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1292 GENITORES E AS PREROGATIVAS DA FILIAÇÃO: DO PATRIMONIALISMO À PATERNIDADE PRÉ-NATAL * PARENTS AND THE PARENTS PRERROGATIVE: FROM PATRIMONIAL POWER TO THE PRENATAL PATERNITY PERSPECTIVE Gabrielle Bezerra Sales RESUMO O afrouxamento dos laços de parentesco nos levaram da seara do Direito de Família para a proximidade dos Direitos Reais, de caráter acentuadamente patrimonial. No Direito que regula as relações familiares, prevalece a compreensão do ser humano como aquele que carece de laços de responsabilidade que o complementam e o amparam em toda a sua existência. Já no que se refere à referência patrimonial, outros dizeres são insuficientes para redefinir, por exemplo, a figura da filiação. Os laços da filiação têm seu esteio na paternidade responsável, em que os limites da atuação entre pais e filhos devem ser medidos em função da vontade de gerar, da salvaguarda da dignidade humana e da co-titularidade do pátrio poder que emana antes da expressão da vontade do que do ato procreacional em si. A vontade, embora limitada à coexistência, implica a assunção global da responsabilidade integralizante que deve permear as relações familiares desde os estágios mais tenros, permitindo uma equiparação afetiva entre os conceptos nos estágios extra ou intrauterinamente. Descabida é a separação dessas duas modalidades de embriões, em detrimento daqueles que tiveram a placa de petri como habitat primevo, evidenciando a insuficiência de respostas culturais atualizadas às demandas da sociedade civil e do progresso da ciência. Em síntese, a tutela dos genitores não deve se ater ao aspecto patrimonial, uma vez que se trata de ente, cuja natureza desafia desde os aspectos totalitários da teoria dos direitos da personalidade até à mera sujeição à condição de res. PALAVRAS-CHAVES: RESPONSABILIDADE. DIGNIDADE HUMANA. REPRODUÇÃO HUMANA ABSTRACT The loosening of kinship ties have led the mobilization of family law to the proximity of the Property Law, in remarkably sheet. The law governing family relations, the prevailing understanding of the human being as one who lacks ties of responsibility that complement and bolster throughout its existence. In what refers to the reference sheet, other sayings are insufficient to reset, for example, the figure of membership. The bonds of membership has its mainstay in responsible parenthood, in which the limits of performance between parents and children should be measured in terms of the will to generate the preservation of human dignity and the co-ownership of paternal power that comes before the expression of will than procreacional the act itself. The will, although limited to the co-existence, implies the assumption of global responsibility that must permeate integralizante family relationships from the most tender stages, allowing for * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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GENITORES E AS PREROGATIVAS DA FILIAÇÃO: DO PATRIMONIALISMO À PATERNIDADE PRÉ-NATAL*

PARENTS AND THE PARENTS PRERROGATIVE: FROM PATRIMONIAL POWER TO THE PRENATAL PATERNITY PERSPECTIVE

Gabrielle Bezerra Sales

RESUMO

O afrouxamento dos laços de parentesco nos levaram da seara do Direito de Família para a proximidade dos Direitos Reais, de caráter acentuadamente patrimonial. No Direito que regula as relações familiares, prevalece a compreensão do ser humano como aquele que carece de laços de responsabilidade que o complementam e o amparam em toda a sua existência. Já no que se refere à referência patrimonial, outros dizeres são insuficientes para redefinir, por exemplo, a figura da filiação. Os laços da filiação têm seu esteio na paternidade responsável, em que os limites da atuação entre pais e filhos devem ser medidos em função da vontade de gerar, da salvaguarda da dignidade humana e da co-titularidade do pátrio poder que emana antes da expressão da vontade do que do ato procreacional em si. A vontade, embora limitada à coexistência, implica a assunção global da responsabilidade integralizante que deve permear as relações familiares desde os estágios mais tenros, permitindo uma equiparação afetiva entre os conceptos nos estágios extra ou intrauterinamente. Descabida é a separação dessas duas modalidades de embriões, em detrimento daqueles que tiveram a placa de petri como habitat primevo, evidenciando a insuficiência de respostas culturais atualizadas às demandas da sociedade civil e do progresso da ciência. Em síntese, a tutela dos genitores não deve se ater ao aspecto patrimonial, uma vez que se trata de ente, cuja natureza desafia desde os aspectos totalitários da teoria dos direitos da personalidade até à mera sujeição à condição de res.

PALAVRAS-CHAVES: RESPONSABILIDADE. DIGNIDADE HUMANA. REPRODUÇÃO HUMANA

ABSTRACT

The loosening of kinship ties have led the mobilization of family law to the proximity of the Property Law, in remarkably sheet. The law governing family relations, the prevailing understanding of the human being as one who lacks ties of responsibility that complement and bolster throughout its existence. In what refers to the reference sheet, other sayings are insufficient to reset, for example, the figure of membership. The bonds of membership has its mainstay in responsible parenthood, in which the limits of performance between parents and children should be measured in terms of the will to generate the preservation of human dignity and the co-ownership of paternal power that comes before the expression of will than procreacional the act itself. The will, although limited to the co-existence, implies the assumption of global responsibility that must permeate integralizante family relationships from the most tender stages, allowing for

* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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assimilation in the relationship between concepts in the early intrauterine or extra. Is inappropriate to separate these two types of embryos, to the detriment of those who had the petri dish as primeval habitat, demonstrating the lack of updated cultural responses to the demands of society and the progress of science. In summary, the responsibility of the parents should not stick to the point sheet because it is loved, the nature of challenges from the totalitarian aspects of the theory of personal rights and the mere subject to the condition res.

KEYWORDS: RESPONSIBILITY. HUMAN DIGNITY. HUMAN REPRODUCTION

APROXIMAÇÕES SOBRE O TEMA

Proust apressava-se em afirmar que a verdadeira viagem de descoberta não consiste em procurar novas paisagens, mas em ter novos olhos. Entreter-se e, acima de tudo, enfrentar o novo implica mudanças e renúncias das certezas ancoradas, especialmente no que tange ao núcleo de certezas primordiais, às referências primevas da constituição do sujeito. Portanto, exige a coragem.

Ter coragem é ter abertura, ou melhor, permitir fissuras dialogadas no âmago da significação pessoal ou coletiva. Nessa incessante e imbricada solução e dissolução de papéis no centro familiar, permite-se afirmar que a odisseia é parte atualizada dos dilemas humanos, temperados no momento presente pelo uso da biotecnologia.

Hodiernamente, a família como instituição mater pode ser apontada como o reflexo mais perfeito das transformações pelas quais o ser humano tem rapidamente inventado a sua existência, temporalmente circunstanciada. Nela evidencia-se toda a multiplicidade de perplexidades que o futuro insinua ou apresenta como inexorável, afirmando a emergencial re-significação do Humano e de suas produções culturais.

