fundamentos da ludopedagogia

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FUNDAMENTOS DA LUDOPEDAGOGIA EDE Autora: Fernanda Germani de Oliveira Chiaratti Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS

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Page 1: FUNDAMENTOS DA LUDOPEDAGOGIA

FUNDAMENTOS DA LUDOPEDAGOGIA

EDE

Autora: Fernanda Germani de Oliveira Chiaratti

Programa de Pós-Graduação EADUNIASSELVI-PÓS

Page 2: FUNDAMENTOS DA LUDOPEDAGOGIA

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel

Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Bárbara Pricila Franz Profa. Cláudia Regina Pinto Michelli Prof. Ivan Tesck Profa. Kelly Luana Molinari Corrêa

Revisão de Conteúdo: Profa. Patrícia Cesário Pereira Offial

Revisão Gramatical: Profa. Sandra Pottmeier

Revisão Pedagógica: Profa. Bárbara Pricila Franz

Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci

370C532f Chiaratti, Fernanda Germani de Oliveira

Fundamentos da ludopedagogia / Fernanda Germani de Oliveira Chiaratti. Indaial: EDE, 2015.

103 p. : il. ISBN 978-85-69744-00-9 1. Educação. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCIRodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito

Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SCFone Fax: (047) 3281-9000/3281-9090

Copyright © UNIASSELVI 2015Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

UNIASSELVI – Indaial.

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Fernanda G. de Oliveira Chiaratti

Doutora em Psicologia da Educação – PUC-SP. Mestre em Educação – UFPR. Especialista em Educação à Distância – Gestão e Tutoria - UNIASSELVI. e Graduada em Psicologia - UNIVALI,

Atualmente trabalha na Faculdade Avantis, Ifes e Unifebe, como docente nos cursos de Psicologia e

Pedagogia.

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Sumário

APRESENTAÇÃO ......................................................................7

CAPÍTULO 1Fundamentos Históricos e Teóricos do Lúdico ................ 9

CAPÍTULO 2A Prática Lúdica no Contexto Educacional ..................... 41

CAPÍTULO 3O Ato do Brincar .................................................................. 71

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APRESENTAÇÃO

Caro(a) pós-graduando(a):

Bem-vindo(a) à disciplina de Fundamentos da Ludopedagogia. Este Caderno de Estudos foi organizado com o objetivo de contribuir para a realização dos seus estudos e para a ampliação de seus conhecimentos a respeito da importância do Lúdico no desenvolvimento e aprendizagem escolar.

Convidamos você a adentrar no universo do Brincar, conhecendo sua história, sua prática lúdica no contexto educacional, suas teorias e as contribuições tecnológicas na ludicidade.

Este caderno está dividido em três capítulos. O Capítulo 1 - Fundamentos históricos e teóricos do lúdico, apresentando a criança e a cultura lúdica e suas correntes atuais da ludicidade. No Capítulo 2 - A prática lúdica no contexto educacional, articulando as concepções teóricas de Piaget e Vygostky na prática lúdica e, no Capítulo 3 - O ato do brincar, buscamos compreender as distinções entre jogo, atividades, lúdicos, brincadeira e brinquedo. E identificar e analisar a tecnologia educativa no processo lúdico.

Os capítulos foram constituídos de forma didática e complementar. Eles apresentam o texto, com atividades de estudo, e indicam outras referências que podem ser consultadas, a fim de complementar seus estudos.

Desejo a você um bom trabalho e que aproveite ao máximo as matérias dos temas tratados nesta disciplina. Bons estudos e sucesso na sua vida acadêmica!

A autora.

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CAPÍTULO 1

Fundamentos Históricos e Teóricos do Lúdico

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

� Refletir sobre os aspectos históricos e teóricos que determinam os fenômenos ligados a ludicidade e ao conceito de criança.

� Orientar o pós-graduando a aplicar os conhecimentos sobre a ludicidade no processo ensino-aprendizagem e na prática do educador.

� Entender como os princípios da ludicidade relacionam-se com a educação e o processo de ensino aprendizagem.

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Fundamentos Históricos e Teóricos do Lúdico

Capítulo 1

ContextualizaçãoO lúdico é um das expressões humanas que mais fascina e permanece

em diferentes contextos de uma geração a outra. Na história da humanidade, o lúdico é evidenciado em culturas e ambientes variados. Talvez em nossa história pessoal e familiar seja possível identificarmos alguém que nos traga lembranças dessa ludicidade.

A Ludopedagogia é uma tendência que busca nas atividades lúdicas uma forma de planejar atividades escolares que motivem os alunos para a construção do conhecimento. O que ocorre é o que o uso do lúdico na escola ora tem sido empregado como recreação simplesmente, ora como uma técnica pedagógica.

Atualmente, não há mais dúvidas de que o lúdico deve ser incorporado à educação como algo que pode desencadear um processo permanente de educar. Portanto, o foco principal do nosso estudo está centrado em conhecer os aspectos teóricos e históricos da ludicidade.

A Criança e a Cultura LúdicaNeste capítulo vamos compreender o conceito de criança, para isso

precisamos resgatar a história da infância, visto que a educação da criança é uma questão cultural e social e também uma questão pedagógica. Para se entender as propostas pedagógicas que surgem em determinadas épocas históricas é importante levar em conta os diferentes tipos e maneiras de se pensar a criança e a infância, próprias de cada sociedade. Estas, por sua vez, têm a ver com formas de pensar o mundo, o ser humano, a vida e o conhecimento em determinados momentos históricos.

Do ponto de vista do saber pedagógico, pode-se afirmar como Charlot (1979), que a ideia de infância não é um conceito pedagógico de base.

A reação de infância não é uma reação pedagógica primeira, mas uma reação derivada. A teoria da educação não é fundamentalmente uma teoria da cultura e de suas relações com a natureza humana. Por isso a pedagogia não considera a educação a partir da criança, mas a criança a partir da educação concebida como cultura; a imagem da criança traduz a concepção da natureza humana, de seu desdobramento e de sua cultura (CHARLOT, 1979, p. 99).

A interlocução com Charlot (1979) indica a necessidade de se entender o processo de educabilidade da infância a partir de sua relação com o processo

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Fundamentos da Ludopedagogia

histórico de construção das ideias de infância, na e pela sociedade ocidental moderna, bem como a produção de saberes relacionados à educação da criança,

o projeto de escolarização da infância em geral, e da criança de 0 a 6 anos, em particular.

A infância como uma construção histórica pode ser entendida tomando-se por base o trabalho pioneiro do historiador Philippe Ariès, no início dos anos 1960. Ele entende a ideia de infância como algo que vai sendo criado a partir das novas formas de expressão dos sentimentos dos adultos em relação ao que fazer com as crianças. Este lento desenvolvimento da ideia de infância no mundo ocidental ocorreu entre os séculos XIII e XVII. Neste sentido, pode-se afirmar também, como Schmidt (1997, p. 10), que “a ideia de infância é um fenômeno histórico, isto é, cada sociedade produz e assume como sua um conjunto de ideias sobre a infância, que passam a alimentar a relação social que se trava entre a criança e a sociedade”.

Uma dica de Livro para conhecer melhor a Infância. ARIÈS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Editora S.A, 2014.

Assim, a questão de se definir um conceito de infância, como afirma Adorno (1993), varia com a duração histórica e com a definição institucional da infância dominante em cada época, ou seja, são as razões históricas e sociais vivenciadas num momento específico que poderão ser determinantes na escolha de critérios para caracterizar o que seja infância.

Para Ariès (2014) a infância não é um dado atemporal, mas uma invenção da modernidade, pois foi somente a partir do século XVI que as crianças começaram a se tornar objetos de relevância social e política. Este autor considera ainda que até o século XVII as crianças eram tratadas como pequenos adultos que recebiam cuidados especiais no início de suas vidas e que, posteriormente, ingressavam na sociedade assim que adquirissem certa independência. O autor afirma, também, ser a consciência das particularidades da criança, como aspectos distintos dela em relação ao jovem e ao adulto. No

A ideia de infância é um fenômeno histórico, isto é, cada sociedade

produz e assume como sua um

conjunto de ideias sobre a infância, que passam a

alimentar a relação social que se trava entre a criança e

a sociedade.

Definir um conceito de infância, varia com a duração histórica e com

a definição institucional da

infância dominante em cada época.

A infância não é um dado atemporal,

mas uma invenção da modernidade.

