fundo de solidariedade, organização e luta

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Fundo de Solidariedade, Organização e Luta A comunidade Caiçarinha, localizada no Assentamento Belo Monte, entre os municípios de Pedra Lavrada e Cubati, na região do Curimataú Paraibano, é atualmente uma das principais comunidades a desenvolver a experiência do Fundo Rotativo Solidário de Animais. A vida organizativa dessa comunidade é marcada por um exemplo muito forte de resistência e persistência das famílias que saíram da periferia de Campina Grande em busca de um lugar onde pudessem trabalhar e viver com dignidade. No ano de 1990, essas famílias, decidiram se organizar e lutar para conquistar uma terra onde pudessem viver e trabalhar. Montaram um acampamento na fazenda Boa Esperança, no município de Boa Vista, região do Cariri paraibano. Onde ficaram acampados por cinco anos, até quando, procurando outras propriedades improdutivas, receberam a informação que a fazenda Belo Monte estava hipotecada e seria desapropriada para Reforma Agrária. No dia 17 de julho de 1996 a ocupação aconteceu com cerca de 50 famílias. A desapropriação ocorreu sem muito conflito. Quando a terra foi demarcada cada família teve direito a uma quantidade de terra variando entre 26 a 30 ha dos mais de 1.750 hectares total da propriedade. Com a conquista da terra, surgiram vários desafios para as famílias se adaptarem a região, onde os invernos são irregulares e a água é quase sempre difícil. Ainda hoje a falta d'água é uma das principais preocupações, já que alguns açudes que poderiam amenizar a situação estão arrombados e o INCRA não consegue resolver o problema. Em períodos de seca prolongada, as famílias andam mais de 7 km para conseguir água para os animais, para o uso doméstico e para beber. Isso sem contar quando precisam recorrer à água de má qualidade fornecida pelo exército em carros pipa. No ano de 2003, Dona Maria (agricultora e liderança do assentamento), foi convidada por Rosimare (animadora do P1MC e liderança da comunidade de Canoa de Dentro), a participar de diversas atividades com o PATAC e a ASA-PB. A partir daí, através das inovações apoiadas, as coisas na comunidade começaram a mudar. Paraíba , Nº1190

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Page 1: Fundo de Solidariedade, organização e luta

Fundo de Solidariedade, Organização e Luta

A comunidade Caiçarinha, localizada no Assentamento Belo Monte, entre os municípios de Pedra Lavrada e Cubati, na região do Curimataú Paraibano, é atualmente uma das principais comunidades a desenvolver a experiência do Fundo Rotativo Solidário de Animais.

A vida organizativa dessa comunidade é marcada por um exemplo muito forte de resistência e persistência das famílias que saíram da periferia de Campina Grande em busca de um lugar onde pudessem trabalhar e viver com dignidade.

No ano de 1990, essas famílias, decidiram se organizar e lutar para conquistar uma terra onde pudessem viver e trabalhar. Montaram um acampamento na fazenda Boa Esperança, no município de Boa Vista, região do Cariri paraibano. Onde ficaram acampados por cinco anos, até quando, procurando outras propriedades improdutivas, receberam a informação que a fazenda Belo Monte estava hipotecada e seria desapropriada para Reforma Agrária.

No dia 17 de julho de 1996 a ocupação aconteceu com cerca de 50 famílias. A desapropriação ocorreu sem muito conflito. Quando a terra foi demarcada cada família teve direito a uma quantidade de terra variando entre 26 a 30 ha dos mais de 1.750 hectares total da propriedade.

Com a conquista da terra, surgiram vários desafios para as famílias se adaptarem a região, onde os invernos são irregulares e a água é quase sempre difícil.

Ainda hoje a falta d'água é uma das principais preocupações, já que alguns açudes que poderiam amenizar a situação estão arrombados e o INCRA não consegue resolver o problema.

Em períodos de seca prolongada, as famílias andam mais de 7 km para conseguir água para os animais, para o uso doméstico e para beber. Isso sem contar quando precisam recorrer à água de má qualidade fornecida pelo exército em carros pipa.

No ano de 2003, Dona Maria (agricultora e liderança do assentamento), foi convidada por Rosimare (animadora do P1MC e liderança da comunidade de Canoa de Dentro), a participar de diversas atividades com o PATAC e a ASA-PB. A partir daí, através das inovações apoiadas, as coisas na comunidade começaram a mudar.

Paraíba , Nº1190

Page 2: Fundo de Solidariedade, organização e luta

Em 2006 com a constituição do Coletivo Regional a comunidade começa a participar da Comissão de Sementes, com isso outras ações também foram desenvolvidas pelas famílias, como: Banco de Sementes Comunitário, Fundo Rotativo de Tela, Canteiros Econômicos, cultivo de plantas medicinais, entre outras.

Em 2007 a partir das reuniões itinerantes da comissão de sementes do Colet ivo das Organizações da Agricultura Familiar do Cariri, Curimataú e Seridó paraibano, surgiu a ideia de criar um Fundo Rotativo Solidário (FRS) de Animais. Algumas mulheres da comunidade, juntamente com Dona Maria, participaram de uma reunião da comissão semente e na oportunidade conheceram a experiência do FRS da comunidade de Caiçara, no município de Pocinhos. Encantadas com o que viram, levaram a proposta para o assentamento e discutiram sobre a possibilidade de realizar a experiência na comunidade. Foi organizado um grupo para conhecer melhor a gestão e o funcionamento do FRS de Caiçara. As famílias também participaram de outras visitas sobre o manejo dos animais, produção e estocagem de forragem, divisão de pastagem, cultivo de palma consorciada, etc.