O Direito, nesse caso, se situa na ponteira da articulação entre o ser humano perplexo e a necessidade de normatização do real para a concretização e balizamento ético das demandas, dos sonhos e dos desejos.

Exatamente pela posição que o Direito ocupa, posição de articulação e expressão de significação dos planos real, imaginário e simbólico, que ele se coloca atualmente operando no vácuo jurídico face ao destroçamento das categorias anteriormente válidas e normalmente utilizáveis. Muitas perguntas, poucas respostas, equivalência normal em tempos de mudança em que a única luminária que se mantém acesa na imensa e negra abóbada de interrogações é precisamente a intangibilidade da dignidade da pessoa humana.

FILIAÇÃO E PARENTALIDADE

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Com propriedade diz o poeta, “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”. Afora a singeleza do verso de Fernando Pessoa, sobeja a percepção da controversa grandeza da natureza humana que, embora perceba e vivencie cotidianamente a sua finitude, se desdobra em anseios de perpetuar-se e de lançar-se fora de si em fuga da ditadura cronológica, especialmente quando o faz por meio da filiação.

Filiação seria, portanto, o liame derivado da noção de filia, evocando a amizade, o amor e, especialmente, a responsabilidade recíproca. A filiação é, em algum momento, parte da agenda de todos os seres humanos, sendo um conceito em constante construção, isto é, a depender da qualidade do reconhecimento do vínculo na relação parental com seus filhos, aqueles que partilham a filia.

Trata-se de uma dinâmica que se amplia a partir da pessoa que é um ente que, no decorrer de sua existência, desenvolve a sua personalidade e a sua identidade pessoal, carecendo do reconhecimento social para afirmar-se como cidadão, partícipe e co-detentor dos direitos à cidade.

A entrada do ente humano no universo da cultura é naturalmente perfilhada pelos movimentos em torno de sua sobrevivência básica, superando a mera metamorfose corporal, até aos desdobramentos da saciedade de outros movimentos de inclusão desse ser na esfera da sociabilidade, deixando a esfera da invisibilidade para o seu surgimento como sujeito.

A condição de sujeito, para a perspectiva psicanalítica, ganha status de ato de resposta, uma vez que é sujeito da linguagem, fragmentado em sua constituição pessoal, mediante os marcos e os estímulos, materiais e simbólicos, do Outro.

Importa ressaltar que:

(...) o que chega ao bebê através do Outro materno não é um conjunto de significados a serem por ele meramente incorporados como estímulos ou fatores sociais de determinação do sujeito com os quais interagiria, a partir de sua carga genética, a aprendizagem social de sua subjetividade. O que chega a ele é um conjunto de marcas materiais e simbólicas- significantes- introduzidas pelo Outro materno, que suscitarão, no corpo do bebê, um ato de resposta que se chama de sujeito[1].

Ambiência propícia, logo, para a plena desenvoltura do ser humano, é aquela embasada na construção das noções de parentalidade, ou seja, do pareamento da heterogeneidade. O pareamento, que tem suas origens mais remotas nas sínteses proteicas que deram ensejo a toda a humanidade, permite a estruturação de funções, paternas e maternas, fundamentais para o surgimento do ser falante, do sujeito. Necessário é, pois, que haja a distinção de papéis simbolicamente estruturados para a inserção do sujeito no contexto dos falantes, mundo da cultura.

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Ilustrativo acerca do desejo de saber de si como fruto de uma parelha e, dessa forma, identificar-se, são os dizeres sobre o destino de Édipo, símbolo perfeito da legendária tragédia humana[2]. Emblemáticos são os atordoantes versos a respeito da origem parricida para a instituição do mundo da cultura, especialmente sobre a sua origem e o custo muitas vezes expiatório da pacificação social:

E agora, quem pode haver no mundo que seja mais miserável? Quem terá sofrido, no decurso da vida, mais rude abalo, precipitando-se no abismo da mais tremenda ignomínia? Ilustre e querido Édipo, tu, que no leito nupcial de teu pai foste recebido como filho e como esposo; dize: como por tanto tempo esse abrigo paterno te pôde suportar em silêncio? Só o tempo, que tudo vê, logrou, enfim, ao cabo de tantos anos, condenar esse himeneu abominável, que fez de ti pai, com aquela de quem eras filho! Filho de Laio, prouvera aos deuses que nunca te houvéramos visto! Condoído, eu choro tua desgraça, com lamentações da mais sincera dor! No entanto, para dizer-te a verdade, foi graças a ti que um dia pudemos respirar tranqüilos e dormir em paz![3]

A parentalidade é a relação primordial, posto que inaugural na vida da pessoa humana. A partir da relação parental, o ser humano se humaniza, personifica-se e apresenta traços e esboços profundos de estruturas inamovíveis que marcarão toda a sua vida, nos limites da tênue construção de seu Eu em sua atuação pessoal e coletiva. A parentalidade pode ser igualmente um convite à superação e à sublimação.

Cotejar o infinito e alcançar minimamente as estrelas é a melhor tradução para aqueles que vivenciam, afetados pela harmonia, o fenômeno parental que implica ser co-protagonista de uma história alheia, sabendo que ela não narrará apenas seus marcos mais interessantes, versando não linearmente, sobretudo sobre um outro que não é o eu e que não se tornará um gêmeo, embora não saído de si.

Os fenômenos da individuação e da individualização reforçam a renúncia a traços marcadamente narcisicos nas relações parentais e familiares. A família é, consequentemente, o locus da limitação do panorama complexo de relações imbricadas que advem da abertura e da receptividade, dimensionando-se em procedimentos para a composição de um contexto adequado não só à sobrevivência, mas, nomeadamente, à sublimação da ambivalência, da violência simbólica e da subjugação para a produção do amor[4]. A família é igualmente um centro de produção, aquisição e acumulação de riquezas, desvendando um caráter tipicamente patrimonial, embora não se resumindo a ele.

Dada a relevância dessa modalidade de vínculo, bem como a partir da inescusável referência ao aspecto patrimonial a ele correlato, a família constituiu-se, no decorrer da história da Humanidade, como grupo primevo, célula mater, fonte primeira da ideia de identidade. O traço identificatório resultante do reconhecimento no seio familiar, destarte, foi sempre fonte de intensa normatização e obteve diversificadas formas de tutela.

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A busca pela certificação dos laços consanguíneos intrafamiliares foi historicamente alvo de suposições e também de uma série de afirmações que se delineavam desde a utilização de critérios baseados em crendices e em superstições até ao apogeu do uso pós-moderno das tecnologias da identificação genética[5].

Ocupando-se desse assunto, Carnelutti salientou que:

Ahora bien, la historia del derecho enseña que la familia ha sido, en su origen, un minúsculo Estado. Un Estado monárquico por excelencia, dominado por un rey o por una reina, según las dos directivas del patriarcado o del matriarcado. Los historiadores del derecho, especialmente del derecho romano, han comprobado este carácter político de la familia, después el Estado ha ido creciendo poco a poco: la familia, la gens, la ciudad(polis) son las primeras fases del desarrollo; después el Estado se agranda todavía; no es necesario remontar mucho hacia atrás en la historia para tener la prueba de esta evolución que se encuentra al alcance de la mano en los últimos siglos de desarrollo de la história italiana[6].