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Capítulo 1

entanto, essas características não foram consideradas como relevantes neste período, tornando assim sua condição ignorada ou até mesmo desprezada pelos adultos, devido à fragilidade da infância em relação à própria sobrevivência, numa época de elevado índice de mortalidade infantil. Aos poucos, a criança foi sendo percebida e valorizada como alguém que, por sua “ingenuidade, gentileza e graça, se tornava fonte de distração e de relaxamento para o adulto” (ARIÈS, 2014, p. 159). A ideia de infância estava ligada à ideia de dependência. Sendo assim, só se findava a fase da infância ao se superar a dependência, ou, ao menos, dos graus mais baixos da dependência em relação ao adulto.

Por volta do século XIII surgiram alguns tipos conceituais de criança, um pouco mais próximos do sentimento moderno: o primeiro se deu com a representação dos anjos (representados sob a aparência de um rapaz adolescente); o segundo foi o menino Jesus e a Nossa Senhora menina (modelo e ancestral de todas as crianças da história da arte); o terceiro tipo foi a representação da criança nua (fase gótica). Antes, o menino Jesus quase nunca era representado despido e, no final da Idade Média, a representação que se fazia dele é que aparecia nua. No século XV surgiram dois novos tipos de representação de infância: o retrato e o putto. O putto era a criancinha nua, vista a princípio nas esculturas. Mais tarde essa nudez decorativa seria aplicada aos retratos de criança. No século XVII, a criança era representada sozinha e por ela mesma. Além de os retratos de crianças sozinhas terem se tornado mais numerosos, os retratos de família tendem a organizar-se em torno da criança e ela ganha um lugar privilegiado na arte. Segundo Ariès (2014), neste momento, ainda que muitas cenas mais gerais das pinturas não se consagrassem à descrição exclusiva da infância, as crianças muitas vezes eram suas protagonistas, principais ou secundárias.

Figura 1 – Representação de Putto

Fonte: Disponível em: <http://lauraartes.blogspot.com.br/2011_04_12_archive.html>. Acesso em: 26 maio 2015.

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Até os trajes poderiam significar a valorização de elementos que constituíram o sentimento de infância. O traje da época comprova o quanto a infância era então pouco particularizada na vida real. Até o século XIII a criança saía de cueiros e era vestida como homem ou mulher (a roupa servia apenas para deixar evidente os degraus da hierarquia social). Portanto, a partir do século XVII, começa-se a perceber uma diferenciação no modo de vestir das crianças, começando pelos meninos, que eram deixados mais livres do que as meninas. Estas, segundo Ariès (2014), eram encerradas em corpinhos e outros aparatos para moldar seus corpos, no sentido de ajustá-las às formas femininas, e até fazendo com que as meninas persistissem mais tempo no modo de vida tradicional que as confundia com o dos adultos. Assim, durante muito tempo, a particularização da infância ficou limitada aos meninos de famílias burguesas, como cita Ariès (2014, p. 69):

(...) é curioso notar também que a preocupação em distinguir a criança se tenha limitado principalmente aos meninos: as meninas só foram distinguidas pelas mangas falsas abandonadas no século XVIII, como se a infância separasse menos as meninas dos adultos do que os meninos. A indicação fornecida pelo traje confirma os outros testemunhos da história dos costumes: os meninos foram as primeiras crianças especializadas (...).

Anteriormente à sociedade industrial, a duração da infância, de acordo com Miranda (1986), se limitava à tenra idade em que ela necessitava dos cuidados físicos para a sua sobrevivência. Logo que este desenvolvimento físico fosse assegurado, aproximadamente aos setes anos, segundo Ariès (2014), a criança passava a conviver diretamente com os adultos, compartilhando do trabalho e dos jogos, em todos os momentos. A aprendizagem de valores e costumes se dava, principalmente, a partir do contato com os adultos: a criança aprendia ajudando aos mais velhos. Logo, a socialização acontecia no convívio com a

sociedade, não sendo determinada ou controlada pela unidade familiar. Nesta forma coletiva de vida misturavam-se idades e condições sociais distintas, não havendo lugar para intimidade e para a privacidade.

A forma burguesa da família moderna, instituída na Europa, a partir da Revolução Industrial, do século XVIII, veio instalar a intimidade, a vida privada e o sentimento de união afetiva entre o casal e entre pais e filhos. Sua consolidação aconteceu graças à fragilização das formas comunitárias tradicionais, reorganizando-se em função das necessidades da ordem capitalista. Desta forma pode-se afirmar que, no século XVII, a criança começa a existir como objeto próprio de conhecimento e afeto.

A forma burguesa da família moderna,

instituída na Europa, a partir da Revolução

Industrial, do século XVIII, veio instalar

a intimidade, a vida privada e o sentimento de

união afetiva entre o casal e entre pais

e filhos.

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Capítulo 1

Figura 2 – Família Moderna

Fonte: Disponível em: <http://anapozzapsicologa.blogspot.com.br/>. Acesso em: 26 maio 2015.

Desde o final do século XVII, passou a existir a substituição da convivência informal da criança com os adultos pelo processo de aprendizagem melhor estruturado, em que a criança deveria passar por aprendizagens específicas que a tornariam um adulto. Neste sentido, Ariès (2014) coloca que a aprendizagem social vai deixando de se realizar através do convívio direto com os adultos, sendo substituída, gradativamente, pela educação escolar.

Uma dica de Livro para conhecer melhor a Infância no Brasil.

DEL PRIORE, M. História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999.

Em decorrência dessa mudança, houve um avanço na compreensão do processo de desenvolvimento e educação das crianças. Embora se buscasse a preparação para a vida adulta, eram necessários a organização, os cuidados e a sistematização de fases estruturadas do conhecimento para que isso acontecesse. Esta concepção perdura até o momento atual, caracterizando-se como o processo de educabilidade da infância.

A educação escolar da infância, como campo distinto da educação, surgiu lentamente durante o século XIX, levando uma série de fatores que contribuíram para o seu desenvolvimento, entre eles a emergência dos Estados Nacionais e a sua necessidade de cidadão com boa formação cívica, a qual contribuiu para o desenvolvimento da educação em todos os níveis. O aumento da industrialização

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e da urbanização, que levou à ocorrência de mudanças tanto na organização da sociedade ocidental com vista à produção de bens, quanto nas estruturas familiares e organizações da família, também podem ser consideradas fatores importantes neste desenvolvimento (FORMOSINHO, 1996).

Uma das primeiras abordagens desta educação de infância foi simplesmente matricular as crianças na escola primária, com os irmãos e irmãs mais velhas. Portanto, a escola passou, gradativamente, a substituir a família como lugar de aprendizagem. Com isso, a criança se separou do núcleo familiar privado e iniciou o seu processo de socialização. No entanto, segundo Schmidt (1997, p. 48), este fenômeno aconteceu paralelo à “individualização da infância” pela escola – “fenômeno da modernidade, que não traz, em seu bojo, nenhuma contradição entre a privatização da infância no âmbito da família nuclear e a proposta de escolarização”, porque as novas experiências pedagógicas que surgiam passaram a questionar as ideias e práticas pedagógicas escolares que não tivessem a criança como centro do processo educativo.

Assim, a partir do século XIX, a infância passou a ser objeto privilegiado de experiências e práticas educacionais.

Os educadores, além de se constituírem em orientadores das famílias, passaram, também, a ser conselheiros de ações governamentais, subsidiando políticas e propostas para a infância (...). Baseando-se nas ideias de Locke e Rousseau, educadores da Europa, Estados Unidos e América Latina, inclusive do Brasil (principalmente a partir do início do século XX), desenvolveram experiências renovadoras e modernas (SCHMIDT, 1997, p. 4).

Segundo Schmidt (1997), o princípio da atividade como inerente à criança, bem como o respeito às fases do seu desenvolvimento já podem ser encontradas em John Locke e Jean-Jacques Rousseau, constituindo as bases da chamada “concepção funcional da infância”. Esta forma de explicar a infância foi aperfeiçoada, na medida em que se instituía o discurso da Pedagogia Moderna.

Entre os expoentes desta Pedagogia Moderna estão Henri Pestalozzi (1745-1827), aluno de Rousseau e mestre de Friedrich Froebel (1782-1852). Foram as ideias de Rousseau que introduziram no pensamento a concepção moderna de infância, juntamente com uma proposta educacional para a infância (ARIÈS, 2014; CHARLOT, 1979).

Rousseau colocou em dúvida os dogmas da Igreja e defendeu a ideia oposta que preconizava que a criança nascia essencialmente boa e que seus vícios se desenvolviam em contato com a vida que encontrava ao seu redor. O pensamento de Rousseau introduziu a noção da particularidade da infância, a qual deveria

A partir do século XIX, a infância passou a ser

objeto privilegiado de experiências

e práticas educacionais.

