈ D. Absurdo, tome  B = ∅.

Usando demonstracao por inducao sobre n, decorre trivialmente do lemaanterior o seguinte:

Corolario 1.   Dado um conjunto com  n   elementos, o numero de seus sub-

conjuntos e 2n.

Prova:   n = 1:   A = { a0 } ⇒ P (A) = { ∅, { a0 } }.

Admitamos a validade da proposicao para  n  =  p. Isto e, se

A = { a0 , a1 , . . . , ap−1 } ⇒   #P (A) = 2 p.

Mostremos que a proposicao ainda e verdadeira para  n  =  p + 1. Isto e, seA = { a0 , a1 , . . . , a

p−1 , ap}   entao #P (A) = 2 p+1. Mas isto e imediato pelo

lema anterior.  

143

Page 145: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 145/515

Teorema 16.   Dado um conjunto  A  = {a0 , a1 , . . . , an−1}   com   n   elemen-

tos, a matriz abaixo

aij

  =

0,   se

  i

2j

  e par;

1,   se

  i

2j

  e ımpar.

(4.7)

nos fornece todos os seus subconjuntos, para   i   = 0,  1, . . . ,  2n − 1 e   j   =0,  1, . . . , n − 1; de acordo com a convencao feita anteriormente.

Prova: Inducao sobre o numero  n  de elementos de  A.

(i)   n = 1 ( A  ={

a0

})

  ⇒  j = 0 e   i = 0,  1.  Na matriz temos

a00  = 0 e   a10  = 1

De acordo com a convencao feita, temos

0

1

{a0}{ }{ a0 }

⇒ P (A) = ∅, { a0 }

(ii)  Suponhamos a validade da formula para n  =  p   elementos.

Por hipotese a matriz ( aij

  ) nos fornece os 2 p subconjuntos de   A   =

{ a0 , a1 , . . . , ap−1 }.(ii)  Mostremos que a formula e valida para n =  p+1 elementos. Isto e, que aformula nos fornece todos os 2 p+1 subconjuntos de A′  = {a0 , a1 , . . . , a

p−1 , ap}.

De fato, tendo em conta os dois lemas anteriores, e suficiente mostrar

aip

 =

0,   se   i = 0,  1, . . . ,  2 p −   1;

1,   se   i = 2 p, . . . ,  2 p+1 −  1.

Com efeito, temos

i = 0,  1, . . . ,  2 p

− 1

 ⇒  0

 ≤  i

 ≤  2 p

− 1

 ⇒  0

 ≤  i <   2 p

⇒   0 ≤   i

2p   <   1 ⇒   i

2p

 = 0 ⇒   a

ip = 0.

Por outro lado

i = 2 p, . . . ,  2 p+1 −   1 ⇒   2 p ≤   i ≤   2 p+1 −   1 ⇒   2 p ≤   i <   2 p+1

⇒   1 ≤   i

2p   <   2 ⇒   i

2p

 = 1   ⇒   a

ip = 1.

144

Page 146: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 146/515

Para melhor entendimento

da demonstracao anterior

veja a figura ao lado:

Hipotese

de

Inducao

Propriedade

do

DNA

0

0...0

1

1...1

0

1...

2p−1

2p

2p+1...

2p+1−1

a0   a1 ···ap−1   ap

Exercıcio:  Prove que as matrizes a seguir

aij

  =

0,   se

  i

2j

  e par;

1,   se

  i

2j

  e ımpar.

e

aij

  =

0,   se   i

2j

  e par;

1,   se   i

2j

  e ımpar.

sao iguais. Estamos convencionando que

m

n

 =

m!

n! (m − n)!  ,   se   m ≥ n;

0   ,   se   m < n.

Sugestao:   Mostre que para   i   e   j   inteiros positivos arbitrariamentefixados os numeros

  i

2j

  e   i

2j

  tem a mesma paridade.

145

Page 147: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 147/515

O Desafio do Seculo

Um desafio dirigido − preferencialmente − aos estudantes de ciencia dacomputacao, mas nao apenas a estes. Nao fazemos discriminacao.

Nos livros de Calculo I constam algumas formulas (deduzidas a duraspenas) para se encontrar a soma de potencias dos   n   primeiros numerosnaturais, por exemplo:

1 + 2 + 3 + · · ·  +  n   =  n(n + 1)

2

Ou ainda

12 + 22 + 32 + · · ·   +   n2 =   n(2n + 1)(n + 1)6

Ou ainda

13 + 23 + 33 + · · ·  +   n3 =  n2 (n + 1)2

4

No entanto, nao existe uma formula para uma potencia arbitraria.O Desafio: faca um programa no qual entramos (apenas) com a potencia

m  e o mesmo  saia com a formula correspondente:

1m + 2m + 3m +

 · · ·  +  nm = ?

Nota :   m   e um inteiro positivo arbitrariamente fixado. Por exemplo, seentrarmos com  m = 2, teremos

Programa

?

m = 2n(2n+1)(n+1)

6

− Faca o programa na linguagem de sua preferencia − deixamos livre.

Nota:  Tente resolver o desafio, de preferencia sem nenhuma ajuda minha.

−  As possıveis solucoes devem ser enviadas para: [email protected]

Uma curiosidade: Se o eminente matematico Gauss vivesse nos diasatuais, e, se eu quisesse mante-lo ocupado por algum tempo, sera que eleresolveria este desafio antes de Jesus voltar?− O arquivo .pdf deste desafio encontra-se disponıvel em:

www.profgentil.com.br

Prof. Gentil, o taumaturgoBoa Vista, RR/17.05.2013

146

Page 148: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 148/515

Capıtulo 5

NUMEROS INTEIROS

Brouwer ∗  tem como norma que toda definic˜ ao seja construtiva, istoe, indique a maneira de obter os objetos definidos.

[. . . ] Deste modo o intuicionismo afirma-se como uma forma de construtivismo de objetos matem´ aticos, onde a existencia destes somente e possıvel se for indicado um raciocınio mental que efetivamente nos permita aceder a eles. Portanto, o intuicionismo e tambem uma forma de anti-realismo.   (Publicacao eletronica)

Introducao:

O objetivo desta introducao e enfatizar algumas justificativas para a ne-cessidade da construcao dos numeros inteiros. Vale para os demais numeros.

1a ) A primeira delas e a reivindicacao justa e legıtima da escola intuicionista:

“A existencia dos objetos matematicos somente e possıvel sefor indicado um raciocınio mental que efetivamente nos permitaaceder a eles.”

E importante salientar que a reivindicacao justa e legıtima de Brouweresta em perfeita consonancia com a afirmacao do fısico, filosofo e mongebudista, veja:

H´ a uma verdade que e invari´ avel atraves de todos os sistemas de re-

 ferencia cognitivos:  tudo o que apreendemos, seja perceptiva ou conceitual-mente, e desprovido de natureza inerente pr´ opria, ou identidade, indepen-dentemente dos meios pelos quais seja conhecido.   (Wallace)

Em particular, os pernilongos   (p. 40)  e os numeros sao desprovidos denatureza inerente propria; ou ainda, nao existem independentemente de umaestrutura cognitiva de referencia  (ECR).

∗L.E.J. Brouwer (1881-1966), matematico holandes, um dos expoentes da escola depensamento intuicionista −  uma derivacao dos  construtivistas , que defendem que os obje-tos matematicos devem ser construıdos, e nao meramente assumidos como existentes. Emcontraposicao aos  realistas .

147

Page 149: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 149/515

2a ) O que e um numero negativo? Consta na historia da matematica que

foram necessarios mais de mil anos para que os numeros negativos adquiris-sem efetiva cidadania matematica; isto e, consenso entre os matematicos.

[. . . ] ao passo que, no Continente, os matem´ aticos estavam desen-volvendo a representac˜ ao gr´ afica dos n´ umeros complexos, na inglaterra havia protestos de que mesmo os n´ umeros negativos n˜ ao tinham validade.

(Boyer, p. 420)

Isto tudo dentro do ja avancado Seculo XIX, observo.

Foi precisamente a possibilidade de dar diversas interpretac˜ oes aos n´ umeros negativos que fez com que eles fossem aceitos aos poucos na co-

letividade matem´ atica. Porem, desde seu aparecimento, esses n´ umeros suscitaram d´ uvidas quanto a sua legitimidade. Em   1543   Stieffel ainda os chamava de n´ umeros absurdos, e Cardano, contemporˆ aneo de Stieffel,denominava-os soluc˜ oes falsas de uma equac˜ ao.   ([1])

Descartes (1596 -1650) chamava de   falsas   as raızes negativas de umaequacao; Viete (1540 -1603) era mais radical: simplesmente rejeitava os nega-tivos.

Isto tudo se harmoniza com o pleito dos intuicionistas: Um objetomatematico so existe −   ou ainda, so adquire legitimidade matematica −na medida em que e construido dentro de um contexto matematico (ECR).

3a ) Processar sımbolos nao e o mesmo que processar significado.

Sinceramente, creio que nenhum engenheiro, ou fısico, e capaz de   re-solver a seguinte equacao do primeiro grau:

2 x + 3 = 1 (5.1)

tomando-se como conjunto universo os inteiros, isto e,  U   = Z.

2 x+3=1

x=−1

A calculadora HP50g resolve a equacao 2 x + 3 = 1

em fracoes de segundos − Por sinal, equacoes muitomais complexas que esta. Um computador processa

sımbolos  mas nao  significado. O cerebro da maio-ria de indivıduos que lida com a matematica apenasprocessa (manusea) sımbolos − tal como a  HP50g.

A equacao em questao, como se sabe, possui solucao nos inteiros. Muitos,ate por inspecao, encontrariam a solucao  x = −1. Muito bem! O problemacomeca quando tentamos substituir este resultado no membro esquerdo daequacao para confirmar se de fato obtemos 1, veja:

148

Page 150: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 150/515

2 · (−1) + 3 = ?Temos aqui duas operacoes a fazer, uma multiplicacao e uma adicao. Muitosnao teriam nenhuma dificuldade em sentenciar:

2 · (−1) = −2 e   − 2 + 3 = 1 (5.2)

Precisamente aqui e onde entra o condicionamento, automatismo, adestra-mento. Creio que nao seja um sacrilegio perguntar: por que 2 multiplicadopor −1 resulta −2? e por que −2 adicionado com 3 resulta 1?

Laplace   (1749 − 1827)   com respeito a Regra de Sinais disse: “   E difıcil conceber que um produto de  (−a)  por   (−b)   e o mesmo que  a  por  b”.   ([4])

Isto e por decreto ou pode ser provado? Alguns diriam “sao as regrasdos inteiros!”.

Quando no ensino fundamental o professor diz que “mais vezes menosda menos ” ele esta dando um comando de programacao a seus alunos. Estaprogramando os alunos, tal como um engenheiro programou a calculadoraHP50g. Os que trabalham com os inteiros neste “nıvel de compreensao” naose encontram em melhores condicoes que os matematicos do seculo XVI.

Mas de onde derivam as “regras dos inteiros ”? Se me permitem maisuma p erguntinha: o que e um numero inteiro?

Como disse o eminente Poincare,

´ E, pois, aos inıcios da Aritmetica que podemos esperar encontrar a ex-plicac˜ ao que procuramos . . .

Alguns poderiam responder:   um n´ umero inteiro e um n´ umero do con- junto:

Z = { . . . , −3, −2, −1,  0,  1,  2,  3, . . . }   (5.3)

Ora, mas os “inteiros dos chineses” sao dados assim:   (p. 216)

  Z =...

  ...  ...

  ...

, , , , . . ....

  ...  ...

, , , ,. . .

haveria algum problema? Suponhamos, ademais, que eles desconhecam asimbologia dos inteiros dos ocidentais, como voce iria convence-los de queas operacoes dadas em (5.2) de fato procedem?Vamos inverter a situacao: “na China” a mesma equacao (5.1) se escreveassim:

·   + =x

a solucao desta equacao e dada assim:   (p. 217)

149

Page 151: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 151/515

x =   ⇐⇒   ·  + =

Voce entendeu a solucao do chines? De igual modo ele nao entendeu a sua:

?2 · (−1) + 3 = 1

Tornar-se matematico inclui o desen-

volvimento da estetica matematica, uma

predilecao por analisar e compreender,

por perceber a estrutura e as relacoes es-

truturais, por ver como as coisas se ajus-

tam.

O acaso pode fazer com que uma

opiniao seja verdadeira, mas nem por isso

ela deixa de ser uma opiniao, isto e, uma

crenca e nao um saber.

Vamos adentrar um pouco mais nos meandros filosoficos da questao. Emlivros de Teoria dos Numeros, que tratam justamente dos inteiros, como porexemplo, o citado em [1], de fato se demonstra os resultados a seguir:

2 · (−1) = −2 e   − 2 + 3 = 1

Todavia, pergunto: os “chineses” seriam obrigados a aceitar a provaencontrada nestes livros?

Sinceramente creio que nao, e desejo justificar minha afirmacao:

1 ) Primeiro que se fala na existencia de um tal conjunto dos inteiros,mas nao se exibe, nao se mostra este conjunto;

2 ) N ao se define, neste hipotetico conjunto, as operacoes de adicao emultiplicacao;

3 ) Pede-se que se acredite que estas operacoes, repito, que nao foramexibidas, satisfacam um conjunto de 8 propriedades (axiomas∗).

Como se nao bastassem as tres razoes citadas para que os chineses naoaceitem a resolucao da equacao (5.1) proposta pelos ocidentais, por contade que isto lhes exigiria uma grande dose de “fe ”, lhes cito outras tres nao

menos importantes:1 ) Os chineses conseguem exibir um conjunto, no caso   Z, no qual a

equacao proposta tem solucao;

2 ) No conjunto exibido os chineses definem as operacoes de adicao emultiplicacao;

3 ) Eles conseguem provar todas as propriedades que os ocidentais pe-dem que aceitemos.

∗Estamos mencionando apenas as propriedades algebricas, que seriam as necessariaspara resolver a equacao proposta. Estas propriedades estao listadas na p. 153.

150

Page 152: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 152/515

Obviamente que contra a primeira razao citada, poderia-se argumentar:

o conjunto dos inteiros e  Z = { . . . , −3, −2, −1,  0,  1,  2,  3, . . . }.Muito bem, pergunto: conseguiriam os matematicos demonstrar que as

duas operacoes com respectivas propriedades −   que eles nos pedem praaceitar − de fato, se referem ao conjunto  Z  acima? Digo, podem ser imple-mentadas nesse conjunto?

4a ) Os Inteiros canonicos: apenas uma replica.

Concluiremos ao final da construcao dos inteiros, que os inteiros canonicos

Z = { . . . , −3, −2, −1,  0,  1,  2,  3, . . . }sao apenas uma  replica −  portanto uma “falsificacao” −   dos verdadeirosnumeros inteiros. Entendemos por verdadeiros numeros inteiros aqueles

que resultam de uma efetiva construcao, como exigem os matematicos dalinhagem intuicionista.

Imagine uma obra de arte que foi repli-cada (falsificada) por um exımio artista, e queestar a circular a seculos como se fosse a origi-nal.

Os leigos em “arte” nem ao menos sus-peitam que “compraram” uma replica como sefosse a original. Apenas os especialistas sabemdiferenciar a obra verdadeira da falsa.

[. . . ] N˜  ao devemos conden´ a-los por isso; eles atenderam uma ne-cessidade; os iniciantes n˜ ao est˜ ao preparados para o verdadeiro rigor matem´ atico; s´ o veriam nisso v˜ as e fastidiosas sutilezas, perderıamos nosso tempo se quisessemos, cedo demais, torn´ a-los mais exigentes.

(Poincare/A Ciencia e a Hip´ otese )

Por outro lado, uma obra falsificada pode ser vendida com mais faci-lidade −  sem grandes transtornos −   aqueles que nao podem ou nao estaodispostos a fazer maiores investimentos; a exemplo dos engenheiros e f ısicos.

5a ) O genio maligno de Descartes

Ate o seculo XIX as propriedades basicas dos numeros  (comutatividade,associatividade, distributividade, etc.)   eram tidas como dogmas irrefutaveis.Ou ainda, todos os numeros (sistemas numericos) deveriam obedecer estaspropriedades.

Conviccoes sao prisoes, um espırito que

queira realizar belas obras, que tambem queira

os meios necessarios, tem de ser cetico. Estar

livre de toda forma de crenca pertence a forca,

ao poder de ver sem algemas. (Nietzsche)

151

Page 153: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 153/515

Por causa do peso destes dogmas, apos lutar por nada menos que dez

anos para estender os numeros complexos (a + b i) as ternas de numerosreais (a + b i + c j) o matematico irlandes William Rowan Hamilton (1805-1865) viu-se forcado a quebrar o dogma  da comutatividade da multiplicacaopara que pudesse criar uma nova algebra, a dos   Quaternions ; tal comoLobachevsky criara uma nova geometria abandonando o postulado das para-lelas de Euclides (um outro dogma).

Quando o matematico Leopold Kronecker afirmou: “Deus criou os in-teiros; todo o resto e obra do homem. ”, esta implıcito que as propriedadesdos inteiros “foram dadas, ou impostas, por Deus”; ou, pelo ao menos, quefazem parte da essencia dos numeros inteiros.

Ora, se “Deus criou os inteiros ”, pra comecar de que Deus estamos fa-

lando? Escolha um na lista quase infinita dada na figura da pagina 49.

Descartes levou a  d´ uvida met´ odica  aos extremos ao admitir:

[. . . ] Suporei, ent  ao, que h´ a, n˜ ao um verdadeiro Deus, que e a sobera-na fonte da verdade, mas certo genio maligno, n˜ ao menos ardiloso e en-ganador do que poderoso, que empregou toda sua ind´ ustria em enganar-me. Pensarei que o ceu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons, e todas as coisas exteriores que vemos n˜ ao passam de ilus˜ oes e enganos de que ele se serve para surpreender minha credulidade. Considerar-me-ei a mim mesmo como n˜ ao tendo m˜ aos, nem olhos, nem carne, nem sangue,como n˜ ao tendo nenhum dos sentidos, mas acreditando falsamente pos-

suir todas essas coisas. Permanecerei obstinadamente apegado a esse pensamento; e, se por esse modo, n˜ ao estiver em meu poder atingir oconhecimento, de nenhuma verdade, pelo menos estar´ a em meu poder 

 fazer a suspens˜ ao de meu juızo. Eis por que cuidarei zelosamente de n˜ ao receber em minha crenca nenhuma falsidade, e prepararei t˜ ao bem meu espırito em face de todos os ardis desse grande enganador que, por mais poderoso e astucioso que seja, nunca poder´ a impor-me coisa al-guma.   (Descartes/Meditacoes)

Pergunto: e se o genio maligno de Descartes enganou a Kronecker fazendocom que ele acreditasse que, por exemplo, a multiplicacao nos inteiros fosse

comutativa?.   (Nota: Na p. 507 refutamos Descartes)

Mas, o que sao mesmo os numeros inteiros?

Eu so vejo uma saıda para todos estes impasses:   E o homem que deveestabelecer (dizer) o que sao os numeros inteiros. Ele deve estabelecer umalista de propriedades − as “especificacoes do sistema” −  e buscar um con-

 junto de sımbolos para implementar estas propriedades (ou especificacoes).Desta forma estaremos atendendo a justa e legıtima reivindicacao dos

intuicionistas de que todo objeto matematico so existe na medida em que econstruido.

152

Page 154: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 154/515

5.1 Construcao dos Inteiros

O matem´ atico, como o engenheiro ou o arquiteto, e um construtor. Se as suas estruturas s˜ ao mais duradouras que as deles, e porque utilizam comomateria prima o abstrato, em detrimento do concreto.   (Parafrase/Hardy)

Assim como um engenheiro, ou arquiteto, constroi suas estruturas, igual-mente os matematicos constroem as suas. Daremos inıcio agora a construcaode uma das estruturas mais portentosas da matematica: a dos numeros in-teiros.

Para construirmos os numeros inteiros precisamos antes saber aquilo quedesejamos construir, isto e, o que sao os numeros inteiros.

Os numeros inteiros, trata-se de um sistema que verifica a todas as pro-priedades (“especificacoes”) listadas a seguir.   E necessario que o leitor en-tenda que estas propriedades nao foram impostas − e nem ao menos sugeri-das − por Deus. Sou eu, homem, que estabeleco que assim deve ser.

Desta forma, nao corremos nenhum risco de sermos ludibriados pelogenio maligno  de Descartes, uma vez que nos mesmos determinamos o quedevem ser os numeros inteiros. Os Inteiros constituem-se na estrutura

Z = (Z,  +, ·)

A bem da verdade o que caracteriza (fixa) o sistema dos numeros inteirose o fato de que estas operacoes satisfazem um certo numero de propriedadesque sao as “especificacoes do sistema”, listadas a seguir:

A1 ) (a + b) + c =  a + (b + c)

A2 )   ∃ 0 ∈ Z :   a + 0 = 0 + a =  a

A3 )   a + b =  b + a

A4 )   ∀ a ∈ Z, ∃ − a ∈ Z :   a + (−a) = 0

M 1 ) (a · b) · c =  a · (b · c)

M 2 )   ∃ 1 ∈ Z :   a · 1 = 1 · a =  a

M 3 )   a · b =  b · a

D)   a · (b + c) = a · b + a · c

•   Ordenado

PBO) Todo subconjunto de inteiros nao vazio e limitado

inferiormente, possui um menor elemento.

Z

153

Page 155: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 155/515

A propriedade A4, posta em destaque, e a principal propriedade que

diferencia o sistema  Z  do sistema  N, veja quadro a pagina 91.Com esta propriedade, que garante a existencia de oposto aditivo, estare-

mos aptos a resolver, em  Z, equacoes do tipo:   x + a =  b, assim:

(x + a) + (−a) = b + (−a)   ⇒   x +

a + (−a)

 =  b + (−a)

⇒   x + 0 = b + (−a)   ⇒   x =  b + (−a).

PBO  significa “Princıpio da Boa Ordem”, o significado de  Ordenado estadado no quadro a seguir

Ordenado

1a )   Ordem parcial: Definicao 14, p. 76.

2a )   Ordem total: Definicao 17, p. 78.

3a )   Compatibilidade com a Adic~ao

a ≤ b ⇔   a + c ≤ b + c

4a )   Compatibilidade com a Multiplicac~ao

a ≤ b   e   c ≥ 0   ⇒   a · c ≤ b · c

Vamos juntar estas dez propriedades em um conjunto denotado por ν :

ν  = { A1, A2, A3, A4, M 1, M 2, M 3, D,  Ordenado,  PBO }Vamos ainda insistir no esclarecimento da perspectiva que adotamos

para enxergar os numeros inteiros: o “jogo dos inteiros”, representado porν , foi um consenso entre os homens, tal qual o jogo de xadrez; inclusive ogenio maligno de Descartes pode participar deste jogo, se assim o desejar,caso contrario, fica de fora, nao devemos lamentar por isto.

Estamos deixando claro que nao existe a menor chance de sermos ludi-briados pelo genio maligno de Descartes uma vez que fomos nos mesmos quedecidimos (por consenso) o que deve ser os numeros inteiros.

Evidentemente que esta perspectiva tambem se aplica aos numeros natu-rais e a quaisquer outros numeros.

Um sistema numerico visto como um sistema de processa-mento de informacoes

Alternativamente, podemos ver o sistema numerico dos inteiros comoum sistema de processamento de informacoes, composto por duas partes:

hardware   e  software , assim:

154

Page 156: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 156/515

Page 157: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 157/515

De outro modo, ao par ordenado (1,  2) desejamos atraves da operacao de

subtracao associar o numero inteiro −1, assim:

− : (1,  2) → −1

O problema e que muitos outros pares de numeros naturais produzem omesmo resultado, por exemplo

3 − 4 = −1,   isto e,   − : (3,  4) → −1

Deveremos de algum modo considerar tais pares semelhantes, ja que a elesdeveremos associar o mesmo numero inteiro.

Nos inspiraremos na seguinte equivalencia:

1 − 2 = 3 − 4   ⇐⇒   1 + 4 = 2 + 3

Pois bem, a construcao dos inteiros passa pelo importante, frutıfero edecisivo conceito de  relac˜ ao de equivalencia .   (def. 10, p. 63)

O primeiro passo sera definir uma relacao de equivalencia no conjuntoN × N.

Definicao 29.   Dados dois elementos (a, b) e (c, d) do conjunto   N × N,diremos que (a, b) ∼ (c, d), se e somente se,  a + d =  b + c.

Por exemplo:

(1,  2) ∼ (3,  4)   ⇐⇒   1 + 4 = 2 + 3

Vamos provar que a relacao definida acima e de equivalencia.

Prova: Acompanhe pela definicao 10:   (p. 63)

(i) Para todo (a, b) ∈ N × N  temos que (a, b) ∼ (a, b), isto se deve a quea + b =  b + a.

Observe que a reflexividade decorre da comutatividade nos naturais.

(ii) Considere (a, b) e (c, d) pares em  N

×N. Se

(a, b) ∼ (c, d)   ⇒   a + d =  b + c

⇒   b + c =  a + d

⇒   c + b =  d + a

⇒   (c, d) ∼ (a, b)

( iii ) Considere (a, b), (c, d) e (e, f ) pares em N × N. Por hipotese

(a, b) ∼ (c, d)   ⇒   a + d =  b + c

156

Page 158: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 158/515

e

(c, d) ∼ (e, f )   ⇒   c + f  = d + e

Devemos provar que

(a, b) ∼ (e, f ),   isto e,   a + f  = b + e

Adicionando as duas igualdades resultantes da hipotese, temos

(a + d) + (c + f ) = (b + c) + (d + e)

Aplicando propriedades da adicao nos naturais, resulta

(a + f ) + (c + d) = (b + e) + (c + d)

Aplicando a lei do corte em  N, concluimos a prova.  

Classes de equivalencia

Vamos ilustrar como se encontra uma classe de equivalencia segundo essarelacao. Por exemplo, como encontrar (0,  1) ?

Pela definicao 11 (p. 66), temos: a = { x ∈ A :  x ∼ a }.

Traduzindo para o nosso contexto:

a = {  x ∈ A :   x ∼   a }(0,  1) = { (x, y) ∈ N × N : (x, y) ∼   (0,  1) }

Entao, pela definicao 29   (p. 156), temos:

(x, y) ∼   (0,  1)   ⇐⇒   x + 1 = y  + 0

Logo,

(0,  1) = { (x, y) ∈ N × N :   y =  x + 1 }

Ou ainda,(0,  1) = { (0,  1),  (1,  2),  (2,  3),  (3,  4), . . . }

Ou seja, a classe de equivalencia de (0,  1) e a “reta” de equacao  y =  x + 1.

157

Page 159: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 159/515

Na figura a seguir exibimos algumas classes de equivalencia:

ր(0, 1)

(0, 0) (1, 0) (2, 0) (3, 0) (4, 0) (5, 0)

(0, 1) (1, 1) (2, 1) (3, 1) (4, 1) (5, 1)

(0, 2) (1, 2) (2, 2) (3, 2) (4, 2) (5, 2)

(0, 3) (1, 3) (2, 3) (3, 3) (4, 3) (5, 3)

(0, 4) (1, 4) (2, 4) (3, 4) (4, 4) (5, 4)

(0, 5) (1, 5) (2, 5) (3, 5) (4, 5) (5, 5)

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

A seguir destacamos algumas classes de equivalencia:

(0,  1) = { (0,  1),  (1,  2),  (2,  3),  (3,  4), . . . }

(0,  0) = { (0,  0),  (1,  1),  (2,  2),  (3,  3), . . . }   (5.4)

(1,  0) = { (1,  0),  (2,  1),  (3,  2),  (4,  3), . . . }   (5.5)

Conjunto-quociente

Para formar o conjunto-quociente  N × N/ ∼  em cada reta tomamos aclasse de qualquer ponto, por exemplo assim:   (def. 12, p. 66)

N × N/ ∼ =

 . . . ,  (0,  2),   (0,  1),   (0,  0),   (1,  0),   (2,  0), . . .

Observe que todas as classes sao “paralelas” e, portanto disjuntas; ob-serve ademais, que a reuniao de todas elas de fato e igual a N × N, ou seja,as classes de equivalencia formam uma particao de  N × N.   (def. 13, p. 71)

Apenas para simplificar a notacao chamaremos o conjunto quociente de¯Z, isto e:   N × N/ ∼ =

 ¯Z. Portanto,

Z =

 . . . ,  (0,  2),   (0,  1),   (0,  0),   (1,  0),   (2,  0), . . .

Este e o hardware sobre o qual construiremos a estrutura numerosinteiros.

Z = ( Z, ν  )

Conjunto(hardware)

Software(instruc~oes)

158

Page 160: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 160/515

Definicao dos Numeros Inteiros

Considere o conjunto,

Z =

 . . . ,  (0,  2),   (0,  1),   (0,  0),   (1,  0),   (2,  0), . . .

Definicao 30   (Adicao em  Z).   Sejam  α  = (a, b) e   β   = (c, d) elementosde  Z. Definimos a soma de  α   e   β  como

α + β  = (a, b) + (c, d) = (a + c, b + d)

Definicao 31   (Multiplicacao em  Z).   Sejam  α  = (a, b) e   β   = (c, d) ele-mentos de  Z. Definimos o produto de  α   e   β  como

α · β  = (a, b) ·   (c, d) = (ac + bd, ad + bc) (5.6)

Definicao 32   (Numeros Inteiros).  Denominamos de sistema (“conjunto”)dos numeros inteiros a terna,

Z = (Z,  +,

 ·)

Observe esta construcao no esquema a seguir,

Z   Z ×  ZZ

Z

+

· Z = (Z,  +, ·)

- Conjunto (hardware)

(aqui temos meros elementos)

- Estrutura

(aqui temos os numeros inteiros)

E por que estes sao os numeros inteiros? Respondemos: porque comestas operacoes demonstramos − vamos demonstrar − que as especificacoesdo sistema, ν   (p. 154), sao atendidas.

159

Page 161: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 161/515

De passagem, uma observacao nao desprezıvel e a de que na definicao

(a, b) + (c, d) = (a + c, b + d)

Nova adicao (em  Z)

“Velha adicao” (em  N)

estamos a usar um mesmo sımbolo, “+”, para denotar duas adicoes distin-tas; o da esquerda significa adicao de classes, enquanto que o mesmo sımboloa direita da igualdade denota adicao de numeros naturais.

Observacao analoga pode ser feita na definicao de multiplicacao.

Algumas consideracoes pertinentes:   Inicialmente observe que ao cons-truirmos esta estrutura numerica sobre o conjunto

Z =

 . . . ,  (0,  2),   (0,  1),   (0,  0),   (1,  0),   (2,  0), . . .

conferimos aos seus elementos o status de numeros inteiros. Sendo assim,por exemplo, observe a cara de um numero inteiro:

(0,  0) = { (0,  0),  (1,  1),  (2,  2),  (3,  3), . . . }Observe como estes numeros se dispoem geometricamente:

N

×N

ր(0, 2)

ր(0, 1)

ր(0, 0)

ր(1, 0)

ր(2, 0)

(0, 0) (1, 0) (2, 0) (3, 0) (4, 0) (5, 0)

(0, 1) (1, 1) (2, 1) (3, 1) (4, 1) (5, 1)

(0, 2) (1, 2) (2, 2) (3, 2) (4, 2) (5, 2)

(0, 3) (1, 3) (2, 3) (3, 3) (4, 3) (5, 3)

(0, 4) (1, 4) (2, 4) (3, 4) (4, 4) (5, 4)

(0, 5) (1, 5) (2, 5) (3, 5) (4, 5) (5, 5)

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

O leitor possivelmente deve estar pasmo e se perguntando o por quedestas extravagancias todas; e, ademais, os velhos inteiros, o que foi feitodeles?

Vamos por partes, inicialmente lembramos − se e que isto serve de con-solo − que um mero caroco de feijao e um rei sao indistinguıveis no jogo dexadrez (i.e., podem desempenhar o mesmo papel):   (p. 18)

160

Page 162: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 162/515

...  ...

⇐⇒

Segundo, este e o caminho pelo qual teremos condicoes efetivas de provarque todas as especificacoes dos inteiros, listadas em  ν   (p. 154), podem serimplementadas.

Lembrando das cinco justificativas arroladas na introducao deste capı-tulo, vemos que isto nao e pouco, e muito. . . muito mesmo!. Por fim,veremos como construir uma ponte para retornar aos “antigos inteiros”.

Sobre as definicoes das operacoes

Faremos algumas consideracoes necessarias sobres as operacoes definidas

em  Z. Inicialmente, vejamos uma aplicacao do teorema 2   (p. 69), o qualreproduzimos aqui para comodidade do leitor:

a ∼   b   ⇒   a ∈ b   ⇒   b ∈ a   ⇒   a = b   ⇒   a ∼   b

Por exemplo, temos   (def. 29, p. 156)  (0,  0)  ∼   (1,  1), pois 0 + 1 = 0 + 1, entao

a ∼   b   ⇒   a ∈ b   ⇒   b ∈ a   ⇒   a = b

(0,  0)

 ∼  (1,  1)

 ⇒  (0,  0)

 ∈  (1,  1)

 ⇒  (1,  1)

 ∈  (0,  0)

 ⇒  (0,   0) = (1,  1)

Generalizando, concluimos que as classes de equivalencia de dois pontosquaisquer sobre uma mesma reta no grafico de  N × N   sao iguais.

Vejamos um exemplo da soma de dois inteiros em nosso sistema:

Seja  α  = (0,  2) e   β  = (3,  0), entao

α + β  = (0,  2) + (3,  0)

= (0 + 3,  2 + 0) = (3,  2) (5.7)

161

Page 163: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 163/515

Como vimos, pontos sobre uma mesma reta possuem classes iguais, em

particular:   (Ver fig. p. 160)

α = (0,  2) = (1,   3) = (2,  4) = . . .

e,

β  = (3,  0) = (4,   1) = (5,  2) = . . .

Sendo assim, seja agora  α  = (1,  3) e   β  = (5,  2), entao

α + β  = (1,  3) + (5,  2)

= (1 + 5,  3 + 2) = (6,  5)

Observe que o resultado e o mesmo que em (5.7), posto que

(6,  5) = (3,  2)   ⇐⇒   (6,  5) ∼ (3,  2)   ⇐⇒   6 + 2 = 5 + 3

Lembramos que algo semelhante ocorre no universo das fracoes, p.ex.,

1

2  =

 2

4 =

 3

6 =

  4

8 = · · ·

Generalizando, devemos mostrar que a adicao de classes − como definidaem def. 30   (p. 159) − esta bem definida, ou seja, que ela independe de qualelemento escolhemos na classe de equivalencia (“ponto na reta”). Isto defato acontece, a prova encontra-se no apendice, lema 8.   (p. 201)

Consideracoes analogas valem para a multiplicacao, devemos mostrarque esta operacao esta bem definida; isto e, que independe dos represen-tantes tomados nas classes. Isto esta feito no apendice   (Lema 9, p. 201).

Nosso proximo passo sera demonstrar que a adicao satisfaz as quatroprimeiras propriedades em ν :   (p. 154)

ν  = { A1,  A2,  A3,  A4      ?

,  M1,  M2,  M3,  D,  Ordenado,  PBO }

Teorema 17 (Associatividade).   Sejam α  = (a, b),   β  = (c, d), e   γ  = (e, f ),inteiros quaisquer. Vale a seguinte igualdade:

A1 ) (α + β ) + γ  =  α + (β  + γ ).

162

Page 164: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 164/515

Prova:

(α + β ) + γ  =

(a, b) + (c, d)

+ (e, f )

= (a + c, b + d) + (e, f )

=

(a + c) + e,  (b + d) + f 

=

a + (c + e), b + (d + f )

= (a, b) +

c + e, d + f 

= (a, b) +

(c, d) + (e, f )

= α + (β  + γ )

Apenas enfatizamos que da terceira para a quarta igualdade usamos aassociatividade nos naturais. Nas outras igualdades utilizamos apenas adefinicao de adicao de classes.   (def. 30, p. 159)

Teorema 18 (Elemento neutro).   Seja n  um natural arbitrariamente fixado.O inteiro  θ  = (n, n) e o elemento neutro para a adicao em  Z.

(eq. (5.4), p. 158)

Prova: Seja  α  = (a, b) um inteiro arbitrario, entao

α + θ = (a, b) + (n, n)

= (a + n, b + n)

Por outro lado, vamos mostrar que

(a + n, b + n) = (a, b)

Com efeito, pela definicao 29   (p. 156)

(a + n, b + n) ∼ (a, b)   ⇐⇒   (a + n) + b = (b + n) + a

Esta ultima igualdade e verdadeira quando trata-se de numeros naturais.Finalmente pelo teorema 2   (p. 69)  temos

(a + n, b + n) ∼ (a, b)   ⇒   (a + n, b + n) = (a, b)

Portanto,   α + θ   =  α. De modo analogo demonstra-se que  θ   e neutro pelaesquerda.  

Vamos utilizar a seguinte notacao para o elemento neutro da adicao:

(n, n) = 0

163

Page 165: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 165/515

Teorema 19   (Comutativa).   Sejam  α = (a, b) e   β  = (c, d) inteiros quais-

quer. Vale a seguinte igualdade:A3 )   α + β  =  β  + α

Prova: Temos

α + β  = (a, b) + (c, d)

= (a + c, b + d)

= (c + a, d + b)

= (c, d) + (a, b)

= β  + α

Teorema 20  (Elemento oposto aditivo).   Seja  α   um numero inteiro qual-quer, entao existe um e apenas um  α′   inteiro tal que

α + α′  = 0

Prova:

Existencia:   Seja   α   = (a, b), vamos mostrar que seu oposto aditivo valeα′  = (b, a). De fato,

α + α′  = (a, b) + (b, a)

= (a + b, b + a)= (a + b, a + b)

= (n, n) = 0

Observe que(a + b, a + b) = (n, n)

De fato, pela definicao 29   (p. 156)

(a + b, a + b) ∼ (n, n)   ⇐⇒   (a + b) + n = (a + b) + n

Agora e so utilizar o teorema 2   (p. 69)   .

Unicidade:   Sejam  α′  e   α

′′  inteiros que satisfazem ao teorema. Isto e

α + α′   = 0

α + α′′  =  0

Entao

α′′  =  α′′ + 0 = α′′ + (α + α′) = (α′′ + α) + α′  = (α + α′′) + α′ =  0 + α′  =  α′

Enfatizando, dado um inteiro  α = (a, b), para obter seu oposto aditivobasta permutar as coordenadas no par ordenado, assim: (b, a) = α′.

164

Page 166: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 166/515

De uma outra perspectiva:

Z =

 . . . ,  (0,  2),   (0,  1),   (0,  0),   (1,  0),   (2,  0), . . .

Opostos

Opostos

Os inteiros opostos encontram-se simetricamente dispostos em relacao adiagonal principal no produto  N × N. Observe geometricamente:

opostos

opostos

(0, 0) (1, 0) (2, 0) (3, 0) (4, 0) (5, 0)

(0, 1) (1, 1) (2, 1) (3, 1) (4, 1) (5, 1)

(0, 2) (1, 2) (2, 2) (3, 2) (4, 2) (5, 2)

(0, 3) (1, 3) (2, 3) (3, 3) (4, 3) (5, 3)

(0, 4) (1, 4) (2, 4) (3, 4) (4, 4) (5, 4)

(0, 5) (1, 5) (2, 5) (3, 5) (4, 5) (5, 5)

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

elemento neutro

Neste momento podemos introduzir uma  nova notacao. Dado um in-teiro α  o oposto aditivo de α, i.e.   α′, sera denotado por −α. Isto e,  α′ = −α.

Observe que este sımbolo nao tem nada a ver com “negativo”, mesmoporque, ate o momento, nao sabemos o que significa negativo. O que pode-mos afirmar, isto sim, e que

α + (−α) = −α + α = 0

Por oportuno, um erro muito comum acontece quando se afirma que “nos complexos existe raiz quadrada de n´ umero negativo”. Por exemplo,

√ −1 = i

Acontece que −1 nao e um numero negativo nos   Complexos. De fato, noscomplexos −1 = (−1,  0) nao e negativo posto que neste conjunto nao existeuma ordem; a partir de uma ordem e que se define “positivo” e “negativo”.

165

Page 167: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 167/515

Retomando, cumprimos nosso desiderato quanto as quatro primeiras es-

pecificacoes (propriedades) da lista

ν  = { A1,  A2,  A3,  A4      ok

,  M1,  M2,  M3,  D        ?

,  Ordenado,  PBO }

O proximo passo sera provar para a operacao de multiplicacao as quatroespecificacoes seguintes.

Antes, vamos provar a lei do corte para a adicao nos inteiros.

Teorema 21   (Lei do corte).   Sejam  α,   β , e   γ , inteiros quaisquer. Vale aseguinte implicacao:

α + γ  =  β  + γ 

  ⇒  α =  β 

Prova: Temos

α + γ  =  β  + γ   ⇒   (α + γ ) + (−γ ) = (β  + γ ) + (−γ )

aplicando associatividade, temos

(α + γ ) + (−γ ) = (β  + γ ) + (−γ )   ⇒   α +

γ  + (−γ )

 =  β  +

γ  + (−γ )

⇒   α + 0 = β  + 0   ⇒   α =  β 

Teorema 22 (Associatividade).   Sejam α  = (a, b),   β  = (c, d), e   γ  = (e, f ),

inteiros quaisquer. Vale a seguinte igualdade:M 1 ) (α · β ) · γ  =  α · (β · γ )

Prova:

(α · β ) · γ  =

(a, b) · (c, d) · (e, f )

= (ac + bd, ad + bc) · (e, f )

=

(ac + bd)e + (ad + bc)f,  (ac + bd)f  + (ad + bc)e

=

(ac)e + (bd)e + (ad)f  + (bc)f,  (ac)f  + (bd)f  + (ad)e + (bc)e

= a(ce) + b(de) + a(df ) + b(cf ), a(cf ) + b(df ) + a(de) + b(ce) =

a(ce + df ) + b(de + cf ), a(cf  + de) + b(df  + ce)

=

a(ce + df ) + b(cf  + de), a(cf  + de) + b(ce + df )

= (a, b) · (ce + df, cf  + de)

= (a, b) · (c, d) · (e, f )

 =  α · (β · γ )

166

Page 168: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 168/515

Teorema 23 (Elemento neutro).   Seja n  um natural arbitrariamente fixado.

O inteiro Θ = (n + 1, n) e o elemento neutro para a multiplicacao em  Z.(eq. 5.5, p. 158)

Prova: Seja  α  = (a, b) um inteiro arbitrario, entao

α · Θ = (a, b) · (n + 1, n)

=

a(n + 1) + bn, an + b(n + 1)

Por outro lado, vamos mostrar que

a(n + 1) + bn, an + b(n + 1)  = (a, b) (5.8)

Com efeito, pela definicao 29   (p. 156)a(n+1)+bn, an+b(n+1)

∼ (a, b)   ⇐⇒   a(n+1)+bn+b =  an+b(n+1)+a

Esta ultima igualdade e verdadeira quando trata-se de numeros naturais.Finalmente pelo teorema 2   (p. 69)  temos

a(n + 1) + bn, an + b(n + 1) ∼ (a, b)   ⇒   (5.8)

Portanto,   α · Θ =  α. De modo analogo demonstra-se que Θ e neutro pelaesquerda.  

Vamos utilizar a seguinte notacao para o elemento neutro da multiplicacao:

(n + 1, n) = 1

Teorema 24   (Comutativa).   Sejam  α  = (a, b) e   β  = (c, d) inteiros quais-quer. Vale a seguinte igualdade:

A3 )   α · β  =  β  · α

Prova: Temos

α · β  = (a, b) ·   (c, d)

= (ac + bd, ad + bc)

= (ca + db, cb + da)

= (c, d) · (a, b)

= β  · α

167

Page 169: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 169/515

Teorema 25   (Distributividade).   Sejam   α   = (a, b),   β   = (c, d), e   γ   =

(e, f ), inteiros quaisquer. Vale a seguinte igualdade:D )   α · (β  + γ ) = α · β  + α · γ 

Prova:

α · (β  + γ ) = (a, b) · (c, d) + (e, f )

= (a, b) · (c + e, d + f )

=

a(c + e) + b(d + f ), a(d + f ) + b(c + e)

= (ac + bd) + (ae + bf ),  (ad + bc) + (af  + be) = (ac + bd, ad + bc) + (ae + bf, af  + be)

= (ac + bd, ad + bc) + (ae + bf, af  + be)

= (a, b) · (c, d) + (a, b) · (e, f )

= α · β  + α · γ 

Acabamos de fechar as oito primeiras especificacoes dos inteiros, veja:

ν  = { A1,  A2,  A3,  A4,  M1,  M2,  M3,  D        ok

,  Ordenado,  PBO }

A estrutura construida ate este momento, ( Z,  +, · ) = Z, na linguagemda Algebra Abstrata e conhecida como anel por estarem satisfeita as seguintespropriedades:

A1 ) (a + b) + c =  a + (b + c)

A2 )   ∃ 0 ∈  Z :   a + 0 = 0 + a =  a

A3 )   a + b =  b + aA4 )   ∀ a ∈  Z, ∃ − a ∈  Z :   a + (−a) = 0

M 1 ) (a · b) · c =  a · (b · c)

M 2 )   ∃ 1 ∈  Z :   a · 1 = 1 · a =  a

M 3 )   a · b =  b · a

D)   a · (b + c) = a · b + a · c

Z

168

Page 170: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 170/515

Proposicao 9.   Sejam   α,   β   e   γ   inteiros quaisquer, e, ademais, suponha

γ  = 0. Entao(i)   α · 0 = 0;   (Absorvente)

(ii)   α · γ  =  β  · γ   ⇒   α =  β ;   (Lei do corte)

(iii)   α · β  = 0   ⇒   α = 0 ou   β  = 0;   (Integridade)

Prova:(i) Consideremos  α  = (a, b), entao   (teo. 18, p. 163)

α · 0 = (a, b) · (n, n)

= (an + bn, an + bn) =  0

(ii)   α · γ  =  β  · γ   ⇒   α =  β ; (Lei do corte)

Prova: Consideremos   α   = (a, b),   β   = (c, d), e   γ   = (e, f ) =  0, inteirosquaisquer. Entao,

α · γ  =  β  · γ   ⇒   (a, b) · (e, f ) = (c, d) · (e, f )

isto e,

(ae + bf, af  + be) = (ce + df, cf  + de)

Esta igualdade implica em que   (teo. 2, p. 69)

(ae + bf, af  + be) ∼ (ce + df, cf  + de)

Logo,   (def. 29, p. 156)

(ae + bf ) + (cf  + de) = (af  + be) + (ce + df )

Esta e uma igualdade entre numeros naturais, logo vale

e(a + d) + f (b + c) = e(b + c) + f (a + d) (5.9)

Como, por hipotese,  γ  = (e, f ) = 0 = (n, n) segue que deve ser e = f .Sem perda de generalidade, suponhamos  e < f , logo   (def. 23, p. 106), existe

 p ∈ N∗  tal que  e  + p =  f . Substituindo f  = e + p  em (5.9), resulta

e(a + d) + (e + p)(b + c) = e(b + c) + (e + p)(a + d)

Aplicando distributividade, temos

e(a + d) +

e(b + c) + p(b + c)

 =  e(b + c) +

e(a + d) + p(a + d)

aplicando a lei do corte da adicao em  N, resulta  p(b + c) = p(a + d).

169

Page 171: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 171/515

Como   p ∈   N∗, podemos aplicar a lei do corte da multiplica cao em   N,

para obter  b + c =  a + d. Ou ainda,  a + d =  b + c.Logo,   (def. 29, p. 156)

(a, b) ∼ (c, d)

portanto,   (teo. 2, p. 69)

(a, b) = (c, d)   ⇒   α =  β 

(iii)   α · β  =  0   ⇒   α = 0 ou   β  = 0; (Integridade)

Prova: Vamos provar a contrapositiva, isto e   (p. 494)

α = 0 e   β  = 0   ⇒   α · β  = 0

Esta proposicao e equivalente aH 1   :   α = 0

H 2   :   β  = 0⇒   T  :   α · β  = 0

Vamos provar esta ultima proposicao utilizando a tecnica   (p. 495)

H 1

∧H 2 =

⇒T 

  ⇐⇒ H 1

∧ ¬T  =

⇒ ¬H 2

Suponhamos que  α = 0 e   α · β  =  0. Pelo ıtem  (i)   podemos escrever

α · β  = 0 = α · 0

Logo, pela lei do corte, temos

α · β  =  α · 0   ⇒   β  =  0

∗ ∗ ∗A terceira crise nos fundamentos da matem´ atica consubstanciou-se com 

rapidez impressionante em   1897   e, embora j´ a se tenha passado quase um seculo, n  ao foi resolvida ainda a contento de todos os envolvidos. A crise eclodiu com a descoberta de paradoxos ou antinomias nas bordas da teoria dos conjuntos de Cantor. Como os conceitos da teoria dos conjuntos per-meiam t˜ ao grandemente a matem´ atica, constituindo-se mesmo num de seus 

 fundamentos, e ´ obvio que a descoberta de paradoxos na teoria dos conjuntos p˜ oe em d´ uvida a validade dos pr´ oprios alicerces da matem´ atica.

(Howard Eves/Introducao  A Historia da Matematica, p. 674)

170

Page 172: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 172/515

Relacao de ordem em  Z

A exemplo do que fizemos em   N, definiremos uma relacao de ordemem  Z   com a qual concluiremos a construcao de   Z. Ademais, com umarelacao de ordem estabeleceremos de modo preciso o importante conceito den´ umero positivo  e   negativo   que confundiu ao longo dos seculos a mente dematematicos de estirpe∗, veja novamente:

Tinha havido em Cambridge uma tendencia t˜ ao conservadora em ´ algebra quanto na geometria e na an´ alise; ao passo que, no Conti-nente, os matem´ aticos estavam desenvolvendo a representac˜ ao gr´ afica dos n´ umeros complexos, na inglaterra havia protestos de que mesmo os n´ umeros negativos n˜ ao tinham validade.   (Boyer, p. 420)

De uma outra perspectiva, e possıvel que de fato nao tenha sido umaatitude conservadora dos matematicos ingleses; segundo os construtivistas,um objeto matematico so passa a existir quando efetivamente e construido.O primeiro passo para construirmos os numeros negativos sera dado com aseguinte definicao.

Definicao 33.   Dados os elementos  α = (a, b) e   β  = (c, d) em  Z, diremosque α e menor ou igual a β , e escrevemos α ≤ β  se, e somente se, a+d ≤ b+c.

Resumindo:

(a, b) ≤   (c, d)   ⇐⇒   a + d ≤ b + c

Uma observacao oportuna e a de que na definicao acima

(a, b) ≤   (c, d)   ⇐⇒   a + d ≤ b + c

Nova ordem (em  Z)

“Velha ordem” (em N)

estamos a usar um mesmo sımbolo, “≤”, para denotar duas ordens distintas;o da esquerda denota a ordem em  Z, que estamos definindo, o sımbolo dadireita e a velha ordem nos naturais.

Ademais, a ordem em   N   induz uma ordem nos inteiros. Vejamos umexemplo

(0,  1) ≤   (1,  0)   ⇐⇒   0 + 0 ≤ 1 + 1

∗A exemplo de Descartes e Viete, este ultimo simplesmente rejeitava os numeros nega-tivos.

171

Page 173: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 173/515

Lembramos que nas fracoes ocorre algo similar:

2

3 ≤   5

6  ⇐⇒   2 · 6 ≤   3 · 5

A exemplo do que foi feito nas definicoes de adicao e multiplicacao, aquitambem devemos mostrar que a relacao ≤ que acabamos de definir independedos representantes tomados para a classe. Isto esta feito no apendice.

(prop. 17, p. 202).

Teorema 26.  A relacao ≤   em Z   e uma relacao de ordem total, isto e, paraα,  β   e   γ   inteiros arbitrarios, vale

O1 )   α

 ≤  α;   (Reflexiva)

O2 )   α ≤   β   e   β  ≤   γ    ⇒   α ≤   γ ;   (Transitiva)

O3 )   α ≤   β   e   β  ≤   α   ⇒   α =  β ;   (Antissimetrica)

O4 )   α ≤   β   ou   β  ≤   α.   (Ordem total)

As tres primeiras propriedades mostram que ≤   e uma relacao de or-dem parcial, a quarta propriedade e conhecida como  Tricotomia . Dizemostambem que a relacao ≤  em  Z   e uma relacao de ordem total, em razao deque alem de ser uma ordem parcial, ainda satisfaz a propriedade da Trico-tomia.

Prova: O1)   α ≤   α; (Reflexiva)

Considere  α  = (a, b). Entao

α ≤   α   ⇒   (a, b) ≤   (a, b)   ⇐⇒   a + b ≤   b + a

O2 )   α ≤   β   e   β  ≤   γ   ⇒   α ≤   γ ; (Transitiva)

Prova: Considere α  = (a, b),   β  = (c, d), e   γ  = (e, f ), inteiros quaisquer.Entao, por hipotese

α ≤   β    e   β  ≤   γ   ⇐⇒   a + d ≤   b + c   e   c + f  ≤   d + e

Adicionando estas desigualdades

(a + d) + (c + f ) ≤   (b + c) + (d + e)

que e − quando trata-se de numeros naturais − equivalente a

(a + f ) + (d + c) ≤   (b + e) + (d + c)

ainda

a + f  ≤   b + e

172

Page 174: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 174/515

Logo   (def. 33, p. 171)

(a, b) ≤   (e, f )

Portanto,  α ≤   γ .  

O3 )   α ≤   β   e   β  ≤   α   ⇒   α =  β ; (Antissimetrica)

Prova: Considere  α  = (a, b) e   β  = (c, d), inteiros quaisquer. Entao, porhipotese

α ≤   β    e   β  ≤   α   ⇐⇒   a + d ≤   b + c   e   c + b ≤   d + a

Destas desigualdades concluimos que

b + c ≤   a + d ≤   b + c

Logo   (teo. 13,   (vii)   , p. 109)

a + d =  b + c

Portanto   (def. 29, p. 156)

(a, b) ∼ (c, d)

entao   (teo. 2, p. 69)

(a, b) = (c, d)   ⇒   α =  β.

O4 )   α ≤   β   ou   β  ≤   α. (Ordem total)

Prova: Considere  α  = (a, b) e   β  = (c, d), inteiros quaisquer.

α ≤   β    ou   β  ≤   α   ⇐⇒   a + d ≤   b + c   ou   c + b ≤   d + a

Isto significa que devemos provar que: dados  α   e   β , como acima, uma daspossibilidades

a + d ≤   b + c     I

ou   c + b ≤   d + a     II

necessariamente ocorre.

Sendo   a,   b,   c   e   d   naturais arbitrarios, pela lei da tricotomia em   N,necessariamente ocorre   (teo. 11, p. 107)

a + d =  b + c   ou   a + d < b + c   ou   a + d > b + c

Se a primeira ou segunda possibilidade acima ocorre, entao a desigualdadeI estara satisfeita; caso contrario, se e a terceira possibilidade acima que severifica entao a desigualdade II e que estara satisfeita.  

173

Page 175: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 175/515

Isto implica em que dois inteiros quaisquer sempre sao comparaveis pela

relacao de ordem estabelecida na definicao 33.   (p. 171)

Por exemplo, para os inteiros a seguir

{ (1,  0),  (2,  1),  (3,  2),  (4,  3), . . . }   ? ? ? { (0,  0),  (1,  1),  (2,  2),  (3,  3), . . . }

quem e maior do que quem? Para responder esta pergunta, temos   (p. 171)

(1,  0)  ≤   (0,  0)   ⇐⇒   1 + 0 ≤ 0 + 0

Como esta ultima desigualdade nao e verdadeira, devemos ter

(0,  0)   <   (1,  0)

Segundo notacoes ja fixadas   (p. 163, p. 167)

0   <   1

foi o que acabamos de provar.Novamente observamos que esta nao e uma desigualdade trivial. Nos

“inteiros dos ocidentais e dos orientais” temos a seguinte equivalencia:

0 <  1   ⇐⇒   <

...  ...

Esta ultima desigualdade nao e trivial; ou melhor, precisamos dar a elaum significado preciso (definicao).

Proposicao 10.   Sejam α,   β    e   γ   inteiros quaisquer. Entao

OA)   α ≤   β   ⇔   α + γ  ≤   β  + γ    (Compatibilidade com a Adicao)

Prova: Consideremos  α  = (a, b),   β  = (c, d) e   γ  = (e, f ). Entao

α ≤   β   ⇔   (a, b) ≤ (c, d)

⇔   a + d ≤ b + c⇔   (a + d) + (e + f ) ≤ (b + c) + (e + f )

⇔   (a + e) + (d + f ) ≤ (b + f ) + (c + e)

⇔   (a + e, b + f ) ≤ (c + e, d + f )

⇔   (a, b) + (e, f ) ≤ (c, d) + (e, f )

⇔   α + γ  ≤   β  + γ 

174

Page 176: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 176/515

Page 177: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 177/515

Proposicao 11.   Sejam α,   β    e   γ   inteiros. Entao, se

OM)   α ≤ β    e   γ  ≥ 0   ⇒   α · γ  ≤ β · γ 

Esta e conhecida como   Compatibilidade com a Multiplicac˜ ao.

Prova: Consideremos α  = (a, b),   β   = (c, d). Entao, pelo lema 4   (p. 175),temos

α ≤ β   ⇒   α − β  ≤ 0

Logo, pelo 5   (p. 175), temos

(α − β ) · γ  ≤ 0   ⇒   α · γ − β · γ  ≤ 0

⇒   (α · γ − β · γ ) + β · γ  ≤¯0 + β · γ ⇒   α · γ  + (−β · γ  + β · γ ) ≤ 0 + β · γ 

⇒   α · γ  + 0 ≤ 0 + β · γ 

⇒   α · γ  ≤ β · γ 

Sendo assim, temos

ν  = { A1,  A2,  A3,  A4,  M1,  M2,  M3,  D,  Ordenado

        ok

,  PBO }

Proposicao 12.   Sejam   α,   β    e   γ   inteiros. Vamos provar o seguinteresultado,

H :

H 1   :   α · γ < β · γ 

H 2   :   γ > 0⇒   T  :   α < β 

Prova: Considere  α  = (a, b),   β  = (c, d) e   γ  = (e, f ), entao

α · γ  = (a, b) · (e, f ) = (ae + bf, af  + be)

e

β · γ  = (c, d) · (e, f ) = (ce + df, cf  + de)Logo,

H 1   : (ae + bf, af  + be) <  (ce + df, cf  + de)

H 2   :   e > f ⇒   T  :   a + d < b + c

ou   (def. 33, p. 171)H 1   : (ae + bf ) + (cf  + de) <  (af  + be) + (ce + df )

H 2   :   e > f ⇒   T  :   a+d < b+c

176

Page 178: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 178/515

ouH 1   : (a + d)e + (b + c)f < (b + c)e + (a + d)f 

H 2   :   e > f ⇒   T  :   a + d < b + c

Como e > f , existe um natural  p  tal que  e  =  p + f , substituindo em  H 1:

(a + d)( p + f ) + (b + c)f < (b + c)( p + f ) + (a + d)f 

Aplicando a propriedade distributiva

(a + d) p + (a + d)f  + (b + c)f < (b + c) p + (b + c)f  + (a + d)f 

Cancelando(a + d) p < (b + c) p   (5.10)

Negando a tese, temos(a + d) ≥ (b + c)   ⇒   (b + c) ≤ (a + d)

Por (iv)   (p. 110), obtemos (b + c) p ≤  (a + d) p, ou (a + d) p ≥  (b + c) p; oque contraria (5.10).  

Positivo e negativo

Com a relacao de ordem estabelecida em   Z   finalmente estamos emcondicoes de definir os conceitos de positivo e negativo.

Definicao 34   (positivo).   Um inteiro  α   e   positivo   se α > 0.

Se  α < 0, entao e dito  negativo.

Por exemplo, perguntamos ao leitor qual o “sinal” dos inteiros a seguir?

{ (0,  1),  (1,  2),  (2,  3),  (3,  4), . . . }{ (1,  0),  (2,  1),  (3,  2),  (4,  3), . . . }

O primeiro e negativo, posto que   (def. 33, p. 171)

(0,  1)   <   (0,  0)   ⇐⇒   0 + 0   <   1 + 0

O segundo e positivo, posto que

(0,  0)   <   (1,  0)   ⇐⇒   0 + 0   <   0 + 1Para um inteiro arbitrario  α  = (a, b), temos

α = (a, b)  ≤   (0,  0) = 0   ⇔   a + 0 ≤   b + 0 (a ≤   b)

Com um pouco de reflexao concluimos que

α = (a, b)

> 0 sse a > b;

= 0 sse a  =  b;

< 0 sse a < b.

(5.11)

177

Page 179: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 179/515

O que nos permite concluir que, em nosso diagrama  N × N, os numeros

positivos estao abaixo da diagonal principal e os negativos acima, veja:

negativos

positivos

(0, 0) (1, 0) (2, 0) (3, 0) (4, 0) (5, 0)

(0, 1) (1, 1) (2, 1) (3, 1) (4, 1) (5, 1)

(0, 2) (1, 2) (2, 2) (3, 2) (4, 2) (5, 2)

(0, 3) (1, 3) (2, 3) (3, 3) (4, 3) (5, 3)

(0, 4) (1, 4) (2, 4) (3, 4) (4, 4) (5, 4)

(0, 5) (1, 5) (2, 5) (3, 5) (4, 5) (5, 5)

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

Nota:  Compare com o diagrama cartesiano da pagina 165.

Observe que somente agora, digo, neste contexto, e que demos um signi-ficado preciso (matematico) para o que seja um numero negativo; nao e pormenos que eminentes matematicos ao longo da historia estiveram as turras

com este conceito.O que me deixa pasmo, embasbacado ate, foi o tardio domınio desseimportante conceito.

Ademais, observe que, assim como o conceito de numero emerge de umaestrutura −  de outro modo, um numero so e numero porque faz parte deuma estrutura −   de igual modo o conceito de “positivo” (ou “negativo”)emerge de uma estrutura∗.

Tudo o que apreendemos, seja perceptiva ou conceitualmente, e desprovidode natureza inerente pr´ opria, ou identidade, independentemente dos meios pelos quais seja conhecido.   (Wallace)

Enfatizamos: O conceito de positivo, e negativo, esta a depender da

estrutura na qual estamos inseridos; por exemplo, 1 e positivo na estru-tura dos inteiros, nao na estrutura dos  Complexos, ou em outras estruturasmatematicas.

Segundo os construtivistas, os objetos matematicos, em ultima instancia,reduzem-se todos a mente humana, com o conceito de positivo e negativonao e diferente. Vamos um pouco alem dos construtivistas e afirmamos que

tudo   e uma construcao da mente humana, ate mesmo a imagem de umpernilongo   (p. 40). Existir significa existir em relacao a uma  ECR.

∗A operacao de adicao entra na definicao de ordem, def. 33, p. 171.

178

Page 180: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 180/515

Daı por que dizer-se que consciencia e objeto s˜ ao binˆ omios in-

separ´ aveis, correlativos e complementares do que denominamos reali-dade. Real e aquilo que existe em uma (ou para uma) consciencia e de acordo com a estrutura condicionada e condicionadora dessa mesma consciencia. Procurar saber o que seja a realidade (o objeto de inves-tigac˜ ao) independentemente da consciencia e de nosso aparato cognitivo-sensıvel n  ao tem sentido, pois precisamos da consciencia para pensar nessa suposta “realidade independente”, que ser´ a sempre, a proporc˜ aoque a pensamos, uma realidade para “uma” consciencia, uma realidade pensada.   (Marcelo Malheiros/A Potencia do Nada , p. 22)

Reiteramos: o que o filosofo afirma acima vale nao apenas para “objetosfısicos”

 − veja, por exemplo, Einstein e o pernilongo   (p. 40)

 −, como, ade-

mais, para conceitos tais como: numero, positivo, negativo, etc.Compare o filosofo anterior com o seguinte:

Todos os fenˆ omenos  [tanto perceptıveis quanto conceituais ] podem ser postulados como existentes apenas em relac˜ ao a uma estrutura cognitiva de referencia.   (B. Alan Wallace/Dimens˜ oes Escondidas, p. 97)

Esta perspectiva que estou pondo em destaque, chamando a atencaoneste livro acho de extrema relevancia para decidir muitas questoes pen-dentes nao apenas na filosofia da matematia como, ademais, na propriafısica; daı minha insistencia.

Ora, se ha seculos, filosofos, matematicos e outros cientistas se debatem

com questoes desta natureza, nao custa nada ponderar sobre esta perspectivaque, no fundo no fundo, assenta-se sobre a questao do Vazio, da Vacuidade.

[. . .]   Com base em tais observac˜ oes e an´ alises matem´ aticas,quanto mais pr´ oximo das origens remontamos o universo, mais pr´ oximochegamos da perfeic˜ ao, a mais implicada de todas as ordens da realidade.A natureza daquele v´ acuo perfeito pode conter a chave para o entendi-mento do universo como um todo. Como comenta Leonard Susskind,

 fısico de Stanford: “Qualquer um que sabe tudo sobre nada sabe tudo”.

([13], p. 147)

Alem do mais, o que dificulta, nao raras vezes, o domınio dos conceitos

(objetos) na matematica −   tais como numero (negativo) −   e achar queestes encontram-se “fora da mente” do homem; como se estivessem “emalgum lugar na natureza”, ou em algum lugar do Universo (“mundo dasideias”), como acreditava Platao e ainda acreditam os partidarios do Realis-mo Matem´ atico∗.

∗O Realismo Matematico diz que a matematica e real, tem existencia objetiva, comouma coisa. Nos, com nosso cerebro genial, descobrimos a matematica e criamos usospraticos para ela. Novos conceitos matematicos seriam como especies desconhecidas, sotemos que encontra-las e acrescenta-las a nossa caixa de ferramentas.

(Publicacao eletronica)

179

Page 181: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 181/515

Ora, Plat˜ ao defendeu a tese radical segundo a qual a matem´ atica (mais especificamente, a geometria) era descoberta. Segundo Plat˜ ao, oconhecimento verdadeiro (episteme) existe no mundo das ideias antes mesmo de qualquer um de n´ os ter nascido.

Aı esta, segundo entendo, a genese de muitas das dificuldades em secompreender conceitos e objetos matematicos.

Se alguma verdade existe que n˜ ao guarde nenhuma relac˜ ao sensitiva ou racional com a inteligencia humana, ser´ a igual a zero, enquanto for-mos n´ os seres humanos    (Rabindranath Tagore)

Mas nao e apenas isto, um outro impedimento − nao menos decisivo −deve-se a enfase no aspecto utilitario da matematica. Me parece que tudoisso tem a ver com a seguinte observacao da filosofia:

[. . .]   impotentes para ver os objetos cujas sombras n˜ ao passam de sombras, ignoramos que elas s˜ ao sombras e as tomamos por realidade.Esta impotencia est´ a ligada a passividade do espırito acostumado desde a infˆ ancia a receber sem exames muitas crencas  [. . .]. Ela revela a domi-nac˜ ao dos interesses empıricos, prontos para afastar o interesse racional e para transformar a quest˜ ao “o que e isso na verdade?”, em “o que e isso para mim?”. O verdadeiro apaga-se por tr´ as do ´ util.   ([6])

E como se a “materia” obnubilasse nossa compreensao, e isto de fato se da.

Conforme mencionado, as possibilidades de existir s˜ ao apenas possi-bilidades vazias. Somente quando pensadas e que ganham um impulsopara a existencia, porque e preciso que tais realidades primeiro sejam concebidas, imaginadas, mentalizadas, elaboradas na forma de Ideias,que constituem “programas” de criac˜ ao, sementes de eventos e de Uni-versos.   (Marcelo Malheiros/[17], p. 163)

Oportunamente faremos referencia ao seguinte resultado:

Lema 6.   Seja  α  = (a, b) um numero inteiro, entao

α < 0   ⇔ −α > 0

Prova: Temos

α = (a, b) <  0   ⇔   a < b   ⇔   b > a   ⇔   (b, a) >  0

⇔ −α = (b, a) >  0

180

Page 182: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 182/515

5.2   Identificando os inteiros positivos com os naturais

Oportunamente estaremos fechando a construcao dos numeros inteiros,provando a ultima especificacao da lista ν   (p. 154), o Princıpio da Boa Ordem.

Deveremos agora convergir esforcos para responder a seguinte pergunta:e verdade que os numeros naturais sao subconjuntos dos inteiros?

Para a consecucao do nosso objetivo devemos transitar por um conceitoda algebra por nome de   isomorfismo, antes destacaremos o seguinte sub-conjunto (subsistema) de  Z:

Z+ = { (a, b) :   a, b ∈ N   e   a ≥ b }

Conjunto dos inteiros nao-negativos. Vejamos agora como, e em que sentido,podemos identificar os conjuntos N   e   Z+.

Proposicao 13.   Os conjuntos  N   e   Z+   sao isomorfos, isto e, a aplicacao

ϕ :   N   Z+

n   (n,  0)∴   ϕ(n) = (n,  0)

e bijetora e tem as seguintes propriedades:

( i )   ϕ(m + n) =  ϕ(m) + ϕ(n)

( i i )   ϕ(m n) = ϕ(m) ϕ(n)

( iii ) Se   m ≤   n,   entao   ϕ(m) ≤   ϕ(n).

Prova:   Apendice, p. 204.

Vamos traduzir a importancia e significado dessa proposicao.Na proposicao 14 (p. 184) provaremos que todo inteiro  α ∈  Z+  pode

ser escrito como  α  = (m,  0) com  m ∈ N. A figura a seguir

¯Z+

N

(m,  0) + (n,   0) = (m + n,  0)

ϕ−1 ϕ−1 ϕ

m   +   n   =   m + n

mostra que, para efeitos da adicao, os dois sistemas  Z+   e   N se comportamda “mesma forma ”. Um diagrama analogo vale para a multiplicacao, assim:

181

Page 183: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 183/515

Z+

N

(m,  0) ·   (n,   0) = (m · n,  0)

ϕ−1 ϕ−1 ϕ

m   ·   n   =   m · n

Por exemplo, suponhamos que desejamos multiplicar os inteiros

α   = (3,  0) e   β   = (2,  0) em  Z+; pela definicao 31 (p. 159), devemosproceder assim:

α · β  = (3,  0) · (2,  0) = (3 · 2 + 0 · 0,  3 · 0 + 0 · 2) = (6,  0)

Para evitar esta “trabalheira” toda podemos transferir “mentalmente”(digo, por ϕ−1) esses numeros para N fazer a conta la e depois voltamos (porϕ) para  Z+  (ver figura anterior).   E neste sentido que podemos identificaros inteiros positivos com os naturais.

Estruturalmente  N   e   Z+   sao identicos, e isso o que significa dizer quesao isomorfos. Ou ainda: duas estruturas isomorfas podem diferir na na-tureza de seus elementos mas nao no modo em que eles sao manipulados(operados). Voltando a metafora do xadrez   (p. 18)  as duas estruturas saoisomorfas (identicas) embora difiram na natureza de seus elementos.

Nota:   Na verdade, no isomorfismo em questao, nao devemos ignorar arelacao de ordem.

Usando uma linguagem nao rigorosa podemos dizer que, em funcao doisomorfiso  ϕ :   N −→  Z+ ,   N  passa a ser subconjunto de  Z. Tambem dize-mos que os inteiros nao negativos sao uma “copia” de  N. Podemos ver istono diagrama cartesiano, veja:

−→N = Z+(0, 0) (1, 0) (2, 0) (3, 0) (4, 0) (5, 0)

(0, 1) (1, 1) (2, 1) (3, 1) (4, 1) (5, 1)

(0, 2) (1, 2) (2, 2) (3, 2) (4, 2) (5, 2)

(0, 3) (1, 3) (2, 3) (3, 3) (4, 3) (5, 3)

(0, 4) (1, 4) (2, 4) (3, 4) (4, 4) (5, 4)

(0, 5) (1, 5) (2, 5) (3, 5) (4, 5) (5, 5)

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

182

Page 184: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 184/515

Uma ponte para retornarmos aos antigos inteiros

Nosso objetivo agora sera responder a questao: qual a relacao entre osinteiros   Z = (Z,  +, ·), onde

Z = { . . . ,  (0,  3),   (0,  2),   (0,  1),   (0,  0),   (1,  0),   (2,  0),   (3,  0), . . . }

e os velhos inteiros   Z = (Z,  +, ·) ? onde

Z = { . . . , −3, −2, −1,  0,  1,  2,  3, . . . }

Antes vamos definir, sempre que   a ≥   b, a operacao de subtracao emN, assim:   a − b  =  a   + (−b); onde transferimos −  via isomorfismo  ϕ −  osnaturais  a   e   b  para  Z+.

Lema 7.   Sendo  a   e   b  dois naturais, com  a ≥ b, vale  b + (a − b) = a.

Prova:

a − b =  a + (−b) = (a,  0) + − (b,  0)

 = (a,  0) + (0, b) = (a, b)

Logo,b + (a − b) = (b,  0) + (a, b) = (a + b, b)

Pela definicao 29 (p. 156) temos

(a + b, b)

 ∼  (a,  0)

  ⇐⇒  a + b + 0 =   b + a

Portanto, pelo teorema 2 (p. 69), temos (a + b, b) = (a,  0). Logo

b + (a − b) = (a + b, b) = (a,  0) = a

183

Page 185: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 185/515

“Simplificando” os Inteiros/Inteiros irredutıveis

Proposicao 14.   (Gentil)  Seja  α  = (a, b) um inteiro arbitrario.   E valida aseguinte identidade

α = (a, b) =

(a − b,  0)   se   a ≥ b;

(0, b − a)   se   a ≤ b.

Antes da prova desta proposicao observe-a geometricamente:

(0, 0) (1, 0) (2, 0) (3, 0) (4, 0) (5, 0)

(0, 1) (1, 1) (2, 1) (3, 1) (4, 1) (5, 1)

(0, 2) (1, 2) (2, 2) (3, 2) (4, 2) (5, 2)

(0, 3) (1, 3) (2, 3) (3, 3) (4, 3) (5, 3)

(0, 4) (1, 4) (2, 4) (3, 4) (4, 4) (5, 4)

(0, 5) (1, 5) (2, 5) (3, 5) (4, 5) (5, 5)

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

O que significa dizer que para representante de qualquer classe de equiva-lencia (numero inteiro) podemos escolher o “primeiro” elemento (ponto) nasrespectivas retas da figura anterior.

Significa ainda que podemos fixar   Z   como

Z = { . . . ,  (0,  3),   (0,  2),   (0,  1),   (0,  0),   (1,  0),   (2,  0),   (3,  0), . . . }Prova:

Vamos provar que (a, b) = (a − b,  0). De fato, pela definicao 29   (p. 156),temos

(a, b) ∼   (a − b, 0)   ⇐⇒   a + 0 =   b + (a − b)Logo, pelo lema 7 e pelo teorema 2   (p. 69)   podemos escrever (a, b) =(a − b,  0).  

Sendo assim, pelo isomorfismo podemos escrever:

(a, b) = (a − b,  0) = a − b ∈ N

De modo analogo, para a ≤ b, provamos que (a, b) = (0, b − a). Observeque

(a, b) = (0, b − a) = − (b − a,  0) = −(b − a)

184

Page 186: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 186/515

Em resumo, temos:

α = (a, b) =

a − b   se   a ≥ b;

−(b − a) se   a ≤ b.(5.12)

Por exemplo,(5,  2) = (5 − 2,  0) = 3

e(2,  5) = (0,  5 − 2) = − (5 − 2,  0) = −3

Como consequencia da proposicao 14, equacao (5.12), podemos fazer aseguinte   identificacao

Z = { . . . ,  (0,  3),   (0,  2),   (0,  1),   (0,  0),   (1,  0),   (2,  0),   (3,  0), . . . } . . . . . .

Z = { . . . ,  −3,   −2,   −1,   0,   1,   2,   3, . . . }

Geometricamente fica assim

(0, 0) (1, 0) (2, 0) (3, 0) (4, 0) (5, 0)

(0, 1) (1, 1) (2, 1) (3, 1) (4, 1) (5, 1)

(0, 2) (1, 2) (2, 2) (3, 2) (4, 2) (5, 2)

(0, 3) (1, 3) (2, 3) (3, 3) (4, 3) (5, 3)

(0, 4) (1, 4) (2, 4) (3, 4) (4, 4) (5, 4)

(0, 5) (1, 5) (2, 5) (3, 5) (4, 5) (5, 5)

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓←−

←−

←−

←−

←−←−

0 1 2 3 4 5   . . .

0

−1

−2

−3

−4

−5

...

Precisamente aqui compreendemos por que os inteiros   Z   sao apenas, etao somente, uma notacao “mais comoda” para os verdadeiros inteiros  Z.Podemos ainda dizer que sao uma copia “xerox” dos verdadeiros inteiros.

185

Page 187: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 187/515

Imagine uma obra de arte,  Z, que foi repli-

cada (falsificada),   Z, por um exımio artista, eque estar a circular a seculos como se fosse aoriginal.

Os leigos em “arte” nem ao menos sus-peitam que “compraram” uma replica como sefosse a original. Apenas os especialistas sabemdiferenciar a obra verdadeira da falsa.

Nota:   Mais uma vez esclareco: quando afirmamos que  Z, e nao   Z, sao osverdadeiros inteiros estamos falando da perspectiva construtivista, tal comoexigem os matematicos da linha intuicionista. Nao conheco nem um livro de

matematica que construa os numeros inteiros sobre Z. Ou ainda, que provemque   Z   de fato sao os numeros inteiros, isto e, que implementem todas asespecificacoes constantes no retangulo amarelo da p. 153 no conjunto

Z = { . . . , −3, −2, −1,  0,  1,  2,  3, . . . }Ademais, acrescento, a matematica tanto e engenharia quanto arte, nao

se pode desconsiderar a estetica de uma construcao matematica − ou de umobjeto matematico.

Resolvendo a equacao:   2 x + 3 = 1

Observe que agora estamos em perfeitas condicoes de resolver a equacao

2 x + 3 = 1

digo, de compreender por que

2 · (−1) + 3 = 1

sem tergiversacoes, sem palrice; isto e, com perfeito domınio de todos osconceitos envolvidos. Entao:

2 x + 3 = 1 ⇐⇒   (2,  0) x  + (3,  0) = (1,  0)

Esta equacao e equivalente a(2,  0) x  + (3,  0) + (0,   3) = (1,  0) + (0,  3)

Entao(2,  0) x  + (3,   3) = (1,  3)

Isto e(2,  0) x  +  0 = (1,  3) = (0,  2)

portanto(2,  0) x   = (0,  2) (5.13)

186

Page 188: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 188/515

Fazendo x  = (a, b), obtemos

(2,  0) ·   (a, b) = (0,  2)

temos(2,  0) ·   (a, b) = (2a + 0,  2b + 0)

entao(2a,  2b) = (0,  2) =⇒   (2a,  2b) ∼ (0,  2)

logo(2a,  2b) ∼ (0,  2) =⇒   2a + 2 = 2b + 0

entao

2a + 2 = 2b   =⇒   2(a + 1) = 2b   =⇒   a + 1 = b

Na segunda implicacao utilizamos a lei do corte da multiplicacao nosnaturais.   (teo. 13, p. 109)

Finalmente

x = (a, b) = (a, a + 1) = (0,  1) = − (1,  0) = −1

Essa tava difıcil do Descartes resolver!   (ver p. 200)

Descartes (1596 -1650) Dedekind (1831 -1916)

Vejamos uma resolucao alternativa usando a lei dos cortes nos inteiros

(prop. 9, p. 169). Tendo em conta que

(2,  0) · (0,  1) = (ac + bd, ad + bc)

= (2 · 0 + 0 · 1,  2 · 1 + 0 · 0) = (0,  2)

Podemos escrever a equacao (5.13), assim:

(2,  0) x   = (2,  0) · (0,  1)

Aplicando a lei dos cortes, resulta

x   = (0,  1) = − (1,  0) = −1

A seguir apresentamos o fluxograma de resolucao da equacao proposta,para esta ultima resolucao.

187

Page 189: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 189/515

Definicao 10, p. 63

Definicao 29, p. 156Teorema 2, p. 69

Lema 7, p. 183

Teorema 18, p. 163

Teorema 20, p. 164 Proposicao 14, p. 184

Lei do Corte

Prop. 9, p. 169

Lei do Corte (+,  N)

Lei do Corte (·,  N)

2 x + 3 = 1

Claro, este fluxograma nao e unico, podemos acrescentar ainda outrasdep endencias.

O momento agora e oportuno para elucidarmos uma questao levantadana Revista do Professor de Matematica (RPM/61, 2006) onde lemos:

Uma preocupac˜ ao manifestada pelo leitor Nelson O. F. Correa e a identi- ficac˜ ao dos n´ umeros naturais com os inteiros positivos e, como exemplo, d´ a a definic˜ ao de multiplicac˜ ao como uma soma de uma mesma parcela um certon´ umero de vezes. Definic˜ ao esta que perde o sentido no caso da multiplicac˜ aode n´ umeros negativos. Considera que esse fato invalida a identificac˜ ao dos inteiros positivos com os naturais   [. . .]

Vamos a resposta da Revista:

188

Page 190: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 190/515

RPM

O leitor tem raz˜ ao quando afirma que a express˜ ao  n´ umero de vezes n˜ ao faz sentido quando esse n´ umero e negativo. N˜ ao faz sentido para qualquer n´ umero real n˜ ao natural. Com efeito, em 

√ 2× π, o que seria somar 

√ 2   ou 

π   vezes? O fato e que, quando se generaliza algum conceito, usualmente,conservam-se algumas propriedades e perdem-se outras. Por isso, novas definic˜ oes precisam ser apresentadas e suas propriedades precisam ser revis-tas no novo contexto. Algumas delas permanecem, outras deixam de valer .

Pergunto: Ao final das contas, e valido (e legıtimo) ou nao identificar osnumeros naturais com os inteiros positivos?

Pelo que entendi a Revista nao soluciona a duvida do leitor (tergiversa).

Um pequeno interregno com Bertrand RusselAinda segundo meu entendimento, esta questao tambem nao foi satisfa-

toriamente compreendida pelo eminente logico e matematico Bertrand Rus-sel. Na pagina 85 de sua obra ja mencionada Russel discorre sobre a extensaodos numeros, quando entao ele argumenta:   ([18]/pp. 85, 86)

Um dos erros que atrasaram a descoberta de definic˜ oes corretas nessa regi˜ ao e a ideia comum de que cada extens˜ ao de n´ umero incluıa as especies anteriores como casos especiais. Pensava-se que, ao lidar com n´ umeros inteiros positivos e negativos, os n´ umeros inteiros positivos po-diam ser identificados com os n´ umeros inteiros originais sem sinal. [. . . ] Esta e uma suposic˜ ao errˆ onea, e deve ser rejeitada.

Ao contrario do que Russel afirma, nao e erroneo, e perfeitamente legıtimoidentificar os inteiros positivos com os   inteiros originais sem sinal  (numerosnaturais); o que garante a legitimidade desta identificacao e o isomorfismoϕ de que falamos na proposicao 13   (p. 181). Observe o diagrama a seguir:

N =   { 0,   1,   2,   3, . . . }ϕ   . . .

Z = { . . . ,  (0,  3),   (0,  2),   (0,  1),   (0,  0),   (1,  0),   (2,  0),   (3,  0), . . . }

. . . . . .

Z = { . . . ,  −3,   −2,   −1,   0,   1,   2,   3, . . . }Segundo entendo, a genese do problema esta em  confundir elemento

de um conjunto com numero de uma estrutra. Se fizermos esta dis-tincao, tudo se esclarece, torna-se cristalino. Temos que, por exemplo,

1 ∈ N   e (1,  0) ∈  Z+   ⇒   1 = (1,  0) (como elementos sao distintos)

1 ∈ N   e (1,  0)   ∈  Z+   ⇒   1 = (1,  0) (como numeros sao iguais)ϕ

189

Page 191: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 191/515

Nos meus ouvidos soa como se Russel afirmasse que e erroneo substituir

no jogo de xadrez o rei por um caroco de feijao.

...  ...

⇐⇒

Como elementos sao distintos, obviamente −   e suficiente experimentaruma sopa feita com um e outro −, todavia, como “n´ umeros da estrutura xadrez ” nao ha diferenca entre ambos.

Uma fonte comum de erros

Vejamos a discussao anterior de uma nova perspectiva. Um erro muitocomum e induzido pela seguinte situacao: quando listamos os dois “conjun-tos” a seguir

N = { 0,  1,  2,  3, . . . }e

Z = { . . . , −3, −2, −1,  0,  1,  2,  3, . . . }e tendo em conta a definicao de subconjunto:  A ⊂ B, quando todo elementode  A   pertence a  B, concluimos que  N ⊂ Z.

A rigor esta inclusao e falsa, estamos utilizando sımbolos iguais paraelementos de naturezas distintas, como ja frisamos anteriormente.