Enfatiza ainda na conjunção das esferas pública e privada, assegurando que:

Pero que se debe tener bien en la mente es que si la evolución agrega progresivamente algo a lo que antes existía, lo que antes existía no deja por eso de existir. Quiero decir que las unidades menores no desaparecen porque se formen unidades mayores. La familia está comprendida, pero no absorbida, en la gens o gente; y lo mismo la gente en la tribu o en la ciudad; e igualmente, la ciudad en la provincia, en la región, en el Estado. Estado se llama, necesariamente, la unidad superior; pero las unidades inferiores, si cambian de nombre, no pierden ni la estructura ni la función. Hay que hacerse cargo de esta verdad para comprender la estructura, o más bien la naturaleza, del Estado. La pretensión, entre otras cosas, de negar la familia para afirmar el Estado, es una de las más insanas aberraciones que puedan adoptarse en la historia del pensamiento humano. Sin la familia, el Estado no puede vivir, como no se podría construir un edificio si se disgregasen los ladrillos con que se lo construye. Un Estado sin familia es absurdo, como un cuerpo humano sin células. Así como la salud del cuerpo humano depende de la permeabilidad de las células al misterioso flujo vital, así también la salud del Estado depende de la cohesión de la familia, es decir, de la circulación del amor entre sus miembros.[7]

O LEGADO DO DIREITO ROMANO

O instituto da família ocupou parte substancial da regulamentação normativa do Direito Romano[8], fundando-se, num primeiro momento, menos na consanguinidade do que na compreensão de prolongamento e continuidade de um membro do grupo por meio do outro. A estrutura familiar era marcadamente patrimonialista e patriarcal, destacando-se

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pela ênfase na religiosidade e na profissão de um mesmo credo, sendo liderado pelo paterfamilias[9].

Fustel de Coulanges ensina que a perpetuidade do culto familiar estava diretamente relacionada com a ideia de prosperidade e de cumprimento do dever previamente estabelecido nos vínculos do casamento[10], orientando que:

Porém, não era suficiente gerar um filho. O filho que perpetuaria a religião doméstica devia ser fruto de casamento religioso. O bastardo, filho natural, aquele que os gregos denominavam por nóthos e os latinos spurius, não podia desempenhar o papel que a religião transmitia ao filho. Com efeito, os vínculos de sangue isolado não constituíam, para o filho, a família: necessitava ele ainda dos vínculos do culto. Ora o filho nascido de mulher não associada ao culto do esposo através da cerimônia do casamento não podia, por si próprio, tomar parte no culto. Não tinha o direito de ofertar o banquete fúnebre, e a família não se perpetuaria por seu intermédio. Veremos a seguir como pela mesma razão, este espúrio não tinha direito à herança[11].

Advinda da necessidade de regulamentar a relação entre os pater familias foi que surgiu a ultimamente superada dicotomia: direito público e direito privado. No âmbito doméstico, era ampla a competência e a atuação do pater familias, incidindo em direitos sobre a vida e sobre a morte daqueles que lhe eram subordinados.

Considerava-se poder absoluto, uma vez que não poderia ser contestado pelos que se ocupavam do direito da cidade e nem sequer por outro. Com efeito, pode-se afirmar que a Família e a sua forma de organização fundada no tripé, religião, sedentarismo e propriedade privada precederam muito à cidade.

O pátrio poder fundamentava-se, nesse diapasão, na necessária regulamentação das condutas no seio familiar, caracterizando-se hierarquicamente pela primazia do indivíduo masculino mais velho e detentor de autoridade advinda do culto dos deuses domésticos. Dentre esses poderes, condiciona-se perceber a atuação do chefe de família como usufrutuário da propriedade privada, sendo a família a sua real proprietária.

Na realidade, cabia àquele que desempenhava a função paterna velar pelo culto e perpetuidade do núcleo familiar, mediante práticas ritualísticas que asseguravam e distinguiam o grupo de todos os demais, encarnando a figura do sacerdote e, nesses termos, encarnando o próprio traço identificatório, dentro e fora, externando-o para os que pertenciam ao seu clã.

O pater era distinto do genitor. Fustel de Coulanges destaca que:

Mesmo o nome pelo qual é designado, pater, fornece curiosos ensinamentos. A palavra é a mesma em grego, em latim ou em sânscrito, donde podemos concluir ser esta palavra datada do tempo em que os antepassados dos helenos, dos italianos e dos hindus

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ainda viviam juntos na Ásia Central. Qual o sentido e que idéia podia representar então ao espírito dos homens? Podemos conhecê-la porque conservou o seu significado primitivo nas fórmulas da linguagem religiosa e nas do vocabulário jurídico. Quando os antigos, invocando Júpiter, chamavam-no pater hominum Deorumque, não queriam dizer fosse Júpiter o pai dos deuses e dos homens; porque jamais o consideraram como tal e, antes pelo contrário, sempre acreditaram que o gênero humano tenha existido anteriormente a Júpiter. Igual título de pater foi concedido a Netuno, Apolo, Baco, Vulcano e Plutão, que os homens seguramente não consideravam como seus pais; do mesmo modo, o título materfoi aplicado a Minerva, Diana e Vesta, consideradas três deusas virgens. Do mesmo modo, em linguagem jurídica, o título de pater ou paterfamilias podia dar-se a homem que não tivesse filhos, não fosse casado, ou não estivesse mesmo em idade de contrair matrimônio. A concepção e paternidade não estava, portanto, ligada a esta palavra. A língua antiga conhecia outra palavra que designava propriamente o pai e que, tão antiga como pater, se encontra também nas línguas grega, latina e na dos hindus( gânitar, ghennetér, genitor). A palavra patertinha ainda outro sentido. Em linguagem religiosa aplicava-se esta expressão a todos os deuses: no vernáculo do foro, a todo homem que não dependesse de outro que tivesse autoridade sobre uma família e sobre um domínio, paterfamilias. Os poetas mostram-nos que era empregada indistintamente a todos quantos se desejava honrar. O escravo e o cliente usam-na com seu senhor. Aparecia como sinônima das palavras, rex, anax, basileus. Encerrava em si, não o conceito de paternidade, mas aquele outro de poder, de autoridade, de dignidade majestosa[12].

A dignitas, a distinção do seu poderio, era proporcionalmente aferida pelo poder de persuadir o maior número de indivíduos para professarem o mesmo credo, simbolizando a forte base religiosa da organização política daquela época. Pater, diferentemente do genitor, era aquele que detinha, igualmente, o ônus e a responsabilidade compatíveis com esse status que lhe fora conferido.