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Capítulo 1

ser respeitada pela educação e pela autoridade do adulto. Considerava a criança inocente e boa, características provindas da natureza e que se corromperiam no contato social. Idealizou que, se respeitada a ordem natural, a criança resguardaria em si a bondade, a felicidade e a liberdade, as quais haviam sido comprometidas pela ordem social. Apesar de viver numa época essencialmente racionalista, contestou o predomínio absoluto da razão e privilegiou o desenvolvimento da sensibilidade do ser humano.

De acordo com Rizzo (1992, p. 13) “Rousseau via na infância um período de ensaio do homem futuro, indispensável à sua formação”. Ele foi o primeiro a insistir na necessidade de conhecer mais profundamente as características infantis para se educar a criança. Portanto, a criança, vista como ser educável, foi concebida como objeto da educação com algumas finalidades principais, entre as quais a de servir ao coletivo e cumprir seus deveres para com a nação e a própria humanidade.

Segundo Angotti (1994, p. 2), Rousseau chamou “atenção para as necessidades das crianças em cada fase do seu desenvolvimento, as condições que lhes são favoráveis, propondo o respeito ao ser na sua individualidade”. Com Rousseau (1995), a infância ganhou especificidade, na medida em que trouxe a visão desta fase como algo singular, percebendo a criança como um ser que possui uma condição específica ditada pelo seu estágio de vida. A sociedade ganhou um corpo de conhecimento sobre a criança e sobre a prática de educá-la, segundo o princípio de natureza, do qual vários conceitos têm sido recorrentes na educação contemporânea.

A proposta pedagógica de Rousseau buscou, também, preservar a criança do convívio social. O confronto da criança deveria ser com o conteúdo das coisas e não com as relações dos homens, com o mundo físico e não com o moral. Rousseau atribuía à educação infantil uma proposta individualista, naturalista e extremamente idealista. O aprendizado dava-se a partir da própria criança, que aprendiam experimentando por si mesmas, de acordo com o seu gênio, seu gosto, suas necessidades, seu talento e as oportunidades que aparecem.

(...) para Rousseau, o único instrumento para a boa educação das crianças é a liberdade bem regrada. Elas não devem receber lições verbais, mas só as do exemplo e da experiência (...). Criticou qualquer educação que privasse a criança de sua felicidade e conclamou todos os homens a amarem a infância, essa fase da vida em que o riso está sempre nos lábios e a alma em paz, fase dos pequenos inocentes (SCHMIDT, 1997, p. 44).

Aluno e seguidor do pensamento de Rousseau, Pestalozzi, um dos

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representantes da Pedagogia Nova, acreditava no poder da educação para aperfeiçoar o indivíduo e a sociedade. Conforme Oliveira et al. (2002), o entusiasmo desse autor influenciou Pestalozzi, além de reis e governantes a pensarem na educação do povo. Pestalozzi reagiu contra o intelectualismo excessivo da educação tradicional. Considerava que a força vital da educação estaria na bondade e no amor, tal como na família e que a educação poderia mudar a terrível condição de vida do povo. Ele defendia a ideia de que a criança começava sua aprendizagem desde o nascimento e indicava o estudo da criança como caminho para melhor dirigir os incentivos ao seu crescimento.

Assim, a educação deveria ocorrer em um ambiente o mais natural possível, num clima de disciplina estrita, mas amorosa, pondo em ação o que a criança já possui dentro de si, contribuindo para o desenvolvimento do caráter infantil. Adaptou métodos de ensino ao nível de desenvolvimento dos alunos, por intermédio de atividades de música, arte, soletração, além de muitos outros métodos de linguagem oral e de contato com a natureza.

No final do século XIX, os estudos baseados na observação das crianças surgem como a matriz da chamada psicologia científica e com o fundamento do método clínico. O movimento de expansão destes estudos faz parte e é feito, também, da expansão das ideias relacionadas à teoria da evolução. Os trabalhos de Charles Darwin, principalmente a sua obra “A Origem das Espécies” (1859), contribuíram para modificar a imagem que se tinha da criança e ser humano, como se pode observar, por exemplo, nas obras de Stanley Hall, nos Estados Unidos. Um dos principais resultados do pensamento desta psicologia da infância foi o de promover um movimento em favor da criança, particularmente, de sua educação.

Stanley Hall - O primeiro psicólogo do desenvolvimento infantil a influenciar os programas para a primeira infância, pai do movimento de estudo da criança. O professor norte-americano, Stanley Hall, organizou em 1882 na Universidade John Hapkner (EUA), um dos primeiros laboratórios de Psicologia. Em 1887, fundou o Jornal Americano de Psicologia.

No final do século XIX, em 1882, W. Preyer publicou o seu livro “Dil Seele das Kindes”, considerado o primeiro estudo de psicologia moderna da criança. Este autor inaugurou o método de observação biográfica a qual se espalhou por toda Europa (Gratiot-Alphandéry; Zazzo, 1970). Essa publicação teve o mérito de

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Capítulo 1

estabelecer o estudo da criança sob bases científicas e de colocar os problemas da psicologia genética que os seus sucessores continuaram a examinar. Este método coloca em questão o antigo método de estudo da psicologia: a introspecção, a qual já se mostrava impraticável para a análise das crianças e dos adolescentes na época. Para o método da psicologia genética, a observação, a constatação e a descrição dos comportamentos (método emprestado das culturas naturais) tornavam-se mais eficientes.

A influência destes estudos, juntamente com a obra de John Dewey, contribuiu para a reforma progressiva da educação no jardim-de-infância. Desenvolveu-se a convicção de que os programas do jardim-de-infância deveriam ser consistentes com os níveis de desenvolvimento das crianças que atendem.

Este autor baseia-se na inteligência como investimentos da atividade da criança e propõe a sua adaptação ao meio. A forma de Dewey, “aprender fazendo” (Learning by doing), passou a representar o movimento pedagógico, chamado Educação Progressiva.

O conceito de educação como processo de crescimento, no qual o aprendiz é considerado um agente ativo, é fundamental na teoria de Dewey. Este autor afirma que a aprendizagem não ocorre por meio da recepção passiva de informação transmitida. O único conhecimento é, na sua perspectiva, aquele que se adquire por meio da experiência pessoal ou através da recriação da experiência dos outros. Portanto, é esse o único educativamente válido.

Este processo de aquisição de conhecimentos segue uma ordem progressiva, isto é, conduz ao crescimento através de fases sequenciais, de complexidade e sofisticação crescentes, progredindo da ação ao significado comunicado, da comunicação ao conhecimento racionalmente organizado.

Pode-se afirmar que o desenvolvimento da psicologia da criança “oferece aos educadores um meio de melhor adaptar a prática educativa às possibilidades dos alunos”. (Gratiot-Alphandéry; Zazzo, 1970, p. 41). É importante ressaltar que este movimento ocorre no momento em que se dá a difusão da escolarização a partir do início do século XX. Seguindo as ideias de Dewey, muitos reformadores consideravam a vida social da comunidade como a base da educação da criança. Assim, o jardim-de-infância oferecia às crianças experiências na comunidade e proporcionava em seguida atividades que permitiam às crianças reconstruir as suas experiências através de jogos e outras formas de expressão que lhes possibilitavam retirar significado destas experiências.

O princípio da atividade, segundo Dewey, aplicava-se a todas as fases da vida humana e não só à infância. Ele afirma que educação é crescimento e que

O aprendiz é considerado um agente ativo, é fundamental na teoria de Dewey.

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Fundamentos da Ludopedagogia

o crescimento é um processo contínuo. Todavia, Dewey salienta o seu papel fundamental no início da infância. É relevante também na teoria educacional de Dewey, a concepção utilitária de atividade significativa, a qual, o significado de uma atividade depende da sua utilidade, tal como é entendido pelo sujeito.

Dewey insistia no desenvolvimento das atividades escolares em torno de problemas reais do mundo exterior que fossem considerados importantes para as crianças e cujas soluções envolvessem uma utilidade social. Para ele, “a questão essencial da educação consiste em lidar com problemas verdadeiros em situações verdadeiras, a fim de analisar, recolher informações, estruturar uma resposta ou solução e, finalmente, testar a aplicabilidade dessas soluções às situações reais de que se partiu” (ROLDÃO, 1994, p. 69).

Neste contexto, a psicologia da criança, pautada na perspectiva genética, passa a se beneficiar de novos métodos de pesquisa, como a aplicação de questionário e testes, cuja obra mais representativa é o livro “Les idées modernes seu les enfants” de Alfred Binet (1913). Segundo Gratiot-Alphandéry e Zazzo (1970, p. 45), a psicologia deveria permitir uma mudança radical na pedagogia escolar, “a característica mais importante do século XX, o século da criança, é a preocupação de aplicar os resultados da psicologia genética à educação (...). Nós vimos crescer neste movimento um movimento pedagógico que, em nome da psicologia e sob o nome de Educação Nova, empreende uma reforma radical na educação”. Portanto, a concepção de infância elaborada pela pedagogia nova é caudatária de uma psicologia científica da criança e de um método genético, a partir do qual a criança deve ser compreendida em função de seu passado individual.