Todavia, o que quero enfatizar e o seguinte: vamos mudar a simbologiados numeros naturais, assim:

  N =...   ...   ...   ...   ...

, , , , , . . .

Perguntamos: A inclusao seguinte e verdadeira?

 

...  ...

  ...  ...

, , , , . . .   ⊂ { . . . , −3, −2, −1,  0,  1,  2,  3, . . . }Retomando, feita a identificacao (ponte) entre “os dois inteiros” pode-

mos fazer operacoes em  Z  mesmo sem conhecer as “regras dos sinais”.

190

Page 192: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 192/515

Por exemplo, vamos provar o seguinte resultado

2 · (−1) = −2

Para tanto utilizamos a equacao (5.6)   (p. 159), assim:

(a, b) · (c, d) = (ac + bd, ad + bc)

(2,  0) · (0,  1) = (2 · 0 + 0 · 1,  2 · 1 + 0 · 0) = (0,  2)

Temos(2,  0) · (0,  1) = (0,  2)   ⇐⇒   2 · (−1) = −2

Agora vamos provar que

−2 + 3 = 1

Entao

(0,  2) + (3,  0) = (0 + 3,  2 + 0) = (3,  2)

Temos

(3,  2) = (1,  0) = 1

Vejamos mais dois exemplos. Calcule:

−1 + (−1) =?

Vamos transferir essa operacao para  Z, assim:

−1 + (−1)   ⇐⇒   (0,  1) + (0,  1)Entao

(0,  1) + (0,  1) = (0 + 0,  1 + 1) = (0,  2)

Pela equacao 5.12   (p. 185), temos (0,  2) = −(2 − 0) = −2.

Portanto, −1 + (−1) = −2. Tudo de modo claro e cristalino!

Como um outro exemplo, calcule

−1 · (−1) =?

Vamos transferir essa operacao para  Z, assim:

−1 · (−1)   ⇐⇒   (0,  1) · (0,  1)Pela definicao de multiplicacao nos inteiros   (p. 159), temos

(a, b) · (c, d) = (ac + bd, ad + bc)

(0,  1) · (0,  1) = (0 · 0 + 1 · 1,  0 · 1 + 1 · 0) = (1,  0)

Portanto, −1 · (−1) = 1.

Laplace   (1749-1827)   com respeito a Regra de Sinais disse: “   E difıcil conceber que um produto de  (−a)  por   (−b)   e o mesmo que  a  por  b”.

191

Page 193: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 193/515

Proposicao 15  (Regra dos sinais para a multiplicacao).   Sejam  α,   β   e   γ 

inteiros quaisquer. Entao(i)   −(−α) = α

(ii)   α · (−β ) = (−α) · β  = −(α · β )

(iii)   (−α) · (−β ) =  α · β .

Prova:   (i)   Seja   α  = (a, b), pelo teorema 20   (p. 164), temos −α   = (b, a),logo

−(−α) = − (b, a)

 = (a, b) = α

Prova:   (ii)   Sejam α = (a, b) e   β  = (c, d) dois inteiros.Pelo teorema 20   (p. 164)  podemos escrever

−α = (b, a) e   − β  = (d, c)

Logo

α · (−β ) = (a, b) · (d, c)

= (ad + bc, ac + bd)

= (bc + ad, bd + ac)= (b, a) · (c, d)

= (−α) · β 

Por outro lado

(−α) · β  = (b, a) · (c, d)

= (bc + ad, bd + ac)

= (ad + bc, ac + bd)

= − − (ad + bc, ac + bd)

= − (ac + bd, ad + bc)

= − (a, b) · (c, d)

= −(α · β )

Na quarta igualdade fizemos uso do ıtem (i)   .

192

Page 194: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 194/515

Prova:   (iii)   Sejam α  = (a, b) e   β  = (c, d) dois inteiros. Logo

(−α) · (−β ) = (b, a) · (d, c)

= (bd + ac, bc + ad)

= (ac + bd, ad + bc)

= (a, b) · (c, d)

= α · β 

Proposicao 16   (Regra dos sinais para a adicao).   Para a adicao de dois

inteiros valem as regras:

( i ) Mesmo sinal, soma-se e permanece o sinal.

( ii) Sinais contrarios, subtrai e da o sinal do maior.

Prova: ( i ) Podem ocorrer dois casos:

(m,  0) + (n,  0) = (m + n,  0)

ou(0, m) + (0, n) = (0, m + n)

( ii ) Por exemplo, suponhamos

(m,  0) + (0, n) = ?,   com  m > n.

Temos(m,  0) + (0, n) = (m, n)

Pela equacao (5.12) (p. 185), temos

(m,  0) + (0, n) = (m, n) = m − n

193

Page 195: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 195/515

Princıpio da Boa Ordem (P.B.O.)

Resta agora a ultima especificacao da lista ν  que caracteriza por completoos numeros inteiros.

ν  = { A1,  A2,  A3,  A4,  M1,  M2,  M3,  D,  Ordenado        ok

,  PBO }

Definicao 35   (Limitado inferiormente).   Seja A  um subconjunto nao vaziode Z. Diz-se que A e limitado inferiormente  se existe algum elemento  k ∈  Z,tal que  k ≤ a, para todo  a ∈ A.

Um tal  k   se chama  cota inferior  de  A.

Observe que na definicao acima   k ∈  Z; entretanto se, eventualmente,esta cota inferior pertence ao conjunto  A, entao e dito   menor elemento  ouelemento mınimo  de  A.

Teorema 27   (Princıpio da Boa Ordem).   Seja  A   um subconjunto, de  Z,nao vazio e limitado inferiormente. Entao,  A tem um menor elemento.

Prova: Na prova que faremos o que vem entre o par de retas paralelasa seguir e apenas um  exemplo   para facilitar o entendimento da demons-tracao, que de modo algum interfere no desenvolvimento logico da prova.

Pois bem, seja  k  uma cota inferior de  A, entao,  k ≤   x, ∀ x ∈   A.

A =

(0,  2),   (0,  3),   (0,  0),   (1,  0),   (2,  0)

, k = (0,  5), por exemplo.

Consideremos o conjunto

A′  = { x − k :   x ∈ A }   (5.14)

Observe que

k ≤   x, ∀ x ∈   A   ⇒   x − k ≥   0,   ∀ x ∈   A.

A′ =

(3,  0),   (2,  0),   (5,  0),   (6,  0),   (7,  0)

O que significa que  A′  pode ser identificado, via bijecao   (prop. 13, p. 181)

ϕ :   N   Z+

n   (n,  0)∴

ϕ−1 :   Z+   N

(n,  0)   n

194

Page 196: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 196/515

com um subconjunto de

N = Z+ = { (0,  0),  (1,  0),  (2,  0),  (3,  0),  (4,  0), . . . }

e, pelo Princıpio da Boa Ordem em   N, o conjunto   A′   possui um menorelemento, digamos,  m′.

Sendo assim,  m′ ∈ A′   e, por definicao de menor elemento,

m′ ≤   y, ∀ y ∈ A′   (5.15)

Como m′ ∈ A′,   m′   e da forma  m − k, para algum  m ∈ A.

m′  = (2,  0) = (0,  3)    m

−  (0,  5)     k

Afirmamos que m  =  m′ + k   e o elemento mınimo procurado para A.Devemos mostrar que:   m ≤   x, ∀ x ∈ A, ou ainda

m ≤   x, ∀ x ∈ A   ⇐⇒   m − k ≤   x − k, ∀ x ∈ A

Por outro lado, tendo em conta (5.15) e (5.14), temos

m′ ≤   y, ∀ y ∈ A′   =⇒   m − k

     m′

≤   x − k, ∀ x ∈ A

E isto prova que  m   e o elemento mınimo de  A.  

Sendo assim, acabamos de concluir a construcao do conjuntonumerico (ou sistema numerico) do inteiros.

ν  = { A1,  A2,  A3,  A4,  M1,  M2,  M3,  D,  Ordenado,  PBO   

}

Vejamos uma reformulacao do Princıpio da Boa Ordem que sera utilizadano capıtulo 10.

Teorema 28   (PBO2).   Seja  A  um subconjunto, de  Z, nao vazio e limitadosuperiormente. Entao,  A tem um maior elemento.

Prova: De fato, seja  S  ⊂  A,   S  = ∅, defina   S ′   = { −b :   b ∈   S }. Entao,S   e limitado inferiormente se e somente se   S ′   e limitado superiormente(justifique). Tem-se tambem que  S   possui um menor elemento se e somentese S ′  possui um maior elemento (neste caso tem-se que min S  = − max S ′).

195

Page 197: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 197/515

Uma exegese de nossa odisseia pelos inteiros

Tornar-se matematico inclui o desenvolvi-

mento da estetica matematica, uma predi-

lecao por analisar e compreender, por

perceber a estrutura e as relacoes estrutu-

rais, por ver como as coisas se ajustam.

E, pois, aos inıcios da Aritmetica que

podemos esperar encontrar a explicacao

que procuramos . . .   (Poincare)

Um leitor desatento poderia imaginar que despendemos muito esforcopara “retornar ao ponto de partida” e que, decididamente, nosso investi-mento nao compensa.

Como disse, ha uma diferenca entre fazer matematica e fazer conta. Ouainda: em trabalhar com o espırito da matematica e trabalhar apenas comseu corpo (cadaver).

Numa estimativa otimista creio que 99% dos indivıduos que trabal-ham com os inteiros canonicos,   Z, nao compreedem o que estao fazendo,foram apenas . . . digamos, adestrados (programados); ou ainda, processamsımbolos, mas nao significado.

Observe, ademais, que do ponto de vista da legıtima matematica (logica)os inteiros  Z  e que dao sustentacao aos inteiros  Z:

Z

Z

sustentacao logica.

← ν 

Z

Z

Ademais, observe que esta e a via pela qual cumprimos todas as justifica-tivas arroladas na introducao deste capıtulo, inclusive a dos intuicionistas:“Brouwer tem como norma que toda definic˜ ao seja construtiva, isto e, in-dique a maneira de obter os objetos definidos.

O matem´ atico, como o engenheiro ou o arquiteto, e um construtor.Se as suas estruturas s˜ ao mais duradouras que as deles, e porque utilizam como materia prima o abstrato, em detrimento do concreto.

(G.H. Hardy/Parafrase)

∗ ∗ ∗Brouwer punha em d´ uvida a existencia de qualquer objeto matem´ atico

que n˜ ao pudesse ser construıdo (ele preferia dizer edificado) na consciencia a partir de vivencias mentais muito especıficas, e recusava-se a admitir qual-quer noc˜ ao de verdade matem´ atica que dispensasse a verificac˜ ao efetiva por meio de procedimentos de construc˜ ao. A existencia independente de objetos matem´ aticos e a transcendencia da verdade matem´ atica s˜ ao enfaticamente negadas por Brouwer.   ([10], p. 148)

196

Page 198: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 198/515

Aqui neste livro estou destacando a proximidade da filosofia budista

com a (filosofia da) matematica, isto e, como a concepcao construtivista deBrouwer se harmoniza com a  filosofia da vacuidade budista, veja:

Na   teoria da relatividade ontologica, h´ a uma verdade que e in-vari´ avel atraves de todos os sistemas de referencia cognitivos:   tudo o que apreendemos, seja perceptiva ou conceitualmente, e desprovido de natureza inerente pr´ opria, ou identidade, independentemente dos meios pelos quais seja conhecido.   Objetos percebidos, ou entidades observ´ aveis, existem em relac˜ ao as faculdades sensoriais ou sistemas de medic˜ ao pelos quais s˜ ao de-tectados  − n˜ ao de modo independente no mundo objetivo. Isso e consensual entre psic´ ologos, neurocientistas e fısicos. Por exemplo, as cores existem em relac˜ ao a faculdade visual que as ve, e os sons existem em relac˜ ao as 

 faculdades auditivas que os ouvem.   (Wallace/[13], p. 99/Grifo nosso)

Invencao ou descoberta?

Tratemos da natureza dos objetos matem´ aticos. Duas posic˜ oes diametral-mente opostas foram defendidas, o “realismo” e o “construtivismo”. Para o “realista”, que se inspira diretamente em Plat˜ ao, o mundo e povoado de Ideias, que possuem uma realidade distinta da realidade sensıvel. V´ arios s˜ aoos matem´ aticos contemporˆ aneos que se consideram “realistas”. Dieudonne,por exemplo, escreve em seu livro: “ ´ E bem difıcil descrever as ideias desses matem´ aticos, que, ali´ as, variam de um para outro. Eles admitem que os objetos matem´ aticos possuem uma ‘realidade’ distinta da realidade sensıvel (quem sabe semelhante a realidade que Plat˜ ao atribuıa a suas ‘Ideias’ ?)”.Um matem´ atico t˜ ao not´ avel como Cantor escreveu que “A maior perfeic˜ aode Deus e a possibilidade de criar um conjunto infinito, e a sua imensa bondade o leva a cri´ a-lo”. Eis que nos encontramos em plena   mathesis

divina , em plena metafısica! O que surpreende em cientistas serios. [. . . ] 

Para os “construtivistas”, os objetos matem´ aticos s˜ ao seres fictıcios, que s´ o existem no pensamento do matem´ atico, e n˜ ao em um mundo platˆ onicoindependente da materia. Existem apenas nos neurˆ onios e sinapses dos matem´ aticos que os produzem, assim como daqueles que os compreendem e empregam .

(Materia e Pensamento/Jean-Pierre Changeux & Alain Connes/Unesp, p. 20/Grifo nosso)

Por todos os argumentos arrolados no capıtulo 1 desnecessario e dizerque me considero um construtivista em matematica. Ademais, (re)enfatizo:se o pernilongo que consta na figura da pagina 40 so existe na mente deEinstein −  ou com o concurso da mente de Einstein −, o que mais estariafora da mente? Em particular vejamos um exemplo de matematica que atea presente data  (24.11.2015) so existe em minha mente: Os numeros naturaisazuis e vermelhos − assim como os demais numeros azuis e vermelhos.

197

Page 199: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 199/515

ARQUITETURA DOS INTEIROS

Axiomas de Peano(p. 82)

N

N × N

Definicao 29(p. 156)

Definicao 10(p. 63)

Teorema 2(p. 69)

Definicao 30(+, p. 159)

Definicao 31(×, p. 159)

Teoremasp. 162, 163, 164

Teoremasp. 166, 167, 167

Z

Definicao 33(≤, p. 171)

Teorema 26(p. 172)

O matem´ atico, como o pintor ou o poeta, e um desenhista. Se os seus desenhos s˜ ao mais duradouros que os deles, e porque s˜ ao feitos com ideias.   (G.H. Hardy)

198

Page 200: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 200/515

Um dedinho a mais de prosa com o leitor: Lembro de que quando

estudei pela primeira vez a construcao dos inteiros −   como autodidata,uma vez que nunca a estudei na universidade (pois vim da engenharia) −,fiquei impressionado com tanto denodo dos matematicos para “demonstraro obvio”; digo, para no final concluirem que os “dois inteiros” (o canonico eo construido) tinham as mesmas propriedades.

Durante um bom tempo me questionei: O que um inteiro (Z) tem a vercom o outro inteiro (Z)?

Sera que os inteiros  Z  poderiam ter algum “atrativo extra”? O que eupoderia fazer com eles que nao poderia fazer com os velhos inteiros?

Estes foram questionamentos que, vez ou outra, me assolavam. Hoje,segundo meu entendimento, eles e que sao os verdadeiros inteiros! O que eu

posso fazer com eles que nao posso fazer com o outro? Por exemplo, resolver(rigorosamente) a mera equacao:

2 x + 3 = 1

A mim se aplicava, ipsis litteris:

“[. . .]  impotentes para ver os objetos cujas sombras n˜ ao passam de som-bras, ignoramos que elas s˜ ao sombras e as tomamos por realidade ”

Digo:

“[. . .]   impotente para ver os objetos   (Z)   cujas sombras   (Z)  n˜ ao passam 

de sombras, ignorava que elas s˜ ao sombras e as tomava por realidade ”

ν 

Z

Z

∗ ∗ ∗H´ a v´ arias vertentes de construtivismo em matem´ atica; algumas p˜ oe 

enfase na ontologia (para essas, nenhum objeto matem´ atico existe sem 

que tenha sido de algum modo construido), como preconizava o constru-tivismo de Poincare; outras enfatizam tambem a epistemologia (para es-sas, nenhum enunciado matem´ atico e verdadeiro a menos de manifesta evidencia), como pensava Brouwer. Os construtivistas em filosofia da matem´ atica s˜ ao anti-realistas quer em ontologia, quer em epistemologia,quer em ambos. Eles n˜ ao acreditam que os objetos matem´ aticos existam “em si”, independente de qualquer construc˜ ao, ou que os enunciados matem´ aticos sejam determinadamente verdadeiros ou falsos independen-temente de qualquer verificac˜ ao efetiva.

([10]/p. 146, 147)

199

Page 201: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 201/515

“Dedekind (1831-1916), amigo de Cantor estabeleceu uma relacao de

equivalencia entre pares de numeros naturais e faz referencia da subtracaocomo inversa da adicao:   a − b  =  c − d, logo  a + d  =  b + c. Ele demonstraque esta relacao e de equivalencia, e o conjunto das classes de equivalenciasera o conjunto dos numeros Inteiros.”   ([4])

A matematica construtivista

[. . . ] Divergimos, no momento, mas talvez as nossas posicoes evoluamdurante estas conversas, no que concerne a existencia de uma realidadematematica preexistente, no Universo, ao cerebro do matematico. Segundovoce, o matematico se limita a descobrir, passo a passo, essa   mathesis

universalis, na qual voce acredita −  utilizo a palavra deliberadamente.

Todavia, a sua atitude nao corresponde a de todos os matematicos. Em-manuel Kant, no seculo XVIII, sustentava que “a verdade ultima da mate-matica se encontra na possibilidade que tem o espırito humano de construirseus conceitos”. Um bom numero de matematicos, chamados de constru-tivistas, pensa que um objeto matematico so existe na medida em que sepode construı-lo. O debate, alias, parece quase tao animado entre forma-listas e construtivistas quanto entre nos. Um deles, Allan Calder, chegaa escrever que “os criterios de aceitabilidade da matematica construtivasao mais rigorosos que os da matematica nao-construtiva”, e que, con-siderando o problema pelo angulo do construtivismo, ganha-se “uma melhoranalise e teoremas mais potentes”.   E notavel, de qualquer forma, que certos

matematicos defendem teses diferentes da tua e proximas do neurobiologoque sou. Allan Calder e ainda mais direto do que eu o fora quando evoqueia tua vivencia de matematico criador, e a subjetividade de tua atitude. Eleescreve: “A maioria dos matematicos atuais, ha varias geracoes moldadospelo formalismo, acha-se em um estado de   bloqueio mental  que lhes di-ficulta dispor de uma visao objetiva da matematica, a um tal ponto quealguns chegam a considerar o construtivismo um cancer que destruiria amatematica”. Eis um exemplo de paixao, de irracionalidade mesmo, nodebate entre matematicos. De tal forma que Calder termina seu artigo notom em que se concluıa o nosso ultimo encontro: “Acreditar na existenciade uma verdade matematica fora do espırito humano exige do matematico

um ato de fe do qual a maioria deles nao esta consciente”. Estamos bemlonge da  emendation intellectus tao cara a Espinoza.

(Materia e Pensamento/Jean-Pierre Changeux & Alain Connes/Unesp, p. 53/Grifo nosso)

Nota:  Neste livro temos um dialogo entre dois ilustres cientistas, um mate-matico e um biologo. Allain Connes, o matematico, e Medalha Fields. Jean-Pierre Changeux, o biologo, e quem se expressa no trecho destacado acima.

Se alguma verdade existe que n˜ ao guarde nenhuma relac˜ ao sensitiva ou racional com a inteligencia humana, ser´ a igual a zero, enquanto formos n´ os seres humanos.   (Rabindranath Tagore)

200

Page 202: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 202/515

Apendice

Lema 8.   Sejam  α  = (a, b),   α′ = (a′, b′),   β  = (c, d),   β ′  = (c′, d′) numerosem  Z. Se  α  =  α′  e  β  =  β ′, entao

α + β  = (a + c, b + d) = (a′ + c′, b′ + d′) = α′ + β ′

Prova: Da hipotese, temos que

a + b′  =  a′ + b

c + d′  =  c′ + d

Logo,

(a + c) + (b′ + d′) = (a′ + c′) + (b + d)

donde

(a + c, b + d) = (a′ + c′, b′ + d′)

Lema 9.  Sejam α  = (a, b),   α′  = (a′, b′),   β  = (c, d),   β ′ = (c′, d′) elementosem  Z. Se  α  =  α′  e  β  = β ′, entao

α · β  = (ac + bd, ad + bc) = (a′c′ + b′d′, a′d′ + b′c′) = α′ · β ′

Prova: Vamos fazer a demonstracao em duas etapas. Afirmamos primeiroque

(ac + bd, ad + bc) = (a′c + b′d, a′d + b′c) (5.16)

De fato, da hipotese (α =  α′) temos que

a + b′  =  b + a′   (5.17)

Multiplicando essa equacao por c, obtemos

ac + b′c =  bc + a′c

Agora multiplicamos a equacao (5.17) por  d  e trocamos a posicao dos mem-bros:

bd + a′d =  ad + b′d

Somando as duas equacoes obtidas, resulta

ac + bd + a′d + b′c =  ad + bc + a′c + b′d

201

Page 203: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 203/515

donde

(ac + bd, ad + bc) = (a′c + b′d, a′d + b′c)

o que prova (5.16). Afirmamos agora que

(a′c + b′d, a′d + b′c) = (a′c′ + b′d′, a′d′ + b′c′) (5.18)

Novamente da hipotese (β  =  β ′), vem que

c + d′  =  c′ + d   (5.19)

Multiplicando essa equacao por  b′, obtemos

b′c + b′d′  =  b′c′ + b′d

Agora multiplicamos a equacao (5.19) por a′  e trocamos a posicao dos mem-bros:

a′c′ + a′d =  a′c + a′d′

Somando essas equacoes, resulta

a′c′ + b′d′ + a′d + b′c =  b′c′ + a′d′ + b′d + a′c

donde

(a′c + b′d, a′d + b′c) = (a′c′ + b′d′, a′d′ + b′c′) (5.20)

o que prova (5.18).  

Proposicao 17  (A relacao de ordem esta bem definida).   A relacao ≤   emZ nao depende dos representantes usados na definicao.

Prova: Sejam α  = (a, b) e   β  = (c, d) inteiros, e α ≤   β . Sejam α′  = (a′, b′)e   β ′  = (c′, d′), tais que (a′, b′) = (a, b) e (c′, d′) = (c, d).

Sendo assim   (def. 29, p. 156)

(a′, b′) ∼ (a, b) e (c′, d′) ∼ (c, d)

Daqui decorrem, respectivamente   (def. 29, p. 156)a′ + b =  b′ + a

c′ + d =  d′ + c

202

Page 204: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 204/515

Entao, na primeira igualdade a seguir usamos associatividade nos naturais

(a′ + d′) + (b + c) = a′ + (d′ + b) + c

= (a′ + b) + (d′ + c)

= (b′ + a) + (c′ + d)

= b′ + (a + c′) + d

= (b′ + c′) + (a + d)

Isto e

(a′ + d′) + (b + c) = (b′ + c′) + (a + d) (5.21)

Da hipotese α ≤   β , resulta   (def. 33, p. 171)

a + d ≤ b + c

Logo, somando (b′ + c′) a ambos os membros   (teo. 13, p. 109)

(b′ + c′) + (a + d) ≤   (b′ + c′) + (b + c)

Substituindo o lado esquerdo pelo lado esquerdo em (5.21), temos

(a′ + d′) + (b + c) ≤   (b′ + c′) + (b + c)

Portanto   (teo. 13, p. 109)

a′ + d′ ≤   b′ + c′

Logo   (def. 33, p. 171)

(a′, b′) ≤   (c′, d′)   ⇒   α′ ≤   β ′

203

Page 205: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 205/515

Proposicao 13 (p. 181). Os conjuntos   N   e  Z+   sao isomorfos, isto e, a

aplicacaoϕ :   N −→  Z+

definida por ϕ(n) = (n,  0) e bijetora e tem as seguintes propriedades:

( i ) ϕ(m + n) = ϕ(m) + ϕ(n)

( ii ) ϕ(m n) = ϕ(m) ϕ(n)

( iii ) Se   m ≤   n,   entao   ϕ(m) ≤   ϕ(n).

Prova: Consideremos a aplicacao

ϕ :   N   Z+n →   (n, 0)

∴   ϕ(n) = (n,  0)

Primeiramente vamos mostrar que  ϕ   e injetora, entao:

ϕ(n) = ϕ(m)   ⇒   (n,  0) = (m,  0)

Portanto,

(n,  0) ∼ (m,  0)   ⇒   n + 0 = 0 + m   ⇒   n =  m.

Vamos mostrar que  ϕ   e sobrejetora. De fato, se  α  = (a, b) e um elementode  Z+, entao  b

≤a, logo, existe  n

∈N tal que  a  =  b + n. Logo,

α = (a, b) = (b + n, b) = (n,  0) = ϕ(n)

( i ) Aplicacao  ϕ preserva a soma. De fato, se  m  e  n  sao naturais,

ϕ(m) + ϕ(n) = (m,  0) + (n,  0)

= (m + n,  0 + 0)

= (m + n,  0) = ϕ(m + n)

( ii ) Aplicacao  ϕ  preserva a multiplicacao. De fato, se  m  e  n  sao naturais,

ϕ(m) · ϕ(n) = (m,  0) · (n,  0)= (m n + 0 0, m 0 + 0 n)

= (m n,  0) = ϕ(m n)

( iii ) Aplicacao  ϕ   preserva a ordem. De fato, se  m ≤ n  entao existe  r ∈ N

tal que  n  =  m + r. Logo,

ϕ(n) = ϕ(m + r) = ϕ(m) + ϕ(r) ≥ ϕ(m)

pois  ϕ(k) ≥ 0 para todo k ∈ N.  

204

Page 206: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 206/515

Nota:   Comos N e Z+ sao isomorfos segue que podemos identificar o conjunto

dos numeros naturais como um subconjunto dos numeros inteiros. Ou seja,podemos identificar cada elemento  n ∈ N com o elemento (n,  0) ∈  Z+.

Proposicao 18.   Sejam  α,   β    e   γ   inteiros quaisquer. Entao

(i)   α > 0 e   β > 0   ⇒   α · β > 0.

(ii)   α < 0 e   β < 0   ⇒   α · β > 0.

(iii)   α < 0 e   β > 0   ⇒   α · β < 0.

(iv)   α <  0   ⇔ −α > 0.

Prova:(i) Consideremos  α  = (a, b),   β  = (c, d) e 0 = (n, n).

Como  α > 0 e   β >  0 temos   (def. 33, p. 171)

(a, b) >  (n, n)   ⇒   a + n > b + n   ⇒   a > b

e(c, d) >  (n, n)   ⇒   c + n > d  + n   ⇒   c > d

Como   (def. 31, p. 159)

α · β  = (a, b) · (c, d) = (ac + bd, ad + bc)

Para mostrar que α · β > 0, por (5.11)   (p. 177), e suficiente mostrar que

ac + bd > ad + bcComo d < c   por def. 23   (p. 106)  existe  p ∈ N∗   tal que   d + p =  c.

Por outro lado, como  a > b, temos que  ap > bp, logo

ac + bd =  a(d + p) + bd

= ad + ap + bd

> ad + bp + bd

= ad + b( p + d)

= ad + bc

Prova:

(ii) Consideremos  α  = (a, b),   β  = (c, d) e 0 = (n, n).Como  α < 0 e   β <  0 temos   (def. 33, p. 171)

(a, b) <  (n, n)   ⇒   a + n < b + n   ⇒   a < b

e(c, d) <  (n, n)   ⇒   c + n < d  + n   ⇒   c < d

205

Page 207: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 207/515

Como   (def. 31, p. 159)

α · β  = (a, b) · (c, d) = (ac + bd, ad + bc)

Para mostrar que 0  < α · β , por (5.11)   (p. 177), e suficiente mostrar que

ad + bc < ac + bd

Como  c < d   por def. 23   (p. 106)  existe  q  ∈ N∗   tal que   c + q  =  d.Por outro lado, como  a < b, temos que  aq < bq , logo

ad + bc =  a(c + q ) + bc

= ac + aq  + bc

< ac + bq  + bc= ac + b(q  + c)

= ac + bd

Prova:(iii)   α <  0 e   β > 0   ⇒   α · β < 0.

Consideremos  α  = (a, b),   β  = (c, d) e 0 = (n, n).Como  α < 0 e   β >  0 temos   (def. 33, p. 171)

(a, b) <  (n, n)   ⇒   a + n < b + n   ⇒   a < be

(c, d) >  (n, n)   ⇒   c + n > d + n   ⇒   c > d

Como   (def. 31, p. 159)

α · β  = (a, b) · (c, d) = (ac + bd, ad + bc)

Para mostrar que  α · β < 0, por (5.11)   (p. 177), e suficiente mostrar que

ac + bd < ad + bc

Como  d < c   por def. 23   (p. 106)  existe  r

∈N∗   tal que   d + r =  c.

Por outro lado, como  a < b, temos que  ar < br, logo

ac + bd =  a(d + r) + bd

= ad + ar + bd

< ad + br + bd

= ad + b(r + d)

= ad + bc

206

Page 208: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 208/515

Prova:

(iv)   α < 0   ⇔ −α > 0.Consideremos  α  = (a, b) e 0 = (n, n). Temos   (def. 33, p. 171)

(a, b) <  (n, n)   ⇔   a + n < b + n

⇔   a < b

⇔   b > a

⇔   b + n > a + n

⇔   (b, a)   >   (n, n)

⇔   (b, a) = − (a, b) = −α >  0

Nota:  A proposicao 18 tambem e verdadeira se substituirmos  <   ou  >   por≤   ou ≥.

207

Page 209: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 209/515

Sugestoes de Leitura

1a )   A Potencia do Nada  (O VAZIO INCONDICIONADO E A INFINITUDE

DO SER)

Deus - amor, inteligencia e vontade c´ osmicas - se faz atraves do homem, no Universo. Este eo lugar, o espaco, onde o divino se expressa e serealiza. O homem e o meio, o instrumento peloqual Deus vive e conhece a Si mesmo, de formasempre renovada e diversa, pelo desenvolvimentode suas potencialidades infinitas no tempo. Nesse

sentido, Deus, homem e Universo, tres aspectos doAbsoluto, constituem momentos de um processosem fim. Um nao existe sem o outro. O eterno,de onde essa trindade de manifestacoes acontece,e o Nada, o Vazio insondavel, o infinito elevadoao infinito, fundamento que contem todas as possibilidades de ser, existir esentir.

2a ) DIMENS~OES ESCONDIDAS (A UNIFICAC AO DE FISICA E CONSCIENCIA)

Transpondo a lacuna entre o mundo daciencia e o reino espiritual, B. Alan Wallace in-troduz uma teoria natural da consciencia hu-mana com raızes na fısica contemporanea e nobudismo. A “teoria especial da relatividade on-tol´ ogica ” sugere que os fenomenos mentais saocondicionados   pelo cerebro, mas nao emergemdele. Em vez disso, o mundo de mente e materia,sujeitos e ob jetos, surge de uma dimensao unitariada realidade que e mais fundamental que es-sas dualidades, conforme proposto por Wolfgang

Pauli e Carl Jung.Para testar estas hipoteses, Wallace emprega a pratica meditativa budis-

ta de samatha , que refina a atencao e a metacognicao,  para criar um tipode telescopio para examinar o espaco da mente.   (Grifo nosso)

Nota:   Corroborando Wallace, na pagina 218 falamos de um outro“telescopio” (tecnica) para examinar o espaco da mente; foi com o auxıliodeste telescopio (ou “microscopio”) que escrevemos o livro anterior, “O Deus

Quantico”, e, ademais, o presente livro,  Fundamentos dos Numeros.

208

Page 210: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 210/515

Capıtulo 6

INTEIROS AZUIS E

VERMELHOS

6.1 Os Inteiros Azuis

Para a construcao dos inteiros azuis

Z   Z ×

 ZZ

Z

+

·Z = (Z,  +,

 ·)

- Conjunto (hardware)

(aqui temos meros elementos)

- Estrutura

(aqui temos os inteiros azuis)

vamos partir dos naturais azuis:

N = ( { 0,  1,  2,  3,  4, . . . },  + , ·)

Lembramos que,   (p. 125)

0 = 0 0 0 0 0 0 0 0   . . .

1 = 1 0 0 0 0 0 0 0   . . .

2 = 0 1 0 0 0 0 0 0   . . .

3 = 1 1 0 0 0 0 0 0   . . .

4 = 0 0 1 0 0 0 0 0   . . .

· · · · · · · · · · · · · · · · · · · ·

209

Page 211: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 211/515

Tomaremos o produto cartesiano: { 0,  1,  2,  3,  4, . . . }×{ 0,  1,  2,  3,  4, . . . }.

N × N

(0, 0) (1, 0) (2, 0) (3, 0) (4, 0) (5, 0)

(0, 1) (1, 1) (2, 1) (3, 1) (4, 1) (5, 1)

(0, 2) (1, 2) (2, 2) (3, 2) (4, 2) (5, 2)

(0, 3) (1, 3) (2, 3) (3, 3) (4, 3) (5, 3)

(0, 4) (1, 4) (2, 4) (3, 4) (4, 4) (5, 4)

(0, 5) (1, 5) (2, 5) (3, 5) (4, 5) (5, 5)

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

N 0 1 2 3 4 5   . . .

N

   

   

   

   

   

   

0

1

2

3

4

5

...

Daı por diante basta “clonarmos” as definicoes dadas na construcao dosinteiros canonicos, por exemplo:   (def. 29, p. 156)

Definicao 36.   Dados dois elementos (a, b) e (c, d) do conjunto   N

×N,

diremos que (a, b) ∼ (c, d), se e somente se,  a + d =  b + c.

Vimos   (p. 184) que cada classe pode ser representada pelo primeiro pontoda respectiva reta. Faremos a seguinte troca de notacao:

(0, 0) (1, 0) (2, 0) (3, 0) (4, 0) (5, 0)

(0, 1) (1, 1) (2, 1) (3, 1) (4, 1) (5, 1)

(0, 2) (1, 2) (2, 2) (3, 2) (4, 2) (5, 2)

(0, 3) (1, 3) (2, 3) (3, 3) (4, 3) (5, 3)

(0, 4) (1, 4) (2, 4) (3, 4) (4, 4) (5, 4)

(0, 5) (1, 5) (2, 5) (3, 5) (4, 5) (5, 5)

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

N 0 1 2 3 4 5   . . .

−N

   

   

   

   

   

   

0

−1

−2

−3

−4

−5

...

↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓←−

←−

←−

←−

←−

←−

210

Page 212: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 212/515

Sendo assim, temos:   Z = ( { . . . , −3, −2, −1,  0,  1,  2,  3, . . . },  +, ·).

Onde, por exemplo,−1 = (0,  1) =

(0,  1),  (1,  2),  (2,  3),  (3,  4), . . .

0 = (0,  0) =

(0,  0),  (1,  1),  (2,  2),  (3,  3), . . .

  (6.1)

1 = (1,  0) =

(1,  0),  (2,  1),  (3,  2),  (4,  3), . . .

Geometricamente, temos

(0, 0) (1, 0) (2, 0) (3, 0) (4, 0) (5, 0)

(0, 1) (1, 1) (2, 1) (3, 1) (4, 1) (5, 1)

(0, 2) (1, 2) (2, 2) (3, 2) (4, 2) (5, 2)

(0, 3) (1, 3) (2, 3) (3, 3) (4, 3) (5, 3)

(0, 4) (1, 4) (2, 4) (3, 4) (4, 4) (5, 4)

(0, 5) (1, 5) (2, 5) (3, 5) (4, 5) (5, 5)

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

N 0 1 2 3 4 5   . . .

−N

   

   

   

   

   

   

0

−1

−2

−3

−4

−5

...

↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓

←−

←−

←−

←−

←−

←−(0, 0)

(0, 1)

(1, 0)

6.1.1 Representacao binaria para os inteiros azuis

Nosso objetivo agora sera obter uma  representac˜ ao bin´ aria  para os in-teiros azuis.

Voltando ao contexto da pagina 121, vamos inicialmente separar o seguintesubconjunto de  Z∞ :

Z =

x ∈ Z∞  :   x =  x0 x1 x2 x3   . . . x

k−1 ցր 00000  . . .

11111  . . .

e o conjunto de todas as sequencias com todos os termos iguais a 0 ou iguaisa 1, apartir de alguma posicao  k . Por exemplo, sao elementos de  Z:

000000000000   . . .

101010100000   . . .

110010100000   . . .

000000011111   . . .

111111111111   . . .

211

Page 213: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 213/515

Nao sao elementos de  Z:

101010101010   . . .

001100110011   . . .

110011001100   . . .

A funcao sucessor (estendida)

Vamos estender a funcao  σ   definida na pagina 121 do seguinte modo:

τ   :  Z −→   Z

Onde, dada a sequencia,

m =  a0 a1 a2 a3   . . . ak−1 ց

ր 00000  . . .

11111  . . .

teremos por definicao

τ (m) =

Se   a0  = 0 →   complementamos apenas o bit a0   em   m;

Se   a0  = 1 →   complementamos apenas os bits desde a0

ate o primeiro bit 0 em   m.

Em ambos os casos os demais bits sao preservados.

A funcao predecessor (estendida)

Vamos estender a funcao σ−1 definida na pagina 124 do seguinte modo:

τ −1 :  Z −→   Z

Teremos por definicao,

τ −1(m) =

Se   a0  = 1 →   complementamos apenas o bit a0   em   m;

Se   a0  = 0 →   complementamos apenas os bits desde a0

ate o primeiro bit 1 em   m.

Em ambos os casos os demais bits sao preservados.

Nota:  Dissemos (rodape p. 124) que as aplicacoes σ   e   σ−1 nao eram inversasuma da outra; aqui,  τ    e   τ −1 sao inversas uma da outra.   (exercıcio)

212

Page 214: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 214/515

Vamos reconsiderar a figura

(0, 0) (1, 0) (2, 0) (3, 0) (4, 0) (5, 0)

(0, 1) (1, 1) (2, 1) (3, 1) (4, 1) (5, 1)

(0, 2) (1, 2) (2, 2) (3, 2) (4, 2) (5, 2)

(0, 3) (1, 3) (2, 3) (3, 3) (4, 3) (5, 3)

(0, 4) (1, 4) (2, 4) (3, 4) (4, 4) (5, 4)

(0, 5) (1, 5) (2, 5) (3, 5) (4, 5) (5, 5)

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

N 0 1 2 3 4 5   . . .

−N

   

   

   

   

   

   

0

−1

−2

−3

−4

−5

...

↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓←−

←−

←−

←−

←−

←−

Daqui obtemos a “reta dos inteiros”, assim:

Z(0, 1)(0, 2)(0, 3)(0, 4)(0, 5)

(0, 0) (1, 0) (2, 0) (3, 0) (4, 0) (5, 0). . . . . .

Faremos a seguinte  representac˜ ao  (codificac˜ ao) dos inteiros (m,  0) = τ m(0)

(0,  m) = τ −m(0)(6.2)

Onde:

τ m

(0)   −→   significa iterar m  vezes ‘para a direita’ a partir do 0;

τ −m(0) −→   significa iterar m  vezes ‘para a esquerda’ a partir do 0.

Ademais, temos, por definicao:

τ 0(0) = τ −0(0) = 0 = 0 0 0 0 0 0 0 0   . . .

Ainda temos por definicao:

τ −m =

τ −1m

213

Page 215: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 215/515

Exemplos:

0 0 0 0 0 0 0 0  . . .

1 0 0 0 0 0 0 0  . . .

0 1 0 0 0 0 0 0  . . .

1 1 0 0 0 0 0 0  . . .

0 0 1 0 0 0 0 0  . . .

1 0 1 0 0 0 0 0  . . .

· · · · · · · · · · · · · · · ·

τ 1(0)

τ 2(0)

τ 3(0)

τ 4(0)

τ 5(0)

               

0 0 0 0 0 0 0 0  . . .

1 1 1 1 1 1 1 1  . . .

0 1 1 1 1 1 1 1  . . .

1 0 1 1 1 1 1 1  . . .

0 0 1 1 1 1 1 1  . . .

0 1 0 1 1 1 1 1  . . .

· · · · · · · · · · · · · · · ·

τ −1(0)

τ −2(0)

τ −3(0)

τ −4(0)

τ −5(0)

               

Sendo assim temos a seguinte correspondencia:

Z(0, 1)(0, 2)(0, 3)(0, 4)(0, 5)

(0, 0) (1, 0) (2, 0) (3, 0) (4, 0) (5, 0). . . . . .

−→τ ←−τ −1

Z 01011111...

00111111...

10111111...

01111111...

11111111...

00000000...

10000000...

01000000...

11000000...

00100000...

10100000...

. . . . . .

Observe que podemos definir uma adicao e multiplicacao no conjunto

Z =

x ∈ Z∞  :   x =  x0 x1 x2 x3   . . . xk−1

ցր 00000   . . .

11111   . . .

utilizando as equacoes dadas em (6.2)   (p. 213).Vejamos um exemplo: somar e multiplicar as seguintes sequencias:

m = 00100000 . . .   e   n = 10111111 . . ..Inicialmente observe que as funcoes   τ    e   τ −1 nos permitem construir

tabelas de qualquer ordem (ou dimensao). Entao,   m   e   n   sao iteracoes, apartir do 0, de alguma ordem de  τ    e   τ −1, veja:

Z(0, 1)(0, 2)(0, 3)(0, 4)(0, 5)

(0, 0) (1, 0) (2, 0) (3, 0) (4, 0) (5, 0). . . . . .

−→τ ←−τ −1

Z 01011111...

00111111...

10111111...

01111111...

11111111...

00000000...

10000000...

01000000...

11000000...

00100000...

10100000...

. . . . . .

214

Page 216: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 216/515

Sendo assim temos: (m,  0) =  τ m(0)

(0,  m) =  τ −m(0)⇒

(4,  0) = τ 4(0)

(0,  3) = τ −3(0)

Entao,  somando  estas  classes , temos   (p. 159, fig. p. 211)

(4,  0) + (0,  3) = (4,  3) = (1,  0)

Logo,00100000 . . .   + 10111111 . . .  = 10000000 . . .

Agora,  multiplicando  estas  classes , temos   (eq. (5.6), p. 159)

(4,  0) · (0,  3) = (0,  12)De outro modo,

(4,  0) · [−(3,  0)] = 4 · (−3) = −12

Como na tabela anterior nao comparece a decima segunda iteracao deτ −1, vejamos um caminho alternativo. Na tabela da pagina 130 encon-tramos:   12 = 00110000 . . ..

Vamos fornecer um algoritmo para encontrar o oposto de uma sequenciabinaria.

“Para obter o oposto de uma sequencia  ‘percorra-a’ ate encontrar o

primeiro  bit 1, a partir daı (exclusive) complemente todos os digitos subse-

quentes”. Por exemplo,

0 = 0 0 0 0 0 0 0 0   . . .   ⇒ −0 = 0 0 0 0 0 0 0 0   . . .

1 = 1 0 0 0 0 0 0 0   . . .   ⇒ −1 = 1 1 1 1 1 1 1 1   . . .

2 = 0 1 0 0 0 0 0 0   . . .   ⇒ −2 = 0 1 1 1 1 1 1 1   . . .

3 = 1 1 0 0 0 0 0 0   . . .   ⇒ −3 = 1 0 1 1 1 1 1 1   . . .

4 = 0 0 1 0 0 0 0 0   . . .   ⇒ −4 = 0 0 1 1 1 1 1 1   . . .

5 = 1 0 1 0 0 0 0 0   . . .   ⇒ −5 = 1 1 0 1 1 1 1 1   . . .

Temos,

−12 =

−(00110000 . . .) = 00101111 . . .

Logo,00100000 . . .   ·   10111111 . . .  = 00101111 . . .

Nota:  O algoritmo anterior e tal que resulta da equacao m = (m,  0) = τ m(0)

−m = (0,  m) = τ −m(0)

a somaτ m(0) +  τ −m(0) = 0

215

Page 217: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 217/515

6.2 Os Inteiros Vermelhos

Introducao

Temos duas alternativas para construir os inteiros vermelhos. Realizandouma efetiva construcao, a partir dos naturais vermelhos − isto e possıvel −,ou fazer uma “clonagem” a partir dos inteiros azuis. Optaremos por estasegunda alternativa, por ser mais imediata.

Com efeito, podemos ver os inteiros vermelhos como uma  notacao al-ternativa   para os inteiros azuis; mas nem por isto eles deixam de ser“numeros autenticos”.

Inicialmente lembramos da seguinte equivalencia:   (p. 138)

0   ←→e

1   ←→Sendo assim, fazemos a seguinte identificacao:

Z = . . . ,  (0, 3), (0,  2),  (0, 1),  (0,  0), (1,  0),  (2, 0),  (3,  0), . . .                          

. . . , , , , , , , , , , , . . .{ }Z =   ( )...

  ... ( )...

  ... ( )...

  ...( )...

  ... ( )...

  ...

Z   e o hardware dos inteiros vermelhos. Faremos a seguinte simplificacao

Z = { . . . ,  (0,  3),   (0,  2),   (0,  1),   (0,  0),   (1,  0),   (2,  0),   (3,  0), . . . } . . . . . .

Z = { . . . , −3,   −2,   −1,   0,   1,   2,   3, . . . } . . . . . .

. . . , , , , , , , , . . .{ }Z =

...

...

...  ...

  ...  ...

  ...

Faremos a seguinte mudanca de notacao:   (fig. p. 214)

. . . , , , , , , , , . . .{ }Z =...

  ...  ...

  ...  ...

  ...  ...

Nota:  Os inteiros azuis e vermelhos sao exemplos do que na ´ algebra abstrata chamamos de  aneis de integridade.

216

Page 218: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 218/515

Resolucao da equacao

2 x + 3 = 1

Nos Inteiros Azuis

Nos inteiros azuis esta mesma equacao fica assim:

0 1 0 0 0  . . . x + 1 1 0 0 0   . . . = 1 0 0 0 0   . . .

Basta mudar a cor para azul na resolucao da pagina 187, assim:

(2,  0) x   = (2,  0)·

(0,  1)

Aplicando a lei dos cortes, resulta

x   = (0,  1) = − (1,  0) = −1

Nos Inteiros Vermelhos

Nos inteiros vermelhos esta mesma equacao fica assim:

...  ...

  ...·   + =x

Na notacao de classes temos:

, , ,· x   + =( )...

  ... ( )...

  ... ( )...

  ...

Cuja solucao e

,x = ( )...

  ...

Ou ainda

x =...

217

Page 219: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 219/515

O cientista Galileu Galilei foi o primeiro a fazer uso cientıfico do telesco-

pio   por volta do ano de 1610, ao fazer observacoes astronomicas com elerevolucionou a astronomia.

Em 1665, o ingles Robert Hooke usou um   microscopio   para obser-var uma grande variedade de pequenos objetos; ele publicou o livro  Micro-graphia , descrevendo suas observacoes no qual usa a designacao “little boxesor cells” (pequenas caixas ou celas), dando origem assim ao termo celula.

mente (prisma) Consciencia (Vazio)

A partir do ano 2005, o matematico e pesquisador Gentil   utiliza aayahuasca para observar o Vazio. Como resultado de suas experienciasno ano de 2014 publica, sob o pseudonimo de Gentil, o iconoclasta, o livro“O Deus Quˆ antico (Um Deus pra homem nenhum botar defeito, mesmoque esse homem seja um ateu)”; em seguida (2015 − 2016) ainda no “em-balo” (“frequencia”) conclui a redacao do presente livro,  Fundamentos dos

Numeros.Lembrando do telescopio de Galileu e do microscopio de Robert Hooke

estamos colocando neste mesmo nıvel de importancia as  tecnicas de intros-pecc˜ ao  referidas por Wallace as paginas 29 e 208.

Por oportuno, existiram “cientistas” que se recusaram a colocar os olhosna luneta de Galileu para nao verem suas crencas de uma vida inteira irempara a lata do lixo (“selecao natural”).

De igual modo, cientistas contemporaneos hao de negar a legitmidadecientıfica destas vias alternativas de pesquisa; como convencer os cegos darealidade das cores?

218

Page 220: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 220/515

Capıtulo 7

NUMEROS RACIONAIS

Muitas coisas que consider´ avamos como leis naturais s˜ ao actualmente demonstradas como constituindo puras convenc˜ oes humanas.

(Bertrand Russel)

7.1 Construcao dos Racionais

Para construirmos os numeros racionais precisamos antes saber aquiloque desejamos construir, isto e, o que sao os numeros racionais. Numerosracionais e o sistema numerico que consta na placa a seguir:

A1 ) (a + b) + c =  a + (b + c)

A2 )   ∃ 0 ∈ Q :   a + 0 = 0 + a =  a

A3 )   a + b =  b + a

A4 )   ∀ a ∈ Q, ∃ − a ∈ Q :   a + (−a) = 0

M 1 ) (a · b) · c =  a · (b · c)

M 2 )   ∃ 1 ∈ Q :   a · 1 = 1 · a =  a

M 3 )   a · b =  b · aM 4 )   ∀ a ∈ Q∗, ∃   a−1 ∈ Q :   a · a−1 = 1

D)   a · (b + c) = a · b + a · c

•   Ordenado

Q

O significado de Ordenado e o mesmo dado para os numeros inteiros, p. 154.Colocamos em destaque a principal propriedade algebrica  que diferencia estesistema do anterior −  numeros inteiros, ver p. 153.

219

Page 221: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 221/515

Com esta propriedade, que garante a existencia de inverso multiplicativo,

estaremos aptos a resolver, em  Q, equacoes do tipo:   ax =  b, assim:

a−1 (ax) = a−1 b   ⇒   (a−1 a) x =  a−1 b

⇒   1 · x =  a−1 b   ⇒   x =  a−1 b.

Por oportuno, se alguem perguntar a voce leitor o que e um numeroracional, arranque (digo, imprima) o quadro amarelo   (p. 219)  e entregue-lhe. Um n´ umero racional  e um sımbolo manipulado segundo aquelas regras.

Vamos juntar estas dez propriedades em um conjunto denotado por  τ :

τ  =

{A1,  A2,  A3,  A4,  M1,  M2,  M3,  M4,  D,  Ordenado

}Um sistema numerico visto como um sistema de processa-

mento de informacoes

Alternativamente, podemos ver o sistema numerico dos racionais comoum sistema de processamento de informacoes, composto por duas partes:

hardware   e  software , assim:

Q = ( Q, τ  )

Conjunto(hardware)

Software (instruc~oes)

Uma observacao importante: O hardware de implementacao dos racionaisnao e unico, o que e unico sao as “especificacoes do sistema” listadas em τ .

Aqui estaremos seguindo a construcao classica em matematica, no proximocapıtulo estaremos implementando os racionais em dois outros hardwares −resultando nos  racionais azuis   e   racionais vermelhos.

Um hardware para os racionais

Voltando a construcao dos racionais, vamos erigir esta estrutura sobrea estrutura dos numeros inteiros.   E como se fosse uma estrutura com trespavimentos: no andar terreo temos os naturais, no medio temos os inteirose no andar superior teremos os racionais. Entao,

Z =

 . . . ,  (0,  2),   (0,  1),   (0,  0),   (1,  0),   (2,  0), . . .

Vamos, ademais, considerar a seguinte mudanca de notacao:   (p. 185)

Z = { . . . ,  (0,  3),   (0,  2),   (0,  1),   (0,  0),   (1,  0),   (2,  0),   (3,  0), . . . } . . . . . .

Z = { . . . ,  −3,   −2,   −1,   0,   1,   2,   3, . . . }

220

Page 222: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 222/515

Realizando o produto cartesiano  Z × Z, obtemos:

Z

Z

(−4, 0) (−3, 0) (−2, 0) (−1, 0) (0, 0) (1, 0) (2, 0) (3, 0) (4, 0)

(−4, 1) (−3, 1) (−2, 1) (−1, 1) (0, 1) (1, 1) (2, 1) (3, 1) (4, 1)

(−4, 2) (−3, 2) (−2, 2) (−1, 2) (0, 2) (1, 2) (2, 2) (3, 2) (4, 2)

(−4, 3) (−3, 3) (−2, 3) (−1, 3) (0, 3) (1, 3) (2, 3) (3, 3) (4, 3)

(−4, 4) (−3, 4) (−2, 4) (−1, 4) (0, 4) (1, 4) (2, 4) (3, 4) (4, 4)

(−4, −1)(−3, −1)(−2, −1)(−1, −1) (0, −1) (1, −1) (2, −1) (3, −1) (4, −1)

(−4, −2)(−3, −2)(−2, −2)(−1, −2) (0, −2) (1, −2) (2, −2) (3, −2) (4, −2)

(−4, −3)(−3, −3)(−2, −3)(−1, −3) (0, −3) (1, −3) (2, −3) (3, −3) (4, −3)

(−4, −4)(−3, −4)(−2, −4)(−1, −4) (0, −4) (1, −4) (2, −4) (3, −4) (4, −4)

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...

Vamos excluir do produto cartesiano  Z × Z  todos os pares com segundacoordenada nula (“eixo x”), obtendo assim  Z

×Z∗, veja:

Z × Z∗

(−4, 1) (−3, 1) (−2, 1) (−1, 1) (0, 1) (1, 1) (2, 1) (3, 1) (4, 1)

(−4, 2) (−3, 2) (−2, 2) (−1, 2) (0, 2) (1, 2) (2, 2) (3, 2) (4, 2)

(−4, 3) (−3, 3) (−2, 3) (−1, 3) (0, 3) (1, 3) (2, 3) (3, 3) (4, 3)

(−4, 4) (−3, 4) (−2, 4) (−1, 4) (0, 4) (1, 4) (2, 4) (3, 4) (4, 4)

(−4, −1)(−3, −1)(−2, −1)(−1, −1) (0, −1) (1, −1) (2, −1) (3, −1) (4, −1)

(−4, −2)(−3, −2)(−2, −2)(−1, −2) (0, −2) (1, −2) (2, −2) (3, −2) (4, −2)

(−4, −3)(−3, −3)(−2, −3)(−1, −3) (0, −3) (1, −3) (2, −3) (3, −3) (4, −3)

(−4, −4)(−3, −4)(−2, −4)(−1, −4) (0, −4) (1, −4) (2, −4) (3, −4) (4, −4)

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...

221

Page 223: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 223/515

Sobre este conjunto

Z × Z∗ = { (a, b) :  a ∈ Z   e   b ∈ Z∗ }

vamos construir o hardware para os numeros racionais.

Pois bem, a construcao dos racionais passa pelo importante, frutıfero edecisivo conceito de  relac˜ ao de equivalencia .   (def. 10, p. 63)

O primeiro passo sera definir uma relacao de equivalencia no nosso can-didato a hardware dos inteiros, isto e, no conjunto Z × Z∗.

Definicao 37.   Dados dois elementos (a, b) e (c, d) do conjunto   Z × Z∗,

diremos que (a, b) ∼ (c, d), se e somente se,  a · d =  b · c.

Por exemplo:

(2,  3) ∼ (4,  6)   ⇐⇒   2 · 6 = 3 · 4

Vamos provar que a relacao definida acima e de equivalencia.

Prova: Acompanhe pela definicao 10:   (p. 63)

(i) Para todo (a, b) ∈ Z × Z∗  temos que (a, b) ∼ (a, b), isto se deve a que

a

·b =  b

·a

Observe que a reflexividade decorre da comutatividade nos inteiros.

(ii) Considere (a, b) e (c, d) pares em  Z × Z∗. Se

(a, b) ∼ (c, d)   ⇒   a · d =  b · c

⇒   b · c =  a · d

⇒   c · b =  d · a

⇒   (c, d) ∼ (a, b)

( iii ) Considere (a, b), (c, d) e (e, f ) pares em Z

×Z∗. Por hipotese

(a, b) ∼ (c, d)   ⇒   a · d =  b · c   (7.1)

e

(c, d) ∼ (e, f )   ⇒   c · f  = d · e   (7.2)

Devemos provar que

(a, b) ∼ (e, f ),   isto e,   a · f  = b · e

222

Page 224: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 224/515

Multiplicando (7.1) por  f  e (7.2) por b, obtemos

(a · d) · f   = (b · c) · f    ; (c · f ) · b = (d · e) · b

Destas igualdades, resulta

(a · d) · f  = (d · e) · b

Aplicando a lei do corte em  Z, concluimos a prova.  

Classes de equivalencia

Vamos ilustrar como se encontra uma classe de equivalencia segundo essarelacao. Por exemplo, como encontrar (1,  2) ?

Pela definicao 11 (p. 66), temos: a ={

x∈

A :  x∼

a}

.

Traduzindo para o nosso contexto:

a = {  x ∈ A :   x ∼   a }

(1,  2) = { (x, y) ∈ Z × Z∗ : (x, y) ∼   (1,  2) }

Entao, pela definicao 37   (p. 222), temos:

(x, y) ∼   (1,  2)   ⇐⇒   x · 2 =  y · 1

Logo,

(1,  2) = { (x, y) ∈ Z × Z∗ :   y = 2 x }Ou seja, a classe de equivalencia de (1,  2) e a “reta” de equacao  y = 2 x.

Vejamos mais alguns exemplos,

(2,  1) = { (x, y) ∈ Z × Z∗ :  x 1 = y 2 } = { (x, y) ∈ Z × Z∗ : 2 y  =  x }

(1,  1) = { (x, y) ∈ Z × Z∗ :  x 1 = y 1 } = { (x, y) ∈ Z × Z∗ :  y  =  x }

(3,  1) = { (x, y) ∈ Z × Z∗ :  x 1 = y 3 } = { (x, y) ∈ Z × Z∗ :  x  = 3 y }

(0,  1) = { (x, y) ∈ Z × Z∗ :  x 1 = y 0 } = { (x, y) ∈ Z × Z∗ :  x  = 0 }

(−2,  1) = { (x, y) ∈ Z × Z∗ :  x 1 = y (−2) } = { (x, y) :  x  = −2 y }

223

Page 225: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 225/515

Geometricamente fica assim:

(0, 0)

11 1

2 01

21

31

−11

−21

−31

−12

(−4, 1) (−3, 1) (−2, 1) (−1, 1) (0, 1) (1, 1) (2, 1) (3, 1) (4, 1)

(−4, 2) (−3, 2) (−2, 2) (−1, 2) (0, 2) (1, 2) (2, 2) (3, 2) (4, 2)

(−4, 3) (−3, 3) (−2, 3) (−1, 3) (0, 3) (1, 3) (2, 3) (3, 3) (4, 3)

(−4, 4) (−3, 4) (−2, 4) (−1, 4) (0, 4) (1, 4) (2, 4) (3, 4) (4, 4)

(−4, −1)(−3, −1)(−2, −1)(−1, −1) (0, −1) (1, −1) (2, −1) (3, −1) (4, −1)

(−4, −2)(−3, −2)(−2, −2)(−1, −2) (0, −2) (1, −2) (2, −2) (3, −2) (4, −2)

(−4, −3)(−3, −3)(−2, −3)(−1, −3) (0, −3) (1, −3) (2, −3) (3, −3) (4, −3)

(

−4,

−4)(

−3,

−4)(

−2,

−4)(

−1,

−4) (0,

−4) (1,

−4) (2,

−4) (3,

−4) (4,

−4)

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

...   ...   ...   ...   ...   ...   ...   ...   ...

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...

Nota:   Para representar a  classe de equivalencia   do par (a, b), utilizamosalternativamente o   sımbolo  (notacao)   a

b , assim:

(a, b) =  a

b  (7.3)

Por hora apenas uma notacao alternativa. Entao,

ab   = { (x, y) ∈ Z × Z∗ : (x, y) ∼ (a, b) } = { (x, y) ∈ Z × Z∗ :  x b =  y a }

O sımbolo   ab   chama-se fracao de numerador  a  e denominador  b.

Importante:   Trabalhar com os numeros racionais na forma de fracao emais conveniente (comodo), todavia deve-se ter em conta que um numeroracional nao e uma fracao mas sim uma classe de equivalencia.

224

Page 226: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 226/515

A seguir pomos em destaque algumas classes:

01

 = { . . . ,  (0, −3),  (0, −2),  (0, −1),  (0,  1),  (0,  2),  (0,  3), . . . }

1

1 = { . . . ,  (−3, −3),  (−2, −2),  (−1, −1),  (1,  1),  (2,  2),  (3,  3), . . . }

1

2 = { . . . ,  (−3, −6),  (−2, −4),  (−1, −2),  (1,  2),  (2,  4),  (3,  6), . . . }

−1

1  = { . . . ,  (−3,  3),  (−2,  2),  (−1,  1),  (1, −1),  (2, −2),  (3, −3), . . . }

Enfatizamos que a fracao

  1

2   significa (e o mesmo que):{ . . . ,  (−3, −6),  (−2, −4),  (−1, −2),  (1,  2),  (2,  4),  (3,  6), . . . }

e um conjunto de pares ordenados de inteiros; aqueles para os quais  y  = 2 x.

Ademais, como vimos   (teo. 5, p. 71), uma relacao de equivalencia parti-ciona um conjunto (no caso presente  Z×Z∗) em celulas denominadas classesde equivalencia,

Z × Z∗

12

01

11

−11

as quais reunem todos os elementos semelhantes, segundo um dado criterio(def. 37, p. 222). Por exemplo,

1

2 = · · · =

 −3

−6  =

 −2

−4 =

 −1

−2 =

  2

4 =

 3

6  = · · ·

Na figura da pagina anterior observamos geometricamente a referida particao.

Conjunto-quociente

O conjunto quociente   Z × Z∗/ ∼   e formado por todas as classes deequivalencia:

Z × Z∗/∼   =

(a, b) :  a ∈ Z   e   b ∈ Z∗ = a

b :  a ∈ Z   e   b ∈ Z∗

Faremos a seguinte mudanca de notacao:

Q =  Z × Z∗/∼   = a

b :  a ∈ Z   e   b ∈ Z∗

225

Page 227: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 227/515

Este e o hardware sobre o qual vamos erigir o sistema dos   numeros

racionais.De momento faremos ainda a seguinte mudanca de notacao:

0

1 =

¯0 e

  1

1  =

¯1 (7.4)

Exemplo:  O conjunto

¯0 = { (0, β ) :  β  ∈ Z∗ }   (7.5)

e um elemento de  Q.   (Nota: 0 ∈ Z, p. 220)

Com efeito,

¯0 = { (0, β ) :  β  ∈ Z∗ }

= { (α, β ) ∈ Z × Z∗ :  α  = 0 }= { (α, β ) ∈ Z × Z∗ :  α · β  =  β  · 0, β  ∈ Z∗ }= { (α, β ) ∈ Z × Z∗ : (α, β ) ∼ (0, β ) }

= (0, β ) ∈  Q

Exemplo:  O conjunto

¯1 = { (α, α) :  α ∈ Z∗ }   (7.6)

e um elemento de  Q. Com efeito,

¯1 = { (α, α) :  α ∈ Z∗ }

= { (β, γ ) ∈ Z × Z∗ :  β  =  γ }= { (β, γ ) ∈ Z × Z∗ :  β  · α =  γ  · α, α ∈ Z∗ }= { (β, γ ) ∈ Z × Z∗ : (β, γ ) ∼ (α, α) }

= (α, α) ∈

 Q

226

Page 228: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 228/515

7.1.1 Operacoes em  Q

Nosso proximo passo sera introduzir operacoes em  Q.

Definicao 38   (Adicao em  Q).   Sejam  α  = (a, b) e   β   = (c, d) elementosde  Q. Definimos a soma de  α   e   β  como

α + β  = (a, b) + (c, d)

= (a d + b c, b d)

Esta definicao na notacao alternativa   (p. 224)  pode ser vista assim:

α + β  =   ab

 +  cd

 =   a d + b cb d

Ou ainda,

(a, b) + (c, d) = (a d + b c, b d)

a

b  +

  c

d  =

  a d + b c

b d

Por exemplo, seja  α  = (7,  2) e   β  = (5,  3), entao

α + β  = (7,  2) + (5,  3)

= (7 · 3 + 2 · 5,  2 · 3) = (31,  6)

Ou ainda,7

2 +

 5

3 =

 7 · 3 + 2 · 5

2 · 3  =

  31

6

Para mostrar que a adicao proposta esta bem definida devemos provarque ela independe de qual elemento escolhemos na classe de equivalencia.Isto de fato acontece, a prova encontra-se no apendice, lema 13.   (p. 259)

Definicao 39   (Multiplicacao em  Q).   Sejam   α   = (a, b) e   β   = (c, d)elementos de  Q. Definimos o produto de  α   e   β  como

α · β  = (a, b) · (c, d)

= (ac, b d) (7.7)

227

Page 229: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 229/515

Esta definicao na notacao alternativa   (p. 224) pode ser vista assim:

α · β  = a

b ·  c

d  =

 a · c

b · d

Ou ainda,

(a, b) · (c, d) = (a · c, b · d)

a

b  ·   c

d  =

  a · c

b · d

Por exemplo, seja  α  = (7,  2) e   β  = (5,  3), entao

α · β  = (7,  2) · (5,  3)

= (7 · 5,  2 · 3) = (35,  6)

Ou ainda,7

2 · 5

3 =

  7 · 5

2 · 3 =

  35

6

Para mostrar que a multiplicacao proposta esta bem definida devemosprovar que ela independe de qual elemento escolhemos na classe de equivalen-cia. Isto de fato acontece, a prova encontra-se no apendice, lema 14.   (p. 260)

Definicao 40 (Numeros Racionais).  Denominamos de sistema (“conjunto”)dos numeros racionais a terna,

Q = (Q,  +, ·)

Observe esta construcao no esquema a seguir,

Q   Q ×  QQ

Q

+

· Q = (Q,  +, ·)

- Conjunto (hardware)

(aqui temos meros elementos)

- Estrutura

(aqui temos os numeros racionais)

228

Page 230: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 230/515

E por que estes sao os numeros racionais? Respondemos: porque com

estas operacoes demonstramos − vamos demonstrar − que as especificacoesdo sistema, τ   (p. 220), sao atendidas.

De passagem, uma observacao nao desprezıvel e a de que na definicao

(a, b) + (c, d) = (a d + b c, b d)

Nova adicao (em  Q)

“Velha multiplicacao” (em  Z)

“Velha adicao” (em  Z)

estamos a usar um mesmo sımbolo, “+”, para denotar duas adicoes dis-

tintas; o da esquerda significa (a nova) adicao de classes, enquanto que omesmo sımbolo a direita da igualdade denota adicao de numeros inteiros.Observacao analoga pode ser feita na definicao de multiplicacao.

Teorema 29   (Associativa).   Sejam   r   = (a, b) e   s   = (c, d) e   t   = (e, f )racionais quaisquer. Vale a seguinte igualdade:

A1 ) (r + s) + t =  r + (s + t)

Prova: Sejam,  r  =   ab ,   s =   c

d   e   t =   ef   , entao:

(r + s) + t =

 a

b +

 c

d +

 e

= a d + b c

b d

+

 e

=  (a d + b c) f  + (bd) e

(b d) f 

Por outro lado,

r + (s + t) = a

b + c

d +

  e

= a

b + c f  + d e

d f 

= a (d f ) + b (c f  + d e)

b (d f )

Comparando os dois resultados concluimos a prova.  

229

Page 231: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 231/515

Teorema 30 (Elemento neutro).   Seja r um racional arbitrariamente fixado.

Existe um unico elemento 0 ∈  Q tal que  r  + 0 = r.   (eq. (7.4), p. 226)

Prova:   (Existencia). Seja   (eq. (7.5), p. 226)

¯0 = { (0, β ) :  β  ∈ Z∗ }

Seja  r  = (a, b) um racional arbitrario, entao

r +¯0 = (a, b) + (0, β )

= (a · β  + b · 0, b · β )

= (a · β, b · β ) = (a, b) = r

Logo,  r +¯0 = r.

Observe que a igualdade (a · β, b · β ) = (a, b) se deve a que

(a · β, b · β ) ∼ (a, b)

Veja definicao 37, p. 222 e teorema 2, p. 69.

(Unicidade). Suponhamos que¯0 1   e

¯0 2   sao elementos de  Q  que satisfazem

r +¯0 = r. Entao, considerando

¯0 1  como sendo o elemento neutro, resulta

¯0 2 +

¯0 1  =

¯0 2   (7.8)

Agora considerando 0 2  como sendo o elemento neutro, resulta

¯0 1 +

¯0 2  =

¯0 1

Aplicando a propriedade comutativa nesta ultima equacao, obtemos

¯0 2 +

¯0 1  =

¯0 1

Comparando com (7.8), resulta:¯0 1  =

¯0 2 .  

Teorema 31   (Comutativa).   Sejam r  = (a, b) e   s = (c, d) racionais quais-

quer. Vale a seguinte igualdade:A3 )   r + s =  s + r

Prova: Sejam,  r  =   ab   e   s =   c

d , entao:

r + s =  a

b  +

 c

d =

 a d + b c

b d  =

 c b + d a

d b  =

  c

d +

 a

b  = s + r

Na terceira igualdade utilizamos a comutatividade da adicao e da multi-plicacao em  Z.  

230

Page 232: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 232/515

Page 233: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 233/515

Por outro lado,

r · (s · t) = a

b ·  c

d ·   e

= a

b ·  c e

d f 

=  a (c e)

b (d f )

Comparando os dois resultados concluimos a prova.  

Teorema 34 (Elemento neutro).   Seja r um racional arbitrariamente fixado.Existe um unico elemento

¯1 ∈  Q tal que  r ·

¯1 = r.   (eq. (7.4), p. 226)

Prova:   (Existencia). Seja   (eq. (7.6), p. 226)

¯1 = { (α, α) :  α ∈ Z∗ }

Seja  r  = (a, b) um racional arbitrario, entao

r ·¯1 = (a, b) · (α, α)

= (aα, b α) = (a, b) = r

Logo,  r ·¯1 = r.

Observe que (aα, b α) = (a, b), porque (a α, b α) ∼ (a, b).   (def. 37, p. 222)

(Unicidade). Suponhamos que¯1 1   e

¯1 2   sao elementos de  Q  que satisfazem

r ·¯1 = r. Entao, considerando

¯1 1  como sendo o elemento neutro, resulta

¯1 2 · ¯

1 1  =¯1 2   (7.9)

Agora considerando¯1 2  como sendo o elemento neutro, resulta

¯

1 1

 · ¯

1 2  =

¯

1 1

Aplicando a propriedade comutativa nesta ultima equacao, obtemos

¯1 2 · ¯

1 1  =¯1 1

Comparando com (7.9), resulta:¯1 1  =

¯1 2 .  

Teorema 35   (Comutativa).   Sejam r  = (a, b) e   s = (c, d) racionais quais-quer. Vale a seguinte igualdade:

M 3 )   r · s =  s · r

232

Page 234: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 234/515

Prova: Sejam,  r  =   ab   e   s =   c

d , entao:

r · s = a

b ·  c

d  =

 a c

b d  =

 c a

d b =

  c

d · a

b  = s · r

Na terceira igualdade usamos a comutatividade da multiplicacao em  Z.  

Teorema 36   (Inverso).   Seja   r =¯0 um racional arbitrariamente fixado.

Existe um unico elemento  r ′ ∈  Q tal que  r · r′ =¯1 .

Prova:   (Existencia). Seja  r   = (a, b) um racional arbitrario. Considere ocandidato  a r ′  assim  r ′ = (b, a); entao

r

·r′ = (a, b)

·(b, a)

= (ab , b a)

= (ab , a b) = (a, a) =¯1

Esta ultima igualdade decorre da equacao (7.6)   (p. 226).

Observe que (ab , ab) = (a, a), porque (a b, ab) ∼ (a, a).   (def. 37, p.

222)

(Unicidade). Suponhamos que  r′1

  e   r′2

  sao elementos de  Q  que satisfazemr · r′ =

¯1. Entao,

r′1  = r ′1 · 1 = r′1 · ( r · r′2 )= ( r′

1 · r ) · r′

2

= ( r · r′1 ) · r′

2

=¯1 · r′

2 = r ′

2

Notacao:   O elemento  r′   e chamado inverso (ou inverso multiplicativo)de  r  e sera denotado por  r−1. Logo, se

r = (a, b) = a

b  ⇒   r−1 = (b, a) =

  b

a

Com isto encerramos a prova das quatro propriedades ( M1 − M4) lis-tadas na pagina 219.

233

Page 235: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 235/515

Teorema 37   (Distributiva).   Sejam   r   = (a, b),   s   = (c, d) e   t   = (e, f )

racionais quaisquer. Vale a seguinte igualdade:D)   r (s + t) = r s + r t

Prova: Sejam,  r  =   ab ,   s =   c

d   e   t =   ef   , entao:

r (s + t) =  a

b

 c

d +

  e

 =

  a

b

 c f  + d e

d f 

 =

 a (c f  + d e)

b (d f )

Por outro lado,

r s + r t =  a

b ·  c

d +

 a

b ·   e

=   a cb d

 +  a eb f 

=  (a c) (b f ) + (a e) (b d)

(b d) (b f )

=  a b (c f  + d e)

(b d) (b f )

=  b

b · a (c f  + d e)

d (b f )  =

¯1 ·  a (c f  + d e)

d (b f )  =

  a (c f  + d e)

b (d f )

Comparando os dois resultados concluimos a prova. 

Notacao:   A  estrutura construida ate este momento sera denotada por  Q:

Q = (Q,  +, ·)

Na linguagem da  Algebra Abstrata  Q   e um  corpo  por estarem satisfeitasas seguintes propriedades:

A1 ) (a + b) + c =  a + (b + c)

A2 )   ∃ 0 ∈   Q :   a + 0 = 0 + a =  a

A3 )   a + b =  b + a

A4 )   ∀ a ∈   Q, ∃ − a ∈   Q :   a + (−a) = 0

M 1 ) (a · b) · c =  a · (b · c)

M 2 )   ∃ 1 ∈   Q :   a · 1 = 1 · a =  a

M 3 )   a · b =  b · a

M 4 )   ∀ a ∈   Q∗, ∃   a−1 ∈   Q :   a · a−1 = 1

D)   a · (b + c) = a · b + a · c

Q

234

Page 236: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 236/515

Lema 10.   Seja r ∈  Q arbitrario, entao  r¯0 =

¯0 .

Prova: Considere  r  = (a, b), sendo¯0 = (0, α), temos   (eq. (7.7), p. 227)

r¯0 = (a, b) · (0, α) = (a 0, b α)

Temos que  b α  e um inteiro, digamos  β , entao  r¯0 = (0, β ) =

¯0 .  

Teorema 38  (Regra de sinais).   Sejam  r   e   s   em  Q, temos:

( i ) (−r) s =  r (−s) = −(r s)

( i i )   −(−r) = r

( iii ) (−r) (−s) = r s

Prova:( i ) Inicialmente vamos provar que

(−r) s = −(r s)

Temos

(r s) +

(−r) s

 =  s r + s (−r) = s

r + (−r)

 =  s¯0 =

¯0

Sendo assim, pela unicidade do elemento oposto, teorema 32   (p. 231),tiramos duas conclusoes:

r s = − (−r) s (−r) s = −(r s)

Agora vamos provar que

r (−s) = −(r s)

Entao(r s) +

r (−s)

 =  r

s + (−s)

 =  r

¯0 =

¯0

Como no caso anterior, daqui tiramos dois resultados:

r s = − r (−s)

r (−s) = −(r s)

( i i )   −(−r) = r. Com efeito,

r + (−r) =¯0   ⇒   (−r) + r =

¯0   ⇒   r = −(−r)

( iii ) (−r) (−s) = r s. Com efeito, na equacao

(−r) s = −(r s)

235

Page 237: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 237/515

demonstrada anteriormente, substitua s  por −s, para obter

(−r) (−s) = − r (−s)

Agora, por r (−s) = −(r s), escrevemos:

− r (−s)

 = − − (r s)

 =  r s

donde se segue o resultado desejado.  

7.2 Relacao de ordem em  Q

Definicao 41.   Sejam  a

b  e

  c

d  numeros em   Q, com  b, d > 0. Escrevemos

a

b ≤   c

d  ⇐⇒   ad ≤ bc

e dizemos que   a

b  e menor ou igual a 

  c

d.

De modo equivalente:   (senteca aberta, p. 54)

Definicao 42.   Sejam   x   =  a

b  e   y   =

  c

d  numeros em   Q, com   b, d >   0.

Escrevemos

a

b ≤   c

d  ⇐⇒   p(x, y) :   ad ≤ bc

Observe que em   ad ≤ bc  temos a “velha ordem nos inteiros”.

Os sımbolos ≥,   >   e   <, definem-se de forma analoga ao que foi feitonos naturais e inteiros.

Teorema 39.   A relacao  ≤   esta bem definida e e uma relacao de ordemparcial em  Q.

Prova: Vamos mostrar inicialmente que a relacao esta bem definida, isto e,independe do representante tomado na classe.

Seja  a

b  =

  a′

b′ , isto e,  ab′ =  a′b. Por outro lado, temos  a

b ≤   c

d  ⇒   ad ≤ bc,

e, como b′  >  0, obtemos   ab′d ≤ bcb′, daı, usando a igualdade acima obtemos

a′bd ≤ bcb′. Como   b > 0 resulta   a′d ≤ cb′, logo,  a′

b′ ≤  c

d.

236

Page 238: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 238/515

De modo analogo, seja  c

d

 =  c′

d′, isto e,  cd′  =  dc′, logo

a′

b′ ≤  c

d ⇒ a′d ≤ cb′ ⇒ a′dd′ ≤ cb′d′ ⇒ a′dd′ ≤ c′db′ ⇒ a′d′ ≤ c′b′ ⇒  a′

b′ ≤  c′

d′

Logo, como

a

b ≤   c

d  ⇒   a′

b′ ≤  c

d  e

  a′

b′ ≤  c

d  ⇒   a′

b′ ≤  c′

d′

concluimos quea

b ≤   c

d  ⇒   a′

b′ ≤  c′

d′

237

Page 239: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 239/515

Provemos agora que esta e uma relacao de ordem parcial:

(def. 14, p. 76)Prova:

( i ) ( ∀ x ∈ A ) ( x R x ) (Reflexiva)

Com efeito,

a

b ≤   a

b  ⇐⇒   p(x, y) :   ab ≤ ba

( ii ) ( ∀ x, y ∈ A)

se   x R y   e   y R x  ⇒   x =  y

  (Antissimetrica )

Com efeito, separemos nosso problema em hipotese e tese, assim:

H :

ab ≤   cd   ⇐⇒   p(x, y) :   ad ≤ bc

c

d ≤  a

b  ⇐⇒   p(x, y) :   cb ≤ da

eT :

  a

b  =

  c

d  ⇐⇒   p(x, y) :   ad =  bc

E imediato, pois da hipotese, resulta

ad ≤ bc   e   cb ≤ da   ⇒   ad =  bc

( iii ) ( ∀ x, y, z ∈ A) ( se   x R y   e   y R z ⇒   x R z ) (Transitiva)

Sejam   x =  a

b,   y =

  c

d  e   z =

  e

f . Por hipotese, temos:

H :

a

b ≤   c

d  ⇐⇒   p(x, y) :   ad ≤ bc

c

d ≤   e

f   ⇐⇒   p(x, y) :   cf  ≤ de

eT :

  a

b ≤  e

f    ⇐⇒  p(x, y) :   af 

 ≤be

Lembrando que, por hipotese,   b, d, f > 0, resulta

H :

 p(x, y) :   ad ≤ bc   ⇒   adf  ≤ bcf 

 p(x, y) :   cf  ≤ de   ⇒   bcf  ≤ bde

Donde, pela transitividade nos inteiros, se segue a tese.  

238

Page 240: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 240/515

Exercıcio:

Seja r  = (a, b) =   ab ∈  Q  como em (7.3), p. 224.Temos:

r = (a, b) = − (a, −b) = (−a, −b)

Prova:

A igualdade − (a, −b) = (−a, −b) foi mostrada no teorema 32  (p. 231).Pelo teorema 2   (p. 69)  e definicao 37  (p. 222), temos

(a, b) = (−a, −b)   ⇔   (a, b) ∼ (−a, −b)   ⇔   a (−b) = b (−a)

Este resultado na notacao de fracao se converte em:

ab

  = −   a−b = −a−b

Como   b >   0 ou  −b >  0, significa que podemos sempre escolher (ousupor) uma fracao com denominador positivo.

Teorema 40   (Lei da Tricotomia).   Dados   r, s ∈  Q, uma, e apenas uma,das situacoes seguintes ocorre:

r =  s   ou   r < s   ou   r > s

Prova: Seja   r   =  a

b  e   s   =

  c

d  com  b, d >   0. Pela tricotomia em   Z, ou

ad =  bc, neste caso temos r  =  s, ou ad < bc, caso em que   r < s, ou ad > bc,caso em que  s > r. Ademais, so uma destas alternativas pode ocorrer.  

Uma relacao de ordem parcial que satisfaz a lei da tricotomia e dita uma

relacao de ordem total.   (def. 17, p. 78)

Teorema 41  (Compatibilidade com a Adicao).   Dados  r, s, t ∈  Q, temos

r ≤ s   ⇔   r + t ≤ s + t

Prova: Sejam   r = a

b,   s =

  c

d  e   t =

  e

f   com b, d, f > 0.

a

b ≤   c

d  ⇔   da ≤ bc

⇔   daf  ≤ bcf 

⇔   daf  + dbe ≤ bcf  + dbe

⇔   d(af  + be) ≤ b(cf  + de)

⇔   df (af  + be) ≤ bf (cf  + de)

⇔   af  + be

bf   ≤  cf  + de

df 

⇔   a

b +

  e

f  ≤   c

d +

 e

239

Page 241: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 241/515

Teorema 42   (Compatibilidade com a Multiplicacao).   Dados   r, s ∈  Q,

r ≤ s   e   t ≥   0

1,   entao   r t ≤ s t

Prova: Sejam   r  =  a

b,   s  =

  c

d  e   t  =

  e

f   com  b, d, f >  0. Sendo   t ≥   0

1,

temos  e

f  ≥  0

1, logo,   e ≥ 0. Entao

a

b ≤   c

d  ⇔   ad ≤ bc

⇔   aedf  ≤ cebf 

⇔   aebf 

 ≤   cedf 

  ⇔   ab

ef  ≤   c

def 

Para o que se segue denotaremos por  Q+  o conjunto dos numeros   r ∈  Qtais que   r >

¯0 . Estes numeros serao chamados de  positivos. Se  r ∈  Q+

e   r =¯0 diremos que   r   e   negativo. No diagrama a seguir divisamos os

numeros (classes) positivos e negativos, e mais a classe¯0 .

(0, 0)

11 1

2

¯0

21

31

−11

−21

−31

− 12

(−4, 1) (−3, 1) (−2, 1) (−1, 1) (0, 1) (1, 1) (2, 1) (3, 1) (4, 1)

(−4, 2) (−3, 2) (−2, 2) (−1, 2) (0, 2) (1, 2) (2, 2) (3, 2) (4, 2)

(−4, 3) (−3, 3) (−2, 3) (−1, 3) (0, 3) (1, 3) (2, 3) (3, 3) (4, 3)

(−4, 4) (−3, 4) (−2, 4) (−1, 4) (0, 4) (1, 4) (2, 4) (3, 4) (4, 4)

(−4, −1)(−3, −1)(−2, −1)(−1, −1) (0, −1) (1, −1) (2, −1) (3, −1) (4, −1)

(−4, −2)(−3, −2)(−2, −2)(−1, −2) (0, −2) (1, −2) (2, −2) (3, −2) (4, −2)

(−4, −3)(−3, −3)(−2, −3)(−1, −3) (0, −3) (1, −3) (2, −3) (3, −3) (4, −3)

(−4, −4)(−3, −4)(−2, −4)(−1, −4) (0, −4) (1, −4) (2, −4) (3, −4) (4, −4)

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...

      N     e     g     a      t      i     v     o     s

P  o si  t i  v o s

240

Page 242: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 242/515

Teorema 43   (Propriedade de fechamento).   Sejam  r   e   s   em  Q+ , temos:

( i )   r + s ∈  Q+

( i i )   r · s ∈  Q+

(iii)   r−1 ∈  Q+

Prova: Considere  r  = (a, b) e   s = (c, d) numeros em  Q+ . Entao,

( i ) Pela definicao 38   (p. 227), temos   r +  s   = (a d + b c, b d), separando ahipotese e tese, temos:

H :

H 1   :   a · b > 0

H 2   :   c · d >  0⇒   T  : (a d + b c)(b d) >  0

Ademais,   b = 0 e   d = 0, logo   (prop. 70, p. 431)  b · b >   0 e   d · d >  0;multiplicando a primeira hipotese por d ·d, a segunda por b ·b   e adicionandoo resultado, obtemos:

(a · b) (d · d) + (c · d) (b · b) >  0

reajando os termos, resulta:

(a d + b c)(b d) >  0

(ii) Pela definicao 39   (p. 227), temos  r · s = (a c, b d), separando a hipotese

e tese, temos:

H :

H 1   :   a · b > 0

H 2   :   c · d > 0⇒   T  : (a c)(b d) >  0

Neste caso, e suficiente multiplicar as hipoteses.   (Prop. 70, p. 431)

( iii ) Seja r  = (a, b) em  Q+. Logo,  a · b > 0. Pelo teorema 36  (p. 233)  temos

que  r−1 = (b, a) >¯0, posto que  b · a > 0.  

