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Domingo, 16 de março de 2014 Gazeta do Povo Comunidade / O melhor e o pior dos mundos Vila das Torres, a mais antiga zona favelizada de Curitiba, é criativa e organizada, mas nenhuma dessas qualidades parece o bastante para conter a violência na região Diego Antonelli E José Carlos Fernandes Moradores com medo de sair de casa. Idas ao posto de saúde deixadas para depois. Tiros. Notícias sobre mortes “na rua de cima”. “Não era para ser assim”, lamentam os moradores da mais antiga comunidade pobre de Curitiba, a Vila das Torres, encravada entre os bairros Jardim Botânico, Prado Velho, Rebouças e Guabirotuba. Não era mesmo. A “vila” fica a apenas três quilômetros do Centro, próxima das benesses urbanísticas de Curitiba. Ostenta vida comunitária forte – antídoto para a criminalidade. São cerca de 20 lideranças. É estimada por homens ilustres. Conta com creche, escola e tudo mais. Tem como vizinhas e parceiras a PUCPR, o Colégio Medianeira, a Federação das Indústrias do Paraná (Fiep). Mesmo assim, contra as evidências, o mundo do crime se mostra implacável contra essa “Portelinha” simpática, a preferida de pesquisadores, estudantes, ONGs, religiosos, idealistas... De acordo com a Polícia Militar, de janeiro a meados de março foram oito assassinatos, algo como um homicídio por semana. Na última quarta-feira, um carteiro foi atingido por uma bala perdida e acabou hospitalizado. Os relatos de horror se multiplicam e beiram a ficção. As dúvidas também – quer-se saber por que a violência resiste mesmo quando se fez a coisa certa. A origem No Prado Velho dos anos 1950 – onde os elegantes apreciavam corridas de cavalos – formou-se a ocupação mais famosa de Curitiba, a favela do Capanema. Tinha 3 mil moradores, 700 famílias e metia pavor. O poder público “desfavelizou” a região em medos da década de 1970 – reurbanizando a área onde agora está o Jardim Botânico. Uma fileira de barracos, porém, se manteve em pé. Tinha nome – “Vila do Pinto”, em alusão ao líder que controlava a venda de terrenos naquelas ribeiras. Em 1985, os moradores promoveram um referendo popular e rebatizaram o reduto de 199 mil metros quadrados: “Vila das Torres”. Tinha, afinal, se tornado uma comunidade, com 8,5 mil habitantes, um modelo positivo que fascina urbanistas dos quatro costados. Tempos depois, surgiria ali uma biblioteca com 6 mil livros, parte deles retirados do lixo; uma praça erguida pelos cidadãos; um museu comunitário; grupo de Agenda 21 e o mais importante Clube de Mães de toda a Região Metropolitana de Curitiba. Medo de quê? Em períodos de paz, teve cinema, restaurante para carrinheiros e seis times de futebol. As agremiações são um termômetro: quando a Torres vai mal, as equipes de pelada se dissolvem e deixam de ocupar o campinho, nos fundos da PUC. No momento, sem futebol.

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Page 1: Gazeta do Povo...Domingo, 16 de março de 2014 Gazeta do Povo Comunidade / O melhor e o pior dos mundos Vila das Torres, a mais antiga zona favelizada de Curitiba, é criativa e organizada,

Domingo, 16 de março de 2014

Gazeta do Povo Comunidade / O melhor e o pior dos mundos Vila das Torres, a mais antiga zona favelizada de Curitiba, é criativa e organizada, mas nenhuma dessas qualidades parece o bastante para conter a violência na região Diego Antonelli E José Carlos Fernandes

Moradores com medo de sair de casa. Idas ao posto de saúde deixadas para depois. Tiros. Notícias sobre mortes “na rua de cima”. “Não era para ser assim”, lamentam os moradores da mais antiga comunidade pobre de Curitiba, a Vila das Torres, encravada entre os bairros Jardim Botânico, Prado Velho, Rebouças e Guabirotuba.

Não era mesmo. A “vila” fica a apenas três quilômetros do Centro, próxima das benesses urbanísticas de Curitiba. Ostenta vida comunitária forte – antídoto para a criminalidade. São cerca de 20 lideranças. É estimada por homens ilustres. Conta com creche, escola e tudo mais. Tem como vizinhas e parceiras a PUCPR, o Colégio Medianeira, a Federação das Indústrias do Paraná (Fiep).

Mesmo assim, contra as evidências, o mundo do crime se mostra implacável contra essa “Portelinha” simpática, a preferida de pesquisadores, estudantes, ONGs, religiosos, idealistas... De acordo com a Polícia Militar, de janeiro a meados de março foram oito assassinatos, algo como um homicídio por semana. Na última quarta-feira, um carteiro foi atingido por uma bala perdida e acabou hospitalizado. Os relatos de horror se multiplicam e beiram a ficção. As dúvidas também – quer-se saber por que a violência resiste mesmo quando se fez a coisa certa.

A origem No Prado Velho dos anos 1950 – onde os elegantes apreciavam corridas de cavalos – formou-se a ocupação mais famosa de Curitiba, a favela do Capanema.

Tinha 3 mil moradores, 700 famílias e metia pavor. O poder público “desfavelizou” a região em medos da década de 1970 – reurbanizando a área onde agora está o Jardim Botânico. Uma fileira de barracos, porém, se manteve em pé. Tinha nome – “Vila do Pinto”, em alusão ao líder que controlava a venda de terrenos naquelas ribeiras.

Em 1985, os moradores promoveram um referendo popular e rebatizaram o reduto de 199 mil metros quadrados: “Vila das Torres”. Tinha, afinal, se tornado uma comunidade, com 8,5 mil habitantes, um modelo positivo que fascina urbanistas dos quatro costados. Tempos depois, surgiria ali uma biblioteca com 6 mil livros, parte deles retirados do lixo; uma praça erguida pelos cidadãos; um museu comunitário; grupo de Agenda 21 e o mais importante Clube de Mães de toda a Região Metropolitana de Curitiba.

Medo de quê? Em períodos de paz, teve cinema, restaurante para carrinheiros e seis times de futebol. As agremiações são um termômetro: quando a Torres vai mal, as equipes de pelada se dissolvem e deixam de ocupar o campinho, nos fundos da PUC. No momento, sem futebol.

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Com a nova crise da Vila Torres, é como se uma borracha tivesse sido passada no movimento social. Um desmentido. “Sinto muito. Temos medo”, dizem homens e mulheres que se apresentam como reféns e pedem para não dar entrevista. “Não posso ir nem na casa dos meus netos”, afirma um. “Temos que dar uma volta enorme, passar por dentro da PUC e rezar para dar tudo certo na travessia”, relata outro. “Acabou a liberdade”, completa mais um anônimo.

“Ponha aí que a Vila Torres está dividida entre a Turma de Baixo [atrás da PUC] e a Turma de Cima [avizinhada da Avenida das Torres]”. A pichação num muro confirma a grita geral.

A rua principal da comunidade – a Manoel Martins de Abreu – virou uma fronteira. Chamam-na de “Linha Vermelha”. Leva do melhor ao pior dos mundos. Nela

circulam os “soldadinhos”, adolescentes, não raro armados, olheiros a serviço dos traficantes. Julgam ser heróis, mas são meros entregadores de crack e maconha. Mal sabem do referendo de 1985. Da praça. Da biblioteca. Se isso não é guerra, guerra o que é? O bandido e o policial: “Quem é quem?”

A cada nova crise na Vila das Torres, ganha força a versão de que policiais e traficantes da região andam de braços dados. Formariam sociedade. Esse é o ponto. De vez em quando, os sócios se estranham, por causa da partilha do que cabe a cada um no comércio de drogas. Quem paga essa contabilidade mal feita é o seu João e a dona Maria. “Tem o dedo da polícia no meio”, dizem esse e aquele, já apertando o passo ao ver a reportagem.

A frase funciona como segredo. Ou um pedido de socorro. “Todo mundo sabe que tem policial envolvido com o tráfico. Eles não têm interesse em acabar com isso porque enriquem aqui”, protesta um morador. Impressionam os relatos de arbitrariedade dos fardados contra quem vive na região. A cúpula da PM diz desconhecer tais comportamentos. Esse é, com folga, o assunto mais delicado para todo e qualquer morador da vila. “Não temos confiança em chamar a polícia porque não sabemos se serão PMs honestos ou bandidos fardados que virão nos atender”, resume um.

Em 2010, cinco policiais foram presos pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Paraná, durante uma operação de combate ao tráfico de drogas na Vila Torres. Entre eles, um investigador da Polícia Civil.

O coordenador do Gaeco, Leonir Batisti, ressalta que não pode antecipar se há investigações sobre isso. “Mas é um assunto que surge com frequência”, admite.

O capitão da PM Cleverson Biagini, responsável por coordenar a segurança da Vila Torres, afirma a versão clássica: a briga entre as facções criminosas é a causadora daviolência histórica na região. “Estamos intensificando a segurança na localidade, com aumento de patrulhamento e também organizando operações especiais.” Salienta que, sozinha, a PM é incapaz de diminuir a criminalidade. “É preciso ação de todo o poder público, com projetos sociais e educacionais”. Afirma desconhecer que qualquer policial esteja envolvido com o tráfico de drogas na localidade. Razão prática / Especialistas levantam explicações para a persistência da criminalidade na Vila das Torres.

Pobreza histórica “Para os traficantes, é mais fácil envolver uma comunidade humilde. Só sairão dali quando não tiverem mais lucro. Para acabar com isso, é preciso aumentar a presença do Estado. Não só em policiamento, mas também em projetos sociais e educativos. E mesmo assim, o resultado demorará muito tempo. A criminalidade já está presente. Convencer os traficantes a deixar a região, somente a longo prazo. ”Lindomar Bonetti, sociólogo, PUCPR.

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Eterna favela “Trata-se de um lugar que começou como favela e se consolidou como favela. O poder público não conseguiu chegar até ali. Tem muita gente para um espaço muito pequeno, ambiente assim favorece a violência. É uma região integrada ao Centro, mas com uma renda de periferia. Em qualquer lugar do país, as áreas mais pobres são suscetíveis à ações de criminosos. É o que acontece na Vila das Torres. A segregação social se repete nesse local.” Gislene de Fátima Pereira, urbanista da UFPR

Acuada? “A Vila das Torres não está acuada. Existem ali associações de moradores, grupos religiosos, indivíduos bastante ativos em procurar os canais de comunicação com o poder público e com a sociedade em geral. A questão são as barreiras burocráticas, políticas e sociais que os moradores encontram para suas demandas. É importante que a vida na Vila das Torres não seja resumida à violência e ao tráfico. Nem mesmo à pobreza, ou ao lugar onde o Rio Belém revela seu estado crítico.” Fábia Berlatto, socióloga.

Enquanto isso, num lugar não muito distante...

A estranha forma de convivência entre comunidade, policiais e traficantes não é uma exclusividade da Vila das Torres. É a cara do Brasil. “O perfil do território, das casas, das ruas, da quantidade e qualidade dos serviços públicos e equipamentos urbanos que existem ou não existem ali representa a distribuição de direitos, de poder, de oportunidades que ocorre no país”, observa a socióloga Fábia Berlatto, pesquisadora do ramo.