Segundo esta perspectiva educacional, a criança é o centro do trabalho pedagógico a partir de dois aspectos principais:

O primeiro surge de uma influência que o professor faz do estágio de desenvolvimento da criança a partir de seu comportamento atual. Tal inferência é então referida a um conceito de prontidão. O segundo aspecto diz respeito ao comportamento externo e é contextualizado pelo professor como atividade. A criança deve estar ocupada, fazendo coisas. Estes aspectos da criança: o interno (prontidão) e o externo (atividade) podem ser transformados em um conceito de “pronta para fazer” (BERNSTEIN, 1984, p. 38).

Bernstein (1984) propõe a ideia de que as diferenças no nível de desempenho escolar obtido por crianças com diferentes antecedentes familiares poderiam ser compreendidas e explicadas em função das maneiras pelas quais a linguagem é usada e estruturada nos diferentes grupos sociais. Crianças provindas de grupos sociais diversos aprendem a usar e compreender a linguagem de maneiras diferentes. Tais diferenças linguísticas têm efeito sobre a adaptação à escola e comunicação e aprendizagem que nela se realiza.

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Fundamentos Históricos e Teóricos do Lúdico

Capítulo 1

Atividade de Estudos:

1) A educação infantil implica os conceitos de infância e de criança. Estudos da área da educação afirmam que acontecimentos históricos, sociais e culturais ocorreram durante o período da modernidade e possibilitaram o surgimento das ideias de criança e de infância que adotamos ainda na contemporaneidade. Descreva os conceitos de criança e infância.

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Cultura Lúdica Tentaremos definir as características dessa cultura lúdica antes de examinar

as relações que ela estabelece com o conjunto da cultura, e as consequências que isso pode ter sobre a relação da criança com a cultura numa perspectiva não mais psicológica, mas antropológica.

A cultura lúdica é antes de tudo um conjunto de procedimentos que permitem tornar o jogo possível (KISHIMOTO, 2002). A cultura lúdica é, então, composta de certo número de esquemas que permitem iniciar as brincadeiras, já que se trata de produzir uma realidade diferente daquela da vida cotidiana: os verbos no imperfeito, as quadrinhas, os gestos estereotipados do início das brincadeiras compõem assim aquele vocabulário cuja aquisição é indispensável ao jogo.

A cultura lúdica é antes de tudo um conjunto de

procedimentos que permitem tornar o

jogo possível.

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Fundamentos da Ludopedagogia

Kishimoto (2002) compreende a cultura lúdica como estruturas de jogo que não se limitam as de jogos com regras. O conjunto as regras de jogo disponíveis para os participantes numa determinada sociedade compõe a cultura lúdica dessa sociedade e as regras que um indivíduo conhece compõem sua própria cultura lúdica.

O fato de se tratar de jogos tradicionais ou de jogos recentes não interfere na questão, mas é preciso saber que essa cultura das regras individualiza-se, particulariza-se. Certos grupos adotam regras específicas. “A cultura lúdica não é um bloco monolítico, mas um conjunto vivo, diversificado conforme os indivíduos e os grupos, em função dos hábitos lúdicos, das condições climáticas ou espaciais” (KISHIMOTO, 2002, p. 25).

Criança adquire, constrói sua cultura lúdica brincando. É o conjunto de sua experiência lúdica acumulada, começando pelas primeiras brincadeiras de bebê evocada anteriormente, que constitui sua cultura lúdica.

Essa experiência é adquirida pela participação em jogos com os companheiros, pela observação de outras crianças, por exemplo, podemos ver no recreio os pequenos olhando os mais velhos antes de se lançarem por sua vez na mesma brincadeira, pela manipulação cada vez maior de objetos de jogo. Assim essa experiência permite o enriquecimento do jogo em função evidentemente das competências da criança, e é nesse nível que o substrato biológico e psicológico intervém para determinar do que a criança é capaz. Um exemplo são os jogos de ficção, que supõem a aquisição da capacidade de

simbolização para existirem.

O desenvolvimento da criança determina as experiências possíveis, mas não produz por si mesmo a cultura lúdica. Esta origina-se das interações sociais, do contato direto ou indireto, por exemplo, manipulação do brinquedo: quem o concebeu não está presente, mas trata-se realmente de uma interação social que lança suas raízes, como já foi dito, na interação precoce entre a mãe e o bebê.

É importante lembrar que a cultura lúdica não está isolada da cultura geral, essa influência é multiforme e começa com o ambiente, as condições materiais. As proibições dos pais, dos mestres, o espaço colocado a disposição da escola, na cidade, em casa, vão pesar sobre a experiência lúdica.

Kishimoto (2002) descreve ainda que alguns elementos parecem ter uma incidência especial sobre a cultura lúdica. Trata-se hoje da cultura oferecida pela mídia, com a qual as crianças estão em contato: a televisão e o brinquedo. A

Criança adquire, constrói sua cultura lúdica brincando. É o conjunto de sua experiência

lúdica acumulada, começando

pelas primeiras brincadeiras de bebê evocada

anteriormente, que constitui sua cultura

lúdica.

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Fundamentos Históricos e Teóricos do Lúdico

Capítulo 1

televisão assim como o brinquedo transmitem hoje conteúdos e, às vezes, esquemas que contribuem para a modificação da cultura lúdica que vem se tornando internacional.

Na realidade, há jogo quando a criança dispõe de significações, de esquemas em estruturas que ela constrói no contexto de interações sociais que lhe dão acesso a eles. Assim ela co-produz sua cultura lúdica, diversificada conforme os indivíduos, o sexo, a idade, o meio social.

Portanto, o jogo é antes de tudo o lugar de construção de uma cultura lúdica. Ver nele a invenção da cultura geral falta ainda ser provado. Existe realmente uma relação profunda entre jogo e cultura, jogo e produção de significações, mas no sentido de que o jogo produz a cultura que ele próprio requer para existir. É uma cultura rica, complexa e diversificada. Pode-se então considerar que através do jogo a criança faz a experiência do processo cultural, da interação simbólica em toda a sua complexidade.

Agora vamos relembrar da sua infância? O Mascote Leo Atividade de Estudos, fará você lembrar-se de alguns acontecimentos da infância.

Atividade de Estudos:

MEMORIAL DA INFÂNCIA

“OS TEMPOS DE SER CRIANÇA E TER INFÂNCIA NA HISTÓRIA”

O QUE LEMBRAR?• Do dia a dia de criança;• Das curiosidades que tinha dos medos, dos castigos;• Das músicas que cantava;• De algum momento inesquecível;• Da escola de Educação Infantil, se frequentava – lembrar-se das

atividades, da professora, do espaço da escola;• Como se relacionava com pessoas, animais, plantas e objetos.

CONTEXTUALIZAR A ÉPOCA DA INFÂNCIA• Lembrar-se do momento histórico em que nasceu;• Ano do nascimento;• Organização familiar, número de irmãos na época que nasceu;

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Fundamentos da Ludopedagogia

• Momento político, social, cultural (algo em especial a ser registrado).

COMO REGISTRAR AS LEMBRANÇAS?• Selecionar fotos que caracterizam uma fase da infância, roupas,

objetos que lhe despertem emoção, ou lhe tragam alguma recordação da sua infância.

• Produzir um texto, contando a história de sua infância.

Ludicidade e Educação: Correntes Atuais

Constatamos que mesmo sofrendo alterações nos nomes, algumas variações em seu formato, diferenciações por terem sido permeados pela cultura na qual são produzidas, a ludicidade permanece e é imprescindível ao ser em desenvolvimento, dada a sua funcionalidade adaptativa, tal como aponta Piaget, possibilitando ao homem um encontro de vivência cultura e preservação da espécie (ANTUNHA, 2006).

Para Antunha (2006) as expressões da cultura são aprendidas no exercício social lúdico e, sendo assim, o lúdico torna-se relevante, pois prepara um espaço para a materialização de ações, dado o seu caráter motivacional diante de desafios que se colocam a partir dele, mobilizando no sujeito, esquemas e operações mentais, acionando e ativando as funções, desencadeando sentimentos na interação com o outro.

Froebel (1980 apud Angotti, 1994) considerava que seria sumamente proveitosa a introdução de verdadeiras horas de trabalho manual na educação das crianças, na qual o jardim-de-infância seria a instituição educativa por excelência, seria um ambiente especialmente organizado para promover o desabrochar das potencialidades da criança e o cultivo da liberdade de expressão do pensamento e da criatividade, enquanto a creche e as escolas maternais ou qualquer outro nome dado às instituições com características semelhantes às salles d’asile francesas seriam assistenciais e não educariam, ou seja, educavam não para a emancipação, mas para a subordinação. Os Kindergartens e as propostas de Froebel obtiveram ampla penetração internacional, passando a ser uma referência em vários países.