Teorema 44.   Sejam   r   e   s   numeros com¯0  < r < s, entao

¯0   < s−1 < r−1.

Prova: Sejam  r  = (a, b) e   s = (c, d), temos

s >¯0   ⇒   (a, b) >

¯0   ⇒   a b > 0  ⇒   b a > 0  ⇒   (b, a) >

¯0   ⇒   s−1 >

¯0

Por outro lado,

r < s   ⇒   (a, b) <  (c, d)

⇒   ad < b c   ⇒   da < cb

⇒   (d, c) <  (b, a)   ⇒   s−1 < r−1

241

Page 243: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 243/515

7.3 Os Inteiros como “Subconjunto” dos Racionais

A rigor o conjunto dos numeros inteiros nao e subconjunto do conjuntodos numeros racionais, haja vista que tem elementos de naturezas distin-tas. Por exemplo, comparemos os elementos neutros das adicoes nestes doisconjuntos (sistemas):

0 = { (0,  0),  (1,  1),  (2,  2),  (3,  3), . . . } ∈ Z

¯0 = { . . . ,  (0, −3),  (0, −2),  (0, −1),  (0,  1),  (0,  2),  (0,  3), . . . } ∈ Q

Nao obstante, existe uma perspectiva pela qual esta “inclusao” podeser feita, e legıtima. Assim como identificamos os inteiros positivos com os

naturais − veja item 5.2, p. 181 − podemos identificar os numeros racionaiscujo denominador e a unidade com os numeros inteiros. Esta identificacaoe feita atraves de uma aplicacao, da seguinte forma

Proposicao 19.  A aplicacao

Φ :   Z Q

n   n1

∴   Φ(n) =   n1   = (n,  1)

e injetora e tem as seguintes propriedades:

( i) Φ(m + n) = Φ(m) + Φ(n)

( ii ) Φ(m n) = Φ(m) · Φ(n)

(iii)   m < n   ⇔   Φ(m)   <   Φ(n).

Prova: A aplicacao Φ esta bem definida, e e injetora, pois:

Φ(m) = Φ(n)   ⇔   m

1  =

 n

1  ⇔   m · 1 = n · 1   ⇔   m =  n

( i ) Temos:

Φ(m) + Φ(n) =

 m

1   +

 n

1   =

  m

·1 + n

·1

1 · 1   =

  m + n

1   = Φ(m + n)( ii ) Temos:

Φ(m) · Φ(n) =  m

1 ·  n

1  =

 m · n

1 · 1  =

 m n

1  = Φ(m n)

( iii ) Temos:

m < n   ⇔   m · 1 < n · 1   ⇔   m

1  <

 n

1  ⇔   Φ(m)   <   Φ(n)

242

Page 244: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 244/515

Dizemos que o conjunto

Φ(Z) = n

1 :  n ∈ Z

⊂ Q

e uma c´ opia algebrica  de  Z   em   Q. Identificamos Φ(Z) com  Z.

Dizemos tambem que Φ faz uma  imers˜ ao  de  Z   em   Q.

Vejamos como isto fica no diagrama cartesiano:

Z

(0, 0)

11 1

2 01

21

31

−11

−21

−31

− 12

(−4, 1) (−3, 1) (−2, 1) (−1, 1) (0, 1) (1, 1) (2, 1) (3, 1) (4, 1)

(−4, 2) (−3, 2) (−2, 2) (−1, 2) (0, 2) (1, 2) (2, 2) (3, 2) (4, 2)

(−4, 3) (−3, 3) (−2, 3) (−1, 3) (0, 3) (1, 3) (2, 3) (3, 3) (4, 3)

(−4, 4) (−3, 4) (−2, 4) (−1, 4) (0, 4) (1, 4) (2, 4) (3, 4) (4, 4)

(−4, −1)(−3, −1)(−2, −1)(−1, −1) (0, −1) (1, −1) (2, −1) (3, −1) (4, −1)

(−4, −2)(−3, −2)(−2, −2)(−1, −2) (0, −2) (1, −2) (2, −2) (3, −2) (4, −2)

(−4, −3)(−3, −3)(−2, −3)(−1, −3) (0, −3) (1, −3) (2, −3) (3, −3) (4, −3)

(−4, −4)(−3, −4)(−2, −4)(−1, −4) (0, −4) (1, −4) (2, −4) (3, −4) (4, −4)

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...

243

Page 245: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 245/515

Um pequeno interregno com Bertrand Russel

Na pagina 85 de sua obra ja mencionada Russel discorre sobre a extensaodos numeros, quando entao ele argumenta:   ([18]/pp. 85, 86)

Um dos erros que atrasaram a descoberta de definic˜ oes corretas nessa regi˜ ao e a ideia comum de que cada extens˜ ao de n´ umero incluıa as especies anteriores como casos especiais. [. . . ] Assim, tambem, pensava-se que uma frac˜ ao cujo denominador fosse  1   podia ser identificada com o n´ umero natural que e seu numerador. [. . . ] Esta e uma suposic˜ aoerrˆ onea, e deve ser rejeitada.

Ao contrario do que Russel afirma, nao e erroneo, e perfeitamente legıtimo

identificar “uma frac˜ ao cujo denominador e  1   com o n´ umero inteiro que e seu numerador ”; o que garante a legitimidade desta identificacao e o iso-morfismo Φ de que falamos na proposicao 19   (p. 242).

Mais uma vez destacamos a importancia de se fazer distincao entre ele-mento de um conjunto e numero de uma estrutura. De posse desta distincaoos conceitos tornam-se mais claros, transparentes, cristalinos.

N˜ ao constituir´ a ent˜ ao uma vergonha para a Ciencia estar t˜ ao pouco elucidada acerca do seu ob-

 jeto mais pr´ oximo, o qual deveria, aparentemente, ser 

t˜ ao simples? Menos prov´ avel ainda e que se seja capaz de dizer o que o n´ umero e. Se um conceito que est´ a na base de uma grande ciencia oferece dificuldades, inves-tig´ a-lo com mais precis˜ ao com vista a ultrapassar essas dificuldades e bem uma tarefa inescap´ avel.

(Frege/Os Fundamentos da Aritmetica )

Por oportuno, para mostrar que esta visao nebulosa sobre numeros aindapersiste em nossos dias, de um livro classico de Calculo:∗   (p. 21)

Juntamente com o conjunto   R   dos n´ umeros reais, admitimos a exis-tencia de duas operac˜ oes chamadas de  adic~ ao  e  multiplicac~ ao [. . . ]  

Apenas uma ligeira objecao:   Nao existem numeros reais sem uma adicaoe uma multiplicacao. Como vimos no capıtulo 1 e a estrutura que confere aidentidade de um elemento. Um numero (sımbolo) so e numero porque fazparte de um sistema (estrutura) numerico.

∗Calculo I/Tom M. Apostol/EDITORIAL REVERTE.

244

Page 246: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 246/515

Densidade de  Q

Vejamos agora uma importante propriedade dos numeros racionais.

Teorema 45   (Densidade de  Q).   Sejam   r   e   s   em  Q, com   r < s, entaoexiste um terceiro numero  t  de modo que  r < t < s.

Prova: Temos

r < s   ⇒

 r + r < r + s

s + r < s + s

Logo,

2r < r + s < 2s   ⇒   r <  1

2 (r + s) < s

Sendo assim, e suficiente tomar  t  =   12 (r + s).  

Observe que o racional  t  =   12 (r + s) que esta entre  r   e   s,

•   •   •r   t   s

na prova precedente, e a media aritmetica entre   r   e   s. Porem, existemoutros racionais entre  r   e   s, uma vez que o mesmo procedimento pode serrepetido entre  r   e   t  e entre   t   e   s, assim:

•   •   •• •r   t   s ←−

12

 (r+t)

 ←−

12

 (t+s)

Conclus˜ ao:   entre dois racionais quaisquer existe uma infinidade de outrosracionais, dois a dois distintos.

Reta numerica dos racionais

Considerando a imersao Φ de   Z   em   Q  e, ademais, a relacao de ordemem   Q, temos uma interpretacao geometrica util dos numeros racionais

0   1

− 12

12

− 52

52

2   3   4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

se o numero racional   r   for menor que o numero racional   s   entao o pontogeometrico correspondente a   r   estara a esquerda do ponto geometrico cor-respondente a  s.

245

Page 247: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 247/515

Apendice: Supremo e  Infimo

Intervalos

Dados dois numeros racionais   a   e   b, com  a < b, os seguintes conjuntos

[ a, b ] =

x ∈ Q :  a ≤ x ≤ b

,   ] − ∞, b ] =

x ∈ Q :  x ≤ b

[ a, b [ =

x ∈ Q :  a ≤ x < b

,   ] − ∞, b [ =

x ∈ Q :  x < b

] a, b ] =

x ∈ Q :  a < x ≤ b

,   [ a,  +∞[ =

x ∈ Q :  x ≥ a

] a, b [ =

x ∈ Q :  a < x < b

,   ] a,  +∞[ =

x ∈ Q :  x > a

sao chamados de intervalos. Os quatro intervalos da esquerda sao limita-

dos de extremos  a  e  b. [ a, b ] e um intervalo fechado, [ a, b [ e um intervalofechado a esquerda e aberto a direita, ] a, b ] e um intervalo aberto a es-querda e fechado a direita, ] a, b [ e um intervalo aberto. Podemos dar umainterpretacao geometrica a estes quatro intervalos da seguinte forma:

[ a, b ]a   b

[ a, b [a   b

] a, b ]a   b

] a, b [a   b

Os quatro intervalos da direita nao sao limitados: ]−∞, b ] e um intervaloilimitado a esquerda e limitado a direita, ]−∞, b [ e um intervalo ilimitado a

esquerda e limitado a direita, [ a,  +∞ [ e um intervalo limitado a esquerda eilimitado a direita, ] a,  +∞ [ e um intervalo limitado a esquerda e ilimitado adireita. Podemos dar uma interpretacao geometrica a estes quatro intervalosda seguinte forma:

]−∞, b ]b

]−∞, b [b

[ a, +∞ ]a a

] a, +∞ [

Devido a possibilidade destas interpretacoes e que: ]−∞, b ] e conhecidocomo a semi-reta  esquerda fechada, de origem  b; ]−∞, b [ e conhecido comoa semi-reta  esquerda aberta, de origem b; [ a,  +

∞[ e conhecido como a semi-

reta  direita fechada, de origem   a  e ] a,  +∞ [ e conhecido como a   semi-reta direita aberta, de origem  a.

E conveniente considerarmos  Q = ] − ∞,  +∞ [ como a “reta racional”.

246

Page 248: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 248/515

Supremo e  Infimo

Os conceitos de supremo e ınfimo serao utilizados posteriormente naconstrucao dos numeros reais. Antes definiremos

Definicao 43 (Cota Superior/Cota Inferior).   Seja  K  um subconjunto qual-quer de  Q.

(i)  Diz-se que um elemento   µ ∈   Q   e  cota superior   de   K   se   µ ≥   k   para todo  k ∈ K .

(ii)  Diz-se que um elemento   ν  ∈   Q   e  cota inferior   de   K   se   ν  ≤   k   para 

todo  k ∈ K .

Uma primeira observacao importante e que a cota superior de um con- junto (se existir) pode ou nao pertencer ao conjunto. Por exemplo, o numeroreal 1 e cota superior dos conjuntos

K  = [ 0,  1 ] e   J  =] 0,  1 [

mas pertence a  K   e nao a J .Observacao analoga vale para a cota inferior.Note-se que nem sempre um subconjunto K  ⊂ Q tem uma cota superior

ou uma cota inferior. Por exemplo  Z

⊂Q  e um de tais conjuntos. Todavia,

se um conjunto tem uma cota superior, entao admite uma infinidade delas.De fato, se   µ   e uma cota superior de   K , o mesmo se da com   µ +  n, paratodo n ∈ N.

Quando um conjunto admite cota superior, dizemos que ele e   cotadosuperiormente, e quando admite cota inferior, dizemos que e  cotado in-feriormente. Um conjunto dotado de cota superior e de cota inferior diz-sesimplesmente cotado. Um conjunto que nao admite cota superior, ou infe-rior, diz-se  nao-cotado. Por exemplo,

Conjunto Status

a)   Z   Nao cotadob)   N   Cotado inferiormente

c) ] − ∞,  1 ] Cotado superiormente

d) ] − 1,  1 ] Cotado

Definicao 44   (Supremo).   Seja  K  um subconjunto qualquer de   Q. Se  K   e cotado superiormente, uma cota superior de  K   se diz   supremo  de  K   se e menor do que qualquer outra cota superior de  K .

247

Page 249: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 249/515

Em outras palavras: Um numero  µ ∈ Q  se diz supremo de um subcon-

 junto K   de  Q se satisfaz as duas condicoes:(i) x ≤ µ  para todo  x ∈ K ;

(ii) se  λ   e um numero tal que  x ≤ λ  para todo  x ∈ K , entao  µ ≤ λ.

De fato, pela condicao  (i),  µ  e uma cota superior de  K , e pela  (ii),  µ   emenor que qualquer outra cota superior de  K .

O supremo  µ  de um subconjunto  K   de   Q, se existir, e unico. De fato,se µ1  e µ2   sao supremos de K , entao ambos verificam as condicoes (i)  e  (ii)acima, logo  µ1 ≤ µ2   e  µ2 ≤ µ1, donde µ1  = µ2 .

Notac˜ ao:   Se  µ  for o supremo de  K , escrevemos:   µ = sup K .

A seguinte caracterizacao do supremo e util em muitas situacoes:

Lema 11.   Seja   K  ⊂   Q.   µ   = sup K   se, e somente se,   µ   for uma cota superior de  K  e, dado  ε > 0, existe  k ∈ K   tal que  µ − ε < k.

Prova:

(⇒)  Se  µ  =sup K   e  ε > 0  entao existe  k ∈ K  de modo que  µ − ε < k.Vamos provar isto utilizando a tecnica (T − 4)   (p. 495). Facamos

H 1   :   ε >  0⇒   T :   ∃ k ∈ K   :   µ − ε < k.

H 2   :   µ =sup K 

H 1 ∧ ¬ T   =⇒ ¬ H 2

Suponha que nao exista  k ∈ K   satisfazendo  µ − ε < k. Isto e, suponhaque   µ − ε ≥   k   para todo   k ∈   K . Ora, se   k ≤   µ − ε   para todo   k ∈   K ,significa que µ − ε e uma cota superior de  K . Uma vez que ε > 0 temos queµ − ε < µ, logo nao temos  µ  =sup K   (porquanto  µ  nao e a menor das cotassuperiores de  K ).(⇐)  Se  µ   e uma cota superior de  K  e para todo  ε > 0 dado existe  k ∈  K satisfazendo µ − ε < k  entao µ =sup K .

Ainda mais uma vez utilizemos a tecnica (T − 4). Facamos

H 1   :   µ  e cota superior de  K.⇒   T :   µ =sup K .

H 2   :   ∀ ε >  0  ∃ k ∈ K   :   µ − ε < k.

  H 1 ∧ ¬ T   =⇒ ¬ H 2

Suponhamos  µ  cota superior de  K   e  µ =sup K . Logo,  µ  nao e a menordas cotas superiores de K . Portanto existe ε > 0 tal que µ−ε e cota superiorde K ; o que traz como consequencia que existe  ε > 0 de modo que µ − ε ≥ kpara todo k ∈ K . Isto e exatamente o que buscavamos: a negacao de  H 2.

248

Page 250: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 250/515

Vejamos algumas aplicacoes do lema anterior:

Exemplos:

1)  Encontre o supremo de  K  =

x ∈ Q : 0 < x < 1

 = ] 0,  1 [.Vamos mostrar que a cota superior µ  = 1 e o supremo de  K . Para tanto

e suficiente − consoante o lema anterior (⇐) − para todo ε > 0 exibir x ∈ K de modo que 1 − ε < x. Para isto consideremos duas possibilidades:

a)   ε ≥ 1.Se ε ≥ 1 temos 1−ε ≤ 0. Neste caso, tomando por exemplo x  = 1/2, resulta

1 − ε ≤ 0 < x = 1

2.

b)   0 < ε < 1.Neste caso temos

0 < ε <  1   ⇐⇒   0 > −ε > −1⇐⇒ −1 < −ε <  0⇐⇒   0 <  1 − ε <  1.

] [0 1

  

↑1−ε

Vamos tomar, por exemplo, o ponto medio entre 1 − ε  e 1, isto e

x =   1−ε+12   = 1 −   ε

2] [0 1

  

↑  

↑1−ε x

e mostremos que este ponto satisfaz as duas condicoes desejadas:

1 a)   x ∈ K . Pois

0 <  1 −  ε

2  < 1   ⇐⇒   0 < ε < 2.

e, por hipotese, ε < 1.

2 a) 1 − ε < x. Pois

1 − ε < 1 −  ε

2  ⇐⇒   ε >

 ε

2.

Resumindo: dado ε > 0 tomamos

xε  =

12 ,   se   ε ≥ 1;

1 −   ε2 ,   se 0 < ε < 1.

e teremos  xε ∈ K   e 1 − ε < xε, o que prova que sup] 0,  1[= 1.

2)  Mostre que sup K  = 1, onde

K  = 1

2,  2

3,  3

4, · · ·  ,

  n

n + 1, · · ·

.

249

Page 251: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 251/515

Temos que   nn+1   <   1 para todo   n   natural. Sendo assim 1 e uma cota

superior de  K . Consoante o lema anterior, dado  ε >  0 devemos exibir umx ∈ K  de modo que 1−ε < x. Ou ainda: para todo ε > 0 devemos encontrarn ∈ N de modo que

1 − ε <  n

n + 1.

Esta desigualdade e satisfeita para todo   n   natural se 1 − ε <   0 (ε >   1).Sendo assim consideremos 1 − ε ≥ 0 (ε ≤ 1). Entao,

1 − ε <  n

n + 1 ⇐⇒   (1 − ε)(n + 1)  < n

⇐⇒   n >  1 − ε

ε  .

Assim, dado ε > 0, escolhemos um natural  nε  >   1−εε   e teremos

1 − ε <  nε

nε + 1.

o que prova ser sup K  = 1.

Nota:  A escolha do  nε  acima sempre e possıvel como veremos   (p. 253).

Proposicao 20. Se   µ   for uma cota superior de   K   e   µ ∈   K   entao   µ   =sup K .

Prova: Por definicao de sup K  (e tendo em conta que µ e uma cota superiorde  K ) podemos escrever

x ≤ sup K  ≤ µ,   ∀ x ∈ K.

Como, por hipotese, µ ∈ K  temos em particular que  µ ≤ sup K  ≤ µ, dondeµ = sup K .  

A proposicao que acabamos de provar nos permite obter alguns supremosa “olho nu”. Por exemplo, sup ] 0,  1 ] = 1. Porquanto 1 e cota superior de] 0,  1 ] e pertence a este conjunto.

Como mais um exemplo, consideremos

K  = 1

2,  1

4, · · ·  ,

  1

2n, · · ·

Entao, sup K  = 1/2. Isto se deve a que   1

2n ≤   12   para todo  n  natural. Isto e,

12   e cota superior de  K  e pertence a  K .

Definicao 45   (Infimo).   Seja   K   um subconjunto qualquer de   Q. Se   K   e cotado inferiormente, uma cota inferior de   K   se diz   ınfimo   de   K   se e maior do que qualquer outra cota inferior de  K .

250

Page 252: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 252/515

Em outras palavras: Um numero ν  ∈ Q se diz ınfimo de um subconjunto

K   de  Q  se satisfaz as duas condicoes:

(i)   x ≥ ν  para todo  x ∈ K ;

(ii)   se  λ   e um numero tal que  x ≥ λ  para todo  x ∈ K , entao ν  ≥ λ.

De fato, pela condicao  (i),  ν   e uma cota inferior de  K , e pela  (ii),  ν   emaior que qualquer outra cota inferior de  K .

O ınfimo ν  de um subconjunto K  de Q, se existir, e unico. De fato, se  ν 1e  ν 2   sao ınfimos de  K , entao ambos verificam as condicoes  (i) e  (ii)  acima,logo  ν 1 ≥ ν 2   e  ν 2 ≥ ν 1 , donde  ν 1  = ν 2 .

Notac˜ ao:   Se  ν  for o ınfimo de  K , escrevemos:   ν  = inf  K .

A seguinte caracterizacao do ınfimo e util em muitas situacoes:

Lema 12.  Seja  K  ⊂ Q.   ν  = inf  K  se, e somente se,  ν  for uma cota inferior de  K   e, dado  ε > 0, existe  k ∈ K  tal que  k < ν  + ε.

Prova:

(⇒)  Se  ν  = inf  K   e  ε > 0  entao existe  k ∈ K  de modo que  k < ν  + ε.

Vamos provar isto utilizando a tecnica (T − 4)   (p. 495). Facamos

H 1   :   ε > 0⇒   T :   ∃ k ∈ K   :   k < ν  + ε.

H 2   :   ν  = inf  K 

  H 1 ∧ ¬ T   =⇒ ¬ H 2

Suponha que nao exista  k ∈ K   satisfazendo  k < ν  + ε. Isto e, suponhaque k ≥ ν + ε para todo k ∈ K . Ora, se k ≥ ν + ε para todo k ∈ K , significaque ν + ε e uma cota inferior de K . Uma vez que  ε > 0 temos que  ν + ε > ν ,logo nao temos  ν  = inf  K   (porquanto  ν   nao e a maior das cotas inferioresde  K ).(⇐)  Se  ν   e uma cota inferior de  K  e para todo   ε >  0 dado existe   k ∈  K 

satisfazendo k < ν  + ε  entao ν  = inf  K .Ainda mais uma vez utilizemos a tecnica (T − 4). Facamos

H 1   :   ν   e cota inferior de  K.⇒   T :   ν  = inf  K .

H 2   :   ∀ ε >  0  ∃ k ∈ K   :   k < ν  + ε.

  H 1 ∧ ¬ T   =⇒ ¬ H 2

251

Page 253: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 253/515

Suponhamos ν   cota inferior de  K   e  ν  = inf  K . Logo,   ν   nao e a maior

das cotas inferiores de  K . Portanto existe  ε > 0 tal que  ν  + ε  e cota inferiorde K ; o que traz como consequencia que existe  ε > 0 de modo que k ≥ ν + εpara todo k ∈ K . Isto e exatamente o que buscavamos: a negacao de  H 2.

∗ ∗ ∗

EPISTOLA PREAMBULAR (De Giordano Bruno)PARA O ILUSTRISSIMO SENHOR MICHEL DE CASTELNAUSe eu, ilustrıssimo Cavaleiro, manejasse o arado, apascentasse um re-

banho, cultivasse uma horta, remendasse um fato, ninguem faria caso demim, raros me observariam, poucos me censurariam, e facilmente poderiaagradar a todos. Mas, por eu ser delineador do campo da natureza, atentoao alimento da alma, ansioso da cultura do espırito e estudioso da actividadedo intelecto, eis que me ameaca quem se sente visado, me assalta quem se veobservado, me morde quem e atingido, me devora quem se sente descoberto.E nao e so um, nao sao poucos, sao muitos, sao quase todos. Se quiserdessaber porque isto acontece, digo-vos que a razao e que tudo me desagrada,que detesto o vulgo, a multidao nao me contenta, e so uma coisa me fascina:aquela, em virtude da qual me sinto livre em sujeicao, contente em pena,rico na indigencia e vivo na morte; em virtude da qual nao invejo aqueles quesao servos na liberdade, que sentem pena no prazer, s ao pobres na riqueza e

mortos em vida, pois que tem no proprio corpo a cadeia que os acorrenta, noespırito o inferno que os oprime, na alma o error que os adoenta, na mente oletargo que os mata, nao havendo magnanimidade que os redima, nem lon-ganimidade que os eleve, nem esplendor que os abrilhante, nem ciencia queos avive. Daı, sucede que nao arredo o pe do arduo caminho, por cansado;nem retiro as maos da obra que se me apresenta, por indolente; nem qualdesesperado, viro as costas ao inimigo que se me opoe, nem como deslum-brado, desvio os olhos do divino objeto: no entanto, sinto-me geralmentereputado um sofista, que mais procura parecer subtil do que ser verıdico;um ambicioso, que mais se esforca por suscitar nova e falsa seita do que porconsolidar a antiga e verdadeira; um trapaceiro que procura o resplendor da

gloria impingindo as trevas dos erros; um espırito inquieto que subverte osedifıcios da boa disciplina, tornando-se maquinador de perversidade. Oxala,Senhor, que os santos numes afastem de mim todos aqueles que injustamenteme odeiam; oxala que me seja sempre propıcio o meu Deus; oxala que mesejam favoraveis todos os governantes do nosso mundo; oxala que os astrosme tratem tal como a semente em relacao ao campo, e ao campo em relacaoa semente, de maneira que apareca no mundo algum fruto util e glorioso domeu labor, acordando o espırito e abrindo o sentimento aqueles que nao temluz de intelecto;

(Continua na p. 260)

252

Page 254: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 254/515

A Propriedade Arquimediana

Definicao 46 (Corpo arquimediano).   Seja   K  um corpo ordenado. Dizemosque  K   e arquimediano se, dados  a, b ∈ K , existe   n ∈ N   tal que   n · a > b.

Teorema 46. (i)   O conjunto   N ⊂ Q   nao e limitado superiormente;

(ii)   O ınfimo do conjunto X  = 1

n:  n ∈ N

  e igual a 0;

(iii)   Q   e um corpo arquimediano.

Prova:   (i)   Suponhamos, ao contrario, que   N

 ⊂  Q   e limitado superior-

mente, isto e

∃  a

b ∈ Q :

  a

b ≥ n,   ∀ n ∈ N   (7.10)

Como, por convencao   (p. 239),   b >   0, temos   a, b ∈  Z∗+, isto e,   a, b ∈  N∗.

Sendo assim,  b ≥ 1 e, assim,  a ≥   ab . Se  a >   a

b , como   a ∈ N∗, encontramosuma contradicao com (7.10). Se  a  =   a

b , entao a + 1 > a =   ab   e, como a ∈ N∗

resulta  a + 1 ∈  N∗  no que resulta novamente uma contradicao com (7.10).Logo,  N   nao e limitado superiormente em  Q.

(ii)   Claramente, 0 e uma cota inferior de  X . dado  ε > 0, existe, pelo item(i)   acima, um numero natural   n >   1

ε , daı,   1n   < ε, ou ainda,   1

n   <  0 + ε,logo, pelo lema 12   (p. 251) resulta que 0 efetivamente e ınfimo de  X .

(iii)   Dados  a, b ∈ Q, usamos o item  (i)  para obter  n ∈ N   tal que   n >   ba .

Logo,   n · a > b.  

As tres propriedades acima sao equivalentes e valem nao apenas em   Q

como, ademais, em todo corpo ordenado.

No corolario a seguir reescrevemos a propriedade arquimediana paraefeitos de referencias futuras, acrescentamos um item.

Corolario 2. Se x, y ∈ Q, com  x > 0,  entao

(a)   Existe  n ∈ N  de modo que  n · x > y;

(b)   Existe  n ∈ N  de modo que  0 <   1n

  < x;

(c)   Existe  n ∈ N  de modo que  n − 1 ≤ x < n.

Prova:  (c)   A propriedade arquimediana nos assegura que existe um numeronaturai   n  tail que x < n. Seja n0  o menor desses numeros naturais∗. Entaon0 − 1 ≤ x < n0.  

∗Estamos invocando o   Princıpio da Boa Ordenac˜ ao: “Todo subconjunto n˜ ao-vazio de n´ umeros naturais possui um menor elemento”.

253

Page 255: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 255/515

Como uma aplicacao da propriedade arquimediana vamos provar a

Proposicao 21.   Sejam  a, b, ε ∈ Q.   Se ∀ ε >  0,  a − ε ≤ b  entao  a ≤ b.

Prova: A prova sera feita segundo a tecnica (T − 1)   (p. 494). Assumindo anegacao da tese, vamos mostrar que existe um  ε > 0 de modo que  a − ε > b.De fato, supondo a > b temos que a−b >  0. Pela propriedade arquimedianaexiste n0  natural de modo que   1

n0< a − b. Tomemos  ε =   1

n0. Entao

ε =  1

n0

< a − b   ⇒   a − ε > b.

o que contradiz a hipotese.  

Vejamos algumas aplicacoes do lema 12   (p. 251):

Exemplos

1)   Encontre o ınfimo de  K  =

x ∈ Q : 0 < x < 1

 = ] 0,  1 [.

Vamos mostrar que a cota inferior  ν  = 0 e o ınfimo de  K . Para tanto esuficiente − consoante o lema anterior (⇐) − para todo  ε > 0 exibir x ∈ K de modo que  x < 0 + ε. Para isto consideremos duas possibilidades:

a)   ε ≥ 1.Se  ε ≥ 1 qualquer  x ∈ K  serve aos nossos propositos, porquanto

x ∈ K   ⇒   0 < x < 1 ≤ ε.

b)   0 < ε <  1.Neste caso e suficiente tomar  xε  =   ε

2 , porquanto

0 < ε <  1  ⇒   0 <  ε

2  <

 1

2⇒   0 < xε  <  1 e   xε  < ε.

2)   Encontre inf  K , onde

K  = 1,

  1

2 ,

  1

3 , · · ·   ,

  1

n, · · · Sendo   1

n   >  0, para todo  n  natural, temos que 0 e uma cota inferior deK . Para mostrar que 0 = inf  K   e suficiente exibir um  x ∈ K  de modo quex < 0 + ε  qualquer que seja o  ε > 0. Pois bem, dado  ε > 0 escolhamos umnatural  n0   satisfazendo   n0 · ε > 1, isto e,   1

n0< ε. Logo  x =   1

n0serve.

3)   Encontre inf  K , onde

K  =

1,

  1

4,  1

8, · · ·   ,

  1

n2, · · ·

254

Page 256: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 256/515

Sendo   1n2   > 0, para todo  n  natural, temos que 0 e uma cota inferior de

K . Para mostrar que 0 = inf  K   e suficiente exibir um  x ∈ K  de modo quex < 0 + ε  qualquer que seja o  ε > 0. Pois bem, dado  ε > 0 escolhamos umnatural  n0   satisfazendo  n0 · ε > 1, isto e,   1

n0< ε. Observe que este n0   nao

encerra a questao pois  x  =   1n0

pode nao pertencer a  K . Mas com certeza

n20

 serve aos nossos propositos uma vez que

1

n20

≤   1

n0

< ε.

Proposicao 22. Se ν  for uma cota inferior de  K  e  ν  ∈ K  entao ν  = inf  K .

Prova: Por definicao de inf  K  (e tendo em conta que  ν   e uma cota inferior

de  K ) podemos escrever

ν  ≤ inf  K  ≤ x,   ∀ x ∈ K.

Como, por hipotese,  ν  ∈  K  temos em particular que  ν  ≤  inf  K  ≤  ν , dondeν  = inf  K .  

A proposicao que acabamos de provar nos permite obter alguns ınfimosa “olho nu”. Por exemplo, inf [ 0,   1 [ = 0. Porquanto 0 e cota inferior de[ 0,  1 [ e pertence a este conjunto.

Proposicao 23. Se   A

⊂B

 ⊂Q   entao,   inf  B

 ≤inf  A

≤sup A

≤sup B.

(supondo-se que estes quatro n´ umeros existam.)

Prova: Vamos separar a prova em algumas etapas.

1 a) inf  B ≤ inf  A.

Suponha o contrario, isto e, que inf  A <   inf  B. Como inf  A   e a maiordas cotas inferiores de  A  esta desigualdade implica que inf  B  nao e uma cotainferior de  A   logo, por definicao de cota inferior, existe  x ∈ A de modo quex <  inf  B. Como, por hipotese,  A ⊂ B   temos que  x ∈ B   e  x < inf  B. Istonos diz que inf  B  nao e uma cota inferior de  B . Piada!

2 a) inf  A ≤ sup A.

Pela definicao de sup e inf, para todo  x ∈ A temos

inf  A ≤ x ≤ sup A   =⇒   inf  A ≤ sup A.

3 a) sup A ≤ sup B.

Suponha, ao contrario, que sup B <   sup A. Como supA   e a menordas cotas superiores de   A   esta desigualdade implica que sup B   nao e cotasuperior de   A; logo existe   x ∈   A   de modo que   x >   sup B. Como, porhipotese,  A ⊂ B  temos que  x ∈ B  e  x > sup B. Isto nos diz que sup B  naoe uma cota superior de  B . Piada!  

255

Page 257: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 257/515

7.3.1 Modulo/Distancia

Definicao 47.   Se x ∈ Q, chamaremos modulo de  x   (ou ainda:  valor abso-luto de  x) e designaremos por |x|  o maior dos numeros  x  e −x; assim, pordefinicao:

|x| = max{−x, x}.

E facil ver que esta igualdade e equivalente a

|x| =

  x,   se   x ≥ 0;

−x,   se   x < 0.

Equacao esta que tambem e usada como definicao do modulo de x. Decorretrivialmente que |0| = 0.

A seguir listamos algumas propriedades do modulo.

Proposicao 24.   Temos:

(a) |x| = 0, se e somente se,  x = 0.

(b) | − x| = |x|  para todo  x ∈ Q.

(c) |x · y| = |x| · |y|  para todo  x, y ∈ Q.

(d)   Se  y = 0, xy = |x||y| .

(e)   Se  c ≥ 0, entao |x| ≤ c, se e somente se, −c ≤ x ≤ c.

(f ) −|x| ≤ x ≤ |x|  para todo  x ∈ Q.

Prova:

(a)  Decorre trivialmente da definicao de modulo.

(b)|x| = max{−x, x} = max

 − (−x), −x

 = | − x|

(c)   Se  x > 0 e  y > 0, entao  x · y > 0, de modo que |x · y| = x · y  = |x| · |y|.Se  x >  0 e   y <  0, entao  x · y <  0, de modo que |x · y|  = −(x · y) =x · (−y) = |x| · |y|. Os demais casos sao tratados de modo analogo.

(d)   Sendo y = 0 vale

x =  y ·  x

y

e portanto, pelo ıtem anterior:

|x| = |y| · |x

y|;

256

Page 258: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 258/515

desta desigualdade (e tendo em conta que |y| = 0, por ser   y = 0)

decorre que: x

y

= |x||y| .

(e)   Temos

|x| ≤ c   ⇒   x ≤ c   e   − x ≤ c

pois |x| = max{−x, x}

x ≤ c

x ≥ −c⇒ −c ≤ x ≤ c.

Reciprocamente, se esta ultima desigualdade se verifica, entao  x ≤  ce  −x ≤ c, donde |x| ≤ c.

(f )   Basta por  c  = |x|  e utilizar o ıtem anterior.  

As proximas desigualdades sao utilizadas com bastante frequencia:

Proposicao 25 (Desigualdade triangular).  Se  x  e  y  s˜ ao n´ umeros quaisquer,ent˜ ao |x| − |y|

≤ |x ± y| ≤ |x| + |y|.Prova: Utilizando os ıtens (f ) e (e) da proposicao 24, obtemos

−|x|≤ x ≤|x|−|y| ≤ y ≤|y|

−|x|+|y|

≤ x+y ≤|x|+|y|   =⇒ |x+y| ≤ |x|+|y|.

(e)+ :

Esta ultima desigualdade e conhecida como  desigualdade triangular.Por outro lado,

|x| =(x − y) + y

≤ |x − y| + |y|   =⇒ |x| − |y| ≤ |x − y||y| =

(y − x) + x

≤ |y − x| + |x|   =⇒ |y| − |x| ≤ |y − x|

Sendo assim, temos |x − y| ≥ |x| − |y|

|y − x| ≥ − |x| − |y|   =⇒ |x − y| ≥|x| − |y|

.Esta e a primeira desigualdade com o sinal menos. Para obter a desigualdadecom o sinal mais, substituimos (nesta ultima desigualdade)  y  por −y.  

257

Page 259: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 259/515

Definicao 48   (Distancia em Q, | · |).   Sendo   x   e   y   numeros racionais,

chamaremos distancia de  x  a   y  ao modulo da diferenca  x − y; a distanciade  x  a  y   sera designada pelo sımbolo  d(x, y); sendo assim, por definicao:

d(x, y) = |x − y|.

Segundo as proposicoes vistas para o modulo, assinalamos as seguintespropriedades para a distancia entre numeros racionais:

(d1)   d(x, y) ≥ 0 e   d(x, y) = 0 ⇐⇒   x =  y ;

(d2)   d(x, y) = d(y, x) ;

(d3)   d(x, y) ≤ d(x, z) + d(z, y).

Esta ultima desigualdade e uma decorrencia imediata da desigualdadetriangular, assim:

x − y = (x − z) + (z − y)   ⇒ |x − y| =(x − z) + (z − y)

⇒ ≤ |x − z| + |z − y|.

Apenas a tıtulo de registro, o conceito de distancia pode ser estendidopara conjuntos arbitrarios atraves da seguinte:   ([19], p. 510)

Definicao 49 (Espaco Metrico).   Seja M  = ∅ um conjunto qualquer. Consi-deremos uma aplicacao  d :  M  × M  −→ R, que associa a cada par ordenado(x, y) ∈ M × M  um numero real d(x, y) satisfazendo as seguintes condicoes(para quaisquer  x,  y  e  z   em M ):

(M 1)   d(x, y) ≥ 0 e   d(x, y) = 0 ⇐⇒   x =  y ;

(M 2)   d(x, y) =  d(y, x) ;

(M 3)   d(x, y) ≤ d(x, z) + d(z, y).

Nestas condicoes dizemos que  d   e uma metrica sobre  M   e que  d(x, y) e adistancia do elemento  x  ao elemento  y .

Podemos dizer tambem que uma aplicacao d :  M ×M  −→ R satisfazendoas condicoes anteriores adquire status de metrica.

O par (M, d ) e o que entendemos por espaco metrico.

Nota:   Chamamos a atencao do leitor para o fato de que espaco metrico euma “estrutura” e nao um conjunto, tanto e que o mesmo conjunto munidocom metricas distintas da origem a espacos metricos distintos, isto e:

d = d′   ⇒   (M, d ) = (M, d′ )

258

Page 260: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 260/515

Apendice

Lema 13.   Sejam α  = (a, b),   α′  = (a′, b′),   β  = (c, d),   β ′  = (c′, d′) elemen-tos em  Q. Se  α  =  α′  e  β  =  β ′, entao

α + β  =  α′ + β ′

De outro modo, devemos provar que se

a

b  =

  a′

b′   e  c

d  =

  c′

d′   entao  a

b +

 c

d =

 a′

b′   + c′

d′

Ou ainda,

H :

a b′ =  a′ b

c d′ =  c′ dT:

  a d + b c

b d  =

 a′ d′ + b′ c′

b′ d′

Ou ainda,

H :

a b′  =  a′ b

c d′  = c′ dT : (a d + b c) b′ d′  = (a′ d′ + b′ c′) b d

Prova: Multiplicando as equacoes da hipotese por   d d′   e   b b′, respectiva-mente, obtemos

(a b′)(d d′) = (a′ b)(d d′)(c d′)(b b′) = (c′ d)(b b′)

Somando estas igualdades

(a b′)(d d′) + (c d′)(b b′) = (a′ b)(d d′) + (c′ d)(b b′)

donde(a d)(b′ d′) + (b c)(d′ b′) = (a′ d′)(b d) + (c′ b′)(b d)

Logo,

[ (a d) + (b c) ] (b′ d′) = [ (a′ d′) + (c′ b′) ] (b d)que e a tese.  

259

Page 261: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 261/515

Lema 14.   Sejam α  = (a, b),   α′  = (a′, b′),   β  = (c, d),   β ′  = (c′, d′) elemen-

tos em  Q. Se  α  =  α′  e  β  =  β ′, entao

α · β  =  α′ · β ′

De outro modo, devemos provar que se

a

b  =

  a′

b′   e  c

d  =

  c′

d′   entao  a

b ·  c

d  =

 a′

b′ · c′

d′

Ou ainda,

H : a b′ =  a′ b

c d′ =  c′ d

T: (a c)(b′ d′) = (a′ c′)(b d)

Prova: Nestas condicoes, a tese e quase que uma consequencia imediata dahipotese.  

∗ ∗ ∗(Continuacao da p. 252)

pois, em verdade, eu nao me entrego a fantasias, e se erro, julgo nao errar in-tencionalmente; falando e escrevendo, nao disputo pelo amor da vitoria em simesma (pois que todas as reputacoes e vitorias considero inimigas de Deus,abjectas e sem sombra de honra, se nao assentarem na verdade), mas poramor da verdadeira sapiencia e fervor da verdadeira especulacao me afadigo,me apoquento, me atormento.  E isto que irao comprovar os argumentos dademonstracao, baseados em raciocınios validos que procedem de um juızorecto, informado por imagens nao falsas, que, como verdadeiras embaixado-ras, se desprendem das coisas da natureza e se tornam presentes aqueles queas procuram, patentes aqueles que as miram, claras para todo aquele que asaprende, certas para todo aquele que as compreende. Apresento-vos agora aminha especulacao acerca do infinito, do universo e dos mundos inumeraveis.

Excerto do livro: ACERCA DO INFINITO, DO UNIVERSO E DOS

MUNDOS (Giordano Bruno).

Giordano Bruno (1548-1600) foi queimado vivo em 1600 peloPapa (Pontıfice) “representante maximo de Deus sobre a Terra” .

260

Page 262: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 262/515

Capıtulo 8

RACIONAIS AZUIS E

VERMELHOSA matem´ atica e um campo demasiadamente ´ arduo

e in´ ospito para agradar aqueles a quem n˜ ao oferece grandes recompensas. Recompensas que s˜ ao da mesma ındole que as do artista. . . . Acrescenta ainda que e noato de criar que o matem´ atico encontra sua culminˆ ancia e que “nenhuma quantidade de trabalho ou correc˜ aotecnica pode substituir este momento de criac˜ ao na vida de um matem´ atico, poeta ou m´ usico”.   (Norbert Wiener)

Introducao

Nesta introducao apenas pomos em relevo dois pontos: como veremos, arepresentacao binaria de um racional azul (“fracao azul”) e obtida de modobem mais simples que a representacao binaria de uma fracao canonica. Cre-mos que isto sera de proveito para a computacao. Ademais, oportunamenteenfatizaremos a necessidade de se fazer distincao entre “ambiguidade   nasrepresentacoes decimais” e “duplicidade  nas representacoes decimais”, de-fendemos que confundir as duas e um erro cometido pelos matematicos.

8.1 Construcao dos Racionais AzuisPara a construcao dos racionais azuis

Q = ( Q, τ  )

Conjunto(hardware)

Software(instruc~oes)

vamos partir dos inteiros azuis:   (p. 211)

Z = ( { . . . , −3, −2, −1,  0,  1,  2,   3, . . . },  +, ·)

261

Page 263: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 263/515

Tomando o produto cartesiano, temos

{ . . . , −3, −2, −1,  0,  1,  2,   3, . . . } × { . . . , −3, −2, −1,  0,  1,  2,   3, . . . }

Z

Z

(−4, 0) (−3, 0) (−2, 0) (−1, 0) (0, 0) (1, 0) (2, 0) (3, 0) (4, 0)

(−4, 1) (−3, 1) (−2, 1) (−1, 1) (0, 1) (1, 1) (2, 1) (3, 1) (4, 1)

(−4, 2) (−3, 2) (−2, 2) (−1, 2) (0, 2) (1, 2) (2, 2) (3, 2) (4, 2)

(−4, 3) (−3, 3) (−2, 3) (−1, 3) (0, 3) (1, 3) (2, 3) (3, 3) (4, 3)

(−4, 4) (−3, 4) (−2, 4) (−1, 4) (0, 4) (1, 4) (2, 4) (3, 4) (4, 4)

(−4, −1)(−3, −1)(−2, −1)(−1, −1) (0, −1) (1, −1) (2, −1) (3, −1) (4, −1)

(−4, −2)(−3, −2)(−2, −2)(−1, −2) (0, −2) (1, −2) (2, −2) (3, −2) (4, −2)

(−4, −3)(−3, −3)(−2, −3)(−1, −3) (0, −3) (1, −3) (2, −3) (3, −3) (4, −3)

(−4, −4)(−3, −4)(−2, −4)(−1, −4) (0, −4) (1, −4) (2, −4) (3, −4) (4, −4)

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...

Vamos excluir do produto cartesiano  Z

×Z  todos os pares com segunda

coordenada nula (“eixo x”), obtendo assim  Z × Z∗, veja:

Z × Z∗

(−4, 1) (−3, 1) (−2, 1) (−1, 1) (0, 1) (1, 1) (2, 1) (3, 1) (4, 1)

(−4, 2) (−3, 2) (−2, 2) (−1, 2) (0, 2) (1, 2) (2, 2) (3, 2) (4, 2)

(−4, 3) (−3, 3) (−2, 3) (−1, 3) (0, 3) (1, 3) (2, 3) (3, 3) (4, 3)

(−4, 4) (−3, 4) (−2, 4) (−1, 4) (0, 4) (1, 4) (2, 4) (3, 4) (4, 4)

(−4, −1)(−3, −1)(−2, −1)(−1, −1) (0, −1) (1, −1) (2, −1) (3, −1) (4, −1)

(−4, −2)(−3, −2)(−2, −2)(−1, −2) (0, −2) (1, −2) (2, −2) (3, −2) (4, −2)

(−4, −3)(−3, −3)(−2, −3)(−1, −3) (0, −3) (1, −3) (2, −3) (3, −3) (4, −3)

(−4, −4)(−3, −4)(−2, −4)(−1, −4) (0, −4) (1, −4) (2, −4) (3, −4) (4, −4). . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...

262

Page 264: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 264/515

Este e o hardware

Z × Z∗ = { (a, b) :  a ∈ Z   e   b ∈ Z∗ }

sobre o qual vamos erigir o sistema dos numeros racionais azuis.

Definicao 50.   Dados dois elementos (a, b) e (c, d) do conjunto   Z × Z∗,diremos que (a, b) ∼ (c, d), se e somente se,  a · d =  b · c.

Por exemplo:

(2,  3) ∼ (4,  6)   ⇐⇒   2 · 6 = 3 · 4

Para mostrar que a relacao definida acima e de equivalencia basta trocara cor (para azul) na prova da relacao dada na pagina 222.

Para representar a  classe de equivalencia  do par (a, b), utilizaremos al-ternativamente o  sımbolo (notacao)   a

b , assim:

(a, b) =  a

b  (8.1)

Por hora apenas  uma notacao alternativa. Entao,

a

b  = { (x, y ) ∈ Z × Z∗ : (x, y) ∼ (a, b) } = { (x, y ) ∈ Z × Z∗ :  x b =  y a }

O sımbolo  a

b   chama-se fracao de numerador  a  e denominador  b.Importante:   Trabalhar com os numeros racionais na forma de fracoes emais conveniente (comodo), todavia deve-se ter em conta que um numeroracional nao e uma fracao mas sim uma classe de equivalencia.

Vejamos alguns exemplos de classes de equivalencias (racionais azuis):

(1,  2)   ⇒   12  = { (x, y ) ∈ Z × Z∗ :  x 2 =  y 1 } = { (x, y ) ∈ Z × Z∗ :  2 x =  y }

(2,  1)   ⇒   21  = { (x, y ) ∈ Z × Z∗ :  x 1 =  y 2 } = { (x, y ) ∈ Z × Z∗ :  2 y =  x }

(1,  1)   ⇒  1

1  = { (x, y ) ∈ Z × Z∗ :  x 1 =  y 1 } = { (x, y ) ∈ Z × Z∗ :  y  =  x }(3,  1)   ⇒   3

1  = { (x, y ) ∈ Z × Z∗ :  x 1 =  y 3 } = { (x, y ) ∈ Z × Z∗ :  x  = 3 y }

(0,  1)   ⇒   01  = { (x, y ) ∈ Z × Z∗ :  x 1 =  y 0 } = { (x, y ) ∈ Z × Z∗ :  x  = 0 }

(−2,  1)⇒ −21   = { (x, y ) ∈ Z × Z∗ :  x 1 =  y (−2) } = { (x, y ) :  x = −2 y }

263

Page 265: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 265/515

Geometricamente fica assim:

11 1

2 01

21

31

−11

−21

−31

−12

(−4, 1) (−3, 1) (−2, 1) (−1, 1) (0, 1) (1, 1) (2, 1) (3, 1) (4, 1)

(−4, 2) (−3, 2) (−2, 2) (−1, 2) (0, 2) (1, 2) (2, 2) (3, 2) (4, 2)

(−4, 3) (−3, 3) (−2, 3) (−1, 3) (0, 3) (1, 3) (2, 3) (3, 3) (4, 3)

(−4, 4) (−3, 4) (−2, 4) (−1, 4) (0, 4) (1, 4) (2, 4) (3, 4) (4, 4)

(−4, −1)(−3, −1)(−2, −1)(−1, −1) (0, −1) (1, −1) (2, −1) (3, −1) (4, −1)

(−4, −2)(−3, −2)(−2, −2)(−1, −2) (0, −2) (1, −2) (2, −2) (3, −2) (4, −2)

(−4, −3)(−3, −3)(−2, −3)(−1, −3) (0, −3) (1, −3) (2, −3) (3, −3) (4, −3)

(−4, −4)(−3, −4)(−2, −4)(−1, −4) (0, −4) (1, −4) (2, −4) (3, −4) (4, −4)

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...

A seguir pomos em destaque algumas classes:0

1 = { . . . ,  (0, −3),  (0, −2),  (0, −1),  (0,  1),  (0,  2),  (0,  3), . . . }

1

1 = { . . . ,  (−3, −3),  (−2, −2),  (−1, −1),  (1,  1),  (2,  2),  (3,  3), . . . }

1

2 = { . . . ,  (−3, −6),  (−2, −4),  (−1, −2),  (1,  2),  (2,  4),  (3,  6), . . . }

−1

1  = { . . . ,  (−3,  3),  (−2,  2),  (−1,  1),  (1, −1),  (2, −2),  (3, −3), . . . }

Observe que a fracao racional   12 , por exemplo, e a razao de dois inteiros

1 e  2  que, por sua vez, sao pares de numeros naturais, assim:   (p. 210)

12

1 = (1, 0)

2 = (2, 0)

Q Z N

264

Page 266: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 266/515

Codificando os racionais azuis

O nosso objetivo agora sera obter uma representacao binaria para osracionais.

O operador Multiplexacao   (p. 133)

Definimos a seguinte aplicacao:

≻   :   Z × Z Z(zn)( (xn), (yn) )

Onde, (zn

) =  x1 y1 x2 y2 x3 y3   . . .. De outro modo,

xn

 = x1 x2 x3   . . .

yn

 = y1 y2 y3   . . .

x1 y1 x2 y2 x3 y3   . . .≻

Dizemos que a aplicacao ≻ (m, n) faz uma  multiplexagem dos inteiros  me  n. Por exemplo,

0 1 0 1 0 0 0 0  . . .

0 0 1 1 0 0 0 0  . . .

0 0 1 0 0 1 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0  . . .≻ ց

ր 

Ou ainda, seguindo as setas montamos a sequencia resultante:

0 1 0 1 0 0 0 0  . . .

0 0 1 1 0 0 0 0 . . .⇒   0 0 1 0 0 1 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0  . . .

Temos,

≻ (0 1 0 1 0 0 0 0  . . . ,  0 0 1 1 0 0 0 0  . . .) = 0 0 1 0 0 1 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 . . .

265

Page 267: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 267/515

O operador  ≻   e injetor

O operador ≻: Z × Z →   Z  e injetor. De fato, consideremos os pares desequencias:

(ai, b

i) = (a0 a1 a2  . . . , b0 b1 b2   . . . )

(ci, d

i) = (c0 c1 c2   . . . , d0 d1 d2   . . . )

Entao,

≻ (ai, b

i) = ≻ (a0 a1 a2  . . . , b0 b1 b2   . . . ) = a0 b0 a1 b1 a2 b2   . . .

≻ (ci, d

i) = ≻ (c0 c1 c2  . . . , d0 d1 d2   . . . ) = c0 d0 c1 d1 c2 d2   . . .

Logo,≻ (a

i, b

i) = ≻ (c

i, d

i)   ⇒   (a

i, b

i) = (c

i, d

i).

Gostariamos de obter a representacao binaria de uma fracao azul pelamultiplexagem de (seus dois) inteiros; por exemplo, possivelmente assim:

1

2  = ≻  1

2

 = ≻

 1 0 0 0 0   . . .

0 1 0 0 0   . . .

 = 1 0 0 1 0 0 0 0 0 0   . . .

O problema e que obtivemos a representacao binaria do inteiro 9.   (p. 130)

Observe que permaneceremos frustrados em nossa tentativa se conside-rarmos no numerador e denominador da fracao dois inteiros positivos∗   ou

dois inteiros negativos.†So obteremos exito se considerarmos a multiplexagem de inteiros de

sinais opostos; sendo assim,  resultam duas alternativas, porquanto:

1

2  = −

−1

2

 = −

  1

−2

  (8.2)

Por exemplo,   (p. 215)

1

2 = −

−1

2  = − ≻ −( 1 0 0 0 0   . . .)

0 1 0 0 0  . . . = − ≻

 1 1 1 1 1   . . .

0 1 0 0 0  . . .

 = −( 1 0 1 1 1 0 1 0 1 0  . . .)

Sendo assim, resulta:

1/2 = −( 1 0 1 1 1 0 1 0 1 0  . . .)

= 1 1 0 0 0 1 0 1 0 1  . . .   (8.3)

∗Sequencias com todos os termos iguais a 0, a partir de alguma posicao.   (p. 214)†Sequencias com todos os termos iguais a 1, a partir de alguma posicao.   (p. 214)

266

Page 268: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 268/515

Destacaremos o perıodo da fracao azul,

1/2 = 1 1 0 0 0 1 0 1 0 1   . . .

Na outra alternativa, temos:

1

2 = −

  1

−2

 = − ≻

  1 0 0 0 0   . . .

−( 0 1 0 0 0   . . .)

= − ≻ 1 0 0 0 0   . . .

0 1 1 1 1  . . .

 = −( 1 0 0 1 0 1 0 1 0 1  . . .)

Sendo assim, resulta:

1/2 =−

( 1 0 0 1 0 1 0 1 0 1  . . .)

= 1 1 1 0 1 0 1 0 1 0  . . .

Destacaremos o perıodo da fracao azul,

1/2  = 1 1 1 0 1 0 1 0 1 0   . . .   (8.4)

Surge aqui o mesmo que acontece quando buscamos uma representa caobinaria (ou decimal) para uma fracao canonica: uma duplicidade.

Isto significa tao somente que devemos optar por uma das alternativasacima.

Vejamos mais um exemplo de codificacao, a ser referenciado oportuna-

mente:3

8 = −

−3

8

 = −

  3

−8

Entao,

3

8 = −

−3

8

 = − ≻

−( 1 1 0 0 0   . . .)

0 0 0 1 0  . . .

= − ≻ 1 0 1 1 1   . . .

0 0 0 1 0  . . .

 = −( 1 0 0 0 1 0 1 1 1 0  . . .)

Sendo assim, resulta:

3/8 = −( 1 0 0 0 1 0 1 1 1 0  . . .)

= 1 1 1 1 0 1 0 0 0 1  . . .   (8.5)

Na outra alternativa, temos

3

8 = −

  3

−8

 = − ≻

  1 1 0 0 0   . . .

−( 0 0 0 1 0  . . .)

= − ≻ 1 1 0 0 0   . . .

0 0 0 1 1  . . .

 = −( 1 0 1 0 0 0 0 1 0 1  . . .)

267

Page 269: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 269/515

Sendo assim, resulta:

3/8 = −( 1 0 1 0 0 0 0 1 0 1  . . .)

= 1 1 0 1 1 1 1 0 1 0  . . .   (8.6)

Neste trabalho escolheremos a primeira das alternativas em (8.2)  (p. 266).Sendo assim, escolheremos para Q′  o conjunto das representacoes binarias

dos racionais, todas as sequencias obtidas pela multiplexacao de um inteironegativo com um inteiro positivo, e mais suas “opostas” (isto e, as obtidascom o operador: −).   (p. 215)

Representacao (codificacao) binaria dos  racionais

λ :  Z × Z →   Q′(m, n)   →   p

Queremos transformar   racionais   (m, n) em sequencias binarias de   Q′.Lembramos que em (m, n),   m   e   n   sao   inteiros   e estes, por sua vez, saosequencias binarias de  N, por exemplo, assim   (p. 121)

12

1 = (1,  0) = (1 0 0 0 0  . . . ,  0 0 0 0 0   . . .)

2 = (2,  0) = (0 1 0 0 0  . . . ,  0 0 0 0 0   . . . )

Q Z N   N

m −→n −→

Para a fracao   mn   colocamos, por definicao:

− ≻(−m

n   ); se   m >  0,   n >  0; (++)

≻ (−m−n ); se   m >  0,   n <  0; (+−)

≻ ( mn ); se   m <  0,   n >  0; (−+)

− ≻ (   m−n ); se   m <  0,   n <  0.   (−−)

λ

mn

 =

Esta  codificac˜ ao  (ou  representac˜ ao) vale para fracoes   mn   proprias∗.

∗Isto e, mdc(m, n) = 1

268

Page 270: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 270/515

Exemplos:  Vejamos alguns exemplos de como obter a representacao binaria

de uma fracao.Obter as representacoes das seguintes fracoes:

( i )   −13   ( i i )  −1

2   (i i i)   13   ( i v )   4

5   ( v )   52   ( v i )  −5

2   (vii)   110

Solucao:

( i ) Para obter a representacao da fracao   −13   utilizamos a alternativa (−+)

em λ, assim   (p. 215):

λ−1

3

 =≻ (

−1

3  ) =≻

 1 1 1 1 1   . . .

1 1 0 0 0  . . .

 = 1 1 1 1 1 0 1 0 1 0   . . .

Destacaremos o perıodo da fracao azul,

−1/3 = 1 1 1 1 1 0 1 0 1 0   . . .

Obviamente que esta igualdade e no sentido de representac˜ ao bin´ aria  (ouainda,  codificac˜ ao).

( ii ) Para obter a representacao da fracao − 12  utilizamos a alternativa (−+)

em λ, assim:

λ

−  1

2

 =≻ (

−1

2  ) =≻

 1 1 1 1 1   . . .

0 1 0 0 0  . . .

 = 1 0 1 1 1 0 1 0 1 0   . . .

Destacaremos o perıodo da fracao azul,

−1/2 = 1 0 1 1 1 0 1 0 1 0   . . .

( iii ) Para obter a representacao da fracao   13   utilizamos a alternativa (++)

em λ, assim:

λ1

3

 = − ≻ (

−1

3  ) = − ≻

 1 1 1 1 1   . . .

1 1 0 0 0  . . .

 = −( 1 1 1 1 1 0 1 0 1 0  . . . )

= 1 0 0 0 0 1 0 1 0 1  . . .

Destacaremos o perıodo da fracao azul,

1/3 = 1 0 0 0 0 1 0 1 0 1   . . .

( iv ) Para obter a representacao da fracao   45   utilizamos a alternativa (++)

em λ, assim   (p. 215):

λ4

5

 = − ≻ (

−4

5  ) = − ≻

 0 0 1 1 1   . . .

1 0 1 0 0  . . .

 = −( 0 1 0 0 1 1 1 0 1 0  . . . )

= 0 1 1 1 0 0 0 1 0 1  . . .

Destacaremos o perıodo da fracao azul,

4/5 = 0 1 1 1 0 0 0 1 0 1 0 1   . . .

269

Page 271: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 271/515

( v ) Para obter a representacao da fracao   52   utilizamos a alternativa (++)

em λ, assim   (p. 215):

λ5

2

 = − ≻ (

−5

2  ) = − ≻

 1 1 0 1 1   . . .

0 1 0 0 0   . . .

 = −( 1 0 1 1 0 0 1 0 1 0  . . . )

= 1 1 0 0 1 1 0 1 0 1  . . .

Destacaremos o perıodo da fracao azul,

5/2 = 1 1 0 0 1 1 0 1 0 1 0 1   . . .

( vi ) Para obter a representacao da fracao  −52   utilizamos a alternativa

(−+) em λ, assim:

λ−  5

2

 =≻ (−5

2  ) =≻  1 1 0 1 1   . . .

0 1 0 0 0  . . .

 = 1 0 1 1 0 0 1 0 1 0   . . .

Destacaremos o perıodo da fracao azul,

−5/2 = 1 0 1 1 0 0 1 0 1 0 1 0   . . .

( vii ) Para obter a representacao da fracao   110  utilizamos a alternativa (++)

em λ, assim:

λ  1

10 =− ≻

(−1

10 ) =

− ≻  1 1 1 1 1 1   . . .

0 1 0 1 0 0   . . .  =−

( 1 0 1 1 1 0 1 1 1 0 1 0 . . . )

= 1 1 0 0 0 1 0 0 0 1 0 1 . . .

Destacaremos o perıodo da fracao azul,

1/10  = 1 1 0 0 0 1 0 0 0 1 0 1 . . .

Por oportuno, observe a seguinte tabela:

0 0   N

1 0   Q∗

−0 1   Q∗+

1 1   Z∗−

Um numero natural azul e uma sequencia binaria cuja“terminacao” (perıodo) e 0 0; um numero racional nega-tivo e codificado por uma sequencia binaria cuja “ter-

minacao” (perıodo) e 1 0; um numero racional positivo ecodificado por uma sequencia binaria cuja “terminacao”(perıodo) e 0 1; um numero inteiro negativo e codificadopor uma sequencia binaria cuja “terminacao” (perıodo) e 1 1.

Enfatizamos: Em nosso metodo de representacao   todos os numerosracionais positivos tem o mesmo perıodo, assim como os negativos.Isto nao acontece nas representacoes usuais (canonicas).

270

Page 272: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 272/515

Vejamos alguns racionais na reta racional.

0   1

− 12

12− 5

252

2   3   4   . . .   Q−1−2−3−4. . .↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓

↓↓↓ ↓

00111111...

10111111...

01111111...

11111111...

00000000...

10000000...

01000000...

11000000...

00100000...

11000101...

10111010...

10110010...

11001101...

O operador Demultiplexacao (Dmux)   (p. 133)

Para provar que   λ   e sobrejetor devemos definir o operador   demultiple-xador  (Dmux); e o operador inverso do operador  Mux  que funciona assim∗:

≺   :   W W × W

(xn

)

η1 (xn

), η2 (xn

)

Onde   ηi :  W −→ W (i = 1,  2.) sao dadas por

η1

(x

n)

 =  η1 (x1 x2 x3 . . .) = (x1 x3 x5 . . .)

η2

(x

n)

 =  η2 (x1 x2 x3 . . .) = (x2 x4 x6 . . .)

Isto e,  η1  toma da sequencia

xn

 sua subsequencia de ındices ımpares e

η2  toma sua subsequencia de ındices pares, assim:

≺ (x1 x2 x3 x4 x5 . . .)(x1 x3 x5 x7 . . .)

(x2 x4 x6 x8 . . .)

η1

η2

Dizemos que a aplicacao  η  demultiplexa a sequencia (xn

).

No exemplo dado a seguir ilustramos os operadores   Mux   e   Dmux   simul-taneamente:

∗Nota:  W  e um conjunto arbitrario de sequencias.

271

Page 273: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 273/515

0 1 0 1 0 0 0 0 0 1 0 1 0 0 0 0

0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 0 0

0 0 1 0 0 1 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0≻   ≺ ց

ր    ց

ր 

Mux Dmux

Pois bem, deixamos como exercıcio ao leitor a prova de que o codificadorλ  e bijetor.

Exemplos:  Vejamos alguns exemplos de como obter a fracao azul correspon-dente a algumas sequencias binarias.

Obter as fracoes correspondentes as seguintes representacoes binarias:

( i ) 1 1 0 0 01 0 1 0 1  . . .

( ii ) 1 1 1 1 1 0 1 0 1 0  . . .

( iii ) 1 0 0 0 0 1 0 1 0 1   . . .

( iv ) 0 1 1 1 0 0 0 1 0 1  . . .

( v ) 1 1 0 0 11 0 1 0 1  . . .

( vi ) 1 0 1 1 0 0 1 0 1 0  . . .

( vii ) 1 0 1 1 1 0 1 0 1 0   . . .

Solucao:

( i )

1 1 0 0 0 1 0 1 0 1  . . .ր ր ր ր ր

1 0 0 0 0   . . .

ց ց ց ց ց1 0 1 1 1  . . .

Entao, em cima resultou um inteiro positivo e embaixo resultou uminteiro negativo, mas pela nossa convencao∗  embaixo devemos ter um inteiro

positivo, o que significa que devemos tomar o oposto da sequencia dadainicialmente, assim:

−( 1 1 0 0 0 1 0 1 0 1  . . .)   ⇒ր ր ր ր ր

1 0 0 0 0  . . .

ց ց ց ց ց1 0 1 1 1  . . .

→ − → −1 0 1 1 1 0 1 0 1 0  . . .ր ր ր ր ր

1 1 1 1 1  . . .

ց ց ց ց ց0 1 0 0 0   . . .

∗Primeira das alternativas em (8.2), p. 266.

272

Page 274: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 274/515

Nota:   Devemos tomar o oposto duas vezes para nao alterar o resultado.

Apos tomar o oposto da sequencia inicial e demultiplexa-la tomamos ooposto do “numerador”, assim:

→ −1 0 1 1 1 0 1 0 1 0  . . .   ⇒ր ր ր ր ր

1 1 1 1 1  . . .

ց ց ց ց ց0 1 0 0 0  . . .

1 0 1 1 1 0 1 0 1 0  . . .

1 0 0 0 0  . . .   −→ 1

ց ց ց ց ց0 1 0 0 0  . . .   −→ 2

Logo,

1 1 0 0 0 1 0 1 0 1  . . . = 1

2

( i i )

1 1 1 1 1 0 1 0 1 0  . . .ր ր ր ր ր

1 1 1 1 1   . . .   −→ −1

ց ց ց ց ց1 1 0 0 0  . . .   −→ 3

Entao, em cima resultou um inteiro negativo e embaixo resultou uminteiro positivo, nada mais restando a fazer. Logo,

1 1 1 1 1 0 1 0 1 0  . . . = −1

3

(iii)

1 0 0 0 0 1 0 1 0 1  . . .ր ր ր ր ր

1 0 0 0 0   . . .

ց ց ց ց ց0 0 1 1 1  . . .

Entao, em cima resultou um inteiro positivo e embaixo resultou uminteiro negativo, mas pela nossa convencao∗ embaixo devemos ter um inteiropositivo, o que significa que devemos tomar o oposto da sequencia dada

inicialmente, assim:

−( 1 0 0 0 0 1 0 1 0 1  . . .)   ⇒ր ր ր ր ր

1 0 0 0 0  . . .

ց ց ց ց ց0 0 1 1 1  . . .

→ − → −1 1 1 1 1 0 1 0 1 0  . . .ր ր ր ր ր

1 1 1 1 1  . . .

ց ց ց ց ց1 1 0 0 0   . . .

∗Primeira das alternativas em (8.2), p. 266.

273

Page 275: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 275/515

Nota:   Devemos tomar o oposto duas vezes para nao alterar o resultado.

Apos tomar o oposto da sequencia inicial e demultiplexa-la tomamos ooposto do “numerador”, assim:

→ −1 1 1 1 1 0 1 0 1 0  . . .   ⇒ր ր ր ր ր

1 1 1 1 1  . . .

ց ց ց ց ց1 1 0 0 0  . . .

1 1 1 1 1 0 1 0 1 0  . . .

1 0 0 0 0  . . .   −→ 1

ց ց ց ց ց1 1 0 0 0   . . .   −→ 3

Logo,

1 0 0 0 0 1 0 1 0 1  . . . = 1

3

( i v )

0 1 1 1 0 0 0 1 0 1  . . .ր ր ր ր ր

0 1 0 0 0   . . .

ց ց ց ց ց1 1 0 1 1  . . .

Entao, em cima resultou um inteiro positivo e embaixo resultou uminteiro negativo, mas pela nossa convencao∗  embaixo devemos ter um inteiropositivo, o que significa que devemos tomar o oposto da sequencia dadainicialmente, assim:

−( 0 1 1 1 0 0 0 1 0 1  . . .)   ⇒ր ր ր ր ր

0 1 0 0 0  . . .

ց ց ց ց ց1 1 0 1 1  . . .

→ − → −0 1 0 0 1 1 1 0 1 0  . . .ր ր ր ր ր

0 0 1 1 1  . . .

ց ց ց ց ց1 0 1 0 0   . . .

Nota:   Devemos tomar o oposto duas vezes para nao alterar o resultado.Apos tomar o oposto da sequencia inicial e demultiplexa-la tomamos ooposto do “numerador”, assim:

→ −0 1 0 0 1 1 1 0 1 0  . . .   ⇒ր ր ր ր ր0 0 1 1 1  . . .

ց ց ց ց ց1 0 1 0 0  . . .

0 1 0 0 1 1 1 0 1 0  . . .

0 0 1 0 0  . . .   −→ 4

ց ց ց ց ց1 0 1 0 0   . . .   −→ 5

Logo,

0 1 1 1 0 0 0 1 0 1  . . . = 4

5

∗Primeira das alternativas em (8.2), p. 266.

274

Page 276: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 276/515

( v )

1 1 0 0 1 1 0 1 0 1  . . .ր ր ր ր ր1 0 1 0 0   . . .

ց ց ց ց ց1 0 1 1 1  . . .

Entao, em cima resultou um inteiro positivo e embaixo resultou uminteiro negativo, mas pela nossa convencao∗ embaixo devemos ter um inteiropositivo, o que significa que devemos tomar o oposto da sequencia dadainicialmente, assim:

−( 1 1 0 0 1 1 0 1 0 1  . . .)   ⇒ր ր ր ր ր1 0 1 0 0  . . .

ց ց ց ց ց1 0 1 1 1  . . .

→ − → −1 0 1 1 0 0 1 0 1 0  . . .ր ր ր ր ր1 1 0 1 1  . . .

ց ց ց ց ց0 1 0 0 0   . . .

Nota:   Devemos tomar o oposto duas vezes para nao alterar o resultado.Apos tomar o oposto da sequencia inicial e demultiplexa-la tomamos ooposto do “numerador”, assim:

→ −1 0 1 1 0 0 1 0 1 0  . . .   ⇒ր ր ր ր ր

1 1 0 1 1  . . .

ց ց ց ց ց0 1 0 0 0  . . .

1 0 1 1 0 0 1 0 1 0  . . .

1 0 1 0 0  . . .   −→ 5

ց ց ց ց ց0 1 0 0 0  . . .   −→ 2

Logo,

1 1 0 0 1 1 0 1 0 1  . . . = 5

2

( v i )

1 0 1 1 0 0 1 0 1 0  . . .

ր ր ր ր ր1 1 0 1 1   . . .   −→ −5

ց ց ց ց ց0 1 0 0 0  . . .   −→ 2

Entao, em cima resultou um inteiro negativo e embaixo resultou uminteiro positivo, nada mais restando a fazer. Logo,

1 0 1 1 0 0 1 0 1 0  . . . = −5

2

∗Primeira das alternativas em (8.2), p. 266.

275

Page 277: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 277/515

(vii)

1 0 1 1 1 0 1 0 1 0  . . .ր ր ր ր ր1 1 1 1 1   . . .   −→ −1

ց ց ց ց ց0 1 0 0 0  . . .   −→ 2

Entao, em cima resultou um inteiro negativo e embaixo resultou uminteiro positivo, nada mais restando a fazer. Logo,

1 0 1 1 1 0 1 0 1 0  . . . = −1

2

8.2 O Mito das Ambiguidades nas Representacoes

O assunto de que vamos tratar nesta secao achamos de extrema relevanciapara a matematica, inclusive no que diz respeito a construcao de muitos ob-

 jetos da “matem´ atica superior ”, a exemplo da curva de Peano.

Em resumo, estamos defendendo a tese de que a ambiguidade que surgena representacao (decimal, binaria, etc.) de certos numeros e um mito, re-sulta de uma falsa perspectiva, de uma compreensao claudicante.

Quando definimos representacao binaria (codificac˜ ao) para as fracoesazuis nos deparamos com duas alternativas. eq. (8.2), p. 266Estas duas alternativas e o que denominamos de duplicidade; nos reaiscanonicos acontece a mesma coisa. Alguns autores confundem duplicidadecom ambiguidade, deveras sao conceitos distintos. Em nosso livro [19] discu-timos este assunto mais detalhadamente, aqui voltamos ao tema no contextodos numeros azuis tentando ver alguns argumentos de uma outra perspec-tiva, talvez entendamos melhor, sob um novo enfoque.

Pois bem, No livro “Meu Professor de Matem´ atica ” (4a Edicao) o Prof.Elon Lages Lima, trata das representacoes decimais. Na pag. 162, consta:

7. Duvidas sobre dızimas

. . . Duas das mais interessantes entre essas perguntas foram feitas por

Sun Hsien Ming, de Sao Paulo, SP.Elas sao:

1a) Existe alguma fracao ordinaria tal que, dividindo-se o numerador pelodenominador, obtenha-se a dızima periodica 0, 999 . . .?

De momento vai nos interessar a segunda pergunta:

2a) O fato de a mesma fracao ordinaria poder ter duas representacoes deci-mais distintas (como 2/5 = 0, 4000 . . .  = 0, 3999 . . .) nao apresenta inconve-niente nem origina paradoxos?

Uma boa pergunta. Infelizmente nao podemos dizer o mesmo da “res-posta”. No meu entendimento, o Prof. Elon usa de tergiversacao ao tentar

276

Page 278: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 278/515

responde-la, como o leitor pode verificar lendo sua resposta no citado livro.

No final de sua argumentacao o Prof. aconselha:“Por isso me parece mais razoavel que nos resignemos com a falta de

biunivocidade. Ha coisas piores no mundo.”

Este nao me parece um conselho muito sabio, embora em um ponto oProf. tenha razao: de fato ha coisas piores no mundo como, por exemplo,as bombas sobre hiroshima e nagasaki, ou os polıticos bandidos (ratazanas)que saqueam o nosso paıs.

Eu diria que nos nao devemos nos “resignar” com a falta de biunivoci-dade mas, sim, nos “rejubilar” pelo excesso.†

Apenas para situar, no livro∗   lemos:

“Antes de definir   ϕ, lembremos que os numeros reais admitem naosomente uma   expressao   decimal como tambem, fixado qualquer numerob > 1, todo numero real possui uma  express˜ ao  na base  b. Em particular, se0 ≤ x ≤ 1, a expressao  x  = 0, x1 x2 . . . x

n . . .  de  x  na base  b  significa que

x =  x1

b  +

 x2

b2  + · · · +

 xn

bn  + · · · ”

Ainda mais a frente, nesta mesma pagina, o autor escreve:“Para ver que ϕ e injetiva, basta lembrar que, assim como a  representacaodecimal de um numero  x ∈ [ 0,  1 ] e unica, exceto por ambiguidades do tipo0, 47999 . . .  = 0, 48000 . . .”.   (grifo nosso)

Nos reais canonicos nao obtemos uma contradicao oriunda das (supostas)ambiguidades das representacoes porque esta (possıvel) contradicao e mas-carada pela convergencia de series.

Vejamos um exemplo, segundo este autor 0, 011000 . . .   e 0, 010111 . . .sao duas representacoes, na base 2, de   3

8 , porquanto

0

21  +

  1

22  +

  1

23  +

  0

24  +

  0

25  +

  0

26  + · · · =

  3

8 =

  0

21  +

  1

22  +

  0

23  +

  1

24  +

  1

25  +

  1

26  + · · ·

Repetimos, a convergencia das series “esconde” (mascara) a contradicao,uma vez que, do ponto de vista da convergencia esta dupla igualdade everdadeira; nao obstante, insistimos, da perspectiva das representacoes ela

se revela falsa.Nos racionais azuis fica mais facil construirmos uma contradicao, casoinsistamos na “realidade” das ambiguidades.

Observe de onde surgem, em nosso contexto, as duas possıveis repre-sentacoes de 3/8, assim:

3

8 = −

−3

8

 = −

  3

−8

†No livro [19] mostramos que de fato temos, nao uma, mas duas bijecoes que nos per-

mitem codificar, digo, obter as representacoes binarias (decimais) de uma fracao canonica.∗Lima, Elon Lages.   Espacos Metricos . Rio de Janeiro: IMPA - CNPq,1993/p. 231

277

Page 279: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 279/515

Tal como procedemos na pagina 267, encontramos,

38

 = 1 1 1 1 0 1 0 0 0 1   . . .

3

8 = 1 1 0 1 1 1 1 0 1 0   . . .

Agora admitamos, por um momento, as ambiguidades no seio dos racionaisazuis, entao:

1 1 1 1 0 1 0 0 0 1  . . . =  3

8 = 1 1 0 1 1 1 1 0 1 0   . . .

Tendo em conta que duas sequencias sao iguais se o forem termo a termo,resulta 0 = 1. Isto e, a admissao das ambiguidades nos conduz a con-tradicoes!   E precisamente isto, sem mais nem menos, o que sucede com asrepresentacoes canonicas.

Observamos que esta perspectiva (duplicidade e nao ambiguidade) nospermitiu construir o  Cubo hiperm´ agico  apresentado na pagina 135, alem desimplificar a construcao da  Curva de Peano.

Adendo:

Vamos insistir ainda na importante (decisiva) diferenca entre ambigui-dade e duplicidade de representacoes.

Duplicidade × Ambiguidade

Ha que se fazer distincao entre   duplicidade   e   ambiguidade   nas repre-sentacoes binarias (ou decimais). Duplicidade significa, precisamente, quetemos duas opcoes para definir representacoes; ambiguidade significa quenao optamos, ficamos com as duas representacoes simultaneamente.

−   Entendemos uma representacao (binaria no caso) como uma codi-ficacao dos elementos de um conjunto pelos elementos de um outro conjunto,esta codificacao se da justamente via bijecao. Ora, se uma representacao euma codificacao, entao e ilogico que um objeto seja codificado de formasdistintas.

Importante! O leitor, com um pouco de reflexao, ha de concluir que aexistencia da representacao (bijecao) so sera possıvel se a opcao for feita

(no caso de haver duplicidade ou ate multiplicidade) −   caso contrario naohavera bijecao e, em decorrencia, nao podera haver representacao. Ora, umavez feita a opcao (escolha), as ambiguidades deixam de existir − tornam-semeros fantasmas a assombrar criancinhas desavisadas.

Vou insistir, de uma outra perspectiva, na diferenca entre ambiguidade  eduplicidade , desta vez me valendo de uma analogia com a informatica. Vejoa questao da representacao (decimal, binaria, . . . ) dos reais algo similar aoque acontece com a  codificac˜ ao   dos caracteres do teclado de um computa-dor, que sao codificados pela tabela ASCII (American Standard Code for

Information Interchange):

278

Page 280: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 280/515

A  

<  

3  

...

α

α−1

Teclado   { 0,  1 }8

  0 1 0 0 0 0 0 1

  0 0 1 1 1 1 0 0   0 0 1 1 0 0 1 1...

O fato de existirem varias possibilidades para a codificacao dos caracteres

de um computador nao inviabiliza∗ a informatica; isto significa, tao somente,que devemos optar por uma dentre estas varias possibilidades.

Enfatizo: A diferenca entre ambas e que na ambiguidade −  no que osmatematicos crem −  um numero e codificado de dois modos distintos e naduplicidade, apenas de um modo −   embora tenhamos duas alternativas anossa escolha.

De outro modo: Ambiguidade seria, por exemplo, se a letra   A   tivesseduas codificacoes. No caso da informatica existe nao duplicidade  mas  multi-plicidade , uma vez que podemos codificar um caracter de inumeros modos.Mas o que acontece e que na informatica nao se ouve falar de ambiguidadena representacao de um caracter, simplesmente porque todos os fabricantes

optaram por uma unica codificacao; caso contrario a informatica se tornariainviavel: alguem digitaria a letra  A  em um email e o destinatario receberiaa letra  B, por exemplo, uma verdadeira torre de babel.

Aproveitando este exemplo, observe que a eliminacao da ambiguidade(multiplicidade) traz vantagens, simplificacoes; e precisamente isto que es-tou defendendo que deva ocorrer na matematica no que diz respeito as repre-sentac˜ oes  que nada mais sao que  codificac˜ oes  para os numeros reais.

Conclus˜ ao: Quando dizemos o “mito das ambiguidades” ou “fantasmas dasambiguidades” entendemos que as ambiguidades (fantasmas) de fato exis-tem apenas se adotamos a definicao de representacoes via  convergencia de series , caso contrario nao.

Ora, um fantasma que pode ser eliminado apenas por uma “mudancade perspectiva” nao tem existencia real, apenas virtual, digo, apenas namente dos matematicos.   E como o   eter   dos fısicos do seculo XIX, existiaapenas na mente deles, nao foi detectado “la fora”  −  pela experiencia deMichelson-Morley.

∗E nem complica, como acontece na matematica com algumas construcoes que depen-dem de representacoes (codificacoes), a exemplo da Curva de Peano. Neste particular, osengenheiros de hardware foram mais inteligentes que os matematicos. Isto e, fixaram  umadas  −  possıveis  −  codificacoes e pronto!

279

Page 281: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 281/515

Expressoes decimais

Este e um tema tratado pelo prof. Elon na obra∗.Nao devemos nunca confundir um numero com sua representacao (binaria

ou decimal). A  identidade  entre dois numeros so pode ser estabelecida porum isomorfismo entre estruturas; uma bijecao identifica elementos. Nas re-presentacoes binarias dos inteiros  (p. 214) ou dos racionais ( λ ) temos apenasbijecoes; portanto, por exemplo, na “igualdade” (identidade),

1

2 = 1 1 0 0 0 1 0 1 0 1   . . .   (8.7)

nao devemos dizer que o n´ umero   12  ∈ Q e igual ao  n´ umero 1 1 0 0 0 1 0 1 0 1 0 . . .

∈ Q′, porquanto este ultimo nao e um numero, apenas um elemento.Estamos insistindo neste ponto haja vista que o mesmo e muito pouco

compreendido, inclusive por matematicos profissionais. Com efeito, uma dasgrandes confusoes que se faz e a respeito da igualdade:

1 = 0,  9999 . . .   (8.8)

Aqui, como em (8.7), temos uma igualdade (identidade para sermos maisprecisos) entre elementos e nao entre numeros.

Nao e difıcil entender por que (8.7) estabelece uma identidade nao entrenumeros mas entre elementos: e que  λ, dada assim:   (p. 268)

λ :  Z × Z →   Q′(m, n)   →   p

e apenas uma bijecao, nao um isomorfismo; mesmo porque sobre o conjuntoQ′   nao contamos com uma estrutura numerica; digo, neste conjunto naotemos definidas operacoes de adicao e multiplicacao, ordem, etc. .

Perguntamos: donde vem a dificuldade de se entender que o mesmo sepassa com a identidade dada por (8.8)? Reitero (insisto): 1 ∈   R   e umnumero porquanto este conjunto e uma estrutura numerica (esta munido deuma adicao e uma multiplicacao), ja 0,  9999 . . .   e um elemento do conjuntodas expressoes decimais, como admite o prof. Elon na sua obra. Quando o

professor afirma que a expressao decimal  α  =  a0 , a1 a2 . . . an . . .  representao numero real

α =  a0 + a1

10 +

  a2

102 + · · · +

  an

10n  + · · ·

ele esta confundindo elemento com numero. Com efeito, subentende-se queo autor esta admitindo uma relacao (funcao, aplicacao),

α : ℜ →   R   (8.9)

∗Lima, Elon Lages, et all.   A matem´ atica do ensino medio, Volume 1. Colecao doProfessor de Matematica. Rio de Janeiro: SBM - 2004.

280

Page 282: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 282/515

entre o conjunto das expressoes decimais e os numeros reais. Esta aplicacao

e, na melhor das hipoteses, uma bijecao, nao chega a ser um isomorfismo porconta de que o conjunto ℜ  nao conta com uma estrutura numerica; digo, oprofessor nao definiu soma e multiplicacao de representacoes (ordem, etc.).Sendo assim, esta aplicacao identifica elementos em ambos os conjuntos;pela ausencia deste isomorfismo e que nao podemos considerar a igualdade0,  9999 . . . = 1 do ponto de vista de numeros, tao somente de elementos.