Trata-se de um mundo intranquilo. Semana passada, por exemplo, foi necessária a intervenção militar na Vila Kennedy, no Rio de Janeiro, segunda Cohab erguida no Brasil, na década de 1960, fundada logo depois da violenta Cidade de Deus. A Kennedy vai receber uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) e se alista entre as vilas bucólicas que se tornaram violentas. Em paralelo ao novo estágio da Vila Kennedy, vem a notícia de que o Complexo do Alemão experimenta o eterno retorno. O Exército deve reocupar a área. A pacificação é um prato que se come frio.

Alemão, Vila Kennedy, Torres... Tudo leva a crer que o comércio de drogas é monopólio dos bairros pobres, o que não é verdade. “A questão é que nestes espaços ocorre a territorialização. Os traficantes controlam militarmente os seus territórios. Fora da favela, as estratégias e possibilidades de venda de drogas ilícitas permitem dispensar a violência”, explica. Em tempo – na favela, sabe-se, a participação da polícia entra como um poderoso aliado do crime, o que torna tudo ainda pior do que já é. Comunidade / Tão longe e tão perto

Nascida favela, mas sonhando ser bairro desde 1985, quando mudou de nome, a Vila das Torres vive um eterno “ser ou não ser”. Cada novo projeto comunitário que se inicia ali planta nos moradores sonhos de participação e desenvolvimento, logo frustrados por ciclos de violência que se repetem com intensidade. O resultado é frustração – “tão longe e tão perto”.

O tráfico Em 2011, houve comoção pública quando os traficantes decidiram “amolecer”, deixando a população circular livremente entre os dois lados da vila. Mas logo a ilusão foi por terra. Não passava de um truque, nos moldes do morde e assopra, usado por contraventores em países como a Colômbia. Relaxados e agradecidos, os moradores tendem a se tornar cordatos com os comerciantes de drogas, deixando que continuem seu “trabalho”. Especialistas observam, no entanto, que a cultura da violência volta a se impor cedo ou tarde, fazendo com que os métodos tradicionais de coação sejam usados novamente. Parece ser o caso da Vila das Torres. Depois do armistício veio a força bruta. O criminalista David Weisburd, da Universidade de Jerusalém, lembra que é muito trabalhoso, e caro, para o traficante mudar de área, erguer novas redes, conquistar outros colaboradores. Ele permanece. E se impõe, o que sugere a necessidade

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de trabalhos de segurança pública a longo prazo, capazes de vigiar as recidivas do crime. Não há resultados instantâneos. A vila é uma prova disso.

Perfil Dados da Cohab, levantados em 2007 para o Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, indicam que 70% das famílias da Vila das Torres são formadas por até quatro pessoas e 60% não completaram o ensino fundamental. Perto de 55% dos moradores está no local há mais de 20 anos. No último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), de 2011, duas escolas que atendem a população local tiveram notas inferiores à média de Curitiba, que foi de 5,5. O Colégio Estadual Manoel Ribas teve nota 3,3 e o C.E. Hildebrando de Araújo obteve 2,4. Toma cá, dá lá

Junho de 2007 – líderes reunidos na ONG Vila Nova [hoje extinta] reclamam da falta de compromisso da Fiep para com os jovens. Movimento gera novas parcerias. Também nessa ocasião, o promotor Saint-Clair Honorato dos Santos cria o Observatório da Habitação e elege a Vila das Torres seu primeiro desafio.

Maio de 2008 – “Linha proibida” da Rua Guabirotuba impede mães de irem à creche, equipamento público que fica do lado de baixo da vila. Moradores pedem creche do “lado de cima”. Prefeitura diz “não”, alega que sobram vagas e que não pode se pautar por briga de gangues.

Julho de 2009 – Um dos líderes comunitários, Marcos Eriberto dos Santos, faz reuniões com famílias para melhorar as relações de vizinhança, firmando a vila como modelo de desenvolvimento.

Abril de 2011 – Traficantes presos pedem que a “linha proibida” seja extinta, liberando a passagem de pedestres de um lado a outro da Rua Guabirotuba. O clima foi de festa, mas o armistício durou pouco. Logo o conflito entre policiais e traficantes recomeçou, sendo a população usada como massa de manobra.

Dezembro 2013 – Situação volta a ficar tensa na comunidade. Médicos da unidade básica de saúde foram feitos reféns de traficantes. Criança recebe uma bala perdida em tiroteio e é atingida no ombro.

UPS já Há uma máxima entre os moradores da Vila das Torres: eles se sentem punidos pelo poder público por habitarem uma zona nobre da cidade, mesmo sendo pagadores de impostos. Vale lembrar que mais de 75% dos terrenos estão regularizados, o que muda o status do local. Não é favela, é bairro pobre. E mal atendido. A bitola do esgoto da vila é mais estreita. O caminhão do lixo passa de forma mais irregular. A comunidade está mais exposta a zoonoses. Uma das últimas ações no local foi a regularização da Vila Prado, uma vila dentro da vila, em 2012; e a trincheira da Rua Chile, ano passado. A trincheira abriu a comunidade para os motoristas. Merece nota o projeto Cores da Cidade, que fez da rua principal, a Manuel Martins de Abreu, um espaço mais bem cuidado. Pena a rua ter virada ponto de guerra entre traficantes. Em meio à atual onda de violência, a população pede que seja instalada ali uma Unidade Paraná Seguro, a UPS. O posto policial, na Rua Imaculada Conceição com a Guabirotuba sempre pareceu uma proteção aos alunos da PUC, não mais do que isso. Celso Nascimento / Segunda é o “Dia D”

Fontes da prefeitura asseguram: o prefeito Gustavo Fruet deve bater o martelo nesta segunda-feira, 17, em relação à tarifa de ônibus de Curitiba. As informações são vagas. Mas a expectativa do município é de que no mesmo dia o Tribunal de Justiça derrube, na sessão do Órgão Especial, a liminar do desembargador Marcos Curi que declarou nula a determinação do Tribunal de Contas para que a tarifa técnica baixasse 43 centavos.

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Se a expectativa for confirmada, Fruet ficará mais à vontade para fazer cortes na planilha de custos do sistema – não de todos os seis sugeridos pelo Tribunal de Contas, mas de alguns deles. Mesmo assim, os cortes parciais que forem escolhidos poderiam resultar na manutenção dos atuais R$ 2,70 para o usuário. Será?

As concessionárias do transporte não se preocupam com o que o passageiro pagará, mas quanto suas empresas vão arrecadar a cada giro da catraca. Na sexta-feira, elas apresentaram à Urbs seu pedido de aumento da tarifa técnica: querem reajuste de R$ 2,93 para R$ 3,3385. É sobre esse valor que a navalha de Fruet tem de correr, pois quanto menor for a diferença entre as tarifas técnica e do usuário, menor será o subsídio.

Subsídio? Quem vai dar? E quanto? Nos anúncios do telemarketing, o governo do estado disse que continuará contribuindo com R$ 5 milhões por mês. Os prefeitos de Curitiba e dos outros 13 municípios servidos pela Rede Integrada de Transporte (RIT) já disseram que será pouco – principalmente se a Comec, órgão do estado responsável pelas linhas metropolitanas, não tomar as providências adequadas.

Mas eles que esperem sentados pelas providências já que, como demonstra um ofício-resposta a indagações sobre a renovação do convênio com a Urbs e valor de subsídios, datado do dia 13, o presidente da Comec, Rui Hara, diz que o assunto não era com ele. Sua rota de fuga foi afirmar que “tal deliberação compete ao Secretário de Transporte” (sic). Parece que mal sabe que essa secretaria deixou de existir em 2011, logo que Richa assumiu o governo.

Olho vivo / Cascata Não deu outra: o Ministério Público Estadual quer que seus membros ganhem também o auxílio-moradia já garantido aos juízes e desembargadores do Paraná. A informação está na edição extra do Boletim Virtual do MP. O boletim diz que “tão logo ocorra a implantação aos membros do Poder Judiciário, igual benefício deve ser implantado também no âmbito do Ministério Público do Paraná.” A propósito: na terça-feira haverá eleição para procurador-geral da Justiça. Candidato único, Gilberto Giacoia busca a reeleição.

Impedimentos Com seis meses de atraso, o Tribunal de Contas vai “alertar” o governo do estado de que extrapolou o limite prudencial de gastos com funcionalismo.

Entre setembro de 2012 e agosto de 2013, 48,69% da receita líquida do estado estavam comprometidos com a folha, contrariando a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Quando receber o alerta, o governo estará automaticamente impedido de contratar, conceder aumentos ou promoções e pagar horas-extras. O aviso chega na hora certa para Beto Richa citá-lo quando, na semana que vem, pipocarem os movimentos grevistas de servidores reivindicando exatamente aquilo tudo. Ah! O alerta servirá também para confirmar que o estado estava mesmo impedido de contrair os empréstimos e obter os avais que pedia à União. A STN tinha razão.

Morfeu 1 Após o fim do prazo de vigência de contratos que firma com prestadores de serviços, a administração pública se obriga a promover licitação para escolha de novos. Mas os antigos costumam fazer mágicas para não perderem a boca.

Uma delas é questionar o edital de concorrência. O assunto, então, acaba no Tribunal de Contas e por lá dormita, enquanto os contratos com os mesmos prestadores vão sendo renovados até além do legalmente permitido.

Morfeu 2 É o que está acontecendo na Sanepar, que em 2012 abriu concorrência para contratar empresas de segurança por valor máximo de R$ 80 milhões. Onze competidores se inscreveram propondo valores menores, incluindo as três atuais prestadoras. Mas, paradoxalmente, o sindicato da categoria entrou com representação no TC e conseguiu suspender a licitação alegando que o preço máximo de R$ 80 milhões era inferior ao custo do serviço.

Morfeu 3 Mesmo contra pareceres técnicos e jurídicos de sua própria equipe, que confirmam que a licitação foi regular, o conselheiro Nestor Baptista insiste em dormir

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sobre o processo sem nada decidir. O que já permitiu à Sanepar celebrar seis prorrogações em caráter emergencial (e ilegal), sem licitação, com as mesmas velhas empresas Assembléia Legislativa / Série Diários Secretos faz 4 anos com possibilidade de prescrição de crimes Investigação começou em 2010, mas até agora o Ministério Público não apresentou ações criminais contra dois deputados suspeitos Euclides Lucas Garcia

A série de reportagens Diários Secretos completou quatro anos nesta semana com

a sombra da possibilidade de prescrição dos crimes denunciados pela Gazeta do Povo e pela RPCTV. Até agora, o Ministério Público Estadual (MP) — responsável por realizar as investigações, oferecer denúncia à Justiça e pedir a condenação dos envolvidos — não apresentou ações criminais contra dois dos principais investigados: os deputados estaduais Nelson Justus (DEM) e Alexandre Curi (PMDB) — ex-presidente e ex-primeiro-secretário da Assembleia, respectivamente, na época em que ocorreu o desvio de dinheiro público do Legislativo do Paraná.

As investigações — iniciadas quando o esquema foi revelado, em 2010 — resultaram na abertura de um inquérito contra os dois parlamentares, que está sendo conduzido pelo gabinete do procurador-geral de Justiça, Gilberto Giacoia. Em março do ano passado, foram cumpridos 13 mandados de busca e apreensão na casa de 11 funcionários e ex-funcionários da Assembleia. Atualmente, os promotores trabalham em cima dos resultados da perícia feita nesse material coletado e analisam dados da quebra do sigilo bancário dos envolvidos.

“A maior perda de tempo decorre do fato de que muitas diligências dependem de autorização da Justiça, e isso sai do nosso controle. O trânsito do processo acaba atrasando”, afirma o promotor Fábio Guaragni. “Além disso, é preciso manusear dados bancários. E o trabalho da auditoria leva meses, primeiro para reunir os dados e depois para cruzá-los.”