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Capítulo 1

As salas de asilo – salles d’asile primeiro nome das écolas maternelles francesas, na Europa.

Écolas maternelles – tradução jardim-de-infância.

Os jogos e ocupações concebidos por Froebel para a educação das crianças, que eram produzidos em sua fábrica de brinquedos, o Kindergarten Beschaftigungs-Anstalt constituíram um componente material, mercantil, de propaganda da instituição, além dos seus escritos, das associações educacionais e dos cursos de formação de professoras “jardineiras”. Os jogos são tidos como importantes, pois possibilitam às crianças o contato com a natureza e o relacionamento com outros seres humanos. Froebel considerava a brincadeira como um elemento fundamental para o crescimento da criança da segunda infância, isto é, após os três anos.

Figura 3 – Escola modelo de Kindergarten

Fonte: Disponível em: <http://en.wikisource.org/wiki/The_New_International_Encyclop%C3%A6dia/Kindergarten>. Acesso em: 27 maio 2015.

Após a morte de Froebel, em 1852, a baronesa Bertha von Marenhotltz-Bulow ficou à cabeça do movimento froebeliano, atuando ativamente até a década de 1870, com a criação de associações e jardins-de-infância em vários países. As associações criadas em torno do jardim-de-infância foram um elemento propulsor da instituição nos países-sede e naqueles sob sua influência, criando escolas

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Fundamentos da Ludopedagogia

para a formação de profissionais. É o caso da Froebel Society of Great Britain and Ireland, fundada em 1874, que atuou no Reino Unido e nas suas colônias.

O final do século XIX, particularmente a partir da década de 1860, vive uma crescente expansão das relações internacionais o que leva à criação de instituições de educação infantil em vários países, como parte de um conjunto de medidas que conformam uma nova concepção assistencial à assistência científica, abarcando aspectos como a alimentação e habilitação dos trabalhadores e dos pobres. Este fenômeno acompanha uma série de outras iniciativas reguladoras da vida social, que envolvem a crescente industrialização e urbanização. O avanço científico e tecnológico, as descobertas no campo da microbilogia, a eletricidade e a iluminação pública, assim como as instituições de educação popular – em cuja base encontram-se as escolas das crianças menores, sem o caráter de obrigatoriedade da escola primária –, tornam-se parâmetros para caracterizar os países ditos modernos e civilizados.

O quadro das instituições educacionais se reconfiguram durante a segunda metade do século XIX, na Europa, compondo-se da creche e do jardim-de-infância, ao lado da escola primária, do ensino profissional, da educação especial e de outras modalidades. A creche, para as crianças de 0 a 3 anos, foi vista como muito mais do que um aperfeiçoamento das Casas de Expostos, que recebiam as crianças abandonadas. Foi apresentada em substituição ou oposição a estas, para que as mães não abandonassem suas crianças. Além disso, não se pode considerar a creche como uma iniciativa independente das escolas maternais ou jardins-de-infância, para as crianças de 3 ou 4 a 6 anos, em sua vertente assistencialista, pois as propostas de atendimento educacional à infância de 0 a 6 anos tratam em conjunto das duas iniciativas, mesmo que apresentando instituições diferenciadas por idades e classes sociais.

A absorção desses modelos de civilização e progresso combinava as referências vindas dos centros de propagação europeu e norte-americano, com as peculiaridades de cada país, segundo as suas condições culturais, econômicas, sociais e políticas.

As histórias nacionais da industrialização, da urbanização, das instituições, das classes sociais se produzem nesse processo, marcadas pelo jogo de força das relações internacionais. Os congressos científicos internacionais, das mais diversas modalidades, começam a ser organizados na órbita das exposições universais, as quais mostravam e cultuavam o progresso e as novidades da era dos impérios.

Em 1855, exilados liberais alemães fundaram os primeiros Kindergartens nos EUA. No começo, dirigidos aos imigrantes alemães, posteriormente tornaram-se

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Capítulo 1

comuns nas redes públicas. Na Rússia, desde 1863, passam a ser registradas manifestações de um ativo interesse que levam à criação da Sociedade de Froebel em S.Petersburgo. Na Áustria, somente os jardins-de-infância são incorporados ao sistema nacional de educação austríaco em 1872, o que irá também ocorrer na Suíça e na Bélgica, nos anos seguintes. Em Portugal, desde 1879, o jardim-de-infância encontraria a simpatia de famílias e de órgãos educacionais.

A exposição internacional dedicada à saúde e à educação, realizada em Londres, em 1844, foi um marco na história do Kindergarten na Inglaterra, quando houve o esforço da Froebel Society em promover a educação froebeliana. O esforço repercutiu até na apresentação do relatório dos trabalhos da comissão brasileira enviada ao congresso escrito pelo barão de Penedo:

A crescente atenção dedicada ao ensino infantil, o acurado interesse com que eminentes professores estão estudando o método Froebel e o reconhecimento que pela primeira vez a repartição de educação (...) acentuou a necessidade e conveniência das lições de objetos por meio de recreio e outras, tanto quanto por formal instrução, no ensino elementar, fez reservar no edifício um considerável espaço à “Kindergarten”. Fez-se aí uma considerável exposição de pinturas, jogos e aparelhos especialmente destinados ao ensino, por semelhante método, das crianças de tenra idade e as escolas das “nursery” (LONDRES, 1885 apud MONARCHA, 2001, p. 15).

Já em 1875, no Rio de Janeiro, havia sido fundado o primeiro jardim-de-infância privado do país voltado para as elites, no Colégio Menezes de Vieira, seguido da Escola Americana em 1877, em São Paulo, ligada a missionários norte-americanos. Em 1883, a Exposição Pedagógica do Rio de Janeiro apresentou inúmeros materiais, incluindo-se aqueles relativos ao jardim-de-infância, tanto de instituições nacionais como provindos de diversos países: Alemanha, Argentina, EUA, Chile, Espanha, Áustria, Bélgica, França, Inglaterra, Itália, Portugal, Suécia, Suíça, Holanda, Uruguai.

Esta exposição caracterizou-se, na questão da educação pré-escolar, pela legitimação dos interesses privados. Embora houvesse referência à implantação de jardins-de-infância para atender a pobreza, elas não encontravam o menor eco em iniciativas concretas. A preocupação daqueles que se vinculavam às situações pré-escolares privadas brasileiras era com o desenvolvimento das suas próprias escolas. Nesta exposição, Menezes Vieira, publicou um relatório sobre a viagem que havia realizado para obter informações sobre o ensino pré-escolar em diversos países da Europa (França, Suíça, Áustria e Alemanha), no qual o Kindergarten, por suas características, era apresentado como uma instituição procurada pelas famílias das elites.

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Fundamentos da Ludopedagogia

Na Áustria e Alemanha principalmente, os Kindergartens ainda não são reputados uma instituição fora do alcance das classes populares; estas levam seus filhos para os asilos, que os guardam durante o dia, e mais se preocupam com a propaganda religiosa. As classes médias e as superiores, pelo contrário, enviam seus filhos aos institutos mantidos pelas associações (Vereinkindergarten) ou contratam senhoras que educam em casa as crianças conforme os preceitos do sistema (...) O sistema Froebel é uma reforma exclusivamente pedagógica. Seguramente convém introduzir nos estabelecimentos de caridade destinados às crianças aquela educação racional, a única compatível com o progresso científico; mas não se confundam causas tão essencialmente distintas (KUHLMANN JR., 1998, p. 84).

Embora houvesse polêmicas quanto à maior ou menor fidelidade ao

sistema de Froebel, e autores como Souza Bandeira diferenciassem o método de Froebel das Écoles Maternelles francesas (para as crianças de 3 a 6 anos) que antecederam a criação das creches, destacando a preocupação destas últimas com a formação intelectual da criança (leitura e escrita), as propostas do jardim-de-infância também influenciaram as instituições francesas, que tiveram os materiais froebelianos incorporados nas atividades das salas de asilo.

Écolas maternelles – tradução jardim-de-infância.

A intervenção das missões protestantes norte-americanas, que atuaram em países como o Brasil e o Japão, também contribuía para a expansão do jardim-de-infância. No Brasil, em geral, as entidades primeiro fundavam creches, prevendo uma positiva instalação de jardins-de-infância. A creche não era defendida de forma generalizada, pois trazia à tona conflitos, tais como: a defesa da atribuição de responsabilidade primordial à mãe na educação na primeira infância.