Quando o prof. argumenta que,

0,  9999 . . . =  9

10 +

  9

102 +

  9

103  +

  9

104 + · · · = 1 (8.10)

o seu raciocinio serve apenas para estabelecer a soma da serie que, de fato,

e 1; mas esta igualdade e insuficiente para elevar a expressao 0,  9999 . . .   acategoria de numero real, isto e, de dar-lhe este status.

Esta e uma crenca generalidada entre os matematicos, na referencia†

lemos:

“[· · · ] voce deve ter concluido que 0, 999 . . .   = 1. Esse sinal de igual eigual mesmo! Nao se trata de aproximacao: 0, 999 . . .  e 1 sao duas formasdiferentes de apresentar  o mesmo numero”.   (grifo nosso)

A proposito, em nosso livro [19], estabelecemos outros argumentos contratais “igualdades”, la estabelecemos − em contexto apropriado − a surpreen-dente identidade:   (Apendice, p. 284)

0, 999. . . = 0

Quando o espırito se apresenta a cul-

tura cientıfica, nunca e jovem. Alias

e bem velho, porque tem a idade de

seus preconceitos. Aceder a ciencia e

rejuvenescer espiritualmente,   e aceitar

uma brusca mutacao que contradiz

o passado.(Gaston Bachelard)

∗ ∗ ∗Ocorreu-me mais um argumento contra a “igualdade mesmo!” entre re-

presentacoes e numeros reais.

†Brolezzi, Antonio Carlos/Monteiro, Martha Salerno, Matematica: Numeros para que?Universidade de Sao Paulo, Publicacao eletronica.

281

Page 283: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 283/515

Pergunto: como definir igualdade entre representacoes?

?a0 , a1 a2 · · · an· · · =   b0 , b1 b2 · · · b

n· · ·

Para definir esta igualdade vou me inspirar (copiar) a definicao de igual-dade entre sequencias − a bem da verdade uma representacao e uma sequencia,p. 360 −, qual seja:

a1 a2 · · · an· · · = b1 b2 · · · b

n· · · ⇐⇒   a

i =   b

i,   ∀ i ∈ N

De igual modo, entre duas representacoes definimos:

a0 , a1a2 · · · an· · · = b0 , b1 b2 · · · b

n· · · ⇐⇒   a

i =   b

i,   ∀ i ∈ N ∪ { 0 }   (8.11)

Acho esta definicao bastante razoavel e, se algum matematico se opoea mesma, gostaria que me argumentasse suas razoes. Pois bem, vamosconsiderar as duas representacoes seguintes:

1,  0 0 0 · · ·0,  9 9 9 · · ·

Podemos escrever:

1,  0 0 0 · · · = 1 +  0

10 +

  0

102  +

  0

103 + · · · = 1 (8.12)

Tambem,

0,  9 9 9 · · · =  9

10 +

  9

102 +

  9

103 + · · · = 1 (8.13)

Ora, se,

1,  0 0 0 · · · = 1 (mesmo!) (8.14)

e,

0,  9 9 9 · · · = 1 (mesmo!) (8.15)

e, usando o axioma de que duas quantidades iguais a uma terceira sao iguais

entre si, obtemos,

1,  0 0 0 · · · = 0,  9 9 9 · · ·   (mesmo!)

Tendo em conta nossa definicao em (8.11) concluimos que,

1 = 0 e 0 = 9 (mesmo!)

Conclusao:

Os matematicos diriam que fui insensato em estabelecer a definicao (8.11).

282

Page 284: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 284/515

Da minha perspectiva; digo, para tentar me livrar da pecha de insensato,

vejo as coisas da seguinte forma: primeiro, mantenho a definicao (8.11),nao vejo nenhuma estultıcie na mesma. Depois interpreto as (segundas)igualdades em (8.12) e (8.13) como a convergencia de duas series para ummesmo limite.

Do exposto nao posso concluir (como o fazem os matematicos) que asigualdades (8.14) e (8.15) sao absolutas! digo, que 0,  9 9 9 · · ·   e 1 represen-tam o mesmo numero!

Nao, nao trata-se disto senhores matematicos, por favor parem um poucopra raciocinar!

Reitero: podemos adotar a definicao (8.11), entre representacoes, semnenhum sentimento de culpa, daı que 0,  9 9 9

· · ·  e 1,  0 0 0

· · ·  sao duas

representacoes distintas, bem como as respectivas series em (8.12) e (8.13);agora o que estas series tem em comum e o mesmo limite: 1.

Nota:   Esta discussao continua na pagina 359.

∗ ∗ ∗Eu deveria logo dizer que discordo com-

pletamente daqueles que afirmam que ocampo da matem´ atica incorpora eternamente uma perfeic˜ ao est´ atica, e que as ideias 

matem´ aticas n˜ ao s˜ ao humanas, nem mut´ aveis.Ao contr´ ario, esses estudos de caso, essas hist´ orias intelectuais ilustram o fato de que a matem´ atica est´ a constantemente em evoluc˜ ao e mudanca, e que nossa pers-pectiva, mesmo nas quest˜ oes de matem´ atica b´ asica  e mais aprofundada, se desloca, ami´ ude, de maneira surpreendente e inesperada. Tudo o que ela necessita e de uma nova ideia! Voce precisa apenas estar inspirado e depois trabalhar feito louco para desenvolver sua nova concepc˜ ao. De inıcio, as pessoas ir˜ ao combate-lo, mas, se voce estiver certo, ent˜ ao todos dir˜ ao, no

 fim de contas, que  obviamente  era o modo de encarar o problema, e que sua contribuic˜ ao foi pequena ou nula! De certa maneira, este e o maior dos 

cumprimentos.(Gregory Chaitin/Metamat!/p. 30-Grifo nosso)

283

Page 285: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 285/515

Apendice: Um resultado bizarro:   0, 999 . . . = 0

Decidimos incluir aqui, para os que ja estudaram a teoria dos espacosmetricos, a prova desta bizarra igualdade. O que vem a seguir encontra-sede forma mais detalhada em nosso livro [19] − e um pequeno excerto.

A Metrica Quantica

Consideremos o conjunto  M  = [ 0,  1 [ e a seguinte aplicacao

k : [ 0,  1 [ × [ 0,  1 [ −→ R

definida por

k(x, y) = min|x − y|,  1 − |x − y|

Deixamos como exercıcio ao leitor provar que  k e uma metrica em [ 0,  1 [.

Como funciona a metrica quantica? Funciona de modo bem simples, naoe necessario nenhum manual de instrucao, veja: dados dois pontos   x   e   y,ambos no intervalo [ 0,  1 [, entre chaves obteremos dois valores, escolhemoso  menor deles como sendo a distancia entre os pontos  x  e  y . Por exemplo,

k(0; 0, 4) = min|0 − 0, 4|,  1 − |0 − 0, 4| = min

0, 4; 0, 6

 = 0, 4

k(0; 0, 6) = min|0 − 0, 6|,  1 − |0 − 0, 6| = min

0, 6; 0, 4

 = 0, 4

k(0; 0, 8) = min|0 − 0, 8|,  1 − |0 − 0, 8| = min

0, 8; 0, 2

 = 0, 2

Observe a localizacao geometrica destes pontos:

0   1

21

   

0, 4 0, 6 0, 8

Por oportuno, observe que,

k (0; 0, 4) = k (0; 0, 6) > k (0; 0, 8).   (8.16)

E isto mesmo que o leitor testemunha!: os dois primeiros pontos (0, 4 e 0, 6)estao a uma mesma distancia da origem, e, como se nao bastasse, o terceiroponto (0, 8) esta mais proximo da origem que os dois primeiros . . . pasmem!

Poderıamos, com inteira razao, chama-la de “metrica maluca ” ou ate,

quem sabe, “metrica hipermaluca ”.No entanto, vejamos o que o eminente filosofo tem a nos dizer a este

respeito:

Tudo isso, que a primeira vista parece

excesso de irrazao, na verdade e o efeito

da finura e da extensao do espırito hu-

mano e o metodo para encontrar ver-

dades ate entao desconhecidas.

(Voltaire)

284

Page 286: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 286/515

Podemos mostrar que,

k(x,  0) =

x,   se 0 ≤ x ≤   12 ;

1 − x,   se   12 ≤ x < 1.

(8.17)

Esta equacao nos diz, simplesmente, que se   x   e um ponto na primeirametade do intervalo, entao sua distancia para a origem e igual “a ele proprio”.Se  x   e um ponto na metade direita do intervalo, entao sua distancia para aorigem e 1 − x. Veja:   k(x,  0) = min

x,  1 − x

  

x   12

0 1

x1−x

  

x12

0 1

x1−x

Pois bem, a sequencia de somas parciais da serie

9

10 +

  9

100 +

  9

1000 + · · · = 0, 999 . . .   (8.18)

e dada pela equacao   sn

 = 1 −   110n , obtida da equacao S 

n =

  a1 (qn − 1)q−1   , soma

dos  n  termos de uma P.G.

Nota:  Podemos, sempre que for conveniente, identificar uma serie com uma

representacao decimal, como acima.

Pois bem, a serie (8.18) converge para 1 na metrica usual, veja:

|sn

− 1| =1 −   1

10n − 1

 =   1

10n → 0

E converge para 0 na metrica quantica, observe:   (eq. (8.17), p. 285)

k(sn

,  0) = min{sn

,  1 − sn}

= min

1 −   1

10n,  1 −

1 −   1

10n = min

1 −   1

10n,

  1

10n

 =

  1

10n → 0

Em resumo, provamos que:

0, 999 . . .  = 1

0, 999 . . .  = 0

285

Page 287: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 287/515

www.profgentil.com.br

[email protected]

Transcender o ego n˜ ao e uma aberrac˜ ao mental nem uma alucinac˜ aopsic´ otica, sen˜ ao um estado ou nıvel de consciencia infinitamente mais rico,mais natural e mais satisfat´ orio do que o ego poderia imaginar em seus vˆ oos mais desatinados de fantasia.

(Ken Wilber/O Espectro da Conscienca , p. 21)

Talvez seja muito f´ acil ver atraves desse tipo de ficc˜ oes, porem muitas outras, como a separac˜ ao entre a vida e a morte e a existencia de um mundoobjetivo “l´ a fora”, s˜ ao muito mais difıceis de penetrar. A raz˜ ao e porque temos sofrido uma completa lavagem cerebral ministrada por pais e pares bem intencionados mas que tambem haviam sido submetidos a lavagem cerebral,e passamos a confundir uma descric˜ ao do mundo com o pr´ oprio mundo tal como e em sua realidade sem nome e sem car´ ater, em sua vacuidade .

(Ken Wilber/O Espectro da Conscienca , p. 185)/Grifo nosso

286

Page 288: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 288/515

Capıtulo 9

NUMEROS REAIS POR

DEDEKINDDe fato, pode-se afirmar hoje que, essencialmente, a consistencia 

de toda a matem´ atica existente depende da consistencia do sistema dos n´ umeros reais. Nisso reside a tremenda import  ancia do sistema dos n´ umeros reais para os fundamentos da matem´ atica.

(Howard Eves/Introducao  A Historia da Matematica, p. 611)

Introducao

Para a necessidade da construc˜ ao dos n´ umeros reais  valem os mesmos ar-gumentos arrolados para a necessidade da construcao dos numeros inteiros.Vejamos uma analogia:

Engenharia Matematica:   Assim comoum engenheiro em eletronica desenvolve e im-plementa seus sistemas eletronicos de igualmodo um matematico desenvolve e implementaseus sistemas matematicos.

Observe que uma e a perspectiva de quemprojeta, outra e a do simples usuario. Namatematica acontece o mesmo: uma e a pers-pectiva de quem apenas a utiliza outra e a pers-pectiva daquele que projeta e implementa sis-temas matematicos.

De outro modo: uma e a perspectivadaquele que projeta e implementa um softwarecomputacional, outra e a do simples usuario deste software.

287

Page 289: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 289/515

De todas as construcoes dos sistemas numericos, a passagem mais deli-cada e sutil e a dos numeros racionais para os numeros reais,

0   →   N   →   Z   →   Q   →   R   →   C

A construcao dos numeros reais, de maneira logica e fundamentada, eum capıtulo interessante na Historia da Matematica; embora so realizadano seculo XIX, ela tem raızes na Matematica grega do seculo IV a.C.

Neste capıtulo desenvolveremos uma das construcoes mais conhecidasem nossos dias, a do matematico Richard Dedekind (1831-1916) apresen-tada em seu famoso ensaio Stetig und Irrationale Zahlen , publicado em 1872,representando o ponto alto de suas pesquisas, iniciadas em Zurique, ondetornou-se professor em 1858.

Dedekind insistiu na vis˜ ao de que os objetos matem´ aticos, aos quais chamamos n´ umeros reais, s˜ ao invenc˜ ao do homem. Acreditava 

que isto era igualmente verdade para os n´ umeros naturais e racionais.Assim, Dedekind foi um dos proponentes da vis˜ ao construtivista dos con-ceitos matem´ aticos.   ([25])

A bem da verdade a construcao aqui apresentada nao e a original deDedekind, esta sofreu um polimento ao longo das decadas por parte de ou-tros matematicos.

Dedekind

A atenc˜ ao de Dedekind se voltara para o problema dos n´ umeros irracionais desde 1858, quando dava aulas de c´ alculo. O conceito de limi-te, ele concluiu, deveria ser desenvolvido atraves da aritmetica apenas,

sem usar a geometria como guia, se se desejava que fosse rigoroso. Em vez de simplesmente procurar uma saıda do cırculo vicioso de Cauchy,Dedekind se perguntou, como indica o tıtulo do seu livro, o que h´ a na grandeza geometrica contınua que a distingue dos n´ umeros racionais.Galileu e Leibniz tinham julgado que a “continuidade” de pontos so-bre uma reta era consequencia de sua densidade  −   isto e, do fato de que entre dois pontos quaisquer existe sempre um terceiro. Porem os n´ umeros racionais tem essa propriedade, no entanto n˜ ao formam um contınuo. Refletindo sobre a quest˜ ao, Dedekind chegou a conclus˜ ao de que a essencia da continuidade de um segmento de reta n˜ ao se deve a 

288

Page 290: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 290/515

uma vaga propriedade de ligac˜ ao m´ utua, mas a uma propriedade exata-

mente oposta: a natureza da divis˜ ao do segmento em duas partes por um ponto sobre o segmento. Em qualquer divis˜ ao dos pontos do segmentoem duas classes tais que cada ponto pertence a uma e somente uma, e tal que todo ponto em uma classe est´ a a esquerda de todo ponto da outra,existe um e um s´ o ponto que realiza a divis˜ ao. Como Dedekind escreveu “Por essa observac˜ ao trivial o segredo da continuidade ser´ a revelado”.A observac˜ ao podia ser trivial, mas seu autor parece ter tido algumas d´ uvidas quanto a ela, pois hesitou durante alguns anos antes de se com-prometer em algo impresso.   (Boyer/Hist´ oria da Matem´ atica )/Grifo nosso

Retomando, ainda a bem da verdade, segundo meu entendimento daliteratura em questao, para o proprio Dedekind nao estava claro o que seriaum numero real, senao vejamos:

Na construc˜ ao de Dedekind do conceito de n´ umero irracional, a noc˜ ao de  corte assume um papel fundamental, no entanto, as express˜ oes utilizadas pelo matem´ atico para referir-se a criac˜ ao desse n´ umero s˜ aopouco claras, gerando ate uma contradic˜ ao.

“Sempre que um corte   (A1 , A2 )   n˜ ao seja produzido por nenhum n´ umero racional, criamos um novo n´ umero, um n´ umero  irracional   α,que consideramos completamente definido por este  corte   (A1 , A2 ); di-remos que o n´ umero   α   corresponde a este   corte, ou que produz este 

corte”Nesta definic˜ ao parece claro, tal como para Weber, que o n´ umero irra-

cional n˜ ao e nada mais do que o pr´ oprio  corte, mas Dedekind em carta a Weber defende que um n´ umero irracional n˜ ao e um   corte, e antes algo que corresponde ao  corte. Afirma que o poder criativo que atribui a mente humana e justific´ avel pela semelhanca de todos os n´ umeros. Jus-tifica que existindo igualmente  cortes produzidos por n´ umeros racionais,n˜ ao teria sentido, nesse caso, afirmar que um n´ umero racional seria identico ao  corte que produz. Da mesma forma, n˜ ao podemos dizer que um n´ umero irracional e um  corte.

Dedekind estabeleceu uma correspondencia entre   cortes   e n´ umeros 

irracionais e com ela n˜ ao pretendeu identificar as duas entidades mas sim assegurar que ambas verificam as mesmas propriedades.

Contudo, as palavras de Dedekind justificam o facto de n˜ ao sabermos a entidade com a qual identificar um n´ umero irracional. [. . . ]    ([25])

Como entendo − nao sei se o leitor estaria de acordo comigo −, o propriocriador (construtor) dos numeros reais nao sabia precisamente o que era umnumero real.

Em nossa mente esta confusao nao existe simplesmente porque vemos ascoisas de uma outra perspectiva, assim:

289

Page 291: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 291/515

...  ...

⇐⇒

Um numero real e uma abstracao, e o que resulta quando implementa-mos o “jogo” dado no retangulo amarelo da pagina seguinte.

Nao temos porque ficar discutindo o que e um rei, se e a “peca propria-mente dita ” ou se e um caroco de feijao. Pouco importa, o que interessa eque um caroco de feijao e um rei quando estiver sendo manipulado como talna estrutura xadrez, a sua cara ou a sua cor nao importam.

Desta perspectiva veremos que o proprio Dedekind se equivocou quantoao que seja um numero real, veremos que − ao contrario do que ele afirmaacima −   um numero real e um corte sim!

Ademais, o seguinte argumento de Dedekind nao procede:

“Justifica que existindo igualmente  cortes produzidos por n´ umeros racio-nais, n˜ ao teria sentido, nesse caso, afirmar que um n´ umero racional seria identico ao  corte  que produz.”.

Ainda aqui Dedekind comete um equıvoco pois um numero racional defato e identico ao corte que produz, como veremos oportunamente.   (p. 347)

No proximo capıtulo estaremos construindo os numeros reais por umoutro processo, la um numero real sera um outro objeto, uma   classe deequivalencia de sequencias de Cauchy, no entanto o “jogo” sera o mesmo.

∗ ∗ ∗

“Como vimos, esta ampliacao do conceito de numero tornou-se possıvel pelacriacao de novos numeros na forma de sımbolos abstratos como 0, −2,  3/4. Hoje

em dia, quando lidamos com estes numeros normalmente, e difıcil acreditar que ate

o seculo XVII nao eram geralmente creditados com a mesma legitimidade que a dos

inteiros positivos, e que eram utilizados, quando necessario, com uma certa dose

de duvida e apreensao. A inerente tendencia humana a apegar-se ao “concreto”,

conforme exemplificado pelos numeros naturais, foi responsavel por esta lentidao

em dar um passo inevitavel. Somente na esfera do abstrato um sistema satisfatorio

de aritmetica pode ser escrito.”

(O que e Matem´ atica / Richard Courant & Herbert Robbins, p. 65)

290

Page 292: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 292/515

9.1 Construcao dos Reais

Para construirmos os numeros reais precisamos antes saber aquilo quedesejamos construir, isto e, o que sao os numeros reais.

O conjunto dos numeros reais, conforme ja mencionamos no primeirocapıtulo,   e uma estrutura numerica , a qual pode ser vista assim:

R = (R,  +, ·)A bem da verdade o que caracteriza (fixa) o sistema dos numeros reais e

o fato de que estas operacoes satisfazem um certo numero de propriedadesque sao as “especificacoes do sistema”, listadas a seguir∗:

A1 ) (a + b) + c =  a + (b + c)

A2 )   ∃ 0 ∈ R :   a + 0 = 0 + a =  a

A3 )   a + b =  b + a

A4 )   ∀ a ∈ R, ∃ − a ∈ R :   a + (−a) = 0

M 1 ) (a · b) · c =  a · (b · c)

M 2 )   ∃ 1 ∈ R :   a · 1 = 1 · a =  a

M 3 )   a

·b =  b

·a

M 4 )   ∀ a ∈ R∗, ∃   a−1 ∈ R :   a · a−1 = 1

D)   a · (b + c) = a · b + a · c

•   Ordenado

•   Completo

R

O significado de Ordenado e o mesmo dado para os numeros inteiros, p. 154.A ultima propriedade, posta em destaque, e a principal propriedade que

diferencia o sistema  R  do sistema  Q, veja quadro a pagina 219.A ultima propriedade, “completeza”, esta definida nas paginas 351, 443.

Por oportuno, se alguem perguntar a voce leitor o que e um numeroreal, arranque (digo, imprima) o quadro amarelo acima e entregue-lhe. Um

n´ umero real   e um sımbolo manipulado segundo estas regras.

Este e o   software   ou   espırito   dos numeros reais, no entanto, estesoftware pode rodar em dispositivos varios; ou ainda: este espırito podeencarnar em corpos diversos.

∗Para todo a,  b   e   c  em  R.

291

Page 293: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 293/515

Vamos juntar estas 11 propriedades (especificacoes) em um conjunto

denotado por Γ:

Γ = { A1,  A2,  A3,  A4,  M1,  M2,  M3,  M4,  D,  Ordenado,  Completo }

Uma observacao importante, e pertinente, e que esta   nao e   a apre-sentacao axiomatica dos numeros reais, tal como comparece em livros deAnalise Real.

A diferenca e que numa apresentacao axiomatica se pede do leitor queaceite estas propriedades como axiomas (“verdades evidentes”), aqui nao,nao exigimos nenhuma fe por parte do leitor pois as demonstraremos todas.De nossa perspectiva diremos que estas sao as especificacoes do sistema.

Engenharia Matematica:  Assim comoum engenheiro em eletronica desenvolve e im-plementa seus sistemas eletronicos de igualmodo um matematico desenvolve e implementaseus sistemas numericos ou algebricos.

Assim como o engenheiro sabe como cadafio se interliga a entrada ou saıda de cada dis-positivo para produzir o resultado desejado,igualmente o matematico sabe como interligarseus lemas, teoremas e proposicoes para pro-duzir o resultado desejado.

Uma e a perspectiva do construtor, outra ado usuario. Um matematico ao utilizar-se deum sistema (hardware) desenvolvido por umengenheiro ignora suas “conexoes intrınsecas”,de igual modo, um engenheiro ao utilizar-se de um sistema desenvolvidopor um matematico ignora suas “conexoes intrınsecas”. Veremos que isto everdade em particular no que diz respeito ao sistema dos numeros reais queiremos construir. A proposito, reveja o desafio a pagina 113.

∗ ∗ ∗As definic˜ oes de n´ umeros real s˜ ao, como Hankel indicara que de-

viam ser, construc˜ oes intelectuais baseadas nos n´ umeros racionais, em vez de algo imposto a matem´ atica do exterior. Das definic˜ oes acima,uma das mais populares tem sido a de Dedekind.   No comeco do seculo,uma modificac˜ ao do corte de Dedekind foi proposta por Bertrand Russel (1872-1970). Ele notou que como qualquer das duas classes   A, B   de Dedekind e univocamente determinada pela outra, uma s´ o basta para a determinac˜ ao de um n´ umero real.   (Grifo nosso)

(Boyer & Uta C. Merzbach/Hist´ oria da Matem´ atica , p. 395)

292

Page 294: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 294/515

9.2 O que e um corte

Definicao 51   (Corte).   Seja  α  um subconjunto de  Q. Dizemos que  α   e umcorte se satisfaz as seguintes condicoes:

i )   α = ∅   e   α = Q;

ii )   se  r ∈ α   e   s < r, entao   s ∈ α;   (s   racional)

iii)   em α   nao existe elemento maximo.

Exemplos:

a)   O conjunto  α  = x ∈ Q :  x <

  5

2   e um corte.

0   1

− 12

12− 5

2

52

2   3   4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

0   1

− 12

12− 5

2

52

2  α−1−2−3−4. . .

Prova:

i )   α = ∅, pois, 1 ∈ α. Ainda,  α = Q, pois, 3 ∈ Q   e 3 ∈ α.

ii )   Seja  r

∈α   e   s < r, entao,  s < r <   5

2 , logo,  s <   52 , entao   s

∈α.

iii)  Suponhamos, ao contrario, que exista um elemento maximo em  α,digamos   m. Por definicao de maximo,   x ≤   m   para todo   x ∈   α. Temosque   m <   5

2 , pelo teorema 45   (p. 245), existe um racional   t   satisfazendom < t <   5

2 ,

0   1

− 12

12

− 52

52

2   m  α−1−2−3−4. . .

Sendo assim encontramos um racional   t   em  α  que e maior do que  m, con-tradizendo a maximalidade de   m. Logo,   α   nao tem maximo. Assim, oconjunto α  satisfaz as condicoes  i ),  ii )   e   iii ), logo e um corte.  

b)   O conjunto  α  = x ∈ Q :  x >   52   nao e um corte.

0   1

− 12

12

− 52

52

2   3   4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

52

3   4   . . .   α

Prova: Vamos mostrar que o iten  ii )  da definicao de corte nao e satisfeito.Com efeito, tome  r  = 3 ∈ α   e   s = 0, temos  s < r, no entanto  s ∈ α.  

293

Page 295: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 295/515

Proposicao 26.   Sejam α   um corte e  r ∈ Q. Entao,  r   e cota superior de  α

se, e somente se,  r ∈ Q − α.

Antes da prova veja um caso particular − e geometrico −  desta proposicao,

0   1

− 12

12− 5

2   r2   3   4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

0   1

− 12

12

− 52

2  α−1−2−3−4. . .

r

3

  4

  . . .   Q

− {α

}

Prova:(⇒) Sendo  r  uma cota superior de   α   entao   x ≤  r, para todo   x ∈   α; poroutro lado, o item   iii)   da definicao de corte proıbe que  α   tenha elementomaximo, sendo assim,  r ∈ α, logo,  r ∈ Q − { α }.

(⇐) Seja  α  um corte e  r ∈  Q − { α }. Vamos provar que  r   e cota superiorde   α. Seja  s   um racional arbitrario em   α; temos dois casos a considerar:r < s, ou   r ≥  s. Se o primeiro caso ocorre segue, pela definicao de corte,que  r ∈ α, o que contradiz uma das hipoteses acima. O segundo caso provaque  r   e uma cota superior de  α, que e na nossa tese.  

A proxima proposicao generaliza o exemplo  a)  visto anteriormente.

Proposicao 27.   Seja  r ∈ Q   e  α  = { x ∈ Q :  x < r }, entao  α  e um corte er  e a menor cota superior de  α.

Prova:

i )   α = ∅, pois,  r − 1 ∈ α. Ainda,  α = Q, pois,  r ∈ Q   e   r ∈ α.

ii )   Seja s ∈ α  e  t < s. Assim t < s < r. Logo,  t < r, isto e,  t ∈ α.

iii)  Suponha, ao contrario, que α  tenha elemento maximo, digamos, m.Sendo assim,   x ≤  m  para todo   x ∈  α. Como  m ∈  α, entao   m < r. Pelo

teorema 45  (p. 245), vale,m <

 m + r

2  < r

como   m+r2   ∈   Q   e   m+r

2   < r, entao   m+r2   ∈   α. Ora, mas isto contradiz a

minimalidade de   m, portanto,   α   nao possui elemento maximo. Assim, oconjunto α  satisfaz as condicoes  i ),  ii )   e   iii), logo e um corte.

Suponhamos, ademais, que   s ∈   Q   seja uma cota superior de   α   e ques < r. Isto implica em que s ∈  α, logo,   r   e um elemento maximo de  α, oque contradiz  α  ser um corte. Logo,  r ≤ s   para toda cota superior  s  de  α,ou seja,  r   e a menor cota superior de  α.  

294

Page 296: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 296/515

Definicao 52 (Corte racional).  Os cortes do tipo da proposicao anterior saodenominados cortes racionais e sao denotados por r∗ = { x ∈ Q :  x < r }.

A proposicao 27 pode ser enunciada assim:

Se o corte  α  e racional, entao possui cota superior mınima.

Cuja proposicao contrapositiva (que tambem e verdadeira) e:

Se o corte   α   nao possui cota superior mınima, entao nao eracional.

Tambem vale a proposic˜ ao contr´ aria  da proposicao 27, este e o conteudo

da proxima,Proposicao 28.  Todo corte que possui cota superior mınima e racional.

Prova: Seja α  um corte com menor cota superior  r. Entao, x ≤ r para todox ∈ α. Temos que r ∈ α  pois, caso contrario,  r  seria o maximo de  α, o quee proibido pela definicao de corte. Sendo assim,  x < r  para todo  x ∈ α.

Observe que, ate o momento, o que nos impede de escrever,

α = { x ∈ Q :  x < r }   (9.1)

e que pode existir algum racional  s < r   tal que  s ∈  α. Vamos mostrar que

isto nao acontece. Com efeito, como   r   e a menor das cotas superiores deα, temos que, qualquer que seja   s ∈   Q, tal que   s < r, nao pode ser cotasuperior de  α; logo, existe   t ∈  α   de modo que   t > s, i.e.,   s < t, mas peloitem ii )  da definicao de corte  s ∈ α. Portanto, de fato (9.1) se verifica.  

A reta racional e porosa

Se observarmos a reta racional atraves de uma “lente poderosa” podemosconstatar que a mesma esta cheia de buracos, e, por assim dizer, toda porosa .

Vamos exibir ao leitor um destes buracos. Inicialmente observamos queuma simples equacao tipo  x2 = 2 nao tem solucao nos racionais. Ou ainda,a diagonal de um quadrado de lado unitario nao pode ser expressa por umnumero racional. De fato, do teorema de Pitagoras decorre

1

1

d   =⇒   d 2 = 12 + 12 = 2   ⇒   d ∈ Q.

Os pitagoricos ja tinham conhecimento de que: Nao existe um numeroracional cujo quadrado seja igual a 2. Este e o conteudo da proxima

295

Page 297: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 297/515

Proposicao 29.   Se  r ∈ Q  ent˜ ao  r2 = 2.

Prova: Utilizaremos a tecnica (T − 3) (Reducao ao absurdo, p. 495)

H  =⇒ T    ⇐⇒ H ∧ ¬ T 

 =⇒ f 

De fato, suponhamos que   r   =   pq ∈   Q  e que   r2 =

 pq

2= 2. Podemos,

sem perda de generalidade, supor   p   e   q   positivos e primos entre si (casocontrario poderıamos simplifica-los). Da ultima igualdade acima resulta

 p2 = 2 q 2. Sendo 2 q 2 um numero par,  p  tera de ser par (porque o quadradode um numero ımpar seria ımpar), consequentemente,   q   devera ser ımpar,sob pena de possuir com   p   o divisor comum 2. E mais: ja que   p   e par,

podera ser escrito sob a forma  p  = 2 k, para algum  k   inteiro. Sendo assim,teremos

(2 k)2 = 4 k2 = 2 q 2 =⇒   2 k2 = q 2,

o que nos permite concluir que  q   e um numero par. Portanto,   q   teria queser ımpar e par, simultaneamente, o que e um absurdo.  

Podemos concluir que a  reta racional   e “porosa ” , isto e, possui buracos.Respaldados na proposicao anterior construimos na figura a seguir um destesburacos,

0 1

1d

dQ

O buraco assinalado foi obtido tracando-se um arco da circunferenciacentrada em 0 e raio igual a hipotenusa.

Retomando, o exemplo a seguir mostra que existem cortes que nao pos-suem cota superior mınima, logo, que nao sao cortes racionais.

Proposicao 30.   Consideremos o seguinte subconjunto dos racionais,

α =

{x

∈Q :  x

≤0

} ∪ x

∈Q :  x > 0 e   x2 < 2

Entao,  α   e um corte que nao e racional.

Antes da prova vejamos este conjunto geometricamente,

0   1

− 12

12− 5

22   3   4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

0   1

− 12

12

− 52 α−1−2−3−4. . .

296

Page 298: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 298/515

Do diagrama a seguir

12 = 1 <  2  <  22 = 4

(1, 4)2 = 1, 96 <  2  <  (1, 5)2 = 2, 25

(1, 41)2 = 1, 9881 <  2  <  (1, 42)2 = 2, 0264

(1, 414)2 = 1, 999396 <  2  <  (1, 415)2 = 2, 002225

(1, 4142)2 = 1, 99996164 <  2  <  (1, 4143)2 = 2, 00024449↑ ↑

concluimos que o buraco encontra-se entre os dois racionais assinalados.

Os numeros racionais da sequencia:

1; 1, 4; 1, 41; 1, 414; 1, 4142;   . . .

pertencem todos a  α.

Prova:

i )   α = ∅, pois, 1 ∈ α. Ainda,  α = Q, pois, 2 ∈ Q   e 2 ∈ α.

ii )   Sejam r ∈ α  e  s ∈ Q com s < r.

− Se  s ≤ 0 entao, por definicao de  α, temos que  s ∈ α;

− Se  s > 0, como  s < r, resulta  s2 < r2 < 2, portanto,  s ∈ α.

iii)   Vamos agora provar que  α  nao possui um elemento maximo,

0   1

− 12

12− 5

2 α−1−2−3−4. . . րr   տs

para cada  r ∈ α  vamos mostrar que e possıvel encontrar um racional  s ∈ αtal que  r < s.

Se  r ≤ 0, tome  s  = 1 ∈ α, temos  r < s.

Seja r > 0, como r ∈ α, temos r2 < 2, logo, 2 − r2 > 0. Tomemos h ∈ Q,satisfazendo,

0 < h < 1 e   h <

  2

−r2

2r + 1   (9.2)

Observe que existe   h  satisfazendo estas condicoes, pois   Q   e arquimediano(melhorar). De seguida faca  s  =  r + h, logo  s ∈ Q e  s > r. Temos,

s2 = (r + h)2 = r2 + 2rh + h2

Utilizando (9.2), obtemos,

0 < h < 1   ⇒   h2 < h   e   h <  2 − r2

2r + 1  ⇒   (2r + 1)h < 2 − r2

297

Page 299: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 299/515

Somando (r2 + 2rh) a ambos os membros da desigualdade  h2 < h, obtemos,

r2 + 2rh + h2 < r2 + 2rh + h

Ou ainda,s2 < r2 + (2r + 1)h

Tendo em conta a desigualdade apos a segunda implicacao acima, temos:s2 <   2. Portanto,   s ∈   α   e   r < s. Com isto provamos que   α   nao possuielemento maximo. A conclusao final e que  α   e um corte.

Provamos que   α   nao possui elemento maximo (e um corte) mas naoprovamos que nao possui cota superior mınima. Se provarmos isto, entao,de acordo com a contrapositiva da proposicao 27  (em vermelho p. 295)  garan-

timos que  α   e um corte que nao e racional.

Com efeito, os racionais que nao pertencem a α  sao os racionais positivosque tem quadrado maior ou igual a 2, entretanto, pela proposicao 29  (p. 296)

sabemos que nao existe racional cujo quadrado e igual a 2. Sendo assim,uma cota superior de  α  deve satisfazer:

q  ∈ Q, q > 0 e   q 2 > 2

Mostraremos que, fixada arbitrariamente uma cota superior  q , podemosexibir outra cota superior   p   tal que   p < q . Com efeito, seja   q   uma cota

superior de  α. Tomemos  p =  q 

−  q2−2

2q   , observe que,

0 < p < q  ⇔ 0 < q −q 2 − 2

2q   < q  ⇔ 0 <

 2q 2 − (q 2 − 2)

2q   < q  ⇔ 0 <

  q 2 + 2

2q   < 2

Ademais,

 p2 =

q − q 2 − 2

2q 

2= q 2 − 2q ·  q 2 − 2

2q   +

 q 2 − 2

2q 

2= 2 +

 q 2 − 2

2q 

2> 2

Portanto,   p < q  e  p2 >  2, como querıamos. Apenas a tıtulo de curiosidadeobserve que, o que garante a ultima desigualdade acima e que  nao   temosq 2

−2 = 0, daı a necessidade da proposicao 29   (p. 296).  

298

Page 300: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 300/515

Proposicao 31.   Seja α  um corte e p, q  ∈ Q. Se p ∈ α e  q  ∈ α, entao q > p.

Antes da prova veja um caso particular − e geometrico −  desta proposicao,

0   1

− 12

12

− 52

2   3   4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

0   1

− 12

12− 5

22

  α−1−2−3−4. . . p

3   4   . . .   Q − { α }q 

Prova:Pelo teorema 40  (p. 239) temos tres possibilidades:   q < p  ou  q  =  p  ou  q > p.Por ambas as hipoteses da proposicao descartamos a possibilidade   q   =   p.Quanto a primeira hipotese,   q < p, resultaria, pela definicao de corte, queq  ∈ α, contrariando uma das hipoteses. Logo, so resta  q > p.  

Hardware dos Reais

Denotaremos por C   o conjunto de todos os cortes. Este e o hardwaresobre o qual deveremos erigir o sistema dos numeros reais − de tal modo que

todas as especificacoes no retangulo amarelo da pagina 291 sejam satisfeitas.Em sımbolos:

A1) (a + b) + c = a + (b + c)

A2)  ∃ 0 ∈ R :  a  + 0 = 0 + a = a

A3)  a + b = b + a

A4)  ∀ a ∈ R, ∃ − a ∈ R :  a  + (−a) = 0

M 1) (a · b) · c = a · (b · c)

M 2)  ∃ 1 ∈ R :  a · 1 = 1 · a = a

M 3)  a · b = b · a

M 4)  ∀ a ∈ R∗, ∃  a −1 ∈ R :  a · a−1 = 1

D)  a · (b + c) =  a · b + a · c

•   Ordenado

•   Completo

R

C,   )(R =

↑Hardware ↑Software

Enfatizamos que na presente construcao do sistema dos numeros reaisum numero real sera nada mais nada menos que um corte.

299

Page 301: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 301/515

9.3 Operacoes em

 CO teorema a seguir nos permitira definir a operacao de adicao de cortes.

Teorema 47.   Sejam  α, β  ∈ C, entao o conjunto a seguir,

γ  = { r + s :  r ∈ α   e   s ∈ β }tambem e um corte; isto e,  γ  ∈ C.

Antes da prova do teorema vejamos um exemplo,

α =  5

2 ∗= x ∈ Q :  x <

 5

2   e   β  = 4∗ = { x ∈ Q :  x < 4 }Sendo assim, temos

r ∈ α   ⇒   r <   52

s ∈ β   ⇒   s < 4⇒   r + s <

  5

2 + 4 =

  13

2

Neste caso temos,   (teo. 64, p. 344)

γ  =

 13

2 ∗

=

x ∈ Q :  x <

 13

2

Geometricamente tudo se passa assim,

0   1

− 12

12

− 52

52

2  α =

52

∗−1−2−3−4. . .

0   1

− 12

12− 5

22   3 4

  β  = 4∗−1−2−3−4. . .

0   1

− 12

12− 5

22   3   4   5   6

132

γ −1−2−3−4. . .

+

=

Prova: Segundo a definicao 51   (p. 293)   devemos provar as seguintes trescondicoes:

i )   Como  α = ∅   e   β  = ∅   resulta que   γ  = ∅. Devemos mostrar que  γ  =  Q.Entao,

Sejam

t ∈ Q − α   ⇒   t > r,   ∀ r ∈ α

u ∈ Q − β    ⇒   u > s,   ∀ s ∈ β 

⇒   t + u > r + s,   ∀ r ∈ α   e ∀ s ∈ β 

300

Page 302: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 302/515

Nota:  Na primeira implicacao acima utilizamos a proposicao 31   (p. 299).

Do quadro acima concluimos que  t + u ∈ γ , logo,  γ  = Q.ii )   Sejam r ∈ γ  e  s ∈ Q com  s < r. Devemos provar que  s ∈ γ . Para provarque s ∈ γ  precisamos construir  um  t ∈ α e um u ∈ β , de modo que s  =  t + u.

Temos,

r ∈ γ   ⇔   r =  a + b   para algum   a ∈ α   e algum   b ∈ β.

De s < r  segue que s < a + b, daı s − a < b; com b ∈ β , segue que  s − a ∈ β .

Entao,

s =   a  t

+ (s

−a)   

u

,   com   a

∈α   e (s

−a)

∈β.

Logo,  s ∈ γ .

iii )   Devemos provar que  γ  nao tem maximo, isto e, para todo  r ∈ γ  existes ∈ γ  com  r < s. Temos,

r ∈ γ   ⇔   r =  a + b   para algum   a ∈ α   e algum   b ∈ β.

Como  α  e  β   nao tem maximo, existem racionais  t ∈ α  e  u ∈ β   com  a < t  eb < u; daı  a + b < t + u. Tomando-se  s  =  t + u, tem-se  r < s, com  s ∈ γ .Assim, provamos que  γ   nao tem elemento maximo.

Como  i ),   ii )   e  iii )  se verificam, segue que  γ   e um corte.  

9.3.1 Adicao

Definicao 53   (Adicao).   Sejam  α, β  ∈ C, ent˜ ao o conjunto a seguir,

γ  = { r + s :  r ∈ α   e   s ∈ β }

denomina-se  soma  de  α   e   β  e e indicado por  α + β .

A operacao que a cada par (α, β ) ∈ C × C  de cortes associa sua somaα + β  denomina-se  adic~ao  e e indicada por +.

Nota:  Para um   exemplo geometrico de soma veja a figura da pagina 300.

301

Page 303: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 303/515

Propriedades da adicao

Teorema 48  (Associatividade).   Sejam α, β, γ  ∈ C, cortes quaisquer. Valea seguinte igualdade:

A1 ) (α + β ) + γ  =  α + (β  + γ ).

Prova: Devemos provar que,

α + (β  + γ ) ⊂ (α + β ) + γ    e (α + β ) + γ  ⊂ α + (β  + γ )

(⇒)   α + (β  + γ ) ⊂ (α + β ) + γ . Entao,

x ∈ α+ (β +γ )  ⇔   x =  a + (b +c) para algum   a ∈ α, b ∈ β   e algum   c ∈ γ.

Tendo em conta a associatividade em  Q, escrevemos,

x ∈ α+ (β +γ )  ⇔   x = (a+ b)+ c   para algum   a ∈ α, b ∈ β   e algum   c ∈ γ.

Como foi possıvel escrever x como, x  = (a+b)+ c, com a ∈ α, b ∈ β   e   c ∈ γ ,segue que:   x ∈ (α + β ) + γ . Portanto,

x ∈ α + (β  + γ )  ⇒   x ∈ (α + β ) + γ 

Logo,  α + (β  + γ ) ⊂ (α + β ) + γ .

(⇐

) (α + β ) + γ  ⊂

α + (β  + γ ). Analogo.  

Teorema 49   (Elemento neutro).   O corte 0∗   e o elemento neutro para aadicao em C.

Prova: Devemos provar que:   α + 0∗  =  α,   ∀ α ∈ C, ou seja, que

α + 0∗ ⊂ α   e   α ⊂ α + 0∗

(⇒)   α + 0∗ ⊂ α.

Lembramos que 0∗  = { x ∈ Q :  x < 0 }. Temos:

x ∈ α + 0∗   ⇔   x =  a + b   para algum   a ∈ α   e algum   b ∈ 0∗.

Sendo assim,

b < 0   ⇒   a + b < a   ⇒   x < a   ⇒   x ∈ α

portanto

x ∈ α + 0∗   ⇒   x ∈ α

Logo,  α + 0∗ ⊂ α.

(⇐)   α ⊂ α + 0∗.

302

Page 304: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 304/515

Devemos mostrar que se  x ∈  α, entao e possıvel construir um  a ∈  α   e

um b ∈ 0∗   tal que  x  =  a + b. Entao,

x ∈ α  ⇔ ∃ a ∈ α,   com  x < a,   pois   α   nao tem maximo.

Temosx < a   ⇒   x − a <  0

Assim,x =  a + (x − a),   com   a ∈ α   e   x − a    

b

< 0,

logo,  x ∈ α + 0∗. Portanto,  α ⊂ α + 0∗.  

Teorema 50   (Comutativa).   Sejam   α, β  ∈ C, cortes quaisquer. Vale aseguinte igualdade:

A3 )   α + β  =  β  + α.

Prova: Devemos provar que,

α + β  ⊂ β  + α   e   β  + α ⊂ α + β 

(⇒)   α + β  ⊂ β  + α. Entao,

x ∈ α + β  ⇔   x =  a + b   para algum   a ∈ α   e algum   b ∈ β.

Tendo em conta a comutatividade em  Q, escrevemos,

x ∈ α + β  ⇔   x =  b + a   para algum   b ∈ β   e algum   a ∈ α.

Como foi possıvel escrever   x  como,   x   =  b + a, com   b ∈  β   e   a ∈  α, segueque:   x ∈ β  + α. Portanto,

x ∈ α + β  ⇒   x ∈ β  + α

Logo,  α  + β  ⊂ β  + α.

(⇐)   β  + α ⊂ α + β . Analogo.  

Para mostrar que todo corte tem um simetrico para a adicao (oposto),iremos necessitar do seguinte

Lema 15.   Sejam   α ∈ C   e   r >   0 um racional. Entao, existem numerosracionais  p   e   q   tais que  p ∈ α,  q  ∈ α,  q  nao e cota superior mınima de  α   eq − p =  r.

Resumindo em hipotese e tese, temos:

H :   α ∈ C   e   r > 0   (r  racional)

T:   ∃ p, q  ∈ Q :   p ∈ α, q  ∈ α, q − p = r;   q  nao e cota superior mınima de  α.

303

Page 305: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 305/515

Page 306: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 306/515

Vejamos mais um exemplo para evidenciarmos um fenomeno que pode

ocorrer. Seja, por exemplo,  α = 52∗   e   r = 1. Geometricamente, temos,

0   1

− 12

12− 5

22   3

r4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

0   1

− 12

12

− 52

52

2  α =

52

∗−1−2−3−4. . .

Tomando a0   arbitrario em  α  montamos a sequencia  an =  a0 + n r.

Por exemplo,

a0  = −3

2  ⇒   an = −3

2 + n · 1 (n = 0,  1,  2,  3, . . .)

De seguida, considere o conjunto:   A = { n ∈ N :  an ∈ α }.

Para determinar este conjunto em nosso exemplo, procedemos assim,

an ∈ α  ⇔   an < 5

2 ⇔ −3

2 + n <

  5

2 ⇔   n < 4  ⇒   n = 0,  1,  2,  3.

Logo,  A  = { 0,  1,  2,  3 }. Temos,

an = −3

2 + n   ⇒   a0  = −3

2 , a1  = −1

2 , a2  =

 1

2 , a3  =

  3

2 , a4  =

 5

2 ∈ α.

Observe geometricamente,

0   1

− 12

12− 5

22   3

r4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

0   1

− 32

  − 12− 5

2

52

12

32

α =

52

∗2−1−2−3−4. . .

↑n = 0

↑n = 1

↑n = 2

↑n = 3

↑n = 4

Sendo  A  = { 0,  1,  2,  3 }  considere o elemento maximo de  A,  m  = 3.Consideremos os dois termos da sequencia,

am

 = a0 + m r   e   am+1  = a0 + (m + 1) r

isto e,

a3  = −3

2 + 3 · 1 =

 3

2  e   a4  = −3

2 + (3 + 1) · 1 =

  5

2

Como am+1  = a4  =   5

2   e a cota superior mınima de  α, atendendo a tese, naopodemos toma-lo para o papel de q , sendo assim, tomamos para  q  um ponto

305

Page 307: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 307/515

mais a direita deste, digamos,  q  =  am+1 +   r

2 , isto e,  q  =  a0 + (m + 1) r +   r2 .

Para atender a outra condicao da tese,  q − p =  r, tomamos  p  =  q − r, isto e,

 p =  q − r =

a0 + (m + 1) r + r

2

− r =  a0 + m r +

 r

2

A questao agora e:   p ∈ α? (como exige a tese). Como  q   e cota mınimade   α   e   p < q ,   p   nao pode ser cota de   α; logo, existe   t ∈   α  de modo quet > p, i.e.,  p < t, mas pelo item  ii ) da definicao de corte  p ∈ α.

Retomando, para o caso do nosso exemplo, temos:

q  =  a0 + (m + 1) r + r

2  = −3

2 + (3 + 1) · 1 +

 1

2 = 3

e

 p =  a0 + m r +

 r

2  = −3

2 + 3 · 1 +

 1

2 = 2Geometricamente, fica assim:

0   1

− 12

12− 5

22   3

r4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

0   1

− 32   − 1

2− 52

52

12

32

α2−1−2−3−4. . .↑

n = 0↑

n = 1↑

n = 2↑

n = 3↑

n = 4

0   1−

3

2   −1

2− 52

5

2

1

2

3

2   p q2 3

−1−2−3−4. . .   • •

Prova: Tomando a0   arbitrario em  α  montamos a sequencia  an  = a0 + n r.De seguida, considere o conjunto:   A = { n ∈ N :  an ∈ α }.

Sendo  A  = { n ∈ N :  an ∈ α }, resulta que:

•   A ⊂ N, por definicao de  A;

•   A = ∅, pois 0 ∈ A; (Posto que  a0   foi escolhido em α)

•  A  e finito. Vamos mostrar isto.

Pela condicao i )  para corte (p. 293) existe u ∈ Q de modo que u ∈ α. SeA fosse infinito existiriam em A ındices arbitrariamente grandes, poderiamosescolher um deles, digamos,  ν  de modo que  aν   = a0  +  ν r > u. Ora, sendou < aν , pela condicao  ii )  para corte, devemos ter  u ∈ α, uma contradicao.

Sendo assim, podemos afirmar que o conjunto   A   assume um maximo,digamos, m. Disto decorre que am ∈ α   e   am+1 ∈ α. Se am+1 =  a0 +(m+1) rnao for cota superior mınima de  α, tomamos  p  =  a0  +  m r   e   q  =  am+1   =a0  + (m + 1) r, daı,   q  − p   =   r. Se   am+1   for cota superior mınima de   α,tomamos  p  =  a0 + m r +   r

2   e   q  =  a0 + (m + 1) r +   r2 , daı,  q − p =  r.  

306

Page 308: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 308/515

Teorema 51 (Oposto aditivo).   Seja α ∈ C um corte. Existe um unico β  ∈ Ctal que  α  + β  = 0∗.

Antes da prova vejamos como obter o oposto de  α em um caso particular.Seja por exemplo,  α =

 52

∗ =

x ∈ Q :  x <   52

.

Neste caso vamos mostrar que seu oposto e− 5

2

∗ =

x ∈ Q :  x < −52

0   1

− 12

12− 5

2

52

2   3   4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

0   1

− 12

12− 5

2

52

2  α =

52

−1

−2

−3

−4. . .

− 52

β  =−   5

2

∗−3−4. . .

Temos,

 5

2

∗+−  5

2

∗=

r + s ∈ Q :  s ∈

 5

2

∗e   r ∈

−  5

2

Para mostrar que 5

2 ∗ + −   5

2 ∗   e 0∗   devemos verificar duas inclusoes:

(⇒)5

2

∗ +−   5

2

∗ ⊂ 0∗. Lembramos que 0∗  = { x ∈ Q :  x < 0 }. Temos:

x ∈ 5

2

∗+−5

2

∗   ⇔   x =  a+b   para algum   a ∈ 5

2

∗  e algum   b ∈ −5

2

∗.

Ou ainda,

a <  5

2  e   b < −5

2  ⇒   a + b <

 5

2 + −5

2  = 0   ⇒   x =  a + b < 0   ⇒   x ∈ 0∗

(⇐) 0∗ ⊂ 52

∗ +−   5

2

∗.

Seja   r

 ∈  0∗, para mostrar que   r

 ∈ 52 ∗ + −

  52 ∗   devemos construir

racionais   p   e   t   tais que

r =  p + t   com   p ∈ 5

2

∗  e   t ∈ −  5

2

∗.

Se  r ∈ 0∗  temos que −r > 0. Pelo lema 15   (p. 303)  existem  p ∈ 52

∗  e

q  ∈ 52

∗  tais que:   q − p = −r.   q  nao e cota superior mınima de

52

∗.

Temos,

q  ∈ 5

2

∗   ⇒   q  ≥ 5

2  ⇒   q >

 5

2  ⇒ −q < −5

2  ⇒ −q  ∈ −  5

2

∗307

Page 309: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 309/515

Na segunda implicacao usamos o fato de que  q  nao e cota superior mınima

de 52 ∗. Sendo assim, temos:

q − p = −r   ⇒   r =  p + (−q )

Logo, e suficiente tomar  t  = −q . Geometricamente, temos:

0   1

− 12

12

− 52

52

2   3   4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

0

− 12

− 52   r   −r

0∗−1−2−3−4. . .

0   1

− 12

− 52

52

2

 pα =

52

∗−1−2−3−4. . .

− 52

t  β  =

−   52

∗−3−4. . .

Vamos tentar estender as ideias deste caso particular para o geral. Dadoα ∈ C  o candidato a oposto de  α, e o conjunto obtido pelos negativos doselementos que estao fora de  α,

{ p

∈Q :

  − p

∈α

}por exemplo:

0   1

− 12

12

− 52

52

2   3

 p ∈ Q4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

0

− 12

− 52 0∗

−1−2−3−4. . .

0   1

− 12

− 52

52

2  α = 5

2 ∗

−1

−2

−3

−4. . .

52

3   4

− 52

. . . p ∈ Q   − p ∈ α

β  =−   5

2

∗−3−4. . . •

com excecao da eventual cota superior mınima de α  (bolinha em azul na figura

acima), isto e,

β  = { p ∈ Q :   − p ∈ α   e   − p   nao e cota superior mınima de   α }

308

Page 310: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 310/515

Por oportuno, observe que,

− 5

2

∗ =

 p ∈ Q : − p ∈ 5

2

∗ e  − p nao e cota superior mınima de

5

2

Prova: Vamos inicialmente provar que o conjunto a seguir e um corte

β  = { p ∈ Q :   − p ∈ α   e   − p   nao e cota superior mınima de   α }

i )   β  = ∅   e   β  = Q;

Para mostrar que  β  = ∅   consideremos dois casos:

•  α   nao possui cota superior mınima:   (corte nao racional)

Como   α   e um corte, entao   α =   Q   e, portanto, existe   q  ∈   Q   tal queq  ∈  α. Facamos  p  = −q , logo,   p  = −q  ∈  Q   e − p  =  q  ∈  α. Sendo assim

 p ∈ β   e, portanto,  β  = ∅.

•   α   possui cota superior mınima:   (corte racional)

Digamos que  m  seja a cota superior mınima de  α, logo,  m ∈ α   e∗   comisso   m + 1 ∈   α. Facamos   p   = −(m  + 1), logo,   p   = −(m + 1) ∈   Q   e− p =  m + 1 ∈ α   e, ademais, − p =  m + 1  > m   nao e cota superior mınimade  α, assim p ∈ β   e, portanto, β  = ∅.

Para mostrar que  β  = Q   consideremos novamente dois casos:

•  α   nao possui cota superior mınima:

Como   α   e um corte, entao   α = ∅   e, portanto, existe   r ∈  α. Facamos p = −r, logo,   p = −r ∈  Q   e, ademais, − p =  r ∈ α, e, portanto,  p ∈ β   e p ∈ Q, isto e,  β  = Q.

•   α   possui cota superior mınima:

Digamos que m  seja a cota superior mınima de α. Pela proposicao 28 (p.

295) α   e um corte racional e, pela proposicao 27   (p. 294), podemos escreverα  = { x ∈   Q :  x < m }, logo,   m − 1 ∈   α. Facamos   p  = −(m − 1), logo,

 p = −(m − 1) ∈ Q   e − p =  m − 1 ∈ α, logo,  p ∈ β   e   p ∈ Q, isto e,  β  = Q.

ii )   Se  q  ∈ β   e   p < q , entao   p ∈ β .

Seja  q 

 ∈ β   e   p < q , devemos mostrar que   p

 ∈ β . Como q 

 ∈ β , temos

que −q  ∈ α   e  −q   nao e cota superior mınima de  α. Como  p < q , entao,

−q < − p   (9.3)

logo, − p ∈ α (se − p ∈ α deveriamos ter −q  ∈ α  (α  e corte)). Ademais, pelaproposicao 31  (p. 299), −q > t, ∀ t ∈ α, isto e, −q   e cota superior de α, logo,por (9.3), − p  nao pode ser cota superior mınima de  α.

∗Se  m  ∈  α ,  m  seria elemento maximo de  α, o que contradiz a definicao de corte.

309

Page 311: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 311/515

0   1

− 12

12

2   3   4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

0   1

− 12

2  α−1−2−3−4. . .

3   4   . . .

 p < q    −q < − pβ −3−4. . .

Como  p ∈  Q, − p ∈  α   e − p   nao e cota superior mınima de  α, entao, peladefinicao de  β ,

β  = { p ∈ Q :   − p ∈ α   e   − p   nao e cota superior mınima de   α }concluimos que  p ∈ β .

iii)   em β   nao existe elemento maximo.

Seja  q  ∈ β , devemos mostrar que existe  p ∈ β   tal que  q < p. Considere-mos dois casos:

•   α   nao possui cota superior mınima:

Como

 −q 

 ∈ α   pela proposicao 31   (p. 299),

 −q > t,

 ∀t

 ∈ α, isto e,

 −q 

e cota superior de  α, como  α   nao possui cota superior mınima, existe umaoutra cota superior  s  de  α   tal que  s < −q , ou ainda,  q < −s; tome  p  = −s.Observe que  p ∈ β  porque atende a duas condicoes:

 − p =  s ∈ α

− p =  s   nao e cota superior mınima de  α.

•   α   possui cota superior mınima:

Lembramos: Seja  q  ∈ β , devemos mostrar que existe  p ∈ β  tal que  q < p.

Digamos que  m  seja a cota superior mınima de  α. Facamos

 p = −m + q 2   ∈ Q

Como q  ∈ β , temos −q  ∈ α, ou seja, e uma cota superior de  α   (prop. 31,

p. 299) mas nao e cota superior mınima de α  (pela definicao de β ), portanto,m < −q , logo,  q < −m. Sendo assim, temos:

q < −m   ⇒   q 

2 <

 −m

2  ⇒   q 

2 +

 q 

2 <

 −m

2  +

 q 

2

Por outro lado,

 p = −m + q 

2  =

 −m

2  +

 q 

2

310

Page 312: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 312/515

Sendo assim,

 p = −m2   +  q 2  >  q 2 + q 2 = q 

Ainda,

m < −q   ⇒   m

2  <

 −q 

2  ⇒   m

2  +

 m

2  <

  m

2  +

 −q 

2

Por outro lado,

− p = m − q 

2  =

 m

2 −  q 

2  >

 m

2  +

 m

2  = m

Portanto,  − p =   m. Como − p > m, entao − p ∈   α. Sendo assim, como p ∈  Q, − p ∈  α   e − p   nao e cota superior mınima de  α, temos que  p ∈  β ,

logo,  β   nao possui maximo.Agora vamos mostrar que  α + β  = 0∗. Devemos verificar duas inclusoes:

(⇒)   α + β  ⊂ 0∗. Lembramos que 0∗  = { x ∈ Q :  x < 0 }. Temos:

x ∈ α + β   ⇔   x =  q  + p   para algum   q  ∈ α   e algum   p ∈ β.

Lembramos:

β  = { p ∈ Q :   − p ∈ α   e   − p   nao e cota superior mınima de   α }

Logo,  p ∈ Q,  − p ∈ α   e  − p   nao e cota superior mınima de  α. Como  q  ∈ αe −

 p ∈

  α, segue que   (prop. 31, p. 299)  q < −

 p, logo,   q  +  p <   0, isto e,x =  q  + p < 0, portanto,  x ∈ 0∗.

(⇐) 0∗ ⊂ α + β .

Seja  r ∈ 0∗, para mostrar que  r ∈ α + β   devemos construir racionais   pe   t   tais que

r =  p + t   com   p ∈ α   e   t ∈ β.   (9.4)

Se  r ∈  0∗   temos que −r >   0. Pelo lema 15   (p. 303) existem   p ∈  α   eq  ∈ α   tais que:   q − p = −r.   q  nao e cota superior mınima de  α. Temos,

q − p = −r   ⇒   r =  p − q 

Facamos   t  = −q . Sendo assim,   t ∈  Q, −t  =  q  ∈  α   e  −t  =  q   nao e cotasuperior mınima de  α, portanto,  t ∈ β   e (9.4) esta satisfeita.

311

Page 313: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 313/515

0   1

− 12

12− 5

22   3   4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

0

− 52   r   −r

0∗−1−2−3−4. . .

0   1

− 12− 5

22

 pα−1−2−3−4. . .

t q β −3−4. . .

(Unicidade): Suponhamos que existam  β   e   β ′  satisfazendo,

α + β  =  α + β ′  = 0∗

Entao,

β ′ =  β ′ + 0∗ =  β ′ + (α + β ) = (β ′ + α) + β  = 0∗ + β  =  β 

Notacao:   O corte  β , objeto do teorema 51   (p. 307), e chamado simetricoou oposto aditivo de  α  e sera denotado por −α. Logo, se  α ∈ C, temos:

−α = { p ∈ Q :   − p ∈ α   e   − p   nao e cota superior mınima de   α }

De passagem observe que −0∗ = 0∗. De fato,

−0∗ =

{ p

∈Q :

  − p

∈0∗   e

  − p   nao e cota superior mınima de 0∗

}Escrevendo

0∗ = { p ∈ Q :  p < 0 }Temos

−0∗ = { p ∈ Q :  − p ∈ 0∗     − p ≥ 0

e   − p   nao e cota superior mınima de 0∗ }

= { p ∈ Q :   − p > 0} = { p ∈ Q :   p <  0} = 0∗

312

Page 314: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 314/515

Com isto encerramos a prova das quatro primeiras propriedades em Γ:

Γ = { A1,  A2,  A3,  A4     

,  M1,  M2,  M3,  M4,  D,  Ordenado,  Completo }

Definicao 54   (Subtracao).   Dados  α, β  ∈ C  definimos a subtracao por

α − β  =  α + (−β )

Proposicao 32.   Se  α ∈ C, entao,  α = −(−α).

Prova: Temos,

α + (−α) = 0∗   ⇒   (−α) + α = 0∗   ⇒   α = −(−α)

Antes de definir a multiplicacao de cortes deveremos introduzir umarelacao de ordem em C.

9.4 Relacao de ordem em CIniciaremos definindo uma relacao de ordem em

Cpois esta sera utilizada

na definicao de multiplicacao de cortes.

Definicao 55.   Sejam  α  e  β   dois cortes em C. Dizemos que  α   e menor doque  β  e escrevemos  α < β   quando β − α = ∅.

Observe que para mostrar que  α < β , devemos mostrar que  β − α = ∅,isto e, que existe um racional  p ∈ β   tal que p ∈ α.

A notacao  >  tem o seguinte sentido:   α < β  ⇐⇒   β > α.

Exemplos:

Antes lembramos que, segundo a notacao feita na definicao 52   (p. 295),temos, por exemplo, 5

2

∗=

x ∈ Q :  x <

 5

2

  e 4∗  = { x ∈ Q :  x < 4 }

313

Page 315: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 315/515

a) 52

∗ <  4∗, pois 3 ∈ 4∗ −

52

∗. Geometricamente, temos,

0   1

− 12

12− 5

2

52

2   3   4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

0   1

− 12

12− 5

2

52

2  α =

52

∗−1−2−3−4. . .

0   1

− 12

12− 5

22   3 4

  β  = 4∗−1−2−3−4. . .

3 4

52

β − α = ∅

b)   1∗  >  0∗, pois   12 ∈ 1∗ − 0∗. Geometricamente, temos,

0   1

− 12

12− 5

22   3   4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

0 1

− 12

12− 5

2 1∗−1−2−3−4. . .

0

− 12− 5

20∗−1−2−3−4. . .

12 1∗ − 0∗ = ∅

314

Page 316: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 316/515

c)   (−2)∗  <  0∗, pois −1 ∈ 0∗ − (−2)∗. Geometricamente, temos,

0   1

− 12

12− 5

2

52

2   3   4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

0

− 12

− 52 0∗

−1−2−3−4. . .

− 52 (−2)∗−2−3−4. . .

−2 0−1  0∗ − (−2)∗

d)   Se  α  = { x ∈ Q+ :  x2 < 2 } ∪ Q−, entao  α < 2∗, pois   1510 ∈ 2∗ − α.

0   1

− 12

12

− 52

2   3   4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

0   1

− 12

12− 5

2 α−1−2−3−4. . .

0   1

− 12

12

− 52

2  2∗

−1−2−3−4. . .

2∗ − α

Observe que o buraco na reta racional foi aquele construido na p agina 296.

Definicao 56 (Positivo e negativo). • Se α ∈ C   e   α > 0∗, α  chama-se cortepositivo;

• Se  α ∈ C   e   α < 0∗,  α   chama-se corte negativo.

315

Page 317: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 317/515

Proposicao 33.   Para  α, β  ∈ C, valem as seguintes equivalencias:

a)   α < β  ⇔   α ⊂ β   e   α = β ;b)   α ≤ β  ⇔   α ⊂ β .

Antes da prova veja um caso particular − e geometrico −  desta proposicao,

α =

52

∗ < β  = 4∗

α ⊂ β 

α = β 

0   1

− 12

12

− 52

52

2   3   4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

0   1

− 12

12− 5

2

52

2  α =

52

∗−1−2−3−4. . .

0   1

− 12

12

− 52

2   3 4  β  = 4∗

−1−2−3−4. . .

Prova:

a)   (⇒) Se   α < β   entao, pela definicao 55   (p. 313), existe   p ∈   β   tal que

 p ∈   α, sendo assim   α =   β . Suponhamos que   α ⊂   β , logo, existe   p ∈   αtal que  p ∈  β ; ora, mas se isto ocorre, entao   β < α, contrariando assim ahipotese. Logo,  α ⊂ β .

(⇐) Se  α ⊂ β   e  α = β , entao existe  p  em β   tal que  p  nao esta em  α, logo,β − α = ∅, segue que  α < β .

b)   (⇒) Se   α ≤   β   entao,   α < β   o   α   =   β . Se   α < β , pelo item anteriorα ⊂ β . Se  α  =  β , entao  α ⊂ β .

(⇐) Se  α ⊂ β  decorre do item anterior que  α < β , ou seja,  α ≤ β .  

Nota:  Observe que esta proposicao nos fornece uma outra alternativa parase definir uma relacao de ordem em

 C, assim:

Definicao 57.   Sejam α  e  β  dois cortes em C. Definimos

i)   α < β  ⇔   α ⊂ β   e   α = β ;

ii)   α ≤ β  ⇔   α ⊂ β .

316

Page 318: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 318/515

Teorema 52   (Tricotomia).   Sejam α, β  ∈ C, entao uma e somente uma das

possibilidades a seguir ocorre:

α =  β    ou   α < β    ou   α > β 

Prova:

•  Assumindo  α  =  β  devemos provar que as outras duas possibilidades naopodem ocorrer. Entao,

α =  β    ⇒ α ⊂ β    ⇒   α ≤ β , se  α < β    ⇒   α = β    →←

b) a)

β  ⊂ α   ⇒   β  ≤ α, se  β < α   ⇒   β  = α   →←b) a)

a)   α < β  ⇔   α ⊂ β   e   α = β ;

b)   α ≤ β  ⇔   α ⊂ β .

A primeira implicacao acima decorre da definicao de igualdade de con- juntos.   a)   e   b)   referem-se aos itens da proposicao 33   (p. 316), os quaiscolocamos em destaque no retangulo acima.

•  As possibilidades  α < β   ou   α > β   excluem   α  =  β , como vemos no dia-grama,

Se  α < β    ⇒   α = β a)

Se  β < α   ⇒   β  = αa)

• Mostremos agora que as possibilidades  α < β  ou  α > β  se excluem mutua-mente. Suponha, ao contrario, que α < β  e  α > β  ocorram simultaneamente.Entao,

 α < β 

  ⇒  α

⊂β   e   α

= β ;

β < α   ⇒   β  ⊂ α   e   β  = α.

Sendo assim, da hipotese decorre que   α ⊂   β   e   β  ⊂   α, com   α =   β , oque contradiz a definicao de igualdade de conjuntos. Concluimos que nomaximo uma das possibilidades ocorre. Devemos mostrar que uma delasnecessariamente ocorre. Entao,  α  =  β   ou  α = β . Se  α  =  β , nada ha o queprovar. Suponhamos α = β , entao α −β  = ∅   ou   β −α = ∅; no primeiro casoteremos, pela definicao 55   (p. 313), que  β < α  e, no segundo, que  α < β .

317

Page 319: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 319/515

Teorema 53   (Relacao de ordem parcial).   A relacao ≤   e uma relacao de

ordem parcial em C.

Prova: Segundo a definicao 14 (p. 76) devemos mostrar as tres propriedadesa seguir:

( i ) (Reflexiva): Seja α ∈ C. Obviamente  α  =  α, portanto,  α ≤ α.

( ii ) (Antissimetrica): Sejam   α, β  ∈ C, se   α ≤   β   e   β  ≤   α, entao portricotomia,  α =  β .

( iii ) (Transitiva): Sejam α, β, γ  ∈ C, se  α ≤ β   e   β  ≤ γ , temos:

α ≤ β    ⇒   α ⊂ β 

b)

β  ≤ γ    ⇒   β  ⊂ γ b)

⇒   α ⊂ γ    ⇒   α ≤ γ b)

Tendo em conta a definicao 17   (p. 78) e a  tricotomia  demonstrada ante-riormente podemos concluir que C   e um conjunto totalmente ordenado.

Teorema 54  (Compatibilidade da relacao de ordem com a adicao).   Sejamα, β, γ  ∈ C   e tais que  α ≤ β . Entao,  α + γ  ≤ β  + γ .

Prova: Da proposicao 33   (p. 316), temos:   α ≤  β   ⇔   α ⊂  β .   E suficienteprovar que  α + γ  ⊂ β  + γ .

Seja   t ∈   α +  γ , isto e,   t   =   r +  s   com   r ∈   α   e   s ∈   γ . Como  α ⊂   β ,entao,  r ∈ β , sendo assim,  t  =  r + s ∈ β  + γ , logo,  α + γ  ⊂ β  + γ . Portanto,α + γ  ≤ β  + γ .  

O seguinte resultado sera precioso oportunamente.

Lema 16.   Sejam  α >  0∗   e   β > 0∗   cortes. Entao, todo  x ∈ α  + β ,   x > 0,pode ser escrito como

x =  u + v,   com   u

∈α, u > 0 e   v

 ∈β, v > 0.

Prova: Por definicao de soma, podemos escrever

x =  r + s,   com   r ∈ α   e   s ∈ β 

Se   r >  0 e   s >   0, nada resta a fazer. Suponhamos que nao seja esteo caso. Como x   =  r +  s >   0,   r   e   s   nao sao simultaneamente negativos.Sem perda de generalidade, consideremos  r > 0 e   s < 0. Observe que  x   earbitrariamente fixado, devemos ajustar as parcelas da adicao, assim

x =  r + s =  u + v,   com   u ∈ α, u > 0 e   v ∈ β, v > 0.   (9.5)

318

Page 320: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 320/515

Pela propriedade arquimediana   (p. 253)   existe um natural   n1   satis-

fazendon1 (r + s) > |s|

Como   β >   0∗   escolha qualquer   p >   0 em   β . Novamente pela pro-priedade arquimediana existe um natural  n2   satisfazendo

n2 p > |s|Agora tomamos  n  = max{ n1 , n2 }, sendo assim, resulta

 n (r + s) > |s|n p >

|s

|Afirmamos que a escolha

u = (r + s) − |s|n

  e   v = |s|

n

satisfaz a equacao (9.5). Justifique.  

9.4.1 Multiplicacao

Seria conveniente se pudessemos copiar a definicao 53  (p. 301)  de adicaode cortes para a multiplicacao, digamos:

Sejam  α, β  ∈ C, entao o conjunto a seguir,

γ  = { r · s :  r ∈ α   e   s ∈ β }denomina-se  produto de  α   e   β  e e indicado por  α · β .

Seria bom, o problema e que o conjunto definido acima nao e um corte.Para verificarmos esse fato, consideremos

α = { r ∈ Q :  r < 0 }   e   β  = { s ∈ Q :  s < 1 }Tomemos um racional arbitrario   t, como   α   e   β   sao cortes, existem   r

 ∈ α

e   s ∈   β , com   r < −1 e   s < −t. Portanto, −r >   1 e  −s > t, logo,(−r) · (−s) =   r · s >   1 · t   =   t. Como   r · s ∈   γ   e   t < r · s, entao, se   γ fosse corte deveriamos ter   t ∈  γ , assim   γ   deveria conter qualquer numeroracional, isto e, deveria ser  γ  = Q, contradizendo a definicao de corte.

Deste modo vimos que a complicacao que envolve o produto de cortes,como definido acima, deve-se a existencia, em cada corte, de numeros racionaisnegativos cujo produto pode ser arbitrariamente grande.

Entretanto, a tentativa de definicao anterior funciona com algumas res-tricoes. Iniciemos com o seguinte,

319

Page 321: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 321/515

Teorema 55.   Sejam  α, β  ∈ C, com α ≥ 0∗   e   β  ≥ 0∗, entao o conjunto,

γ  = { p ∈ Q :  p <  0 } ∪ { q  ∈ Q :  q  =  r s,   onde   r ∈ α, s ∈ β   e   r ≥ 0, s ≥ 0 }tambem e um corte; isto e,  γ  ∈ C.

Antes da demonstracao do teorema facamos duas observacoes quanto adefinicao de  γ . Se,

α = 0∗ = { x ∈ Q :  x < 0 }   ou   β  = 0∗  = { x ∈ Q :  x < 0 }Teremos,

γ  = { p ∈ Q :  p <  0 } ∪ { q  ∈ Q :  q  =  r s,   onde   r ∈ α, s ∈ β   e   r ≥ 0, s ≥ 0 }   = ∅

Isto e,γ  = { p ∈ Q :  p < 0 } ∪ ∅ = { p ∈ Q :  p < 0 } = 0∗

De sorte que so teremos um numero positivo (q >   0) em   γ   quandoα >  0∗   e   β >  0∗, quando entao,   q  =  r s   com   r >  0,  r ∈  α   e com   s >  0,s ∈ β .

Geometricamente tudo se passa assim,   (prop. 33, p. 316)

0

− 12− 5

2 0∗  = { p ∈ Q :  p < 0 }−1−2−3−4. . .

0   1

− 12− 5

22

r

+

α−1−2−3−4. . .

0   1

− 12− 5

2   s

+

β −1−2−3−4. . .

0

  1

− 12

12− 5

2

4

q  =  rsγ 

−1

−2

−3

−4. . .

γ  = { p ∈ Q :  p < 0 } ∪ { q  ∈ Q :  q  =  r s,   onde   r ∈ α, s ∈ β   e   r ≥ 0, s ≥ 0 }

Observe que γ , como definido no teorema, e formado pela parte negativada reta racional juntamente  com todos os produtos das partes nao negativasdos cortes  α   e   β .

Reiteramos: qualquer q  ≥ 0 em   γ   e gerado pelo produto  r s  com  r ≥ 0(r ∈ α) e s ≥ 0 (s ∈ β ) e vice-versa: quaisquer r ≥ 0 (r ∈ α) e s ≥ 0 (s ∈ β )geram um  q  =  r s ≥ 0 em   γ .

320

Page 322: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 322/515

Prova: Segundo a definicao 51   (p. 293)   devemos provar as seguintes tres

condicoes:i )   Como  p  = −1 ∈ γ , logo   γ  = ∅. Devemos mostrar que γ  =  Q. Entao,como α   e   β   sao cortes, temos α = Q   ⇒ ∃ p0 ∈ Q   tal que   p0 ∈ α   ( p0 ≥ 0,   pois α ≥ 0∗)

β  = Q   ⇒ ∃ q 0 ∈ Q   tal que   q 0 ∈ β    (q 0 ≥ 0,   pois β  ≥ 0∗)

Temos,  p0 q 0 ∈ Q. Vamos mostrar que  p0 q 0 ∈ γ . Suponhamos, ao contrario,que  p0 q 0 ∈  γ , entao, existem  p ∈  α   e   q  ∈  β , com  p ≥  0 e   q  ≥   0 tais que

 p0q 0   =  pq . Nao podemos ter  p0 ≤  p  (pois teriamos  p0 ∈  α), analogamentenao podemos ter   q 

0 ≤  q . Logo,   p < p

0

  e   q < q 0

, daı,   p q < p0

q 0

, o quecontradiz pq  =  p0 q 0 . Portanto,  p0 q 0 ∈ γ   e, assim,  γ  = Q.

ii )   Sejam r ∈ γ  e s ∈ Q com  s < r. Devemos provar que s ∈ γ . Com efeito,se  s < 0, entao,  s ∈ γ . Suponhamos s ≥ 0 e, portanto,  r >  0. Como  r ∈ γ ,existem p ∈  α  e   t ∈  β , tais que  r  =  p t, com  p ≥ 0 e   t ≥   0. Como r >  0,

deve ser  p >  0 e   t >   0. Seja u  =  s

 p  (s ≥  0, p >  0   ⇒   u ≥   0). Se  t ≤  u,

teriamos  p t ≤  p u, isto e,  r ≤ s, o que e um absurdo, pois,  s < r. Portanto,devemos ter  u < t  e, como  t ∈ β , entao,  u ∈ β . Sendo assim, como  s =  p u,

 p ∈ α,  u ∈ β ,  p > 0 e   u ≥ 0, entao,  s ∈ γ .

iii )   γ   nao tem maximo.

Seja  q  ∈ γ , mostremos que existe t ∈ γ   tal que  q < t.Com efeito, se  q < 0, basta tomar  t =

  q 

2, daı  t > q .

Suponhamos q  ≥  0. Sendo assim, existem r ∈ α,   s ∈ β   e   r ≥ 0,   s ≥ 0tais que  q  = r s. Existem  p ∈ α   e   u ∈ β   tais que  r < p   e   s < u  (pois  α   eβ   sao cortes, nao possuem maximo). Sendo assim, q  =  r s < p u.Tomandot  =  p u, temos,   t ∈  γ   (pois   t  =  p u   com   p ∈  α,   u ∈  β ,   p >  0 e   u >  0) et > q . Portanto,  γ  nao tem maximo.  

321

Page 323: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 323/515

Definicao 58 (Multiplicacao de cortes nao negativos).   Sejam α, β  ∈ C, comα ≥ 0∗   e   β  ≥ 0∗, entao o conjunto,

γ  = { p ∈ Q :  p <  0 } ∪ { q  ∈ Q :  q  =  r s,   onde   r ∈ α, s ∈ β   e   r ≥ 0, s ≥ 0 }

denomina-se  produto de  α   e   β  e e indicado por  α · β .

Exemplo:  Considere o corte objeto da proposicao 30   (p. 296),

α = { x ∈ Q :  x ≤ 0 } ∪

x ∈ Q :  x > 0 e   x2 < 2

cuja representacao geometrica e vista a seguir,

0   1

− 12

12− 5

22   3   4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

0   1

− 12

12− 5

2 α−1−2−3−4. . .

prove que  α · α = 2∗.

Solucao:  Segundo a definicao 58, temos:

α · α = { p ∈ Q :  p < 0 } ∪ { q  ∈ Q :  q  =  r s,   onde   r ∈ α, s ∈ α   e   r, s ≥ 0 }Ou ainda,

α · α = { p ∈ Q :  p < 0 }∪ { q  ∈ Q :  q  =  r s,   onde   r2 < 2, s2 < 2 e   r, s ≥ 0 }

Devemos provar que   α · α ⊂ 2∗   e 2∗ ⊂ α · α.

Geometricamente, deveremos ter,

0   1

− 12

12− 5

22   3   4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

0   1

− 12

12− 5

2 α−1−2−3−4. . .

0   1

− 12

12− 5

2 α−1−2−3−4. . .

0   1

− 12

12− 5

2

2  α · α = 2∗

−1−2−3−4. . .

·=

322

Page 324: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 324/515

(⇒)   α · α ⊂ 2∗. Temos, x ∈ α · α   e   x < 0   ⇒   x ∈ 2∗

x ∈ α · α   e   x ≥ 0   ⇒   x =  r s,   onde   r2 < 2, s2 < 2 e   r, s ≥ 0

temos, x =  r s   ⇒   x2 = r2 · s2 < 4.

x ≥ 0 e   x2 < 4   ⇒   x < 2.

Portanto,  x ∈ α · α   e   x ≥ 0   ⇒   x ∈ 2∗.

(⇐) 2∗ ⊂ α · α. Temos, se

x ∈ 2∗   e   x < 0   ⇒   x ∈ α · α.

Considere x ∈ 2∗   e   x ≥ 0. Para mostrar que x ∈ α·α  devemos conseguirescrever  x como

x =  r s   onde   r2 < 2, s2 < 2 e   r, s ≥ 0 (9.6)

Entao,

x ∈ 2∗   e   x ≥ 0   ⇒   0 ≤ x < 2   ⇒   0 ≤ x2 < 4   ⇒   0 ≤   x2

2  < 2

Existe a  racional,  a > 0, tal que

0 ≤  x2

2  < a2 < 2

(provamos esta afirmativa mais a frente). Sendo assim,

x

a

2< 2,

como  x

a ≥ 0

⇒   x

a ∈ α

Podemos escrever

x =  a ·  x

a,   isto e, x =   a  

r

·   x

a  s

Por estarem satisfeitas as condicoes em (9.6) concluimos que   x ∈   α · α.Portanto, 2∗ ⊂ α · α.

Sendo assim, provamos que  α2 = 2∗, ou seja, 2∗   admite raiz quadradaem C.

323

Page 325: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 325/515

Vamos provar que se   x2

2  <   2, entao existe   a >   0, racional, tal que

x2

2  < a2 < 2. Com efeito, como x  e racional,

  x2

2 ≤ 1 ou

  x2

2  > 1. Se

  x2

2 ≤ 1,

e suficiente tomar  a  = 12

10, porquanto, neste caso,

x2

2  <

12

10

2< 2

Se  y  =  x2

2  > 1, escolhamos um natural  n  de modo que

1 +

 1

n

2< y   e

1 +

 1

n

2<

  2

y  (9.7)

Vamos abrir um parenteses aqui para mostrar que isto e possıvel, assim:1 +

  1

n

2= 1 +

 2

n +

  1

n2 ≤ 1 +

 2

n +

 1

n  = 1 +

  3

n  (9.8)

Tomando-se  n  tal que

1 + 3

n

 <  y,   isto e, n >  3

y − 1

  (9.9)

onde, y = min

y,   2y

, (9.7) estara satisfeita. Para verificar isto temos duas

possibilidades,

(i)   y =  y   (isto e,  y ≤   2y )

n >  3

y − 1  ⇒   1 +

 3

n < y

Por (9.8), temos

1 +

 1

n2 ≤ 1 +

  3

n  < y

E assim (9.7) estara satisfeita.(ii)   y =   2

y   (isto e,   2y ≤ y)

n >  32y − 1

⇒   2

y − 1 >

  3

n  ⇒   1 +

  3

n <

  2

y

Por (9.8), temos 1 +

  1

n

2 ≤ 1 + 3

n  <

  2

y

E assim (9.7) estara satisfeita.

324

Page 326: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 326/515

Retomando, seja u  = 1 + 1n

, onde n  e um dos naturais que satisfaz (9.7).

Considere a progressao geometrica

u2, u4, u6, . . . , u2k, . . .

A razao desta P.G.,   u2 =

1 +   1n

2, e maior que 1, portanto, e uma P.G.

crescente. Logo, um dos termos desta progressao ultrapassa   y   =  x2

2  >   1;

digamos,  u2k > y  =  x2

2 , para algum natural  k . Perguntamos: Existiria um

natural  k  satisfazendo simultaneamente a dupla desigualdade a seguir?

y = x2

2  < u2k < 2 (9.10)

Se a resposta for afirmativa nosso problema se encerra aqui, pois bastatomar  a  =  uk.

Facamos uma simulacao do ja visto ate aqui. Seja, por exemplo,

x = 3

2  ⇒   y =

 x2

2  =

 (3/2)2

2  =

 9

8

Em seguida calculamos

y = min

y,

  2

y

 = min

9

8,

  298

 = min

9

8,  16

9

 =

 9

8

Levando este resultado em (9.9)   (p. 324), temos

n >  3

y − 1  ⇒   n >

  398 − 1

= 24

Escolhamos  n = 25. Sendo assim, temos,  u = 1 +   1n   = 1 +   1

25   =   2625 . Para a

P.G., temos 26

25

2,26

25

4,26

25

6, . . . ,

26

25

2k, . . .

A equacao (9.10) fica assim

9

8  =

 x2

2  < u2k < 2   ⇒   1.125 < u2k < 2

Vamos escrever os termos da P.G. com tres decimais para efeito de com-paracao, assim:

325

Page 327: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 327/515

26252, 2625

4, 26256, 2625

8, 262510, 2625

12, 262514, 2625

16, 262518, . . .

↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓1.082 1.170 1.265 1.369 1.480 1.601 1.732 1.873 2.026

Sendo assim temos

k ∈{ 2,  3,  4,  5, . . . } ⇒   1.125 < u2k

k ∈{ 1,  2,  3, . . . ,  8 } ⇒   u2k < 2

Portanto,

k ∈ { 2,  3,  4,  5,  6,  7,  8 } ⇒   1.125 < u2k < 2

Voltemos ao caso geral (antes da simulacao). O conjunto de naturais  kpara os quais  u2k <  2 e nao vazio, pois 1 pertence a este conjunto. Isto sedeve a que, por hipotese y =   x2

2   < 2, e tendo em conta a primeira desigual-dade em (9.7)   (p. 324). Este conjunto e tambem limitado superiormenteuma vez que a P.G. e crescente. Seja  k ′  o elemento maximo deste conjunto,isto e,  k ′   e tal que

1 +

 1

n2k′

< 2 e

1 +

 1

n2(k′+1) ≥ 2 (9.11)

Afirmamos que este  k′  satisfaz

1 +

 1

n

2k′> y =

 x2

2

De fato, supondo ao contrario, isto e, que

1 +

 1

n

2k′ ≤ y = x2

2

Juntemos esta desigualdade com a segunda desigualdade em (9.7), assim

1 +   1n

2k′ ≤ y1 +   1

n

2<   2

y

⇒ 1 +

 1

n

2k′ · 1 + 1

n

2< y ·  2

y

Esta ultima desigualdade contradiz a segunda desigualdade em (9.11).

326

Page 328: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 328/515

Valor absoluto de um corte

Reiteramos que a definicao de produto dada em 58   (p. 322)  vale apenaspara cortes nao negativos, para estender a operacao de multiplicacao paratodos os cortes necessitaremos antes definir valor absoluto de um corte.

Definicao 59  (Valor absoluto de um corte).   Seja  α ∈ C, definimos o valorabsoluto de  α   representado por |α|, do seguinte modo

|α| =

α,   se   α ≥ 0∗ ;

−α,   se   α <  0∗ .

O valor absoluto de  α   e tambem denominado de  modulo de α.

Exemplo:   Calcule |(−2)∗|.Solucao:   Pelo exemplo   c)   (p. 315)   sabemos que (−2)∗   <   0∗, portanto,|(−2)∗|   = −(−2)∗. Para calcular o oposto de   α   = (−2)∗   lembramos danotacao estabelecida na pagina 312,

−α = { p ∈ Q :   − p ∈ α   e   − p   nao e cota superior mınima de   α }Sendo assim,

−(−2)∗  = { p ∈ Q :   − p ∈ (−2)∗   e   − p   nao e cota superior mınima de (−2)∗ }Observe que: (−2)∗  = { x ∈ Q :  x < −2 }. Logo,

− p ∈ (−2)∗   ⇔ − p ≥ −2

Temos que −2 e cota superior mınima de  α, deve ser excluida, entao

−(−2)∗  = { p ∈ Q :   − p > −2 } = { p ∈ Q :   p <  2 } = 2∗

Geometricamente, temos

0   1

− 12

12

− 52

52

2   3   4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

0

− 12

− 52 0∗

−1−2−3−4. . .

− 52 α = (−2)∗−2−3−4. . .

0   1

− 12

12

− 52

2 |α| = 2∗

−1−2−3−4. . .

327

Page 329: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 329/515

Claro que podemos estabelecer resultados que facilitem enormemente o

calculo de um modulo, quisemos apenas ilustrar a manipulacao das definicoesenvolvidas.

Proposicao 34.   Se  α < 0∗, entao   −α > 0∗.

Prova: Como  α < 0∗, pela proposicao 33   (p. 316), temos

α < 0∗  ⇔   α ⊂ 0∗   e   α = 0∗

0   1

− 12

12

− 52

52

2   3   4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

0

q p− 52 0∗

−1−2−3−4. . .

− 52 α−2−3−4. . .

Logo, existe  q  ∈  0∗   tal que  q  ∈  α. Podemos supor, sem perda de gene-ralidade, que q  nao e cota inferior mınima de  α. Como  q  ∈ 0∗   entao  q < 0.Facamos p  = −q , logo, p > 0; resulta que − p ∈ α  e tendo em conta o opostode  α

−α = { p ∈ Q :   − p ∈ α   e   − p   nao e cota superior mınima de   α }

concluimos que  p ∈ −α. Como  p > 0 segue que  q  ∈ 0∗, isto e, −α − 0∗ = ∅.Pela definicao 55  (p. 313), temos 0∗ < −α.  

Proposicao 35.   Seja α ∈ C, tem-se:

a) |α| ≥ 0∗ ;

b) |α| = 0∗   ⇔   α = 0∗.

Prova:

a)   Se  α ≥ 0∗, entao |α| = α ≥ 0∗, daı, |α| ≥ 0∗.Se  α < 0∗, entao |α| = −α; pela proposicao 34, −α > 0∗, daı, |α| > 0∗.

b)   (⇒) Seja |α| = 0∗.

Se  α > 0∗, entao |α| = α > 0∗, o que contradiz a hipotese;

Se  α <  0∗, entao pela proposicao 34,  −α >  0∗   e, por definicao, |α|  =−α >  0∗, o que contradiz a hipotese. Portanto, por tricotomia so sobra aalternativa  α  = 0∗.

(⇐) Seja  α  = 0∗. Entao, |α| = α  = 0∗.  

328

Page 330: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 330/515

Estamos agora em condicoes de definir multiplicacao em C.

Definicao 60  (Multiplicacao de cortes).   Sejam  α, β  ∈ C, definimos:

α β  =

|α| |β |,   se   α ≥ 0∗, β  ≥ 0∗   ou   α < 0∗, β < 0∗

−( |α| |β | ),   se   α ≥ 0∗, β < 0∗   ou   α < 0∗, β  ≥ 0∗.

A operacao que a cada par (α, β ) ∈ C × C  de cortes associa seu produtoα β  denomina-se  multiplicac~ao e e indicada por · .

Observe que todos estes produtos recaem na definicao 58  (p. 322).

De passagem, como ja observamos na pagina 320, se α  = 0∗   ou   β  = 0∗,entao  α β  = 0∗.

Observe que segundo nossa definicao 2  (p. 21) acabamos de construir umsistema numerico

C   = (C,  +, ·)Os cortes agora sao numeros, todavia, ainda nao podemos nos vangloriar

de termos construido os numeros reais.

O eminente matematico Leopold Kronecker (1823-1891) certa feita sen-tenciou: “Deus fez os n´ umeros naturais, o resto e obra dos homens.”.   Ebem possıvel que o ilustre matematico nao soubesse nem o que e Deus e nemo que e numero.

Na   teoria da relatividade ontologica, h´ a uma verdade que e in-vari´ avel atraves de todos os sistemas de referencia cognitivos:   tudo o que apreendemos, seja perceptiva ou conceitualmente, e desprovido de natureza inerente pr´ opria, ou identidade, independentemente dos meios pelos quais seja conhecido.   Objetos percebidos, ou entidades observ´ aveis, existem em relac˜ ao as faculdades sensoriais ou sistemas de medic˜ ao pelos quais s˜ ao de-tectados  −  n˜ ao de modo independente no mundo objetivo.   (p. 41)

Ou ainda, de um outro autor:

Conforme mencionado, as possibilidades de existir s˜ ao apenas possi-bilidades vazias. Somente quando pensadas e que ganham um impulsopara a existencia, porque e preciso que tais realidades primeiro sejam concebidas, imaginadas, mentalizadas, elaboradas na forma de Ideias,que constituem “programas” de criac˜ ao, sementes de eventos e de Uni-versos.   (Marcelo Malheiros/[17], p. 163)

329

Page 331: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 331/515

Pois bem, para outorgar aos cortes o status de numeros reais ainda tere-

mos muito trabalho pela frente, deveremos provar todas as especificacoesconstantes no retangulo amarelo da pagina 291. Prossigamos.

Teorema 56  (Comutativa).   Sejam α   e   β  cortes quaisquer. Vale a seguinteigualdade:

M 3 )   α β  =  β α

Prova: Inicialmente consideremos os casos  α ≥ 0∗   e   β  ≥ 0∗. Sendo assim,da definicao 58   (p. 322), temos:

α β  = { p ∈ Q :  p < 0 } ∪ { q  ∈ Q :  q  =  r s,   onde   r ∈ α, s ∈ β   e   r, s ≥ 0 }

e

β α = { p ∈ Q :  p < 0 } ∪ { u ∈ Q :  u  =  v w,   onde   v ∈ β, w ∈ α   e   v, w ≥ 0 }

Precisamos provar que  α β  ⊂ β α   e   β α ⊂ α β . Entao,

(⇒)   α β  ⊂ β α.

Suponha   t ∈   α β , se   t <   0, entao   t ∈   β α   por definicao de produto.Suponhamos  t ≥ 0. Entao,  t  =  r s, onde  r ∈ α,   s ∈ β    e   r, s ≥ 0. Logo,

t =  r s =  s r,   onde   s ∈ β, r ∈ α   e   s, r ≥ 0

sendo assim,   t ∈  β α, entao   α β  ⊂  β α. A inclusao contraria demonstra-sede modo analogo.

Os outros casos constantes na definicao de multiplicacao recaem nestecaso; por exemplo, para  α < 0∗   e   β  ≥ 0∗, teremos

α β  = −( |α| |β | ) = −( |β | |α| ) = β α

Teorema 57   (Associativa).   Sejam  α, β, γ  ∈ C, cortes quaisquer. Vale aseguinte igualdade:

M 1 ) (α β ) γ  = α (β γ )

Prova: Esta propriedade tem demonstracao analoga a anterior e decorre daassociatividade nos racionais, assim:

(α β ) γ  = { p ∈ Q : p < 0 } ∪ { q  ∈ Q :  q  = (r s) t,   onde   r ∈ α, s ∈ β, t ∈ γ   e  r, s, t ≥ 0 }

α (β γ ) = { p ∈ Q : p < 0 } ∪ { q  ∈ Q :  q  =  r (s t),   onde   r ∈ α, s ∈ β, t ∈ γ   e  r, s, t ≥ 0 }

330

Page 332: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 332/515

Teorema 58   (Elemento neutro).   Seja  α  um corte arbitrariamente fixado.

Temos:   α · 1∗  =  α.

Prova: Suponhamos, inicialmente α > 0∗. Devemos provar que α · 1∗ ⊂ α eα ⊂ α · 1∗.

(⇒)   α · 1∗ ⊂ α.

Lembramos que,

α β  = { p ∈ Q :  p < 0 } ∪ { q  ∈ Q :  q  =  r s,   onde   r ∈ α, s ∈ β   e   r, s ≥ 0 }α 1∗ = { p ∈ Q :  p < 0 } ∪ { q  ∈ Q :  q  =  r s,   onde   r ∈ α, s ∈ 1∗   e   r, s ≥ 0 }

 x

∈α 1∗   e   x

≤0

  ⇒  x

∈α.

x ∈ α 1∗   e   x > 0   ⇒   x =  r s,   com   r ∈ α, r > 0,   e 0 < s <  1.

De  s <  1 e   r >   0, segue   r s < r   e, portanto,   x  =  r s ∈  α. Sendo assim,provamos que  α · 1∗ ⊂ α.

(⇐)   α ⊂ α · 1∗.

 x ∈ α   e   x ≤ 0   ⇒   x ∈ α 1∗.

x ∈ α   e   x > 0   ⇒ ∃ a ∈ α   com  x < a.   (caso contrario x  seria maximo)

Sendo assim,

x =  a · x

a ∈ α 1∗,   pois   a ∈ α, a > 0,   e x

a   < 1,   com  x

a   > 0.

Portanto,  α ⊂ α · 1∗. Provamos, assim, que se  α > 0∗, entao,  α · 1∗  =  α.

Se  α   = 0∗, entao, pela observacao feita na pagina 320,   α · 1∗   = 0∗ · 1∗   =0∗ =  α. Se  α < 0∗, entao, pela definicao 60  (p. 329), temos:

α · 1∗ = −( |α| |1∗| ) = −(−α 1∗) = −(−α) = α

Na segunda igualdade usamos a proposicao 34   (p. 328). Tambem usamos aproposicao 17   (p. 349) e a definicao de modulo para concluir que |1∗| = 1∗.

Segue, para todo  α ∈ C,   α · 1∗ =  α.  

Teorema 59.   Seja  α ∈ C   com   α > 0∗. O conjunto,

β  = { r ∈ Q :  r ≤ 0 } ∪ { p ∈ Q :   p > 0,   com p−1 ∈ α   e   p−1 nao e supremo de α }

e um corte.

Antes da prova facamos uma simulacao, vejamos como visualizar  β   emum caso particular. Seja por exemplo,  α =

52

∗ =

x ∈ Q :  x <   52

.

Neste caso vamos mostrar que  β   e

25

 =

x ∈ Q :  x <   2

5

.

331

Page 333: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 333/515

0   1− 12 12− 52

52

2   3   4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

0   1

− 12

12

− 52

52

2  α =

52

∗−1−2−3−4. . .

0

− 12

− 52 β  =

25

∗−1−2−3−4. . .

Isto e, pretendemos provar que,

β  = Q− ∪  p ∈ Q :   p > 0,   com p−1 ∈ 52

∗ e   p−1 nao e supremo de

52

∗ =2

5

∗ =

x ∈ Q :  x < 2

5

Devemos mostrar que  β  ⊂

25

∗  e

25

∗ ⊂ β . Entao,

(⇒)   β  ⊂ 25

x ∈ β   e   x ≤ 0   ⇒   x ∈ 25

∗.

x ∈ β   e x > 0   ⇒   x−1 > 0,   com x−1 ∈ 52

∗ e  x−1 nao e supremo de

52

Destas duas ultimas condicoes concluimos que  x−1 >   52 , isto e,   x <   2

5 ; ou

ainda,  x ∈ 25

∗.

(⇐)

25

∗ ⊂ β .

x ∈ 25

∗  e   x ≤ 0   ⇒   x ∈ β.

x ∈ 25

∗  e   x > 0   ⇒ ∃ a ∈

25

∗  com  x < a.

Sendo assim, temos

x < a <  25   ⇒   x−1 >  52   ⇒   x−1 ∈ 52∗   e   x−1 nao e supremo de 52

∗Portanto,  x ∈ β  e, com isto, concluimos a prova da simulacao.

Prova:

i )   0 ∈   β , portanto,   β  = ∅. Seja  p ∈   α   tal que   p >  0 (este   p  existedevido a que  α > 0∗). Afirmamos que  p−1 ∈ β . De fato, se  p−1 ∈ β , entao

teriamos p−1

−1= p ∈ α, uma contradicao.

ii )   Seja  p ∈  β    e   q  ∈   Q   com  q < p. Devemos mostrar que q  ∈  β . Seq  ≤  0 entao  p ∈  β . Suponhamos entao   q >   0. Sendo assim, por hipotese,

332

Page 334: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 334/515

temos 0  < q < p. Pelo teorema 44   (p. 241)  podemos escrever   p−1 < q −1.

Pela definicao de  β ,

β  = { r ∈ Q :  r ≤ 0 } ∪ { p ∈ Q :   p > 0,   com p−1 ∈ α   e   p−1 nao e supremo de α }

segue que   p−1 ∈  α, logo que  q −1 ∈  α   (caso contrario  p−1 pertenceria a  α,pois  α   e corte). Como, ademais,  p−1 nao e supremo de  α,  q −1 tampouco e;logo,  q  preenche todos os requisitos para pertencer a  β , e assim e!

iii)   Seja  p ∈ β . Devemos mostrar que existe  q  ∈ β   tal que  p < q .

Sem perda de generalidade, vamos assumir  p >   0. Pela definicao de  β , p  cumpre as condicoes,  p−1 ∈ α   e   p−1 nao e supremo de  α.

Q. . .   −4   −3

− 52

−2   −1

− 12

0

12

1   2

52

3   4   . . .

α. . .   −4   −3

− 52

−2   −1

− 12

0

12

1

β . . .   −4   −3

− 52

−2   −1

− 12

0  p p−1

q r s

q −1

Se p−1 nao e a menor das cotas superiores de α  isto significa que existe uma

cota superior de   α  menor que   p−1, isto e, existe   r ∈   α   tal que   r < p−1.Facamos   s  =   r+ p−1

2   . Sendo assim, temos r < s < p−1. Tomando q  =  s−1,resulta   q   =   s−1 > p >  0. Ademais,   q −1 =   s ∈   α   e por ser   q −1 =  s > risto significa que   q −1 nao e cota superior mınima (supremo) de   α, logo,q  cumpre os requisitos para pertencer a   β . Assim, mostramos que  β   naopossui maximo e, portanto, e um corte.  

Definicao 61  (Corte Inverso).   Seja α  um corte tal que  α = 0∗. Se  α > 0∗,entao o corte   β   do teorema anterior e denotado por   α−1 e e chamado oinverso de  α, isto e,

α−1 = Q− ∪ { p ∈ Q :   p >  0,   com   p−1 ∈ α   e   p−1 nao e supremo de  α }

Se  α < 0∗, definimos o inverso de α   como   α−1 = −|α|−1.

Proposicao 36.   Se  α >  0∗, entao  α−1 > 0∗.

Prova: Utilizaremos a tecnica de demonstracao:   (p. 495)

H  =⇒ T    ⇐⇒ H ∧ ¬ T 

 =⇒ f 

333

Page 335: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 335/515

Suponha α > 0∗   e   α−1 ≤ 0∗. Logo, pela definicao de  α−1 devemos ter

{ p ∈ Q :   p > 0,   com   p−1 ∈ α   e   p−1 nao e supremo de  α } = ∅

Daqui concluimos que

∀ p > 0   ⇒

 p−1 ∈ α   ⇒   α = Q

ou

 p−1 e supremo de   α   ⇒   α = ∅

Em qualquer dos casos  α  contradiz a definicao de corte   (p. 293).  

334

Page 336: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 336/515

Teorema 60.   Sejam   α   um corte tal que   α = 0∗. Entao,   α α−1 = 1∗.

Ademais, o inverso de  α   e unico.Prova: Consideremos duas possibilidades:

1a )   α > 0∗. Devemos provar que α α−1 ⊂ 1∗   e 1∗ ⊂ α α−1.

(⇒)   α α−1 ⊂ 1∗.

Segundo a definicao 58  (p. 322), temos:

γ  = Q∗− ∪ { q  ∈ Q :  q  =  r s,   onde   r ∈ α, s ∈ β   e   r ≥ 0, s ≥ 0 }

α α−1 = Q∗− ∪ { q  ∈ Q :  q  =  r s,   onde   r ∈ α, s ∈ α−1 e   r ≥ 0, s ≥ 0 }

Ademais, da definicao 61   (p. 333), lembramos que:

α−1 = Q− ∪ { p ∈ Q :   p > 0,   com   p−1 ∈ α   e   p−1 nao e supremo de  α }Pois bem, seja  q  ∈  α α−1, se  q  ≤  0, entao   q  ∈  1∗. Suponhamos q >  0.

Sendo assim, existem  r ∈ α   e   s ∈ α−1 tal que  q  =  r s, com  r ≥ 0 e   s ≥ 0.Como  q >   0 deve ser   r >  0 e   s >   0. Como  s >  0 e   s ∈  α−1 segue ques−1 ∈ α   e  s−1 nao e supremo de  α.

Veja um caso particular de nossos argumentos:

Q. . .   −4   −3 −5

2 −2   −1 −1

2 0

1

2 1   2

5

2 3   4   . . .

α. . .   −4   −3

− 52

−2   −1

− 12

0

r1

α−1. . .   −4   −3

− 52

−2   −1

− 12   s

s−10

α α−1 (⊂ 1∗ ?). . .   −4   −3

− 52

−2   −1

− 12

0 1

Logo, existe t ∈ α tal que t < s−1. Como r ∈ α   e   t ∈ α, pela proposicao31   (p. 299),  t > r. De   t < s−1, segue s < t−1, daı,  r s < r t−1. Por outrolado, de   r < t, segue  r t−1 <  1, logo, q  =  r s < r t−1 <  1, daı,  q  ∈ 1∗.

(⇐) 1∗ ⊂ α α−1.

Seja   q  ∈  1∗, logo,   q <   1. Se q <   0 entao   q  ∈  α α−1, pela definicao deproduto. Se  q  = 0, entao podemos escrever  q   como  q  =  r · 0, onde r ∈  α,r > 0 e   s = 0 ∈ α−1 (pela definicao de  α−1), logo, q  ∈ α α−1.

335

Page 337: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 337/515

Suponhamos agora, 0 < q < 1. Vamos “abrir” nosso objetivo: devemos

mostrar que  q  ∈ α α−1

. Lembramos:

α α−1 = Q∗− ∪ { q  ∈ Q :  q  =  r s,   onde   r ∈ α, s ∈ α−1 e   r ≥ 0, s ≥ 0 }

α−1 = Q− ∪ { p ∈ Q :   p >  0,   com   p−1 ∈ α   e   p−1 nao e supremo de  α }Isto e, devemos escrever   q   como um produto,   q   =   r s, com   r  ∈   α, s ∈α−1 e   r ≥ 0, s ≥ 0. Como  q > 0 e   s ∈ α−1, devemos ter:

q  =  r s, r > 0, s >  0, r ∈ α, s−1 ∈ α   e   s−1 nao e supremo de  α

Com este objetivo em mente tomamos   a0   >  0 arbitrario em  α   e mon-

tamos a sequencia  an  = a0 · q −1n

. Por ser  q −1 > 1 esta e uma sequenciacrescente − atinge valores arbitrariamente grandes −, seja k  o menor natu-ral para o qual  ak ∈ α.

Facamos uma simulacao para o α  que consta na proposicao 30  (p. 296), porexemplo, seja  a0 =   1

5   e   q  =   710 ;   a

n =   1

5 ·

107

n.

Veja os sete primeiros termos desta sequencia (com tres decimais):

a1   a2   a3   a4   a5   a6   a7

↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓0.286 0.408 0.583 0.833 1.190 1.700 2.429

Q. . .   −4   −3

− 52

−2   −1

− 12

0

12

1   2

52

3   4   . . .

α. . .   −4   −3

− 52

−2   −1

− 12

0 •a0

a1   ւa6

No caso da figura o menor natural  k  para o qual  ak ∈ α   e  k  = 6.

Facamos   p =  a0 ·

q −1k−1 ∈ α   e   u =  a0 ·

q −1k ∈ α. Seja r ∈ α   tal

que  p < r   (α   nao tem maximo).

α. . .   −4   −3

− 52

−2   −1

− 12

0 •a0

a1

 p u

րr

336

Page 338: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 338/515

Facamos  s  =  u−1 r−1 p, logo,  s−1 = urp−1. Sendo assim, temos

 p < r   ⇒   pp−1 < rp−1 ⇒   1 < rp−1 ⇒   u < urp−1 ⇒   u < s−1

Assim, u ∈ α,   s−1 ∈ α   e   s−1 nao e a menor cota superior de  α. Temos,

s =  u−1 r−1 p   ⇒   rs  =  r u−1 r−1 p   ⇒   rs  =  u−1 p

⇒   rs  =

a0 ·

q −1k−1

·

a0 ·

q −1k−1

 =  q 

Acima escolhemos r ∈ α   (r > p > 0 ⇒ r > 0) e como   s−1 ∈ α  e existe u ∈ αtal que  u < s−1,   s−1 nao e supremo de  α. Portanto,  q , como construidoacima, cumpre todas as condicoes em destaque no retangulo verde da pagina336, logo,  q  ∈ α α−1, e assim concluimos que se  α > 0∗, entao  α α−1 = 1∗.

2a )   α < 0∗.

Sendo   α <   0∗, pela definicao 61   (p. 333), temos   α−1 = −|α|−1. Pelaproposicao 35   (p. 328) |α|   >   0∗, pela proposicao 36   (p. 333) |α|−1 >   0∗.Logo,  α−1 = −|α|−1 < 0∗. Pela definicao de produto (p. 329), temos

α α−1 = |α| |α−1| = |α| − |α|−1   (9.12)

Pela definicao de modulo  (p. 327), temos:

− |α|−1 = −− |

α|−1 =

|α|−1

Substituindo este resultado em 9.12, temos:

α α−1 = |α| |α−1| = |α| − |α|−1 = |α| |α|−1

Como |α| > 0∗, pela primeira parte da demonstracao temos |α| |α|−1 = 1∗,logo,  α α−1 = 1∗.

Provemos agora a unicidade de   α−1. Suponhamos que existam   α−11

  eα−1

2  satisfazendo:

α α−11

  = 1∗   e   α α−12

  = 1∗

Sendo assim, temos:

α−11

  = α−11  ·1∗  =  α−1

1  ·α α−1

2

 =

α−11  ·αα−1

2  =

α·α−1

1

α−1

2  = 1∗ α−1

2  = α−1

2

337

Page 339: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 339/515

Teorema 61  (Regra dos sinais).   Sejam α, β, γ  ∈ C, temos

(−α) β  =  α (−β ) = −(α β ) e (−α)(−β ) = α β.

Prova: Devemos subdividir as demonstracoes em varios casos.

+ +

−   +

+ −

− −

α β Na tabela ao lado temos todas as com-

binacoes possıveis quanto aos sinais de  α   e   β .Os casos  α = 0∗   ou   β  = 0∗   sao triviais, razaoporque nao os levaremos em conta.

Vamos iniciar pela primeira linha da tabela, isto e, consideremos α > 0∗,e   β > 0∗. Neste caso −α < 0∗, pela definicao de produto  (p. 329), temos

(−α) β  = − | − α| |β |  = − − (−α) β 

 = −(α β ) (9.13)

Na ultima igualdade fizemos uso da proposicao 17  (p. 349).Ainda para este caso, temos

α (−β ) = − |α| | − β |  = −

α− (−β )

 = −(α β ) (9.14)

Vejamos como tratar do caso referente a segunda linha da tabela:   α < 0∗e   β >   0∗. Sendo assim, temos:  −α >   0∗   e   β >   0∗. Podemos aplicar aigualdade (9.13) substituindo α   por  −α, assim− (−α)

β  = −(−α) β 

Portanto,

α β  = −(−α) β    ⇒   (−α) β  = −(α β )

Para a terceira linha da tabela substitua  β  por −β  na equacao (9.14).

Considere a quarta linha da tabela. Escrevamos (9.13), assim

α β  =

− (

−α) β 

Substituamos nesta equacao  α   por  −α > 0 e   β   por  −β > 0, entao

(−α) (−β ) = − − (−α)

(−β )

Portanto,

(−α) (−β ) = −α (−β )

Fazendo o mesmo procedimento utilizando a equacao (9.14), obtemos aofinal

α (−β ) = (−α) β 

338

Page 340: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 340/515

Ainda para a quarta linha da tabela, na definicao de produto, temos

α (−β ) = −(|α| | − β |) = − (−α) (−β )

Facamos a substituicao de variaveis: −α =  γ   e −β  =  λ, para obter:

(−γ ) λ = −(γ λ)

Logo, esta equacao tambem vale para a quarta linha da tabela.

Vejamos a terceira igualdade no enunciado. Utilizando (9.13), temos

(−α)(−β ) = −

α (−β )

Utilizando (9.14), escrevemos

−α (−β )

 = −− (α β )

Finalmente, temos(−α)(−β ) = α β 

Teorema 62   (Distributividade).   Sejam  α, β, γ  ∈ C, entao,

α (β  + γ ) = α β  + α γ 

Prova: Devemos provar que

α (β  + γ ) ⊂ α β  + α γ    e   α β  + α γ  ⊂ α (β  + γ )

Vamos separar em algumas possibilidades:

1a )   α > 0∗, β > 0∗   e   γ > 0∗.

(⇒)   α (β  + γ ) ⊂ α β  + α γ .

Inicialmente vamos adaptar as definicoes de soma e produto:   (pp. 301, 322)

γ  =  α + β  = { r + s :  r ∈ α   e   s ∈ β }

γ  = Q∗− ∪ { q  ∈ Q :  q  =  r s,   onde   r ∈ α, s ∈ β   e   r ≥ 0, s ≥ 0 }

para o nosso contexto, assim:

α (β + γ ) = Q∗− ∪{ q  ∈ Q :  q  =  r s,   onde   r ∈ α, s ∈ (β + γ ) e   r ≥ 0, s ≥ 0 }

β  + γ  = { r + s :  r ∈ β   e   s ∈ γ }α β  + α γ  = { r + s :  r ∈ α β   e   s ∈ α γ }

339

Page 341: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 341/515

α β  = Q∗− ∪ { q  ∈ Q :  q  =  r s,   onde   r ∈ α, s ∈ β   e   r ≥ 0, s ≥ 0 }

α γ  = Q∗− ∪ { q  ∈ Q :  q  =  r s,   onde   r ∈ α, s ∈ γ   e   r ≥ 0, s ≥ 0 }

Entao,

x ∈ α (β  + γ ) e   x < 0   ⇒   x ∈ α β  + α γ 

x ∈ α (β  + γ ) e   x = 0   ⇒   x = 0 · 0 + 0 · 0   ⇒   x ∈ α β  + α γ ↓ ↓ ↓ ↓α β α γ  

Observe que como  α > 0∗, β > 0∗   e   γ > 0∗, temos 0 ∈ α,   0 ∈ β   e 0 ∈ γ .

x ∈ α (β  + γ ) e   x > 0  ⇒   x =  r s,   onde   r ∈ α, s ∈ (β  + γ ) e   r > 0, s >  0

s ∈ (β  + γ )   ⇒   s =  a + b   com   a ∈ β   e   b ∈ γ 

Portanto,

x =  r (a + b) =  r a + r b ∈ α β  + α γ,   pois   r a ∈ αβ   e   r b ∈   α γ 

Portanto,  α (β  + γ )

⊂α β  + α γ .

(⇐)   α β  + α γ  ⊂ α (β  + γ ).

Entao, se

x ∈ α β  + α γ   e   x < 0   ⇒   x ∈ α (β  + γ )

x ∈ α β  + α γ    e   x = 0   ⇒   x = 0 · 0 = 0 · (0 + 0)   ⇒   x ∈ α (β  + γ )↓ ↓ ↓α β γ 

r s

Seja entao,  x ∈ α β + α γ   e   x > 0. Como α β > 0∗   e   α γ > 0∗, de posse

do lema 16   (p. 318)  concluimos que existem   u ∈   α β ,   u >   0, e   v ∈   α γ ,v > 0, tais que x  =  u + v. Veja,

α β  = Q∗− ∪ { q  ∈ Q :  q  =  r s,   onde   r ∈ α, s ∈ β   e   r ≥ 0, s ≥ 0 }   

u > 0 aqui

e

α γ  = Q∗− ∪ { q  ∈ Q :  q  =  r s,   onde   r ∈ α, s ∈ γ   e   r ≥ 0, s ≥ 0 }     

v > 0 aqui

340

Page 342: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 342/515

Daqui concluimos que

x =  u + v =  a b + c d,   onde :

 a ∈ α, b ∈ β    e   a > 0, b >  0

c ∈ α, d ∈ γ    e   c > 0, d >  0

Temos que   c ≤ a   ou   a ≤ c; supondo c ≤ a   resulta

x =  a b + c d ≤ a b + a d =  a (b + d) ∈   α (β  + γ )

Logo, pela condicao ii ) da definicao de corte (p. 293), segue que x ∈ α (β +γ ).

A outra possibilidade acima, conduz ao mesmo resultado.

Sendo assim, provamos que  α β  + α γ  ⊂ α (β  + γ ).

2a )   α > 0∗   e   β  + γ > 0∗.Suponhamos β < 0∗. Utilizando a primeira possibilidade, temos:

α γ  =  α [ (β  + γ ) + (−β ) ] = α (β  + γ ) + α (−β )

Utilizando o teorema 61   (p. 338), resulta:

α (β  + γ ) = α β  + α γ 

3a )   α > 0∗   e   β  + γ < 0∗.

+ +−   +

+ −− −

β γ 

Na tabela ao lado temos todas as com-binacoes possıveis quanto aos sinais de  β   e   γ .Se a soma  β  + γ   e negativa β   e   γ   nao podemser ambos positivos, razao porque descartamosa primeira linha da tabela.

Para a ultima linha da tabela, temos:

α (β  + γ ) = −[ α (−β − γ ) ] = −[ α

(−β ) + (−γ )

] = −[ α(−β ) + α(−γ ) ]

Utilizando a  regra dos sinais , resulta:

α (β  + γ ) = α β  + α γ 

Para a terceira linha da tabela, temos

α γ  = −α [ −(β  + γ ) + β ] = −[ −α (β  + γ ) + α β ] = α (β  + γ ) + −(α β )

Daqui resulta,α (β  + γ ) = α β  + α γ 

As demais possibilidades deixamos ao leitor.  

341

Page 343: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 343/515

Notacao:   A  estrutura construida ate este momento

C = (C,  +, ·)

na linguagem da  Algebra Abstrata e um corpo por estarem satisfeitas asseguintes propriedades:

A1 ) (a + b) + c =  a + (b + c)

A2 )   ∃ 0 ∈ C   :   a + 0 = 0 + a =  a

A3 )   a + b =  b + a

A4 )   ∀ a ∈ C   , ∃ − a ∈ C   :   a + (−a) = 0

M 1 ) (a · b) · c =  a · (b · c)

M 2 )   ∃ 1 ∈ C   :   a · 1 = 1 · a =  a

M 3 )   a · b =  b · a

M 4 )   ∀ a ∈ C∗, ∃   a−1 ∈ C   :   a · a−1 = 1

D)   a · (b + c) = a · b + a · c

CTeorema 63  (Compatibilidade da relacao de ordem com a multiplicacao).Se  α ≤ β   e   γ  ≥ 0∗, entao   α γ  ≤ β γ .

Prova: Sendo   α ≤ β , pelo teorema 54   (p. 318), podemos escrever

α + (−α) ≤ β  + (−α)   ⇒   0∗ ≤ β  + (−α)

Como  γ  ≥ 0∗, pela definicao de produto de cortes, resulta:

β  + (−α)

γ  ≥ 0∗

Daı,β γ  + (−α) γ  ≥ 0∗   ⇒   β γ  ≥ α γ   ⇒   α γ  ≤ β γ.

Na primeira implicacao utilizamos novamente o teorema 54.  

342

Page 344: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 344/515

Proposicao 37.   Se  α ∈ C, entao,  α · 0∗  = 0∗.

Prova: Daremos duas provas desta proposicao:

1a ) Utilizando a definicao de produto   (p. 322)

α · 0∗  = { p ∈ Q : p < 0 } ∪ { q  ∈ Q :  q  =  r s,   onde   r ∈ α, s ∈ 0∗   e   r ≥ 0, s ≥ 0 }

Temos,

{ q  ∈ Q :  q  =  r s,   onde   r ∈ α, s ∈ 0∗   e   r ≥ 0, s ≥ 0 } = ∅

Logo,α

·0∗  =

{ p

∈Q :  p < 0

} ∪ ∅=

{ p

∈Q :  p < 0

}= 0∗

2a ) Utilizando distributividade

α · 0∗ =  α · (0∗ + 0∗) = α · 0∗ + α · 0∗

Daı,α · 0∗ +

− (α · 0∗)

 = (α · 0∗ + α · 0∗) +− (α · 0∗)

Utilizando associatividade no lado direito desta equacao, resulta:

0∗  =  α · 0∗

Proposicao 38.   Sejam   α, β  ∈ C, entao,  α β  = 0∗   se e somente se  α  = 0∗

ou   β  = 0∗.

Prova: Temos duas provas a fazer:

(⇒)   α β  = 0∗   ⇒   α = 0∗   ou   β  = 0∗.

Suponhamos   α = 0∗, pelo teorema 60   (p. 335), temos,   α α−1 = 1∗.Entao,

β  =  β  · 1∗  =  β 

α α−1

 = (α β ) α−1 = 0∗ · α−1 = 0∗

(⇐)   α = 0∗   ou   β  = 0∗   ⇒   α β  = 0∗.

Esta implicacao e imediata a partir da proposicao 37.  

343

Page 345: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 345/515

Imersao de   Q   em CA rigor os numeros de   Q   e   C   sao de naturezas distintas, por exemplo,

comparemos o zero nestes dois sistemas:   (p. 230)

0∗ = { x ∈ Q :   x < 0} ∈ C

¯0 = { (0, β ) :  β  ∈ Z∗ } ∈ Q

nao obstante, existe uma perspectiva pela qual podemos obter uma “copia”de  Q   em C . Assim como identificamos um numero inteiro com a fracao quetem por numerador este numero inteiro e por denominador a unidade (versecao 7.3, p. 242) podemos identificar o  numero racional  r  com o numeror∗, esta identificacao e feita atraves de uma aplicacao, assim,

Ψ :   Q   Cr r∗   ∴   Ψ(r) =   r∗

Por exemplo,

0   1

− 12

12

− 52

52

2   3   4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

0   1

− 12

12− 5

2

52

2

52

∗−1−2−3−4. . .

Ψ

Ψ( 52 ) = ( 5

2 )∗  =

x ∈ Q :  x <   52

Teorema 64.  A aplicacao

Ψ :   Q   Cr r∗   ∴   Ψ(r) =   r∗

e injetora e tem as seguintes propriedades:

( i ) Ψ( p + q ) = Ψ( p) + Ψ(q ),   isto e,   ( p + q )∗ =  p∗ + q ∗

( ii ) Ψ( p ·   q ) = Ψ( p) ·   Ψ(q ),   isto e,   ( p ·  q )∗  =  p∗  ·   q ∗

(iii)   p < q  ⇔   Ψ( p)   <   Ψ(q ),   isto e, p < q   ⇔   p∗ < q ∗

( i v )   p =  q  ⇔   Ψ( p) = Ψ(q ),   isto e, p =  q  ⇔   p∗ =  q ∗

344

Page 346: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 346/515

Prova: ( i ) ( p + q )∗ =  p∗ + q ∗.

Devemos provar duas inclusoes: ( p + q )∗ ⊂ p∗ + q ∗   e   p∗ + q ∗ ⊂ ( p + q )∗.(⊂) Seja  u ∈ ( p + q )∗, isto e,

u ∈ ( p + q )∗ = { x ∈ Q :   x < p + q } ⇒   u < p + q 

Devemos provar que  u ∈ p∗ + q ∗, para isto precisamos   construir  um  s ∈ p∗

e um  t ∈ q ∗, de modo que  u  =  s + t.

Consideremos  h  = ( p + q ) − u > 0. Facamos,

s =  p −  h

2  e   t =  q −  h

2

Sendo assim,s < p   e   t < q    ⇒   s ∈  p∗   e   t ∈ q ∗

Observe que,

s + t = p −  h

2

+

q −  h

2

 =  p + q − h =  u   ⇒   u ∈  p∗ + q ∗

(⊃) Seja  t ∈  p∗ + q ∗, isto e,

t ∈  p∗ + q ∗ = { x + y ∈ Q :   x ∈  p∗   e   y ∈ q ∗ } ⇒   t =  r + s, r ∈  p∗   e   s ∈ q ∗

Logo,  r < p   e  s < q , portanto,  t =  r + s < p + q , logo,  t ∈ ( p + q )∗.( i i) ( p ·  q )∗ =  p∗   ·   q ∗.

Devemos provar duas inclusoes: ( p ·   q )∗ ⊂ p∗ ·   q ∗   e   p∗  ·   q ∗ ⊂ ( p ·   q )∗.

(⊂) Provaremos apenas para o caso   p >   0 e   q >   0, os demais casos saoprovados de forma analoga. Seja  u ∈ ( p ·  q )∗, isto e,

u ∈ ( p ·  q )∗  = { x ∈ Q :   x < p q }

Devemos provar que  u ∈ p∗   ·   q ∗. Temos duas possibilidades, ou u < 0 ou0 ≤ u < pq . Se  u < 0, entao claramente  u   pertence ao produto   (p. 320)

 p∗ · q ∗ = { p ∈ Q :  p < 0 } ∪ { q  ∈ Q :  q  =  r s,   onde   r ∈  p∗, s ∈ q ∗   e   r ≥ 0, s ≥ 0 }Consideremos 0 ≤   u < p q  . Como  p >   0 e   q >   0 existem   p1 ∈   Q   e

q 1 ∈ Q   satisfazendo 0 < p1  < p   e 0 < q 1  < q , isto e, 0 < p1 q 1  < p q .

345

Page 347: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 347/515

Q. . .   −4   −3

− 52

−2   −1

− 12

0

12

1   2

52

3   4   . . .

. . .   −4   −3

− 52

−2   −1

− 12

0

 p1 p∗ p

. . .   −4   −3

− 52

−2   −1

− 12

0

q 1q ∗

. . .   −4

  −3

− 52

−2

  −1

− 12

0

 p1 q 1 p∗q ∗

. . .   −4   −3

− 52

−2   −1

− 12

0

u

(fixo)( p q )∗ p q 

= ?

Como   Q   e denso   (p. 245)  podemos tomar   p1   arbitrariamente proximo de p   e   q 1   arbitrariamente proximo de  q   de modo que o produto  p1 q 1   podeser feito arbitrariamente proximo de p q . Como u   e fixo (foi arbitrariamentefixado) para uma dada escolha de   p1   e   q 1   teremos 0   < u < p1 q 1   < p q ,como   p1 q 1   esta em p∗ q ∗, entao   u ∈  p∗ q ∗, portanto, ( p q )∗ ⊂ p∗ q ∗.

(⊃) Seja q  ∈ p∗ q ∗, entao, ou  q < 0 ou   q  =  r s,   onde   r ∈  p∗, s ∈ q ∗   e   r ≥0, s ≥   0. Temos, 0 ≤   r < p   e 0 ≤   s < q , logo, 0 ≤   r s < p q  , isto e,ou   q <  0 ou 0 ≤  q   =  r s < p q  , em qualquer dos casos temos   q  ∈  ( p q )∗,portanto,  p∗ q ∗ ⊂ ( p q )∗.

(ii i)   p < q  ⇔   p∗ < q ∗. Temos duas provas a fazer:

(⇒)  p < q  ⇒   p∗ < q ∗.

Se   p < q , entao   p ∈   q ∗; como   p ∈   p∗   implica que   p ∈   q ∗ − p∗, logo,q ∗ − p∗ = ∅. Pela definicao 55   (p. 313), resulta:   p∗ < q ∗.

(⇐)  p∗  < q ∗  ⇒   p < q .

Se p∗ < q ∗, ainda pela definicao 55,  q ∗

− p∗

 =

∅, logo, existe um racional

r ∈ q ∗  e tal que r ∈  p∗. Tendo em conta a proposicao 31  (p. 299) concluimosque  r > p, logo,  r < q    e   r > p   ⇒   p < r < q . Portanto,  p < q .

( i v )   p =  q  ⇔   p∗ =  q ∗. Temos duas provas a fazer:

(⇒)  p  =  q  ⇒   p∗ =  q ∗.

Se  p  =  q , entao os conjuntos a seguir resultam iguais

{ x ∈ Q :  x < p } = { x ∈ Q :  x < q }

Portanto,  p∗ =  q ∗.

346

Page 348: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 348/515

(⇐)  p∗ =  q ∗   ⇒   p =  q .

Por hipotese, temos:   p∗ ⊂   q ∗   e   q ∗ ⊂   p∗. Como   p ∈   p∗, segue que p ∈ q ∗, com isto,  p ≥ q . Utilizando a segunda inclusao, como  q  ∈ q ∗, segueque  q  ∈  p∗, com isto,  q  ≥ p. Por tricotomia, concluimos que  p  =  q .  

Com este teorema fizemos uma  imersao  de  Q   em   C . De outro modo,obtivemos uma copia algebrica de Q   em C . A aplicacao a esquerda a seguir

Ψ :   Q   Cr r∗

Ψ :   Q   Ψ(Q) ⊂ Cr r∗

 Imers~ao

e apenas injetora, como vimos. O contradomınio da aplicacao a direita eΨ(Q) (imagem do domınio de Ψ), portanto, a aplicacao a direita e umabijecao.   Nota: por um abuso de notacao mantivemos a mesma letra, Ψ.

Ψ(Q) e uma copia de   Q   em   C , sendo Ψ(Q) precisamente o conjuntodos cortes racionais. Vimos na proposicao 30   (p. 296)   que existem cortesque nao sao racionais, logo, C − Ψ(Q) = ∅.

Observamos ainda que o corpo ordenado dos numeros racionais e   iso-morfo  ao corpo ordenado de todos os cortes racionais, como diriamos:

Q ∼=   Ψ(Q)o que nos permite  identificar o corte racional   r∗  com o numero racional   r.

Aqui Dedekind se equivocou, ver p. 290.

Obviamente que   r∗   e   r   sao elementos de naturezas distintas, comple-tamente distintas, mas para efeitos do “jogo” (soma, produto, ordem) elestornam-se indistintos. Por oportuno, facamos uma analogia: como ja vimosno jogo de xadrez podemos jogar tanto com as pe cas do xadrez como comcereais, para efeitos do jogo o resultado e o mesmo.

...  ...

⇐⇒

Como elementos   r∗   e   r  diferem tanto quanto um rei de um caroco defeijao. No entanto, na estrutura (como numeros) sao indistintos.

347

Page 349: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 349/515

Page 350: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 350/515

Lema 17.   Seja   α ∈ C   um corte, temos que r ∈ α  ⇔   r∗ < α.

Antes da prova veja um caso particular desta proposicao:

r =  1

2 ∈ α = (

5

2)∗   ⇔   (

1

2)∗  <  (

5

2)∗

Q. . .   −4   −3

− 52

−2   −1

− 12

0

12

1   2

52

3   4   . . .

. . .   −4   −3

− 52

−2   −1

− 12

0

12

1   2  ( 5

2)∗

. . .   −4   −3

− 52

−2   −1

− 12

0  ( 1

2 )∗

Prova: Temos duas provas a fazer:

(⇒)  r ∈ α  ⇒   r∗ < α.

Se  r ∈ α, como  r ∈ r∗, temos α − r∗ = ∅, segue da definicao 55   (p. 313)

que   r∗ < α.

(⇐)  r∗ < α  ⇒   r ∈ α.

Ainda pela definicao 55 temos   α

−r∗

 =

 ∅, o que significa que existe

s ∈ α   tal que  s ∈ r∗, logo,  s ≥ r, sendo assim

r ≤ s   e   s ∈ α   ⇒   r ∈ α.

O teorema seguinte afirma que sempre existe um numero racional entredois numeros reais quaisquer.

Teorema 65   (Densidade de  Q   em   C ).   Sejam α, β  ∈ C   com α < β , entaoexiste um corte racional  r∗   tal que  α < r∗ < β .

Prova: De   α < β , segue que existe um numero racional   s ∈   β   tal ques ∈

 α. Segue da definicao de corte   (p. 293)  que em  β   nao existe elementomaximo, logo, existe  r ∈ β   tal que  s < r. Pelo lema 17, temos

r ∈ β   ⇒   r∗ < β 

Ademais, do teorema 64   (p. 344), temos

s < r   ⇒   s∗ < r∗

Como s ∈ α  segue do lema 17 que  s∗ ≥ α, logo,  α ≤ s∗ < r∗. Sendo assim,α < r∗ < β .  

349

Page 351: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 351/515

9.5 Completude segundo Dedekind

Definicao 62   (Incisao em   Q).   Uma   incisao   em   Q   e um par (A, B) desubconjuntos de  Q   satisfazendo as seguintes condicoes:

a)   Q = A ∪ B;

b)   A ∩ B  = ∅;

c)   A = ∅   e   B = ∅;

d)   se  p ∈ A   e   q  ∈ B, entao,   p < q .

Exemplo:  Os dois subconjuntos a seguir formam uma incisao em  Q:

A = Q− ∪x ∈ Q :  x > 0 e   x2 < 2

  e   B  =

x ∈ Q :  x > 0 e   x2 > 2

Q. . .   −4   −3

− 52

−2   −1

− 12

0

12

1   2

52

3   4   . . .

. . .   −4   −3

− 52

−2   −1

− 12

0  A1

 p

B q 2   3   4   . . .

Observe que aqui nao existe um elemento separador entre os dois sub-conjuntos, existe uma lacuna (buraco), por assim dizer.

Analogamente definimos,

Definicao 63   (Incisao em   C ).   Uma  incisao   em   C   e um par (A, B) desubconjuntos de   C   satisfazendo as seguintes condicoes:

a)   C   = A ∪ B;b)   A ∩ B  = ∅;

c)   A = ∅   e   B = ∅;

d)   se  α ∈ A   e   β  ∈ B, entao,   α < β .

A principal diferenca entre   Q   e   C   e que em toda incisao em   C   existeum elemento separador. Ou ainda, nao existem buracos em   C . Este e oconteudo do proximo,

350

Page 352: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 352/515

Teorema 66   (Dedekind/Completude).   Sejam  A   e   B   subconjuntos de C ,

satisfazendo:a)   C   = A ∪ B;

b)   A ∩ B  = ∅;

c)   A = ∅   e   B = ∅;

d)   se α ∈ A   e   β  ∈ B, entao,  α < β .

Nestas condicoes, existe um, e apenas um, corte   γ   tal que  α ≤ γ  ≤ β , paratodo α ∈ A   e para todo β  ∈ B.

Veja um exemplo particular, caso em que  γ  =√ 

2∗ :

0∗   1∗−( 1

2 )∗   ( 12 )∗−( 5

2 )∗   ( 52 )∗

2∗   3∗   4∗   . . .   C−1∗−2∗−3∗−4∗. . .

√ 2∗•

0∗   1∗−( 1

2 )∗−( 52 )∗

−1∗−2∗−3∗−4∗. . .α

  √ 2∗• A

β 2∗   3∗   4∗   . . .B

Nota:   Sempre que falarmos em corte estamos falando no sentido dadefinicao 51   (p. 293), portanto, um corte e sempre um subconjunto de   Q

satisfazendo as condicoes daquela definicao. O que posteriormente chamare-mos de numero real e sempre um corte. Uma incisao pode ser em  Q   ou emC , um corte apenas em   Q, para os propositos deste livro, bem entendido.Iniciemos a prova do teorema.

Prova:   Existencia . Consideremos o seguinte subconjunto de  Q :

γ  = { x ∈ Q :   x ∈ α   para algum   α ∈ A }

Antes de prosseguir na prova vejamos um pouco mais de perto o conjuntoγ , que pode ser reescrito como:

γ  =

α ∈ A

α = { x ∈ Q :   x ∈ α   para algum   α ∈ A }

γ   e a reuniao de todos os   α   pertencentes a  A. Observe que sendo  A   umsubconjunto de C   cada  α ∈ A   e um corte nos racionais, que, por sua vez, eum subconjunto dos racionais, por exemplo,

351

Page 353: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 353/515

0∗   1∗−(

12 )∗   (

12 )∗−(

52 )∗   (

52 )∗2∗   3∗   4∗   . . .   C−1∗−2∗−3∗−4∗. . . √ 2∗•

0∗   1∗−( 1

2 )∗   ( 12 )∗−( 5

2 )∗−1∗−2∗−3∗−4∗. . .

√ 2∗

A

−3∗ = { x ∈ Q :  x < −1 }

−1∗ = { x ∈ Q :  x < −1 }

( 12 )∗ =

x ∈ Q :  x <   1

2

Entao, para obter  γ   faca  α  varrer todo o conjunto  A,

0∗   1∗−( 1

2 )∗   ( 12 )∗−( 5

2 )∗   ( 52 )∗

2∗   3∗   4∗   . . .   C−1∗−2∗−3∗−4∗. . .

√ 2∗•

0∗   1∗−( 1

2 )∗−( 52 )∗

−1∗−2∗−3∗−4∗. . .

√ 2∗

A↔α

   ←  −

0∗−( 5

2 )∗−1∗−2∗−3∗−4∗. . .

↔  α

x

γ  = α ∈ A α = { x ∈ Q :   x ∈ α   para algum   α ∈ A }

Retomando a prova, vamos provar que  γ   e um corte. Lembramos quepela definicao de corte  (p. 293)  devemos provar os seguintes itens:

i )   γ  = ∅   e   γ  = Q;

ii )   se  r ∈ γ   e   s < r, entao   s ∈ γ ;   (s   racional)

iii)   em γ   nao existe elemento maximo.

i )   De fato, sendo   A

=

∅, existe  α

∈A   e, como  α

=

∅, resulta  γ 

 =

∅.

Sendo  A   limitado superiormente , existe um numero real  m   tal que  α ≤ m,para todo α ∈ A. Como m   e um numero real (corte), existe x   racional, comx ∈ m, sendo assim x ∈ α, para todo α ∈ A, logo, x ∈ γ  e, portanto, γ  = Q.

352

Page 354: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 354/515

0∗   1∗−(

12 )∗   (

12 )∗−(

52 )∗   (

52 )∗2∗   3∗ m 4∗   . . .   C−1∗−2∗−3∗−4∗. . . √ 2∗•

0∗   1∗−( 1

2 )∗−( 52 )∗

−1∗−2∗−3∗−4∗. . .

√ 2∗

A↔α

0   1

− 12

12

− 52

52

2   3  m−1−2−3−4. . .

0   1

− 12

12

− 52

52

2   3

x4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

ii )   Sejam p   e   q  dois racionais quaisquer, com  p ∈ γ   e  q < p. Temos:

 p ∈ γ  ⇒   p ∈ α   para algum   α ∈ A

 p ∈ α   e   q < p ⇒   q  ∈ α

q  ∈ α ⇒   q  ∈ γ.

iii)   Seja  q  ∈ γ  arbitrariamente fixado, logo,  q  ∈ α   para algum  α ∈ A.Como  α   nao tem maximo, existe  p ∈ α, com  p > q . Como  p ∈ α, implica

que   p ∈   γ . Assim, mostramos que para todo   q  ∈   γ   existe   p ∈   γ   tal que p > q . Portanto,   γ   nao tem maximo. Como os tres itens da definicao decorte foram satisfeitos segue que  γ   e um corte.

Unicidade:  Vamos agora provar a unicidade de  γ . Suponhamos que exis-tam dois numeros distintos   γ 1   e   γ 2, com  γ 1   < γ 2   nas condicoes do enun-ciado, isto e,

d)   se α ∈ A   e   β  ∈ B, entao,  α < β . Nestas condicoes, existe um, e apenasum, numero real   γ 1   tal que   α ≤   γ 1 ≤   β , para todo   α ∈   A   e para todoβ  ∈ B.   (reproduzindo apenas o ıtem  d))

E mais,

d)   se α ∈ A   e   β  ∈ B, entao,  α < β . Nestas condicoes, existe um, e apenasum, numero real   γ 2   tal que   α ≤   γ 2 ≤   β , para todo   α ∈   A   e para todoβ  ∈ B.

Pelo teorema 65 (p. 349) existe r∗   satisfazendo γ 1  < r∗ < γ 2 . Temos, porhipotese,  γ 2 ≤ β , para todo  β  ∈ B, sendo assim, se  r∗ ∈ B, teriamos  γ 2 ≤r∗, o que nao pode ocorrer. Como C = A∪B, temos r∗ ∈ A. Analogamente,de   γ 1   < r∗, obtemos  r∗ ∈  B; resultando r∗ ∈  A ∩ B, contradizendo umadas hipoteses. Portanto, nao podemos ter  γ 1   e   γ 2   distintos nas condicoesdo enunciado.

353

Page 355: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 355/515

Como  γ   e a reuniao dos  α   pertencentes a  A, segue que

∀ α ∈ A   ⇒   α ⊂ γ   ⇒   γ  ≥ α.

Esta ultima implicacao decorre da proposicao 33   (p. 316).

Para finalizar, falta mostrar que  γ  ≤ β , para todo β  ∈ B. Suponhamos,ao contrario, que exista  β ′ ∈ B   com β ′  < γ . Observe que   (p. 316)

β ′  < γ   ⇒   β ′ ⊂ γ   e   β ′ = γ 

Daı, existe um racional  r ∈ γ , tal que r ∈ β ′. Como r ∈ γ , entao r   pertencea algum  α ′ ∈ A,

0∗   1∗−( 1

2 )∗   ( 12 )∗−( 5

2 )∗   ( 52 )∗

2∗   3∗   4∗   . . .   C−1∗−2∗−3∗−4∗. . .

√ 2∗•

0∗   1∗−( 1

2)∗   ( 1

2)∗−( 5

2)∗

−1∗−2∗−3∗−4∗. . .γ • A

2∗   3∗β β ′

?4∗   . . .B

γ  = α ∈ A

α =

{x

∈Q :   x

∈α   para algum   α

∈A

}↑r

sendo assim

r ∈ α ′   e   r ∈ β ′   ⇒   α ′ −   β ′ = ∅ ⇒   β ′ < α ′

Contradizendo a hipotese  d)   do teorema.   (p. 351)

354

Page 356: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 356/515

Se observarmos a reta racional com uma “lupa suficientemente poderosa ”

haveremos de constatar que a mesma e toda porosa, isto e, com buracos portoda a parte.

1

20

− 12

12

− 52

3   4   . . .   Q−1−2−3−4. . .

O que fizemos com a construcao d os cortes foi tapar cada um destesburacos, assim:

Q. . .   −4   −3−

52

−2   −1−

12

0

12

1   2

52

3   4   . . .••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••

0∗   1∗−( 1

2)∗   ( 1

2)∗−( 5

2)∗   ( 5

2)∗

2∗   3∗

Ψ

4∗   . . .   C−1∗−2∗−3∗−4∗. . .

√ 2∗

••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••

Por isto diz-se que os reais sao um  completamento dos racionais.Cada uma destas bolinhas usadas para tapar os buracos da reta racional

e o que denominaremos de numero irracional.

Com este teorema   (teo. 66, p. 351)  concluimos a construcao dos reaissegundo Dedekind.

Γ = { A1,  A2,  A3,  A4,  M1,  M2,  M3,  M4,  D,  Ordenado,  Completo        

}

Notacao:   A estrutura construida ate este momento, ainda denotada por C :

C = (C,  +, ·, ≤)

e o que denominamos de um sistema completo. Para Dedekind um sistema 

e completo quando toda incisao possui elemento separador.

Sendo assim, neste momento, as classes de   C   adquirem o status denumeros reais e podemos trocar de notacao, assim:

C = (C,  +, · , ≤) = R

355

Page 357: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 357/515

Completude e Analise Real

Vamos ainda convergir esforcos par derivar um importante teorema quecomparece na Analise Matematica (real) como um axioma, conhecido como“o Axioma do Supremo”.

Corolario 3.   Nas condicoes do teorema 66   (p. 351), ou existe em   A   umnumero maximo, ou, em   B   um numero mınimo.

Nota:   Se necessario, veja na pagina 351 um exemplo onde   A   tem umelemento maximo.

Prova:

Seja   γ  como no teorema 66. Entao, pela hipotese a) do teorema  (p. 351),

γ   esta em A  ou em   B, e, pela hipotese b), em apenas um desses conjuntos.Tendo ainda em conta o seguinte trecho do enunciado do teorema:

“Nestas condicoes,  existe um, e apenas um, numero real  γ   tal que  α ≤γ  ≤ β , para todo  α ∈ A   e para todo β  ∈ B.”

se γ  ∈ A, entao γ   e elemento maximo de A  e, se, γ  ∈ B, entao γ   e elementomınimo de  B .  

Ademais, observe que se o conjunto  A  do teorema 66 nao contiver  γ ,

•0∗   1∗−( 1

2)∗

  ( 1

2)∗−

( 5

2)∗

  ( 5

2)∗2∗   3∗   4∗   . . .   R−1∗−2∗−3∗−4∗. . .

√ 2∗

0∗   1∗−( 1

2)∗   ( 1

2)∗−( 5

2)∗

−1∗−2∗−3∗−4∗. . .

√ 2∗

A ←−

corte em  R   ( 52 )∗

2∗   3∗   4∗   . . .•B  γ 

entao ele e um corte em   R   no sentido da definicao 51   (p. 293) de corte em

Q. A diferenca entre ambas as situacoes e que em um corte em   Q   (emuma incisao para sermos mais precisos) nao se tem necessariamente, comono teorema 66 para numeros reais, um elemento separador γ . Esses buracose que geram os cortes (numeros) irracionais − como ilustramos na figura dapagina 355. Como tais buracos nao ocorrem em  R, entao cortes em  R   naogeram elementos novos.

356

Page 358: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 358/515

O “Axioma” do Supremo

A importancia do teorema a seguir, no sistema dos numeros reais, so-mente foi percebida −   e perfeitamente compreendida −   quase no fim doseculo XIX e, portanto, seu conteudo nao pode ser visto como intuitivo.

Teorema 67   (Teorema do Supremo).   Se   X  ⊂ R   e um conjunto nao vazioe limitado superiormente, entao  X   tem supremo.

Prova: Considere o seguinte subconjunto dos reais,

A = { α ∈ R :  α < x,   para algum   x ∈ X }

este e precisamente o conjunto dos reais que nao sao cotas superiores deX . Ademais, considere o subconjunto:   B  = R − A, constituido pelas cotassuperiores de X . Veja um caso particular deste contexto com  X  = [ 0,  1 [ :

0∗   1∗−( 1

2)∗   ( 1

2)∗−( 5

2)∗   ( 5

2)∗

2∗   3∗   4∗   . . .   R−1∗−2∗−3∗−4∗. . .

√ 2∗•

X 0∗   1∗•x

α−( 52 )∗

−1∗−2∗−3∗−4∗. . .  A

β 2∗   3∗   4∗   . . .B

Vamos mostrar que  A   e   B  satisfazem as condicoes do teorema 66   (p. 351).

As duas primeiras condicoes sao trivialmente satisfeitas. Verifiquemosa terceira condicao. Sendo  X  = ∅, existe  x ∈   X , e assim, qualquer  α <x   pertence a   A, ou seja,   A  = ∅. Por outro lado, como   X   e limitadosuperiormente, temos  B = ∅. Para verificar a ultima condicao do teorema,

sejam   α ∈   A   e   β  ∈   B. Assim, existe   x ∈   X   tal que   α < x. Comoβ  ≥  x, segue que β > α. Sendo assim verificamos que  A   e   B   satisfazemas condicoes do teorema 66, logo, pelo corolario 3   (p. 356), ou   A   possuimaximo, ou   B   p ossui mınimo. Vamos mostrar que a primeira alternativanao pode ocorrer. De fato, tomemos  α   arbitrario em A; logo, existe x ∈ X tal que α < x. Consideremos α ′   tal que   α < α ′ < x. Como α ′  < x, entaoα ′ ∈ A   e e maior do que  α, ou seja, como α  foi arbitrariamente fixado emA, nenhum elemento de A   e maior do que os demais, isto e,  A   nao possuimaximo. Sendo assim, necessariamente   B   possui mınimo, logo,   X   possuisupremo.  

357

Page 359: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 359/515

Teorema 68   (Teorema do  Infimo).   Se   X  ⊂  R   e um conjunto nao vazio elimitado inferiormente, entao  X   tem ınfimo.

Prova: Seja  X  ⊂ R  limitado inferiormente e consideremos o conjunto

−X  = {−x ∈ R :   x ∈ X }

Veja um caso particular deste contexto com  X  = ] 1,  2 ] :

0∗

  1∗

−( 12 )∗   ( 1

2 )∗−( 52 )∗   ( 5

2 )∗2∗

  3∗

  4∗

  . . .   R−

1∗

2∗

3∗

4∗

. . .

√ 2∗

X 1∗   2∗•x

−X −1∗−2∗

•c •−c

•−x

Temos que −X  ⊂   R. Como   X   e limitado inferiormente existe   ν  ∈   R

tal que   ν  ≤   x   para todo   x ∈   X . Disto segue que −ν  ≥ −x   para todo

−x

∈ −X , logo,

 −X   e limitado superiormente. Sendo assim, pelo teorema

do supremo, −X  possui supremo, digamos  c = sup (−X ).Vamos mostrar que −c = inf  X . De fato,  c ≥ −x   para todo −x ∈ −X ,

ou ainda, −c ≤ x  para todo x ∈ X . Sendo assim, −c   e uma cota inferior deX . Suponhamos que exista uma outra cota inferior,   d, de  X   satisfazendo−c < d ≤ x   para todo x ∈ X . De d ≤ x   para todo  x ∈ X , temos −d ≥ −xpara todo −x ∈ −X , logo, −d   e cota superior de −X , porem, temos que−c < d; resumindo o que interessa:

•   c   e supremo de X    (menor cota superior de   X )

• − d   e cota superior de X 

• − d < c   →←Logo, −c   e a maior das cotas inferiores de  X , ou seja, −c = inf  X .  

358

Page 360: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 360/515

A Propriedade arquimediana

R   e um corpo arquimediano. Veja proposicao 42   (p. 379)

O Mito das Ambiguidades nas Representacoes DecimaisNota:   Continuacao da pagina 276.

E aquilo que nesse momento se revelar´ a aos povos, surpreender´ a a todos n˜ ao por ser ex´ otico mas pelo fato de poder ter sempre estado ocultoquando ter´ a sido o ´ obvio.   (O ındio/Caetano Veloso)

Nao faremos aqui uma apresentacao rigorosa das   representac˜ oes deci-mais de n´ umeros reais  − isto ocuparia muito espaco −, o leitor interessadopode consultar por exemplo as obras [8] e [23] citadas nas referencias.

Optei por utilizar este espaco para fazer uma crıtica (“exegese”) ao quese entende na literatura por um dos aspectos destas representacoes.

Segundo meu entendimento, existe um equıvoco por parte dos matematicosno que diz respeito as supostas ambiguidades de tais representacoes decimais.Este equıvoco e o que chamo de mito, ou crenca.

Pois bem, exporei meus argumentos e me coloco a disposicao para even-tuais crıticas. Entao,

• No livro “Meu Professor de Matematica” (4a Edicao) o Prof. Elon LagesLima, trata das representacoes decimais. Na pagina 164 o professor Elonresponde a seguinte duvida de um leitor (Sun Ming):

2a

) O fato de a mesma fracao ordinaria poder ter duas representacoes deci-mais distintas (como 2/5 = 0, 4000 . . .  = 0, 3999 . . .) nao apresenta inconve-niente nem origina paradoxos?

Vamos nos ater ao seguinte trecho da resposta do professor Elon:

“Seria bom que a correspondencia entre numeros racionais e fracoes deci-mais periodicas (dızimas) fosse biunıvoca. Mas nao e. Caso insistamos muitoem ter sua biunivocidade, vamos ter que fazer um sacrifıcio para obte-la.Um sacrifıcio possıvel seria abster-se de considerar decimais ‘exatas’, subs-tituindo sempre todas as fracoes do tipo 5, 183 por 5, 182999 . . .   (por ex-emplo). O outro seria excluir as dızimas que terminam com uma fileira denoves, substituindo-as sempre pela decimal exata obtida suprimindo os nove

e somando 1 ao ultimo algarismo que os precede; isto corresponderia a es-crever sempre 0, 7 em vez de 0, 6999 . . .   Nenhuma dessas escolhas e muitonatural. Por isso me parece mais razoavel que nos resignemos com a faltade biunivocidade. Ha coisas piores no mundo.”

Pois bem, segundo entendo, ha um equıvoco por parte do professor Elon:nao existe falta de biunivocidade, pelo contrario, existe excesso; ademais,uma mesma fracao ordinaria nao possui duas representacoes decimais dis-tintas, como alega o leitor que fez a pergunta.

359

Page 361: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 361/515

Em se tratando de uma questao delicada quanto esta, vamos devagar.

Primeiro mostraremos geometricamente como surgem as “supostas ambigui-dades” nas representacoes decimais. Antes,

Uma decimal   e uma sequencia, cujos termos sao os algarismos:

0,  1,  2,  3,  4,  5,  6,  7,  8,  9

Consideremos o conjunto de todas as decimais representado assim,

{ 0,  1,  2,  3,  4,  5,  6,  7,  8,  9 }∞  = D

Uma sequencia deste conjunto sera representada genericamente assim:

.a1 a2 a3   . . .   (9.15)

o ponto antes dos  ai’ s e para lembrar que estaremos considerando apenas

a representacao decimal de numeros do intervalo [ 0,  1 [.

Vamos, a tıtulo de exemplo, obter a representacao decimal do numeroreal (fracao)   α   =   43

183 . Primeiramente vamos situa-la geometricamente nointervalo unitario em questao, assim:

0 1

   α

Nosso objetivo sera obter a sequencia dada em (9.15) que corresponde aesta fracao − num sentido a ser precisado oportunamente.

Para obter o primeiro termo da sequencia,  a1 , dividamos este intervaloem dez partes iguais, assim:

0 1  α

110

210

310

410

510

610

710

810

910

a1 →   0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

Os subintervalos em sucessivas divisoes a serem efetuadas serao semprenumerados de 0 a 9, como acima.

Como na primeira divisao  α  caiu no subintervalo de numero 2 este e ovalor de  a1 , portanto, ate o momento, podemos escrever

43

183  = .2 a2 a3   . . .

Nota:  Oportunamente precisaremos em que sentido esta igualdade deve serentendida.

360

Page 362: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 362/515

Vamos dividir o intervalo ao qual  α  pertence novamente em dez partes

iguais, assim:

0 1

  α

110

210

310

410

510

610

710

810

910

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

Vamos aplicar um zoom nesta figura, assim:

0 1

  α

110

210

310

410

510

610

710

810

910

a2 →   0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

  α

20100

21100

22100

23100

24100

25100

26100

27100

28100

29100

30100

a2 →   0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

Como na segunda divisao  α  caiu no subintervalo de numero 3 este e ovalor de  a2 , portanto, ate o momento, podemos escrever

43

183 = .2 3 a3   . . .

Dividamos novamente em dez partes o subintervalo ao qual α   pertence,

  α

20100

21100

22100

23100

24100

25100

26100

27100

28100

29100

30100

0 1 2   3 4 5 6 7 8 9

361

Page 363: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 363/515

Vamos aplicar um zoom nesta figura, assim:

  α

20100

21100

22100

23100

24100

25100

26100

27100

28100

29100

30100

a3 →   0 1 2   3 4 5 6 7 8 9

   α

2301000

2311000

2321000

2331000

2341000

2351000

2361000

2371000

2381000

2391000

2401000

a3 →   0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

Como se ve,  α  caiu exatamente em uma das divisoes, qual o valor de  a3 ?

Neste ponto surge o que os matematicos acreditam ser uma “ambigui-dade”, mas nao e assim, como veremos.

Prosseguindo, temos duas alternativas a considerar: ou consideramos  αcomo fazendo parte do extremo direito do subintervalo 4, ou consideramosα   como fazendo parte do extremo esquerdo do subintervalo 5, assim:

1a ) Na primeira alternativa devemos abrir o extremo esquerdo e fechar oextremo direito de cada subintervalo, veja:

  α

2301000

2311000

2321000

2331000

2341000

2351000

2361000

2371000

2381000

2391000

2401000

a3 →   0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

− →

α

2301000

2311000

2321000

2331000

2341000

2351000

2361000

2371000

2381000

2391000

2401000

a3 →   0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

   

Como na terceira divisao  α   caiu no subintervalo de numero 4 este e ovalor de  a3 , portanto, ate o momento, podemos escrever

43

183  = .2 3 4   . . .

Dividamos novamente o subintervalo ao qual  α  pertence em dez partes,

362

Page 364: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 364/515

Page 365: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 365/515

Dividamos novamente o subintervalo ao qual  α  pertence em dez partes,

α

2301000

2311000

2321000

2331000

2341000

2351000

2361000

2371000

2381000

2391000

2401000

a3 →   0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

   

Ou ainda, numerando os novos subintervalos, temos:

α

2301000

2311000

2321000

2331000

2341000

2351000

2361000

2371000

2381000

2391000

2401000

a3 →   0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

↓0

↓9. . .

   

Observe na ultima figura que se continuarmos dividindo indefinidamenteo intervalo ao qual   α   pertence este sempre estara no intervalo de numero0, o que significa que todos os termos da expansao decimal de  α, daqui pordiante, serao iguais a 0, portanto,

43

183  = .2 3 5 0 0 0  . . .

Resumindo, trata-se de uma escolha: se escolhermos a primeira opcaoentao a representacao decimal da fracao   43

183   e   .2 3 4 9 9 9   . . ., neste caso,.2 3 5 0 0 0   . . .   nao e a representacao decimal da fracao em questao.

Se escolhermos a segunda opcao entao a representacao decimal da fracao43

183   e .2 3 5 0 0 0  . . .   neste caso, .2 3 4 9 9 9  . . ., nao e a representacao decimalda fracao em questao. Ou seja, uma vez feita a escolha, como deve ser feita,as supostas ambiguidades desaparecem! Nao existem!

Apenas para reforcar, vejamos mais um exemplo ilustrativo, desta vezconsiderando a expansao proposta pelo leitor Sun Ming,   (p. 359)

2

5 = 0, 4000 . . .  = 0, 3999 . . .

Pois bem, considerando α  =   25 , no intervalo, temos:

0 1   α

364

Page 366: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 366/515

Para obter o primeiro termo da sequencia,  a1 , dividamos este intervalo

em dez partes iguais, assim:

0 1

   α

110

210

310

410

510

610

710

810

910

a1 →   0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

Como se ve,  α  caiu exatamente em uma das divisoes, qual o valor de  a1 ?

Neste ponto surge o que o professor Elon acredita ser uma “ambiguidade”.

Prosseguindo, temos duas alternativas a considerar: ou consideramos  αcomo fazendo parte do extremo direito do subintervalo 3, ou consideramos

α   como fazendo parte do extremo esquerdo do subintervalo 4, assim:

1a ) Na primeira alternativa devemos abrir o extremo esquerdo e fechar oextremo direito de cada subintervalo, veja:

0 1   α

110

210

310

410

510

610

710

810

910

a1 →   0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

− →

0 1110

210

310

410

510

610

710

810

910

a1 →   0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

   

α

Nesta alternativa na primeira divisao α  caiu no subintervalo de numero3, este e o valor de a1 , portanto, ate o momento, podemos escrever

2

5 = .3 a2 a3   . . .

Dividamos novamente o subintervalo ao qual  α  pertence em dez partes,

0 1110

210

310

410

510

610

710

810

910

a2 →   0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

   

α

Ou ainda, numerando os novos subintervalos, temos:

365

Page 367: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 367/515

0 1110

210

310

410

510

610

710

810

910

a2 →   0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

   

α

↓0 ↓9. . .

De modo analogo ao exemplo precedente, temos:

2

5 = .3 9 9 9   . . .

2a ) Na segunda alternativa devemos fechar o extremo esquerdo e abrir oextremo direito de cada subintervalo, assim:

0 1

   α

110

210

310

410

510

610

710

810

910

a1 →   0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

− →

0 1110

210

310

410

510

610

710

810

910

a1 →   0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

   α

Nesta alternativa na primeira divisao α  caiu no subintervalo de numero4, este e o valor de a1 , portanto, ate o momento, podemos escrever

2

5 = .4 a2 a3   . . .

Dividamos novamente o subintervalo ao qual  α  pertence em dez partes,

0 1110

210

310

410

510

610

710

810

910

a2 →   0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

   α

Ou ainda, numerando os novos subintervalos, temos:

366

Page 368: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 368/515

0 1110

210

310

410

510

610

710

810

910

a2 →   0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

   α

↓0 ↓9. . .

De modo analogo ao exemplo precedente, temos:

2

5 = .4 0 0 0   . . .

Uma exegese de nossos resultadosNa referencia [23] o professor Djairo trata das representacoes decimais.

Inicialmente ele considera o conjunto

{ 0,  1,  2,  3,  4,  5,  6,  7,  8,  9 }∞  = D

de todas as decimais. Em seguida define a funcao   f :   D   →   R   pelaexpressao

f (.a1 a2 a3   . . .) =∞

n=1

an

10n

Em seguida observa que  f   esta bem definida mas que nao e injetiva, pois

f .a1   . . . aj−1 (aj − 1 ) 9 9  . . .  =  f (.a1   . . . aj 0 0  . . .)

Mais a frente o professor Djairo escreve: Se definirmos D∗  como o sub-conjunto de D  formado por decimais que nao tem todos os elementos iguaisa 9, a partir de uma certa ordem, entao a funcao f , definida acima, restritaa  D∗   e injetiva . Mostraremos agora que  f   e sobre [ 0,  1 [ e, portanto, temosa seguinte correspondencia biunıvoca

D∗ ↔ [ 0,  1 [

.a1 a2 . . . ↔∞

n=1

an

10n

Considerando nossos dois exemplos vistos,

43

183

.235000 . . .

.234999 . . .  

2

5

.4000 . . .

.3999 . . .  

o que o professor Djairo fez foi fazer uma escolha. Como o professor Elonafirma: “Nenhuma dessas escolhas e muito natural.” ?

367

Page 369: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 369/515

Nao sei o que o professor entende por “muito natural”. No meu en-

tendimento, qualquer uma das escolhas e “muito natural”; digo, sao per-feitamente logicas, tanto e que o professor Djairo fez uma das escolhas.

Ainda acrescentamos mais um pouco: esta escolha deve ser feita − comodemonstramos nos exemplos geometricos  −, porque senao nao ha “repre-sentacao decimal”, uma representacao (prefiro chamar de codificacao) derivade uma bijecao entre dois conjuntos, no caso em questao, conjunto dos reaisno intervalo [ 0,  1 [ e conjunto das decimais (sequencias). Tanto tem que serfeita que o professor Djairo faz a escolha. Segundo entendo, o procedimentodo professor Djairo esta perfeito.

A outra escolha tambem conduz a uma bijecao, digo, se definirmos  Dcomo sendo o subconjunto de  D   formado por decimais que nao tem todos

os elementos iguais a 0, a partir de uma certa ordem, entao a funcao   f ,definida acima, restrita a  D   e   injetiva ,   f   e sobre ] 0,   1 ] e, portanto, temosa seguinte correspondencia biunıvoca

D ↔ ] 0,  1 ]

.a1 a2 . . . ↔∞

n=1

an

10n

Em particular, em um dos nossos exemplos, temos:

0 1110

210

310

410

510

610

710

810

910

a2 →   0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

   

α

↓0 ↓9. . .

Onde obtivemos:2

5 = .3 9 9 9   . . .

Portanto, ao contrario do que o professor Elon afirma:“Por isso me parece mais razo´ avel que nos resignemos com a falta de 

biunivocidade. H´ a coisas piores no mundo.”

nao existe falta de biunivocidade, existe excesso; existem duas aplicacoesbiunıvocas que nos permitem codificar os reais por sequencias. Todavia, emum ponto o professor tem inteira razao:   existem coisas piores no mundosim , por exemplo, nosso Paıs atualmente esta sendo governado por umaquadrilha de ratazanas, bandidos da pior especie: pessoas morrem a mınguanos hospitais, criancas ficam sem a merenda escolar, etc., sim, o professortem razao, ha coisas piores no mundo!

368

Page 370: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 370/515

Retomando, de nossa perspectiva respondemos a Sun Hsien Ming: a

“dupla   igualdadade” 2/5 = 0,  4000 . . .   = 0,  3999 . . .   e valida apenas doponto de vista da convergencia de series,

2

5 =

  4

10 +

  0

102 +

  0

103 + · · · =

  3

10 +

  9

102 +

  9

103  + · · ·

esta dupla igualdade, reiteramos, esta correta. Agora, do ponto de vista dasrepresentacoes decimais ela e falsa, nao tem sustentacao logica. O correto e,

2/5 = 0,  4000 . . . ,   se escolhermos   D∗

ou,

2/5 = 0,  3999 . . . ,   se escolhermos  ˜D.

No caso do livro do professor Djairo, ele faz a primeira escolha acima,o que significa que 0,  3999 . . .,   nao e  a representacao decimal de 2/5.

A igualdade  0, 999 . . . = 1

Um dos resultados mais controversos de toda a matematica diz respeitoa igualdade

0, 999 . . .  = 1 (9.16)

Na referencia∗  o autor faz uma analise das representacoes decimais ondelemos:

“Comecemos com o caso mais simples, que e tambem o mais  intrigante.Trata-se da expressao decimal, ou seja, do numero real

α = 0,  999 . . .  =  9

10 +

  9

100 +

  9

1000 + · · ·

Afirmamos que α  = 1”.   (grifo nosso)

Na referencia†   lemos:

“[· · · ] voce deve ter concluido que 0, 999 . . .   = 1. Esse sinal de igual eigual mesmo! Nao se trata de aproximacao: 0, 999 . . .  e 1 sao duas formasdiferentes de apresentar  o mesmo numero”.   (grifo nosso)

Novamente aqui tenho a impressao de que estes matematicos − e quantospensem assim −   estao equivocados. Primeiramente, observamos que em(9.16) temos dois elementos de natureza completamente distintas, assim:

0, 999 . . .     sequencia

= 1  numero

∗Lima, Elon Lages. et alii  A Matematica do Ensino Medio Vol. 1. Rio de Janeiro:SBM, 1997.

†Brolezzi, Antonio Carlos/Monteiro, Martha Salerno, Matematica: Numeros para que?Universidade de Sao Paulo, Publicacao eletronica.

369

Page 371: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 371/515

O que efetivamente justifica tal igualdade e a bijecao (identificacao),

f   :   D → ] 0,  1 ]

.a1 a2 . . . →∞

n=1

an

10n

Veja isto geometricamente:

0 1110

210

310

410

510

610

710

810

910

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

   

α

↓0

↓9. . .

De outro modo,

f (.999 . . .) =∞

n=1

9

10n  =

  9

10 +

  9

102   +  9

103   + · · · = 1

Insistindo mais um pouco: na p. 70 da obra ja citada −   (rodape p. 369) −  oautor afirma:   (grifo nosso)

“A igualdade 1 = 0, 999 . . .  costuma causar perplexidade aos menos ex-perientes. A unica maneira de dirimir o aparente paradoxo e esclarecer que osımbolo 0, 999 . . .  na realidade significa o numero cujos valores aproximadossao 0, 9, 0, 99, 0, 999 etc. E, como vimos acima, esse numero e 1.”

Como entendo, isto nao faz o menor sentido, na realidade 0, 999 . . .   euma sequencia, nao e um numero, veja:

0, 999 . . .   ⇔   999 . . . ∈  D

Para sequencias nao existem “valores aproximados”. Ademais, observe

que quando afirmamos, no capıtulo 4, que, por exemplo, a sequencia  2   =0 1 0 0 0 0  . . .   e um numero e porque foi construida no conjunto de taissequencias uma estrutura numerica apropriada   (ver p. 126), nao e o casodo conjunto das decimais  D. A igualdade em questao, isto e, 1 = 0, 999 . . .,originou-se apenas de uma bijecao, o que garante apenas uma identificacaoentre estes objetos, nada alem disto! De outro modo, apenas esta identi-ficacao e insuficiente para outorgar a sequencia  .999 . . .  o status de numeroreal.

370

Page 372: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 372/515

Para o leitor que eventualmente ainda nao tenha compreendido nossa

plataforma de argumentacao, vejamos ainda um outro argumento. Con-sidere a dupla igualdade considerada anteriormente:

2

5 = 0, 4000 . . .  = 0, 3999 . . .

O professor Elon acredita que esta e uma igualdadade entre numeros,nos, ao contrario, dizemos que nao. De fato, como o professor Djairo deixaclaro em seu livro mencionado anteriormente  (p. 367) as representacoes deci-mais nada mais sao que sequencias de D. Ora, definimos a igualdade de duassequencias termo a termo, assim,

a1 a2 · · · an · · · = b1 b2 · · · bn · · · ⇐⇒   ai  =   bi,   ∀ i ∈ N∗

Considere novamente a “ambiguidade”,

2

5 = .4000 . . .  =  .3999 . . .

pela definicao de igualdadade entre sequencias, resulta, 4 = 3 e 0 = 9.

Os fantasmas das ambiguidades

A importancia da representacao dos numeros reais em bases outras, comoa binaria, vao muito alem do presente contexto. Por exemplo, na construcaoda famosa  curva de Peano, como ja tivemos oportunidade de mencionar.

Por oportuno, em um outro livro do professor Elon Lages∗   lemos:

“Para ver que   ϕ   e injetiva, basta lembrar que, assim como a repre-sentac˜ ao decimal de um n´ umero x ∈ [ 0,  1 ] e ´ unica, exceto por ambiguidades do tipo  0, 47999 . . .  = 0, 48000 . . .”.

O que vem a confirmar que o professor acredita nos fantasmas das am-biguidades. Achamos que em seu livro o professor Elon complica desne-cessariamente a construcao da referida curva justamente por conta destesfantasmas imaginarios. Nos, como exorcizamos antes os tais fantasmas,obtivemos uma construcao da curva bem mais simples e, ainda por cima,conseguimos construir a “volta da curva de Peano”. Veja p. 134.