Após participarem de atividades de formação sobre o funcionamento do FRS, a comunidade formou uma comissão responsável pela compra dos animais e gestão do Fundo. A escolha das famílias à serem apoiadas pelo FRS, foi feita a partir de critérios estabelecidos pela própria

comunidade: as famílias teriam que priorizar a construção de áreas cercadas em suas propriedades, disponibilizar boa reserva de alimento, pequenos currais para os animais, e, principalmente, teriam que assumir o compromisso com a organização da comunidade e do Coletivo.

Seis (06) famílias da comunidade receberam 36 matrizes (ovinos), através da parceria entre o Coletivo e Patac, com o apoio da Heifer, no total cada família recebeu 06 animais. Também foram entregues 03 reprodutores à Associação Comuni tár ia de Caiçarinha. As famílias apoiadas são responsáveis pela circulação

destes reprodutores entre as propriedades da comunidade. Essa atividade é feita no sentido de garantir que as fêmeas sejam fecundadas, e assim, assegurar a reprodução do rebanho. Atualmente 17 famílias participam do FRS e nesses seis anos chegaram a reproduzir aproximadamente 300 animais.

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E n t e n d a c o m o funciona - O Fundo Rotativo de Animais funciona da seguinte maneira: uma família adquire 06 animais e assume a responsabilidade de repassar a quantidade recebida para novas famílias. Após o primeiro ano são repassadas duas fêmeas, dando, assim, continuidade ao fundo para que outras f a m í l i a s p o s s a m s e r beneficiadas. Ao final é feito o repasse de um animal a a s s o c i a ç ã o p a r a o fortalecimento comunitário. O principal objetivo dessa proposta é apoiar as famílias a formar seu rebanho, melhorar sua criação por meio do repasse solidário de c r i as e me lho ra r sua qualidade de vida.

Para as famílias a criação de animais possibilita a obtenção de uma renda a mais para superar os desafios da convivência com o Semiárido. Cleonildo Lacerda (assentado da comunidade de Caiçarinha) conta que o recurso obtido com o excedente da criação de animais, está melhorando um pouco mais a alimentação da família, além disso também vem ajudando a comprar o material escolar de sua filha.

A participação em oficinas e atividades de formação favoreceram mudanças no modo de vida da comunidade. Muitas famílias deixaram de utilizar venenos e praticar queimadas. Hoje cultivam e criam um pouco de tudo: milho, feijão, palma forrageira, algodão, fava, mandioca, macaxeira, gado, ovelha, galinha, etc. Também passaram a utilizar cercas vivas, além de produzir, beneficiar e estocar forragem para alimentação dos animais durante o período de seca. Após uma visita de intercâmbio à propriedade de Luiz de Sousa (localizada no sitio Salgado de Sousa, município de Solânea/PB), a comunidade iniciou o plantio da palma consorciada em 06 propriedades, sendo plantada cerca de 80 mil raquetes em 08 hectares. Hoje já são 17 famílias apoiadas e possuem cerca de 200 mil pés plantadas em 17 ha de terra, parte em sistema de consórcio com leucena, gliricídia, feijão guandu e outras plantas frutíferas e nativas.

Além dessas ações a comunidade também tem desenvolvidos outras ações de fundo rotativo protagonizado pelas mulheres, em 2011 iniciaram uma experiência com criação de galinha de capoeira envolvendo 08 mulheres, cada uma recebeu 10 galinhas e um galo, a forma de contribuição é a mesma usada no fundo das ovelhas, após o 1º ano e repassado 5 galinhas para beneficiar novas famílias, fazendo rodar o fundo rotativo, hoje já são 12 famílias contempladas. A tela é outra ação trabalhada pelas famílias através do FR para estruturar principalmente os arredores de casa e quintais produtivos, mas também é utilizada para dividir as áreas de pastagem associandas as cercas vivas com diversas plantas cactáceas.

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Realização Apoio

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Todo o ano é comemorado o aniversario do fundo rotativo solidário e é realizada a partilha solidaria de ovelhas para novas famílias. O evento ocorre na sede da associação com a p r e s e n ç a d o s a s s o c i a d o s , convidados; lideranças da região e representantes do COLETIVO e PATAC, esse momento é importante para o fortalecimento da gestão e organização comunitária, onde as famílias falam de suas experiências e resultados com trabalho.

Dona Mariquinha e Seu Geraldo, uma das famílias que repassaram os animais, falam sobre esse momento: “Nos sentimos muito feliz e desejamos pra todos nossos companheiros assentados, que eles possam ter um bom resultado com a criação desses animais e ser feliz como nós. Que isso daqui foi um grande futuro que fizemos para o nosso assentamento.”

Durante o evento as famílias partilham alimentos produzidos no próprio assentamento, como: carne de carneiro, buchada, galinha capoeira, saladas, arroz, feijão, sucos e realizam um almoço coletivo. A comunidade reafirma o compromisso de dar continuidade ao Fundo Rotativo Solidário de Animais, até que pelo menos todas as famílias possam ser contempladas com o FRS animais.

A experiência com a partilha de animais através do FRS, demonstra que a agricultura familiar desenvolvida através dos princípios da agroecologia e solidariedade, cada vez mais, tem possibilitado a consolidação de um projeto de desenvolvimento que visa a convivência com o semiárido e a segurança alimentar das famílias agricultoras.