Pensando na educação que as mães deviam oferecer aos seus filhos, Froebel escreveu em 1844, o livro denominado Muther-Spiel und Kose-lieder – Jogos para a mãe e canções carinhosas –, em que o autor conversa com elas, por meio de poemas, sobre os sentimentos da mãe contemplando seu recém-nascido, a mãe e sua unidade com a criança, as brincadeiras da mãe com seu filho, a necessidade de a mãe observar o desenvolvimento da criança, a necessidade de conversar e cantar para ela.

Nos EUA, os jardins-de-infância foram usados por seu efetivo potencial como agente de reforma moral, principalmente das famílias dos imigrantes, como forma

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Capítulo 1

de combater as más influências privadas com as virtudes públicas da sociedade americana dominante. Contaram com o apoio de reformadores como Dewey e Stanley Hall, que fizeram sugestões para adaptar as propostas de Froebel, como Hall, que pedia o relaxamento das rotinas rígidas de Froebel em favor dos jogos onde se ensinassem as habilidades de viver em comunidade, e logo os jardins foram incorporados à rede pública de educação.

Nos EUA, os Kindergartens permaneceram associados aos políticos e educadores liberais, vistos como mediadores entre a esfera privada da família e a esfera pública do Estado, de modo a produzir um cidadão para quem a realização individual e o compromisso social não fossem princípios contraditórios, mas complementares.

A propagação do jardim-de-infância não ocorreu pela adoção de um modelo único de instituições com a rígida aplicação dos seus procedimentos originais. Após a realização de um questionário em diversos países, foi montado um relatório organizado por Miss S. Young, do House and Colonial College, no qual na introdução fica evidente como a filiação ao nome do fundador do jardim-de-infância não implicava a cristalização de seus métodos pedagógicos, pois o texto recomenda a modelagem em argila e modernos exercícios, como desenho com pincéis e desenho livre. Lamenta ainda que algumas formas de trabalho manual, tais como: cortar cartolina para ornamentação, o entrelaçamento fino e o desenho de padrões estereotipados em papel quadriculado, persistissem em larga extensão, embora a pesquisa fisiológica houvesse demonstrado que eles podem provocar problemas de visão, ao exigir um ajuste de musculatura fina no braço e na mão acima do estágio de desenvolvimento físico das crianças.

O relatório londrino de 1907 afirma que o questionário encaminhado pela Sociedade Froebel procurava averiguar sobre todos os tipos de instituições de educação infantil, mas constata que a maioria das respostas referiu-se quase que exclusivamente às crianças de 3 a 6 anos, o que impediria fornecer maiores informações sobre as instituições da natureza das creches. Ao analisar as diferentes modalidades de atendimento, o texto constata que os dados poderiam sugerir uma classificação em dois tipos de instituições: as que reúnem crianças de viúvas ou de pais que necessitam trabalhar, provêem abrigo, afeto, alimentação nutritiva, oportunidade para brincar livre dos perigos das ruas e para descansar e dormir nos intervalos das brincadeiras (funcionava em período integral); as que detêm as crianças por poucas horas diariamente, onde não se dá alimentação, as crianças estão divididas por grupos etários e fazem atividades dirigidas. As pessoas que trabalhavam nessas instituições geralmente eram professoras com formação específica.

Porém uma análise mais acurada mostrava que não seria possível

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Fundamentos da Ludopedagogia

estabelecer claras linhas de distinção entre os dois tipos de instituições para crianças, pois elas tenderiam na prática a misturar as suas funções.

Algumas escolas maternais atendem períodos maiores e dão comida. Na Áustria-Hungria, os Kinderbewahranstaltens têm por objetivo manter a criança sob cuidados habilitados e liberar o irmão ou irmã mais velha da guarda para ir à escola, têm uma profissional com formação específica e usam exercícios froebelianos durante parte do dia (MONARCHA, 2001, p. 21).

As sociedades froebelianas mantinham os dois tipos de sistemas de jardim-de-infância, para ricos e pobres, procuravam conhecer e influenciar as diferentes modalidades institucionais e, às vezes, até incorporar contribuições das mesmas. As crianças pobres frequentariam os free kindergartens, denominação que explicitava o seu caráter de atendimento gratuito e os diferenciava do nível de qualidade pensado para os simplesmente kindergarten.

Assim, os estudos que atribuem aos jardins-de-infância uma dimensão educacional e não assistencial, como outras instituições de educação infantil, deixam de levar em conta as evidências históricas que mostram uma estreita relação entre ambos os aspectos: a assistência é que passou, no final do século XIX, a privilegiar políticas de atendimento à infância em instituições educacionais e o jardim-de-infância foi uma delas, assim como a creche e a escolas maternais.

A expansão das ideias de Froebel acerca da educação refletia a sua

convicção de que a escola devia estimular o desenvolvimento natural da criança. Ele considerava as crianças como flores num jardim, que floresceriam se devidamente tratadas.

Para ele, a criança é um ser repleto de potencialidade. Reconhece

que a infância é uma fase essencial da vida do homem, “é o período em que a criança deve ser cuidada como uma semente recém-plantada, para que possa se fortalecer, descobrir o seu eu, as suas potencialidades, a sua essência” (ANGOTTI, 1994, p. 9). Suas ideias

refletiam igualmente a sua fé na unidade do indivíduo, de Deus e da Natureza. Para ele, era importante para a criança chegar ao entendimento deste conceito de unidade.

O modo básico de funcionamento de sua proposta educacional incluía atividades de cooperação e o jogo. Froebel partia também da intuição e da ideia de espontaneidade infantil, preconizando uma auto-educação da criança pelo jogo, por suas vantagens intelectuais e morais, além de seu valor no desenvolvimento físico.

A criança é um ser repleto de

potencialidade.

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Capítulo 1

Ademais, Froebel foi o primeiro educador a enfatizar o brinquedo, a atividade lúdica, os desenhos e as atividades que envolvem o movimento e os ritmos. Para ele, é no brincar e no desenhar livremente que a criança encontra diferentes formas de expressão. O brinquedo para Froebel é a representação auto-ativa do interior infantil.

O brinquedo dá alegria, liberdade, satisfação, repouso interno e externo, paz no mundo. Uma criança que brinca integralmente, por determinação, de sua própria atividade, perseverando até que a fadiga física a impeça, será certamente um homem completo e determinado, capaz de auto-sacrifício para a promoção do bem-estar de si mesmo e dos outros (...). O brinquedo espontâneo da criança revela a vida interior futura do homem. Os brinquedos da infância são os germes de toda a vida posterior (ANGOTTI, 1994, p. 18-19).

Para Froebel, o brinquedo era muito importante, sendo que para a criança

se conhecer, o primeiro passo seria chamar a atenção para os membros de seu próprio corpo, para depois chegar aos movimentos das partes do corpo. Já a atividade espontânea era vista como a fonte e a causa do desenvolvimento do conhecimento e do caráter, estando sempre num contínuo crescer de vontade que levará à atividade criadora, original construtiva. As atividades incluíam trabalhar com barro, recortar, dobrar papel, desenhar. As crianças deviam seguir instruções específicas durante o exercício destas atividades.

Segundo a teoria de Froebel, o papel do professor era o de estar sempre entre as crianças, brincando junto, ensinando-as e estimulando-as a fazerem as coisas por si mesmas. O ambiente pré-escolar tem um caráter especial, pois é nele que o professor irá oferecer as melhores condições que propiciem o desenvolvimento máximo das crianças, bem como sua perfeita integração social.

Como Pestalozzi, Froebel valorizou a família, ou seja, estendeu a função familiar aos planos biológico, social, religioso e educacional, porém foi o primeiro educador que captou o significado da família nas relações humanas.

Já para Decroly a educação não se constituía na preparação para a vida adulta; a criança deve viver os seus anos jovens, bem como resolver as dificuldades compatíveis ao seu momento. Interessou-se especialmente pelas crianças chamadas “retardadas” e “anormais”, com o seu método dos centros de interesse, rompeu com a rigidez dos programas de ensino de seu tempo. Segundo ele, a criança deve ser criança e não um adulto em potencial.

Froebel foi o primeiro educador

a enfatizar o brinquedo, a

atividade lúdica, os desenhos e as atividades

que envolvem o movimento e

os ritmos.

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Educador belga Ovide Decroly, nasceu em 1871 e morreu em 1932. O valor da obra de Decroly está no destaque que emprestou às condições do desenvolvimento infantil e a educação.

Sua metodologia de ensino propunha atividades didáticas baseadas na ideia de totalidade do funcionamento psicológico e no interesse da criança. Conforme Seber (1995), Decroly propôs o método global para a aprendizagem da leitura e do cálculo, assim como os centros de interesse e os trabalhos ativos. Defendia um ensino voltado para o intelecto, destacando o caráter global da atividade infantil e a função de globalização do ensino.