∗Lima, Elon Lages.   Espacos Metricos . Rio de Janeiro: IMPA - CNPq,1993/p. 231

371

Page 373: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 373/515

Apendice: Supremo e  Infimo

Intervalos

Dados dois numeros reais   a   e   b, com  a < b, os seguintes conjuntos

[ a, b ] =

x ∈ R :  a ≤ x ≤ b

,   ] − ∞, b ] =

x ∈ R :  x ≤ b

[ a, b [ =

x ∈ R :  a ≤ x < b

,   ] − ∞, b [ =

x ∈ R :  x < b

] a, b ] =

x ∈ R :  a < x ≤ b

,   [ a,  +∞[ =

x ∈ R :  x ≥ a

] a, b [ =

x ∈ R :  a < x < b

,   ] a,  +∞[ =

x ∈ R :  x > a

sao chamados de intervalos. Os quatro intervalos da esquerda sao limita-

dos de extremos  a  e  b. [ a, b ] e um intervalo fechado, [ a, b [ e um intervalofechado a esquerda e aberto a direita, ] a, b ] e um intervalo aberto a es-querda e fechado a direita, ] a, b [ e um intervalo aberto. Podemos dar umainterpretacao geometrica a estes quatro intervalos da seguinte forma:

[ a, b ]a   b

[ a, b [a   b

] a, b ]a   b

] a, b [a   b

Os quatro intervalos da direita nao sao limitados: ]−∞, b ] e um intervaloilimitado a esquerda e limitado a direita, ]−∞, b [ e um intervalo ilimitado a

esquerda e limitado a direita, [ a,  +∞ [ e um intervalo limitado a esquerda eilimitado a direita, ] a,  +∞ [ e um intervalo limitado a esquerda e ilimitado adireita. Podemos dar uma interpretacao geometrica a estes quatro intervalosda seguinte forma:

]−∞, b ]b

]−∞, b [b

[ a, +∞ ]a a

] a, +∞ [

Devido a possibilidade destas interpretacoes e que: ]−∞, b ] e conhecidocomo a semi-reta  esquerda fechada, de origem  b; ]−∞, b [ e conhecido comoa semi-reta  esquerda aberta, de origem b; [ a,  +

∞[ e conhecido como a semi-

reta  direita fechada, de origem   a  e ] a,  +∞ [ e conhecido como a   semi-reta direita aberta, de origem  a.

E conveniente considerarmos  R = ] − ∞,  +∞ [ como a “reta real”.

372

Page 374: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 374/515

Supremo e  Infimo

Os conceitos de supremo e ınfimo sao da maxima importancia tanto noCalculo quanto na Analise Real, como, ademais, em muitas outras areas damatematica. O leitor nao tenha a ilusao de ir muito longe na matematicasem uma perfeita compreensao destes conceitos. Antes definiremos

Definicao 64 (Cota Superior/Cota Inferior).   Seja  K  um subconjunto qual-quer de  R.

(i)  Diz-se que um elemento   µ ∈   R   e  cota superior   de   K   se   µ ≥   k   para todo  k ∈ K .

(ii)  Diz-se que um elemento   ν  ∈   R   e   cota inferior   de   K   se   ν  ≤   k   para todo  k ∈ K .

Uma primeira observacao importante e que a cota superior de um con- junto (se existir) pode ou nao pertencer ao conjunto. Por exemplo, o numeroreal 1 e cota superior dos conjuntos

K  = [ 0,  1 ] e   J  =] 0,  1 [

mas pertence a  K   e nao a J .Observacao analoga vale para a cota inferior.

Note-se que nem sempre um subconjunto K  ⊂ R tem uma cota superiorou uma cota inferior. Por exemplo  Z ⊂ R  e um de tais conjuntos. Todavia,se um conjunto tem uma cota superior, entao admite uma infinidade delas.De fato, se   µ   e uma cota superior de   K , o mesmo se da com   µ +  n, paratodo n ∈ N.

Quando um conjunto admite cota superior, dizemos que ele e   cotadosuperiormente, e quando admite cota inferior, dizemos que e  cotado in-feriormente. Um conjunto dotado de cota superior e de cota inferior diz-sesimplesmente cotado. Um conjunto que nao admite cota superior, ou infe-rior, diz-se  nao-cotado. Por exemplo,

Conjunto Status

a)   Z   Nao cotado

b)   N   Cotado inferiormente

c) ] − ∞,  1 ] Cotado superiormente

d) ] − 1,  1 ] Cotado

Definicao 65   (Supremo).   Seja  K  um subconjunto qualquer de   R. Se  K   e cotado superiormente, uma cota superior de  K   se diz   supremo  de  K   se e menor do que qualquer outra cota superior de  K .

373

Page 375: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 375/515

Em outras palavras: Um numero  µ ∈ R  se diz supremo de um subcon-

 junto K   de  R se satisfaz as duas condicoes:(i) x ≤ µ  para todo  x ∈ K ;

(ii) se  λ   e um numero tal que  x ≤ λ  para todo  x ∈ K , entao  µ ≤ λ.

De fato, pela condicao  (i),  µ  e uma cota superior de  K , e pela  (ii),  µ   emenor que qualquer outra cota superior de  K .

O supremo µ  de um subconjunto  K  de  R, se existir, e unico. De fato, seµ1   e  µ2   sao supremos de  K , entao ambos verificam as condicoes   (i)  e  (ii)acima, logo  µ1 ≤ µ2   e  µ2 ≤ µ1, donde µ1  = µ2 .

Notac˜ ao:   Se  µ  for o supremo de  K , escrevemos:   µ = sup K .

A seguinte caracterizacao do supremo e util em muitas situacoes:

Lema 18.   Seja   K  ⊂   R.   µ   = sup K   se, e somente se,   µ   for uma cota superior de  K  e, dado  ε > 0, existe  k ∈ K   tal que  µ − ε < k.

Prova:

(⇒)  Se  µ  =sup K   e  ε > 0  entao existe  k ∈ K  de modo que  µ − ε < k.Vamos provar isto utilizando a tecnica (T − 4)   (p. 495). Facamos

H 1   :   ε >  0⇒   T :   ∃ k ∈ K   :   µ − ε < k.

H 2   :   µ =sup K 

H 1 ∧ ¬ T   =⇒ ¬ H 2

Suponha que nao exista  k ∈ K   satisfazendo  µ − ε < k. Isto e, suponhaque   µ − ε ≥   k   para todo   k ∈   K . Ora, se   k ≤   µ − ε   para todo   k ∈   K ,significa que µ − ε e uma cota superior de  K . Uma vez que ε > 0 temos queµ − ε < µ, logo nao temos  µ  =sup K   (porquanto  µ  nao e a menor das cotassuperiores de  K ).(⇐)  Se  µ   e uma cota superior de  K  e para todo  ε > 0 dado existe  k ∈  K satisfazendo µ − ε < k  entao µ =sup K .

Ainda mais uma vez utilizemos a tecnica (T − 4). Facamos

H 1   :   µ  e cota superior de  K.⇒   T :   µ =sup K .

H 2   :   ∀ ε >  0  ∃ k ∈ K   :   µ − ε < k.

  H 1 ∧ ¬ T   =⇒ ¬ H 2

Suponhamos  µ  cota superior de  K   e  µ =sup K . Logo,  µ  nao e a menordas cotas superiores de K . Portanto existe ε > 0 tal que µ−ε e cota superiorde K ; o que traz como consequencia que existe  ε > 0 de modo que µ − ε ≥ kpara todo k ∈ K . Isto e exatamente o que buscavamos: a negacao de  H 2.

374

Page 376: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 376/515

Vejamos algumas aplicacoes do lema anterior:

Exemplos:

1)  Encontre o supremo de  K  =

x ∈ R : 0 < x < 1

 = ] 0,  1 [.Vamos mostrar que a cota superior µ  = 1 e o supremo de  K . Para tanto

e suficiente − consoante o lema anterior (⇐) − para todo ε > 0 exibir x ∈ K de modo que 1 − ε < x. Para isto consideremos duas possibilidades:

a)   ε ≥ 1.Se ε ≥ 1 temos 1−ε ≤ 0. Neste caso, tomando por exemplo x  = 1/2, resulta

1 − ε ≤ 0 < x = 1

2.

b)   0 < ε < 1.Neste caso temos

0 < ε <  1   ⇐⇒   0 > −ε > −1⇐⇒ −1 < −ε <  0⇐⇒   0 <  1 − ε <  1.

] [0 1

  

↑1−ε

Vamos tomar, por exemplo, o ponto medio entre 1 − ε  e 1, isto e

x =   1−ε+12   = 1 −   ε

2] [0 1

  

↑  

↑1−ε x

e mostremos que este ponto satisfaz as duas condicoes desejadas:

1 a)   x ∈ K . Pois

0 <  1 −  ε

2  < 1   ⇐⇒   0 < ε < 2.

e, por hipotese, ε < 1.

2 a) 1 − ε < x. Pois

1 − ε < 1 −  ε

2  ⇐⇒   ε >

 ε

2.

Resumindo: dado ε > 0 tomamos

xε  =

12 ,   se   ε ≥ 1;

1 −   ε2 ,   se 0 < ε < 1.

e teremos  xε ∈ K   e 1 − ε < xε, o que prova que sup] 0,  1[= 1.

2)  Mostre que sup K  = 1, onde

K  = 1

2,  2

3,  3

4, · · ·  ,

  n

n + 1, · · ·

.

375

Page 377: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 377/515

Temos que   nn+1   <   1 para todo   n   natural. Sendo assim 1 e uma cota

superior de  K . Consoante o lema anterior, dado  ε >  0 devemos exibir umx ∈ K  de modo que 1−ε < x. Ou ainda: para todo ε > 0 devemos encontrarn ∈ N de modo que

1 − ε <  n

n + 1.

Esta desigualdade e satisfeita para todo   n   natural se 1 − ε <   0 (ε >   1).Sendo assim consideremos 1 − ε ≥ 0 (ε ≤ 1). Entao,

1 − ε <  n

n + 1 ⇐⇒   (1 − ε)(n + 1)  < n

⇐⇒   n >  1 − ε

ε  .

Assim, dado ε > 0, escolhemos um natural  nε  >   1−εε   e teremos

1 − ε <  nε

nε + 1.

o que prova ser sup K  = 1.

Proposicao 39. Se   µ   for uma cota superior de   K   e   µ ∈   K   entao   µ   =sup K .

Prova: Por definicao de sup K  (e tendo em conta que µ e uma cota superiorde  K ) podemos escrever

x ≤ sup K  ≤ µ,   ∀ x ∈ K.

Como, por hipotese, µ ∈ K  temos em particular que  µ ≤ sup K  ≤ µ, dondeµ = sup K .  

A proposicao que acabamos de provar nos permite obter alguns supremosa “olho nu”. Por exemplo, sup ] 0,   1 ] = 1. Porquanto 1 e cota superior de] 0,  1 ] e pertence a este conjunto.

Como mais um exemplo, consideremos

K  =  1

2,  1

4, · · ·  ,

  1

2n, · · ·

Entao, sup K  = 1/2. Isto se deve a que   12n ≤   1

2   para todo  n  natural. Isto e,12   e cota superior de  K  e pertence a  K .

Definicao 66   (Infimo).   Seja   K   um subconjunto qualquer de   R. Se   K   e cotado inferiormente, uma cota inferior de   K   se diz   ınfimo   de   K   se e maior do que qualquer outra cota inferior de  K .

Em outras palavras: Um numero ν  ∈ R se diz ınfimo de um subconjuntoK   de  R  se satisfaz as duas condicoes:

376

Page 378: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 378/515

(i)   x ≥ ν  para todo  x ∈ K ;

(ii)   se  λ   e um numero tal que  x ≥ λ  para todo  x ∈ K , entao ν  ≥ λ.

De fato, pela condicao  (i),  ν   e uma cota inferior de  K , e pela  (ii),  ν   emaior que qualquer outra cota inferior de  K .

O ınfimo ν  de um subconjunto K  de  R, se existir, e unico. De fato, se ν 1e  ν 2   sao ınfimos de  K , entao ambos verificam as condicoes  (i) e  (ii)  acima,logo  ν 1 ≥ ν 2   e  ν 2 ≥ ν 1 , donde  ν 1  = ν 2 .

Notac˜ ao:   Se  ν  for o ınfimo de  K , escrevemos:   ν  = inf  K .

A seguinte caracterizacao do ınfimo e util em muitas situacoes:

Lema 19.  Seja  K  ⊂ R.   ν  = inf  K  se, e somente se,  ν  for uma cota inferior de  K   e, dado  ε > 0, existe  k

 ∈K  tal que  k < ν  + ε.

Prova:

(⇒)  Se  ν  = inf  K   e  ε > 0  entao existe  k ∈ K  de modo que  k < ν  + ε.

Vamos provar isto utilizando a tecnica (T − 4)   (p. 495). Facamos

H 1   :   ε > 0⇒   T :   ∃ k ∈ K   :   k < ν  + ε.

H 2   :   ν  = inf  K 

  H 1 ∧ ¬ T   =⇒ ¬ H 2

Suponha que nao exista  k ∈ K   satisfazendo  k < ν  + ε. Isto e, suponhaque k ≥ ν + ε para todo k ∈ K . Ora, se k ≥ ν + ε para todo k ∈ K , significaque ν + ε e uma cota inferior de K . Uma vez que  ε > 0 temos que  ν + ε > ν ,logo nao temos  ν  = inf  K   (porquanto  ν   nao e a maior das cotas inferioresde  K ).(⇐)  Se  ν   e uma cota inferior de  K  e para todo   ε >  0 dado existe   k ∈  K satisfazendo k < ν  + ε  entao ν  = inf  K .

Ainda mais uma vez utilizemos a tecnica (T − 4). Facamos

H 1   :   ν   e cota inferior de  K.

⇒   T :   ν  = inf  K .H 2   :   ∀ ε >  0  ∃ k ∈ K   :   k < ν  + ε.

  H 1 ∧ ¬ T   =⇒ ¬ H 2

Suponhamos ν   cota inferior de  K   e  ν  = inf  K . Logo,   ν   nao e a maiordas cotas inferiores de  K . Portanto existe  ε > 0 tal que ν  + ε  e cota inferiorde K ; o que traz como consequencia que existe  ε > 0 de modo que k ≥ ν + εpara todo k ∈ K . Isto e exatamente o que buscavamos: a negacao de  H 2.

377

Page 379: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 379/515

Vejamos algumas aplicacoes do lema anterior:

Exemplos1)   Encontre o ınfimo de  K  =

x ∈ R : 0 < x < 1

 = ] 0,  1 [.

Vamos mostrar que a cota inferior  ν  = 0 e o ınfimo de  K . Para tanto esuficiente − consoante o lema anterior (⇐) − para todo  ε > 0 exibir x ∈ K de modo que  x < 0 + ε. Para isto consideremos duas possibilidades:

a)   ε ≥ 1.Se  ε ≥ 1 qualquer  x ∈ K  serve aos nossos propositos, porquanto

x ∈ K   ⇒   0 < x < 1 ≤ ε.

b)   0 < ε <  1.Neste caso e suficiente tomar  xε  =   ε

2 , porquanto

0 < ε <  1  ⇒   0 <  ε

2  <

 1

2⇒   0 < xε  <  1 e   xε  < ε.

2)   Encontre inf  K , onde

K  =

1,  1

2,  1

3, · · ·   ,

  1

n, · · ·

Sendo   1

n   >  0, para todo  n  natural, temos que 0 e uma cota inferior de

K . Para mostrar que 0 = inf  K   e suficiente exibir um  x ∈ K  de modo quex < 0 + ε  qualquer que seja o  ε > 0. Pois bem, dado  ε > 0 escolhamos umnatural  n0   satisfazendo∗  n0 · ε > 1, isto e,   1

n0< ε. Logo  x =   1

n0serve.

3)   Encontre inf  K , onde

K  =

1,

  1

4,  1

8, · · ·   ,

  1

n2, · · ·

Sendo   1n2   > 0, para todo  n  natural, temos que 0 e uma cota inferior de

K . Para mostrar que 0 = inf  K   e suficiente exibir um  x ∈ K  de modo quex < 0 + ε  qualquer que seja o  ε > 0. Pois bem, dado  ε > 0 escolhamos um

natural  n0   satisfazendo  n0 · ε > 1, isto e,   1n0

< ε. Observe que este n0   nao

encerra a questao pois  x  =   1n0

pode nao pertencer a  K . Mas com certeza

n20

 serve aos nossos propositos uma vez que

1

n20

≤   1

n0

< ε.

∗Este natural sempre existe, conforme veremos logo mais.

378

Page 380: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 380/515

Proposicao 40. Se ν  for uma cota inferior de  K  e  ν  ∈ K  entao ν  = inf  K .

Prova: Por definicao de inf  K  (e tendo em conta que  ν   e uma cota inferiorde  K ) podemos escrever

ν  ≤ inf  K  ≤ x,   ∀ x ∈ K.

Como, por hipotese,  ν  ∈  K  temos em particular que  ν  ≤  inf  K  ≤  ν , dondeν  = inf  K .  

A proposicao que acabamos de provar nos permite obter alguns ınfimosa “olho nu”. Por exemplo, inf [ 0,   1 [ = 0. Porquanto 0 e cota inferior de[ 0,  1 [ e pertence a este conjunto.

Proposicao 41. Se   A ⊂ B ⊂ R   entao,   inf  B ≤ inf  A ≤ sup A ≤ sup B.(supondo-se que estes quatro n´ umeros existam.)

Prova: Vamos separar a prova em algumas etapas.

1 a) inf  B ≤ inf  A.

Suponha o contrario, isto e, que inf  A <   inf  B. Como inf  A   e a maiordas cotas inferiores de  A  esta desigualdade implica que inf  B  nao e uma cotainferior de  A   logo, por definicao de cota inferior, existe  x ∈ A de modo quex <  inf  B. Como, por hipotese,  A ⊂ B   temos que  x ∈ B   e  x < inf  B. Istonos diz que inf  B  nao e uma cota inferior de  B . Piada!

2 a) inf  A ≤ sup A.Pela definicao de sup e inf, para todo  x ∈ A temos

inf  A ≤ x ≤ sup A   =⇒   inf  A ≤ sup A.

3 a) sup A ≤ sup B.

Suponha, ao contrario, que sup B <   sup A. Como supA   e a menordas cotas superiores de   A   esta desigualdade implica que sup B   nao e cotasuperior de   A; logo existe   x ∈   A   de modo que   x >   sup B. Como, porhipotese,  A ⊂ B  temos que  x ∈ B  e  x > sup B. Isto nos diz que sup B  naoe uma cota superior de  B . Piada!  

A Propriedade Arquimediana

Uma importante consequencia do teorema do Supremo e que o subcon- junto   N   dos numeros naturais nao e limitado superiormente em   R. Istosignifica, em particular, que dado um real   x, existe um numero natural   nque e maior do que  x. Provemos isto:

Proposicao 42   (Propriedade Arquimediana).   Para todo   x ∈  R   existe um natural  n =  n

x   tal que  nx > x.

379

Page 381: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 381/515

Prova: Suponha que a tese nao se verifica, isto e, para todo n natural ocorre

n ≤   x. Sendo assim   N   e cotado superiormente. Pelo axioma do supremoexiste   µ   = sup N. Como   µ − 1   < µ   segue que   µ − 1 nao pode ser cotasuperior de  N. Sendo assim existe um natural  n0   satisfazendo  n0   > µ − 1,entao   µ < n0   + 1. Como n0  + 1 e natural isto contradiz o fato de ser  µ  osupremo de  N.  

Corolario 4. Se x, y ∈ R, com  x > 0,  entao

(a)   Existe  n ∈ N  de modo que  n · x > y;

(b)   Existe  n ∈ N  de modo que  0 <  1

n  < x;

(c)   Existe  n ∈ N  de modo que  n − 1 ≤ x < n.

Prova:

(a)   Pela proposicao 42 existe um n ∈ N de modo que n > y/x, daı   n ·x > y.

(b)  Ainda pela mesma proposicao existe um n ∈ N de modo que 0 <   1x  < n,

daı 0 <  1

n < x.

(c)  A propriedade arquimediana nos assegura que existem numeros naturaisn   tais que  x < n. Seja n0  o menor desses numeros naturais∗. Entaon

0 −1

≤x < n

0

.  

O ıtem (c)  acima, nos diz que todo real positivo situa-se entre dois naturaisconsecutivos.

Como mais uma aplicacao da propriedade arquimediana vamos provar a

Proposicao 43.   Sejam  a, b, ε ∈ R.   Se ∀ ε >  0,  a − ε ≤ b  entao  a ≤ b.

Prova: A prova sera feita segundo a tecnica (T − 1)   (p. 494). Assumindo anegacao da tese, vamos mostrar que existe um  ε > 0 de modo que  a − ε > b.De fato, supondo a > b temos que a−b >  0. Pela propriedade arquimedianaexiste n0  natural de modo que   1

n0< a − b. Tomemos  ε =   1

n0. Entao

ε =  1

n0

< a − b   ⇒   a − ε > b.

o que contradiz a hipotese.  

∗Estamos invocando o   Princıpio da Boa Ordenac˜ ao: “Todo subconjunto n˜ ao-vazio de n´ umeros naturais possui um menor elemento”.

380

Page 382: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 382/515

Conjuntos Densos

Vamos definir agora um importante conceito topologico:

Definicao 67 (Densidade).  Um subconjunto  X  ⊂ R chama-se  denso em  Rquando todo intervalo aberto   ] a, b [  contem algum ponto de  X .

Mostraremos agora que entre dois reais distintos quaisquer existe umracional e um irracional (a bem da verdade, infinitos racionais e infinitosirracionais!), isto e, mostraremos que o conjunto Q dos numeros racionais eo conjunto  Qc dos numeros irracionais sao ambos densos em  R.

Proposicao 44.   Sejam  a  e  b  n´ umeros reais, com  a < b.

(a)   Ent˜ ao existe um racional  r  satisfazendo  a < r < b;

(b)   Se   µ   e um irracional, ent˜ ao existe um racional   s   tal que o irracional µ · s  satisfaz  a < µ · s < b.

Prova: Sem perda de generalidade vamos supor   a >   0 (caso seja   a <   0trabalhamos com −a >  0).

(a)   Como  b − a >  0, existe −  pelo corolario 4  (b) −  um natural  m  satis-fazendo 0 <  1/m < b − a   (⋆). Pelo corolario 4  (c) aplicado a  m · a, existeum natural  n  satisfazendo

n

−1

≤m

·a < n

  ⇒  n − 1

m   ≤a <

  n

m.

A prova estara completa se mostrarmos que  n/m < b. De fato, caso fossen/m ≥ b  teriamos

a ≥  n − 1

m  ⇒ −a ≤  1 − n

m

⇒   b − a ≤   n

m +

 1 − n

m  =

  1

m.

n

m ≥ b   ⇒   b ≤   n

m

o que contraria a escolha de  m  feita em (⋆).

(b)   Supondo 0 < a < b  e  µ > 0, decorre  a/µ < b/µ. Logo, por (a), existeum racional  s  de modo que  a/µ < s < b/µ. Donde,  a < µ · s < b.  

E facil mostrar que  µ · s   e irracional, assumindo que  µ  seja irracional es  seja racional. De fato, utilizando a tecnica (T − 4)   (p. 495). Facamos

H 1   :   s  e racional⇒   T :   µ · s  e irracional.

H 2   :   µ   e irracional

  H 1 ∧ ¬ T   =⇒ ¬ H 2

381

Page 383: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 383/515

Suponha que  µ · s  seja racional; digamos,  µ · s =  r. Sendo assim µ =   rsresulta racional, por ser o quociente de dois racionais.

∗ ∗ ∗

“ Acreditar na existencia de uma verdade matem´ atica fora do espıritohumano exige do matem´ atico um ato de fe do qual a maioria deles n˜ aoest´ a consciente ”.   (Allan Calder)

Para mim, e suponho que para a maioria dos matem´ aticos, existe uma outra realidade, que chamarei “realidade matem´ atica”; e n˜ ao existe nen-

huma especie de acordo sobre a natureza da realidade matem´ atica entre matem´ aticos ou fil´ osofos. Alguns defendem que ela seja “mental” e que,num certo sentido, n´ os a construimos; outros, que e externo e indepen-dente de n´ os.   Um homem que pudesse dar uma explicac˜ ao convincente da realidade matem´ atica teria solucionado muitıssimos dos problemas mais difıceis da metafısica. Se pudesse incluir realidade fısica em sua explicac˜ ao, ele teria solucionado todos eles .

Eu n˜ ao deveria desejar debater nenhuma destas quest˜ oes aqui, mesmose eu fosse competente para faze-lo, mas expressarei minha pr´ opria posic˜ ao dogmaticamente para evitar mal-entendidos menores. Acreditoque a realidade matem´ atica situa-se fora de n´ os, que nossa func˜ ao seja 

descobrir ou   observ´ a-la   e que os teoremas que demonstramos e que descrevemos com grandiloquencia como nossas “criac˜ oes” sejam sim-plesmente nossas anotac˜ oes das nossas observac˜ oes. Esse ponto de vista 

 foi defendido, de uma forma ou outra, por muitos fil´ osofos de grande reputac˜ ao desde Plat˜ ao em diante e usarei a linguagem que e natural a um homem que a defende.   (Grifo nosso)

(G. H. Hardy/Em defesa de um matem´ atico)

Nota:  Pelos argumentos desenvolvidos no capıtulo 1 deste livro, creio queo homem a que Hardy se refere sou eu mesmo (Gentil). A seguir referencioas paginas onde constam o cerne de meus argumentos em defesa de uma

posicao contraria a de Hardy sobre a   natureza da matematica, como defato sendo estritamente “mental”.

− Filosofia da Vacuidade, 26;− Ser objeto para uma consciencia, 31;−  A Estrutura Cognitiva de Referencia, 36;− Gedankenexperiment, 40;− Teoria da relatividade ontologica, 41;− Adendo, Kant, 43;−  Princıpio antropico, 45.

382

Page 384: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 384/515

Capıtulo 10

NUMEROS REAIS POR

CANTORQue a matem´ atica, em comum com outras formas de arte, pode levar-

nos alem da existencia ordin´ aria, e mostrar-nos alguma coisa da estru-tura em que toda a criac˜ ao se encontra pendurada, n˜ ao e uma ideia nova.

(G. Spencer Brown)

Introducao:

Na literatura constam varias construcoes do sistema de numeros reais([25]), as duas mais “populares” e a dos cortes  de Dedekind e por  sequencias de Cauchy , devida ao matematico russo Georg Cantor (1845-1918).

A1 ) (a + b) + c =  a + (b + c)

A2 )   ∃ 0 ∈ R :   a + 0 = 0 + a =  a

A3 )   a + b =  b + a

A4 )   ∀ a ∈ R, ∃ − a ∈ R :   a + (−a) = 0

M 1 ) (a · b) · c =  a · (b · c)

M 2 )

  ∃1

∈R :   a

·1 = 1

·a =  a

M 3 )   a · b =  b · a

M 4 )   ∀ a ∈ R∗, ∃   a−1 ∈ R :   a · a−1 = 1

D)   a · (b + c) = a · b + a · c

•   Ordenado

•   Completo

R

383

Page 385: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 385/515

O significado de Ordenado e o mesmo dado para os numeros inteiros, p. 154.

A ultima propriedade, “completeza”, e a que distingue os numeros reaisdos racionais, esta dada na 443.

Observacao:   Fazemos questao de ressaltar que esta  nao e a apresentacaoaxiomatica dos reais − como amiude comparece nos livros de Analise Real −,a diferenca e que na apresentacao axiomatica se pede que estas propriedadessejam aceitas, aqui nao pedimos isto, todas serao demonstradas, por isto asdenominamos de “as especificacoes do sistema”.

10.1 pre-requisitos

10.1.1 Sequencias

O estudo das sequencias pode ser feito em espacos gerais, digo, os termosde uma sequencia podem ser ob jetos variados, tais como, numeros, funcoes,matrizes, polinomios, etc. Aqui, para o proposito que temos em vista, nosrestringiremos ao conjunto dos numeros racionais, isto e, iremos focar emsequencias de numeros racionais. Para indexar os termos de uma sequenciairemos utilizar o conjunto dos naturais sem o zero:   N  = { 1,  2,  3, . . . }. Arigor, pelo que temos visto ate aqui, deveriamos considerar este conjuntocomo  N∗, mas por uma questao de conveniencia nao o faremos.

Definicao 68   (Sequencia).   Chamaremos de uma sequencia em   Q   a qual-quer aplicacao (funcao)

r :  N −→   Q

n  −→   r(n)

Para representar a sequencia   r :  N −→ Q  podemos usar livremente qual-quer uma das notacoes:

(r1 , r2 , r3 , . . .) ou (rn

)n∈ N   ou (r

n).

A imagem de  n ∈ N  pela funcao  r , isto e,  r(n), sera abreviada por  rn

; e o

n-esimo termo da sequencia.

Exemplo:   A sequencia (rn

) dada por rn

 =  1

n; na figura a seguir plotamos,

na reta racional, os quatro primeiros termos desta sequencia:

Q. . .   −4   −3

− 52

−2   −1

− 12

0   12

1   2

52

3   4   . . .

r1r2←

Veja esta mesma figura atraves de uma lupa,

384

Page 386: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 386/515

Q−3

− 52

−2   −1

− 12

0   12

1   2r1r2←

Convergencia

Intuitivamente, uma sequencia (rn) e convergente se, a medida que oındice  n   aumenta, o termo  r

n vai-se tornando arbitrariamente proximo de

um certo numero a, chamado o limite  da sequencia. A proximidade entre  rn

e   a e medida pela distancia |rn − a|  entre esses termos. Portanto, dizer quern

  vai se tornando arbitrariamente proximo de a  equivale dizer que |rn− a|

torna-se arbitrariamente pequeno. Vejamos a definicao precisa de

Definicao 69   (Convergencia).   Seja   (rn

)   uma sequencia em   Q. Diremos que  (r

n) converge para  a ∈ Q quando, para todo n´ umero racional   ε >  0  dado

arbitrariamente, existe  n0 ∈ N  tal que 

∀ n ≥ n0   ⇒ |rn − a| < ε.   (10.1)

De outro modo: uma sequencia (rn

) converge para um ponto  a ∈  Q  se,e somente se, fixado um racional   ε > 0, existe uma posicao n0  a partir daqual  a distancia de qualquer termo da sequencia para o ponto a   e menorque   ε.

Uma sequencia que nao converge e dita divergente. A seguir escrevemos,em sımbolos, a definicao de convergencia e sua  negac˜ ao:   (corol. 9, p. 503)

∀ε >  0

  ∃n0

 ∈N   :

  ∀n

≥n0

 ⇒ |rn

 −a

|< ε

∃ ε >  0 :   ∀ n0 ∈ N   ∃ n ≥ n0   ∧ |rn − a| ≥ ε

(convergencia)

(divergencia)

Para indicar que (rn

) converge para  a, usaremos uma das notacoes:

limn→∞ r

n = a   ou lim

nrn

 = a   ou lim rn

 = a   ou   rn→ a.

Uma interpretacao geometrica para a desigualdade

|rn − a| < ε

385

Page 387: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 387/515

e que   rn

, o n-esimo termo da sequencia, pertence ao intervalo aberto de

centro  a   e raio  ε, assim:

|rn − a| < ε   ⇔ −ε < r

n − a < ε   ⇔   a − ε < r

n < a + ε

Lembramos que tudo isto passa-se na reta racional, veja:

Q. . .   −4   −3

− 52

−2   −1

− 12

0   3   4   . . .   ] [

↑ ↑a − ε a + ε

a

rn

Importante!

Deve ficar bem claro (transparente) para o leitor o papel desempenhadopelo numero ε  e o ındice  n0 , na definicao de convergencia. Com este intuitoobservemos o conteudo desta definicao de uma outra perspectiva: Supon-hamos que o leitor queira provar, a um seu −   fictıcio −  adversario, quelim r

n  =  a. Pois bem, seu adversario fornecera a voce leitor os valores de

ε >   0. Para cada valor de   ε −  arbitrariamente fixado −   voce tera quedevolver ao seu adversario um ındice  n0  satisfazendo a condicao

∀ n ≥ n0   ⇒ |rn − a| < ε

Se o leitor conseguir executar esta facanha, para cada valor de  ε  que lhefor fornecido, entao tera provado que a sequencia converge para o ponto  a.

Exemplo:   A sequencia (rn

) dada por rn

 =   1n

, converge para 0, temos:

|rn − a| < ε   ⇔   r

n ∈ ] a − ε, a + ε [

Substituindo  a  = 0, resulta:

|rn − 0| < ε   ⇔   1

n ∈ ] 0 − ε,  0 + ε [

Entao,

1

n ∈] 0

−ε,  0 + ε [

  ⇔ −ε <

  1

n

 < ε

O lado esquerdo da desigualdade acima e satisfeito para qualquer valorde  n, para satisfazer o lado direito devemos apelar para a propriedade ar-quimediana de  Q   (p. 253). Segundo aquela propriedade existe um numeronatural  n0   satisfazendo:

n0 ε > 1   ⇒   n0  > 1

ε  (10.2)

Este  n0   satisfaz (10.1) da definicao 69   (p. 385). Portanto, 0 e o limiteda sequencia dada. Apenas a tıtulo de complementacao, observe que a

386

Page 388: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 388/515

desigualdade (10.2) nos diz que n0   depende (e funcao) do ε   arbitrariamente

fixado. Facamos duas simulacoes:1a )   ε =   5

12 . Neste caso:

n0  > 1

ε  ⇒   n0  >

 12

5  = 2.4   ⇒   n0  = 3.

O que significa que todos os termos da sequencia, a partir do terceiro,caem dentro do intervalo de centro 0 e raio  ε, veja:

−1 

1

r1r2r3r4←    []

↑ ↑0 − ε   0 + ε

2a ) Vamos diminuir o raio,   ε =   940 . Neste caso:

n0  >  1

ε  ⇒   n0  >

 40

9  = 4.444   ⇒   n0  = 5.

O que significa que todos os termos da sequencia, a partir do quinto,caem dentro do intervalo de centro 0 e raio  ε, veja:

−1   0   1

r1r2r3r4

←   

[]↑ ↑0 − ε   0 + ε

Exemplo:   A sequencia (rn

) dada por rn

 =  n

n + 1, converge para 1, temos:

|rn − a| < ε   ⇔   r

n ∈ ] a − ε, a + ε [

Substituindo  a  = 1, resulta:

|rn

 −1|

< ε  ⇔

  n

n + 1 ∈] 1

−ε,  1 + ε [

Entao,

n

n + 1 ∈ ] 1 − ε,  1 + ε [   ⇔   1 − ε <

  n

n + 1 < 1 + ε

Temos duas desigualdades a serem satisfeitas:

nn+1  < 1 + ε  

nn+1  > 1 − ε

387

Page 389: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 389/515

A primeira e sempre satisfeita, como e facil ver. A segunda estara satisfeita

se tomarmos  n >  1ε − 1. Facamos duas simulacoes:

1a )   ε =   411 . Neste caso:

n0  >  1

ε − 1   ⇒   n0  >

 11

4 − 1 = 1.75   ⇒   n0  = 2.

O que significa que todos os termos da sequencia, a partir do segundo,caem dentro do intervalo de centro 1 e raio  ε, veja:

0

  1

  2

r1

12

r2   r3 r4 →  []

↑ ↑1 − ε   1 + ε

2a ) Vamos diminuir o raio,   ε =   1041 . Neste caso:

n0  >  1

ε − 1   ⇒   n0  >

 41

10 − 1 = 3.1   ⇒   n0  = 4.

O que significa que todos os termos da sequencia, a partir do quarto,caem dentro do intervalo de centro 1 e raio  ε, veja:

0   1   2

r1

12

r2   r4

 →  

[]↑ ↑1 − ε   1 + ε

Exemplo: Sequencia constante −   Uma sequencia de termos constantes(a, a, a, . . .) converge para o termo constante. De fato, dentro de qualquerintervalo ] a − ε, a + ε [ estao todos os termos da sequencia.

388

Page 390: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 390/515

10.1.2 Subsequencias

Definicao 70   (Subsequencia).  Dada uma sequencia  r :  N −→ Q e um sub-conjunto (infinito)   N1  = {n1  < n2  < n3  < . . .}  de  N, a restricao

rN1

:  N1 −→ Q

e chamada   subsequencia de (rn

).

Nota:  E importante observar, na definicao acima, que os ındices no conjunto

N1   devem cumprir   dois   requisitos: sao em numero infinito e em ordem

crescente.

Para representar uma subsequencia usaremos uma das notacoes a seguir

(rn1

, rn2

, rn3

, . . .) ou (rn

)n ∈ N1ou (r

nk

)

Exemplo:

Seja a sequencia em  Q dada por  rn

 =   1−(−1)n

2   , isto e, (1,  0,  1,  0, . . .).

Vamos obter duas subsequencias de (rn) escolhendo, por exemplo

N1  = { 1,  3,  5,  7, . . .}   (ımpares)

N2  = { 2,  4,  6,  8, . . .}   (pares)

entao rn

n ∈ N1

= (1,  1,  1,  1, . . .)rn

n ∈ N2

= (0,  0,  0,  0, . . .)

Como retirar um numero arbitrario de subsequencias de uma dadasequencia/Particao dos naturais

Vamos mostrar agora como retirar um numero arbitrario de subsequenciasde uma dada sequencia (r

n). Em um outro contexto, mais tarde, iremos ne-

cessitar do que veremos agora.

Se quisermos retirar duas subsequencias de uma dada sequencia podemosnos valer dos seguintes conjuntos de ındices:

N1  = { 1,  3,  5,  7, . . .}N2  = { 2,  4,  6,  8, . . .}

Assim,

389

Page 391: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 391/515

(r1 r2 r3 r4 r5   . . .)

(r1  r3  r5  r7   . . .)

(r2  r4  r6  r8   . . .)

Se quisermos retirar tres subsequencias de uma dada sequencia podemosnos valer dos seguintes conjuntos de ındices:

N1  = { 1,  4,  7,  10, . . .}N2  = { 2,  5,  8,  11, . . .}N3  = { 3,  6,  9,  12, . . .}

Assim,

(r1 r2 r3 r4 r5   . . .)

(r1  r4  r7  r10   . . .)

(r2  r5  r8  r11   . . .)

(r3  r6  r9  r12   . . .)

E facil inferir a regra de construcao destes conjuntos. Observamos queestes conjuntos sao disjuntos, dois a dois, e que a reuniao dos mesmos resultano conjunto dos naturais. Resumimos estas duas observacoes dizendo queestes conjuntos (de ındices) formam uma  partic˜ ao  dos naturais.

Uma sequencia convergente converge para um unico limite, este e oconteudo da proxima proposicao.

Proposicao 45 (Unicidade do limite).  Seja (rn) uma sequencia convergenteem   Q. Entao e unico o limite dessa sequencia.

Prova: Suponha por absurdo que a   e   b  sejam dois limites distintos de (rn

).

Sendo assim, consoante a definicao 69   (p. 385), dado  ε >  0 existem doisındices  n1   e   n2   tais que,

∀ n ≥ n1   ⇒ |rn − a| < ε.

e,∀ n ≥ n2   ⇒ |r

n − b| < ε.

Tomando n0 ≥

max{

n1

, n2 }

, obtemos

∀ n ≥ n0   ⇒ |rn − a| < ε   e   |r

n − b| < ε.

Aplicando a desigualdade triangular, temos que se  n ≥ n0   acontece

|b − a| = |rn − a + b − r

n| ≤ |r

n − a| + |r

n − b| < 2ε

Portanto, para todo racional  ε >  0 temos que  |b − a|  <  2ε. Como  a =  b,resulta |b − a| > 0; tomemos  ε  =   1

4 |b − a|, para ver o que acontece. Entao,

|b − a| < 2 1

4|b − a| ⇒ |b − a| < 0

390

Page 392: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 392/515

Absurdo. Portanto, o limite de uma sequencia, quando existe, e unico.  

Se uma sequencia converge para um limite   a   entao toda subsequenciadesta sequencia tambem converge para o mesmo limite, este e o conteudoda proxima proposicao. Antes, vejamos um caso paticular. Vimos  (p. 387)

que a sequencia dada por  rn

 =  n

n + 1, converge para 1,

0

  1

  2

r1

12

r2   r3 r4 →  []

↑ ↑1 − ε   1 + ε

Nao e difıcil enxergar, por exemplo, que a subsequencia de ındices ımparesconverge para o mesmo limite 1, bem como a subsequencia de ındices pares.

Proposicao 46.   Se lim rn

  =   a, entao toda subsequencia de (rn

) tambemconverge para  a.

Prova: De fato, seja (rn

)n∈N1

, onde   N1   = { n1   < n2   < n3   < . . . }, uma

subsequencia de

rn

n∈N

.

Dado  ε >  0 devemos exibir um ındice  k ∈ N de modo que

|rnj −

 a|

< ε,  ∀

nj

 ∈N1   :   n

j

 ≥k   (10.3)

Como, por hipotese, (rn

)n∈N  converge para a, entao ∀ ε >  0 dado, existe um

ındice  n0 ∈ N  de modo que

|rn − a| < ε,   ∀ n ≥ n0   (10.4)

como  N1 ⊂ N  e infinito, segue que existe um ındice  k ∈ N1   tal que  k ≥ n0 .

Entao, para todo ındice  nj ∈ N1   tal que  n

j ≥ k ≥ n0   temos, por (10.4),

que |rnj

−  a| < ε  e, portanto, (10.3) estara satisfeita.  

Esta proposicao pode ser util para demonstrar que uma dada sequencia

diverge: e suficiente exibir duas subsequencias convergindo para limites dis-tintos. Por exemplo a sequencia (1, −1,  1, −1,  1, −1, . . .) diverge, visto quetemos duas subsequencias

x2n−1

 = (1,  1,  1, . . .) → 1 e

x2n

 = (−1, −1, −1, . . .) → −1

convergindo para limites distintos.

Sequencias limitadas

Uma sequencia (rn

) sera dita  limitada superiormente se existir  M  ∈  Q

tal que para todo  n ∈ N   se tenha  rn ≤ M .

391

Page 393: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 393/515

Por exemplo, a sequencia dada por   rn

  =  n

n + 1, e limitada superior-

mente, neste caso basta tomar  M  = 1, pois

rn

 =  n

n + 1 ≤ 1,   ∀ n ∈ N.

Analogamente, uma sequencia (rn

) sera dita   limitada inferiormente   seexistir L ∈ Q  tal que para todo  n ∈ N   se tenha  L ≤ r

n.

Por exemplo, a sequencia dada por  rn

 =  n

n + 1, e limitada inferiormente,

neste caso basta tomar  L = 0, pois

0 ≤ rn

 =  n

n + 1,   ∀ n ∈ N.

Uma sequencia limitada superiormente e inferiormente sera dita   limi-tada.

Por exemplo, a sequencia dada por  rn

 =  n

n + 1, e limitada, pois

0 ≤ rn ≤ 1,   ∀ n ∈ N.

Segue da definicao que (rn

) e limitada se e somente se existir uma cons-tante  K > 0 (racional) tal que |r

n| ≤ K   para todo  n ∈  N. Em particular,

isto implica que todos os termos da sequencia estao dentro de um intervalofechado de centro na origem e raio K .

Proposicao 47.   Toda sequencia convergente e limitada.

Prova: Suponhamos que limn

rn

 = a, logo para todo ε > 0 dado, existe um

ındice  n0  de modo que

∀ n ≥ n0   ⇒ |xn − a| < ε   (10.5)

Sendo|x

n| = |x

n − a + a| ≤ |x

n − a| + |a|

entao para todo  n ≥ n0   tem-se

|xn

| ≤ |xn

 −a

|+

|a

|<

|a

|+ ε   (10.6)

onde somamos |a|  na desigualdade (10.5). Seja

K > max |r1 |, |r2 |, . . . , |r

n0−1 |, |a| + ε

Logo, usando (10.6), podemos escrever

|xn| < K,   ∀ n ∈ N.

392

Page 394: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 394/515

Definicao 71.   Sejam

rn

 e

sn

 sequencias em Q. Chama-se soma de

rn

com

sn

 a sequencia

rn

+

sn

 =

rn

 + sn

 =

r1 + s1 , r2 + s2, . . .

Proposicao 48.   Sejam

rn

  e

sn

  sequencias em em  Q. Se lim

nrn

 = a   e

limn

sn

 = b, entao limn

rn

 + sn

 =  a + b.

Prova: Dado  ε >  0, existem, por hipotese, ındices  n1   e   n2   tais que:

∀ n ≥ n1   ⇒ |rn − a| < ε/2

∀ n ≥ n2   ⇒ |sn

− b| < ε/2

Seja n0  = max{ n1 , n2 }, entao

∀ n ≥ n0   ⇒ |(rn

 + sn

) − (a + b)| ≤ |rn − a| + |s

n − b| < ε

o que implica (rn

 + sn

) → a + b.  

Proposicao 49.   Se (rn

) e uma sequencia convergente em  Q   entao,

limn − rn = − limn rn

Prova: Suponha limn

rn

 = a, entao dado   ε > 0 existe um ındice   n0   tal que

∀ n ≥ n0   ⇒ |rn − a| < ε

⇒ |(−1)(rn − a)| < ε

⇒ |(−rn

) − (−a)| < ε

⇒   limn

(−rn

) = −a.

Corolario 5.   Sejam

rn

  e

sn

  sequencias em em   Q. Se lim

nrn

  =   a   e

limn

sn

 = b, entao limn

rn − s

n

 =  a − b.

Definicao 72.   Sejam

rn

  e

sn

 sequencias em  Q. Chama-se produto de

rn

  com

sn

 a sequencia

rn

· sn

 =

rn · s

n

 =

r1 · s1 , r2 · s2, . . .

393

Page 395: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 395/515

Uma importante proposicao vem dada a seguir:

Proposicao 50.   Se limn

rn

  = 0 e ( sn

 ) e uma sequencia limitada, entao

limn

(rn · s

n) = 0

Prova: Existe   K >  0 tal que |sn| ≤  K   para todo ındice   n. Fixado arbi-

trariamente ε > 0, existe  n0 ∈ N tal que

n ≥ n0   =⇒ |rn − 0| <

  ε

Sendo assim,

n ≥ n0   =⇒ |rn · s

n| = |r

n| · |s

n| <   ε

K  · K  = ε   =⇒   lim

n(r

n · s

n) = 0.

Proposicao 51.   Se limn

rn

 = a, entao limn

|rn| = |a|.

Prova:   E uma decorrencia imediata da desigualdade (Provar em  Q):|rn| − |a| ≤ |r

n − a|

Da definicao de limite e da proposicao anterior podemos escrever

limn

rn

 = a  ⇔   limn

(rn − a) = 0 ⇔   lim

n|r

n − a| = 0.   (10.7)

Proposicao 52.   Se limn

rn

 = a   e limn

sn

 = b, entao

limn

(rn ·  s

n) = lim

nrn ·   lim

nsn

 = a · b

Prova: Temos

rn

 sn

− a b =  rn

 sn

− rn

 b + rn

 b − a b =  rn

(sn − b) + (r

n − a) b.

Tendo em conta que (rn

) e uma sequencia limitada e lim(sn−b) = 0 segue

que limn

[ rn

(sn − b)] = 0. Por razoes analogas, lim

n[ (r

n − a) b ] = 0. Sendo

assim, obtemos

limn

( rn

 sn − a b ) = lim

n[ r

n(s

n − b) ] + lim

n[ (r

n − a)b ] = 0,

donde, limn

( rn ·  s

n ) = a · b.  

394

Page 396: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 396/515

Sequencia monotonas

Definicao 73  (Sequencia monotona crescente).   Uma sequencia (rn

) seradita monotona crescente se   r

n ≤ r

n+1   para todo ındice  n.

Exemplo:   A sequencia (rn

) dada por  rn

  =  n

n + 1, e monotona crescente,

pois,

rn ≤ r

n+1   ⇔   n

n + 1 ≤   n + 1

(n + 1) + 1

Geometricamente, temos

0

  1

  2

r1

12

r2   r3 r4 →

Definicao 74 (Sequencia monotona decrescente).  Uma sequencia (rn

) seradita monotona decrescente se   r

n ≥ r

n+1   para todo ındice  n.

Exemplo:   A sequencia (rn

) dada por   rn

  =  1

n, e monotona decrescente,

pois,

rn

 ≥rn+1

  ⇔  1

n ≥  1

n + 1Geometricamente, temos

−1 

1

r1r2r3r4←

∗ ∗ ∗Hardy abominava a polıtica, considerava repelente a matem´ atica apli-

cada e via a matematica pura como um objetivo estetico, que deveria ser praticada como um fim em si mesmo, como a poesia ou a m´ usica.

(Livro:  Uma mente brilhante /Sylvia Nasar, p. 100)

395

Page 397: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 397/515

10.1.3 Sequencias de Cauchy

Definicao 75   (Sequencias de Cauchy).   Seja (rn

) uma sequencia em   Q.Diremos que (r

n) e uma   sequencia de Cauchy   se dado   ε >   0 existir um

ındice  n0   tal que∀ m, n ≥ n0   ⇒ |r

m − r

n| < ε.

A seguir escrevemos em sımbolos a definicao anterior e sua negacao:

∀ ∃   :   ∀   ( m, n ≥ n0 )  ⇒ |rm−rn | < εε>0   n0 ∈N   m, n ∈ N

∃   :   ∀ ∃   ( m, n ≥ n0 )  ∧ |rm−rn |≥ εε>0   n0 ∈ N   m, n ∈ N

Toda sequencia convergente e uma sequencia de Cauchy, este e o conteudoda proxima proposicao.

Proposicao 53.   Se (rn

) e uma sequencia convergente em  Q, entao (rn

) ede Cauchy.

Prova: Consideremos (rn) uma sequencia convergente e seja lim rn   =  a.Entao dado  ε >  0 existe  n0   tal que |rn − a|  <   ε

2  para todo  n ≥  n0. Logo,para  m, n ≥ n0   temos

|rm − r

n| ≤ |r

m − a| + |a − r

n| <

 ε

2 +

 ε

2 = ε

entao,  m, n ≥ n0   =⇒ |rm − r

n| < ε.  

Sendo assim, obtivemos uma condicao sobre os termos da sequencia naqual nao intervem o limite  a. Intuitivamente essa condicao nos mostra quese uma sequencia (r

n) e convergente entao, para ındices suficientemente

grandes, seus termos aproximam-se arbitrariamente um dos outros.

E o caso, por exemplo, da sequencia sequencia (rn) dada por dada porrn

 =  n

n + 1, veja:

0

  1

  2

r1

12

r2   r3 r4 →  []

↑ ↑1 − ε   1 + ε

396

Page 398: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 398/515

Proposicao 54.   Toda sequencia de Cauchy e limitada.

Prova: Seja (rn

) uma sequencia de Cauchy em  Q. Entao para ε  = 1, existeum ındice  n0   tal que

∀ m, n ≥ n0   ⇒ |rn − r

m| < 1

fixemos m  =  n0 , entao

∀ n ≥ n0  ⇒ |rn − r

n0| < 1

Por outro lado, temos

|rn| − |r

n0| < |r

n − r

n0| < 1

Logo,|r

n| < 1 + |r

n0|,   ∀ n ≥ n0

Tomando,M  = max{ |r1 |, . . . , |r

n0−1 |,  1 + |rn0

| }Segue que

|rn| ≤ M,   ∀ n ∈ N.

Proposicao 55.   Se (rn) e uma sequencia monotona crescente e limitadasuperiormente, entao (r

n) e de Cauchy.

Prova: Seja (rn

) uma sequencia monotona crescente e limitada superior-mente, entao existe  M  ∈ Q, satisfazendo

rn ≤ M,   ∀ n ∈ N.   (10.8)

Seja   ε > 0 e consideremos o conjunto,

S  =

z ∈ Z+ :   z ≤   M  − r

n

ε  , ∀ n ∈ N

Vamos abrir um parenteses aqui para exemplificar este conjunto para a

sequencia (rn

) dada por  rn

 =   nn + 1

; fixando  ε  =   110 , e escolhendo   M   = 1

em (10.8), resulta:

S  =

z ∈ Z+ :   z ≤1 −   n

n + 11/10

  , ∀ n ∈ N

Ou ainda,

S  =

z ∈ Z+ :   z ≤ 10  1

n + 1, ∀ n ∈ N

 = { 0 }

397

Page 399: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 399/515

Vejamos como  S   depende de  M , seja agora  M  = 2, entao:

S  =

z ∈ Z+ :   z ≤2 −   n

n + 11/10

  , ∀ n ∈ N

Ou ainda,

S  =

z ∈ Z+ :   z ≤ 10 n + 2

n + 1, ∀ n ∈ N

 = { 0,  1,  2,  3, . . . ,  10 }

Em ambos os casos constatamos que S   e limitado superiormente. Vamosprovar isto.

Como (rn) e monotona crescente e limitada temos   M  − r1

ε  e o maior

valor que M  − r

n

ε  assume. Mas este e um valor racional, precisamos mostrar

que S   e limitado em  Z+. De fato, como  Q   e arquimediano existe  n ∈ N   de

modo que  n ε > M  − r1 , logo,   n >  M  − r1

ε  ; mas como  N ⊂ Z+ segue que

n ∈ Z+ e  M  − r1

ε  < n, portanto,  S   e limitado em  Z+.

S   e nao vazio pois 0 ∈   S . Logo, pelo PBO2   (p. 195), segue que   S possui um maior elemento que denotaremos por  λ.

Como  λ

∈S   e   λ + 1

∈S , temos que

λ ε ≤ M  − rn

 ,   ∀ n ∈ N

e existe   n0 ∈ N   tal que

M  − rn0

< (λ + 1) ε

Portanto, para  m, n > n0 , segue das desigualdades anteriores e da hipotesede (r

n) ser monotona crescente:

M  − rm ≤ M  − r

n0< (λ + 1) ε ≤ M  − r

n + ε,

logo, |rn − r

m| = r

n− r

m < ε

e portanto (rn

) e de Cauchy.  

Vimos na proposicao 53   (p. 396)  que toda sequencia convergente e deCauchy, veremos agora que a proposicao reciproca e falsa.

Exemplo:   A fim de dar um exemplo de uma sequencia de Cauchy que naoe convergente, consideremos a sequencia (r

n) dada pela seguinte formula de

recorrencia

r1  = 1 , rn+1  =

  4 rn

2 + r2n

,   ∀ n ≥ 1.

398

Page 400: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 400/515

Antes de mais nada a tabela a seguir plota os cinco primeiros termos

desta sequencia, bem como os respectivos quadrados (com onze decimais):

n rn

  r2n

1 1.00000000000 1.00000000000

2 1.33333333333 1.77777777777

3 1.41176470588 1.99307958477

4 1.41421143847 1.9999939927

5 1.41421356237 1.99999999999

Lema 20.   Para todo  n ∈ N,   rn ≥ 1 e   r2

n < 2.

Prova: Por inducao sobre  n. Para  n = 1, temos

1 = r1  = r21

 < 2

Verdadeiro. Suponhamos rn ≥ 1 e   r2

n < 2, logo

 rn ≥ 1   ⇒   4 r

n ≥ 4

r2n

 < 2   ⇒   2 + r2n

 < 2 + 2   ⇒ 2 + r2

n

−1> (2 + 2)−1

Multiplicando, temos

4 rn

2 + r2

n

−1 > 4 · (2 + 2)−1

Logo,

rn+1  =

  4 rn

2 + r2n

> 1

Por outro lado, temos

r2n+1

 =  16 r2

n2 + r2

n

2  =

  16 r2n

2 − r2n

2+ 8 r2

n

< 16 r2

n

8 r2n

= 2

Proposicao 56.   A sequencia (rn

) e de Cauchy.

Prova: Pelo lema 20 segue que (rn) e limitada superiormente. De fato,r2n

 < 2  <   4, logo  rn

 < 2. Ademais, (rn

) e monotona crescente, pois

rn+1 − r

n =

  4 rn

2 + r2n

− rn

 =  r

n

2 − r2

n

2 + r2

n

> 0

Segue da proposicao 55   (p. 397) que (rn

) e de Cauchy.  

399

Page 401: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 401/515

A sequencia em questao nao e convergente em   Q, pois se fosse conver-

gente com, digamos, limn rn  = a, teriamos

rn+1  =

  4 rn

2 + r2n

⇒   limn

rn+1

2 + r2

n

 = lim

n4 r

n

Tendo em conta as proposicoes 46   (p. 391), 52   (p. 394)   e 48   (p. 393),podemos escrever

a (2 + a2) = 4 a

Observe que  a = 0 (pois  rn ≥ 1, para todo n), logo,  a2 = 2.

Ja provamos   (prop. 29, p. 296) que nao existe um numero racional cujoquadrado seja igual a 2.

De uma perspectiva informal podemos afirmar que a sequencia (rn) donosso exemplo nao converge em  Q  pela razao de que existe um “buraco” nareta racional. Veja isto geometricamente:

0

  1

  2

1a

Qr1   r2

−→rn

  ↑buraco

A construcao de Cantor dos numeros reais tem por objetivo tapar bura-cos como este de modo que a reciproca da proposicao 53 (p. 396) seja sempreverdadeira. Ou ainda, a construcao dos reais pelo metodo de Cantor tempor objetivo ampliar (estender, completar) o corpo   Q   de modo que toda

sequencia de Cauchy seja convergente.Nota:  Observe na definicao de convergencia   (p. 385)  que uma sequencia sopode convergir para um ponto do proprio espaco, no caso  Q.

Para o proximo exemplo estaremos considerando a seguinte abreviacao:

n! = 1 · 2 · 3 · 4 · . . . · n

Exemplo:   Vejamos ainda um outro exemplo de uma sequencia de Cauchyque nao e convergente, consideremos a sequencia (r

n) dada por

rn

 = 1 +  1

1! +

  1

2! + · · · +

  1

n!

400

Page 402: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 402/515

Antes de mais nada a tabela a seguir plota os seis primeiros termos desta

sequencia, bem como os respectivos quadrados (com onze decimais):

n rn

1 2.00000000000

2 2.50000000000

3 2.66666666667

4 2.70833333334

5 2.71666666667

6 2.71805555556

A sequencia e monotona crescente uma vez que   rn+1

  origina-se de   rn

  pelaadicao do incremento   1

(n+1)! . Ademais, os valores rn

  sao limitados superi-ormente por 3, isto e

rn

 < 3 (10.9)

De fato, primeiro observamos que

1

k! =

  1

2

1

3 · · · 1

k  <

  1

2

1

2 · · · 1

2 =

  1

2k−1

portanto,

rn

 = 1 +  1

1! +

  1

2! +

  1

3! + · · · +

  1

n!

< 1 + (1) +   1

22−1

+   1

23−1

+ · · · +

  1

2n−1

= 1 + 1 +

 1

2 +

  1

22 + · · · +

  1

2n−1

Logo,

rn

 < 1 + 1 + 1

2 +

  1

22 + · · · +

  1

2n−1

 = 1 +

 1 − ( 12 )n

1 −   12

< 3

Onde utilizamos a formula para a soma dos termos de uma progress ao

geometrica:   S n  = a1 1−qn

1−q   .Sendo (r

n) uma sequencia monotona crescente e limitada, entao e de

Cauchy. Para provar que esta sequencia nao converge para um numeroracional inicialmente facamos,

e = limn

rn

Vamos escrever   e   como a “serie infinita”

e = 1 +  1

1! +

  1

2! +

  1

3! + · · · +

  1

n! + · · ·

401

Page 403: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 403/515

Faremos uma prova indireta, supondo que   e   =   pq   seja um numero

racional ( p, q  ∈ N), devemos construir um absurdo a partir desta hipotese.Entao, temos

 p

q   = 1 +

  1

1! +

  1

2! +

  1

3! + · · · +

  1

q ! +

  1

(q  + 1)! +

  1

(q  + 2)! + · · ·

Isto e,

 p

q  −

1 +

  1

1! +

  1

2! +

  1

3! + · · · +

  1

q !

 =

  1

(q  + 1)! +

  1

(q  + 2)! + · · ·

Agora faremos uma estimativa do lado direito desta equacao,

1

(q  + 1)! +

  1

(q  + 2)! + · · · =

  1

(q  + 1) q ! +

  1

(q  + 2) (q  + 1) q ! + · · ·

=  1

q !

  1

(q  + 1) +

  1

(q  + 2) (q  + 1) + · · ·

<  1

q !

  1

(q  + 1) +

  1

(q  + 1)2  + · · ·

A expressao entre colchetes e a soma de uma progressao geometrica com

infinitos termos, a qual para 0 < r < 1 tem soma igual a  r

1 − r

, logo,

1

(q  + 1) +

  1

(q  + 1)2 + · · · =

1(q+1)

1 −   1(q+1)

=  1

Retomando, temos

 p

q  −

1 +

  1

1! +

  1

2! +

  1

3! + · · · +

  1

q !

 <

  1

q !

1

Multiplicando ambos os membros por  q !, resulta:

0 < q ! p

q  −

1 +   11!

 +   12!

 +   13!

 + · · · +   1q !

  <  1

Esta desigualdade encerra uma contradicao: o termo do meio e um inteiropois   q ! cancela todos os denominadores das fracoes que comparecem entrecolchetes; ora, mas isto e impossıvel pois 1/q  ≤   1, e teriamos um inteiropositivo estritamente menor que 1.

A importancia do conceito de limite na matematica consiste no fato deque muitos objetos (funcoes, numeros, etc.) sao definidos apenas como limi-tes − muitas vezes como limites de sequencias monotonas limitadas.

402

Page 404: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 404/515

Por exemplo, um famoso numero na matematica e o numero de Euler,

e, base do logaritmo neperiano, que pode ser definido como o limite∗

e = limn

rn

  = limn→∞

1 +

  1

1! +

  1

2! + · · · +

  1

n!

A ideia de Cantor, para a ampliacao dos numeros racionais, foi a de fazer

corresponder, a cada sequencia de Cauchy de numeros racionais, um numeroreal. Observe que, se

rn

  converge para  a   e

sn

 converge para 0, entao,

pela proposicao 48  (p. 393)  (rn

 + sn

) → a + 0 = a.

Conclusao: para um numero racional a  pode-se fazer corresponder infini-tas sequencias de numeros racionais, que para ele convergem, donde conclui-se que a correspondencia sequencia↔numero nao e biunıvoca.

Para os nossos propositos sera suficiente agrupar em um mesmo conjuntotodas as sequencias que convergem para um mesmo limite, isto pode ser feitoatraves de uma relacao de equivalencia.

O conjunto de todas as sequencias de Cauchy de numeros racionais seradenotado por A, −  Augustin-Louis Cauchy (1789-1857) −, em sımbolos:

A  =

  (rn

), rn ∈ Q :

∀ ∃   :   ∀   ( m, n ≥ n0 )  ⇒ |rm−rn | < ε

ε>0   n0 ∈N   m, n ∈ N

Observe que, em particular, estao neste conjunto todas as sequencias con-

vergentes  (prop. 53, p. 396), mas nao apenas estas, estao tambem sequenciasque nao convergem, como as dos exemplos dados nas paginas 398 e 400.

Pelo corolario 5  (p. 393) se duas sequencias

rn

  e

sn

 convergem para

o mesmo racional   a , entao a sequencia

rn − s

n

  converge para 0. Isto

motiva a seguinte

Definicao 76.  Dados dois elementos (rn

) e (r′n

) do conjunto A, diremosque (r

n) ∼ (r′

n), se e somente se, (r

n − r′

n) → 0.

Em palavras: dadas duas sequencias de Cauchy, (rn) e (r′n

), diremos

que (rn) ∼  (r′n), se e somente se, a sequencia constituida pelas diferencasdos termos de mesma ordem nas duas sequencias, converge para 0.

Vamos provar que a relacao definida acima e de equivalencia.

Prova: Acompanhe pela definicao 10:   (p. 63)

( i ) Reflexividade.

(rn

) ∼ (rn

) pois (rn − r

n) = (0,  0,  0, . . .) → 0

∗Este limite existe nao em   Q, como ja provamos, mas numa extensao de   Q, a qualdenominaremos de numeros reais.

403

Page 405: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 405/515

( ii ) Simetria.

(rn

) ∼ (r′n

)   ⇒   (rn − r′

n) → 0

⇒ −(rn − r′

n) → −0

⇒   (r′n − r

n) → 0

⇒   (rn

)′ ∼ (rn

)

Na segunda implicacao acima utilizamos a proposicao 49   (p. 393).

( iii ) Transitividade.

Sejam(r

n)

∼(r′

n) e (r′

n)

∼(r′′

n)

Por hipotese temos

(rn − r′

n) → 0 e (r′

n − r′′

n) → 0

devemos mostrar que

(rn

) ∼ (r′′n

) isto e (rn − r′′

n) → 0

Temos

limn

(rn−r′′

n) = lim

n[ (r

n−r′

n) + (r′

n−r′′

n) ] = lim

n(r

n−r′

n) + lim

n(r′

n−r′′

n) = 0

Lembramos que esta relacao de equivalencia sobre o conjunto  A   deter-mina uma particao deste conjunto em celulas (“gavetas”),

A/∼

(rn

)

Onde cada celula da particao e uma classe de equivalencia.

(rn

) =

  (r′n

) ∈ A :

(r′n

) ∼ (rn

)

Exemplo:

Encontre a classe de equivalencia da sequencia dada por  rn =

  n

n + 1.

Solucao:   Temos,

(r′n

) ∈ (rn

)   ⇔   (r′n

) ∼ (rn

)   ⇔   (r′n − r

n) → 0

404

Page 406: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 406/515

Ainda,

limn (r′n − rn) = 0

Portanto,

(rn

) =

  (r′n

) ∈ A :

limn

(r′n − r

n) = 0

Em particular, se (r′n

) e convergente, podemos fazer

limn

(r′n − r

n) = 0   ⇔   lim

nr′n

 = limn

rn

 = 1

Todas as sequencias de racionais que convergem para 1 pertencem a (rn

).

Conjunto-quocienteSegundo a definicao 12   (p. 66)  o conjunto formado por todas as classes

de equivalencia modulo ∼   sera indicado por A/ ∼  e chamado o  conjunto-quociente  de A   por ∼. A tıtulo de simplificacao notacional este conjuntosera denotado por C, −   Georg Cantor  (1845-1918) −, em sımbolos:

A/∼ = COu ainda,

C = (r

n

) : (rn

)∈ A

Este e o hardware sobre o qual deveremos erigir o sistema dos numerosreais −   de tal modo que todas as especificacoes no retangulo amarelo dapagina 383 sejam satisfeitas. Em sımbolos:

A1) (a + b) + c = a + (b + c)

A2)  ∃ 0 ∈ R :  a  + 0 = 0 + a = a

A3)  a + b = b + a

A4)  ∀ a ∈ R, ∃ − a ∈ R :  a  + (−a) = 0

M 1) (a · b) · c = a · (b · c)

M 2)  ∃ 1 ∈ R :  a · 1 = 1 · a = a

M 3)  a · b = b · a

M 4)  ∀ a ∈ R∗, ∃  a −1 ∈ R :  a · a−1 = 1

D)  a · (b + c) =  a · b + a · c

•  Ordenado

•   Completo

R

C,   )(R = ↑Hardware

↑Software

Enfatizamos que na presente construcao do sistema dos numeros reaisum numero real sera nada mais nada menos que uma classe de equivalencia,isto e uma celula da particao do conjunto a seguir:

405

Page 407: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 407/515

C

(rn

)

↑Isto sera um numero real

Daı que devemos inicialmente definir duas operacoes em C , uma quechamaremos de adicao e outra que chamaremos de multiplicacao. Antesvamos provar que a soma e o produto de sequencias de Cauchy sao ainda

sequencias de Cauchy.Proposicao 57.   Se (r

n) e (r′

n) sao sequencias de Cauchy, entao (r

n + r′

n)

e tambem uma sequencia de Cauchy.

Prova: Sejam (rn

) e (r′n

) sequencias de Cauchy, logo, dado  ε >  0 existen0 ∈ N   tal que:

∀ m, n ≥ n0   ⇒ |rm − r

n| <

  ε

2e

∀ m, n ≥ n0   ⇒ |r′m − r′

n| <

  ε

2

Portanto,

|(rn

 + r′n

) − (rm

 + r′m

)| = |(rn − r

m) + (r′

n − r′

m)|

≤ |rn − r

m| + |r′

n − r′

m|

<  ε

2 +

 ε

2 = ε

Esta desigualdade vale para ∀ m, n ≥ n0. Assim, a soma (rn

 + r′n

) e umasequencia de Cauchy.  

Proposicao 58.   Se (rn

) e (r′n

) sao sequencias de Cauchy, entao (rn · r′

n)

e tambem uma sequencia de Cauchy.

Prova: Sejam (rn) e (r′n) sequencias de Cauchy. Pela proposicao 54   (p.397)   existem constantes positivas   M 1   e   M 2   tais que

|rn | ≤ M 1   e   |r′n| ≤ M 2 ,   ∀ n ∈ N

Tomando M  = max{ M 1 , M 2 }, resulta

|rn| ≤ M    e   |r′

n| ≤ M ,   ∀ n ∈ N

Dado  ε > 0, existe  n0 ∈ N  tal que se  m, n ≥ n0 , teremos

|rm − r

n| <

  ε

2M   e   |r′

m − r′

n| <

  ε

2M 

406

Page 408: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 408/515

Entao,

|rm

 r′m − r

n r′n| = |r

m (r′

m − r′

n) + r′

n(r

m − r

n)|

≤ |rm| |r′

m − r′

n| + |r′

n| |r

m − r

n|

< M   ε

2M   + M 

  ε

2M   = ε

Esta desigualdade vale para ∀m, n ≥ n0 . Assim, o produto (rn

· r′n

) e umasequencia de Cauchy.  

Proposicao 59.

Se (rn

)

∼(r′

n) e (s

n)

∼(s′

n),   entao (r

n + s

n)

∼(r′

n + s′

n).

Prova: Consideremos a identidade,

(rn

 + sn

) − (r′n

 + s′n

) = (rn − r′

n) + (s

n − s′

n)

Fazendo a passagem ao limite, temos

limn

[ (rn

 + sn

) − (r′n

 + s′n

) ] = limn

[ (rn − r′

n) + (s

n − s′

n) ] = 0

A ultima igualdade decorre da hipotese.  

Respaldados nas proposicoes 57 e 59 introduziremos agora uma operacaode adicao no conjunto

C  =

(rn

) : (rn

) ∈ A

Definicao 77   (Adicao em C ).   Sejam  α  = (rn

) e   β  = (sn

) elementos deC. Definimos a soma de  α   e   β  como

α + β  = (rn

) + (sn

) = (rn

) + (sn

)

Nosso proximo passo sera demonstrar que a adicao satisfaz as quatroprimeiras propriedades no retangulo amarelo da pagina 383.

407

Page 409: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 409/515

Teorema 69   (Associatividade).   Sejam   α   = (rn

),   β   = (sn

) e   γ   = (tn

),

elementos em C. Vale a seguinte igualdade:A1 ) (α + β ) + γ  =  α + (β  + γ ).

Prova:

(α + β ) + γ  =

(rn

) + (sn

)

+ (tn

)

=

(rn

) + (sn

)

+ (tn

)

=

(rn

) + (sn

)

+ (tn

)

= (rn

) +

(s

n) + (t

n)

= (rn) + (sn) + (tn) = α + (β  + γ )

Apenas enfatizamos que da terceira para a quarta igualdade usamos aassociatividade nos racionais. Nas outras igualdades utilizamos apenas adefinicao de adicao de classes.   (def. 77, p. 407)

Consideremos a sequencia (nula) em  Q,

(0,  0,  0, . . .)

Vamos denotar esta sequencia por  0, isto e,

0 = (0,  0,  0, . . .)

Observe que 0 ∈ A. Encontremos a classe de equivalencia desta sequencia:

0 =

  (rn

) ∈ A :

(rn

) ∼ 0

Entao, pela definicao 76   (p. 403), temos:

(rn

) ∼ 0   ⇐⇒   (rn − 0) → 0

Logo,

(rn − 0) → 0   ⇐⇒   (r

n) → 0

Portanto,

0 =

  (rn

) ∈ A :

(rn

) → 0

408

Page 410: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 410/515

Definicao 78   (Sequencia nula).  Uma sequencia que converge para 0 e ditauma sequencia nula.

Se (rn

) e uma sequencia nula entao (rn

) ∈ 0, logo, (rn

) = 0.

Teorema 70   (Elemento neutro).   A classe   0   e o elemento neutro para aadicao em C.

Prova: Seja  α  = (rn

), uma classe arbitraria, devemos mostrar que,

α + ¯0 =  α

Ou ainda, que

(rn) + 0 = (rn) + 0 = (rn) + (0,  0,  0, . . .) = (rn + 0) = (rn)

Na ultima igualdade usamos o fato de que 0 e o elemento neutro nosracionais.  

Teorema 71  (Comutativa).   Sejam α  = (rn

) e   β  = (sn

) classes quaisquer.Vale a seguinte igualdade:

A3 )   α + β  =  β  + α

Prova: Temos

α + β  = (rn

) + (sn

) = (rn

) + (sn

)

= (rn

  +   sn

) = (sn

  +  rn

)

= (sn) + (rn) = (sn) + (rn) = β  + α

Proposicao 60.   Se (rn

) e uma sequencias de Cauchy, entao −(rn

) = (−rn

)

e tambem uma sequencia de Cauchy.

Prova: Dado  ε >  0 existe um ındice  n0   tal que

∀ m, n ≥ n0   ⇒ |rn − r

m| < ε

O resultado segue de que,

|(−1) rn − (−1) r

m| = |(−1)(r

n − r

m)| = |r

n − r

m| < ε

409

Page 411: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 411/515

Teorema 72  (Elemento oposto aditivo).   Seja   α  = (rn

) uma classe qual-

quer, entao existe uma e apenas uma classe   α′  = (r′n) tal que

α + α′  =  0

Prova:

Existencia:   Seja   α   = (rn

), vamos mostrar que seu oposto aditivo valeα′  = (r′

n) = (−rn). De fato,

α + α′  = (rn

) + (−rn

)

= (rn

) + (−rn

)

=

rn

 + (−rn

)

 = 0

Unicidade:   Sejam  α′   e   α′′   classes que satisfazem ao teorema. Isto eα + α′   = 0

α + α′′  =  0

Entao

α′′  =  α′′ + 0 =  α′′ + (α + α′) = (α′′ + α) + α′  = (α + α′′) + α′  =  0 + α′  =  α′

Notacao: Dado  α  = (rn

), denotaremos o seu oposto aditivo como

−α = − (rn

) = (−rn

)

Proposicao 61.  Se (rn

) e uma sequencias de Cauchy, entao (|rn|) e tambem

uma sequencia de Cauchy.

Prova: Dado  ε > 0 existe, por hipotese, um ındice  n0   tal que

∀ m, n ≥ n0   ⇒ |rn − r

m| < ε

Precisamos provar que: dado ε > 0 existe, um ındice  n0   tal que

∀ m, n ≥ n0   ⇒ |rn| − |r

m| < ε

Isto e uma decorrencia imediata da hipotese juntamente com a desigualdade,|rn| − |r

m| ≤ |r

n − r

m|

410

Page 412: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 412/515

Proposicao 62.   Se limn

rn

 = a   entao limn

|rn| = |a|.

Prova: Isto e uma decorrencia imediata da hipotese juntamente com adesigualdade, |r

n| − |a| ≤ |r

n − a|

Da definicao de limite e da proposicao anterior podemos escrever:

limn

rn

 = a   ⇔   limn

(rn − a) = 0   ⇔   lim

n|r

n − a| = 0 (10.10)

Proposicao 63.

Se (rn

)

∼(r′

n) e (s

n)

∼(s′

n),   entao (r

n

 ·sn

)

∼(r′

n

 ·s′n

).

Prova: Inicialmente consideremos a desigualdade,

|rn

 sn

− r′n

 s′n| = |r

n s

n + r

n s′

n− r

n s′

n− r′

n s′

n|

= |rn

(sn − s′

n) + s′

n(r

n − r′

n)|

≤ |rn||s

n − s′

n| + |s′

n||r

n − r′

n|

As sequencias (|rn|) e (|s′

n|) sao de Cauchy e, portanto, limitadas. As

sequencias (rn − r′

n) e (s

n − s′

n), por hipotese   (def. 76, p. 403), convergem

para 0. Logo,

|rn sn − r′n s′n| → 0   ⇒   (rn sn − r′n s′n) → 0   ⇒   (rn · sn) ∼ (r′n · s′n)

Tendo em conta as proposicoes 58 (p. 406)   e 63 (p. 411), podemos, entao,definir o produto de classes.

Definicao 79 (Multiplicacao em C ).  Sejam α = (rn

) e   β  = (sn

) elementosde C . Definimos o produto de α   e   β  como

α · β  = (rn) ·   (sn) = (rn) · (sn)

Lembramos que o produto de sequencias foi definido na pagina 393.

Observe que segundo nossa definicao 2  (p. 21) acabamos de construir umsistema numerico

C   = (C,  +, ·)As classes de equivalencia agora sao numeros, todavia, nao numeros

reais. Para outorgar as classes de equivalencia o status de numeros reaisainda teremos muito trabalho pela frente, deveremos provar todas as especi-ficacoes constantes no retangulo amarelo da pagina 383.

Nosso proximo passo sera demonstrar que o produto satisfaz as cincopropriedades que constam no retangulo amarelo da pagina 383.

411

Page 413: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 413/515

Teorema 73   (Associatividade).   Sejam   α   = (rn

),   β   = (sn

) e   γ   = (tn

),

elementos em   C. Vale a seguinte igualdade:M 1 ) (α · β ) · γ  =  α + (β · γ ).

Prova:

(α · β ) · γ  =

(rn

) · (sn

) · (t

n)

=

(rn

) · (sn

) · (t

n)

=

(rn

) · (sn

) · (t

n)

= (rn

) ·

(sn

) · (tn

)

= (rn) · (sn) · (tn) = α · (β · γ )

Apenas enfatizamos que da terceira para a quarta igualdade usamos aassociatividade nos racionais. Nas outras igualdades utilizamos apenas adefinicao de produto de classes.   (def. 79, p. 411)

Consideremos a seguinte sequencia de termos constantes em  Q,

(1,  1,  1, . . .)

Vamos denotar esta sequencia por  1, isto e,

1 = (1,  1,  1, . . .)

Observe que 1 ∈ A. Encontremos a classe de equivalencia desta sequencia:

1 =

  (rn

) ∈ A :

(rn

) ∼ 1

Entao, pela definicao 76   (p. 403), temos:

(rn

) ∼ 1   ⇐⇒   (rn − 1) → 0

Portanto,

1 =

  (rn

) ∈ A :

(rn − 1) → 0

Nota:   (rn − 1) = (r1 − 1, r2 − 1, r3 − 1, . . .).

Em particular todas as sequencias de racionais que convergem para 1pertencem a esta classe, pois

limn

rn

 = 1   ⇒   limn

(rn − 1) = 0   ⇒   (r

n − 1) → 0

412

Page 414: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 414/515

Teorema 74   (Elemento neutro).   A classe   1   e o elemento neutro para a

multiplicacao em C.

Prova: Seja  α  = (rn

), uma classe arbitraria, devemos mostrar que,

α · 1 =  α

De fato,

(rn

) · 1 = (rn

) · 1 = (rn

) · (1,  1,  1, . . .) = (rn ·  1) = (r

n)

Na ultima igualdade usamos o fato de que 1 e o elemento neutro nosracionais.  

Teorema 75  (Comutativa).   Sejam α  = (rn) e   β  = (sn) classes quaisquer.Vale a seguinte igualdade:

M 3 )   α · β  = β  · α

Prova: Temos

α · β  = (rn

) ·   (sn

) = (rn

) ·   (sn

)

= (rn ·  sn) = (sn ·   rn)

= (sn

) ·   (rn

) = (sn

) ·   (rn

) =  β  · α

Nosso proximo objetivo sera provar a existencia do inverso multiplicativo.

Antes vejamos um exemplo para que fique bem claro o que desejamos.Dada uma classe (r

n) ∈ C, (r

n) =   0, devemos exibir uma outra classe

(sn

) ∈ C, satisfazendo(r

n) · (s

n) = 1

Ou ainda,(r

n) · (s

n) = 1   (10.11)

Isto e,(r

n · s

n) = (1,  1,  1, . . .) (10.12)

Exemplo:  Encontre o inverso multiplicativo da classe (rn), onde (rn) e asequencia dada por  r

n =

  n

n + 1.

Solucao:  Inspirados na igualdade (10.12), facamos   rn · s

n = 1, logo

rn · s

n = 1   ⇒   s

n = (r

n)−1 =

 n + 1

n

Precisamos verificar se (10.11) estara satisfeita com esta escolha. Entao,

(rn

) · (sn

) = (rn · s

n) =

  n

n + 1 · n + 1

n

 = (1,  1,  1, . . .)

413

Page 415: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 415/515

Exemplo:  Encontre o inverso multiplicativo da classe (rn

), onde (rn

) e a

sequencia dada por  rn  = 1 −   2n

.

Solucao:   Neste caso nao podemos proceder como anteriormente pelo fatode que esta sequencia possui um termo que se anula, r2   = 0. Vamos tentara seguinte sequencia:

sn  =

r−1

n  ,   se   rn = 0;

1,   se   rn

 = 0.

Portanto,

sn  = n

n−

2,   se   n = 2;

1,   se   n = 2.

Precisamos verificar se (10.11) estara satisfeita com esta escolha. Entao,

(rn

) · (sn

) =

1 −  2

n

·   n

n − 2,   se   n = 2;

0 · 1,   se   n = 2.

Isto e,

(rn

) · (sn

) =

1,   se   n = 2;

0,   se   n = 2.Portanto,

(rn

) · (sn

) = (1,  0,  1,  1,  1, . . .)

Precisamos provar que,

(rn · s

n) = (1,  1,  1, . . .)

Vale lembrar o teorema 2   (p. 69), o qual sintetizamos aqui:

a ∼   b   ⇒   a ∈ b   ⇒   b ∈ a   ⇒   a = b   ⇒   a ∼   b

Para provar que

(1,  0,  1,  1,  1, . . .) = (1,  1,  1, . . .)

e suficiente provar

(1,  0,  1,  1,  1, . . .) ∼ (1,  1,  1, . . .)

o que, pela definicao 76   (p. 403), equivale a provar

(1,  0,  1,  1,  1, . . .) − (1,  1,  1, . . .) = (0, −1,  0,  0,  0,  0, . . .) → 0

414

Page 416: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 416/515

O que e trivial.

Pois bem, isto sao apenas contas em dois casos bem simples; por exemplo,para a sequencia

rn

 = 1 +  1

1! +

  1

2! + · · · +

  1

n!

como provar que existe a classe inversa de (rn

) ?

Devemos agora tratar do caso geral.

Lema 21.   Seja (rn

) uma sequencia de Cauchy tal que (rn

) nao e umasequencia nula. Entao existe um ındice  N  ∈ N  e um numero racional  c > 0tais que |r

n| > c, ∀ n ≥ N .

Antes da prova vejamos que ate certo ponto esta e uma proposicao “in-tuitiva”. Por exemplo, a sequencia (r

n) dada por  r

n  =

  n

n + 1  cumpre as

condicoes da proposicao. A condicao

|rn| = |r

n − 0| > c,   ∀ n ≥ N 

significa que existe um raio (c > 0) e uma ordem (N ) a partir da qual todosos termos da sequencia caem fora do intervalo de centro na origem e raio  c.

0

r1

12

r2   r3 r4 →] [

↑↑ c−c

Nao e necessario que a sequencia seja convergente, como a do exemplo.

Prova: Inicialmente ressaltemos precisamente o que e hipotese e o que etese em nossa proposicao:

H :

(rn

) e de Cauchy

(rn

) nao e nulaT :

∃ N  ∈ N

∃ c >  0, c ∈ Q,

tais que   |rn| > c,   ∀ n ≥ N 

Pois bem, como (rn

) nao e uma sequencia nula significa que ela naoconverge para 0, substituindo a  = 0 na simbologia da pagina 385, temos

∃ ε >  0 :   ∀ n0 ∈ N   ∃ n ≥ n0   ∧ |rn − a| ≥ ε

∃ ε >  0 :   ∀ n0 ∈ N   ∃ n ≥ n0   ∧ |rn − 0| ≥ ε

(divergencia)

(divergencia)

Para prosseguir necessitaremos fazer a seguinte troca de notacoes:

415

Page 417: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 417/515

∃ ε >  0 :   ∀ n0 ∈ N   ∃ n ≥ n0   ∧ |rn| ≥ ε

∃ a >  0 :   ∀ N  ∈ N   ∃ ℓ ≥ N   ∧ |rℓ| ≥ a

(divergencia)

(divergencia)

Como (rn

) e de Cauchy, para todo   ε >  0 arbitrariamente fixado, existeN  ∈ N  tal que se  m, n ≥ N , entao|r

n| − |r

m| ≤ |r

n − r

m| < ε

Temos que |rn | − |rm| < ε   ⇔ −ε < |rm | − |rn | < ε

Logo, para  m, n ≥ N   temos

|rm

| − ε < |rn|   (10.13)

Escolha  ε >  0 tal que  ε > a, faca   c =  ε − a > 0. Seja N  o natural para oqual a desigualdade (10.13) vale para  m, n ≥ N . Seja ℓ   o inteiro maior doque ou igual a   N   tal que |r

ℓ| ≥ a, logo de (10.13), para todo n ≥ N , temos

que

|rn| > |r

ℓ| − ε ≥ a − ε =  c

Teorema 76   (Inverso).   Seja (rn

), uma classe (nao nula) arbitrariamente

fixada. Existe um elemento (sn

) ∈ C, tal que (rn

) · (sn

) = 1.