Com efeito, verifica-se que o ato de acolher pessoas estranhas aos laços consanguíneos era amparado na busca expansionista de aumentar o poder a partir do consequente aumento no número de adeptos. Essa mobilização elevou a vontade à categoria de fonte por excelência de parentesco, em detrimento da consanguinidade.

Afirma-se, desse modo, que o surgimento do instituto da adoção é decorrente dessa busca da perpetuação do culto doméstico e, evidentemente, da tentativa de evitar a fragmentação do poder entre os diversos e numerosos clãs e famílias.

Afirma-se, desse modo, a propriedade privada como parte essencialíssima para a fundação do Estado Romano com bases religiosas e rurais. Tratava-se da interface necessária para a perpetuação da família, a instituição do lar como ambiente sagrado e a fixação do clã no espaço, mediante o prosaico processo de sedentarização.

Do texto das Institutas do Imperador Justiniano, obtêm-se que:

A adoção realiza-se sempre mediante certas condições, que são: o ad-rogante deve prestar caução a uma pessoa pública, prometendo que restituirá os bens do pupilo àqueles que seriam chamados por sucessão, se não tivesse havido a adoção, no caso de

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vir a falecer o pupilo ainda impúbere; do mesmo modo, não pode o ad-rogante emancipá-lo a não ser que prove ao magistrado qu e o pupilo mereceu a emancipação, e, então, lhe deve entregar os bens. Porém, se vem a deserdá-lo ao morrer, ou se o pai o emancipou, quando vivo, sem justo motivo, fica obrigado a deixar-lhe a quarta parte dos bens, ou seja, além dos bens que passarem ao pai adotivo, por ocasião da adoção e dos bens adquiridos posteriormente[13].

Em caso de adoção, havia, por conseguinte, a transferência do pátrio poder de um pater famílias para outro, evidenciando-se naturalmente a necessidade de profissão do mesmo culto familiar, sob pena de acusação de ingratidão.

Fustel de Coulanges lembra que:

Quando alguém adotava um filho precisava, antes de mais nada, iniciá-lo nos segredos do culto, introuzi-lo na religião doméstica, aproximá-lo de seus penates. A adoção também se realizava por uma cerimônia sagrada que parece ter sido muito semelhante à que assinalava o nascimento do filho. Por via dela, o recém-chegado era admitido no lar e vinculado à religião. Deuses, objetos sagrados, ritos, orações, tudo passava a pertencer-lhe em comum com o pai adotivo. Dizia-se então: In sacra transiit: passou para o culto de sua nova família[14].

A adoção operava-se de dois modos, a dizer: em razão de rescrito imperial ou de autoridade do magistrado. No primeiro caso, podiam ser adotados aqueles ou aquelas que eram sui juris[15], sendo denominada de ad-rogação. Já na segunda hipótese, isto é, em virtude da autoridade do magistrado, eram adotados aqueles ou aquelas que se achavam em poder dos ascendentes, quer no primeiro grau, como filho ou filha, quer em grau inferior, como o neto ou a neta.

Posteriormente ver-se-á o surgimento de uma nova dinâmica política, na qual se destacava prioritariamente que, enquanto havia o fortalecimento do Estado Romano sob a forma de império expansionista, resultava no enfraquecimento do chefe de família e seu poder outrora absoluto.

O Império Romano passou a centralizar politicamente a economia e a administração da justiça, exercendo seu monopólio. O Cristianismo, por seu turno, exerceu a função aglutinadora nessa nova modalidade de organização social que era desempenhada pelo múltiplo culto doméstico. Dentre as alterações trazidas pela disposição do império, delineava-se a possibilidade de suspeição de abuso de poder por parte do patriarca[16], caracterizando o seu enfraquecimento.

Evidencia-se notoriamente que o vínculo de parentesco, especialmente no que se refere à filiação, é historicamente fruto da qualidade da relevância da pessoa humana para o grupo e, mais especificamente, é proporcional ao status de pessoa e da forma de reconhecimento que é abrigado e expresso pelas normas jurídicas.

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O reconhecimento, pois, constitui-se como parte intrínseca do processo de identidade[17] da pessoa e tem sido feito com bases distintas, ora privilegiando a consanguinidade, ora a necessidade política de agregar adeptos por meio da adoção para justificar o poder.

Paradoxalmente, Bauman lança suas idéias a esse respeito, dizendo que:

As pessoas em busca de identidade se vêem invariavelmente diante da tarefa intimidadora de “alcançar o impossível”: essa expressão genérica implica, como se sabe, tarefas que não podem ser realizadas no “tempo real”, mas que serão presumivelmente realizadas na plenitude do espaço- na infinitude[18]...

Justifica-se, daí, dizer-se que se devassar na aventura de identidade é, em primeiro plano, adentrar nas brechas de significação parental e familiar para experimentar compreender mais acerca da cultura que delineia grande parte dos papéis que os seres humanos desempenham nos palcos que são as suas vidas, formato de pequenas cidadelas.

A FILIAÇÃO E A PARENTALIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: BREVE HISTÓRICO

Marcadamente influenciado pelo Direito Romano, a instituição do Direito de Família no cenário nacional foi, até meados da década de oitenta do século passado, notadamente fechada à personalização e, essencialmente, voltada à patrimonialização.

A herança do patrimonialismo é, embora eivada de outras nuances e influências culturalmente estabelecidas, um traço acentuado no Direito brasileiro, reafirmando-se notoriamente no âmbito do Direito privado, em que se considerava plenamente ancorado na ideia de autonomia da vontade das partes, isto é, na sofreguidão de levar aos últimos limites a noção de efetivação do binômio liberdade-igualdade.

Cahali enumerou cinco etapas, a partir das quais se pode traçar uma linha histórica entre as distintas formas de percepção do direito à filiação no Brasil, estribando-se na intensidade da influência da Igreja Católica. Segundo ele,

a) aquela regulada pelas Ordenações Filipinas, pela qual não se admitia a sucessão legítima ao filho ilegítimo, somente a testamentária; b) a formada no direito pré-codificado, com a fase inaugurada pela Lei n. 463, de 02,09,1847, em que os filhos espúrios passam a gozar dos mesmos direitos que os legítimos na sucessão, desde que reconhecidos mediante escritura pública ou por testamento; c) o direito codificado em 1916, que estabelece a impossibilidade de reconhecimento de filhos adulterinos e incestuosos; d) a introdução de leis infraconstitucionais, em consonância com o art. 126

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da Carta Constitucional de 1937; e) a equiparação absoluta, decorrente da Constituição Federal de 1988 e leis posteiores[19].

Cumpre ainda salientar a reafirmação do texto constitucional no Código civil de 2002, restando evidente a ideia de constitucionalização como algo concreto na realidade jurídica atual, particularmente em se tratando de proibir a discriminação relativa à filiação.