Sua proposta pedagógica deriva da ideia de se organizar a escola em “centros de interesses”, onde a criança passa por três momentos: o da observação (não ocorre em uma lição, em um momento particular da técnica educativa, mas deve ser considerada como uma atitude, chamando a atenção do aluno constantemente); o da associação (possibilita que o conhecimento adquirido por meio da observação seja compreendido em termos de tempo e de espaço) e a expressão (possibilita ao educando externar aquilo que aprendeu, através da linguagem gráfica ou outra qualquer, integrando, assim, os diversos conhecimentos adquiridos). Os centros de interesse surgiam do contato com o meio.

Segundo Angotti (1994), para Decroly, a sala de aula está em toda a parte, na cozinha, no jardim, no museu, no campo, na fazenda, nas viagens. E o tempo de duração de cada centro de interesse deve ser flexível, orientado de acordo com os interesses, o desenvolvimento e a curiosidade infantis. Ele é conhecido ainda por defender rigorosamente a observação dos alunos a fim de poder classificá-los e distribuí-los em turmas homogêneas.

As influências da educação progressiva e da teoria psicanalítica tiveram impacto e novas influências nos currículos da primeira infância. E um dos programas desenvolvidos neste período (século XX) que teve um impacto importante na educação para a primeira infância, foi concebida por Maria Montessori.

Educadora italiana Maria Montessori nasceu em 1870 e morreu em 1952. Doutorou-se em medicina pela Universidade de Roma. Aos 25 anos começou a dedicar-se às crianças anormais, na clínica daquela universidade. Mudou os rumos da educação tradicional,

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Fundamentos Históricos e Teóricos do Lúdico

Capítulo 1

que privilegiava a formação intelectual. Emprestou um sentido vivo e

ativo à educação. Destacou-se pela criação de Casas de Crianças, instituições de educação e vida e não apenas lugares de instrução.

Tal como Froebel, Montessori acreditava que o desenvolvimento da criança decorria naturalmente. Contudo, em vez de considerar que o conhecimento da criança deriva da manipulação de objetos que representam símbolos abstratos, achava que o conhecimento se baseia nas percepções que as crianças têm do mundo.

Propunha uma pedagogia científica da criança, ao mesmo tempo em que, opondo-se a concepções que considerava materialistas, via com interesse uma educação que se ocupasse com o desenvolvimento da espiritualidade. Seu método refletia a influência de sua formação católica, na preocupação que manifestava com a formação do espírito.

Montessori tinha um grande respeito pelas crianças, considerando que elas tinham a capacidade de influenciar o seu próprio desenvolvimento, que evoluía a partir de dentro. Ela criou a “escola do silêncio”, onde dava ênfase à disciplina e à introspecção.

Segundo Nicolau (1986), o método Montessori foi um dos primeiros métodos ativos. Quanto à criação e aplicação, seus principais fulcros são as atividades motoras e sensoriais visando, especialmente, a educação pré-escolar. Mesmo considerando que o método Montessori surgiu da educação de crianças anormais, ele é bastante difundido, no mundo, na educação de crianças normais. É um método de trabalho individual, embora tenha também um caráter social, uma vez que as crianças, em conjunto, devem colaborar para o ambiente escolar, tendo o seu material voltado à estimulação sensorial e intelectual e tendo a preocupação centrada nos objetivos das atividades e materiais específicos.

No entanto, deve-se a Montessori a criação de muitos materiais excelentes e apropriados à criança, além do fato notável que foi a redução do tamanho do mobiliário para se tornar adequado à altura das crianças. Deve-se a ela, também a introdução dos objetos da casinha de bonecas, em tamanho reduzido, para dramatização da vida do lar. Criou, portanto, um material específico para cada objetivo educacional. Seu material didático buscava fazer um detalhamento rigoroso do conteúdo a ser trabalhado com as crianças e previa exercícios destinados a desenvolver, passo a passo, as diversas funções psicológicas.

Para Montessori (1980 apud ANGOTTI, 1994, p. 23), “a educação tem

Montessori acreditava que o desenvolvimento

da criança decorria naturalmente.

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Fundamentos da Ludopedagogia

por objetivo o desenvolvimento das energias da criança, forças estas inatas e interiores no ser, que se desenvolveriam mesmo sem o auxílio alheio”. A educação possibilitaria ao indivíduo ter as suas necessidades satisfeitas; ao educador caberia criar as condições para que o educando atingisse essas metas. O trabalho e o jogo, as atividades prazerosas, a formação artística, e uma sociabilidade mais intensa, colaboravam para desenvolver a personalidade integral.

De acordo com Seber (1995), Montessori concluiu que a aprendizagem se intensifica quando há possibilidade das crianças agirem sobre o material. Essa conclusão influenciou a educação infantil em várias partes do mundo, contribuindo para o aperfeiçoamento da organização e montagem das salas de jardins-de-infância.

A educação contemporânea dá ênfase ao papel desempenhado pela cultura e seus sistemas de símbolos na formação da inteligência e na educação da criança, tendo um efeito dinâmico e estruturador sobre a aprendizagem e o desenvolvimento infantil. Os teóricos representantes são Piaget e Vygotsky.

De acordo com Piaget (1971) o desenvolvimento da inteligência está voltado para o equilíbrio; a inteligência é adaptação. O homem estaria sempre buscando uma melhor acomodação ao ambiente. Assim podemos compreender a importância do brincar para o desenvolvimento da criança.

Através da brincadeira, a criança se apropria de conhecimentos que possibilitarão sua atuação sobre o meio em que está. Toda atividade do homem visa atingir o equilíbrio; suas ações advêm em função de qualquer necessidade que provocará no sujeito um estado de desequilíbrio. Nesse momento o sujeito é obrigado a buscar novas formas de se relacionar com o meio para melhor adaptar-se ao mesmo. A criança passa de um estado de equilíbrio para outro.

Vygotsky (1998) contesta as teorias que descrevem as crianças como um adulto em miniatura ou como um ser que evolui acumulando e reproduzindo conhecimentos. Para este autor a educabilidade da criança pressupõe as condições de compreensão e comunicação partilhadas desde o nascimento, por adultos e crianças. Nesse mesmo sentido as formas de funcionamento do pensamento infantil diferem das do adulto em sua composição, estrutura e modo de operação.

Para ele, os conceitos não nascem com a criança, nem nela se constituem de imediato, sendo fruto de um longo processo de educação que se inicia na fase mais precoce da infância. Assim, confere às interações que se processam na infância uma importância fundamental.

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Fundamentos Históricos e Teóricos do Lúdico

Capítulo 1

É neste autor que pode ser encontrada a forte ênfase na ideia de que a capacidade de aprender através da instrução é uma característica fundamental da inteligência humana. Quando os adultos ajudam as crianças a realizar coisas que estas são incapazes de fazer sozinhas, eles promovem o desenvolvimento do conhecimento e das capacidades. Ao cooperar com os indivíduos dotados de mais conhecimento, a criança não se limita a aprender e internalizar lições sobre tarefas específicas; ela também toma contato com o próprio processo de instrução e o internaliza.

Uma das maiores contribuições de Vygotsky à teoria da educação foi o que ele denominou de zona de desenvolvimento proximal. Ele usou esse conceito para se referir ao “hiato” que existe entre um indivíduo, aquilo que ele é capaz de fazer sozinho e o que ele é capaz de realizar com a ajuda de outro indivíduo dotado de mais habilidades ou conhecimentos.

Porém, algumas crianças têm zonas de desenvolvimento proximal maiores que outras, mesmo quando seus níveis atuais de desempenho são semelhantes. Portanto, a teoria de Vygotsky também proporciona um modo de conceitualizar as diferenças individuais nas formas de educar a criança. Para Vygotsky (1998), o êxito atingido pela cooperação forma as fundações da aprendizagem e do desenvolvimento, e o desenvolvimento infantil refletem as experiências culturais das crianças, bem como as suas oportunidades de acesso aos indivíduos mais maduros, que já praticam áreas específicas de conhecimento.

Ao mesmo tempo, a teoria de Vygotsky considera a possibilidade de que as crianças compreendem aquelas coisas que são características comuns de sua vivência social. Aprender como pensar e aprender sobre coisas relativamente desconhecidas não são realizações naturais que ocorrem com o tempo, mas formas especiais de autorregulação, as quais se fundamentam em vivências relevantes, inclusive escolares.