Prescrição Como os supostos crimes teriam ocorrido entre 2007 e 2010, existe a possibilidade de prescrição das penas no caso de Justus e Curi. Caso haja uma condenação por peculato e o Tribunal de Justiça (TJ) decida pela pena mínima, de dois anos de prisão, o prazo de prescrição seria de quatro anos entre a ocorrência dos supostos crimes e a apresentação da denúncia. Assim, todo o caso estaria prescrito já neste ano. Entretanto, caso a condenação não seja a mínima, mesmo que seja de dois anos e um dia, o prazo dobra e passa a ser de oito anos.

Guaragni diz considerar inviável uma eventual condenação pela pena mínima, diante da convicção que vem sendo construída pelo MP. “Mas isso é um exercício de futurologia. É aventureiro falar de pena a essa altura”, argumenta.

Até agora, o MP apresentou à Justiça duas ações criminais sobre o caso, que foram desmembradas pelo TJ em oito subprocessos. Nove ex-funcionários fantasmas e os ex-diretores da Assembleia Abib Miguel, o Bibinho (acusado pelos promotores de chefiar a quadrilha), José Ary Nassiff e Cláudio Marques de Oliveira foram condenados em 1.ª instância. Parte dos réus recorreu da decisão. Andamento / MP já apresentou oito ações civis públicas por improbidade

Enquanto o inquérito criminal contra os deputados Nelson Justus (DEM) e Alexandre Curi (PMDB) ainda está em fase de investigação, oito ações civis públicas por improbidade administrativa (sete delas incluindo os dois parlamentares) já foram apresentadas pelo MP. O deputado Nereu Moura (PMDB), primeiro-secretário na gestão

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anterior à de Justus, também é réu em quatro dessas ações. Entre 2001 e 2006, o presidente era o ex-deputado Hermas Brandão, réu nos mesmos quatro processos. Geraldo Cartário, segundo-secretário na ocasião, é réu em um. Já o ex-diretor-geral da Assembleia Abib Miguel responde a seis ações cíveis. Primeiro-secretário de 2001 a 2003, o atual presidente da Casa, Valdir Rossoni (PSDB), escapou de ser denunciado porque o crime de improbidade prescreve cinco anos após o agente público deixar o cargo.

Todas as ações em questão foram apresentadas entre 2010 e 2012 e tramitam em primeira instância. Só uma foi julgada, em 2012, e determinou que a Assembleia publicasse todos os seus atos na internet e no Diário Oficial do Estado, além de ficar proibida de editar diários avulsos e fora de sequência.

Segundo o promotor Fábio Guaragni, não há como comparar a celeridade do MP na apresentação de denúncias cíveis em relação às criminais. “Para caracterizar improbidade administrativa, o sujeito precisa violar os princípios da administração pública. É o caso da existência de diários secretos, que fere a publicidade dos atos públicos”, explica. “Já o Direito Penal define que o sujeito só pode ser processado por uma prática coincidente com o que está escrito na lei.” Devido a essa diferença, Guaragni argumenta que a produção de provas exigida pelo Código Penal demanda mais tempo de investigação. Punidos Até agora, 12 pessoas já foram condenadas pela Justiça por envolvimento no caso dos Diários Secretos. Nenhum deles é ou foi deputado.

Ex-diretores Abib Miguel, o Bibinho (ex-diretor-geral da Assembleia) José Ary Nassiff (ex-diretor administrativo da Assembleia Legislativa) Cláudio Marques da Silva (ex-diretor de pessoal)

Penas: 18 anos, 11 meses e 20 dias de prisão (peculato, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro) Ex-funcionários / Daor Afonso Marins de Oliveira

Pena:15 anos e 6 meses de prisão (por lavagem e desvio de dinheiro e formação de quadrilha). Oito parentes de Oliveira, que participaram do esquema, também foram condenados. Procuradora diz que não há favorecimento

A procuradora-geral de Justiça em exercício do MP, Samia Bonavides, minimizou o fato de nenhum deputado ter sido punido até agora. Em entrevista à RPC TV, ela afirmou que a série de reportagens já produziu efeitos importantes. “Eu diria que as consequências penais não são tão importantes quanto outras que já aconteceram”, defendeu.

A procuradora garantiu que não há favorecimento aos parlamentares ou interferência nas investigações, nem tampouco o risco de prescrição dos crimes. “Não se está protegendo este ou aquele. A visão não é essa”, disse. “Não estamos trabalhando numa perspectiva de que um caso com esses reflexos ficará sujeito a uma pena mínima. Ela poderá ser cumprida, não vai estar prescrita.”

Já o ex-presidente da seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil José Lúcio Glomb criticou o trabalho do MP e afirmou que a lentidão afeta a imagem da instituição. “Os processos andaram mais na área do segundo, do terceiro escalão”, disse, também à RPC TV. “O Ministério Público e a Justiça deveriam agir para dar uma prioridade a esse tipo de julgamento”. (ELG)

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Folha de Londrina MP realiza eleição com candidato único Gilberto Giacoia deve ser reconduzido à cadeira máxima do Ministério Público do Paraná na próxima terça-feira Mariana Franco Ramos, Reportagem Local

Gilberto Giacoia é integrante do MP há 33 anos e, caso eleito, se manterá no posto até abril de 2016

Curitiba - Candidato único à eleição de procurador-geral de Justiça do Paraná,

marcada para a próxima terça-feira, o ocupante licenciado do cargo, Gilberto Giacoia, disse em entrevista à FOLHA que sua provável recondução faz parte de um processo de "maturidade política" e de busca pela unidade dentro da instituição. O pleito costuma culminar com a elaboração de uma lista tríplice, a ser enviada para escolha final por parte do governador do Estado.

"O mandato (de dois anos) é curto. Não é suficiente para você completar um ciclo, realizar projetos de certa complexitude", disse, lembrando que a situação já se repetiu em outras ocasiões, como na reeleição do ex-procurador-geral Olympio de Sá Sotto Maior Neto, em 2010.

Segundo Giacoia, seu principal desafio será manter o caráter social do Ministério Público (MP) do Paraná, de forma a aliar a defesa do patrimônio público, incluindo o combate à corrupção, com a luta pela construção de uma sociedade mais justa. "São muitas as demandas e algumas delas provocaram desgosto concentrado, certo desgaste inconstitucional, como essa questão da Sesp (Secretaria de Estado da Segurança Pública)", relatou, em referência à recente queda de braço envolvendo o ex-chefe da pasta Cid Vasques e promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), ligado ao MP.

"Aqueles que me conhecem sabem que a última coisa que eu pratico é a vaidade. Não me seduzo pelo poder. Acho que o debate democrático é positivo. Mas há

momentos em que é mais interessante e importante para a instituição a demonstração de força, de solidez institucional", defendeu.

Em relação ao imbróglio com a Sesp, o procurador-geral disse que não acredita que houve uma tentativa deliberada de desarticular a atuação do Gaeco, e sim uma mudança de metodologia. "A secretaria resolveu modificar e, daí, o MP reagiu, porque não poderia simplesmente recuar, sob pena de quebrar a sua autonomia institucional. Nós entendemos que o Gaeco só funciona assim, com independência, podendo indicar a sua equipe, de modo que ela seja treinada, especializada, e que adquira expertise para realizar seu trabalho", opinou.

Votação Podem participar da eleição todos os membros do MP do Estado, mediante voto direto e secreto, a ser computado por meio de link no site do próprio

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órgão. O acesso estará disponível das 9 às 17 horas, sendo que, para votar, será necessário efetuar login e senha institucionais.

Anunciado o resultado, o nome do vencedor será levado para ratificação do governador Beto Richa (PSDB), conforme determina a Constituição Federal. Em apenas três ocasiões, ambas sob gestão do senador Roberto Requião (PMDB), o chefe do Executivo não seguiu o resultado do pleito, isto é, não nomeou o candidato mais votado.

Eleito em 2012, com 397 votos, contra 247 de Mário Sérgio de Albuquerque Schirmer e 86 de Fuad Chafic Abi Faraj, Gilberto Giacoia é integrante do MP há 33 anos.

Ele também chefiou a instituição no biênio 1998 a 2000. Caso eleito, se manterá no posto até abril de 2016. Gazeta do Povo Artigo / O mensalão e os novos ministros José Lucio Glomb advogado, foi presidente da OAB-PR e do Instituto dos Advogados do Paraná.

Corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, peculato e por aí vai. Não foram poucos os crimes atribuídos aos réus do rumoroso processo iniciado em 2006, com o oferecimento de denúncia pelo procurador-geral da República. O assunto é muito conhecido. O publicitário Marcos Valério cooptava personalidades intimamente ligadas ao poder, seduzindo-as com a possibilidade de influir em votações no Congresso Nacional, em troca de recursos financeiros destinados a cobrir gastos de campanhas eleitorais. Tais pagamentos a partidos e parlamentares ficaram conhecidos como mensalão.

De um lado, alguns obtinham dinheiro fácil com contratos publicitários e fontes de renda obtidas ilicitamente; de outro, mantinha-se sob controle a base aliada. Todos lucravam. O Executivo vinha dominando o Legislativo, conforme denúncias do então deputado Roberto Jefferson, que só botou a boca no trombone após seus apadrinhados serem apanhados em flagrante.

Não fora a liberdade de imprensa, permaneceria encoberto mais um dos descalabros que correm nos subterrâneos deste país. Foi um julgamento midiático, como sustentam os réus? Estavam eles previamente condenados? Choros e exageros à parte, o fato é que o Supremo Tribunal Federal analisou as provas por longo tempo. Cada parte exerceu plenamente o seu direito de defesa e os ministros daquela corte debateram e fundamentaram exaustivamente os seus votos.

Foi um julgamento difícil, por se tratar de ação complexa, pelos múltiplos desdobramentos de um sofisticado esquema que só se viabiliza com a participação e organização de muitas pessoas. O mensalão mostrou, uma vez mais, que a corrupção é um monstro de muitas faces e se faz presente tanto através de pequenos achaques, como em grandes negociatas.

O STF julgou em clima tenso, em face da personalidade exaltada, digamos assim, do relator e agora presidente do tribunal, Joaquim Barbosa. A composição do Supremo mudou durante o julgamento, visto que Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso não participaram da decisão de mérito, mas tiveram atuação decisiva nas apertadas votações (6 a 5) pelo cabimento de embargos infringentes e no acolhimento dos mesmos, afastando condenações anteriormente impostas a vários réus: por formação de quadrilha, no fim de fevereiro, e por lavagem de dinheiro, na quinta-feira passada.

Nesse ponto reside a polêmica, pois há quem sustente que a presidente Dilma os escolheu por conhecer previamente suas inclinações favoráveis à tese de defesa. O

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julgamento do mensalão seria “um ponto fora da curva”, afirmara um deles. Mas daí a dizer que os referidos ministros foram nomeados para servir aos interesses do governo vai boa distância. Zavascki, juiz de carreira, antes de assumir a cadeira no Supremo foi presidente do TRF da 4.ª Região e ministro do Superior Tribunal de Justiça, ao passo que Barroso situa-se entre os mais capazes e festejados juristas do país.

Apesar de suas credenciais, o fato é que, ao participarem do julgamento já em seu fim, inocentaram alguns dos principais réus quanto à formação de quadrilha e com isso deram margem a especulações. Passaram a ser atacados por todas as pessoas que, cansadas da impunidade de corruptos e corruptores, mostram descrença com a Justiça quando se trata de julgar esse tipo de questão.