De fato, inegável foi o avanço na normatização das condutas no seio familiar, oportunidade em que o texto constitucional vigente possibilitou a inclusão de inúmeros grupos sociais que se encontravam à margem, na esterilidade da falta de tutela específica.

Dois diplomas legislativos foram notáveis na consolidação do que se menciona acima, a dizer, a Lei 8,069/90 e a Lei 8,560/92. Ambos tratavam tanto da proibição de discriminação quanto da forma de reconhecimento de filhos havidos fora do casamento. Aflora outro tópico destacável que foi a expressão do acolhimento no seio social e igualmente no âmbito jurídico, ao menos hipoteticamente, da ideia de separação entre os institutos do casamento e da filiação no que se refere à tutela.

Fachin denuncia o sistema clássico em que o patrimonialismo é a tônica da relação jurídica, enfatiza que nele não há espaços para a centralidade da pessoa humana em toda a sua singularidade e inteireza e leciona que:

Três pilares fundamentais, em cujos vértices se assenta a estrutura do sistema privado clássico, encontram-se na alça dessa mira: o contrato, como expressão mais acabada da suposta autonomia da vontade; a família, como organização social essencial à base do sistema, e os modos de apropriação, nomeadamente a posse e a propriedade, como títulos explicativos da relação entre as pessoas sobre as coisas[20].

Aportado na crítica, o autor ainda observa que o sistema de apropriação é o que primariamente se capta na observação do conceito de sujeito nos moldes clássicos e conclama a doutrina para esboçar novos contornos conceituais, orientando que:

Privar, possuir e pertencer. A segurança desse sistema outorga um título a um sujeito sobre um objeto. Por aí se vê que ao menos dois séculos estacionados contemplam o indivíduo-centrismo, apto a captar um individualismo do século XVIII que atuou no regime civilista. Para que o circuito se complete, o desenho das pertenças se amolda a essa construção, insurgindo na propriedade relação jurídica de apropriação. Aí o senhor da coisa, titular do especo privado, seus bens e suas relações jurídicas: aquele que contrata, tem patrimônio e contrai “justas núpcias”, um ser conceitual, pronto, acabado e com pretensões à perpetuidade[21].

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Vê-se que da mirada da janela do passado o Brasil reorientou, a partir da Constituição de 1988, as relações de parentesco e da organização da família. Todavia, é imperioso notabilizar que ocorreram avanços na compreensão e na regulamentação dos vínculos familiares, notadamente no que se refere à intangibilidade da dignidade da pessoa humana, à paridade e à isonomia entre os cônjuges e entre os filhos, à partilha responsável[22] do exercício do Poder familiar e à ampliação do conceito e ao reconhecimento das novas modalidades de família.

A PERSPECTIVA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002

Repetindo literalmente a norma do artigo 227, §6º, da Constituição Federal de 1988, o Código Civil de 2002 demonstrou a opção culturalista de Miguel Reale na medida em que expressa, em seus cânones, a proibição de qualquer forma discriminatória entre os filhos nascidos ou não na constância do casamento.

Art. 1596(Cód. Civil Brasileiro). Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Nesse sentido, os desdobramentos dessa orientação foram se multiplicando em termos de propostas de emendas para tentar abordar o âmbito do inovador uso da biotecnologia, melhor dizendo, das técnicas de reprodução assistida para sanar problemas relativos à infertilidade.

Do teor das emendas propostas, surgiu o texto do art. 1597 do CC, versando sobre três novas hipóteses de presunção de paternidade, todas elas referenciadas ao uso de técnicas de reprodução assistida e, face à absoluta falta de melhores critérios[23], retomam a referência à constância do casamento para o reconhecimento.

Art. 1597(Cód. Civil brasileiro). Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I- nascidos 180(cento e oitenta) dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II- nascidos nos 300(trezentos) dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;III- havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;IV- havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;V- havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Notória é a atecnia do uso das nomenclaturas inseminação, fecundação e concepção, como sinônimas. Na realidade, são distintas, uma vez que, enquanto a fecundação

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artificial consiste na fusão extrauterina dos gametas, masculino e feminino; se entende por concepção artificial algo mais amplo, ou seja, a concepção mediante qualquer técnica de assistência; já a inseminação artificial é a integralidade do processo, englobando as demais.

Além da crítica ao uso indevido da terminologia, Aguiar alude à existência de antinomias dentro desse diploma legal, afirmando que:

A aplicabilidade dessa presunção de paternidade é questionada, haja vista a extinção do casamento com a morte. Por outro lado, não é possível conferir direitos sucessórios ao que nascer por inseminação post mortem, posto que não estava a criança gerada por ocasião do falecimento do pai genético[24].

A autora, perscrutando sobre a vedação à inseminação post mortem, informa ainda a respeito das recomendações apontadas pelas Jornadas de Direito Civil, no sentido de:

Sugeriu-se, ainda, a revogação integral do inciso IV do art. 1597, ao argumento de que a autorização para o uso de embriões excedentários, ao fim da sociedade conjugal, implicaria no aumento do número de litígios, em especial nas hipóteses e separação judicial ou divórcio, para saber a quem deve ser deferida a possibilidade de utilização dos embriões. Ademais, sob o enfoque constitucional, a regra fere o princípio da igualdade incorporado pelo art. 5º, caput, pois somente a mulher se poderia valer dos embriões sobrantes, haja vista não existir no Código Civil Brasileiro qualquer regra que autorize o reconhecimento da maternidade em caso de falecimento da mãe genética. Assim, o embrião, implantado in utero alheio após a morte da mãe teria estabelecida, tão somente, a paternidade. A maternidade seria da mãe que deu à luz e, portanto, deixaria a inseminação de ser homóloga[25].

REFLEXÕES SOBRE O CONTEXTO LEGISLATIVO ACERCA DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA NO DIREITO BRASILEIRO

Dispondo sobre o contexto legislativo a respeito da normatização da Reprodução Assistida no Brasil, urge ressaltar a notoriedade do surgimento, em 2005, da lei de Biossegurança.

Trata-se de diploma legal cuja origem destacava-se do epicentro das discussões a respeito da transgenia alimentar no Brasil, mas que acabou trazendo uma múltipla regulamentação de caráter plural sobre o uso da biotecnologia.

Logo, em seu artigo primeiro, informa que:

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Art. 1º. Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismo de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados- OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área da biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente.

Ressurge, daí, que foi uma tentativa de margeamento e de delimitação do risco aceitável no uso da biotecnologia que gerou a necessidade desse diploma legal supra- mencionado. Com efeito, uma das consequências da ampliação do uso de tecnologias no âmbito da vida, especialmente após a descoberta da estrutura helicoidal e das enzimas de restrição, amplamente utilizáveis pelas técnicas de engenharia genética, foi o início de uma percepção diferente sobre a real dimensão do novo tipo de risco para as gerações presentes e igualmente para as futuras.