Prova: De fato, sendo (rn

), nao nula, temos pelo lema 21   (p. 415)   queexistem c > 0 e  N 0 ∈ N   tais que

|rn| > c,   ∀ n ≥ N 0   (10.14)

Tem-se em particular que  rn = 0, ∀ n ≥ N 0 . Defina a sequencia (s

n) assim:

sn

 =

r−1

n  ,   se   r

n = 0;

1,   se   rn

 = 0.(10.15)

Vamos provar que (sn

) e de Cauchy, isto e, (sn

) ∈ A. Com efeito, dadoε > 0 existe n0 ∈ N   tal que se  m, n ≥ n0   tem-se

|rm − r

n| < ε c2

416

Page 418: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 418/515

Tomemos N  = max{ N 0 , n0 }, logo, para m, n ≥ N   temos em (10.14)|r

n| > c,

|rm

| > c⇒ |r

n rm| > c2 ⇒   1

|rn

 rm|  <

  1

c2

Como diziamos, para  m, n ≥ N   temos

|sn

− sm| =

1

rn

−   1

rm

 = rm − r

n

rn

 rm

≤ |rm − r

n|

c2  <

 ε c2

c2  = ε

Portanto, (sn

) e de Cauchy. Sendo (sn

) de Cauchy podemos tomar suaclasse de equivalencia. Vamos agora provar que

(rn) · (sn) = 1

Temos,

(rn

) · (sn

) =

r

n · r−1

n  ,   se   r

n = 0;

rn · 1,   se   r

n = 0.

Ou ainda,

(rn

) · (sn

) =

1 ,   se   rn = 0;

0,   se   rn

 = 0.

Tendo em conta que   rn = 0,  ∀ n ≥   N 0 , segue que a partir da ordem   N 0todos os termos da sequencia (rn

) · (sn

) sao iguais a 1. Logo, a partir destamesma ordem sao iguais a 0 os termos da sequencia

(rn

) · (sn

) − (1,  1,  1, . . .)

Sendo assim

(rn

) · (sn

) − 1 → 0, logo, da definicao 76   (p. 403), tem-se

(rn

) · (sn

) − 1 → 0   ⇒   (r

n) · (s

n) ∼ 1   ⇒   (r

n) · (s

n) = 1

417

Page 419: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 419/515

Teorema 77   (Distributividade).   Sejam   α   = (rn

),   β   = (sn

) e   γ   = (tn

),

classes em C. Vale a seguinte igualdade:D )   α (β  + γ ) = α β  + α γ .

Prova:

α (β  + γ ) = (rn

)

 (sn

) + (tn

)

= (rn

) (sn

) + (tn

)

= (rn

)

 (sn

) + (tn

)

= (rn

) (sn

) + (rn

) (tn

)

= (rn) (sn) + (rn) (tn)

= (rn

) (sn

) + (rn

) (tn

)

= α β  + α γ 

Apenas enfatizamos que da terceira para a quarta igualdade usamos adistributividade nos racionais. Nas outras igualdades utilizamos apenas adefinicao de adicao e multiplicacao de classes.

Notacao:   A  estrutura construida ate este momento sera denotada por C :

C = (C,  +, ·)Na linguagem da  Algebra Abstrata C   e um  corpo  por estarem satisfeitasas seguintes propriedades:

A1 ) (a + b) + c =  a + (b + c)

A2 )   ∃ 0 ∈ C   :   a + 0 = 0 + a =  a

A3 )   a + b =  b + a

A4 )   ∀ a ∈ C   , ∃ − a ∈ C   :   a + (−a) = 0

M 1 ) (a · b) · c =  a · (b · c)

M 2 )   ∃ 1 ∈ C   :   a · 1 = 1 · a =  a

M 3 )   a · b =  b · a

M 4 )   ∀ a ∈ C∗, ∃   a−1 ∈ C   :   a · a−1 = 1

D)   a · (b + c) = a · b + a · c

C418

Page 420: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 420/515

10.2 Relacao de ordem em

 CNosso objetivo nesta secao e estender a ordenacao de   Q   para   C.

Definicao 80.   Diz-se que uma sequencia de Cauchy (rn

) goza da pro-priedade  p, quando a seguinte sentenca aberta   e verdadeira:

 p

(rn

)

  : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N   : ∀ n ≥ N   ⇒   rn

 > c )

Em palavras: Uma sequencia de Cauchy (rn) possui a propriedade p   seexiste uma ordem a partir da qual todos os seus termos s ao positivos.

Exemplo:   A sequencia (rn

) dada por rn

 =  n

n + 1, possui a propriedade p.

0

  1

  2

r1

12

r2   r3 r4 → 

Nao e difıcil concluir que toda sequencia que converge para um numeroracional positivo satisfaz a sentenca  p.

Nota:   Na sentenca aberta acima a variavel e uma sequencia (rn) e o con- junto universo (domınio) e A, o conjunto das sequencias de Cauchy.

Definicao 81.   Diz-se que uma sequencia de Cauchy (rn

) goza da pro-priedade  q , quando a seguinte sentenca aberta   e verdadeira:

(rn

)

  : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N   : ∀ n ≥ N   ⇒   rn

 < −c )

Em palavras: Uma sequencia de Cauchy (rn

) possui a propriedade q   se

existe uma ordem a partir da qual todos os seus termos s ao negativos.

Nao e difıcil concluir que toda sequencia que converge para um numeroracional negativo satisfaz a sentenca  q .

419

Page 421: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 421/515

Proposicao 64.  Se a sequencia de Cauchy (rn

) nao converge para 0, entao

(rn) possui a propriedade   p   ou a propriedade   q , uma com a exclusao daoutra.

Prova: Inicialmente vamos destacar o que e hipotese e o que e tese em nossaproposicao:   (ver p. 488)

H :

 (r

n) e de Cauchy,

rn→ 0.

=⇒   T :   p

(rn

)

 q 

(rn

)

Faremos uma prova indireta, isto e, vamos negar a tese. Para isto conside-remos a identidade (ou exclusivo)∗:

 p ⊕ q  = ( p ∧ ¬q ) ∨ (¬ p ∧ q )

e sua negacao:¬( p ⊕ q ) = ( p ∧ q ) ∨ (¬ p ∧ ¬q ) (10.16)

Vamos necessitar das negacoes de cada uma das sentencas abertas − nasdefinicoes 80 e 81:

 p

(rn

)

  : ( ∃ c >  0, ∃ N   : ∀ n ≥ N   ⇒   rn

 > c )

¬ p (r

n)   : (

∀c >  0,

 ∀N   :

 ∃n

≥N 

  ∧  r

n

 ≤c )

(rn

)

  : ( ∃ c >  0, ∃ N   : ∀ n ≥ N   ⇒   rn

 < −c )

¬ q 

(rn

)

  : ( ∀ c > 0, ∀ N   : ∃ n ≥ N    ∧   rn ≥ −c )

Neste momento iremos necessitar trocar algumas notacoes:

 p (rn

)   : ( ∃ c′  >  0, ∃ m :  ∀ n ≥ m   ⇒   rn

 > c′ )

¬ p

(rn

)

  : ( ∀ c > 0,   ∀ n ,   ∃ m′ ≥ n   ∧   rm′ ≤ c )

(rn

)

  : ( ∃ c′′  >  0, ∃ n′  :  ∀ n ≥ n′   ⇒   rn

 < −c′′ )

¬ q 

(rn

)

  : (  ∀ c >  0,   ∀ n , ∃ n′ ≥ n   ∧   rn′ ≥ −c )

∗Estamos omitindo, para melhor clareza, o argumento (rn

) destas sentencas abertas.

420

Page 422: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 422/515

Vamos mostrar que a primeira  conjunc˜ ao em (10.16),  p ∧ q , conduz a um

absurdo. Observe,

 p

(rn

)

  : ( ∃ c′  >  0, ∃ m :   ∀ n ≥ m   ⇒   rn

 > c′ )

(rn

)

  : ( ∃ c′′  >  0, ∃ n′ :   ∀ n ≥ n′   ⇒   rn

 < −c′′ )

Tomando N  = max{ m, n′ }, teremos para todo   n ≥ N ,   c′  < rn

 < −c′′. Oque e um absurdo pois contradiz a ordenacao de  Q.

Agora vamos mostrar que a segunda   conjunc˜ ao   em (10.16), ¬ p ∧ ¬q ,contradiz o lema 21   (p. 415). Temos:

¬ p

(rn

)

  : ( ∀ c >  0,   ∀ n ,  ∃ m′ ≥ n   ∧   rm′ ≤ c )

¬ q 

(rn

)

  : ( ∀ c >  0,   ∀ n ,   ∃ n′ ≥ n   ∧   rn′ ≥ −c )

(♣)

Seja c > 0 e o ındice   N  fornecidos pelo lema 21  (p. 415). Levamos estesdois valores em (♣), para obter:

∃ m′ ≥ N   ∧   r

m′ ≤ c

∃ n′ ≥ N    ∧   rn′ ≥ −c

Isto e, r

m′ ≤ c,   com   m′ ≥ N 

rn′ ≥ −c,   com   n′ ≥ N 

(10.17)

Ora, mas o referido lema afirma que a partir da ordem   N   acontece:

rn

 > c   ou   rn

 < −c

As desigualdades em (10.17) contradizem este resultado.  

Corolario 6.   Seja (rn) ∈ A. Entao, ocorre exatamente uma das possibili-dades:

(i)   (rn

) e uma sequencia nula, isto e,  rn→ 0;

(ii)   (rn

) possui a propriedade  p, isto e:

 p

(rn

)

  : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N   : ∀ n ≥ N   ⇒   rn

 > c )

(iii)   (rn

) possui a propriedade  q , isto e:

(rn

)

  : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N   : ∀ n ≥ N   ⇒   rn

 < −c )

421

Page 423: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 423/515

Prova:   E claro que, se (rn

) satisfaz a uma das tres possibilidades, nao

pode satisfazer a nenhuma das outras duas, ou seja, as possibilidades s aomutuamente excludentes. O que precisamos mostrar e que ao menos umadas possibilidades se verifica. Com efeito, dada uma sequencia de Cauchy(r

n) esta e uma sequencia nula ou nao e. Se e nada resta a fazer. Se nao e,

pela proposicao 64   (p. 420) ocorre  (ii) ou (exclusivo)  (iii).  

Proposicao 65.   Sequencias equivalentes tem conjuntamente a propriedade p  ou a propriedade  q , isto e:

 p

(rn

)   ⇒ ∀ (r′

n) s e (r′

n) ∼ (r

n) entao  p

(r′

n)

q (rn

)   ⇒ ∀(r′

n) s e (r′

n)

∼(r

n) entao  q (r′

n)

Prova: Suponhamos p

(rn

)

, isto e:   (p. 419)

 p

(rn

)   ⇐⇒   ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N   : ∀ n ≥ N   ⇒   r

n > c )

Seja (r′n

) ∼ (rn

), o que, pela definicao 76   (p. 403), significa (rn − r′

n) → 0,

que pela definicao 69   (p. 385) significa:

∀ ε >  0  ∃ n0 ∈ N   :   ∀ n ≥ n0  ⇒ |(rn − r′

n) − 0| < ε

Tomando ε  =  c/2, temos:

∃ n0 ∈ N   :   ∀ n ≥ n0  ⇒ |(rn − r′n) − 0| <   c2

Fazendo N ′ = max{ N, n0 }, temos

∀ n ≥ N ′   ⇒

rn

 > c

− c2  < r′

n − r

n <   c

2   ⇒   rn −   c

2  < r′n

 < rn

 +   c2

Sendo assim,

∀ n ≥ N ′   ⇒   c

2  < r

n − c

2 < r′

n < r

n +

 c

2

Conclusao:∃ c

2 ∈ Q,

  c

2 > 0, ∃ N ′ :  ∀ n ≥ N ′   ⇒   r′

n >

  c

2

  =⇒   p

(r′

n)

De modo analogo demonstra-se a outra parte da proposicao.  

422

Page 424: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 424/515

Lema 22.   Vale a seguinte equivalencia:

(rn

)   ⇐⇒   p

− (rn

)

Prova:

(⇒) Por hipotese, temos:

(rn

)

  : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N   : ∀ n ≥ N   ⇒   rn

 < −c )

Devemos provar que:

 p

− (r

n)

  : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N   : ∀ n ≥ N   ⇒ −r

n > c )

E uma decorrencia imediata da hipotese.(⇐) Analogo.  

Divisao

Convergiremos esforcos para provar o seguinte

Teorema 78   (Divisao).   Sejam   α, β  ∈ C, com   α =  0, a equacao multi-plicativa  α · x =  β , tem sempre uma unica solucao em C.

Iremos necessitar do seguinte

Lema 23.  Toda sequencia de Cauchy nao convergente para zero e equiva-lente a uma outra de termos todos diferentes de zero.

Em outras palavras, qualquer (rn

) =  0   pode sempre ser representadapor uma sequencia de termos nao nulos.

Prova: Nao sendo (rn

) convergente para zero, temos que:

 p

(rn

)

  : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N   : ∀ n ≥ N   ⇒   rn

 > c )

ouq 

(r

n)

  : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N   : ∀ n ≥ N   ⇒   r

n < −c )

Na primeira hipotese, existe um numero  c  positivo e uma ordem  N   tal quea partir dela, todos os termos

rN 

, rN +1 , r

N +2 , . . .

sao maiores que  c > 0.

Na segunda, existem igualmente numeros  c′   e   N ′   tais que

rN ′ , r

N ′+1, r

N ′+2, . . .

sao todos menores que −c′ <  0.

423

Page 425: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 425/515

Considere as sequencias

(rn

) = (r1 , r2 , . . . , rN 

, rN +1 , r

N +2 , . . .)

(r′n

) = (c, c, . . . , rN 

, rN +1 , r

N +2 , . . .)

Neste caso, temos (rn −  r′

n) → 0, logo, (r

n) ∼ (r′

n).   (def. 76, p. 403)

O mesmo ocorre com as sequencias

(rn) = (   r1, r2 , . . . , rN ′ , r

N ′+1, r

N ′+2, . . .)

(r′n

) = (−c, −c, . . . , rN ′ , r

N ′+1, r

N ′+2, . . .)

Prova: Retomando a prova do teorema 78, sejam   α   = (rn) e   β   = (sn),o lema anterior nos assegura que a sequencia (r

n), representativa de   α,

pode ser escolhida de modo a que sejam seus termos todos diferentes de 0.Utilizaremos a seguinte notacao:

(rn

)−1 · (sn

) = s

n

rn

A classe de equivalencia   x =

 snrn

  e uma solucao da equacao proposta,

porque

α · x = (rn) ·  sn

rn = (rn) ·  s

n

rn = (rn) · (rn)−

1

· (sn)· = (sn) = β.

Unicidade:  Suponhamos que  γ  = (xn

) seja uma outra solucao da equacaoproposta, isto e

α · γ  =  β 

Ou ainda,(r

n) · (x

n) = (s

n)   ⇒   (r

n) · (x

n) = (s

n)

Lembrando do retangulo amarelo na pagina 414 temos:

(rn · x

n) ∼ (s

n)   ⇒   (r

n · x

n − s

n) → 0

Isto implica que

∀ ε > 0   ∃ n0 ∈ N   :   ∀ n ≥ n0  ⇒ |rn · x

n − s

n − 0| < ε   (♣)

Aplicando-se a proposicao 54  (p. 397) a sequencia de Cauchy (r−1n

  ) con-cluimos que existe uma constante  M    satisfazendo

r−1n

≤ M,   ∀ n ∈ N.   (10.18)

424

Page 426: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 426/515

Seja   ε >  0 arbitrariamente fixado em (♣) e seja a ordem  n0   la estipulada.

Sendo assim, temos

|rn · x

n − s

n| =

rn

xn

−  sn

rn

<  ε

M ,   ∀ n > n0

Nestas condicoes, temos

|rn| x

n − s

n

rn

<  ε

Multiplicando esta desigualdade por (10.18), resulta

xn − s

n

rn

< ε,   ∀ n > n0

Isto e

limn

xn − s

n

rn

 = 0

Logo

(xn

) ∼ s

n

rn

  ⇒   (x

n) =

 sn

rn

Agora estamos em condicoes de estipular a seguinte

Definicao 82   (Divisao).   A operacao que permite determinar, a partir deduas classes quaisquer   α   e   β , com   α = 0, uma terceira classe γ   tal queα γ   = β , denomina-se divisao de  β   por  α, e ao resultado, que se simbolizapor   β

α ,  quociente dos dois n´ umeros.

Em sımbolos:

γ  =  β 

α

  =  sn

rn Onde  α  = (r

n) e   β  = (s

n).

No teorema 76   (p. 416)  obtivemos a seguinte equacao

(rn

) · (sn

) = 1

Denotaremos (sn

), a classe inversa de (rn

), por

(sn

) = (rn

)−1

=1

(rn

)

425

Page 427: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 427/515

Vamos mostrar inicialmente que vale a seguinte igualdade

1

(rn

)=

  1

(rn

)

De fato,

1

(rn

)  = (r

n)−1 · 1 = (r

n)−1

Observe que a inversa de uma sequencia existe por (10.15)  (p. 416), ademais,estamos levando em conta o lema 23   (p. 423).

Pois bem, barrando a ultima igualdade temos

  1

(rn

)  = (rn)−1

Logo,

(rn

)−1 = (rn

)−1

Isto e suficiente para estabelecermos a seguinte identidade na divisao

γ  =  β 

α  =

 sn

rn

 =

  (sn

)

(rn

)

Retomando, agora vamos juntar em um mesmo conjunto todas as classescujas sequencias tem a propriedade  p  mais a classe nula, assim:

C+ =

∪ { 0 }(rn

) ∈ C   : p

(rn

)

Lema 24.   Valem as seguintes afirmacoes:

a)   Se (rn

) ∈ C+ e   − (rn

) ∈ C+, entao (rn

) = 0;

b)   Se (rn

),  (sn

) ∈ C+, (rn

) + (sn

) ∈ C+ e (rn

) · (sn

) ∈ C+.

Prova:   a)   Temos que (rn

) e − (rn

) = (−rn

), verificam ao mesmo tempo:

 p(rn)   : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N   : ∀ n ≥ N   ⇒   rn  > c )

 p

(−rn

)

  : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N   : ∀ n ≥ N   ⇒ −rn

 > c )

Ora mas isto implica que (rn

) goza simultaneamente das propriedades  p   eq , o que nao e permitido pela proposicao 64   (p. 420). Logo, (r

n) = 0.

b)   Por hipotese, temos:

 p

(rn

)

  : ( ∃ c ∈ Q, c >  0, ∃ N   : ∀ n ≥ N    ⇒   rn

 > c )

 p

(sn

)

  : ( ∃ c′ ∈ Q, c′  >  0, ∃ N ′ :  ∀ n ≥ N ′   ⇒   sn

 > c′ )

426

Page 428: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 428/515

Devemos provar que,

 p

(rn

 + sn

)

  : ( ∃ c′′ ∈ Q, c′′  >  0, ∃ N ′′  :  ∀ n ≥ N ′′   ⇒   rn

 + sn

 > c′′ )

Tome N ′′ = { N, N ′ }   e   c′′  = c + c′. O outro caso (produto) e analogo.  

Definicao 83.   Dados os elementos   α   = (rn

) e   β   = (sn

) em   C, dire-mos que   α   e menor ou igual a   β , e escrevemos   α ≤  β   se, e somente se,(s

n) −   (r

n) ∈ C+.

Resumindo:

(rn

) ≤   (sn

)   ⇐⇒   (sn

) −   (rn

) ∈ C+.

Pela proposicao 65 (p. 422) concluimos que a definicao acima nao dependedos representantes tomados em cada classe.

Exemplo:  Sejam as sequencias (rn

) e (sn

) dadas por:

rn

 = −1 −  1

n  e   s

n =

  n

n + 1

Vamos mostrar que

(rn

) ≤   (sn

)   ⇐⇒   (sn

) −   (rn

) ∈ C+.

Temos

sn

− rn

 =  n

n + 1 −

 − 1 −  1

n

 =

  n

n + 1 +

 1

n + 1

Tomando, por exemplo,   c   =   12   e   N   = 1 a definicao 80   (p. 419)  estara

satisfeita, assim:

 p

(sn

) − (rn

)

  : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N   : ∀ n ≥ N   ⇒   sn − r

n > c )

Positivo e negativo

Com a relacao de ordem estabelecida em   C   finalmente estamos emcondicoes de definir os conceitos de positivo e negativo.

Definicao 84   (Positivo).   Seja   α = (rn

) uma classe em C.   α   diz-se posi-tivo, ou maior do que zero se  α > 0.

Definicao 85   (Negativo).   Seja   α   = (rn

) uma classe em C .   α   diz-senegativo, ou menor do que zero se  α < 0.

427

Page 429: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 429/515

Proposicao 66.   Seja   α   = (rn

) uma classe em C .   α   e positivo se, e

somente se, p (rn).Prova:

(⇒) Por hipotese e pela definicao 83  (p. 427)  temos

0   <   (rn

)   ⇐⇒   (rn

) −  0 ∈ C+.   (10.19)

Tendo em conta a definicao de C+:

C+ =

∪ { 0 }(rn

) ∈ C   : p

(rn

)

segue-se o resultado desejado.

(⇐) Por hipotese temos (rn) = 0   e   p (rn), logo, seguindo a seta paraa esquerda em (10.19) teremos o resultado desejado.  

Proposicao 67.   Seja   α   = (rn

) uma classe em C .   α   e negativo se, esomente se, q 

(r

n)

.

Prova: Analoga a prova da proposicao 66.  

Proposicao 68.   E valida a seguinte equivalencia:

a > 0   ⇐⇒   a > 0

onde,  a = (a, a, a, ...).

Prova:

(⇒) Devemos provar que  a > 0   ⇒   a >  0.

Tomando c  =  a/2 >  0 e   N  = 1 a sentenca  p:

 p

(a)

  : ( ∃ c ∈ Q, c > 0, ∃ N   : ∀ n ≥ N   ⇒   a > c )

e verdadeira, logo, pela proposicao 66, temos  a >  0.

(⇐) Devemos provar que  a > 0   ⇒   a > 0.

Tendo em conta a hipotese e a proposicao 66,   p

(a)

  e verdadeira.Suponha, ao contrario, que   a <   0, como a sequencia (a) = (a, a, a, . . .)converge para  a <  0 segue que q (a)   e verdadeira   (ver p. 419). Ora, masisto contradiz a proposicao 64   (p. 420).  

Vamos agora provar que ≤   (definicao 83) e uma relacao de ordem total.

Teorema 79.  A relacao ≤   em C   e uma relacao de ordem total, isto e, paraα,  β   e   γ   classes arbitrarias, vale

O1 )   α ≤   α;   (Reflexiva)

O2 )   α ≤   β   e   β  ≤   γ    ⇒   α ≤   γ ;   (Transitiva)

O3 )   α ≤   β   e   β  ≤   α   ⇒   α =  β ;   (Antissimetrica)

O4 )   α ≤   β   ou   β  ≤   α.   (Ordem total)

428

Page 430: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 430/515

Prova:

O1 )   α ≤   α; (Reflexiva)

Considere  α  = (rn

). Entao

α ≤   α   ⇐⇒   (rn

) ≤   (rn

)   ⇐⇒   (rn

) −   (rn

) = 0 ∈ C+

O2 )   α ≤   β   e   β  ≤   γ   ⇒   α ≤   γ ; (Transitiva)

Prova: Considere α  = (rn

),   β  = (sn

) e   γ  = (tn

), classes quaisquer. Entao,por hipotese

α ≤   β    ⇐⇒   (sn) −   (rn) ∈ C+

eβ  ≤   γ    ⇐⇒   (t

n) −   (s

n) ∈ C+

Devemos provar o lado direito da seguinte equivalencia,

α ≤   γ    ⇐⇒   (tn

) −   (rn

) ∈ C+

De fato, segue do lema 24   (p. 426)  que

(tn

) −   (rn

) = [ (sn

) −   (rn

) ] + [ (tn

) −   (sn

) ] ∈ C+

O3 )   α ≤   β   e   β  ≤   α   ⇒   α =  β ; (Antissimetrica)

Prova: Considere   α   = (rn

) e   β   = (sn

) classes quaisquer. Entao, porhipotese

α ≤   β    ⇐⇒   (sn

) −   (rn

) ∈ C+

eβ  ≤   α   ⇐⇒   (r

n) −   (s

n) ∈ C+

Devemos provar o lado direito da seguinte equivalencia,

α   =   β    ⇐⇒   (rn) = (sn)

De fato, as hipoteses nos dizem que uma classe e sua oposta pertencema C+, logo, ainda pelo lema 24, temos

(sn

) −   (rn

) =  0

O4 )   α ≤   β   ou   β  ≤   α. (Ordem total)

Prova: Considere  α  = (rn

) e   β  = (sn

) classes quaisquer. Temos

429

Page 431: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 431/515

α ≤   β    ⇐⇒   (sn) −   (rn) ∈ C+

eβ  ≤   α   ⇐⇒   (r

n) −   (s

n) ∈ C+

Isto significa que devemos provar que: dados α   e   β , como acima, umadas possibilidades

(sn

) −   (rn

) ∈ C+

ou(r

n) −   (s

n) ∈ C+

necessariamente ocorre. Pelo corolario 6   (p. 421)   ocorre exatamente umadas possibilidades:

(i)   (rn − s

n) e uma sequencia nula, isto e, (r

n − s

n)→ 0;

(ii)   (rn − s

n) possui a propriedade  p.

(iii)   (rn − s

n) possui a propriedade q .

No primeiro caso resulta,

rn ∼ s

n  ⇒   (r

n) = (s

n)   ⇒   (s

n) − (r

n) = 0 ∈ C+

No segundo caso resulta,

 p

(r

n − s

n)

  ⇒   (r

n − s

n) = (r

n) − (s

n) ∈ C+

No terceiro caso resulta,   (lema 22, p. 423)q 

(rn − s

n)   ⇒   p

− (rn − s

n)   ⇒   (s

n − r

n) = (s

n) − (r

n) ∈ C+

Proposicao 69.   Sejam α,   β    e   γ  classes quaisquer. Entao

OA)   α ≤   β   ⇔   α + γ  ≤   β  + γ    (compatibilidade com a adicao)

Prova: Consideremos  α  = (rn

),   β  = (sn

) e   γ  = (tn

). Temos:

α + γ  = (rn

) + (tn

) = (rn

) + (tn

)

eβ  + γ  = (s

n) + (t

n) = (s

n) + (t

n)

Entao

α ≤   β   ⇔   (sn

) −   (rn

) ∈ C+

⇔   (sn

) −   (rn

) ∈ C+

⇔   (sn

) + (tn

) −   (rn

) − (tn

) ∈ C+

⇔   (sn

) + (tn

) −   (rn

) + (tn

) ∈ C+

430

Page 432: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 432/515

Portanto,

α + γ  ≤   β  + γ   ⇔   (sn

) + (tn

) −   (rn

) + (tn

) ∈ C+

Proposicao 70.   Sejam  α,   β   e   γ  classes quaisquer. Entao, se

OM)   α ≤ β    e   γ  ≥ 0   ⇒   α · γ  ≤ β · γ 

Esta e conhecida como  compatibilidade com a multiplicac˜ ao.

Prova: Consideremos  α  = (rn

),   β  = (sn

) e   γ  = (tn

). Temos:

α

·γ  = (r

n)

 ·  (t

n) = (r

n)

 ·  (t

n)

eβ · γ  = (s

n) ·   (t

n) = (s

n) ·   (t

n)

Vamos separar nosso problema em hipotese e tese, assim:

H :

(r

n) ≤   (s

n)   ⇐⇒   (s

n) −   (r

n) ∈ C+;

γ  ≥ 0   ⇐⇒   γ  ∈ C+.

T:   α · γ  ≤ β · γ   ⇐⇒   (sn

) ·   (tn

) −   (rn

) ·   (tn

) ∈ C+.

Entao, pelo lema 24  (p. 426), temos: (s

n) −   (r

n)

  (tn

) ∈ C+

Daqui segue o resultado desejado.  

Notacao:   A  estrutura construida ate este momento sera denotada por C :

C = (C,  +, · , ≤)

Teorema 80   (Propriedade arquimediana).   A ordenacao de   C   e arquime-diana.

Isto significa que qualquer classe, ou e menor que  ¯1   ou e menor que asoma de um numero   N   de parcelas iguais a   1.

Prova: Seja   α  = (rn

) ∈ C. Como (rn

) e uma sequencia de Cauchy, segueque (r

n) e limitada   (prop. 54, p. 397), logo, existe   M > 0,   M   racional, tal

quern ≤ M,   ∀ n ∈ N.

Como   Q   e arquimediano, segue que existe  m ∈ N  tal que m ·1 ≥ M  + 1.Sendo assim resulta

m · 1 ≥ M  + 1 ≥ rn

 + 1,   ∀ n ∈ N.

431

Page 433: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 433/515

Ou ainda

m · 1 − rn ≥ 1,   ∀ n ∈ N.Observe que isto significa

m · 1 − r1 ≥ 1

m · 1 − r2 ≥ 1

m · 1 − r3 ≥ 1. . . . . . . . . . . . .

Tendo em conta que   1 = (1,  1,  1, . . .) podemos escrever de forma sucinta

m 1 − (rn)

Tomando N   = 1 e   c = 1/2, a propriedade p,

 p

m 1 − (rn

)

  : ( ∃ c ∈ Q, c >  0, ∃ N   : ∀ n ≥ N   ⇒   m 1 − rn

 > c )

estara satisfeita. Logo, pela definicao de C+ (p. 426), temos   m 1 − (rn

) ∈C+. Pela definicao de ≤   (p. 427) isto implica que

(rn

) ≤   m 1   ⇒   m 1 ≥   (rn

)

Corolario 7.   Sejam a,  b ∈ C  , com  b = 0, existe n ∈ Z   tal que  n b > a.

Prova: Como C   e arquimediano e  b = 0   entao existe  m ∈ N   tal que

m 1 > a

b

  ⇒   m |b| > |a| ≥ a.

Portanto,  n b >  a, onde  n  = ± m  segundo se  b >  0   ou   b <  0.  

Imersao de   Q   em CA rigor as estruturas   Q   e C   sao totalmente distintas, inclusive porque

tem elementos de naturezas distintas. Por exemplo, comparemos os elemen-tos neutros das adicoes nestes dois sistemas:

0 =   (rn) ∈ A : ∈ C(rn) → 0

¯0 = { (0, β ):  β  ∈ Z∗ } ∈ Q

Nao obstante, existe uma perspectiva pela qual podemos fazer uma“imersao” de Q   em C . Assim como identificamos um numero inteiro coma fracao que tem por numerador este numero inteiro e por denominador aunidade (ver secao 7.3, p. 242) podemos identificar   o  numero   racional   rcom o numero

r = (r, r, r, . . .)

432

Page 434: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 434/515

esta identificacao e feita atraves de uma aplicacao, assim,

Ψ :   Q   Cr   r

  ∴   Ψ(r) = r

Teorema 81.  A aplicacao

Ψ :   Q   Cr   r

  ∴   Ψ(r) = r

e injetora e tem as seguintes propriedades:

( i ) Ψ( p + q ) = Ψ( p) + Ψ(q ),   isto e,   ( p + q ) = p + q 

( ii ) Ψ( p ·  q ) = Ψ( p) ·   Ψ(q ),   isto e,   ( p ·   q ) = p  ·   q 

(iii)   p < q  ⇔   Ψ( p)   <   Ψ(q ),   isto e, p < q   ⇔   p < q 

( i v )   p = q  ⇔   Ψ( p) = Ψ(q ),   isto e, p =  q  ⇔   p =  q 

Prova: ( i ) ( p + q ) =  p + q .

Temos

( p + q ) = ( p + q, p + q, p + q, . . .)

= ( p, p, p, . . .) + (q, q, q, . . .)

= ( p, p, p, . . .) + (q, q, q, . . .) = p + q 

(i i) ( p · q ) = p · q .

Temos

( p · q ) = ( p · q, p · q, p · q, . . .)

= ( p, p, p, . . .) · (q, q, q, . . .)

= ( p, p, p, . . .) ·   (q, q, q, . . .) = p · q 

(iii) p < q  ⇔   p < q . Temos duas provas a fazer:

(⇒)  p < q  ⇒   p < q . Tomando p < q   como hipotese devemos provar que

q − p >  0

Como  q − p > 0, pela proposicao 68   (p. 428), temos

(q − p) = (q − p, q − p, q − p, . . .) >  0

433

Page 435: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 435/515

Isto e

(q, q, q, . . .) −   ( p, p, p, . . .) >  0(⇐)  p < q  ⇒   p < q . Tomando

q − p >  0

como hipotese devemos provar que  q − p >  0. Temos

q − p = (q − p) >  0

Pela proposicao 68   (p. 428) temos  q − p > 0.

( i v )  p  =  q  ⇔   p =  q . Temos duas provas a fazer:

(⇒)  p  =  q  ⇒   p =  q . Tomando p  =  q   como hipotese devemos provar que

( p, p, p, . . .) = (q, q, q, . . .)

trivial.

(⇐)  p  =  q  ⇒   p =  q . Tomando

( p, p, p, . . .) = (q, q, q, . . .)

como hipotese devemos provar que  p  =  q . Da hipotese segue que ( p) ∼ (q ),pela definicao 76   (p.403) temos ( p − q ) → 0, isto e

limn ( p − q ) = 0

Logolim

n( p − q ) = 0   ⇒   lim

n p = lim

nq    ⇒   p =  q.

Com este teorema fizemos uma   imersao  de  Q   em C . De outro modo,obtivemos uma copia algebrica de   Q   em   C . Ademais, esta copia respeita(preserva) a ordenacao. A aplicacao a esquerda a seguir

Ψ :   Q   Cr   r

Ψ :   Q   Ψ(Q) 

→ Cr   r

 Imers~ao

e apenas injetora, como vimos. O contradomınio da aplicacao a direita eΨ(Q) (imagem do domınio de Ψ), portanto, a aplicacao a direita e umabijecao.   Nota: por um abuso de notacao mantivemos a mesma letra, Ψ.

Ψ(Q) e uma copia de Q   em C , sendo Ψ(Q) precisamente o conjunto dasclasses racionais. Estamos chamando de “classe racional ” uma classe cujoselementos sao sequencias equivalentes a sequencias constantes de numerosracionais (r, r, r, ...).

434

Page 436: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 436/515

Por exemplo, a classe 0   e a classe racional onde moram todas as sequencias

que convergem para 0   (p. 408); a classe  1   e a classe racional onde moramtodas as sequencias que convergem para 1   (p. 412). Nao obstante, considerea classe a qual pertence a sequencia (r

n) dada no exemplo da pagina 398.

Nenhuma sequencia constante com r′n

 = r,   r   racional, pode pertencer a essaclasse, caso contrario,   r

n −   r′

n  teria de tender a zero, o que e impossıvel.

Sendo assim, C − Ψ(Q) = ∅.

Observamos ainda que o corpo ordenado dos numeros racionais e   iso-morfo  ao corpo ordenado de todos as classes racionais, como diriamos:

Q ∼=   Ψ(Q)

o que nos permite identificar a classe racional r   com o numero racional  r.Obviamente que r   e r   sao elementos de naturezas distintas, completamentedistintas, mas para efeitos do “jogo” (soma, produto, ordem) eles tornam-seindistintos. Por oportuno, facamos uma analogia: como ja vimos no jogo dexadrez podemos jogar tanto com as pecas do xadrez como com cereais, paraefeitos do jogo o resultado e o mesmo.

...  ...

⇐⇒

Como elementos   r   e r   diferem tanto quanto um rei de um caro co defeijao. No entanto, na estrutura (como numeros) sao indistintos.

Antes de prosseguir vejamos como podemos escrever a imagem de umafracao   mn ∈ Q  por Ψ, isto e

Ψ :   Q   Ψ(Q) 

→ Cmn   ( m

n )

 Imers~ao

Temos

m = (m, m, m, ...) e   n = (n, n, n, .. .)

435

Page 437: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 437/515

Logo mn

 =   mn

  =   (m, m, m, ...)(n, n, n, ...)

Temos

m 1 = 1 + 1 + 1 + · · · + 1        m parcelas

Isto e

m 1 = (1,  1,  1, . . .) + (1,  1,  1, . . .) + (1,  1,  1, . . .) + · · · + (1,  1,  1, . . .)

= (1 + 1 + 1 + · · · + 1,  1 + 1 + 1 + · · · + 1,  1 + 1 + 1 + · · · + 1, . . .)

= (m, m, m, .. .) = m

Logo

Ψm

n

 =

  m 1

n 1

Proposicao 71.   Dados a,  b ∈ C   quaisquer, com a <   b, existe r ∈  Ψ(Q)tal que

a < r < b

Lembramos:

Ψ :   Q   Ψ(Q) → C

r   r

 Imers~ao

Prova: Sendo C   arquimediano e   b − a = 0, pelo corolario 7  (p. 432) existen ∈ Z   tal que

n(b − a) >  1

Como  b − a > 0, temos que  n >  0, logo

b − a > 1n 1

  ⇒   b − a < 1n 1

  (10.20)

Nota:   Lembramos que

n 1 = 1 + 1 + · · · + 1        n parcelas

Por outro lado, seja

S  =

x ∈ Z :  x 1 > n a

436

Page 438: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 438/515

Como C   e arquimediano temos que  S  = ∅. Ademais, S   e limitado inferior-

mente; de fato, supondo  ℓ ∈ Z   tal que  ℓ 1 > − a, resulta

x 1 > n a > −n ℓ 1,

para todo  x ∈ S . Portanto,  x > −n ℓ.

Seja  m  = min S  (que existe pelo PBO). Temos entao que

m 1 > n a   ⇒   m 1

n 1  > a

Tambem

(m

−1) 1

≤n a

  ⇒  (m − 1) 1

n 1   ≤a

Tendo em conta (10.20) podemos escrever

a < m 1

n 1  =

 (m − 1) 1

n 1  +

1

n 1 < a + b − a = b

Agora basta tomar r =   m 1n 1

 .

Distancia entre classes

Assim como definimos a distancia entre dois numeros racionais   (p. 256),

definiremos a distancia entre duas classes. Ou ainda, dotaremos C   de umaestrutura de espaco metrico.

Iniciamos definindo modulo (ou valor absoluto) de uma classe.

Definicao 86 (Valor absoluto de uma classe).   Seja α ∈ C , definimos o valorabsoluto de  α   representado por |α|, do seguinte modo

|α| =

α,   se   α ≥ 0 ;

−α,   se   α < 0 .

Definicao 87   (Distancia entre classes).   Sejam   α, β  ∈ C , denomina-sedistancia entre estas duas classes a classe obtida da seguinte forma:

d(α, β ) = |α − β |

437

Page 439: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 439/515

Lema 25.   Para  r, s ∈ Q   vale a seguinte identidade:

| r − s | = |r − s|

Prova: Antes, atente para o fato de que do lado esquerdo da identidadeacima temos o modulo definido em C  e do lado direito temos uma distanciaem  Q. Entao, Temos, por definicao

| r − s | =

r − s   se   r − s ≥ 0 ;

− r − s   se   r − s < 0.

Na primeira possibilidade devemos provar que

r − s = |r − s|

Ou inda

r − s = |r − s| ⇔   (r − s) ∼ |r − s| ⇔ (r − s) − |r − s| → 0

Fizemos uso do teorema 81   (p. 433)  (item ( iii )). A segunda possibilidade etratada de modo analogo.  

Consideremos o conjunto Ψ(Q) das classes racionais, algebricamente iso-morfo aos racionais  Q.

Q ∼=   Ψ(Q)Ψ :   Q   Ψ(Q)

 

→ Cr   r

 Imers~ao

A palavra   isometria   literalmente significa “medidas iguais” j´ a que e derivada das raızes gregas isos (“igual”) e metron (“medida”).

A metrica do espaco C   induz uma metrica em Ψ(Q). A correspondencia do

isomorfismo conserva igualmente a distancia entre os pares correspondentes,este e o conteudo do proximo

Teorema 82.   Ψ(Q) e   Q   sao espacos isometricos.

Prova: Consideremos r   e s  duas classes em Ψ(Q), entao

d(r,  s) = |r − s| = | r − s | = |r − s|

A distancia entre os dois numeros racionais e  |r − s|, que e o numero queem  Q  corresponde a |r − s|   de Ψ(Q).  

438

Page 440: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 440/515

Lema 26.  Sejam (rn

) e (sn

) sequencias de Cauchy. Se existir N   tal que

rn ≥ s

n ,   ∀ n ≥ N,

entao (rn

) ≥   (sn

)

Prova: Facamos uma prova indireta. Suponha

rn ≥ s

n ,   ∀ n ≥ N    e (r

n)   <   (s

n)

Logo(r

n)   <   (s

n)   ⇒   (r

n) −   (s

n) <  0

Isto significa que a sentenca  q    (def. 81, p. 419)

(rn − s

n)

  : ( ∃ c ∈ Q, c >  0, ∃ N ′  :  ∀ n ≥ N ′   ⇒   rn − s

n < −c )

e verdadeira. Daqui derivamos uma contradicao com a hipotese.  

Observe que, pelo teorema 81   (p. 433), a cada numero racional corres-ponde uma classe, como na figura da esquerda a seguir:

Ψ :   Q   Cr   r

Ψ :   Q   Crn

  rn

Logo, para cada termo de uma sequencia de racionais (rn

) correspondeuma classe em C, a qual estamos representando por r

n, como na figura da

direita.

Provaremos a partir de agora que as sequencias de Cauchy em C   sao con-vergentes. Adotaremos as mesmas definicoes usadas em  Q   para sequenciasconvergentes e sequencias de Cauchy em  C ; naturalmente ha necessidadede adaptacao da notacao. Por exemplo, onde la   (p. 385)  tınhamos  ε ∈  Q   eε >  0, na adaptacao da definicao teremos ε ∈ C   e ε > 0.

439

Page 441: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 441/515

Lema 27.  Seja (rn

) uma sequencia de Cauchy de numeros racionais. Entao,

(rn) e o limite da sequencia (rn), isto e

limn → ∞ r

n = (r

n)

Antes da prova vejamos um exemplo particular. A sequencia (rn

) dada

por  rn

 =  n

n + 1, converge para 1, como ja vimos. A seguir ilustramos as

duas sequencias, assim:

rn ∈ Q   r

n ∈ C

1

2

1

2

23

23

34

34

...  ...

↓ ↓1   •←−   lim

n → ∞ rn   = 1

2,  2

3,  3

4, . . .

Observe que nao e necessario que a sequencia de Cauchy (rn) seja con-vergente. Por exemplo, para a sequencia   (p. 398)

r1  = 1 , rn+1  =

  4 rn2 + r2

n

,   ∀ n ≥ 1.

temos

rn ∈ Q   r

n ∈ C

1 1

4

3

4

3

2417

2417

...  ...

↓ ↓◦   •←−   lim

n → ∞ rn

  =

1,  4

3,  24

17, . . .

Embora a sequencia da esquerda nao seja convergente em Q  a proposicaoafirma que a sequencia da direita e convergente em C .

440

Page 442: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 442/515

Prova: Dado ε ∈ C, ε >  0, pela densidade de Q  existe um racional  ǫ > 0

tal que 0 < ǫ < ε. Pelo teorema 81  (p. 433)  (item ( iii )) temos 0 <  ǫ <  ε.Sendo (r

n) uma sequencia de Cauchy, para o racional   ǫ >   0 existe  n0

tal que|r

m − r

n| < ǫ ,   ∀ m, n ≥ n0.   (10.21)

Para cada   m ≥ n0   fixo, teremos

|rm − r

n| < ǫ ,   ∀ n ≥ n0.

De passagem observe que, a bem da verdade, temos uma “matriz”, assim:

|rn0

−rn0

|< ǫ

  |rn0

−rn0 +1

|< ǫ

  |rn0

−rn0 +2

|< ǫ

  |rn0

−rn0 +3

|< ǫ . . .

|rn0 +1 − rn0

| < ǫ   |rn0 +1 − r

n0 +1| < ǫ   |rn0 +1 − r

n0 +2| < ǫ   |rn0 +1 − r

n0 +3| < ǫ . . .

|rn0 +2 − rn0

| < ǫ   |rn0 +2 − r

n0 +1| < ǫ   |rn0 +2 − r

n0 +2| < ǫ   |rn0 +2 − r

n0 +3| < ǫ . . .

|rn0 +3 − rn0

| < ǫ   |rn0 +3 − r

n0 +1| < ǫ   |rn0 +3 − r

n0 +2| < ǫ   |rn0 +3 − r

n0 +3| < ǫ . . .

· · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · ·

Como diziamos, para cada   m ≥ n0  fixo, teremos

rm − ǫ < r

n < r

m +  ǫ ,   ∀ n ≥ n0 .

Sendo assim, pelo lema 26   (p. 439), resulta

rm −  ǫ ≤   r

n ≤   r

m +  ǫ

Ou ainda,rm −  ǫ ≤   r

n ≤   r

m +  ǫ

Nota:   Observe a extensao das barras em rm

  e   rn

 , a razao e que noprimeiro caso m   foi fixado, logo,  r

m  e um racional fixado; no segundo caso o

n  varia − como em cada linha da matriz acima −, logo temos uma sequencia,ou seja,  rn  = (rn).

Pois bem, para todo m ≥ n0 , temos

|rm − r

n| ≤ ǫ <  ε   (10.22)

Isto significa que a sequencia (rm

) converge para a classe rn

, isto e

limm → ∞ r

m = r

n

Nota:   Observe que ao utilizar o lema 26 fizemos uma troca de metricas,daı a necessidade do teorema 82   (p. 438). A metrica em (10.21) e a de  Q,enquanto que a metrica de (10.22) e a de C .

441

Page 443: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 443/515

Vimos que nem toda sequencia de Cauchy em   Q   e convergente, vamos

mostrar que na extensao C   de   Q   isto sempre vale.

Teorema 83   (Completude).   Toda sequencia de Cauchy em C   converge.

Prova: Seja (R n) uma sequencia de Cauchy em C ; isto significa em parti-cular que dado ε > 0 existe N  ∈ N, tal que

| R n − R m | < ε

3 ,   ∀ m, n ≥ N.

Ademais, para cada  n   podemos encontrar, pela proposicao 71   (p. 436),um numero racional  r

n  tal que r

n  satisfaz

R n − 1n 1

 <  rn

 < R n   +1

n 1

isto e, tal que R n −  rn

 < 1

n 1

Lembramos que

Ψ :   Q   Ψ(Q) 

→ Cr   r

 Imers~ao

ցrn

  esta aqui ւ  rn

  esta aqui

←−  R n   esta aqui

Entao, seja   n0   um natural tal que  n0 ≥  N   e   n0 1  >   3ε . Sendo assim,

para todos  m, n ≥ n0, obtemos

|rn − r

m| = |r

n − R n + R n − R m + R m − r

m|

≤ |rn − R n| + |R n − R m| + |R m − r

m|

<   ε3

 +  ε3

 +  ε3

 = ε.

Tendo em conta que   (teo. 82, p. 438)

|rn − r

m| = |r

n − r

m|

Isso prova que (rn

) e uma sequencia de Cauchy de numeros racionais, logopelo lema 27   (p. 440) temos que

limn →∞ r

n = r

n

442

Page 444: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 444/515

Sendo assim, dado ε >  0 existe  N  ∈ N   tal que

|R n − rn| <

 ε

2  e   |r

n − r

n| <

 ε

2 ,   ∀ n > N 

Logo para n > N , temos que

|R n − rn| ≤ |R n − r

n| + |r

n − r

n| <

 ε

2  +

  ε

2  = ε,

o que prova que

limn →∞ R n =  r

n

e portanto (R n) e convergente.  

Resumindo:

Ψ :   Q   Ψ(Q) 

→ Cr   r

 Imers~ao

ցrn ւ  rn

←−  R n

tem o mesmo limite

Ou ainda,

Q   Ψ(Q)   Cr1   r1   R 1

r2   r2   R 2

r3   r3   R 3

...  ...

  ...

↓ ↓ ↓◦   • •←− −→limn → ∞ rn   = (r1 , r2 , r3 , . . .) = limn → ∞ R n

Com este teorema concluimos a construcao dos reais segundo Cantor.

Notacao:   A  estrutura construida ate este momento denotada por C :

C = (C,  +, ·, ≤)

e o que denominamos de um sistema  completo. Para Cantor um  sistema e completo quando toda sequencia de Cauchy converge.

443

Page 445: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 445/515

Sendo assim, neste momento, as classes de   C   adquirem o status de

numeros reais e podemos trocar de notacao, assim:

C = (C,  +, · , ≤) = R

Apenas a tıtulo de complementacao, diziamos na pagina 400: De umaperspectiva informal podemos afirmar que a sequencia (r

n) do nosso exemplo

nao converge em  Q   pela razao de que existe um “buraco” na reta racional.Veja isto geometricamente:

0

  1

  2

1a

Qr1   r2

−→rn   ↑buraco

Observe como se da “o completamento de Cantor”:

0

  1

  2

1a

Qr1   r2

−→∃   lim

n →∞ rn   ↑buraco

0

  1

  2

Rr1   r2 •−→

rn↑

limn →∞ rn   =

1,

  4

3,

  24

17, . . .

 = (r1 , r2 , r3, . . .)

444

Page 446: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 446/515

O “metodo de Cantor ” para a construcao dos numeros reais atraves das

sequencias de Cauchy serve como modelo em muitos contextos da matematica−  Algebra Linear, Analise, Topologia, etc.   −. Muitos resultados impor-tantes, como por exemplo   teoremas de existencia  dependem da   completeza de  R; como um modesto exemplo, a solucao da equacao  x2 = 2.

Em muitos espacos −  Espacos Vetoriais, Espacos Metricos, etc.  −   naocontamos com uma ordem entre seus elementos, a exemplo de R, mas conta-mos com uma forma de medir a distancia entre seus elementos, daı podemosestender a todos estes espacos as sequencias de Cauchy. A definicao seguintee encontrada em livros de Espacos Metricos   (p. 258)

Definicao 88   (Espacos metricos completos).   Um espaco metrico   (M, d)   e chamado  completo se toda sequencia de Cauchy desse espaco converge para um ponto de  M .

Nos espacos metricos definimos sequencias de Cauchy de modo natural.

Definicao 89 (Sequencias de Cauchy).  Seja  (xn

) uma sequencia num espacometrico  (M, d). Diremos que  (x

n) e uma sequencia de Cauchy se dado  ε > 0

existir um ındice  n0   tal que 

∀m, n

≥n

0   ⇒  d(x

m

, xn

) < ε.

Assim como R   pode ser visto como um completamento de Q, igualmentedado um espaco metrico (M, d) qualquer podemos construir um outro queseja seu completamento −  num sentido apropriado.

Acho que muita gente vai se

beneficiar com este livro.   E claro e

com muitos exemplos e aplicacoes inte-

ressantes. Parabens por ver seu grande

esforco coroado.

(Ubiratan D’Ambrosio/USP)

445

Page 447: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 447/515

Completamento de Cantor & completamento de Dedekind

Veremos agora que o completamento de Cantor implica no completa-mento de Dedekind e reciprocamente. Primeiramente vejamos

Cantor −→  Dedekind

Teorema 84  (Princıpio do Supremo).   Todo subconjunto de   R   nao vazio elimitado superiormente admite supremo.

Prova: Seja  A  um subconjunto de   R   nao vazio e limitado superiormente.Para cada  n ∈ N   defina

S n

 = x∈

Z :  x

n ≥a,

  ∀a

∈A

Daqui resulta evidentemente uma sequencia de conjuntos, assim

S 1  =

x ∈ Z :  x

1 ≥ a,   ∀ a ∈ A

S 2  =

x ∈ Z :

  x

2 ≥ a,   ∀ a ∈ A

S 3  =

x ∈ Z :

  x

3 ≥ a,   ∀ a ∈ A

· · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · ·

Pela propriedade arquimediana de   R   (corol. 7, p. 432), temos que   S n

e nao vazio. Ademais, e claro que  S n

  e limitado inferiormente. Logo, peloPrincıpio da Boa Ordenacao  S 

n  tem um menor elemento que denotaremos

por   xn

. Observe que para decidir se um dado inteiro   x   pertence a   S n

testamo-lo na seguinte  sentenca aberta 

∀ a ∈ A ,  x

n ≥ a

caso seja verdadeira incluimos  x  no conjunto  S n , caso seja falsa nao. Estasentenca e falsa, para um dado inteiro x, se ocorre o seguinte

∃ a ∈ A ,   xn

 < a

446

Page 448: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 448/515

Observe que se   xn

  e o menor elemento de   S n

  entao   xn − 1 nao e o

menor elemento de  S n, isto significa que a referida sentenca aberta resultafalsa para o inteiro  x

n − 1, isto e, existe  a

n ∈ A   satisfazendo

xn

− 1

n  < a

n

Ou aindaxn

− 1

n  < a

n ≤  x

n

n  (10.23)

Observe que esta dupla desigualdade vale para cada  n ∈ N, temos:

S 1  = x ∈ Z :  x

1 ≥ a,   ∀ a ∈ A   ⇒   x1

1 ≥ a,   ∀ a ∈ A,

  x1 − 1

1  < a1 ≤

 x1

1

S 2  =

x ∈ Z :  x

2 ≥ a,   ∀ a ∈ A

  ⇒   x2

2 ≥ a,   ∀ a ∈ A,

  x2 − 1

2  < a2 ≤

 x2

2

S 3  =

x ∈ Z :  x

3 ≥ a,   ∀ a ∈ A

  ⇒   x3

3 ≥ a,   ∀ a ∈ A     

(♣)

,  x3 − 1

3  < a3 ≤

 x3

3

· · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · ·

Consideremos a sequencia definida por

zn  =

  xn

n

Sejam   m   e   n   inteiros positivos. Ademais, suponhamos que∗   xmm   ≤   xn

n   .Tendo em conta (10.23) podemos escrever

xn

n −   1

n < a

n ≤  x

m

m     (♠)

≤   xn

n  <

 xn

n  +

  1

n

Nota:   Para se convencer da desigualdade em (♠) basta atentar para asdesigualdades em destaque em (♣).

Retomando, temos:

xn

n −  1

n < a

n <

 xn

n  +

 1

n  e

  xn

n −  1

n <

  xm

m  <

  xn

n  +

  1

n

Ou ainda

|zn − a

n| <

  1

n  (10.24)

e

|zm − z

n| <

  1

n

∗O outro caso e tratado de maneira analoga.

447

Page 449: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 449/515

Desta ultima desigualdade segue que (zn

) e uma sequencia de Cauchy. Como

R   e completo (zn) e convergente. Digamos que

limn → ∞ z

n = z   (10.25)

Como  zn ≥ a, ∀ a ∈ A, segue que

z = limn →∞ z

n ≥ a,   ∀ a ∈ A.

Pela definicao 64   (p. 373)  z   e uma cota superior de A. Vamos mostrar quez = sup A. Vamos seguir a sugestao do lema 18   (p. 374).

Seja  ε > 0, tomemos   N ′  =   2ε , logo, tendo em conta (10.24), temos que

se  n > N ′, entao

|zn − a

n| <   ε

2

Por outro lado, de (10.25) existe  N ′′   tal que se  n > N ′′, entao

|zn − z| <

  ε

2

Tomando N  = max{ N ′, N ′′ }   temos que se  n > N   resulta

z − an

 = |z − an| ≤ |z − z

n| + |z

n − a

n| <

 ε

2 +

 ε

2 = ε.

Portanto existe  an ∈ A   tal que   z − ε < a

n, isto prova que z  = sup A.  

Agora vejamos que

Dedekind −→   Cantor

Isto significa que admitindo o teorema 67   (p. 357)  devemos provar quetoda sequencia de Cauchy em   R   e convergente. Antes necessitaremos dealguns resultados preliminares.

Teorema dos intervalos encaixantes

Examinaremos agora uma importante propriedade do sistema de numerosreais, a qual esta alicercada na propriedade de completeza deste sistema. Es-

tamos nos referindo a  completeza segundo Dedekind , teorema 67  (p. 357).

Diremos que uma sequencia de intervalos   In,   n ∈   N, e  encaixante   se acadeia de inclusoes se verifica:

I1 ⊃ I2 ⊃ · · · ⊃ In ⊃ I

n+1 ⊃ · · ·Uma sequencia de intervalos encaixantes nao tem necessariamente um pontoem comum. Por exemplo as sequencias dadas por

In = [ n,  +∞ [ e   Jn =

0,  1

n

448

Page 450: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 450/515

sao encaixantes e, no entanto

∞n=1

In = ∅   e∞

n=1

Jn = ∅.

como o leitor pode mostrar facilmente.

Uma propriedade importante do sistema   R   e que toda sequencia encai-xante de intervalos fechados tem um ponto comum. Definimos o compri-mento de um intervalo limitado de extremos  a  e  b, por:

∁ [ a, b ]= b − a

Antes vejamos um exemplo particular de nossa ultima assertiva.Consideremos a sequencia (F

n) de intervalos com termo geral dado por

Fn

 = −   1

n ,   1n

. Temos

∁Fn=   1

n − (− 1n )=

  2

n

Observe no grafico:

R

    ][     · · ·· · ·

∁F 3 = 2/3∁F 2 = 1

∁F 1 = 2

⊢ ⊣

⊢ ⊣

⊢ ⊣

0 112

13−1   − 1

2  − 1

3

Observe que

limn→∞ ∁Fn

  = limn→∞

2

n  = 0

E ainda (prove!)∞

n=1

Fn = { 0 }.

449

Page 451: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 451/515

Teorema 85  (Teorema dos intervalos encaixados).   Seja

[ a1 , b1 ],  [ a2 , b2 ], . . . ,  [ an

, bn

 ], . . .

uma sequencia de intervalos fechados, nao-vazios e satisfazendo as duasseguintes condicoes:

(i) [ a1 , b1 ] ⊃ [ a2 , b2 ] ⊃ · · · ⊃ [ an

, bn

 ] ⊃ · · ·(ii) para todo ε >  0, existe um natural n   tal que∗

bn − a

n < ε

Nestas condicoes, existe um unico numero real   µ   que pertence a todos os

intervalos da sequencia; isto e, existe um unico numero real   µ   satisfazendoan ≤ µ ≤ b

n, para todo natural n.

Prova:

Existencia: Da figura seguinte (ou nao)

R[ [ [   ↑µ

] ] ]a1   a2

· · · · · ·an

· · · · · ·bn   b2   b1

  

extraimos o seguinte conjunto A  = { a1 , a2 , a3 , . . . , an

, . . . }.   A   e nao-vazioe limitado superiormente, pois todo  b

n  e cota superior de  A. Assim, pelo

teorema teorema 67 (p. 357), A  admite supremo; seja µ   tal supremo. Comoµ   e a menor cota superior de  A, para todo natural  n   temos

an ≤ µ ≤ b

n

Deste modo concluimos a prova da existencia de um numero pertencentea todos os intervalos da sequencia.

Unicidade: Para mostrar que nesta intersecao nao pode existir mais que umnumero iremos necessitar da hipotese (ii).

Se  ν   for outro real tal que, para todo  n,

an ≤ ν  ≤ bn

teremos, para todo n,|µ − ν | ≤ b

n − a

n

Tendo em conta a hipotese (ii), obtemos para todo  ε > 0,

|µ − ν | < ε

Logo,  µ =  ν .  

∗Ou seja: a medida que  n   aumenta o comprimentos do intervalo [ an

, bn

 ] tende a 0.

450

Page 452: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 452/515

Teorema 86  (Teorema de Bolzano-Weierstrass).   Toda sequencia limitada

possui uma subsequencia convergente.

Prova: A demonstracao sera feita pelo chamado metodo da bissec˜ ao. Sendo(x

n) limitada entao existe uma constante   c > 0 tal que |x

n| ≤ c   para todo

ındice  n. Entao  xn ∈   [ −c, c ] para todo  n   natural. Dividindo este inter-

valo ao meio: [ −c,   0 ] e [ 0, c ], obtemos dois subintervalos de comprimento2c/2, um dos quais contera, necessariamente,   x

n  para infinitos indıces   n;

chamemos de   I1   esse intervalo. Em seguida dividimos  I1   ao meio; nova-mente obtemos dois subintervalos, agora cada um de comprimento 2c/22;um desses subintervalos contera, necessariamente,  xn   para infinitos indıcesn; chamemos de   I2   esse intervalo. Continuando desta maneira obtemos

uma sequencia de intervalos   I1,   I2,   I3, . . .   com   I1 ⊃   I2 ⊃   I3 ⊃ · · · . Ocomprimento de   In   e 2c/2n, o qual tende para 0 quando   n → ∞. Peloteorema dos intervalos encaixados existe exatamente um ponto   µ ∈  In

(na intersecao de todos esses intervalos). Dos infinitos ındices   n   presentesem   I1   escolhamos um:   n1  e guardemos, numa lista, o termo correspon-dente: (x

n1, . . .). Dos infinitos ındices  n   presentes em  I2   escolhamos um:

n2  > n1   e guardemos, na lista, o termo correspondente: (xn1

, xn2

, . . .). Dosinfinitos ındices  n   presentes em   I3   escolhamos um:   n3  > n2   e guardemos,na lista, o termo correspondente: (x

n1, x

n2, x

n3, . . .).

−c   0   c   I0

  

0   cI1↑

xn1

  

cI2ր

xn2

  

րxn3

     I3  

...

Ik↑xnk

  

Entao (xnk

) e uma subsequencia de (xn

), e   xnk

e   µ   estao ambos con-

tidos em   Ik. Sendo assimx

nk− µ

 <   2c

2k, e, deste modo, lim

kxnk

= µ.  

451

Page 453: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 453/515

Lema 28.   Seja (xn

) uma sequencia de Cauchy em  R. Se existe uma sub-

sequencia de (xn) que converge para µ ∈ R, entao limn xn  = µ.

Prova: Seja (xn1

, xn2

, . . .) uma subsequencia conforme o enunciado. Entaopara todo  ε > 0, existe um ındice  n

k  tal que:

∀ ni ≥ n

k  =⇒ |x

ni− µ| <

  ε

2  (10.26)

Por outro lado, sendo (xn

) uma sequencia de Cauchy, existe um ındice  n0

tal que:

∀ m, n ≥ n0   =⇒ |xm − x

n| <

  ε

2  (10.27)

Consideremos um ponto xnj da subsequencia. A desigualdade

|xn − µ| ≤ |x

n − x

nj| + |x

nj

− µ|

e sempre valida. Devemos provar que

|xn − µ| ≤ |x

n − x

nj| + |x

nj

− µ| < ε

para isto e suficiente que tenhamos

|xnj

− µ| <  ε

2  e   |x

n − x

nj| <

  ε

2  (10.28)

Por (10.26) devemos escolher   nj  ≥   nk   e por (10.27) devemos escolhern ≥ n0   e   n

j ≥ n0. A fim de unificar os ındices facamos n ′ = max{ n0 , n

k}.

Logo, para   nj ≥  n′   e   n ≥  n′   teremos as desigualdades em (10.28) satis-

feitas. Sendo assim conseguimos um ındice   n′  de modo que

∀ n ≥ n′   ⇒ |xn − µ| < ε.

Isto e suficiente para garantir a convergecia de (xn).  

Vamos agora provar novamente o teorema 83  (p. 442).

Teorema 87   (Completude).   Toda sequencia de Cauchy em   R   converge.

Prova: Toda sequencia de Cauchy e limitada∗, logo, pelo Teorema deBolzano-Weierstrass, (x

n) possui uma subsequencia (x

nk) tal que lim

kxnk

=

µ. Pelo lema anterior limn

xn

 = µ.  

∗Basta adaptar a prova da proposicao 54 (p. 397).

452

Page 454: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 454/515

Capıtulo 11

NUMEROS REAIS AZUIS

E VERMELHOSA luz do sol e composta por todas as cores do espectro, e por isso e 

branca.

Para obter os numeros reais azuis e vermelhos basta, em qualquer dasconstrucoes dos capıtulos 9 e 10, trocar as cores dos numeros racionais.

Apenas a tıtulo de mera ilustracao, veja:√ 2 = 1.41421356237 . . .

Entao, √ 2 = 1.41421356237 . . .

Ou ainda,√   =   .   . . .

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...

Temosπ = 3.14159265359 . . .

Entao,π = 3.14159265359 . . .

Ou ainda,

π =   .   . . .

...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...  ...

  ...  ...

453

Page 455: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 455/515

QUEIMAO DE LIVROS

“Acho que muita gente vai se beneficiar com este livro.

E claro e com muitos exemplos e aplicacoes interessantes.

Parabens por ver seu grande esforco coroado.”

(Ubiratan D’Ambrosio/USP)

“Obras colocadas no ‘ındex’ pela UFRR.”

“Um Sacrifıcio no Altar da Estupidez.”

“Ok, ...A Estupidez Venceu!”(UFRR/13.05.2014/Prof. Gentil, o iconoclasta)

(p. 508)

454

Page 456: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 456/515

Capıtulo 12

NUMEROS COMPLEXOS

A inerente tendencia humana a apegar-se ao “concreto”, conforme exemplificado pelos n´ umeros naturais, foi respons´ avel por esta lentid˜ aoem dar um passo inevit´ avel. Somente na esfera do abstrato um sistema satisfat´ orio de aritmetica pode ser criado.   (Richard Courant)

Introducao:

Quando me refiro aos “sistemas numericos” tenho em mente os numeroscanonicos, listados a seguir, evidentemente que os numeros (tipos de numeros)sao potencialmente infinitos, “a depender de nossa criatividade”; por exem-

plo no capıtulo seguinte estarei exibindo um sistema numerico desenvolvidopor mim, os  n´ umeros hipercomplexos .

0   →   N   →   Z   →   Q   →   R   →   C

Pois bem, de todos os sistemas numericos,o de construcao mais facil e o dos numeros com-plexos.

Ora, se a aceitacao dos numeros negativos pela comunidade matematicafoi bastante problematica, imagine a dos numeros complexos.

Tinha havido em Cambridge uma tendencia t˜ ao conservadora em ´ algebra quanto na geometria e na an´ alise; ao passo que, no Conti-nente, os matem´ aticos estavam desenvolvendo a representac˜ ao gr´ afica dos n´ umeros complexos, na inglaterra havia protestos de que mesmo os n´ umeros negativos n˜ ao tinham validade.   (Boyer, p. 420)

Isto tudo dentro do ja avancado Seculo XIX.

455

Page 457: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 457/515

Acredito que a citacao em epıgrafe explica como, inclusive, um dosmaiores matematicos de todos os tempos claudicava no entendimento doque fosse um numero complexo, veja como nao estou mentindo:

A ambivalencia dos matem´ aticos do Seculo XVIII em relac˜ ao aos n´ umeros complexos pode mais uma vez ser evidenciada em Euler. Apesar de seus trabalhos em que ensinava a operar com eles, afirma 

“Como todos os n´ umeros concebıveis s˜ ao maiores ou menores doque zero ou iguais a zero, fica ent˜ ao claro que as raızes quadradas de n´ umeros negativos n˜ ao podem ser incluıdas entre os n´ umeros possıveis [n´ umeros reais]. E esta circunstˆ ancia nos conduz ao conceito de tais 

n´ umeros, os quais, por sua pr´ opria natureza, s˜ ao impossıveis, e que s˜ aogeralmente chamados de n´ umeros imagin´ arios, pois existem somente na imaginac˜ ao.”   [7]

An passant, gostaria de generalizar a ultima afirmacao do eminenteEuler: diria que nao apenas os numeros imaginarios existem apenas naimaginacao, como   tudo  o mais neste mundo existe apenas na imagina cao(mente), a exemplo do pernilongo de Einstein   (p. 40), como ja argumenta-mos de sobejo no capıtulo 1.

Retomando, nao e Deus − ou a “Natureza” −  quem diz o que deve serum numero complexo mas sim nos (homens) e que decretamos:  um numero

complexo e o que resulta do sistema numerico dado a seguir:

A1 ) (a + b) + c =  a + (b + c)

A2 )   ∃ 0 ∈ C :   a + 0 = 0 + a =  a

A3 )   a + b =  b + a

A4 )   ∀ a ∈ C, ∃ − a ∈ C :   a + (−a) = 0

M 1 ) (a · b) · c =  a · (b · c)

M 2 )

  ∃1

∈C :   a

·1 = 1

·a =  a

M 3 )   a · b =  b · a

M 4 )   ∀ a ∈ C∗, ∃   a−1 ∈ C :   a · a−1 = 1

D)   a · (b + c) = a · b + a · c

I  )   ∃ a ∈ C :   a2 = a · a = −1

C

Estas sao as  especificacoes   que caracterizam os numeros complexos,que conferem a identidade dos numeros complexos.

456

Page 458: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 458/515

Em destaque a principal propriedade algebrica que diferencia este sis-

tema de todos os anteriores.Com esta propriedade estaremos aptos a resolver, em   C, equacoes do

tipo:   x2 + 1 = 0, que nao tem solucao no universo dos numeros reais.

A propriedade referida so pode ser obtida com o sacrifıcio da ordenacao,como estaremos provando oportunamente. De outro modo,   o sistema dosnumeros complexos e um corpo nao ordenado −  entendo-se por ordenacaoa lista no quadro da pagina 154.

Um hardware para os   Complexos

R2

0

   (x, y)

O hardware que escolheremos para a

implementacao do sistema dos numeroscomplexos e o produto cartesiano

R2 =

(x, y) :  x, y ∈ R

de pares ordenados de numeros reais. Nocontexto dos numeros complexos e usualrepresenta-se cada par ordenado (x, y)com o sımbolo  z , isto e,  z = (x, y).

OperacoesAs duas operacoes com as quais teremos condicoes efetivas de implemen-

tar todas as especificacoes para os numeros complexos sao dadas a seguir:

(a, b) + (c, d) = (a + c, b + d)

(a, b) ·   (c, d) = (ac − bd, ad + bc)

Observe esta construcao no esquema a seguir,

R R ×  RR

R

+

·   C = (R2,  +, ·)

- Conjunto

(aqui temos meros elementos)

- Estrutura

(aqui temos os numeros complexos)

457

Page 459: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 459/515

Teorema 88   (Associativa).   Sejam   z1   = (a, b),   z2   = (c, d) e   z3   = (e, f )

pares quaisquer. Vale a seguinte igualdade:A1 ) (z1 + z2 ) + z3  = z1 + (z2 + z3 ),   ∀ z1 , z2 , z3 ∈ C.

Prova: Com efeito,

(z1 + z2 ) + z3  = [ (a, b) + (c, d) ] + (e, f )

= (a + c, b + d) + (e, f )

=

(a + c) + e, (b + d) + f 

=

a + (c + e), b + (d + f )

= (a, b) + ( c + e, d + f  )

= (a, b) + [ (c, d) + (e, f ) ] =  z1 + (z2 + z3 )

Teorema 89 (Elemento neutro).  A2 ) ∃ 0 ∈ C :   z+0 =  0+z  =  z,   ∀ z ∈ C.

Prova: Fazendo   z  = (a, b), procuramos   0 = (x, y) satisfazendo

(a, b) + (x, y) = (a, b)   ⇔

 a + x =  a

b + y =  b⇔

 x  = 0

y = 0

Portanto existe   0   = (0,   0), chamado   elemento neutro   para a adicao, quesomado a qualquer par ordenado z  da como resultado o proprio  z .

E facil mostrar que  0   e tambem elemento neutro pela esquerda, e, ade-mais, e unico.  

Teorema 90   (Comutativa).   A3 )   z1 + z2  = z2 + z1 ,   ∀ z1 , z2 ∈ C.

Prova: Fazendo   z1  = (a, b) e   z2  = (c, d), temos

z1 + z2  = (a, b) + (c, d) = (a + c, b + d)

= (c + a, d + b)

= (c, d) + (a, b) = z2 + z1

Teorema 91   (Oposto aditivo).   A4 )   ∀ z ∈ C, ∃   z′ ∈ C :   z + z′  =  0.Prova: Fazendo   z  = (a, b), procuramos   z′  = (x, y) satisfazendo

(a, b) + (x, y) = (0,  0)   ⇔

 a + x = 0

b + y = 0⇔

 x  = −a

y = −b

Portanto existe   z′   = (−a, −b), chamado   simetrico   ou   oposto aditivo   dez, que somado a qualquer par ordenado   z   = (a, b) da como resultado oelemento neutro da adicao, (0,  0).  

Notacao:   z′  = (−a, −b) = −z  = −(a, b).

458

Page 460: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 460/515

Teorema 92  (Associativa).   Sejam   z1   = (a, b),   z2   = (c, d) e   z3   = (e, f )

pares quaisquer. Vale a seguinte igualdade:M 1 ) (z1 · z2 ) · z3  = z1 · (z2 · z3 ),   ∀ z1, z2 , z3 ∈ C.

Prova: Com efeito,

(z1 · z2 ) · z3  = [ (a, b) · (c, d) ] · (e, f )

= (ac − bd, ad + bc) · (e, f )

=

(ac − bd)e − (ad + bc)f,  (ac − bd)f  + (ad + bc)e

= (ace − bde − adf  − bcf, acf  − bdf  + ade + bce)

= a(ce − df ) − b(de + cf ), a(de + cf ) + b(ce − df ) = (a, b) · (ce − df, cf  + de)

= (a, b) · [ (c, d) · (e, f ) ] =  z1 · (z2 · z3 )

Teorema 93 (Elemento neutro).   M 2 )  ∃ 1 ∈ C :   z · 1 =  1 · z  =  z,   ∀ z ∈ C.

Prova: Fazendo   z  = (a, b), procuramos   1 = (x, y) satisfazendo

(a, b)·(x, y) = (a, b)   ⇔   (ax−by, ay +bx) = (a, b)   ⇔

 ax − by =  a

ay + bx =  b

Devemos resolver este sistema para as incognitas  x   e   y. Multiplicandoa primeira equacao por a   e a segunda por b   obtemos:

 ax − by =  a

ay + bx =  b⇔

 a2x − aby =  a2

bay + b2x =  b2⇔

 x = 1

y = 0

Nota:  Supomos   a2 + b2 = 0, caso (a, b) = (0,  0), o resultado da no mesmo.

Portanto existe   1   = (1,  0), chamado   elemento neutro   para a multi-plicacao, que multiplicado por qualquer par ordenado  z   da como resultadoo proprio  z .

E facil mostrar que  1   e tambem elemento neutro pela esquerda, e, ade-

mais, e unico.  

Teorema 94   (Comutativa).   M 3 )   z1 · z2  = z2 · z1 ,   ∀ z1 , z2 ∈ C.

Prova: Fazendo   z1  = (a, b) e   z2  = (c, d), temos

z1 · z2  = (a, b) · (c, d) = (ac − bd, ad + bc)

= (ca − db, cb + da)

= (c, d) · (a, b) = z2 · z1

459

Page 461: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 461/515

Teorema 95  (Elemento inverso).   M 4 )   ∀ z ∈ C∗, ∃ z′ ∈ C :   z · z′  =  1.

Prova: Fazendo   z  = (a, b), procuramos   z′  = (x, y) satisfazendo

(a, b)·(x, y) = (1,  0)   ⇔   (ax−by, ay+bx) = (1,  0)   ⇔

 ax − by = 1

ay + bx = 0

Devemos resolver este ultimo sistema para as incognitas  x   e   y. Multi-plicando a primeira equacao por a   e a segunda por  b   obtemos:

 ax − by = 1

ay + bx = 0⇔

 a2x − aby =  a

bay + b2x = 0⇔

x =  a

a2 + b2

y =   −b

a2 + b2

Nota:  Por hipotese,   a = 0 ou   b = 0, o que implica a2 + b2 = 0.

Portanto existe  z ′  =   a

a2 + b2,

  −b

a2 + b2

, chamado inverso  ou  inverso

multiplicativo   de   z, que multiplicado por   z   = (a, b) da como resultado oelemento neutro da multiplicacao, isto e,   1 = (1,  0).  

Notacao:

z′ =  z−1 = (a, b)−1 =   a

a2 + b2,

  −b

a2 + b2

Divisao

Decorre do teorema anterior que, dados os numeros complexos

z1  = (c, d) = (0,  0) e   z2  = (a, b)

existe um unico  z ∈ C   tal que   z1 · z =  z2 , pois:

z1 · z =  z2   ⇒   z′1 · (z1 · z) = z ′

1 · z2

⇒   (z′1 · z1 ) · z  =  z ′

1 · z2

⇒   1 · z =  z2 · z′1  ⇒   z =  z2 · z′

1

Esse numero z   e chamado quociente  entre z2   e   z1   e e indicado por   z2z1

,

isto e:

z2

z1

= (a, b)

(c, d) = (a, b) · (c, d)−1 = (a, b) ·

  c

c2 + d2,

  −d

c2 + d2

Ou ainda,

z2

z1

= (a, b)

(c, d) = (a, b) ·

  c

c2 + d2,

  −d

c2 + d2

 = ac + bd

c2 + d2, −ad + bc

c2 + d2

460

Page 462: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 462/515

Exemplo:   Na engenharia eletrica se usa com muita frequencia a   ´ algebra 

complexa , por exemplo na analise de circuitos eletricos:

v1+−

R L

C +

−vci

A   lei de Ohm   complexa   e dada por:   V=Z I, relacionando   tens˜ ao,impedˆ ancia   (resitencia) e  corrente .

Sendo dados, por exemplo,  V  = (3,  4) e   Z = (8,  6), para encontrar acorrente devemos dividir dois numeros complexos, assim:

I = V

Z  =

 (3,  4)

(8,  6) = (3,  4)·(8,  6)−1 = (3,  4)·

  8

82 + 62,

  −6

82 + 62

 =   48

100,

  14

100

Teorema 96  (Distributiva).   Sejam  z1   = (a, b),   z2   = (c, d) e   z3   = (e, f )pares quaisquer. Vale a seguinte igualdade:

D)   z1 · (z2 + z3 ) = z1 · z2 + z1 · z3

Prova: Com efeito,

z1 · (z2 + z3 ) = (a, b) · [ (c, d) + (e, f ) ]

= (a, b) · (c + e, d + f )

=

a(c + e) − b(d + f ), a(d + f ) + b(c + e)

= (ac + ae − bd − bf, ad + af  + bc + be)

= (ac − bd) + (ae − bf ),  (ad + bc) + (af  + be) = (ac − bd, ad + bc) + (ae − bf, af  + be)

= (a, b) · (c, d) + (a, b) · (e, f ) = z1 · z2 + z1 · z3

461

Page 463: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 463/515

A propriedade seguinte diferencia a algebra complexa de todas as ante-

riores.

Teorema 97   (Unidade imaginaria).   I  )  ∃ z ∈ C :   z2 = z · z = −1

Prova: Procuramos   z = (x, y) satisfazendo

(x, y)·(x, y) = −(1,  0) ⇔ (x x−y y, x y+y x) = (−1,  0) ⇔

 x2 − y2 = −1

2xy  = 0

Da segunda equacao concluimos que  x  = 0 ou   y = 0. Como  x   e   y   saonumeros reais, concluimos da primeira equacao que  x  = 0, logo, y  = ±1.

Portanto, existem dois numeros complexos satisfazendo a especificacaodo nosso “projeto” (construcao dos numeros complexos), isto e,  z  = (0,  1)e   z  = (0, −1).  

Com este teorema concluimos a construcao dos numeros complexos.

Num corpo ordenado, todo elemento nao-nulo tem quadrado positivo(isto pode ser provado a partir da propriedade de   compatibilidade com a multiplicac˜ ao). Em particular 1 = 1 · 1 >  0.

Vamos provar agora que, ao incluirmos esta especificacao em nosso pro- jeto, estamos sacrificando a  ordenacao de  C.   (p. 154)

Prova: Supondo, ao contrario, que seja possıvel uma ordenacao de C; entao(1,  0) e positivo. Por conseguinte, seu oposto

−(1,  0) = (

−1,  0) e negativo.

Considerando o numero  z   = (0,   1) temos que z2 = (−1,   0) e positivo, re-sultando numa contradicao.  

Fractais

Uma aplicacao da algebra dos numeros complexos da-se na geracao dasimagens conhecidas como  fractais , veja algumas:

462

Page 464: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 464/515

12.1 Imersao de   R  em   C

Consideremos agora a  subestrutura  R   de   C na qual  R  e formado pelospares ordenados cujo segundo termo e nulo:

R =

(a, b) ∈ R2 :  b  = 0

Consideremos agora a aplicacao  f , de  R  em  R, que leva cada  x ∈ R  ao par(x,  0) ∈  R, tipo assim:

R   R

C

a   (a,   0)

b   (b,  0)

a + b   (a + b,  0)

a · b   (a · b,  0)

f   :   R   R

x   (x, 0)

Primeiramente notemos que  f   e  bijetora, pois:

( i )   todo par (x,  0) ∈  R e o correspondente, segundo f , de x ∈ R (isto querdizer que  f   e sobrejetora);

( i i )   Dados  x ∈ R e  x′ ∈ R, com  x = x′  os seus correspondentes (x,  0) ∈  Re (x′,  0) ∈  R sao distintos (isto quer dizer que  f   e injetora).

Em segundo lugar, notemos que   f   preserva as operacoes de adicao emultiplicacao pois,

f (a + b) = (a + b,  0) = (a,  0) + (b,  0) = f (a) + f (b)

No que concerne a multiplicacao, temos:   f (a b) = (a b,  0). Desejamos

mostrar que

f (a b) = f (a) · f (b)

Isto e, que

f (a) · f (b) = (a,  0) · (b,  0) = (a b,  0)

Entao,

(a,  0) · (b,  0) =

a · b −  0 · 0, a · 0 + 0 · b

 = (ab,  0)

463

Page 465: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 465/515

Devido ao fato de existir uma aplicacao   f :   R →   R   que preserva as

operacoes de adicao e multiplicacao, dizemos que  R   e   R sao isomorfos.Devido ao isomorfismo, operar com (x,  0) leva a resultados analogos aos

obtidos operando com   x; em razao disto, de agora em diante, faremos aidentificacao que se segue:

x = (x,  0),   ∀ x ∈ R   (12.1)

Aceita esta convencao, em particular resulta:

0 = (0,  0),   1 = (1,  0),   −1 = (−1,  0), a = (a,  0)

Assim o corpo   R   dos numeros reais passa a ser considerado uma  sub-estrutura do  sistema  C   dos numeros complexos.

De passagem, uma observacao. Nao podemos afirmar que nos complexos1 e positivo ou que −1 e negativo; pois um numero e positivo quando e maiorque zero, e negativo quando e menor que zero; acontece que nos complexosnao sabemos o que significa maior que zero ou menor que zero, apenas pelofato de que  C   nao e ordenado.

∗ ∗ ∗Bertrand Russel   ([18], p. 97)

Um n´ umero “complexo” significa um n´ umero que envolva a raiz quadrada de um n´ umero negativo, quer seja integral, fracion´ ario ou real. Como o

quadrado de um n´ umero negativo e positivo, um n´ umero cujo quadrado deve ser negativo tem de ser um novo tipo de n´ umero.

Nota:   Novamente Russel esta sendo impreciso em sua linguagem, “um n´ umero cujo quadrado deve ser negativo tem de ser um novo tipo de n´ umero”,e possıvel que eu esteja equivocado, no entanto, nao conheco na matematicanenhum numero cujo quadrado seja negativo.

Bertrand Russel   ([18], p. 99)

Assim como e natural (mas errˆ oneo) identificar raz˜ oes cujo denominador e a unidade com n´ umeros inteiros, assim tambem e natural (mas errˆ oneo)identificar n´ umeros complexos cuja parte imagin´ aria e zero com n´ umeros reais.

Nota:  Novamente um equıvoco de Russel, nao e erroneo “identificar n´ umeros complexos cuja parte imagin´ aria e zero com n´ umeros reais.”.

A identificacao (12.1) e legıtima sim senhor.

464

Page 466: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 466/515

Unidade imaginaria

Vamos colocar em destaque um numero complexo especial.

Definicao 90  (Unidade imaginaria).   Chamamos unidade imaginaria e in-dicamos por   i   o numero complexo (0,  1).

Para a razao historica do nome veja citacao de Euler a pagina 13.

Observe a localizacao geometrica deste numero

C

0

    i = (0,  1)

R

R

Este numero e praticamente onipresente na engenharia eletrica e nafısica, em particular na mecanica quantica, atraves da equacao de Schrodinger,

 ja referida na pagina 47,

−  ℏ 2

2m

∂ 2 Ψ(x, t)

∂x2  + V (x, t) Ψ(x, t) =  i ℏ 

∂ Ψ(x, t)

∂t

i = (0,  1)

Lembramos que a “especialidade” do numero  i   se deve a que

i2 = i · i = (0,  1) · (0,  1) = (0 · 0 − 1 · 1,  0 · 1 + 1 · 0) = (−1,  0) = −1

465

Page 467: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 467/515

Interpretacao geometrica do produto   i z 

Nosso ob jetivo agora e ver geometricamente o que acontece quando mul-tiplicamos um numero complexo pela unidade imaginaria. Antes vamosdeduzir uma formula para se rotacionar um ponto do plano em torno daorigem, assim:

F θ

R

R

0

  (x, y)

R

R

0

  

θ

(x, y)

(x′, y′) = ?