Com todo o respeito, melhor seria para o STF, e para eles mesmos, que não tivessem votado. Razões não faltariam. Como tema de debate, cabe a sugestão de se colocar em pauta alguma medida a ser adotada pelo STF no futuro, vedando a participação de novos ministros que ingressam quando o processo está chegando ao fim, com o que se preservaria o sentido da decisão adotada pela composição original da corte, garantindo a sua credibilidade. Coluna do leitor / Auxílio-moradia

O governador recentemente teve, e deve estar tendo ainda, problemas com o caixa, mas é o primeiro a dar o sinal verde para um absurdo como o auxílio-moradia para juízes e desembargadores (Gazeta, 13/3). Pode até ser legal, mas e a moralidade? Juízes com salários elevados possivelmente já têm suas casas, e esse benefício será, sim, um aumento de salário. Num estado com uma enorme fila na Cohab, dificuldade de caixa e um custo administrativo enorme, vejo bem para quem o governo trabalha. Dario Evangelista

Justiça Militar Há uma imprecisão técnica no artigo sobre a Justiça Militar (Gazeta, 14/3). Os civis não são julgados na Justiça Militar Estadual. Só policiais e bombeiros militares são lá julgados. A Justiça Militar da União, cujo órgão de cúpula é o STM, julga os militares da Marinha, Exército e Força Aérea, bem como civis em certos casos; militares dos estados não são julgados perante o STM. Pedro Paulo Porto de Sampaio Infância / Direitos da criança no foco da Copa Graça Galhardo, socióloga, especialista em políticas públicas e consultora da Andi e Instituto Aliança Fernanda Trisotto

A proteção dos direitos de crianças e adolescentes é o foco da socióloga e especialista em políticas públicas Graça Galhardo há mais de 20 anos. E, às vésperas da Copa do Mundo, ela constata que a rede de proteção desse grupo mais vulnerável ainda está incompleta, especialmente em Curitiba. Circulando pelo país, a socióloga já visitou quase todas as cidades-sede e acompanhou o movimento naquelas capitais que tiveram jogos da Copa das Confederações. O que viu foi preocupante. Além de violações como trabalho infantil e exploração sexual, o consumo desenfreado de drogas – lícitas e ilícitas – e o abandono da população mais jovem saltaram aos olhos. Ainda assim, ela avalia que houve avanços em vários locais para minimizar possíveis transgressões aos direitos de crianças e adolescentes. Curitiba, porém, está atrasada nesse ponto, e ainda não apresentou as propostas de mapeamento da rede de proteção.

Graça também faz críticas à maneira como o governo conduziu os investimentos para o Mundial. “O Brasil se preocupou muito com infraestrutura e abandonou questões

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que poderiam ser muito importantes, como potencializar as ações voltadas para esporte, cultura e lazer”, argumenta.

Em passagem breve por Curitiba, a socióloga conversou com a Gazeta do Povo sobre a situação da criança e do adolescente no contexto da Copa do Mundo.

Em meio à falta de articulação entre os atores sociais na área de proteção de crianças e adolescentes, como você vê a questão de o Brasil sediar grandes eventos como a Copa do Mundo e a Olimpíada?

Tenho visitado todas as cidades-sede e sentido um enfraquecimento muito grande da rede de proteção [às crianças]. A Copa é a oportunidade para a gente rever a situação, principalmente no campo de violações de direitos, mas ela por si só não pode constituir um elemento determinante. A gente sabe que há um incremento de casos nas regiões turísticas, onde a exploração sexual por motivação do turismo tende a crescer.

Dentro desse contexto da Copa, conseguimos avançar no que diz respeito à proteção da criança?

O Brasil se preocupou muito com infraestrutura, com estádios, prédios e ações, e abandonou questões que poderiam ser muito importantes nesse contexto, como potencializar as ações voltadas para esporte, cultura e lazer. O Brasil, com exceção de poucos estados, não tem incentivado a prática esportiva, nem oferecido opções de lazer, que são questões importantes consorciadas a uma política de educação, e que podem fazer a diferença na vida de milhares de meninos e meninas. Houve uma excessiva preocupação com obras físicas, com gastos enormes em relação a algumas metas que tinham sido pactuadas com a Fifa. E o que a gente constata hoje é que para a área da infância pouco se produziu. Também não se potencializavam outras ações do ponto de vista da própria educação, como trabalhar os professores e outros profissionais dessa área em questões que são elementares do ponto de vista de minimização do impacto da violência. Então, tínhamos cenários bem favoráveis para pensar ações que pudéssemos trabalhar com resultados mais positivos agora que a Copa se aproxima. A gente só espera que não aumentem as violações, que o legado não seja esse, mas o balanço é extremamente desfavorável.

Quais são os maiores riscos para os direitos das crianças e dos adolescentes?

A Copa é apenas o momento da oportunidade. Na verdade, independentemente dela, a situação da criança e do adolescente é muito grave, principalmente em relação a alguns aspectos que nós, sociedade e governo, não conseguimos resolver. Ainda são muito altos os índices de trabalho infantil e os indicadores relacionados à violência; há diferentes violações, principalmente no campo de violência sexual. Isso vem também de uma falta de processo de formação continuada das novas gerações e das antigas em relação ao padrão cultural a partir do qual crianças e adolescentes são percebidos. Tanto que essa forma de violência, sobretudo a sexual, tem características muito específicas: ela é relacionada à questão de gênero, de raça, de classe social, de geração.

O uso de drogas por jovens é preocupante? Hoje ele é um elemento que não só é constitutivo do processo da violência, mas é

concorrencial e cumulativo nesse processo. Estivemos acompanhando a Copa das Confederações e constatamos com muita tristeza um número elevadíssimo de adolescentes e jovens usando álcool sem nenhum controle. Outra coisa que nos preocupa é o abandono de crianças. São altos os índices de denúncias de negligência, de maus tratos, abandono material e de um conjunto de violações que estão no contexto da família. O que é que se fez com essa família? Hoje a situação é tão grave que não se pergunta mais se essa criança tem família, mas que família essa criança tem. E o que é que estamos fazendo em termos de políticas públicas para responder às diferentes e múltiplas formas de violação que são cometidas no contexto familiar? É outro desafio.

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Você tinha uma agenda em Curitiba para saber como a rede de proteção da criança e adolescente está se articulando para a Copa. Como foi?

Acabou não acontecendo e esse foi mais um indicador negativo. O que nos pareceu é que não houve tempo hábil para mobilizar e o principal interlocutor solicitou o adiamento dessa reunião para esta semana, quando acontecerá a apresentação da proposta do mapeamento no conselho municipal da criança e adolescente. A expectativa é de que esse mapeamento seja produzido com a devida brevidade, considerando que já estamos a menos de 90 dias do mundial, num sentido de que minimamente a rede de proteção possa estar preparada, organizada ou que pelo menos a mídia e outros profissionais possam conhecer o que de fato em termos do sistema de garantia de direitos está sendo feito em Curitiba para minimizar possíveis impactos da violação de direitos de crianças e adolescentes.

E no resto do país, como está esse quadro? No cenário nacional, essa realidade está um pouco mais avançada. Desde 2012

são feitas reuniões sucessivas, sob a liderança da Secretaria de Direitos Humanos, no sentido de, juntamente com a sociedade civil, se propor o que a gente chama de agenda de convergência. É um espaço em que estabelecemos um conjunto de princípios e diretrizes para que as cidades-sede possam estar minimamente preparadas durante e depois da realização dos jogos. Estão sendo construídos instrumentais, guias para implantação de plantões, para a realização de reuniões sistemáticas, espaços temporários na eventualidade de ocorrências de violações de direitos e melhor estruturação dos conselhos tutelares.

Quem observa uma violação dos direitos da criança sabe como fazer a denúncia?

Nós temos duas situações. O cotidiano, em que aquela ocorrência vem normalmente, não está dentro de um contexto de grandes multidões, grandes eventos.

Esse do dia a dia até que tem sido bem acionado. Tanto que temos um Disque 100 que recebe um conjunto bastante significativo de denúncias por mês, em torno de 20 a 30 mil no Brasil todo. É bastante significativo, considerando que a gente sabe que o povo brasileiro não tem muito essa cultura de denúncia.

E na Copa, o que muda? Com a experiência do carnaval de Salvador, que reúne um público até cinco vezes

maior do que se espera na Copa do Mundo em qualquer cidade brasileira, pensamos no desenvolvimento de um aplicativo de celular que pudesse mapear toda a rede. Essa experiência foi testada em algumas ações realizadas em Salvador. É um aplicativo simples, gratuito, que agora tem o nome de Proteja Brasil. O governo federal tomou essa ideia como muito importante e apoiou esse processo no sentido de disponibilizar isso para sistemas mais atualizados de celulares. Você tem dentro do aplicativo o mapeamento da rede de proteção, o que significa um avanço no ponto de vista de usar a tecnologia a favor da proteção dos direitos da criança e do adolescente. Recife / Justiça concede dupla maternidade a casal homoafetivo

O Juiz da 1ª Vara da Família de Recife, Clicério Bezerra da Silva, concedeu dupla maternidade a um casal de mulheres que tem um relacionamento há 10 anos, e que acaba de ter filhos gêmeos. Os bebês, que nasceram no dia 6 de fevereiro, terão duas mães e quatro avós maternos. A decisão havia sido proferida no final do mês passado, mas só foi divulgada na última sexta-feira pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco. Os bebês foram gerados por inseminação artificial. A gestação foi no útero de uma das mulheres. Segundo o TJ-PE, este é o segundo caso de dupla maternidade no estado. Na sentença, o juiz lembra que o STF reconhece a existência de mais de um tipo de entidade familiar e que estendeu os mesmos direitos e deveres das uniões estáveis aos que

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mantêm relação homoafetiva. Clicério foi o mesmo juiz que, em 2012, concedeu a Mailton e Wilson Albuquerque a primeira sentença autorizando dupla paternidade no país. Entrelinhas / Violência contra a mulher Marcela Campos

A Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB Paraná está com inscrições abertas

para um curso sobre violência contra a mulher. Serão oito encontros, sempre das 19 às 22 horas, na Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Avenida Comendador Franco, 1.341). O investimento é de R$ 30. Mais informações: www.oabpr.org.br/esa ou (41) 3250-5750. Judiciário / O legado do mensalão Com mais de 24 condenados, dentre eles a antiga cúpula do PT, julgamento deixa novas interpretações judiciais que podem mudar o futuro da Justiça brasileira Katna Baran

A conclusão da fase de recursos do mensalão, na quinta-feira, praticamente

encerrou o processo – embora alguns advogados de defesa ainda cogitem entrar com pedidos de revisão criminal. O julgamento mais longo da história do Supremo Tribunal Federal (STF) – com um ano e sete meses de discussões, em 69 sessões – resultou em 24 condenados. Entre eles, a cúpula petista encabeçada pelo ex-ministro José Dirceu.

Entre os especialistas em direito e política, é unânime a opinião de que o julgamento da Ação Penal 470 – o nome oficial do processo do mensalão – é um marco histórico, seja pela punição de políticos ou pela superexposição dos ministros do STF.

“Costumo dizer que existe o ‘A.M.’ e o ‘D.M.’: o antes e o depois do mensalão”, resume a professora de Direto Penal Soraia Mendes, da Universidade Católica de Brasília.

Alguns entendimentos dos ministros do Supremo no caso do mensalão podem, inclusive, abrir precedentes para futuros julgamentos que envolvam os mesmos delitos.