A thecné consiste num modo de fazer e, nesse contexto, não pode ser destituída da análise das implicações de seu uso. Não pode, com efeito, ver-se uma técnica alijada de uma reflexão acerca do ethos, uma vez que a técnica não tem um sentido ético em si e nem se justifica por si mesma, carecendo dele para sua complementação como ferramenta de uso por parte do ente humano.

Assim, a Lei de Biossegurança apareceu no contexto legislativo nacional para regulamentar o uso da biotecnologia e, desse modo, minimamente assegurar a tutela aos bens e aos valores fundamentais da sociedade brasileira, tocando o sentido de eticidade exigível em qualquer modalidade de conduta.

O uso de qualquer modalidade de técnica é sempre orientado por decisões políticas, visando a fins previamente determinadas. Definir essas finalidades, pautando o modus procedimental de um fazer margeado pela ética, é tarefa essencial da política jurídica de uma nação civilizada e organizada sob a forma do Estado Democrático de Direito.

A Lei de Biossegurança seguiu uma tendência previamente ancorada na legislação internacional tendo a precaução como elemento essencial. No que tange à reprodução assistida, destaca-se o controverso art. 5º, in verbis:

Art. 5º É permitida para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I-sejam embriões inviáveis; ou II- sejam embriões congelados há 3(três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3(três) anos, contados a partir da data do congelamento. §1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. §2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. §3º É vedada a comercialização do material biológico a

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que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei n. 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

Alguns pontos merecem especial menção para que se possa apreender o sentido normativo e, consequentemente, compreender a consideração da ideia patrimonialista subjacente à terminologia empregada pelo legislador pátrio.

Notória é a confusão que se coloca para o destinatário da norma a respeito da titularidade dos direitos sobre o embrião, refletindo-se na enganosa ideia de que os genitores seriam os donos de sua prole. Ora, a tutela da vida cabe tão somente ao Estado, restando integralmente vedada qualquer espécie de autotutela pelo ordenamento jurídico brasileiro ou qualquer modalidade de comercialização da vida.

A vida, oportuno relembrar, é o fenômeno social mais básico e não pode ser objeto, reificável, ao sabor do mercado. A vida, por conseguinte, não pode ser sintetizada na condução de insumo, ela é dom precioso e, a partir dessa condição, deve ser tutelada. Nas diretrizes do Direito brasileiro, não há previsibilidade para o direito ao próprio corpo, ressurgindo daí a impossibilidade fatal de traços de lógica de apropriação na relação entre pais e filhos e nem na apreciação de qualquer fase da vida humana. De fato, o sentido e a grandeza da vida escapa à limitação da lógica patrimonial.

AS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA

Assistência diz respeito ao cuidado e à atenção que alguns carecem para supostamente vencer os problemas reprodutivos relativos à infertilidade. Atualmente a OMS calcula que vinte por cento da população mundial é considerada infértil, isto é, apresenta dificuldades reais em procriar naturalmente, sem auxílio de qualquer meio ou técnica de assistência para se reproduzir.

Lícita é a tentativa de vencer os obstáculos para o desejo humano de procriar, utilizando-se do uso da técnica para possibilitar a reprodução humana. Ocorre que é urgente observar que a produção desses conhecimentos e desses avanços científicos deve ser obtida e utilizada com uma razoável segurança, bem como regulamentada pública e democraticamente por cada época e sociedade, porém sem prejudicar outros seres vivos ou a qualidade global do meio ambiente, ou seja, as biotecnologias[26] devem estar a serviço do Homem[27], em seu sentido mais amplo, e só se justificam em virtude dessa finalidade.

Assim, embora a infertilidade não possa ser considerada uma enfermidade, causadora de danos físicos ou riscos à saúde e à vida, ela é inegavelmente fonte de inúmeros sofrimentos.

Segundo a Organização Mundial de Saúde(OMS), o conceito de infertilidade se define como a situação de não concepção após dois anos de relacionamento sexual sem nenhum uso de medidas contraceptivas[28].

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O desejo de ter filhos, de constituir uma família baseada na transmissão de caracteres hereditários mediante fusão de fluidos seminais, é um dos fatores que têm legitimado as pesquisas na área da medicina reprodutiva e muitas das inovações biotecnológicas.

As técnicas de reprodução assistida interferem em desejos individuais e na formação do imaginário coletivo. Com efeito, estão interligadas com as normas éticas, jurídicas e sociais que atuam nos campos da reprodução humana e afetam diretamente as áreas da sexualidade, do casamento, da família e seus desdobramentos em relação à filiação[29], a relações de parentesco[30] e à hereditariedade, assim como também são influenciadas por políticas de gênero, consumismo, práticas eugênicas e racismo.

FILIA COMO FRUTO DA RESPONSABILIDADE E DA ESPERANÇA

Segundo Strathern, na representação chamada euro-americana, parentesco é entendido como um conceito híbrido já que é considerado como um fato da sociedade enraizado em fatos da natureza[31].

A partir desse referencial antropológico recente, parentesco na perspectiva ocidental caracteriza-se por dois aspectos básicos: inicialmente pelo vínculo biogenético, ou seja, pelos chamados ‘laços de sangue’, considerados irrevogáveis; o segundo aspecto pode ser entendido como uma afinidade de discursos, ou seja, a aproximação na prática de condutas semelhantes que se embasariam em valores comuns.

Nas relações mais próximas, como entre pais e filhos, normalmente são identificadas as duas modalidades de vínculos. O parentesco possui a irrevogabilidade decorrente da biogenética e, simultaneamente, enquanto qualidade de código ou de laço subjetivo, regido e justificável pelas convenções sociais, estaria mais sujeito a alterações.

Entre os cônjuges, o amor, frequentemente erótico, é o símbolo da unidade de parentesco, relacionando os aspectos da comunhão da substância e de código de conduta. O aspecto erótico é que, geralmente, justifica a relação entre os cônjuges, distinguindo-a da relação entre eles e os filhos, que deve basear-se em uma outra dimensão de parentesco.

Nesse sentido, as técnicas de reprodução assistida alteram completamente o laço de substância, isto é, ele deixa de ser domínio exclusivo da natureza e há consequentemente uma fragmentação do papel materno. Isso evidencia a descontinuidade entre a construção social do papel materno e do fato social.

O processo reprodutivo, por sua vez, também é fragmentado em séries de etapas descontínuas e, na hipótese de cessão de útero, há um desmonte do processo natural da maternidade.

Strathern[32] ainda esclarece que a mãe e a sociedade passam a ter uma falta de clareza na definição do nexo biológico. Dessa forma, o emprego da fertilização in vitro e cessão de útero implicam dois tipos de maternidade dissociados. Assim, há a mãe gestacional

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ou substituta e a mãe genética, complicando, futuramente, também o estabelecimento social da diferença entre as funções de pai e mãe no núcleo familiar. Com recurso à reprodução artificial, há uma nova compreensão do componente biológico no parentesco ocidental, a dizer, passou a ser considerada a biologia mediada tecnologicamente e seus efeitos.