Desejamos encontrar as novas coordenadas (x′, y′) do ponto rotacionadoem funcao das coordenadas anteriores (x, y) e do angulo  θ .Para a resolucao do nosso problema vamos considerar as seguintes figuras:

R

R

0

  

θα

r

r

x

y

x′

y′

r   y′

x′րα+θ

r y

Do primeiro triangulo obtemos:

x′  =  r  cos(α + θ)

= r  cos α cos θ − r  sen α sen θ

Do segundo triangulo obtemos:

r  cos α =  x   e   r  sen α =  y

Portanto:x′ =  x  cos θ − y   sen θ

Analogamente,

y′ =  r  sen(α + θ)

= r  sen α cos θ + r  sen θ cos α

= y cos θ + x sen θ

466

Page 468: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 468/515

Resumindo, temos:

x′  =  x  cos θ − y   sen θ

y′ =  x sen θ + y cos θ

Temos:(x′, y′) = (x  cos θ − y   sen θ, x sen θ + y cos θ) (12.2)

Exemplo:  Dar uma rotacao de  θ  = 45o no ponto (x, y) = (2,  1):

Solucao:  Da equacao (12.2) temos:

(x′, y′) = (x cos θ − y   sen θ, x sen θ + y cos θ)

= (2 cos 45o

−1 sen 45o,  2 sen45o + 1 cos 45o)

Fazendo as contas, obtemos:

(x′, y′) = √ 

2

2  ,

  3√ 

2

2

Geometricamente tudo se passa assim:

   

      F 45o

R

R

0

  (2, 1)

   

   

R

R

0

  

45o

(2, 1)

√ 2

2

3√ 

22

Exemplo:  Vamos rotacionar um ponto arbitrario (x, y) de  θ  = 90o :

Solucao:  Da equacao (12.2) temos:

(x′, y′) = (x cos θ − y   sen θ, x sen θ + y cos θ)

= (x cos 90o − y   sen 90o, x  sen 90o + y   cos 90o)

Fazendo as contas, obtemos:

(x′, y′) = (−y, x) (12.3)

Agora vamos realizar o produto iz, assim:

iz = (0,  1) · (x, y) = (0 · x − 1 · y,  0 · y + 1 · x) = (−y, x)

Comparando com (12.3) vemos que podemos interpretar a unidade ima-ginaria i   como um operador que, ao ser “aplicado” em um ponto do plano,produz uma rotacao de 90o em torno da origem, no sentido anti-horario.

467

Page 469: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 469/515

Forma algebrica

Agora vamos deduzir uma outra forma (indumentaria) para a apre-sentacao dos numeros complexos. Seja um numero complexo arbitrarioz = (x, y), temos:

z  = (x, y) = (x,  0) + (0, y) = (x,  0) + (y · 0 − 0 · 1, y · 1 + 0 · 0)

= (x,  0) + (y,  0) · (0,  1)

Portanto, tendo em conta a identificacao (12.1)   (p. 464), temos:

z = (x, y) = (x,  0) + (y,  0) · (0,  1)

↓ ↓ ↓z = (x, y) =   x   +   y   ·   i

Isto e:z =  x + y · i

Sendo assim, todo numero complexo   z   = (x, y) pode ser escrito sob aforma  z  =  x + y · i, chamada  forma algebrica .

∗ ∗ ∗

468

Page 470: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 470/515

Um novo hardware para rodar os complexos

Observe que podemos utilizar o conjunto

C = { a + bi :   a ∈ R   e   b ∈ R }

como um novo hardware (conjunto de sımbolos) para rodar (implementar)o sistema dos numeros complexos.

De fato, adotando as seguintes definicoes

a)  igualdade:

a + bi =  c + di   ⇔   a =  c   e   b =  d

b)  adicao:

(a + bi) + (c + di) = (a + c) + (b + d)i

c) multiplicacao:

(a + bi) · (c + di) = (ac − bd) + (ac + bd)i

podemos implementar todas as especificacoes constantes no retangulo amareloda pagina 456.

Adendo: Em matematica existe uma convencao tacita de que so devemoscriar novos sımbolos em casos estritamente necessarios. Em consequenciadeste acordo e que em muitos contextos matematicos um mesmo sımbolopode ter significados distintos. Por exemplo, na definicao a seguir:

(a + bi) + (c + di) = (a + c) + (b + d)i

os sımbolos + (na cor azul) sao os mesmos e, neste contexto, nao e necessarioque tenham algum significado. O sımbolo +   (na cor vermelha) significa aadicao no conjunto C e o sımb olo + (verde) significa a adicao usual nos Reais.

469

Page 471: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 471/515

Podemos estabelecer a legitimidade dos sımbolos   a + bi   como numeros

complexos de uma outra perspectiva. Consideremos a seguinte aplicacao,

f   :   C′   Ca+bi   (a, b)

entre estruturas.Entao, inicialmente observemos que  f   e bijetora pois:

( i )  todo par (a, b) ∈ C  e o correspondente, segundo  f , de  a  + bi ∈ C′   (istoimplica em que,  f   e sobrejetora);

( i i )   Dados   a  +  bi  ∈   C′   e   c  +  di  ∈   C′, com   a  +  bi  =   c  + di, os seuscorrespondentes (a, b) ∈   C   e (c, d) ∈   C   sao distintos, tendo em conta as

definicoes de igualdades nas respectivas estruturas. (isto implica em que f e injetora).Em seguida, notemos que   f   preserva as operacoes de adicao e multi-

plicacao, no seguinte sentido:

(a + bi) + (c + di)

 =  f 

(a + c) + (b + d)i

 = (a + c, b + d)

= (a, b) + (c, d)

= f ( a + bi ) + f ( c + di )

e,

f  (a + bi) · (c + di)  =  f  (ac − bd) + (ad + bc)i  = (ac − bd, ad + bc)= (a, b) · (c, d)

= f ( a + bi · f 

c + di )

Devido ao fato de existir uma aplicacao bijetora   f   :   C′  −→   C   quepreserva as operacoes de adicao e multiplicacao, dizemos que   C′   e   C   saoisomorfos.

Devido ao isomorfismo, operar com  a + bi  leva a resultados analogos aosobtidos operando com (a, b); isto justifica a igualdade:

a + bi = (a, b)

470

Page 472: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 472/515

Capıtulo 13

NUMEROS

HIPERCOMPLEXOSO importante e isso: Estar pronto para, a qualquer momento, sacri-

 ficar o que somos pelo que poderıamos vir a ser.   (Charles Du Bois)

Introducao:

Dissemos algures que o numero de sistemas numericos possıveis estalimitado apenas por nossa criatividade. Neste capıtulo exibiremos um novosistema numerico por nos desenvolvido e denotado por   H, os “numeros

hipercomplexos”, tambem construido sobre os numeros reais, a exemplodos complexos.

0   →   N   →   Z   →   Q   →   R   →→ C

HEis o sistema dos hipercomplexos:

A1 ) (a + b) + c =  a + (b + c)

A2 )  ∃ 0 ∈ H :   a + 0 = 0 + a =  a

A3 )   a + b =  b + a

A4 )  ∀ a ∈ H, ∃ − a ∈ H :   a + (−a) = 0

M 1 )   ∃ 1 ∈ H :   a · 1 = 1 · a =  a

M 2 )   a · b =  b · a

M 3 )   ∀ a ∈ H∗, ∃   a−1 ∈ H :   a · a−1 = 1

HI  )   ∃ a ∈ H :   a2 = a · a = −1 e   − 1 · a = −a.

H

471

Page 473: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 473/515

Estas sao as especificacoes do sistema numerico que desejamos construir.

A ultima propriedade, posta em destaque, diferencia este sistema de todosos anteriores. Para obter este sistema tivemos que sacrificar a propriedadedistributiva. Na matematica existem algebras nas quais nao valem algumasdas “propriedades canonicas”∗.

Interregno

Em nosso sistema existe um numero, denotado por  j, que possui duaspropriedades que,   em conjunto, nao sao partilhadas por nenhum numeroreal ou complexo, quais sejam,

  j2 =

 −1,

−1 · j  =  j

Ao passarmos de  R   para  C  trocamos uma propriedade do primeiro con- junto em favor de uma do segundo, qual seja: sacrificamos a ordenacao  e,por conta disto, ganhamos um numero com uma propriedade nao partilhadapor nenhum numero do “velho conjunto”:   i2 = −1. De posse desta novapropriedade somos capazes de resolver toda uma nova classe de problemasinsoluveis em  R. De fato, esta nova propriedade (da unidade imaginaria) janos patenteia o tipo destes problemas a que estamos nos referindo, assim:

Propriedade Problema

C :   i2 = −1   x2 + 1 = 0

De igual modo, ao passarmos de   R   para   H  (hipercomplexos) trocamosduas propriedades do primeiro conjunto em favor de duas do segundo, quaissejam: sacrificamos a  ordenacao   e a   associatividade; por conta disto, gan-hamos as duas novas propriedades mencionadas anteriormente; propriedadesestas (em conjunto), nao partilhadas por nenhum numero real ou mesmocomplexo. De posse desta nova propriedade e de se esperar que sejamos ca-pazes de resolver toda uma nova classe de problemas insoluveis nos antigosconjuntos. De fato, esta nova propriedade (da unidade hiperimaginaria) janos patenteia o tipo destes problemas a que estamos nos referindo, veja:

Propriedade Problema

H :

  j2 = −1,

−1 · j  =  j

  x2 + 1 = 0,

−1 · x − x = 0

Ou seja, nao existe nenhum numero complexo x  satisfazendo, simultane-amente, as duas condicoes a direita (hiperpropriedade).

∗Por exemplo, nos  Quaternions de Hamilton, nao vale a comutatividade para a multi-plicacao; nos   Octonios de Cayley nao vale a associatividade.

472

Page 474: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 474/515

Acontece que, como diz o velho adagio popular, “onde passa um boi,

passa uma boiada” , quero dizer: se a “hiperpropriedade” nos faculta umproblema insoluvel em  C entao pode nos facultar uma infinidade deles. Ve-

 jamos mais um exemplo, o sistema a seguir:

x + y  = 0

(−1 · x − y) · y  = 2

nao tem solucao no corpo complexo  C, em  H sim.E bem verdade que este e um problema  artificial , no sentido de nao ter

se originado de questoes praticas; no entanto, como e impossıvel provar-seque toda uma classe de problemas†   e (ou vira a ser) destituıda de interesse,

nossos argumentos − em defesa de  H − continuam de pe.Das duas equacoes abaixo:

x2 + 1 = 0

(−1 · x + x) · x  + 1 = 0

Com o numero i  resolvemos apenas a primeira, ao passo que, com o numero j   resolvemos as duas, estaremos provando isto oportunamente   (p. 481).

Operacoes

As duas operacoes com as quais teremos condicoes efetivas de imple-mentar todas as especificacoes para os numeros hipercomplexos sao dadas aseguir:

(a, b) + (c, d) = (a + c, b + d)

(a, b) · (c, d) = ( a c ∓   b d, |a| d + b |c| ),

onde, na abscissa do produto, tomamos −   se   a c ≥   0, tomamos + casocontrario.

No contexto dos numeros hipercomplexos denotaremos cada par orde-nado (x, y) com o sımbolo  w, isto e,  w = (x, y). Como se ve a adicao e amesma dos complexos, ilustremos agora apenas alguns produtos.

Exemplos:

1o ) Calcule o produto dos pares dados a seguir:

( i )   w1  = (0,  1),   w2  = (0, −1)

( i i )   w1  = (−1,  0),   w2  = (0,  1)

(iii)   w1  = (1, −1),   w2  = (0,  1)

( i v )   w1  = (0,  1),   w2  = (1,  1)

( v )   w1  = (−1,  1),   w2  = (1,  1)

†Como e a que se origina da hiperpropriedade de  j , como ja exemplificamos.

473

Page 475: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 475/515

Solucao:

( i ) Temos,

(a, b) · (c, d) = ( a c ∓   b d, |a| d + b |c| )

(0,  1) · (0, −1) =

0 · 0 − 1 · (−1), |0| · (−1) + 1 · |0|  = (1,  0)

( ii) Temos,

(a, b) · (c, d) = ( a c ∓  b d, |a| d + b |c| )

(−1,  0) · (0,  1) =− 1 · 0 − 0 · 1, | − 1| · 1 + 0 · |0|  = (0,  1)

( iii ) Temos,

(a, b) · (c, d) = ( a c ∓   b d, |a| d + b |c| )

(1, −1) · (0,  1) =

1 · 0 − (−1) · 1, |1| · 1 + (−1) · |0|  = (1,  1)

( iv) Temos,

(a, b) · (c, d) = ( a c ∓  b d, |a| d + b |c| )

(0,  1) · (1,  1) =

0 · 1 − 1 · 1, |0| · 1 + 1 · |1|  = (−1,  1)

( v ) Temos,

(a, b)

·(c, d) = ( a c

 ∓ b d,

 |a

|d + b

|c

|)

(−1,  1) · (1,  1) =− 1 · 1 + 1 · 1, | − 1| · 1 + 1 · |1|  = (0,  2)

2o ) Dados  w1  = (−1,  1) e  w2  = (1,  2), calcule  w  de modo que  w1 · w =  w2 .

Solucao:   Tomemos  w  = (x, y), entao,

w1 · w =  w2   ⇒   (−1,  1) · (x, y) = (1,  2),

Temos,

(a, b) · (c, d) = ( a c ∓   b d, |a| d + b |c| )

(−1,  1) · (x, y) = − 1 · x ∓  1 · y, | − 1| · y + 1 · |x|  = (1,  2)

•   Inicialmente vamos pesquisar a solucao de nossa equacao no semi-planox > 0; sendo assim, temos:− x   +  y, y + x

 = (1,  2)

Sendo assim, resulta:−x  +   y   = 1

x + y   = 2⇒   (x, y) =

 1

2,  3

2

474

Page 476: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 476/515

•  Agora vamos pesquisar uma (possıvel) solucao para a nossa equacao no

semiplano x ≤ 0; sendo assim, temos:− x −  y, y − x

 = (1,  2)

Sendo assim, resulta:  −x −   y   = 1

−x + y   = 2⇒   (x, y) =

−  3

2,  1

2

Observe que, em   H, uma equacao do 1o grau pode ter mais que uma

solucao. Evidentemente isto acontece porque  H   nao e um corpo.

Voltando ao retangulo amarelo da pagina 471 nao demonstraremos as

quatro primeiras propriedades, referentes a adicao, ja que a prova e a mesmafeita para os complexos −   uma vez que a operacao e a mesma nos doissistemas.

Teorema 98   (Elemento neutro).   M 1 )  ∃ 1 ∈ H :   w · 1 =  1 · w =  w,   ∀ w ∈H.

Prova: De fato, considerando   1 = (1,  0) e   w = (a, b) temos,

(a, b) · (c, d) = ( a c ∓   b d, |a| d + b |c| )

(a, b) · (1,  0) = (a · 1 ∓   b · 0, |a| · 0 + b · |1| ) = (a, b)

e

(a, b) · (c, d) = ( a c ∓   b d, |a| d + b |c| )

(1,  0) · (a, b) = (1 · a ∓   0 · b, |1| · b + 0 · |a| ) = (a, b)

Teorema 99   (Comutativa).   M 2 )   w1 · w2  = w2 · w1 ,   ∀ w1 , w2 ∈ H.

Prova: Fazendo   w1  = (a, b) e   w2  = (c, d), temos

w1 · w2  = (a, b) · (c, d) = ( a c ∓  b d, |a| d + b |c| )

w2 · w1  = (c, d) · (a, b) = ( c a ∓  d b, |c| b + d |a| ),

comparando estas equacoes concluimos pela comutatividade do produto.

Nota:  Da comutatividade da multiplicacao decorre a unicidade do elementoneutro.

Com efeito, assim: sejam   u   e u   dois elementos neutros para a multi-plicacao. Sendo assim, ter-se-a, por um lado,  w · u =  w, para todo  w ∈  H;em particular u · u   = u   (∗). Por outro lado tambem temos   w · u   =   w,para todo  w ∈  H; em particular  u · u  =  u. Esta ultima igualdade pode serreescrita como u · u =  u. Daqui e de (∗) concluimos que  u  = u.

475

Page 477: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 477/515

Teorema 100  (Elemento inverso).   M 3 )   ∀ w ∈ H∗, ∃ w′ ∈ H :   w · w′ =  1.

Prova: De fato, tomando   w   = (a, b) = (0,  0), procuramos   w′   = (x, y)satisfazendo w · w′ = (1,  0); entao:

(a, b) · (c, d) = ( a c ∓  b d, |a| d + b |c| )

(a, b) · (x, y) = (a · x ∓  b · y, |a| y + b |x| ) = (1,  0)

Daqui montamos o seguinte sistema,

a x ∓   b y = 1

|a

|y + b

|x

|= 0

Para resolver este sistema temos quatro possibilidades quanto aos sinaisde  a  e  x, de acordo com a tabela a seguir:

a x

+ +

+   −−   +

− −

( i )

( i i )

(iii)

( i v )

Entao,

( i ) Neste caso, o sistema reduz-se a:a x − b y = 1

a y + b x = 0

Este sistema, na forma matricial fica,

  a   −b

b a ·  x

y  =   1

0 Cuja solucao e,

x =   aa2+b2 ,   y =   −b

a2+b2

( ii ) Neste caso, o sistema reduz-se a:

a x + b y = 1

a y − b x = 0

Este sistema, na forma matricial fica,

476

Page 478: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 478/515

  a b−b a ·   x

y =   1

0

Cuja solucao e,x =   a

a2+b2 ,   y =   ba2+b2

Esta solucao, nos descartamos, pois contradiz a hipotese de que  a  e  x  temsinais contrarios.( iii ) Neste caso, o sistema reduz-se a:

a x + b y = 1

−a y + b x = 0

Este sistema, na forma matricial fica,  a b

b   −a

·

  x

y

 =

  1

0

Cuja solucao e,x =   a

a2+b2 ,   y =   ba2+b2

Esta solucao, nos descartamos, pois contradiz a hipotese de que  a  e  x  temsinais contrarios.

( iv ) Neste caso, o sistema reduz-se a: a x − b y = 1

−a y − b x = 0

Este sistema, na forma matricial fica,  a   −b

−b   −a

·

  x

y

 =

  1

0

Cuja solucao e,

x =  a

a2+b2 ,   y =   −b

a2+b2

Esta solucao, coincide com a primeira. Portanto existe,

w′ =   a

a2 + b2,

  −b

a2 + b2

(e e unico, pelo que vimos), chamado   inverso   ou inverso multiplicativo   dew, que multiplicado por  w  = (a, b) da como resultado  1  = (1,  0).  

477

Page 479: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 479/515

Divisao

Devido a existencia do  inverso multiplicativo, podemos definir em   H   aoperacao de divisao, simbolizada por

  w1

w2

, estabelecendo que

w1

w2

= w1 · w′2

 = w1 · w−12

onde mudamos de notacao:   w′2

 = w−12

  .

13.1 Imersao de   R  em   H

Tal como fizemos para os complexos   (p. 463)  podemos mostrar que  R   e

um “subconjunto” de  H. A prova nao e muito diferente daquela.

Provaremos agora uma importante propriedade do sistema  H:

Proposicao 72.  Para todo  k ∈ R, e para todo w  = (a, b) em  H, a seguinteidentidade

k · (a, b) = ( k a, |k| b ) =

(k a, k b),   se   k ≥ 0;

(k a, −k b),   se   k < 0.

se verifica.

Prova: De fato,

(a, b) · (c, d) = ( a c ∓  b d, |a| d + b |c| )

(k,  0) · (a, b) =

k · a ∓  0 · b, |k| · b + 0 · |a|  = ( k a, |k| b )

Esta proposicao nos proporciona um fenomeno que nao ocorre em  R ou em

C.

Corolario 8.   Em  H a seguinte identidade

−1

·x =

−x

e falsa.

Prova: De fato, tomando  x  = (0,  1), resulta,

−x = −(0,  1) = (0, −1)

−1 · x = (−1 · 0, | − 1| · 1) = (0,  1)

478

Page 480: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 480/515

Sendo assim e importante estar   atento para o fato de que, ao contrario

do que ocorre em R, ou em C, em H e necessario distinguir entre −x   e −1·x.Observe que, enquanto no primeiro caso temos o oposto aditivo de   x,

no segundo caso temos o produto de dois hipercomplexos:  −1 = (−1,  0) ex = (a, b). Podemos visualizar isto graficamente, assim:

C :  −x = −1 · x

x

−x

H :  −x = −1 · x

x

−x

−1 · x

Nota:   Multiplicar por −1 equivale geometricamente a uma reflexao emtorno do eixo  y : −1 · (a, b) = (−a, b).

Observe, outrossim, que em   H nao vale a propriedade de cancelamentopara a multiplicacao; para se convencer disto considere a seguinte igualdade,

1 · (0,  1) = −1 · (0,  1)

Isto se deve ao fato da multiplicacao nao ser associativa.

Teorema 101.   HI  )   ∃ w ∈ H :   w2 = w · w = −1   e   − 1 · w = −w.

Prova: Com efeito, seja  w = (0,   1), temos:

(a, b) · (c, d) = ( a c ∓  b d, |a| d + b |c| )

(0,  1) · (0,  1) = (0 · 0 ∓   1 · 1, |0| · 1 + 1 · |0| ) = (−1,  0) = −1

e

(a, b) · (c, d) = ( a c ∓  b d, |a| d + b |c| )

(−1,  0) · (0,  1) = (−1 · 0 ∓   0 · 1, | − 1| · 1 + 0 · |0| ) = (0,  1) = w

Portanto,−1 · w =  w = −w

479

Page 481: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 481/515

Unidade hiperimaginaria

Vamos colocar em destaque um numero hipercomplexo especial.

Definicao 91   (Unidade hiperimaginaria).   Chamamos   unidade hiperima-ginaria e indicamos por   j   o numero hipercomplexo (0,  1).

Observe a localizacao geometrica deste numero

H

0

    j  = (0,  1)

R

R

Como ja vimos, este numero possui duas propriedades que, em conjunto,nao sao partilhadas por nenhum numero complexo:

  j2 = −1

−1 · j  =  j(13.1)

Um milagre aos olhos dos habitantes   Complexos

Se algum dia um matematico do Universo complexo se defrontar com aseguinte equacao elementar:

(

−1

·x   +  x)

·x =

−1

ele tera duas saidas: abandonar o “jogo”, ou consultar um matematico do“universo Hipercomplexo”∗.

De fato, esta e uma equacao impossıvel de se resolver dentro dos uni-versos numericos conhecidos dos matematicos (hodiernos), em razao de quevale:

(−1 · x + x) · x = −1   ⇐⇒   0 · x = −1

Pois bem, vamos assumir o desafio.

∗No caso eu, que por enquanto, sou o unico habitante deste Universo.

480

Page 482: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 482/515

Teorema 102  (Gentil/04.12.2008).  A seguinte equacao,

(−1 · x + x) · x = −1 (13.2)

possui solucao em  H.

Prova: Tomando  x   = (c, d ), temos −1 · x   = −1 · (c, d ) = (−c, d ), pelaprop. 72, p. 478. Portanto,

−1 · x + x = (−c, d ) + (c, d ) = (0,  2d )

Substituindo este resultado em (13.2), obtemos

(0,  2d ) · (c, d ) = −1

O produto acima fica,

(a, b) · (c, d) = ( a c ∓  b d, |a| d + b |c| )

(0,  2d) · (c, d) =

0 · c ∓   2d · d, |0| · d + 2d · |c| = (−2d2,  2|c|d ) = (−1,  0)

E facil ver que para   c = 0 o problema nao tem solucao. Para  c   = 0 con-cluimos que  d =

±

√ 2/2. Portanto,

x =

0, ±√ 

2

2

  ⇒   x =

√ 2/2 j   ou   x = −√ 

2/2 j

.

Observe que o numero  j   foi o responsavel por este milagre!  

A tıtulo de curiosidade, observe que, das duas equacoes abaixo:

x2 + 1 = 0

(−1 · x + x) · x  + 1 = 0

Com o numero i  resolvemos apenas a primeira, ao passo que, com o numero

 j   resolvemos as duas.

−  Considerando a seguinte equacao, nos reais ou complexos,

0 · x =  b, b = 0 (13.3)

como, nestes universos, vale

0 = −1 · x + x

0 = −1 · (−x) + (−x)

481

Page 483: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 483/515

Segue-se que,

0 · x =  b   ⇐⇒(−1 · x + x) · x =  b

(−1 · (−x) + (−x)) · x =  b(13.4)

Em   H, embora nao possamos resolver diretamente a equacao (13.3),podemos resolver suas “equivalentes”, dadas acima.

Se  b >   0, resolvemos a segunda das equacoes em (13.4), caso contrarioresolvemos a primeira. Por exemplo, seja a equacao 0 · x = 1, entao,

0 · x = 1   ⇐⇒   (−1 · (−x) + (−x)) · x = 1

Tomando x  = (c, d), temos, −x = (−c, −d), logo,

−1 · (−x) + (−x) = −1 · (−c, −d) + (−c, −d) = (c, −d) + (−c, −d) = (0, −2d)

Entao,

(−1 · (−x) + (−x)) · x = 1   ⇒   (0, −2d) · (c, d) = 1

O produto acima fica,

(a, b) · (c, d) = ( a c ∓   b d, |a| d + b |c| )

(0,  (−2d)) · (c, d) = 0 · c ∓   (−2d) · d, |0| · d + (−2d) · |c| = (2d2, −2|c|d ) = (1,  0)

E facil ver que para  c = 0 o problema nao tem solucao. Para   c   = 0 con-cluimos que d  = ± √ 

2/2. Portanto,

x =

0, ±√ 

2

2

  ⇒   x =

√ 2/2 j   ou   x = −√ 

2/2 j

.

Interpretacao geometrica do produto   j z 

Nosso ob jetivo agora e ver geometricamente o que acontece quando mul-tiplicamos um numero hipercomplexo pela unidade hiperimaginaria.

Inicialmente recordamos a formula para rotacao (12.2), p. 467, dada por

(x′, y′) = (x cos θ − y   sen θ, x sen θ + y cos θ) (13.5)

Calculemos duas rotacoes, para θ  = 90o e   θ = −90o, respectivamente,

(x′, y′) = (x  cos 90o − y   sen 90o, x  sen 90o + y  cos 90o) = (−y, x)

(x′, y′) = (x  cos −90o − y   sen − 90o, x  sen − 90o + y  cos −90o) = (y, −x)

482

Page 484: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 484/515

Ou seja,

(x′, y′) = (−y, x) (13.6)

(x′, y′) = (y, −x) (13.7)

A primeira equacao representa uma rotacao de 90o no sentido anti-horario e a segunda uma rotacao de 90o no sentido horario.

Seja  w  = (x, y) ∈ H, entao

(a, b) · (c, d) = ( a c ∓   b d, |a| d + b |c| )

(0,  1) · (x, y) =

0 · x ∓  1 · y, |0| · y + 1 · |x|

Entao, j w = (−y, |x| )

Entao,

Se   x ≥ 0   ⇒   j w  = (−y, x )

Se   x ≤ 0   ⇒   j w  = (−y, −x ) = −1 · (y, −x )

Comparando estes resultados com as equacoes (13.6) e (13.7), concluimosque pontos do lado direito do eixo  y  sao rotacionados de 90o no sentido anti-horario, assim:

0  x

y

w jw

e que pontos do lado esquerdo do eixo   y   sofrem uma rotacao de 90o nosentido horario seguida de uma reflexao em torno do eixo  y, assim:

0  x

y

w

 jw

0  x

y

w

 jw

483

Page 485: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 485/515

Transformacoes geometricas

No universo   Complexo, o significado geometrico da operacao de adicaoe uma translac˜ ao, assim:

(x, y) + (a, b) = (x + a, y + b)

O significado geometrico da operacao de multiplicacao e uma rotac˜ ao, assim:

(x, y) · (cos θ,   sen θ) = (x  cos θ − y  sen θ, x  sen θ + y  cos θ)

Atraves da multiplicacao vejamos como implementar uma outra transformacaogeometrica, a   reflex˜ ao   em torno do eixo   y, por exemplo. De outro modo:dado o ponto de coordenadas (x, y) como, atraves da multiplicacao, obter

uma reflexao deste ponto em torno do eixo  y ?. Geometricamente:

0  x

y

(x, y)(−x, y)

?

0  x

y

(x, y)(−x, y)

θ

A figura da direita nos sugere que devemos rotacionar o ponto (x, y)de um certo angulo  θ  de tal modo que o produto venha a coincidir com areflexao desejada.

Para encontrar o “angulo de reflexao” devemos resolver a equacao,

(x  cos θ − y   sen θ, x  sen θ + y  cos θ) = (−x, y)

Ou ainda: x cos θ − y   sen θ   = −x

x sen θ + y  cos θ   = y

Multiplicando a primeira equacao por x, a segunda por y  e somando as duas

obtemos cos θ. Multiplicando a primeira equacao por  y, a segunda por −xe somando as duas obtemos sen θ, assim:

cos θ = −x2 + y2

x2 + y2  ,   sen θ =

  2xy

x2 + y2

Observe que para obtermos o mesmo resultado nos   Hipercomplexos,basta multiplicar por −1, assim:

−1 · (x, y) = (−x, y)

484

Page 486: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 486/515

Definicao 92   (Modulo).   Chama-se   modulo   (ou  valor absoluto) do hiper-complexo w  = (a, b) ao numero real

|w| = 

a2 + b2

A seguinte inequacao:

| − 1 · x + x| > 1

nao possui solucao no campo complexo. No hipercomplexo sim. Com efeito,

tomemos  x  = (a, b), entao:

−1 · x + x = −1 · (a, b) + (a, b)

= (−a, b) + (a, b) = (0,  2b)

Portanto,

| − 1 · x + x| = |(0,  2b)| = 

02 + (2b)2 = |2b| > 1,

entao,

2|b| > 1   ⇔ |b| > 1

2  ⇔   b >

 1

2  ou   b < −1

2

Podemos visualizar o conjunto solucao da inequacao proposta, assim:

x

y

0

1/2

−1/2

485

Page 487: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 487/515

Forma algebrica

Dado um numero hipercomplexo qualquer w = (x, y), temos:

w = (x, y) = (x,  0) + (0, y)

Temos,

( i ) (x,  0) = x.

( i i ) S e  y ≥ 0, entao (0, y) =  y (0,  1) = y j.

Se  y ≤ 0 ( |y| = −y ), entao

− j y  =  y · (− j) = y · ( 0, −1 ) = ( y · 0, |y| · (−1) ) = ( 0,  (−y) · (−1) ) = (0, y)

Tendo em conta estes resultados podemos escrever,

w = (x, y) =

x + j y,   se   y ≥ 0;

x − j y,   se   y ≤ 0.(13.8)

Assim, todo numero hipercomplexo   w   = (x, y) pode ser escrito sob aforma acima, chamada forma algebrica. O numero real  x   e chamado  partereal de  w, o numero real  y   e chamado  parte hiperimaginaria de  w.

Neste momento precisamos fazer um esclarecimento assaz importante:A estas alturas o leitor ja percebeu que a algebra hipercomplexa e “ligeira-mente” distinta da algebra real ou complexa. Isto nos obriga a estar (bas-tante) atentos quanto as notacoes. Por exemplo, consideremos as quatroformas seguintes

x − j y

x − y j

x + j(−y)

x + y(− j)

Vejamos o significado da segunda parcela em cada uma delas:

− jy , significa: o oposto de  j  que multiplica  y−yj , significa: o oposto de  y  que multiplica  j

 j(−y), significa: o oposto de  y  que multiplica  j

y(− j), significa: o oposto de  j  que multiplica  y

O leitor pode mostrar, a partir da proposicao 72   (p. 478), que

− jy = −yj  =  j(−y)

486

Page 488: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 488/515

Capıtulo 14

CONSULTAS

Nao sem algum denodo, e ate deleite,

tenho tentado cultivar em meu espırito

uma pequena nesga de iconoclastia.

Fui programado para detectar fis-

sura nas estruturas. (Gentil)

Introducao:

O objetivo deste capıtulo e estabelecer alguns resultados (pre-requisitos)para fins de consultas e referencias.

14.1 Elementos de Logica  &  Demonstracoes

Nesta seccao recordaremos, de modo resumido, alguns conceitos da LogicaMatematica. De inıcio tecemos algumas consideracoes sobre alguns sımbolos,objetivando transferi-los da Logica para o contexto da Matematica. Posteri-ormente estabeleceremos algumas tecnicas de demonstracoes matematicas.

Proposicao:

Chamamos conceito primitivo aquele conceito que aceitamos sem definicao.E o que acontece, por exemplo, com o conceito de  proposic˜ ao. Portanto, naoo definiremos. Nao obstante, nada impede que conhecamos suas qualidades,

tendo em conta que proposicao e uma sentenca declarativa, afirmativa e quedeve exprimir um pensamento de sentido completo; via de regra sendo escritana  linguagem usual  ou na  forma simb´ olica . Por exemplo, sao proposicoes:

1) sen π

2  = 1.

2)   π < 2√ 

2.

3) Todo quadrado e um retangulo.

4) Todo retangulo e um quadrado.

487

Page 489: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 489/515

Dizemos que o   valor l´ ogico   de uma proposicao e a verdade (V  ) se a

proposicao e verdadeira; e a falsidade (F ) se a proposicao e falsa.Por exemplo, para as proposicoes anteriores,temos

1) V    2) F    3) V    4) F 

14.1.1 Operacoes Logicas sobre Proposicoes

Faremos um resumo das operacoes do   c´ alculo proposicional   tambemchamadas   operac˜ oes l´ ogicas . Os principais operadores (conectivos) logicossao os seguintes:

∨   Disjuncao (“ou”)∧   Conjuncao (“e”)  Ou exclusivo (“XOR”)

¬   Negacao−→   Condicional (“se. . . entao”)←→   Bicondicional (“se e somente se”)

cujas tabelas-verdade sao dadas a seguir (estas tabelas definem os respectivosoperadores):

 p q p∨q

V V V V F V 

F V V 

F F F 

 p q p∧q

V V V V F F 

F V F 

F F F 

 p q   p

q

V V F V F V 

F V V 

F F F 

 p q p −→ q

V V V 

V F F 

F V V 

F F V 

 p q p ←→ q

V V V 

V F F 

F V F 

F F V 

 p   ¬ p q   ¬ p ∨q

V F V V  

V F F F  

F V V V  

F V F V  

 p   ¬ p

V F 

F V 

Acrescentamos a tabela-verdade da proposicao ¬ p ∨ q   a qual nos serade grande utilidade.

Vamos agora enunciar uma relacao entre proposicoes, que se distinguedos operadores, porque nao cria nova proposicao.

Definicao 93   (Implicacao Logica).  Diz-se que uma proposic˜ ao   p   implicalogicamente   ou apenas   implica   uma proposic˜ ao   q , se e somente se, na tabela de  p  e  q , n˜ ao ocorre  V F  em nenhuma linha, com  V  na coluna de  p  e F  na coluna de  q .

488

Page 490: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 490/515

Exemplo:  Da tabela a seguir inferimos que a proposicao  q  nao implica na

proposicao p ∧ q , ao passo que a proposicao  p ∧ q  implica na proposicao  q .

 p q p∧q

V V V 

V F F 

F V F 

F F F 

q

Indica-se que a proposicao p  implica a proposicao q  com a notacao:   p   =⇒   q .

Nota:   Os sımbolos −→   e =⇒  nao devem ser confundidos, pois  p −→ q e uma proposicao enquanto p  =⇒ q  nao e proposicao. Isto e analogo ao queacontece com o sinal + e o sinal   <   na Aritmetica: 2 + 5 e um numero e

2 <  5 nao e um numero.A escolha do conectivo (palavra) “se   p   entao   q ” para a proposicao

 p −→  q , a nosso ver, foi infeliz. De fato, isto induz a que se conclua que aproposicao  q   se  deduz  ou e uma  consequencia  da proposicao  p. Isto naose da, por exemplo:

5 e um numero ımpar   −→√ 

2 e irracional

(Se 5 e um numero ımpar entao√ 

2 e irracional)

e uma proposicao verdadeira (ver tabela-verdade do condicional).  Obviamenteque

√ 2 ser irracional nao e consequencia de 5 ser um numero ımpar.

Ao contrario do que acontece na Logica, em Matematica nao compareceo operador logico −→, mas apenas =⇒  com os seguintes significados para

 p   =⇒   q :

1) Se  p, entao  q ;

2) Se  p   for verdadeira, entao  q   e verdadeira;

3)   p  implica  q ;

4)   q   e implicada por p;

5)   q  segue de  p;

6)   p  e uma condicao suficiente para  q ;

7)   q   e uma condicao necessaria para p;

8)   E impossıvel termos  p  verdadeira e  q   falsa simultaneamente,

dentre outros significados possıveis.Neste momento temos uma importante observacao a fazer:

Dos ıtens 1) e 3) vemos que a matematica funde (confunde) os sımbolos −→e =⇒.

489

Page 491: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 491/515

Como sempre, nestes casos, o “galho quebra” do lado do mais fraco: o

aluno que tera que distinguir no contexto matematico se o sımbolo =⇒ estase referindo a ele proprio ou ao condicional −→.

Chama-se  tautologia   toda proposicao composta cuja ultima coluna dasua tabela verdade encerra somente a letra  V   (verdade).

Proposicao 73.  A proposic˜ ao   p   implica  a proposic˜ ao   q   (isto e,   p  =⇒  q )

se, e somente se, a condicional  p −→ q   e tautol  ogica.

Prova:

 p q p −→ q

V V V 

V F F 

F V V 

F F V 

(i) Se   p   implica   q , entao, nao ocorreque os valores logicos simultaneos destas duasproposicoes sejam respectivamente   V   e   F , e porconseguinte na ultima coluna da tabela-verdadeda condicional  p −→   q  consta somente a letra  V  ,logo, esta condicional e tautologica.

(ii) Reciprocamente, se a condicional   p −→  q   e tautologica, entao naoocorre que os valores logicos simultaneos das proposicoes p  e  q  sejam respec-tivamente  V   e  F , e por conseguinte  p  implica  q .  

Uma diferenca basica entre proposicao e teorema e que enquanto e lıcitose cogitar do valor logico de uma proposicao (isto e, uma proposicao podeser verdadeira ou falsa) o mesmo nao acontece com um teorema, que sempre

e verdadeiro. Nao se demonstra teoremas, mas sim proposicoes. Uma vezdemonstrada a veracidade de uma proposicao:   p −→ q , esta adquire statusde teorema:   p =⇒ q .

 p q p −→ q

V V V 

V F F 

F V V 

F F V 

→Em matematica, para demonstrar-se a vali-

dade de uma proposicao   p  −→   q   assumimos ahipotese   p   como sendo verdadeira. Sendo assimpodemos nos restringir as duas primeiras linhasda tabela verdade do condicional −→.

Uma vez assumido   p   verdadeira se con-seguirmos demonstrar a veracidade de   q   entao podemos riscar a segunda

linha da tabela verdade do condicional. Apos isto a proposicao   p −→   q resulta tautologica e, por conseguinte,

 p =⇒ q 

Isto e, a proposicao p −→ q  tornou-se o teorema  p =⇒ q .

Definicao 94   (Equivalencia Logica).  Diz-se que uma proposic˜ ao   p   e  logi-camente equivalente   ou apenas  equivalente  a uma proposic˜ ao   q , se as tabelas-verdade destas duas proposic˜ oes s˜ ao iguais.

490

Page 492: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 492/515

Indica-se que a proposicao p  e equivalente a proposicao q  com a notacao:

 p ⇐⇒   q 

Os sımbolos ←→ e ⇐⇒   nao devem ser confundidos, pois p ←→ q   e umaproposicao enquanto  p ⇐⇒ q  nao e proposicao.

Os argumentos arrolados anteriormente a respeito dos sımbolos −→   e=⇒ podem ser adaptados para os sımbolos ←→  e ⇐⇒.

A seguir listamos varias maneiras de se formular  p ⇐⇒   q  em palavras∗:

1) Se  p, entao  q   e reciprocamente;

2) Se  q , entao  p  e reciprocamente;

3)   q   e verdadeira se, somente se,  p   for verdadeira;

4)   p  implica  q   e reciprocamente;

5)   p  e uma condicao necessaria e suficiente para  q ;

6)   q   e uma condicao necessaria e suficiente para  p;

7)   p  e  q  sao proposicoes equivalentes.

Dos ıtens 1) e 4) acima, vemos que a matematica (con) funde os sımbolos←→  e ⇐⇒.

Proposicao 74.   A proposic˜ ao   p   e   equivalente   a proposic˜ ao   q   (isto e, p ⇐⇒   q )  se, e somente se, a bicondicional  p ←→   q   e tautol  ogica.

Prova: (i) Se  p   e equivalente a  q , entao, tem tabelas-verdade iguais, e porconseguinte o valor logico da bicondicional  p ←→   q   e sempre V  , isto e, estabicondicional e tautologica (ver tabela-verdade da bicondicional, p. 488).

(ii) Reciprocamente, se a bicondicional  p ←→   q   e tautologica, entao, aultima coluna da sua tabela-verdade encerra somente a letra  V , e por con-seguinte os valores logicos respectivos das proposicoes p  e  q  sao ambos V   ouambos  F , isto e, estas duas proposicoes sao equivalentes.  

Portanto, a toda equivalencia logica corresponde uma bicondicional tau-

tologica e vice-versa.

∗ ∗ ∗

Tomemos ent˜ ao um espaco sem materia, “vazio”. A fısica quˆ antica mostra que, mesmo neste caso, flutuac˜ oes de energia existem. O nada tem uma energia associada. Sendo assim, partıculas podem surgir dessas flu-tuac˜ oes, materia brotando do nada.   (Marcelo Gleiser/Fısico)

∗Isto na Matematica, nao na Logica.

491

Page 493: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 493/515

Equivalencias Notaveis

A seguir listamos algumas equivalencias entre proposicoes, as quais po-dem ser demonstradas com o auxılio das respectivas tabelas-verdade.

1) ¬¬ p ⇐⇒  p   (Dupla Negacao)

2)   Leis Idempotentes

a)   p ∨ p ⇐⇒  p

b)   p ∧ p ⇐⇒  p

3)  Leis Comutativas

a)   p ∨ q  ⇐⇒ q ∨ p

b)   p ∧ p ⇐⇒ q ∧ p

4)   Leis Associativas

a)   p ∨ (q ∨ r) ⇐⇒ ( p ∨ q ) ∨ r

b)   p ∧ (q ∧ r) ⇐⇒ ( p ∧ q ) ∧ r

5)  Leis de De Morgan∗

a) ¬ ( p ∨ q ) ⇐⇒ ¬ p ∧ ¬ q 

b) ¬ ( p ∧ q ) ⇐⇒ ¬ p ∨ ¬ q 

6)   Leis Distributivas

a)   p ∧ ( q ∨ r ) ⇐⇒   ( p ∧ q ) ∨ ( p ∧ r)

b)   p ∨ ( q ∧ r ) ⇐⇒   ( p ∨ q ) ∧ ( p ∨ r)

14.1.2 Tecnicas (Engenharia) de Demonstracao

Os problemas em matematica dividem-se em duas classes:

Determinacao:   calcule, encontre, ache, determine,. . .

Demonstracao:   mostre, prove, demonstre,. . .

Costumo mesmo dizer que a matematica comeca com os problemas dosegundo tipo. De fato, a resolucao da maioria dos problemas do primeirotipo sao algoritmicas (mecanicas); enquanto os problemas do segundo tipoexigem muito de criatividade (engenhosidade ).

Um outro criterio que utilizo para distinguir nao-matematica (algoritmo)

∗Augustus De Morgan (1806 −  1873) lecionou no University College, Londres. Foimatematico e logico, e contribuiu para preparar o caminho da Logica matematica moderna.

492

Page 494: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 494/515

de matematica, e que a nao-matematica e susceptıvel de programacao −  a

exemplo dos poderosos softwares algebricos −  enquanto que a matematicaem si (demostracoes) nao.

Ademais, estou propenso a acreditar que podemos ver a maioria dos “ob- jetos” como consistindo de  materia   e  espırito. Para contextualizar minhatese vejamos alguns exemplos:

1o ) Um computador consiste de hardware e software, o hardware e aparte material e o software e o espırito do computador.

2o ) Uma celula e comp osta de materia (e o que os biologos enxergamao microscopio) e espırito (software que comanda suas atividades) que osbiologos nao enxergam ao microscopio.

3o ) Os numeros inteiros, sao compostos de materia:

Z = { . . . , −3, −2, −1,  0,  1,  2,  3, . . . }

e espırito, que sao seus axiomas de manipulacao da materia (sımbolos) taiscomo: comutatividade, associatividade, elemento neutro, elemento oposto,Princıpio da Boa Ordem, etc.

De igual modo, a matematica possui uma parte material (sımbolos) euma parte espiritual (conceitos, ideias), o que se estar a manipular∗  por aıe apenas o corpo (cadaver) da matematica, seu espırito fica de fora.

−   Para se lidar com o espırito da matematica (viva) torna-se indis-pensavel o conhecimento de algumas tecnicas de demonstracao.

1.   Proposicoes Aparentadas

 p −→ q    : Direta

q  −→  p   : Recıproca

¬ p −→ ¬ q    : Contraria

¬ q −→ ¬ p   : Contrapositiva (contra-recıproca)

2.   Equivalencia Entre Proposicoes Aparentadas

2.1   A proposicao direta equivale a contra-recıproca.

 p −→ q   ⇐⇒ ¬ q  −→ ¬ p

∗Por aı a que me refiro e a matematica praticada ate o ensino medio e em algumas cadeiras da universidade, e uma matematica mecanica, morta. O fato de voce manusearo controle remoto de sua televisao nao significa que voce compreende como ele funciona.De igual modo, muitos manipulam a matematica sem compreender como ela funciona, euma matematica sem vida, sem espırito!

493

Page 495: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 495/515

Para provar isto faremos uso da seguinte   identidade:

 p −→   q  = ¬ p ∨ q 

Esta identidade pode ser obtida das respectivas tabelas-verdade.Prova:

(i)   p −→ q  = ¬ p ∨ q 

(ii) ¬ q  −→ ¬ p = ¬¬ q ∨ ¬ p

= ¬ p ∨ q 

Isto significa que as proposicoes   p −→  q   e   ¬ q  −→ ¬ p   as-sumem sempre os mesmos valores logicos; isto e, ou sao ambasverdadeiras (V  ) ou sao ambas falsas (F ).

Sendo assim acabamos de estabelecer nossa primeira tecnicade demonstracao indireta:

(T-1)  O teorema direto equivale ao contrapositivo†

H  =⇒ T    ⇐⇒ ¬ T   =⇒ ¬ H 

Enunciemos nossa segunda tecnica de demonstracao indireta:

(T-2)   Anexacao a hipotese da negacao da tese

H  =⇒ T    ⇐⇒ H ∧ ¬ T 

 =⇒ T 

Prova: Provemos a seguinte equivalencia:

 p −→ q   ⇐⇒  p ∧ ¬ q 

−→ q 

De fato,

(i)   p

−→q  =

¬ p

 ∨q.

(ii)   p ∧ ¬ q  −→ q  = ¬ ( p ∧ ¬ q ) ∨ q 

= ( ¬ p ∨ ¬ ¬ q ) ∨ q 

= ¬ p ∨ q ∨ q 

= ¬ p ∨ q.

†H : Hipotese,  T   : Tese,  ¬H : Negacao da hipotese, ¬ T : Negacao da tese.

494

Page 496: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 496/515

(T-3) Reducao ao absurdo

H  =⇒ T    ⇐⇒ H ∧ ¬ T 

 =⇒ f 

Onde:   f   e uma proposicao de valor logico falso (e qualquer con-tradicao).

Prova: Provemos a seguinte equivalencia:

 p −→ q   ⇐⇒  p ∧ ¬ q 

−→ f 

De fato,

(i)   p −→ q  = ¬ p ∨ q.

(ii)   p ∧ ¬ q  −→ f  = ¬ ( p ∧ ¬ q ) ∨ f 

= ¬ ( p ∧ ¬ q )

= ¬ p ∨ ¬¬ q 

= ¬ p ∨ q.

Nota:  Na tabela-verdade da proposicao  p ∨ q  vemos que quandoo valor logico de  q   e   F , prevalece o valor logico de   p. Estamos

dizendo que p ∨ f  = p.Resumindo: Para utilizar esta tecnica em uma demonstracao,

devemos anexar a Hipotese a negacao da Tese e devemos exibir,ao final, alguma contradicao (algum absurdo).

Uma Equivalencia Notavel

Uma das equivalencias mais utilizadas em demonstracoes matematicase a que segue

(T-4)   Teorema com hipotese composta (∧)

Se a hipotese de um teorema e formada pela conjuncao deduas outras, e valida a seguinte equivalencia

H 1 ∧ H 2

 =⇒ T    ⇐⇒

H 1 ∧ ¬ T 

 =⇒ ¬ H 2

Isto e, junta-se a uma das hipoteses a negacao da tese edemonstra-se a negacao da outra hipotese.

Prova: Provemos a seguinte equivalencia

 p ∧ q  −→ r   ⇐⇒   p ∧ ¬ r −→ ¬ q 

495

Page 497: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 497/515

De fato,

 p ∧ q  −→ r = ¬ ( p ∧ q ) ∨ r

= (¬ p ∨ ¬ q ) ∨ r

= ¬ p ∨ ¬ q ∨ r.

Por outro lado,

 p ∧ ¬ r −→ ¬ q  = ¬ ( p ∧ ¬ r) ∨ ¬ q 

= (¬ p ∨ ¬¬ r) ∨ ¬ q 

= ¬ p ∨ r ∨ ¬ q.

Vejamos alguns exemplos de aplicacao desta equivalencia:

1o) Teoria dos numeros: Se a  divide b  e  a  nao divide c  entao b  nao divide c.

H 1   :   a|b⇒   T :   b | c.

H 2   :   a | c

H 1 ∧ ¬ T   =⇒ ¬ H 2

Prova: Para algum  n1  e algum n2   inteiros, resulta

H 1   :  b

a  = n1

=⇒   c

b  =

  c

a · n1

= n2

¬ T   :  c

b  = n2

Observe quec

a = n1 · n2 ≡ ¬ H 2

2o) Em Analise: Se a ≤ b   e   b ≤ a   entao   a =  b.

H 1   :   a ≤ b⇒   T :   a =  b.

H 2   :   b ≤ a

H 1 ∧ ¬ T   =⇒ ¬ H 2

496

Page 498: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 498/515

Prova: Suponha a ≤ b  e  a = b, entao  a < b.  

3o) Em Analise:

Se  n ∈ N,  x ∈ R, e  n < x < n + 1, entao  x ∈ N.

H 1   :   x > n⇒   T :   x ∈ N.

H 2   :   x < n + 1

H 1 ∧ ¬ T   =⇒ ¬ H 2

Prova: Se  x > n  e  x ∈ N  entao  x ≥ n + 1.  

4o) Em Teologia (Unicidade de Deus)Suponhamos que existam dois Deuses  D  e  D ′:

H 1   :   D   e Deus⇒   T :   D =  D ′

H 2   :   D′   e Deus

Prova:   H 1 ∧ ¬ T   : Suponhamos que D   e Deus e que D = D ′. Entaoexiste algum atributo em   D   nao partilhado por   D′, por conseguinteD′  nao e Deus, o que contraria  H 2 .  

Sugestao: Quando voce estudante encontrar-se frente a um teorematipo

H 1 ∧ H 2  =⇒ T 

e, apos bater o desespero (ou antes mesmo), tente demonstrar o equi-valente

H 1 ∧ ¬ T   =⇒ ¬ H 2

(T-5)  O seguinte teorema nao e raro em matematica:

H 1 ⇐⇒ H 2  =⇒ T E um teorema, tipo “se e somente se”, isto e

H 1  =⇒ H 2  =⇒ T 

H 1 ⇐=

H 2  =⇒ T 

Entao

(i)   H 1  =⇒ H 2  =⇒ T 

Observemos que a tese do teorema acima e um outro teorema.

497

Page 499: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 499/515

Isto significa que assumindo  H 1   devemos demonstrar  H 2   =⇒  T . Isto

e, devemos mostrar que  H 2   acarreta  T . Ainda,

H 1 ∧ H 2  =⇒ T 

Esta conclusao pode ser provada assim:

H 1 −→ H 2 −→ T 

 = ¬ H 1 ∨ H 2 −→ T 

= ¬ H 1 ∨ ¬ H 2 ∨ T 

= ¬ (H 1 ∧ H 2 ) ∨ T 

= H 1 ∧ H 2 −→ T.

Portanto subsiste a seguinte equivalencia

H 1  =⇒ H 2  =⇒ T 

 ⇐⇒ H 1 ∧ H 2  =⇒ T 

(ii)

H 2  =⇒ T 

 =⇒ H 1

Consideremos a contrapositiva: ¬ H 1  =⇒ ¬ H 2  =⇒ T 

. Entao,

¬ H 1 −→ ¬ H 2 −→ T 

 = ¬ H 1 −→ ¬ ¬ H 2 ∨ T 

= ¬ H 1 −→ H 2 ∧ ¬ T 

Portanto subsiste a seguinte equivalencia(H 2  =⇒ T ) =⇒ H 1

⇐⇒ ¬ H 1  =⇒ H 2 ∧ ¬ T 

(T-6)   Teorema com hipotese composta (∨)Se a hipotese de um teorema e formada pela disjuncao de duas

outras, e valida a seguinte equivalenciaH 1 ∨ H 2

 =⇒ T    ⇐⇒

H 1  =⇒ T  ∧ H 2  =⇒ T 

Prova: Provemos a seguinte equivalencia

 p∨

q  −→

r  ⇐⇒  p −→

r ∧ q  −→

r De fato,

 p ∨ q  −→ r = ¬ ( p ∨ q ) ∨ r

= (¬ p ∧ ¬ q ) ∨ r

=¬ p ∨ r

∧ ¬ q ∨ r

= p −→ r

∧ q  −→ r

 

498

Page 500: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 500/515

(T-7)  Teorema com tese composta (∨)

Se a tese de um teorema e formada pela disjuncao de duas outras,e valida a seguinte equivalencia

H  =⇒ T 1 ∨ T 2

  ⇐⇒ H ∧ ¬ T 1  =⇒ T 2

Prova: Provemos a seguinte equivalencia

 p −→ ( q ∨ r )   ⇐⇒   ( p ∧ ¬ q ) −→ r

De fato,

 p −→ ( q ∨ r ) = ¬ p ∨ ( q ∨ r )= ( ¬ p ∨ q ) ∨ r

= ¬ ( p ∧ ¬ q ) ∨ r

= ( p ∧ ¬ q ) −→ r

Vejamos um exemplo de aplicacao desta tecnica em espacos vetorias.

Proposicao: Uma igualdade  λ u =  0, com  λ ∈ R  e  u ∈ V , so e possıvel seλ = 0 ou  u  = 0.

Prova: Inicialmente vamos reescrever a proposicao da seguinte forma:

H :   λ u =  0   ⇒

T 1 :   λ = 0

ou

T 2 :   u =  0

Temos,H ∧ ¬ T 1 :   λ u =  0   e   λ = 0.

Sendo assim existe o numero real   λ−1, multiplicando   λ u   =   0   por   λ−1,obtemos

λ−1 ( λ u ) = λ−1 0   ⇒   ( λ−1 · λ )u =  0   ⇒   1 u =  0   ⇒   u =  0

499

Page 501: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 501/515

Resumo das Tecnicas de Demonstrac~oes

(T-1)   H  ⇒ T    ⇐⇒ ¬ T  ⇒ ¬ H 

(T-2)   H  ⇒ T    ⇐⇒ H  ∧¬ T 

 ⇒   T 

(T-3)   H  ⇒ T    ⇐⇒ H  ∧¬ T 

 ⇒   f    (f   =absurdo)

(T-4)

H 1 ∧ H 2 ⇒ T    ⇐⇒

H 1 ∧ ¬ T  ⇒ ¬ H 2

      G     e     n      t      i      l

(T-5)   H 1 ⇐⇒

H 2 ⇒ T 

H 1  =⇒ H 2 ⇒ T 

⇐⇒ H 1 ∧ H 2 ⇒ T 

H 1

 ⇐= H 2

 ⇒T  ⇐⇒ ¬

H 1 ⇒

H 2 ∧¬

T (T-6)

H 1 ∨ H 2

⇒ T    ⇐⇒ H 1 ⇒ T 

∧ H 2 ⇒ T 

(T-7)   H  ⇒ T 1 ∨ T 2

  ⇐⇒ H ∧ ¬ T 1

 ⇒   T 2

(T-8)   H  ⇒ T    ⇐⇒ H  ∧¬ T 

 ⇒ ¬ H 

Dois outros recursos uteis para a formulacao de definicoes em matematicasao dados a seguir.

14.1.3 Funcoes Proposicionais/Quantificadores

Consideremos as proposicoes:

 p :   x + 6  <  10, V ( p ) =?

q : 2 + 6 <  10, V ( q ) = 1

A proposicao  q , como se ve, e verdadeira, ao passo que nada podemosafirmar sobre o valor logico de   p   :   V ( p) =?; que somente sera conhecidoquando   x   for substituido por um numero bem determinado. Neste caso,dizemos que a proposicao   p   e uma   func˜ ao proposicional   ( f.p. ) ou ainda,uma  sentenca aberta . Na funcao proposicional

 p(x) :   x + 6  <  10

o sımbolo x  e chamado de variavel.Chamamos conjunto universo  da vari´ avel  ao conjunto das possibilidades

que podem substituir a variavel na sentenca. Denotaremos este conjuntopor   U. Cada elemento de   U  chama-se valor da variavel. Algumas vezes oconjunto universo  U  e imposto pelo contexto e outras vezes pode ser escol-hido livremente pelo agente de estudo em questao.

500

Page 502: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 502/515

Exemplos:

1o

) Consideremos a funcao proposicional p  dada por

 p(x) :   x + 6  <  10

Podemos escolher para o conjunto dos valores da variavel, por exemplo, umdos seguintes conjuntos:

N,  Z,  Q,  R   ou  { 0,  2,  4,  6, . . . }

2o) Consideremos a funcao proposicional p  dada por

 p(x) : 1 ≤ x2

−1

x + 1   < 3

Neste caso ainda temos uma certa liberdade na escolha do conjunto universoU, sendo que em qualquer escolha nao deve constar o numero  x  = −1. Porexemplo, duas escolhas possıveis sao  U = N e  U = Z − {−1 }.

Conjunto-verdade   (da sentenca aberta) e o conjunto dos valores davariavel para os quais a sentenca torna-se verdadeira. Denotaremos esteconjunto por  V:

V =

x ∈ U :  V  p(x)

 =  V 

Quantificador universal

Usaremos o sımbolo “ ∀ ” , chamado   quantificador universal , para ex-primir o fato de que “para todo  x  em um dado conjunto, a proposicao p(x)e verdadeira”. Uma proposicao do tipo “Para todo   x;   p(x)” e simbolica-mente escrita como: ∀ x ;  p(x).

Quantificador existencial

No caso de proposicoes que envolvem expressoes do tipo “Existe”, “Hapelo menos um”, “para ao menos um” e “Algum”, usaremos o sımbolo “ ∃ ”,chamado quantificador existencial , para exprimir o fato de que para pelo aomenos um elemento de um dado conjunto a proposi cao   p(x) e verdadeira.

Uma proposicao do tipo “Existe  x  tal que  p(x)” pode ser escrita simbolica-mente como: ∃ x ;  p(x).

Valores logicos de sentencas quantificadas

A sentenca ∀ x ;  p(x) e verdadeira se, e somente se, o conjunto-verdadede p(x) e o conjunto universo forem iguais, isto e, V = U (ou se, substituindode  x  por cada um dos elementos  u  do conjunto universo,  p(u) e verdadeira)e, falsa quando  V = U.

Na tabela a seguir damos alguns exemplos do que acabamos de definir:

501

Page 503: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 503/515

∀x ; p(x)   U V   V  (

∀x ; p(x))

∀ x ; x2−4=0

∀ x ; x2−4=0

∀ x ; x ≤ 0

∀ x ; x ≤ 0

∀ x ;√ 

x2=x

∀ x ;√ 

x2=|x|∀ x ;   x

2−1x+1  =x−1

∀ x ;   x2−1x+1  =x−1

{ −2, 2 }{ −2, 0, 2 }Z

Z−

R

R

R−{−1 }

N

{−2, 2 }{−2, 2 }Z−

Z−

R+

R

R−{ −1 }

N

A sentenca ∃ x ;  p(x) e verdadeira se, e somente se, o conjunto-verdadede  p(x) e nao-vazio, ou seja,  V = ∅ e, falsa quando  V = ∅.

Na tabela a seguir damos alguns exemplos do que acabamos de definir:

∃ x ; p(x)   U V   V  (∃ x ; p(x))

∃ x ; x2−4=0

∃ x ; x2+1=0

∃ x ; x2+1=0

∃ x ; x < 0

∃ x ; (−1)·x=−x

∃ x ; √ x2 = x

∃ x ; |x|=x

∃ x ; |x|=−x

{ −2, 3 }R

C

C

R

R

{ −1, −2 }

{ −1, 2 }

{−2 }∅{−i, i }∅∅R−∗

{ −1 }

Negacao de sentencas quantificadas

Ja tivemos oportunidade de assinalar a diferenca entre a atividade matema-tica (engenhosidade) e a atividade algoritmica (mecanica); pois bem, parafazer-se matematica (isto e demonstracoes) o que ha de mais importante saoas definicoes e, juntamente com estas, suas negacoes; daı a importancia danegac˜ ao de sentencas quantificadas .

Nota:  Trocaremos de notacao: a negacao de uma sentenca  p, ¬ p, daquipor diante sera encimada por uma barra:   p.

502

Page 504: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 504/515

Proposicao 75   (Negacao de ∀ x ;  p(x)).   A seguinte equivalencia e v  alida:

∀ x ;  p(x)  ⇐⇒ ∃ x ;  p(x) (14.1)

Prova: Mostraremos que as proposicoes ∀ x ;  p(x) e   ∃ x ;  p(x) sao equiva-lentes mostrando que elas concordam em seus valores l ogicos, isto e,

∀ x ;  p(x)

 =  V 

∃ x ;  p(x)

De fato, suponha que ∀ x ;  p(x) e verdadeira. Entao, ∀ x ;  p(x) e falsa e,deste modo, existe  u ∈ U de modo que

 p(u) e falsa.

Entao, para este elemento

 p(u) e verdadeira.

Sendo assim,∃ x ;  p(x) e verdadeira.

Suponha agora que ∀ x ;  p(x) e falsa. Entao, ∀ x;  p(x) e verdadeira e,deste modo, para todo  u ∈ U, tem-se

 p(u) e verdadeira.

Entao, para todo  u ∈ U, tem-se

 p(u) e falsa.

Sendo assim,∃ x ;  p(x) e falsa.

Um importante corolario e o que vem dado a seguir:

Corolario 9.   A seguinte equivalencia e v  alida:

∀x ;  p(x)

−→q (x)

  ⇐⇒ ∃x ;  p(x)

∧q (x)

Prova: De fato,

∀ x ;  p −→ q  = ∃ x ;  p −→ q  = ∃ x ;  p ∨ q  = ∃ x ;  p ∧ q.

Deixamos como exercıcio a prova da

Proposicao 76   (Negacao de ∃ x ;  p(x)).   A seguinte equivalencia e v  alida:

∃ x ;  p(x)  ⇐⇒ ∀ x ;  p(x) (14.2)

503

Page 505: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 505/515

Valores logicos de sentencas quantificadas de duas variaveis

Seja   p(x, y) uma sentenca aberta (ou funcao proposicional) com duasvariaveis. Inicialmente observamos que, nao necessariamente, as variaveisenvolvidas tem o mesmo conjunto universo. Na “pratica” e frequente queestes conjuntos sejam distintos. Assim e que os denotaremos por:   Ux  e  Uy.

Por exemplo, para a sentenca

 p(x, y) :  x2 − 1

x + 1  +

 y 2 − 1

y − 1  < 0

os respectivos conjuntos universos sao necessariamente distintos, podendoser, por exemplo:

Ux = R − {−1 }   e   Uy  = R − { 1 }.

Obs:  Quando em um dado contexto citarmos apenas um conjunto universo,significa que este e o mesmo para as duas variaveis, isto e,  Ux = Uy.

a) A sentenca ∀ x ∀ y ;  p(x, y). A sentenca

∀ x ∀ y ;  p(x, y)

e verdadeira se, e somente se, para  toda  substituicao de  x  por elementos  ade  Ux  e  y  por elementos  b  de  Uy,

 p(a, b) e verdadeira.

Exemplo:   A sentenca∀ x ∀ y ;  x · y =  y · x,

e verdadeira com os conjuntos universo   Ux   =   N   e   Uy   =   Z; mas nao comos conjuntos universo   Ux   =   M 2 (N)= conjunto das matrizes quadradas deordem 2, com elementos naturais e   Uy   =   M 2 (Z)= conjunto das matrizesquadradas de ordem 2, com elementos inteiros. Por exemplo, para

x =

  1 00 2

, y =

  0   −11 0

,

temos x · y = y · x.

Exemplo:   A sentenca∀ x ∀ y ;  x2 < y,

com os conjuntos universo Ux  = {−1,  0,  1 } e Uy  = { 1,  2 } e falsa, porquantosubstituindo x  por −1 e  y  por 1, a sentenca (−1)2 < 1 resulta falsa.

b) A sentenca ∃ x ∃ y ;  p(x, y). A sentenca

∃ x ∃ y ;  p(x, y)

e verdadeira se, e somente se, p(a, b) e verdadeira.

504

Page 506: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 506/515

para alguma substituicao de x por um elemento a de Ux e y por um elemento

b  de  Uy.Exemplo:   A sentenca

∃ x ∃ y ;  x · y =  y · x,e verdadeira com os conjuntos universo   Ux   =  M 2 (N) e   Uy   =   M 2 (Z). Porexemplo

x =

  1 00 1

, y =

  0   −11 0

,

sao tais que  x · y =  y · x.

Exemplo:   A sentenca∃ x ∃ y ;  x2 < y,

com o conjunto universo {−1,  0,  1 } e verdadeira, porquanto substituindo  xpor 0 e  y  por 1, a sentenca 02 < 1 resulta verdadeira.

Exemplo:   A sentenca

∃ x ∃ y ;  x

y  =

√ 2,

com o conjunto universo  Z   e falsa.

c) A sentenca ∀ x ∃ y ;  p(x, y). A sentenca

∀ x ∃ y ;  p(x, y)

e verdadeira se, e somente se, para  toda  substituicao de  x  por elementos  ade  Ux, a sentenca (de uma unica variavel)

∃ y ;  p(a, y) e verdadeira.

Exemplo:   A sentenca

∀ x ∃ y ;  x + y = 0e verdadeira com o conjunto universo {−1,  0,  1 }, porquanto

∃ y;   −1 + y = 0 ( V  ;   y = 1 )

∃ y; 0 + y = 0 ( V  ;   y = 0 )

∃ y; 1 + y = 0 ( V  ;   y = −1 )

Exemplo:   A sentenca

∀ x ∃ y ;  y < xe falsa com o conjunto universo {0,  1,  2 }. Note que:

∃ y;   y < 2 ( V  ;   y = 0,  ou 1 )

∃ y;   y < 1 ( V  ;   y = 0 )

∃ y;   y < 0 ( F ;   V = ∅ )

d) A sentenca ∃ y ∀x ;  p(x, y). A sentenca

∃ y ∀ x ;  p(x, y)

505

Page 507: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 507/515

e verdadeira se, e somente se, a sentenca (de uma unica variavel)

∀ x ;  p(x, b)e verdadeira para alguma substituicao de y  por um elemento b  do conjuntouniverso Uy.

Exemplo:   A sentenca

∃ y ∀ x ; |x| + |y| = 1e verdadeira com os conjuntos universo Uy  = {−1,  0,  1 } e Ux = {−i, i, −1,  1 },porquanto a sentenca

∀ x ; |x| + |0| = 1e verdadeira.

Exemplo:   A sentenca

∃ y ∀ x ;  y > xe falsa com o conjunto universo {−1,  0,  1 }, porquanto cada uma das sen-tencas

∀ x;   −1 > x

∀ x; 0 > x

∀ x; 1 > x

e falsa.

Exemplo:   A sentenca

∃ y ∀ x ;  y ≥ xe verdadeira com o conjunto universo

 {−1,  0,  1

}. Note que:

∀ x;   −1 ≥ x   ( F ;  x  = 0,  ou1)

∀ x; 0 ≥ x   ( F ;  x  = 1 )

∀ x; 1 ≥ x   ( V ;  y  = 1 )

Negacao de sentencas quantificadas de duas variaveis

Observe que, por definicao,

∀ x ∃ y ;  p(x, y) = ∀ x ; ∃ y ;  p(x, y)

Por conseguinte,

∀ x ∃ y ; p(x, y) = ∀ x ; ∃ y ;  p(x, y)

= ∃ x ;

∃ y ;  p(x, y)

= ∃ x ∀ y ; p(x, y)

Isto e,

∀ x ∃ y ;  p(x, y) = ∃ x ∀ y ;  p(x, y)

506

Page 508: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 508/515

Similarmente,

∃ x ∀ y ;  p(x, y) = ∃ x ; ∀ y ;  p(x, y) Por conseguinte,

∃ x ∀ y ;  p(x, y) = ∃ x ; ∀ y ;  p(x, y)

= ∀ x ;

∀ y ;  p(x, y)

= ∀ x ∃ y ;  p(x, y)

Isto e,

∃ x ∀ y ;  p(x, y) = ∀ x ∃ y ;  p(x, y)

∗ ∗ ∗Este pedaco de pagina ficaria em branco, vou me permitir utiliza-lo para

fazer uma rapida objecao ao Descartes/Meditacoes, constante na pagina 152.Inicialmente Descartes supoe que exista um verdadeiro Deus. O que

ele entende por verdadeiro Deus nao seria uma construcao de sua propriamente?. O verdadeiro Deus de Descartes, “soberana fonte da verdade ”, poracaso seria algum daquela centena de Deuses que consta na lista apresentadana pagina 49?

E se as “coisas exteriores que vemos n˜ ao passam de ilus˜ oes ” de fato?O pernilongo observado por Einstein   (p. 40)   de fato e uma ilusao cria-

da por sua mente, no sentido de que nao tem existencia “la fora”, isto e,

independente da mente de Einstein.− “Considerar-me-ei a mim mesmo como n˜ ao tendo m˜ aos, nem olhos, nem carne, nem sangue, como n˜ ao tendo nenhum dos sentidos, mas acreditando

 falsamente possuir todas essas coisas .”

Aqui apenas observamos que pode nao ser “tao falsa” esta crenca deDescartes, pelo ao menos e o que nos diz um sabio iluminado, veja:

Quando Buda atingiu, alguem lhe perguntou: “O que voce atingiu?”Ele riu e disse: “N˜ ao atingi nada, pois o que atingi sempre esteve 

comigo. Pelo contr´ ario, perdi muitas coisas; perdi meu ego, meus pensa-mentos, minha mente. . . Perdi tudo o que costumava senti que possuıa; perdi meu corpo, pois costumava achar que era o corpo. Perdi tudo isso e agora existo como puro nada. Mas essa e a minha aquisic˜ ao.”   (Buda/Osho)

−  “e, se por esse modo, n˜ ao estiver em meu poder atingir o conhecimento,de nenhuma verdade,. . . ”

Aqui o erro lamentavel de Descartes e achar que existe alguma verdadea ser conhecida, ou descoberta. Como ja argumentamos de sobejo, todas asverdades − inclusive as da matematica − sao construcoes da mente humana.Ate a “verdade de um pernilongo” (i.e., que um pernilongo exista “la fora”)e uma construcao da mente de Einstein.Toda verdade e relativa a uma  ECR− teoria da relatividade ontol´ ogica  p. 41.

507

Page 509: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 509/515

FOTOS DO QUEIMAO DE LIVROS   (p. 454)

O leitor lembra do livro citado no prefacio, ao qual se refere o email doprofessor Ubiratan   (p. 5)? (Novas Seq¨ uencias Aritmeticas e Geometricas ), pois

entao, ele contem varios resultados ineditos, dentre eles a seguinte formula:

1m + 2m + 3m + · · ·   +   nm =m

 j=0

  n

 j + 1

a

(m−j)

Onde:

a(m−j)

  =

 jk=0

(−1)k

 j

k

(1 − k + j)

m

Durante muitos anos

−por seculos

−os matematicos estiveram a procura

desta formula. . . Ninguem teve exito, coube a mim materializar essa as-piracao. Se um matematico do quilate do Gugu gostou dela, entao...

Costuma-se dizer que, quando alguem busca um tesouro que por qualquer motivo n˜ ao est´ a destinado a ele, o ouro e as pedras preciosas se convertem diante de seus olhos em carv˜ ao e pedras vulgares.

(Rene Guenon)

Como se explica esta estranha alquimia? De modo simples: e o ego (quegera o ciume) ou a miopia, os responsaveis pela “transmutacao” de pedraspreciosas em carvao ou pedras vulgares.

508

Page 510: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 510/515

Referencias Bibliograficas

[1]   N´ umeros: Uma Introduc˜ ao a Matem´ atica / Francisco Cesar Polcino Mi-lies, Sonia Pitta Coelho. Sao Paulo: Editora da Universidade de Sao

Paulo, 2003.

[2] Lobeiro, Adilandri Mercio,   Construc˜ ao do Reais: Um enfoque usandocortes de Dedekind . Universidade Estadual de Maringa-Departamentode Matematica.   c Publicacao eletronica do KIT

[3] Alencar Filho, Edgar de,   Aritmetica dos inteiros . Sao Paulo: Nobel,1987.

[4] Talavera, Leda Maria Bastoni.   Artigo: Uma abordagem Hist´ orica dos N´ umeros negativos . Publicacao eletronica.

[5] Aczel, Amir D. O misterio do Alef: a matem´ atica, a Cabala e a procura do infinito. Sao Paulo: Globo, 2003.

[6] Simone Manon. PLAT ˜ AO . Traducao Flavia Cristina. Sao Paulo: MartinsFontes, 1992. (Universidade hoje).

[7] Carmo, Manfredo Perdigao do, et alii,  Trigonometria/N´ umeros com-plexos . Rio de Janeiro −  IMPA/VITAE, 1992.

[8] Ferreira, Jamil, A construc˜ ao dos n´ umeros . 2. ed. - Rio de Janeiro: SBM,2011

[9] Hefez, Abramo,  Curso de   ´ Algebra, Volume 1. - Rio de Janeiro: IMPA,CNPq, 1993.

[10] Silva, Jairo Jose da,   Filosofias da matem´ atica . - Sao Paulo: EditoraUnesp, 2007.

[11] Costa, Newton C.A. da,   Introduc˜ ao aos fundamentos da matem´ atica .- 4.ed. - Sao Paulo: Hucitec, 2008.

[12] Lang, Serge,   ´ Algebra para Graduac˜ ao. - Rio de Janeiro: Editora CienciaModerna Ltda., 2008.

509

Page 511: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 511/515

[13] Wallace, B. Alan.  Dimens˜ oes escondidas: a unificac˜ ao de fısica e cons-

ciencia ; traducao de Lucia Brito. Sao Paulo: Peiropolis, 2009.

[14] FEITOSA, Hercules de Araujo; NASCIMENTO, Mauri Cunha; AL-FONSO, Alexys Bruno.   Teoria dos Conjuntos: Sobre a Fundamentac˜ aoMatem´ atica e a Construc˜ ao de Conjuntos Numericos . - Rio de Janeiro:Editora Ciencia Moderna Ltda., 2011.

[15] Pena, Fernando; Miranda, Virgınia.   Teoria dos Conjuntos . ColecaoCiencia e Tecnica- Lisboa: Instituto Piaget, 2006.

[16] Izar, Sebastiao Antonio; Tadini, Wilson Mauricio.   Teoria axiom´ atica dos Conjuntos: uma introduc˜ ao. - Sao Jose do Rio Preto: UNESP, 1998.

[17] Galvez, Marcelo Malheiros.   A Potencia do Nada: O Vazio Incondi-cionado e a Infinitude do Ser . Brasılia: Editora Teosofica, 1999.

[18] Russel, Bertrand, 1872-1970.   Introduc˜ ao a Filosofia matem´ atica .Traducao, Maria Luiz X. de A. Borges - Rio de Janeiro: Jorge ZaharEd., 2007.

[19] Silva, Gentil Lopes da,  Espacos Metricos: com aplicac˜ oes   Taguatinga-DF: Editora Kiron, 2013.

[20] Silva, Gentil Lopes da,   O Deus Quˆ antico (Um Deus pra homem nen-

hum botar defeito, mesmo que esse homem seja um ateu)  Manaus-AM:Grafisa Grafica e Editora, 2014.

[21] Silva, Gentil Lopes da,   Novas Seq¨ uˆ ncias Aritmeticas e Geometricas (P.A. e P.G. de ordem multidimensional)  Brasılia-DF: Thesaurus Edi-tora de Brasılia, 2000.

[22]   Quem somo n´ os?   −   A descoberta das infinitas possibilidades de al-terar a realidade di´ aria . William Arntz, Betsy Chasse e Mark Vicente;traducao de Doralice Lima. Rio de Janeiro: Prestıgio Editorial, 2007.

[23]   An´ alise I . Figueiredo, Djairo Guedes.- 2ed. Rio de Janeiro: LTC, 1996.

[24]   A construc˜ ao dos n´ umeros . Machado, Gabriela Maria.- DM UFSCAR:Sao Carlos, 2014.

[25]   Construc˜ oes dos N´ umeros Reais . Lopes, Paula Cristina Reis.-

Dissertacao. Orientador: Doutor Jose Francisco da Silva C. Rodrigues.Universidade da Madeira. Funchal-Madeira, Junho de 2006.

510

Page 512: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 512/515

Indice Remissivo

Arduo e inospito, 261

A Consciencia cria a realidade, 41A Potencia do Nada

Existe para uma . . . , 35Nada, fonte de energia, 27Partıculas nao existem, 24Possibilidades vazias, 31

puro incondicionado, 118Adicao de Einstein, 48Alain Connes, 197, 200

Algoritmo, oposto de uma sequencia,215

Ambiguidades, 276, 359Amit Goswami

Base da existencia, 29Aritmetizacao da Analise, 112Arquimediana, propriedade, 253, 379Axiomatica de Peano, 82Axioma do Supremo, 357

Ayahuasca, 218

Baner-Queimao, 454

Bizarro, resultado, 284Bourbaki, 50

Boyer

protestos, 148Brouwer

definicao construtiva, 147epistemologia, 199

objeto construido, 196ontologia, 199

Buda, zero, 119

Cantor, bondade de Deus, 197Capa: A potencia do Nada, 208

Capa: Dimensoes Escondidas, 208Capas, Gentil, 286, 445Carta, Giordano Bruno, 252Charles Peirce, 26

Classe de equivalencia, 66Completo, Cantor, 443Completo, Dedekind, 355Conjunto ordenado, 91Conjunto-quociente, 66Consciencia do Vacuo, 29Construtivistas

anti-realistas, 38Convergencia, 385Corpo Arquimediano, 253Corte, 293

Corte Racional, 295Corte, Dedekind, 293Cota Superior, 247, 373

Inferior, 247, 373Cubo hipermagico, 134Curva de Peano, 134

Danah ZoharE tarefa de nossa epoca, 20Ondas no mar, 27

Dean Radin

Consciencia cria a realidade, 41Dedekind construtivista, 288Dedekind exitou, 288Definicao

Infimo, 251, 376Convergencia de sequencias, 385Espaco metrico, 258Espaco metrico completo, 445Sequencias de Cauchy, 396, 445Supremo, 247, 374

511

Page 513: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 513/515

Densidade, 381

Desafio do Seculo, 146Descartes, 151Descartes, ob jecoes, 507Desigualdade

triangular, 257

Deuses, 49Dicotomia Divina, 10Dimensoes escondidas, 36

relatividade ontologica, 41, 90Carro de bombeiro, 34Consciencia do vacuo, 29

ECR, 36mundos possıveis, 45tudo sobre nada, 26

Distancia

entre dois pontos, 258Distancia, 256Djairo, ambiguidade, 367

Efeito Casimir, 28Ego, transcender, 286

Einstein

1 + 1 = 2, 48Gedankenexperiment, 40

Einstein × Tagore, 39Enderecos, livros, 9

Engenharia, demonstracoes, 492Equivalencia Logica, 490

Equivalencias Notaveis, 492Escolas

Conjuntista, 26

Formalismo, 25

Intuicionismo, 25

Logicismo, 25Escolas Matematicas, 50

Espacometrico, 258metrico completo, 445

Euler, ambivalencia, 13

Fısica Quantica, Interpretacoes, 51

Fısica, Relacoes, 90Famılia, autor, 35

Filosofia do Nada, 26

Fluxograma, equacao, 114Fluxograma, Inteiros, 198Fotos-Queimao, 508Frege, vergonha, 14Funcoes Proposicionais, 500Funcao de Onda, 47Funcao predecessor, 124, 212Funcao sucessor, 121, 212

G. H. Hardy, Platonista, 382G.H. Hardy, 196, 198

Gaston BachelardA abstracao, 13Brusca mutacao, 281

Gedankenexperiment, 40Gentil

Capa E.M., 445Desafio, 146Descartes, 507Formula inedita, 80fissuras, 487Funcao de Onda, 47

Hardy, 382iconoclasta, 487Giordano Bruno, carta, 252Grafico de uma relacao, 55Gregory Chaitin

Leibniz, 140Obviamente, 283

Hardware dos Reais, 299, 405Hardy, 196, 198Hexagramas, 139Howard Eves

consistencia, 287manobras espurias, 52terceira crise, 170

I Ching, 10Identidade de um Elemento, 18Immanuel Kant, 43Implicacao Logica, 488Incisao, 350Inicio construcao NA, 119

512

Page 514: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 514/515

Interregno com Russel, 244

Axiomas Peano, 84Complexos, 464um dos erros, 189, 244

Intervalos, 246, 372

Joaquim Canto, 30John Wheeler, 45

Kant, noumeno, 43Kant, refutacao, 43Ken Wilber

Transcender o ego, 286Vida e morte, 286

Lao Tse, 28Leibniz e os bits, 140Luz do sol, branca, 453

Marcelo GleiserA fısica e fruto da mente, 43

Energia do Nada, 28Materia do Nada, 491

Marcelo Malheiros

Para uma consciencia, 179Marcelo, Wallace, 179

Materia brotando do Nada, 491Matematica construtivista, 200Matriz de combinacoes, 141

Mundo, Vacuidade, 286Mux e Dmux, 133, 265, 271

Numeros complexos, 455Numeros hipercomplexos, 471

Nagarjuna, 52

Negacao de sentencas quantificadas,502

Nietzsche

Convicoes sao prisoes, 151Tudo veio a ser, 35

Norbert Wiener, 261

Noumeno e fenomeno, 43

O ındio, 359O mito, 276, 359

Operacoes Logicas, 135

Operacoes logicas, 135, 488Osho

Buda: suniata, zero, 119criado pelo ego, 49Quando Buda atingiu, 507

Papagaios Psicodelicos, 42Particao dos naturais, 389Particao de um conjunto, 70Platao, 33Poincare, 94, 149

Princıpio antropico, 45Produto i z, 466Produto j z, 482Proposicao, 487Propriedade Arquimediana, 253, 379

Quadro amareloComplexos, 456Hipercomplexos, 471Inteiros, 153Naturais, 91Racionais, 219Reais, 291

Quantificadores, 500

RelacoesAntissimetrica, 61De ordem parcial, 76Equivalencia, 63Reflexiva, 59Simetrica, 60Transitiva, 62

Relacoes binarias, 53

Relatividade Ontologica, 90Religioes, Lista, 49Resumo das tecnicas, 500Richard Courant

apegar-se ao concreto, 290Richard Dawkins, 44Rotacao, 466RPM, 188

Scientific American, 37

513

Page 515: Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

7/21/2019 Gentil Lopes - Fundamentos Dos Números

http://slidepdf.com/reader/full/gentil-lopes-fundamentos-dos-numeros 515/515

Sentencas abertas, 54, 500

Sequencias de Cauchy, 396, 445Sequencia, 384Sir Arthur Eddington

A pegada e nossa, 90Sol, luz branca, 453Subsequencia, 389Sugestoes de Leitura, 208Super Interessante, 28Supremo, 247, 373Supremo e  Infimo, 246, 373

Tecnicas de demonstracao, 492Tabela de codificacao, 270Tagore, 180Tagore Verdade 34