Isso porque o STF é a mais alta instância do Judiciário, responsável por interpretar as leis e criar jurisprudência para os tribunais inferiores. Porém, as interpretações foram alvos de divergências entre especialistas. Abaixo, são elencados alguns desses pontos.

Possíveis inovações / Caixa dois e corrupção Ao condenar integrantes de partidos aliados do governo Lula que receberam dinheiro ilegalmente, o STF abriu a possibilidade de caracterizar como corrupção o caixa 2 eleitoral – delito que os acusados admitiam ter praticado. Isso porque o Supremo entendeu que a corrupção fica caracterizada pelo simples recebimento da verba ou vantagem indevida, não sendo necessário saber ou comprovar qual foi o ato realizado pelo político para justificar o pagamento. “Há uma visão de que isso é uma inovação. Não sei até que ponto, mas é positivo. Mesmo assim, precisaríamos de penas maiores para os crimes relacionados à administração pública. E isso ficou claro com as penas que foram dadas nesse processo”, diz o professor Ivar Hartmann, da FGV Direito Rio.

Quadrilha e lavagem de dinheiro Na apreciação dos recursos do mensalão, o STF mudou o entendimento da primeira fase do julgamento sobre os crimes de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, o que acabou beneficiando dez réus. No caso da lavagem, a maioria dos ministros considerou que os mecanismos utilizados para esconder o recebimento de propina são típicos de quem pratica corrupção e que isso não caracteriza um novo crime – a lavagem de dinheiro. Essa interpretação beneficiou, por exemplo, o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP, foto), absolvido na última

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quinta-feira do crime de lavagem. Para inocentar os condenados por quadrilha, o Supremo também mudou a interpretação da primeira etapa do julgamento. Entendeu que a quadrilha não se materializa apenas quando acusados cometem delitos juntos; é preciso que estejam associados de forma contínua e prolongada para praticar crimes.

Esse entendimento beneficiou, dentre outros, o ex-ministro José Dirceu, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e o ex-presidente do partido José Genoino. Para parte dos especialistas, as novas interpretações podem tornar mais difícil condenações desses dois crimes na Justiça. Mas essa análise não é unânime; alguns juristas consideram que o caso do mensalão é muito específico e não vai abrir precedentes nessas situações. Há ainda juristas que acreditam que é a rigidez da primeira fase que pode servir de modelo para decisões de tribunais inferiores.

Embargos infringentes São recursos previstos no regimento do Supremo para os réus que tenham sido condenados com pelo menos quatro votos pela absolvição. Os infringentes, porém, não estão previstos na lei que regula a atuação do STF. Na ação do mensalão, os ministros decidiram aceitar os embargos infringentes – o que levou à reanálise das provas de alguns acusados e a posterior absolvição deles nos crimes de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. A aceitação dos embargos também prorrogou o tempo de julgamento do mensalão. “Houve um detrimento do tempo em relação à ampla defesa e ao contraditório, mas já havia precedentes sobre a aceitação dos embargos. Não foi algo específico desse julgamento”, diz o advogado e cientista político Marcelo Navarro. “É inadmissível que o mesmo órgão julgue uma ação duas vezes”, contrapõe o professor Ivar Hartmann, da FGV Direito Rio. “E isso é mais problemático quando se trata do mesmo órgão com uma nova composição, pois abre espaço para toda sorte de acusações sobre os ministros."

Domínio do fato A teoria prega que uma pessoa de alto cargo em uma instituição pode contribuir para um crime – ainda que não tenha participado diretamente – pela posição de influência que ocupa. Desse modo, é possível incriminar um réu que não tenha deixado provas concretas, mas ainda assim tenha participação central nos fatos. De maneira incomum, a ferramenta foi usada pelo STF para condenar José Dirceu (foto), embora não houvesse nos autos “prova documental” da sua participação no esquema. Os especialistas divergem sobre essa teoria. “A tese existe e pode ser usada em alguns casos. Mas, no caso do mensalão em específico, há divergências porque as pessoas envolvidas nos crimes não tinham conhecimento de onde aquilo poderia chegar”, opina o advogado e cientista político Marcelo Navarro. Já o professor de Direito Ivar Hartmann, da FGV Rio, discorda desse posicionamento. “Fez-se muita tempestade em copo d’água sobre essa questão, mas o Supremo não inovou. Essa teoria está prevista no Código Penal e já é aplicada. Veio da lei e não do Judiciário.”

Perda de mandato Durante o julgamento, os ministros do STF decidiram manter a definição sobre a perda dos mandatos dos deputados condenados. A corte entendeu que à Câmara cabe apenas decretar a vacância do cargo depois que o Supremo determinar a perda do mandato. O entendimento é alvo de divergências entre especialistas. “A decisão de perda de mandato não deveria caber ao Supremo; isso precisa ser votado pelo Congresso”, diz o professor Ivar Hartmann, da FGV Direito Rio. Porém, para o advogado e cientista político Marcelo Navarro, decisões como essa não são políticas, por isso devem ficar a cargo do Supremo. Ficará na memória / Superexposição de ministros e punições a políticos marcam a ação

É consenso entre especialistas consultados pela reportagem que o julgamento do mensalão deixa um legado sem precedentes na história do país e do Judiciário brasileiro.

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Um dos pontos mais citados foi a superexposição do Supremo Tribunal Federal (STF) durante a análise da ação, já que as sessões eram transmitidas ao vivo pela tevê e foram alvo do noticiário diário do país.

“O brasileiro passou a conhecer o Supremo, saber que ele existe, quem está lá e o impacto disso. A cidadania precede o conhecimento dos Poderes, e isso inclui o Judiciário”, diz o professor da FGV Direito Rio, Ivar Hartmann. Para o cientista político Rudá Ricci, porém, esse ponto vem acompanhado de um lado negativo. “A exposição mudou a lógica de decisão do Judiciário, pois os ministros acompanhavam a repercussão da opinião pública e mudaram o comportamento”, diz. “Mas o Judiciário perdeu a áurea de caixa preta.”

Outro ponto elencado como legado do mensalão pela professora de Direito Penal Soraia Mendes, da Universidade Católica de Brasília, é o precedente de punibilidade de crimes contra a administração pública. “Menos de 1% dos presos do país são condenados por crimes como este. E, quando o STF julga um caso emblemático como este, sinaliza para o restante do sistema de justiça de que não deve servir só para prender pobres e pretos”, considera. Suspeita / Cartel no metrô também envolveria estatais federais

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, deve incluir duas estatais federais na investigação do cartel formado por multinacionais para fraudar licitações de obras e equipamentos do sistema metroferroviário. Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, documentos obtidos pelo Cade sugerem conluio entre as empresas Alstom e CAF em licitações dos metrôs de Porto Alegre e Belo Horizonte. O primeiro é de responsabilidade da Trensurb, e o segundo, da CBTU. Ambas as empresas são controladas pela União. Em Belo Horizonte, foram comprados dez trens, no valor de R$ 172 milhões. A Alstom ficou com 7% do contrato e a CAF, com 93%. Em Porto Alegre, foram 15 composições, a R$ 243 milhões.

A Alstom obteve 93% do contrato e a CAF, 7%. A Alstom nega ter cometido irregularidades. Trensurb diz desconhecer a prática de ilegalidades em suas licitações. A CAF e a CBTU não deram retorno à reportagem. Confissão / Ex-presidente da Fanáticos assume culpa por assassinato Da Redação

O ex-presidente da torcida Os Fanáticos, do Atlético, Fábio Marques, de 33 anos,

se apresentou à Polícia Civil na tarde de ontem como o autor dos disparos que mataram o torcedor do Paraná Diego Henrique Raab Gonciero, de 16 anos, em julho de 2012. O suspeito responderá pelo crime em liberdade.

De acordo com o delegado da Delegacia Móvel de Atendimento ao Futebol e Eventos (Demafe), Clóvis Galvão, Marques afirmou em depoimento à polícia que os tiros foram efetuados depois que torcedores da Fúria Independente, do Paraná, o provocarem e o agredirem. Após os disparos, Marques conta que fugiu do local e destruiu a arma usada no crime.

A confissão ocorreu no mesmo dia em que outro líder da Fanáticos, o também ex-presidente e advogado da facção, Juliano Rodrigues, foi preso sob a acusação de participar do homicídio.

De acordo com o delegado, Rodrigues era o dono do revólver calibre 38 usado para matar o adolescente, conforme apontou o exame da criminalística – fato que contradiz a versão de que Marques destruíra a arma.

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O advogado e ex-mandatário da Fanáticos continua detido. Ainda segundo a polícia, um terceiro suspeito é investigado pelo crime.

O crime contra Diego Henrique Raab Gonciero ocorreu em julho de 2012 em frente à sede da Fúria Independente, no bairro Jardim Botânico. No local acontecia um churrasco de confraternização entre as torcidas do Paraná e a torcida Jovem, do Sport de Recife, quando três carros chegaram atirando no local.

A polícia sabia que os atiradores estavam ligados à torcida Os Fanáticos, pois testemunhas afirmaram que eles usavam camisetas da organizada. Segundo o chefe da investigação, Zohair Hussein, resta descobrir quem eram as demais pessoas que estavam nos três carros e que dispararam cerca de 15 tiros contra Diego e seus companheiros.

O pai de Diego, José Roberto Gonciero, foi avisado sobre a prisão de Juliano. “É um alívio saber que o culpado está preso, mas a dor que sentimos não tem como diminuir”, disse. Folha de Londrina Opinião / Justiçamentos: punição popular? Esse tipo de ação pode ser explicado pelo pensamento comum de que "bandidos também têm que sofrer" e que a punição concedida pela Justiça é branda

O que leva milhares de pessoas a "fazer justiça" com as próprias mãos? Ausência

ou insuficiência do Estado, revolta ou dor pelas vítimas de um bandido? As respostas são inúmeras e imprecisas e o fato é que casos como esses têm, cada vez mais, ganhado repercussão nacional. Nesta edição, a FOLHA relembra e discute fatos como esses que, depois de divulgados à exaustão, chocam a opinião pública.

Na explicação sociológica, linchamentos e justiçamentos são uma forma de punição coletiva contra alguém que desenvolveu uma forma de comportamento antissocial, o que varia de momento para momento e de grupo para grupo. Em geral, ocorrem principalmente contra pessoas que cometeram estupros ou homicídios. No entanto, vêm crescendo também punições contra acusados de furtos e roubos.

Em parte, esse tipo de ação pode ser explicado pelo pensamento comum de que "bandidos também têm que sofrer" e que a punição concedida pela Justiça é branda. De fato o Código Penal brasileiro precisa de alterações, mas definitivamente a sociedade não pode concordar com atos de linchamentos ou justiçamentos. Nestes casos, também é preciso punição.

É importante que ocorra uma mobilização para pressionar por mudanças, que precisam ser mais ágeis. Órgãos representativos da sociedade devem participar das discussões, mas elas têm que ir de encontro aos anseios e necessidades da sociedade. O Estado não pode contar com um conjunto de leis arcaicas e que não mais reflete o comportamento da sociedade atual. É preciso evoluir e fazer com que os responsáveis por crimes sejam punidos e que a pena concedida seja justa e adequada ao tipo de delito. Outro ponto importante é discutir o sistema carcerário. Colocar dezenas de pessoas em um pequeno espaço em condições insalubres e sem qualquer dignidade também não parece correto.

Apesar de "ingênuo", como afirma Daniel Laufer, advogado e professor universitário, a única saída para que casos como esses sejam reduzidos são investimentos em educação. Aliás, é a solução para a maioria dos problemas brasileiros.