Lembra-se de que há um novo tipo de parentalidade a ser construído, embasado na inovação de um novo modus e uma estrutura com conceitos outrora conhecidos e, agora, invalidados, especialmente, de filiação e de parentalidade. Embora se possa apontar que ressurge uma vinculação familiar mais afeita à consanguinidade, é notória a inclusão de elementos totalmente desconhecidos que impulsionam uma nova interpretação e explicação da realidade global.

Com efeito, evidencia-se uma necessidade conceitual nova que detenha a força argumentativa das regras que dantes alargaram a tutela ao sujeito de direito nascido fora do casamento: uma modalidade de parentalidade pré-natal.

Uma parentalidade pré-natal deve ser correlata à ideia de família restituída à condição de celeiro da porção da identidade, fonte de identificação, de responsabilidade e de reconhecimento mútuo, num ambiente propício à maturação do Sujeito de Direito plural do terceiro milênio, saído das penumbras das invisibilidades de uma sociedade consumista e meramente informacional para uma plena realização de forma coerente e harmônica. Uma compreensão que contempla os filhos não mais como objetos de consumo da sociedade infantilizada, brincantes de um crescer imaturo.

Busnelli, nesse sentido, afirmou que:

(...)poderia configurar o concebido como filho em sentido mais significativo; os genitores seriam investidos de uma potestade adequada à existência pré-natal, e estariam adstritos aos cuidados devidos à pessoa: não apenas à mãe, mas o pai seriam titulares das prerrogativas ligadas à posição de genitor[33].

ESPERANÇA E RESPONSABILIDADE

A dignidade da pessoa humana acolhida no âmago dos sistemas jurídicos advindos na era pós-positivista gerou com irrefutável urgência uma análise acurada sobre o conceito de pessoa, ampliando as noções limitantes outrora compreendidas na vontade do legislador constitucional e que, entretanto, já não contemplam a grandeza e a inteireza do fenômeno humano.

Com o advento das novas técnicas e dos novos saberes descortinados por sua aplicação cotidiana, surgiu o vácuo desproporcionalmente criado entre a ciência e a ética. Desse

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fosso, surge a acossada vacilação entre privilegiar um campo em detrimento do outro, impingindo-lhes um caráter de antinomia insuperável.

De fato, ciência e ética são interfaces de uma fazer humano que só se justifica se levar ao engrandecimento da espécie, ampliando a qualidade da tutela que é destinada a todos, independentemente da fase existencial em que se encontrem.

Separar ciência e ética é seguir o superado pensamento cartesiano, binário. Atualmente não há, portanto, mais espaço para os Homens individualmente perspectivados, restando somente a leitura da espécie humana como aqueles que vêm do humus, da terra, interligados a todas as demais espécies e a si em relações de mútua dependência para o resgate de sua sobrevivência planetária.

A única compreensão válida é a que parte da complexidade e, num sentido amplo, alia a responsabilidade à esperança no eixo das relações sociais, especialmente às mais intimas, às relativas à família, à parentalidade e à filiação. Responder significa atender ao apelo de caráter obrigacional do vínculo perpetrado, refletindo um saber prévio e consciente de si, do reconhecimento do seu papel no seio do grupo social e da condição de invenção do próprio futuro.

Alteridade é marca e registro da espécie humana que contempla o seu desenvolvimento na métrica da economia dos passos da identidade construída a partir do reconhecimento, da partilha e da solidariedade numa trilha de esperança.

(...) Porque há em nós, por mais que consigamos /Ser nós mesmos a sós sem nostalgia, /Um desejo de termos companhia(...). Além do que dizia o poeta fingidor, é a qualidade da lapidação do afeto dos vínculos familiares que perfaz a dor, a beleza e a agonia de sermos tão somente humanos.

REFERÊNCIAS

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WALD, Arnold. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito de Família. 11ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998

[1]ELIA, Luciano. O conceito de sujeito. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, p. 41.

[2]SÓFOCLES. Édipo Rei. Trad J. B. Mello e Souza. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997, p. 73. “Ó gerações e mortais, como vossa existência nada vale a meus olhos! Qual a criatura humana que já conheceu felicidade que não tenha recaído após, no infortúnio, finda aquela doce ilusão? Em face de seu destino tão cruel, ó desditoso Édipo, posso afirmar que não há felicidade para os mortais! “

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[3]SÓFOCLES. Op. cit, p. 78.

[4] ELIA, Luciano. Op. cit., p. 61-62. O autor demonstra a necessidade de se entrar no plano do amor quando da descoberta da distinção entre demanda e desejo, bem como a inacessibilidade da plena satisfação, uma vez que a natureza humana é pautada pela falta. “Como já disse antes, é porque o desejo já habitava, de saída, as primeiras demandas de satisfação do sujeito, é por isso que a demanda não pode ser satisfeita. Para que o sujeito aborde seu desejo, situe-se em relação a ele, o signifique para si, e finalmente o realize, o torne real em sua existência, em sua experiência, é preciso que ele adentre o plano do amor.”

[5] PETTERLE, Selma Rodrigues. O Direito Fundamental à Identidade Genética na Constituição Brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 110-112.

[6] CARNELUTTI. Francesco, Como nace el derecho. Trad. Santiago Sentis Melendo e Marino Ayerra Redín. Colômbia: Editorial Temis S. A., 2000, p. 68-69.

[7] Idem, Ibidem.

[8] ALVES, José Carlos Moreira. Aula magna: as bases romanísticas do direito brasileiro. In: Direito público romano e política. Ana Lúcia de Lyra Tavares, Margarida Maria Lacombe Camargo, Antonio Cavalcanti Maia. (Org.). Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 20.

[9] JUSTINIANO I, Institutas do Imperador Justiniano: manual didático para uso dos estudantes de direito de Constantinopla, elaborado por ordem do Imperador Justiniano, no ano 533 D.C Trad..J. Cretella Jr. e Agnes Cretella, 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 37. “Título IX- Do Pátrio Poder- Sob nosso poder acham-se nossos filhos, que procriamos em justas núpcias. §1º- Núpcias, ou matrimônio, são a união do homem e da mulher, com um costume indivisível de vida. §2º- O direito do poder, que temos sobre nossos filhos, é próprio dos cidadãos romanos, porque não há outros homens que tenham sobre os filhos o poder que nós temos. §3º- Portanto, aquele que nasceu de ti e de tua mulher, fica sob o teu pátrio poder, Do mesmo modo aquele que nasceu de teu filho e da mulher dele, isto é, teu neto ou neta, e também o bisneto e a bisneta, e assim os demais. Aquele, porém, que nasceu de tua filha, não está sob o teu pátrio poder, mas sob o pátrio poder do pai dele.”

