gênero textual - hibritização

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Gêneros textuais- HIBRIDIZAÇÃO Considerando-se o fato de que toda comunicação humana ocorre a partir de relações mediadas pela linguagem e que ela se faz presente a partir de modos relativamente estáveis de organização, os chamados gêneros discursivos, e considerando-se também que tais relações tornam-se, a cada dia, mais complexas, é possível compreender como os gêneros discursivos têm se modificado intensamente, mesclando diferentes linguagens e códigos, caracterizando o que tem sido chamado, nos estudos linguísticos, de hibridização ou intergenericidade. Para estudar tal fenômeno, iniciemos com a discussão sobre gênero discursivo, na perspectiva bakhtiniana. Para Bakhtin (2003), os gêneros discursivos constituem-se de estruturas sócio historicamente construídas, elaboradas dentro de dada esfera de comunicação humana, disponíveis às comunidades discursivas. Tais gêneros são relativamente estáveis. Isso significa dizer que, ao longo da história e do desenvolvimento cultural, os gêneros sofrem modificações em função das necessidades que emergem nas comunidades de uso. Ainda para o teórico, três aspectos fundamentais caracterizam os gêneros: conteúdo temático, estilo e forma composicional, sempre entendidos em sua interdependência, pois não fazem sentido quando estudados separadamente. É, pois, estudando essas dimensões que se torna possível compreender como as regularidades vão se constituindo e tornando-se relativamente estáveis. Também Marcuschi (2008), discutindo gêneros, ressalta o fato de que o conceito substitui a visão tradicional de tipologia textual e que, por meio de padrões sociocomunicativos característicos, os gêneros, orais ou escritos, são definidos por sua função, seu conteúdo temático e sua finalidade. Quando pensamos nas atividades que desenvolvemos como seres humanos, percebemos, de fato, o papel dos gêneros discursivos. Vale lembrar, por exemplo, um gênero que, embora relativamente estável, vem sofrendo mudanças ao longo dos tempos: a notícia na mídia televisiva. Quando surgiu a televisão, tinha-se como estável a notícia radiofônica, que recorria apenas ao texto falado, carregado da expressão do jornalista, para provocar, por meio de sua entonação de voz, a produção de sentidos no ouvinte. A evolução das técnicas televisivas e do apelo à imagem para persuadir o leitor fez com que, ao longo dos tempos, a notícia

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Page 1: Gênero textual - Hibritização

Gêneros textuais- HIBRIDIZAÇÃO

Considerando-se o fato de que toda comunicação humana ocorre a partir de relações mediadas pela linguagem e que ela se faz presente a partir de modos relativamente estáveis de organização, os chamados gêneros discursivos, e considerando-se também que tais relações tornam-se, a cada dia, mais complexas, é possível compreender como os gêneros discursivos têm se modificado intensamente, mesclando diferentes linguagens e códigos, caracterizando o que tem sido chamado, nos estudos linguísticos, de hibridização ou intergenericidade. Para estudar tal fenômeno, iniciemos com a discussão sobre gênero discursivo, na perspectiva bakhtiniana.

Para Bakhtin (2003), os gêneros discursivos constituem-se de estruturas sócio historicamente construídas, elaboradas dentro de dada esfera de comunicação humana, disponíveis às comunidades discursivas. Tais gêneros são relativamente estáveis. Isso significa dizer que, ao longo da história e do desenvolvimento cultural, os gêneros sofrem modificações em função das necessidades que emergem nas comunidades de uso. Ainda para o teórico, três aspectos fundamentais caracterizam os gêneros: conteúdo temático, estilo e forma composicional, sempre entendidos em sua interdependência, pois não fazem sentido quando estudados separadamente. É, pois, estudando essas dimensões que se torna possível compreender como as regularidades vão se constituindo e tornando-se relativamente estáveis.

Também Marcuschi (2008), discutindo gêneros, ressalta o fato de que o conceito substitui a visão tradicional de tipologia textual e que, por meio de padrões sociocomunicativos característicos, os gêneros, orais ou escritos, são definidos por sua função, seu conteúdo temático e sua finalidade.

Quando pensamos nas atividades que desenvolvemos como seres humanos, percebemos, de fato, o papel dos gêneros discursivos. Vale lembrar, por exemplo, um gênero que, embora relativamente estável, vem sofrendo mudanças ao longo dos tempos: a notícia na mídia televisiva. Quando surgiu a televisão, tinha-se como estável a notícia radiofônica, que recorria apenas ao texto falado, carregado da expressão do jornalista, para provocar, por meio de sua entonação de voz, a produção de sentidos no ouvinte. A evolução das técnicas televisivas e do apelo à imagem para persuadir o leitor fez com que, ao longo dos tempos, a notícia televisiva tomasse um ar diferente: continua recorrendo ao texto falado, mas tem na imagem dinâmica e na interação entre vários jornalistas seu modo de nos oferecer notícias. Ou seja, o gênero notícia já não é mais o mesmo: suas características modificaram-se no decorrer da história, para adequarem-se às novas situações de comunicação. Podemos reconhecer na notícia televisiva elementos da notícia radiofônica – os mais estáveis, enquanto outros novos elementos foram surgindo.