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Ex-presidente de organizada é preso Rodrigo Batista, Equipe Bonde

O ex-presidente da torcida Os Fanáticos, do Atlético Paranaense, Juliano

Rodrigues, foi preso ontem acusado da morte do adolescente Diego Henrique Raab Gonciero, 16 anos, membro da torcida Fúria Independente, do Paraná Clube. O crime ocorreu no dia 1° de julho de 2012, em Curitiba, quando uma torcida organizada do Sport (PE) esteve na cidade para acompanhar uma partida entre Paraná Clube e o clube pernambucano. Havia uma rixa entre a Fanáticos e esta torcida, o que teria motivado um tiroteio que ocorreu na sede da Fúria no dia do assassinato. O acusado está preso temporariamente, por 30 dias. A perícia da Polícia Científica acusou que a arma usada no crime seria dele. O suspeito, entretanto, nega a autoria do crime. Novos tempos / Tradição cede espaço para diversidade familiar Discutidos na Câmara e no Senado, duas propostas debatem o tema para definir aspectos legais que afetam todos os tipos de lares Carolina Avansini, Reportagem Local

Pai, mãe e filhos. Apesar do tipo hegemônico de família no Brasil ainda ser

constituído pelo formato tradicional, pesquisas indicam que o modelo não representa mais a maioria das configurações familiares, em comparação à soma de todas as outras formas de organização. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizado por Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que as residências compostas por casal com filhos representavam 59% das famílias em 1992, passando para 47% em 2009.

Os resultados do Censo 2010 confirmam a tendência de mudança no modelo predominante. De acordo com a pesquisa, as famílias formadas apenas por casais com filhos totalizam 24.690.256 de pessoas. O restante das configurações familiares, que incluem casal sem filho, casal sem filhos e com parentes, casal com filhos e com parentes, mulher sem cônjuge com filhos, mulher sem cônjuge com filhos e com parentes, homens sem cônjuge com filhos e com parentes, além de "outros", totalizam 25.285.679, representando a maioria das famílias brasileiras. O Censo 2010 trouxe, ainda, uma informação inédita: 58 mil pessoas declararam viver em união consensual homoafetiva.

Diante de tantas transformações, dois projetos de lei em discussão, um na Câmara dos Deputados e outro no Senado Federal, buscam debater o conceito de família e definir aspectos legais em torno do assunto. O Estatuto da Família apresentado pelo deputado Anderson Ferreira (PR) causou polêmica ao definir família apenas como o "núcleo social formado a partir da união de um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por quaisquer dos pais e seus descendentes".

Já o projeto da senadora Lídice da Mata (PSB), apresentado por iniciativa do Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM), busca modernizar a legislação referente à área do Direito da Família e, entre outros aspectos, define que o parentesco resulta da consanguinidade, da socioafetividade e da afinidade.

A antropóloga Martha Ramirez-Gálvez, professora do departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL), defende que os dados do censo começam a mostrar uma realidade que faz parte da história do Brasil e de várias culturas ao redor do mundo. "A família nuclear (formada por pai, mãe e filhos) é apenas um modelo entre vários", afirma.

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Ela lembra que entre alguns grupos indígenas, por exemplo, o cuidado com as crianças não é limitado a quem teve os filhos, mas uma responsabilidade de todos. No interior do País, relações de compadrio são responsáveis pela criação de fortes vínculos entre as pessoas e, além disso, existe a figura do "parente por consideração". "Nem todas as sociedades se organizam da mesma forma", reforça.

Para ela, o grande trunfo da mais atual pesquisa de recenseamento da população está na ampliação das composições familiares pesquisadas, garantindo visibilidade para estas configurações. "O censo passou a enxergar inclusive as famílias homoafetivas", exemplifica. A professora avalia, ainda, que esta mudança na coleta dos dados é de fundamental importância para basear mudanças nas políticas públicas.

Além da questão metodológica, outros elementos influenciam as transformações, como a popularização do divórcio, a entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho e a própria Lei Maria da Penha, que protege as vítimas de violência que, na maioria dos casos, é cometida dentro da própria família. "Os movimentos sociais gays, por sua vez, conquistam mais liberdade para as pessoas assumirem a homossexualidade."

Assim como as pesquisas, Martha defende que o Direito tem como função acompanhar as mudanças sociais, o que observa no projeto de lei em tramitação no Senado, elaborado a partir de estudos e debates sobre o tema. Já o projeto do deputado Anderson Ferreira, para ela, está na contramão desta premissa. "A fundamentação do projeto é unicamente a crença ou opinião do deputado", critica.

A antropóloga defende, ainda, um ideal de estado democrático onde as pessoas tenham direitos garantidos e respeitados apenas pelo que está previsto na Constituição, sem precisar dizer "onde mora e com quem mantém relações sexuais". "É necessário lembrar que o Estado é laico, para que se reconheçam os direitos da população independentemente das convicções religiosas." Uma casa onde sempre 'cabe mais um'

Quem chega na residência do casal Sueli e João Carlos Alves pode ter certa dificuldade para, a princípio, entender "quem é quem" na dinâmica da família. Isto porque na casa confortável e acolhedora, localizada na zona sul de Londrina, as relações de parentesco vão além do tradicional núcleo formado por mãe, pai e filhos. Sob o mesmo teto, convivem também avós e netos, tios e sobrinhos, primos, irmãos e pais e as respectivas proles.

A grande família é comandada pela pedagoga Sueli, 62 anos, que quando se casou com o professor universitário João Carlos, na capital paulista, "de véu e grinalda, como manda o figurino", imaginava levar uma vida absolutamente tradicional. Entre a mudança de São Paulo para Londrina nasceram os três filhos: a policial Vilma, 35, o bombeiro João Carlos Júnior, 34, e a fisioterapeuta Ana Clara, 31.

Tudo aconteceu de acordo com os planos do casal até os filhos chegarem à adolescência. Aos 18 anos, a primogênita Vilma engravidou do namorado e, contra a vontade da família, resolveu se casar. "Como era muito nova, a princípio fomos contra o casamento, mas ela estava apaixonada e insistiu", recorda. O casamento, que teve idas e vindas antes de terminar precocemente, resultou em mais um filho, que logo veio morar na casa de Sueli acompanhado pela mãe e o irmão.

Logo após saber que seria avó do segundo neto, a matriarca foi surpreendida por outra notícia: o filho do meio tinha engravidado a namorada. E, como emoção pouca é bobagem, na mesma época Ana Clara, a caçula, revelou que também estava grávida aos 16 anos. "Meus filhos tiveram educação sexual e muito diálogo em casa. A gente explicava sobre camisinha, AIDS... Mas as gravidezes precoces acabaram acontecendo. Diante dos fatos, eu e meu marido decidimos acolher todo mundo. Uma família normal não vai jogar os filhos fora", brinca.

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Ana Clara se prepara para casar com o médico veterinário Tiago – que também mora na casa aos finais de semana – e foi a única que permaneceu com os pais até hoje. Vilma passou em concurso público e morou um tempo em Cruzeiro do Oeste, onde conheceu um rapaz e acabou engravidando do terceiro filho. Atualmente, mora com os três meninos em um apartamento construído no fundo da casa dos pais.

João Carlos Júnior passou um tempo casado com a mãe do filho biológico, que era viúva e já tinha um menino mais velho, que também virou filho do bombeiro. Eles separaram-se e, hoje, João Carlos mora em Pato Branco com a atual esposa e os dois rapazes, que durante um tempo também moraram na casa de Sueli.

"Teve uma época que eu morava com os seis netos em casa. Hoje, são ´só´ quatro", conta ela, que não economiza amor para toda a turma, formada por Ana Carolina, 14, Felipe, 16, Fernando, 16, Giovani, 6, Lucas, 17, e Guilherme, 14. Mas, com tantos adolescentes por perto, ela sabe que também não pode abrir mão de regras rígidas.

Sueli, que era muito tradicional, teve que "mudar a cabeça" por causa das surpresas que a vida traz e, atualmente, está convencida que todas as organizações familiares são válidas. "Amo minha família exatamente como ela é. Fico feliz quando meus filhos e netos estão felizes", afirma. (C.A.) Igreja acolhe homossexuais

Em Londrina, há um lugar que concilia os dois lados da polêmica em torno do conceito de família discutido nos projetos de lei que tramitam no Congresso e no Senado.

Trata-se do Espaço Cristão Inclusivo, comandado pelos pastores Marcos de Lima e Mauro Rodrigues. Com experiências anteriores em igrejas evangélicas tradicionais, eles desligaram-se das mesmas para viver a homossexualidade, que até então negavam por influência da religião.

Casados há sete anos, os dois iniciaram na própria casa um grupo de orações cujo objetivo é oferecer acolhimento religioso e evangelização para homossexuais, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros, batizado de Espaço Cristão Inclusivo. A comunidade inclui também famílias heteroafetivas.

Antes de assumir-se homossexual, Lima foi pastor da igreja Avivamento Bíblico e, convicto de que poderia ser "curado" por Deus, chegou a casar-se com uma mulher com quem teve dois filhos, hoje já adultos. "Quando assumi minha sexualidade meus filhos ainda eram muito pequenos para compreenderem o que estava acontecendo. Combinei com a mãe deles que quando estivesse no momento certo, falaríamos sobre a questão" explica.

O pastor relata que, durante vários anos, os dois filhos moraram com ele e o companheiro. "Não há qualquer diferença em relação ao tempo em que viviam com a mãe e comigo", garante. Os rapazes, segundo Lima, sempre foram ensinados a respeitar as diferenças. "Acredito que isto foi a base para aceitarem meu relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo", diz.

O filho mais novo, de 22 anos, ainda mora com o casal de pastores. "Ele não sai de casa sem dar um beijo em meu esposo e em mim", conta, reforçando o clima familiar que impera na casa.

Lima e Rodrigues entendem que família é constituída pelas relações de afeto, independentemente dos laços biológicos ou do sexo dos envolvidos. "Os homoafetivos ainda encontram bastante dificuldades para realizar o sonho de constituir família, devido às tradições. Porém, mesmo enfrentando todo tipo de obstáculos, rompem com o paradigma dos conservadores e conseguem viver a vida a dois sob a benção de Deus e o apoio da comunidade. Muitos sonham com o direito de ter filhos e são orientados a procurar realizá-lo através da adoção", acrescentam. (C.A.)

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Direitos Humanos / Justiçamento, o caminho da barbárie Especialistas alertam para o risco ao Estado democrático de direito casos como o do adolescente suspeito de roubo e preso em poste no Rio de Janeiro. Situações ganham mais visibilidade com disseminação nas redes sociais Fábio Galão, Reportagem Local

No dia 31 de janeiro, um adolescente de 15 anos, que já havia sido apreendido

pela polícia por roubo e furto, foi agredido e preso pelo pescoço a um poste com uma tranca de bicicleta no Flamengo, no Rio de Janeiro. O jovem relatou que havia sido abordado por um grupo de aproximadamente 30 pessoas, muitas com motos, que estariam atrás de ladrões que vinham agindo na região. O caso ganhou visibilidade porque fotos do adolescente preso ao poste foram colocadas em uma rede social e o assunto foi debatido por milhares de pessoas.

Nas semanas seguintes, casos parecidos foram registrados em outras cidades brasileiras. Em Itajaí (SC) e Sidrolândia (MS), suspeitos de roubo foram agredidos e amarrados em postes. No Piauí, um suposto ladrão foi amarrado a um formigueiro. Um vídeo registrando a agressão foi colocado na internet, e chegou a ser comentado no jornal inglês Daily Mail.