[10] FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. A cidade antiga: estudos sobre o Culto, o Direito, as Instituições da Grécia e de Roma. Trad. Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca. São Paulo: Hemus, 1975, p. 42-43. “O casamento era, portanto, obrigatório. Não tinha por finalidade o prazer, seu objetivo principal não estava na união de dois seres que se simpatizavam mutuamente um com o outro e querendo associar-se para a felicidade e para os sofrimentos da vida. O efeito do casamento, em face da religião e das leis, consistia na união de dois seres no mesmo culto doméstico, fazendo deles nascer um terceiro apto a perpetuar esse culto.” ; JUSTINIANO I, op. cit., p.38. “Título X- Do casamento- Contraem justas núpcias, entre si, os cidadãos romanos, que se unem segundo os preceitos legais, homens púberes com mulheres núbeis, quer sejam pais de família ou filhos de família, mas, se forem filhos de família, precisam do consentimento dos pais sob cujo pátrio poder se acham. O direito civil e o natural assim o determinam, de modo que o consentimento paterno deve proceder o casamento.”

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[11] FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. Op. cit., p. 42.

[12] FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. Op. cit., p.70-71.

[13] JUSTINIANO I, Op. cit., p. 43.

[14] FUSTEL DE COULANGES, Numa Denis. Op. cit., p. 45

[15] JUSTINIANO I, Idem, ibidem, p. 45. “Aqueles que estão sob o poer de um ascendente, pela morte deste, se tornam sui juris. Mas há aqui uma distinção: morto o pai, certamente o avô, nem sempre os netos e as netas se tornam sui juris, mas somente no caso de, por morte do avô, não caírem sob o poder do pai. Se, por ocasião da morte do avô, estiver vivo o pai, e eles estavam sob o poder do avô, depois da morte daquele, os netos ficam sob o poder do pai. Se, ao tempo da morte do avô, o pai já era falecido ou saiu da família daquele, os filhos não podem recair sob o poder de ninguém e se tornam sui juris.”

[16] WALD, Arnold. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito de Família. 11ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 25.

[17] BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Carlos Alberto Medeiros(Trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005, p. 16-17.

[18] Idem, ibidem.

[19] CAHALI, apud AGUIAR, Mônica. Direito à filiação e bioética. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 06.

[20] FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil à luz do novo Código Civil brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 13.

[21] FACHIN, Luiz Edson. Op. cit., p. 14.

[22]Art. 1567(Código Civil brasileiro de 2002)- “A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos.

Parágrafo único. Havendo divergência, qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, que decidirá tendo em consideração aqueles interesses.”

Art. 1568 (Código Civil brasileiro de 2002)- “Os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e dos rendimentos do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja o regime patrimonial.”

[23] Oportuno observar que o retorno ao casamento como instituto-referência que melhor se adequou à parentalidade. A partir do vínculo do casamento hipoteticamente é formado um vínculo mais sólido para a parentalidade, tornando-a menos susceptível às alterações e às fatalidades.

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[24] AGUIAR, Mônica. Direito à filiação e bioética. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.15-16.

[25] Idem, ibidem.

[26] Segundo Grisolía, o desenvolvimento da Biotecnologia pode ser dividido em cinco fases: 1- Primeira fase, ainda no século XIX, tem como principal nome Louis Pasteur e se caracterizou pela seleção, pesquisa e descoberta de organismos de origem microbiana particularmente para processos de fermentação; 2- Período correspondente à Segunda Grande Guerra Mundial(1940-1950), se caracterizando pela produção de antibióticos, os nomes mais representativos são Chain Florey e em razão do descobrimento da penicilina, Fleming; 3- A década de 1950 se destacou pelos avanços na Bioquímica, sobretudo no tocante à compreensão do metabolismo intermediário; 4- Os avanços na genética molecular nos anos 60 marcam a quarta fase; 5- A quinta fase se inicia então nos anos 70 com as descobertas das enzimas de restrição e as ligases da estrutura da molécula de DNA até os dias de hoje. Para maiores detalhes, consultar: GRISOLIA, Santiago. A biotecnologia no terceiro milênio. In Carlos María Romeo Casabona.(Org). Biotecnologia, Direito e Bioética: Perspectivas em Direito Comparado. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 18.

[27] NOGUEIRA, Alcantara. Poder e Humanismo: o Humanismo em B. de Spinoza; O Humanismo em L. Feuerbach; O Humanismo em K. Marx. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1989, p. 43. “E apesar de tudo isso, nunca se falou tanto como hoje em respeito aos direitos do homem e da preservação de sua liberdade, com a finalidade de lhe ser concedido um lugar condigno na sociedade e, desse modo, propiciar a eliminação do peso da opressão e o estigma da violência. Não se procura, todavia, reconhecer como causa preponderante o número reduzido dos que exercem o domínio das coisas e da sua ordenação, retirando delas toda a sorte de vantagens materiais. E para completar essa condição, a esses que têm o privilégio de impor se associam outros tantos cujo procedimento é semelhante cães de fila disciplinados, pertencentes a um número variável de categorias, atentos todos ao cumprimento que consideram dever e que, em termos gerais, consiste na manutenção da ordem pública e da paz social. Estes vocábulos levam esses dirigentes da sociedade a fazerem ecoar os seus sentimentos de todas as maneiras possíveis, utilizando as mais aperfeiçoadas técnicas- falada, escrita ou transmitida a imagem a distância. E essas pregações terminam por confundir a maioria dos que assistem ao espetáculo, sendo obrigados a nele tomarem parte, ou servem de arma para a ação dos que, direta ou indiretamente, conscientes ou não se acham a serviço dessa cruzada que reputam salvadora.”

[28] Organização Mundial de Saúde. Adelantos Recientes en Materia de Concepción con Ayuda Medica: informe de un grupo científico de la OMS. Série de Informe Técnicos. 820. Genebra. 1992.

[29] Para um conceito de filiação, consultar: GUIMARÃES, Luís Paulo Cotrim. A paternidade presumida no direito brasileiro e comparado. Rio de Janeiro: Renovar. 2001, p. 27. O autor define a filiação como o estabelecimento de uma relação de parentesco, natural ou civil, entre a prole e seus respectivos pais.

Page 22: GENITORES E AS PREROGATIVAS DA …...RESUMO O afrouxamento dos laços de parentesco nos levaram da seara do Direito de Família para a proximidade dos Direitos Reais, de caráter acentuadamente

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[30] STRATHERN, Marilyn. Reproducing the Future: Essays on Antropology, Kinship and the New Reproductive Technologies. Manchester:Manchester University Press. 1992, p. 10.

[31] STRATHERN, Marilyn. Idem, ibidem, p. 10.

[32] STRATHERN, Marilyn. Op. cit , p. 11-12.

[33] BUSNELLI, Francesco Donato. De quem é o corpo que nasce? Do dogma jurídico da propriedade à perspectiva bioética da responsabilidade. In: Judith Martins-Costa e Letícia Ludwig Möller(Org.). Bioética e Responsabilidade