Entender os gêneros discursivos desse modo facilita nossa compreensão sobre como, a partir das necessidades socioculturais, novos gêneros podem surgir e, mais do que isso, podem passar a fazer parte de nossa cultura os gêneros que mesclam outros já existentes. A esse respeito, Koch e Elias (2006) dizem: ―a hibridização ou intertextualidade intergêneros é o fenômeno segundo o qual um gênero pode assumir a forma de outro gênero, tendo em vista o propósito de comunicação. Isso implica considerar textos que apresentam a forma de um dado gênero e a função de outro: um gênero traz, em sua forma composicional, as características de outro gênero, embora mantenha sua função comunicativa. Nessa perspectiva, podemos dizer que em determinado gênero reside uma intenção comunicativa distinta da prevista para ele, como exemplificado na figura 1.

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Figura 1. Exemplo de gênero contendo intenção comunicativa distinta da prevista para ele.

Disponível em <http://2.bp.blogspot.com/-W2-mun0h-8w/UU86MkModPI/ AAAAAAAAC2w/jTRvYebiVgg/s1600/adesivo_de_parede_receita_felicidade.jpg>. Acesso em 13 nov.2013.

Embora o texto apresente características da receita quanto à sua forma, a função nele presente não é a de uma receita. O que se conclui é que o gênero receita está a serviço do gênero mensagem de autoajuda, que preserva sua função sócio historicamente constituída, ou seja, a de sugerir um comportamento para se viver bem. Em casos de gêneros híbridos, o que se tem por objetivo, portanto, é a necessidade de identificar qual a intenção predominante.

Como afirma Marcuschi (2006), é possível que utilizemos uma mescla de gêneros nos diferentes contextos comunicacionais. Os textos obtidos da mescla de gêneros conservam características dos gêneros que os compõem, adequando-se às situações de comunicação.

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

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BAKHTIN, M. (Volochinov, V. N.) Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec, [1929] 2006.

KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e compreender os sentidos do texto. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006.

MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

Tomo V- Questão 9

A questão central não é o problema da nomeação dos gêneros, mas o de sua identificação, pois é comum burlarmos cânon de um gênero fazendo uma mescla de formas e funções. No geral, os gêneros estão bem fixados e não oferecem problemas para sua identificação. No caso de mistura de gêneros, adoto a sugestão da linguista alemã Ulla Fix (1997:97), que usa a expressão ―intertextualidade tipológica‖ para designar esse aspecto de hibridização ou mescla de gêneros, em que um gênero assume a função de outro.

MARCUSCHI, L. A. Produção Textual, Análise de Gêneros e Compreensão. São Paulo: Parábola, 2008.

Com base na ideia de Marcuschi de intergenericidade, qual dos textos abaixo não justifica a definição apresentada pelo autor?

A. Viva saudável com os livros

Diogenes

Os livros Diogenes acham-se internacionalmente introduzidos na biblioterapia.

Posologia

As áreas de aplicação são muitas. Principalmente resfriados, corizas, dores de garganta e rouquidão, mas também nervosismo, irritações em geral e dificuldade de concentração. Em geral, os livros Diogenes atuam no processo de cura de quase todas as doenças para as quais prescreve-se descanso. Sucessos especiais foram registrados em casos de convalescença.

Propriedades

O efeito se faz notar pouco tempo após iniciada a leitura e tem grande durabilidade. Livros Diogenes aliviam rapidamente a dor, estimulam a circulação sanguínea, e o estado geral melhora.

Precauções/riscos

MARCUSCHI, L. A. Produção Textual, Análise de Gêneros e Compreensão. São Paulo: Parábola Editorial. 2008, p.165-6

B. Um novo José

Josias de Souza - São Paulo

Calma, José

A festa não recomeçou,

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a luz não acendeu,

a noite não esquentou,

o Malan não amoleceu.

Mas se voltar a pergunta:

e agora, José?

Diga: ora, Drummond,

agora Camdessus.

Continua sem mulher,

continua sem discurso,

continua sem carinho,

ainda não pode beber,

ainda não pode fumar,

cuspir ainda não pode,

a noite ainda é fria,

o dia ainda não veio,

o riso ainda não veio, (...).

Folha de S. Paulo, Caderno 1, p. 2, 4/10/1999.

C. PANQUECAS DE BANANA

Modo de preparo

1. Coloque o leite no copo do liquidificador. Acrescente os ovos, a margarina, a farinha de trigo, a maisena e o sal. Bata até homogeneizar a mistura.

2. Desligue o liquidificador, raspe a farinha de trigo das paredes do copo com uma espátula e bata novamente durante alguns segundos. Coloque a mistura na geladeira e deixe repousar durante 30 minutos.

3. Esquente uma frigideira com um pouco de margarina. Despeje uma porção da mistura bem fria e cozinhe de ambos os lados até dourar.

4. Recheie com doce de leite e coloque a banana no meio. Enrole e retire os extremos que não têm recheio.

5. Corte em porções pequenas, coloque-as em uma travessa e despeje por cima muita calda de chocolate. Polvilhe coco ralado e chocolate granulado.

Disponível em <http://www.recepedia.com/profile/chef-recepedia_br/panquecas-debanana>. Acesso em 31 ago. 2011.