Justiçamentos são rotina no noticiário policial. No mês passado, um morador de rua que teria furtado um frasco de xampu em um supermercado em Sorocaba (SP) foi agredido com socos, chutes e pauladas. Entre os agressores, estariam o dono e funcionários do estabelecimento. Em dezembro, moradores de Uberaba (MG) atearam fogo na casa de um suspeito de assassinato.

Mesmo assim, a recorrência de situações com características semelhantes desde o início do ano - assaltantes agredidos e amarrados – abre um debate: estaria em curso uma onda de justiçamentos?

Daniel Laufer, advogado criminalista e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), aponta que situações de justiça com as próprias mãos sempre existiram. Porém, ele acredita que, com a disseminação de casos nas redes sociais, os justiçamentos estão adquirindo mais visibilidade.

"A justiça com as próprias mãos é uma conduta criminosa. Não é apenas o exercício arbitrário das próprias razões (crime previsto no Código Penal, com pena que varia de detenção de quinze dias a dois anos e multa, além da pena correspondente à violência), mas os delitos decorrentes: cárcere privado, lesão corporal, tentativa de

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homicídio ou homicídio", explica. "O grande problema é a falência do Estado. O cidadão pensa em fazer ele mesmo a ‘justiça’, porque entende que o Estado não prende, não julga (o criminoso). A pessoa confere a si mesma o papel de justiceira: ‘Se o Estado não vai fazer, então eu faço’. Além disso, o leigo muitas vezes entende que prender é pouco."

Laufer afirma que a longo prazo a disseminação dos justiçamentos pode gerar um completo descrédito do Estado democrático de direito. "O Estado tem o monopólio da aplicação da justiça e imposição da pena. O risco é relegar e desconsiderar o Estado por completo. Não haveria saída. Seria o caminho para a barbárie", critica. "Pode parecer ingênuo, dizer o óbvio, mas o Estado precisa investir em educação."

Ariadne Lima Natal, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), aponta que a recorrência de situações com suspeitos de roubo agredidos e amarrados pode ser resultado de dois cenários: casos semelhantes sempre ocorreram, mas a imprensa está mais preocupada em noticiá-los e repercuti-los devido à comoção despertada pelo episódio no Rio de Janeiro; ou a divulgação daquele caso nacionalmente está estimulando pessoas em várias regiões do Brasil a adotarem procedimentos semelhantes.

O NEV mantém um banco de dados sobre linchamentos ocorridos em todo o Brasil desde 1980. O levantamento é constituído a partir de informações veiculadas pela imprensa. "Para citar um exemplo: houve um caso de linchamento de grande repercussão em Matupá (MT), no final de 1990. No ano seguinte, ocorreu o maior registro de linchamentos pelo NEV em um ano, 148 casos ao todo", explica Ariadne.

Segundo o banco de dados do NEV da USP, em todo o Brasil foram registrados 1.179 linchamentos entre 1980 e 2006. São Paulo foi o Estado com maior número de registros, 568 no período. O Rio de Janeiro ficou em segundo, com 204, seguido por Bahia (180), Pará (32) e Paraná (27).

"O linchamento não é um tipo penal, então não há dados oficiais sobre esse tipo de ocorrência. Para monitorar de alguma forma, o NEV utiliza as informações que são veiculadas na imprensa. São usados mais jornais de São Paulo e Rio de Janeiro, então há mais dados de ocorrências nesses Estados", explica a pesquisadora Ariadne Lima Natal.

Em 2012, ela apresentou na USP a dissertação de mestrado em Sociologia "30 anos de Linchamentos na Região Metropolitana de São Paulo 1980-2009", que permitiu identificar algumas características nos cenários dessas agressões (veja gráfico).

"Essas situações decorrem de uma falta de confiança nas instituições. É uma desproporção de forças, porque um ou poucos indivíduos são agredidos por uma turba numerosa, e eles são acusados de alguma coisa, um crime é imputado a eles. O discurso dos agressores é de fazer justiça, ou seja, se eles estão ‘fazendo’ justiça por conta própria, é porque não acreditam no Judiciário", aponta Ariadne.

"A ação (do justiçamento) é diferente da que seria empreendida pelo Judiciário. O Poder Judiciário julgaria e, se condenado, o acusado sofreria pena de restrição de liberdade, e não de ser vítima de violência. A ação do justiçamento não tem procedimento, não proporciona direito à defesa, é feita em questão de minutos ou até segundos, é muito rápida e muito cruel", diz a pesquisadora.

‘Vi o corpo e pensei que era um ursinho de pelúcia’

Em dezembro de 1986, ocorreu no Paraná um caso de justiça com as próprias mãos que teve repercussão nacional. Moradores de Umuarama lincharam três rapazes, com idades entre 18 e 20 anos, que haviam confessado ter matado a tiros um fotógrafo da cidade e estuprado a noiva dele.

Segundo reportagens da época, 2 mil pessoas cercaram a cadeia de Umuarama, invadiram o prédio e mataram os três homens a pauladas. Depois, os corpos foram arrastados pelas ruas da cidade e queimados em uma praça. Mais de cinco mil pessoas teriam acompanhado o cortejo macabro.

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O delegado aposentado Luiz Norberto Canhoto ajudou nas investigações na época. "Eu era delegado em Paranavaí. Estava deitado, vendo um filme, quando me

ligaram lá pelas 23 horas dizendo para ir para Umuarama. Cheguei por volta das duas horas da manhã. A cadeia estava destruída e os rapazes já haviam sido mortos. Não havia mais fogo, apenas cinzas (dos corpos)", lembra Canhoto.

O policial aposentado relata que ficou dois dias em Umuarama e depois retornou. Ele afirma que em toda a sua carreira na Polícia Civil nunca viu "nada parecido

com aquilo". "Eu já era um delegado relativamente experiente, tinha entrado na polícia em 1976. Fiquei chocado com os relatos. As pessoas falavam como se fosse algo natural, normal. Depois, foram dizendo, ‘Meu Deus! Meu Deus!’. Acho que foi ‘caindo a ficha’. Pelo clima de insegurança e impunidade, algumas pessoas acabam perdendo a razão", lamenta.

Canhoto diz que o inquérito para apurar os responsáveis pelo linchamento "se arrastou por envolver muita gente, pela dificuldade de identificar quem participou". Anos depois, o processo foi arquivado pela Justiça.

O fisioterapeuta Clériston Machado, que hoje mora em Maringá, é de Umuarama e residiu na cidade até 2007. Na época do linchamento, tinha cinco anos.

"Eu e minha família não vimos o linchamento, porque morávamos um pouco afastados da cidade. No dia seguinte, saímos bem cedo para viajar para a casa da minha avó. Passamos pela praça e havia uma fogueira ali. Meu pai perguntou o que era. Um senhor estava levantando um dos corpos. Havia uma equipe de TV filmando. Na minha visão de criança, vi o corpo chamuscado, atrofiado, e pensei que era um ursinho de pelúcia", lembra. "Só tomei consciência do que tinha acontecido depois, quando vimos as reportagens na televisão, em Jacarezinho, onde minha avó morava, e pelos comentários que fizeram."

Machado critica qualquer atitude de justiçamento. "Quem faz justiça no País é o Estado. Não tem como manter uma democracia sem haver leis. Quem mata um bandido não é melhor do que ele", argumenta.

A repercussão do linchamento em Umuarama mostrou como parte da sociedade considerava aceitável o justiçamento. Em uma enquete publicada pela FOLHA dois dias após o episódio, três pessoas concordaram com a atitude da população umuaramense e três criticaram.

"Eu participaria de um movimento de linchamento se tivesse algum familiar envolvido no crime como vítima. Se deixarmos nas mãos da Justiça, ela logo solta os bandidos. Nestes casos, eu sou favorável à pena de morte. Mas não acredito que a Justiça brasileira venha a adotá-la. Então, sobra para o povo penalizar os criminosos", comentou um garçom de 23 anos.

Uma digitadora deu opinião diferente. "Não devemos nos calar diante de crime tão horrível e sim demonstrar nossa revolta, mas sem novas violências. Toda manifestação popular é válida, mas sem violência. Jamais participaria de um linchamento", argumentou.

Se as redes sociais servem de parâmetro, quase 30 anos depois, é possível constatar que ainda há muitos brasileiros que apoiam a justiça com as próprias mãos.

Em 2010, um usuário do YouTube colocou no site um vídeo de uma reportagem de TV de 1986 sobre o episódio de Umuarama. A maioria dos comentários parabeniza quem colaborou no linchamento. "Muito bom! Bandido não pensa quando vai matar o pai de família, ele não hesita, a missão dele é essa. Minha família é de Umuarama, parabéns à população", escreveu um comentarista. (F.G.) Episódio de Salto do Lontra terá júri em julho

Nos anos 1980 e 90, outros dois casos de linchamento no Paraná também repercutiram em todo o Brasil. Em 1983, seis suspeitos de homicídio em Barracão

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(Sudoeste) foram mortos. Eles seriam integrantes de uma quadrilha de ladrões de automóveis e teriam confessado o assassinato de dois taxistas. Os seis foram retirados da delegacia local, onde estavam presos, levados até um campo de futebol a 1,5 quilômetro da unidade policial e mortos com pauladas e facadas.

Segundo relatos, cerca de 150 homens mascarados teriam praticado o linchamento. Em 2009, oito acusados de terem participado do crime foram absolvidos. O próprio Ministério Público se manifestou pela absolvição, por falta de provas.

Em 1994, três suspeitos de homicídio foram linchados em Salto do Lontra (Sudoeste) por cerca de mil pessoas que invadiram a delegacia. Os três mortos eram um médico, diretor de um hospital da região, o cunhado dele e um investigador da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Eles teriam participação na morte de uma enfermeira.

À época, duas razões para o assassinato foram cogitadas: seria uma retaliação porque a enfermeira havia entrado com uma ação trabalhista contra o hospital ou uma desavença entre o médico e a enfermeira, que teriam um caso extraconjugal. Segundo reportagem da FOLHA da época, o investigador havia confessado que havia sido contratado para matar a enfermeira.

Houve desaforamento do caso porque, segundo a promotoria, muitos moradores da cidade tinham parentes e/ou conhecidos envolvidos no linchamento. Na década seguinte, dois julgamentos foram marcados em Cascavel, com 22 réus ao todo, o que resultaria em um dos maiores júris do País, mas foram cancelados nas duas oportunidades por questões processuais.

Um novo júri foi marcado para 15 de julho deste ano. Serão julgados 16 réus – os outros tiveram extinção da punibilidade porque morreram ou por prescrição dos crimes. (F.G.) Projetos de estatuto confrontam duas visões Para Instituto Brasileiro de Direito de Família, não há mais como negar avanços nas formas de se relacionar Silvana Leão, Reportagem Local

Foi justamente a necessidade de atualizar o conceito de família e regular seus direitos e deveres que levou o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) a apresentar no Senado Federal o projeto de Lei nº 470, em novembro. Uma tentativa anterior de tornar a legislação mais próxima da realidade já havia sido feita, há quatro anos, mas o projeto não chegou a sair da mesa diretora da Câmara de Deputados. Segundo o presidente do IBDFAM, Rodrigo da Cunha Pereira, a esperança é que agora, via Senado, a iniciativa avance e, o que é melhor, de forma condizente com os dias atuais.

"Esta é uma proposta ainda mais evoluída, resultado de discussão com toda a comunidade jurídica. Nela já constam termos, por exemplo, como família homoafetiva", defende Pereira. Já no seu artigo 3º o projeto apresentado pela senadora Lídice da Mata (PSB) defende a proteção da família "em qualquer de suas modalidades e as pessoas que a integram".

Para o presidente do IBDFAM, a proposta de estatuto apresentada pelo deputado Anderson Ferreira (PR-PE), que reduz o conceito de família ao núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, é algo moralista, que desconsidera toda a evolução registrada nas últimas décadas. "Trata-se de um grande retrocesso histórico. Se aprovado, acabaria com anos de luta dos movimentos sociais." O advogado argumenta que a proposta do político pernambucano, integrante da bancada evangélica da Câmara, é uma tentativa de controle da sexualidade, à medida que usa o casamento como seu legitimador.

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A reportagem tentou ouvir o deputado Anderson Ferreira, mas as ligações eram interrompidas por falta de sinal. Em diversas entrevistas, porém, ele informou que o conceito de família utilizado no texto de seu projeto de lei apenas descreve o que está na Constituição Federal, em seu artigo 226. "Não foi um conceito novo, que nós inventamos." Segundo Ferreira, a única forma de aceitar um relacionamento de pessoas do mesmo sexo como família é se houver uma mudança de conceito na Constituição Federal.

Ele tem afirmado que o Estatuto da Família "vem posicionar a sociedade diante de temas que estão invertidos a cada dia por força de movimentos que tentam tendenciar na nossa sociedade pensamentos que não são os da maioria. E uma minoria não pode ditar regras para a maioria". O deputado argumenta que 80% da população brasileira é de cristãos, e que o povo cristão não concorda com "práticas" como os relacionamentos homoafetivos. Conselho defende formato tradicional

Para o Conselho de Pastores Evangélicos de Londrina e região metropolitana (CEPEL - RM), o Estatuto da Família proposto pelo deputado Anderson Ferreira é positivo na medida em que contempla o estabelecimento de políticas públicas que fortaleçam as famílias. A afirmação é de Vanderlei Frari, membro da diretoria do Conselho e diretor acadêmico do instituto de educação teológica ISBL.

A entidade defende que a família é o núcleo social formado por homem e mulher e seus descentes ou por um dos pais e seus descendentes, podendo se estender a outros entes com variado grau de parentesco, que vivam sob o mesmo teto. Por isso, de acordo com Freri, o conselho entende que as configurações familiares que fogem do modelo convencional não são ideais, mas "devem ser assimiladas pela igreja e sociedade, pois representam condicionamentos sociais comuns à nossa época, tendo em vista o aumento dos índices de divórcio, gravidez precoce e orfandade decorrente da violência". O pastor enfatiza, ainda, que as igrejas evangélicas estimulam a reconciliação familiar no molde tradicional.

Sobre os casamentos homoafetivos, Freri afirma que, apesar da entidade não fazer distinção de gênero, raça ou extrato social, e reconhecer que todos os indivíduos devem ter seus direitos civis assegurados, no que diz respeito à prática eclesiástica "segue a orientação bíblica", que segundo ele proporia a união matrimonial exclusivamente entre homem e mulher. "Às igrejas cabe a definição dos critérios de recepção e integração de pessoas homossexuais, de acordo com os parâmetros bíblicos, doutrina e estatutos locais", diz. (C.A.) 'O importante é gostar e cuidar das crianças' Carolina Avansini, Reportagem Local

A psicóloga Eliane Maio, pós-doutora em educação escolar, explica que o conceito tradicional de família, formada por pai, mãe e filhos, tem origem na época em que os casamentos eram "arranjados" com a função de preservar posses. "Não se levava em conta a afetividade", explica. Hoje, essa realidade já não é mais válida, visto que os casamentos, a princípio, são motivados pelo afeto. "Por isso, o mais importante é que a família seja capaz de oferecer cuidados físicos o psíquicos, independentemente da organização", acrescenta.

Eliane questiona, inclusive, o mito de que a responsabilidade de cuidar dos filhos para garantir o pleno desenvolvimento da prole implica na presença da mãe. "O principal cuidador pode ser a mãe, o pai, tios, avós, desde que sanem as necessidades físicas e psíquicas. O importante é que sejam pessoas que gostem e cuidem das crianças."

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Defensora dos direitos das famílias homoafetivas, ela lembra que há muito tempo existem crianças convivendo tranquilamente com pais homossexuais, sem qualquer prejuízo ao desenvolvimento. Ensina, também, como tratar o assunto com os pequenos.

"O ideal é explicar que são duas pessoas que se gostam e que todas as formas de afetividade são válidas. Criança criada em ambientes preconceituosos vai acabar desenvolvendo preconceitos", adverte.

Sobre o Estatuto da Família proposto pelo deputado Anderson Ferreira, que pretende limitar o conceito de família ao núcleo formado por homem, mulher e filhos, ela afirma que legislações desta natureza devem ser discutida a partir de estudos profissionais, ao invés de convicções religiosas. "Da forma como foi proposta, vai causar sofrimento a todas as outras famílias que não se encaixam nesta definição." O Diário do Norte do Paraná Legalizado / Onze casais gays oficializam união Ana Luiza Verzola

Desde que a resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que autorizou o

casamento gay, entrou em vigor, em 16 de maio do ano passado, até dezembro, houve 11 uniões formais homoafetivas, em Maringá. Sete entre homens e quatro entre mulheres.

A Associação dos Notários e Registradores do Paraná (Anoreg-PR) ainda realiza o levantamento dos matrimônios realizados no ano passado em todo o Estado. Os dados totais serão divulgados em duas semanas. Um levantamento feito pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), um mês após a validação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, mostra que 231 casais oficializaram a união no País.

Nada mudou no processo de documentação e na parte burocrática com a legalidade do casamento gay. “A única diferença é que pedimos para as empresas de informática fazer algumas adaptações diminutas para entrar no nosso cotidiano: onde antes era homem e mulher, adaptamos para a realidade dos casais. Referente a requisitos formais, não diferem em nada, as mesmas certidões são apresentadas”, explica o diretor de Registro Civil da Anoreg-PR e presidente da Arpen, Ricardo Augusto Leão. A Anoreg responde por 540 cartórios no Estado e a Arpen, a 8.500, em todo o Brasil.

De acordo com Leão, o processo é idêntico ao que já acontecia. “Coloca-se em edital de proclamas o nome dos noivos, publica na imprensa, faz todas as exigências legais”, comenta. O acréscimo do sobrenome ao nome pode ser feito em ambas as partes.

“Nesse quesito não existe dificuldade tanto na parte do cartório quanto para os casais”, destaca. Para ele, há mais confiança hoje para oficializar a união. “Eles já chegam decididos, porque sempre estiveram decididos, às vezes, porque era uma vontade antiga e, agora, é normal esse tipo de ato. No início, por ser uma novidade, chamava a atenção. Agora não”, ressalta.

Por causa disso, a expectativa é que o número de uniões deve aumentar a cada ano, procedimento recomendado a todos os casais. “O casamento é um ato, o registro desse ato protege os direitos. As pessoas devem procurar isso para evitar problemas se futuramente houver decisões judiciais. É ali que decidem o futuro do patrimônio que eles vierem a adquirir e, por isso, cada vez mais se faz necessária essa formalização”, orienta Leão.

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Prontos para o “sim” Noivos há um ano, o arquiteto Gabriel Vecchi e o administrador Daniel Simas, mesmo morando sob o mesmo teto, estão ansiosos para o grande dia. O casamento dos dois estava previsto para setembro deste ano, mas eles resolveram primeiro consolidar o futuro, antes de um próximo passo: investiram na compra de um apartamento, em Maringá, onde vivem. Mesmo assim, a data do casório virá, provavelmente, em abril do ano que vem.

Vecchi comenta que o número de casamentos homoafetivos em Maringá nesse período, desde que a união foi aprovada, surpreendeu. “No ano passado, eu tinha certeza que seríamos os primeiros a realizar uma festa de casamento, algo inovador. Mas de lá para cá a gente recebeu tanto convite que olha, desisti de ser o primeiro”, conta, aos risos.

“É algo rotineiro, como um casamento heterossexual e a tendência é cada vez mais crescer nesse sentido”, completa. O pedido de casamento dos dois ficou conhecido por mais de 200 mil pessoas que assistiram ao vídeo, um flash mob dance organizado por Vecchi, que depois foi postado no YouTube. Gestão Pública / Municípios ‘correm’ para garantir certidão liberatória Ederson Hising

Das 30 cidades que compõem a Associação dos Municípios do Setentrião

Paranaense (Amusep), 13 ainda precisam enviar informações contábeis do exercício passado ao Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) para obterem a certidão liberatória, segundo dados da entidade. O documento é essencial para que as prefeituras possas ter acesso a dinheiro de financiamentos, convênios, auxílios e subvenções.

Diante da dificuldade dos municípios em se adaptar ao Plano de Contabilidade Aplicado ao Setor Público (Pcasp), o presidente do TCE-PR, Artagão de Mattos Leão, autorizou a prorrogação do prazo de emissão dos dados para o dia 31 de março – antes estava previsto para o início do mês. Isso porque, suspender a emissão da certidão poderia impactar o andamento de projetos e programas municipais, prejudicando a população. Vale destacar que, em caso de financiamento no Paranacidade, a certidão liberatória não é necessária.

Conforme a Diretoria de Contas Municipais do Tribunal, o plano exige a remodelação dos sistemas informatizados das prefeituras e adaptação ao Sistema de Informações Municipais. Para emitir o documento a partir de 1º de abril, a prefeitura deverá ter enviado ao TCE, no mínimo, dados e informações contábeis referentes aos primeiros 6 meses de 2013. Isso permitirá ao TCE fazer a análise da gestão fiscal do primeiro semestre do exercício passado dos municípios com população inferior a 50 mil habitantes – faixa em que se encontram 75% das cidades paranaenses e 28 municípios da Amusep.

A maior complicação, segundo o coordenador de controle interno da Prefeitura de Marialva, Elton Jones Caparroz, está em alimentar o sistema com os dados, pois o trabalho envolve todos os setores da administração pública. “Se ficar um documento para trás, uma informação de fora, você não consegue a liberação da certidão”, explica.

Para ele, o sistema é difícil para trabalhar e demanda conhecimento técnico, além de comunicação constante com o TCE. “Tudo depende de uma boa administração pública. Precisa estar muito integrada”, analisa.

Mesmo com o prolongamento do prazo, alguns municípios poderão ficar sem a certidão liberatória. O contador da Prefeitura de Santa Fé (a 51 km de Maringá), Marcelo Reginaldo Ferreira, diz acreditar que quanto menor o município mais difícil fica a transmissão dos dados por conta do acúmulo de atividades para a contabilidade. O

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município está sem a certidão e a duas semanas para o final do prazo, informações de quatro meses do ano passado não foram enviadas. “É bastante complicado”, justifica.

Em meio a corrida contra o tempo, nesta segunda-feira, representantes da contabilidade dos municípios da Amusep participarão de uma reunião no TCE, em Curitiba, com a finalidade de esclarecer as dúvidas quanto ao sistema. “Está complicado.

Vamos nos empenhar no sentido de que, aqueles que conseguirem enviar pelo menos o primeiro quadrimestre, que tenham mais 30 dias para conseguir fechar os dados do semestre. É isso que nós da Amusep vamos reivindicar junto ao TCE”, afirma o presidente da Amusep, o prefeito de Floresta, José Roberto Ruiz (PP).