O ensino escolar confronta as crianças com uma fala que muitas vezes, ou mesmo na maioria das vezes, é independente do contexto físico imediato. As crianças que têm fluência na linguagem de código elaborado acharão a comunicação e a aprendizagem relativamente mais fáceis que aquelas cujas principais vivências de linguagem se restringem a um código mais restrito. Estas diferenças, por sua vez, nascem das exigências linguísticas e pessoais associadas aos diferentes papéis e ocupações dentro da sociedade. Portanto, as diferenças de educabilidade e inteligência não seriam inatas, mas produtos diretos das primeiras vivências sociais (WOOD, 1996).

Aprender como pensar e aprender

sobre coisas relativamente

desconhecidas não são realizações

naturais que ocorrem com o tempo, mas

formas especiais de autorregulação,

as quais se fundamentam em

vivências relevantes, inclusive escolares.

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Fundamentos da Ludopedagogia

Nesta perspectiva, os valores da educabilidade escolar constituem-se de forma articulada com os relativos ao grupo de pertencimento da criança. Assim, na medida em que os valores de casa e os da escola coincidem, as crianças têm probabilidades de criar bases mais sólidas para a definição de sua personalidade. Mas quando as discrepâncias entre os dois sistemas são profundas, as crianças podem ficar confusas e entediadas ou criar resistências. Por outro lado, nos casos em que as crianças partilham do mesmo dialeto que o professor, a comunicação entre eles tende a ser relativamente fácil; onde, porém existem diferenças marcantes, o estabelecimento e manutenção de uma relação comunicativa e da compreensão mútua pode ser mais difícil de conseguir, inibindo assim a transmissão de conhecimentos e a sua compreensão e dificultando, portanto, o próprio processo da educabilidade escolar. A educação infantil busca aproximar cultura, linguagem, cognição e afetividade como elementos constituintes do desenvolvimento humano voltado para a construção da imaginação e da lógica. Neste sentido, pode atuar como agente de transmissão de conhecimentos elaborados pelo conjunto das relações sociais, presentes em determinado momento histórico. Tais pressupostos constituem, também, o conceito de educabilidade da criança.

Paralelamente, como um desdobramento da máxima de que a ciência é o critério da verdade, ao especialista foi conferida a autoridade da produção de “verdades” sobre a educação da criança na época moderna. Portanto, o psicólogo, o psicopedagogo, o fonoaudiólogo, o psicomotricista, o pediatra e até mesmo os profissionais da mídia assumiram a função de caracterizar a criança e suas necessidades, definindo metas para sua educação e seu desenvolvimento, ou seja, para a sua educabilidade no processo de escolarização constitutivo de determinado momento de vida, como as escolas de educação infantil.

Atividade de Estudos:

1) Maria Montessori defende o respeito às necessidades de cada estudante, segundo a sua faixa etária. Mesmo as crianças são capazes de conduzir o próprio aprendizado e ao professor caberia acompanhar esse processo. Ela acreditava que a educação é uma conquista da criança, pois percebeu que já nascemos com a capacidade de ensinar a nós mesmos, se nos forem dadas as condições. Descreva como a criança aprende.

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Fundamentos Históricos e Teóricos do Lúdico

Capítulo 1

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Algumas Considerações Neste capítulo, procuramos descrever os aspectos históricos e teóricos

que determinam os fenômenos ligados a ludicidade e ao conceito de criança. Lembrando que para escrever sobre criança precisamos resgatar o conceito de infância.

Ser criança varia entre sociedades, culturas e comunidades, mas também varia de acordo com as circunstâncias históricas destas sociedades. E as expressões da cultura são aprendidas no exercício social lúdico e, sendo assim, o lúdico torna-se relevante, pois prepara um espaço para a materialização de ações, dado o seu caráter motivacional diante de desafios que se colocam a partir dele, mobilizando no sujeito, esquemas e operações mentais, acionando e ativando as funções, desencadeando sentimentos na interação com o outro (ANTUNHA, 2006).

No próximo capítulo, abordarmos sobre as diferentes concepções teóricas aplicadas à prática lúdica na concepção de Piaget e Vygotsky e essa relação com aprendizagem e desenvolvimento.

ReferênciasADORNO, S. Criança: a lei e a cidadania. 1993. In: RIZZINI, I. (Org.) A criança no Brasil hoje. Rio de Janeiro. Ed. Sta. Úrsula.

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Fundamentos da Ludopedagogia

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Fundamentos Históricos e Teóricos do Lúdico

Capítulo 1

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VYGOTSKY, L. S. Desenvolvimento psicológico na infância. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

WOOD, D. Como as crianças pensam e aprendem. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

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CAPÍTULO 2

A Prática Lúdica no Contexto Educacional

A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

� Articular as diferentes concepções teóricas aplicadas à prática lúdica.

� Compreender as bases da relação aprendizagem e desenvolvimento no contexto educacional.

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A Prática Lúdica no Contexto Educacional Capítulo 2

ContextualizaçãoEnsinar através do lúdico é promover um brincar diferenciado dependendo

dos contextos e situações; é buscar novas formas de construir conhecimento; é ter novas perspectivas para a educação; é atribuir sentido e significado as ações educacionais; é contextualizar as brincadeiras com a vida e com o espaço no qual os alunos se inserem.

O lúdico é uma ferramenta a mais que o educador pode utilizar para favorecer o desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos, proporcionando um ambiente escolar planejado e enriquecido, que possibilite a vivência das emoções, os processos de descoberta, a curiosidade e o encantamento, os quais favorecem as bases para a construção do conhecimento.

Santos (1999) descreve que os profissionais de educação, na sua grande maioria, têm a intenção de fazer um trabalho pedagógico mais eficiente; por isso, nesse meio, a discussão sobre a melhoria do ensino tem-se voltado para a busca de alternativas que tornem o ensino mais atraente e que proporcionem uma aprendizagem significativa pela via do prazer, do afeto, do amor, e do despertar das emoções.

A atividade lúdica é uma das ferramentas que desenvolvem um saber mais integrado, pois exploram habilidades que se voltam a inteireza do inteligível e o sensível, contribuindo para uma formação mais humana e não serve somente para aprender os conteúdos escolares, mas também para afiar as habilidades e educar as pessoas para serem mais humanas.

Neste segundo capítulo abordaremos sobre as diferentes concepções teóricas com bases em Piaget e Vygotsky, aplicada a prática lúdica, buscando compreender a relação aprendizagem e desenvolvimento no contexto educacional.

O Lúdico nos Processos de Aprendizagem e Desenvolvimento

Como todo o ser humano, a criança é um sujeito sócio-histórico: pertencente a uma organização familiar que está inserida em uma sociedade, com uma determinada cultura e história. Assim, é profundamente marcada pelo meio social em que se desenvolve, bem como também deixa as suas marcas, do ponto de vista de Barnard e Erickson (1986).

A criança é um sujeito

sócio-histórico: pertencente a uma

organização familiar que está inserida em uma sociedade, com

uma determinada cultura e história.

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Segundo Barnard e Erickson (1986), o cotidiano de sala de aula mostra que a criança, ao entrar na escola, passa a ter contato com diferentes culturas, estilos e modos de vida. Para alguns alunos é um momento desejado que se concretiza. Para outros, um momento de forte tensão, pois encontra-se em um mundo paralelo, cheio de regras, permissões e proibições, discrepante do mundo que já conhece, onde havia maior liberdade de expressão. Este cenário pode deixar reflexos na aprendizagem, levando a criança a ter algumas reações como tristeza, ansiedade, insegurança e medo, afastando a alegria e o prazer de aprender, podendo em muitos casos colaborar para o fracasso escolar e suas implicações, como a reprovação e a evasão escolar. Entretanto, é importante destacar que nem sempre esta situação será verdade para todas as crianças (MELLO, 1986).

Neste sentido, Mello (1986) afirma que o professor tem o papel fundamental de resgatar e proporcionar o prazer de aprender nos seus educandos, formando um elo entre professor e aluno. Trata-se de uma pedagogia fundamentada no respeito, na solidariedade e na afetividade, e de um professor que ensina, aprende e sente.

Para enriquecer seus estudos, sugiro a leitura do artigo intitulado “A história do lúdico na educação”. Disponível em: <file:///C:/Users/nanda/Downloads/19400-79926-1-PB.pdf>.

Cabe então a pergunta: é possível criar uma atmosfera escolar que respeite e acolha o aluno em um clima de confiança, segurança e serenidade, no qual ele encontre apoio e superação da dependência, vivenciando a aprendizagem e a descoberta?

Vejamos, pois, o que Dessen e Costa Júnior (2005, p. 13) dizem:

No que tange à educação, os conhecimentos advindos da ciência do desenvolvimento têm favorecido uma ampla reflexão sobre os sistemas de ensino, sobre os métodos e sobre as teorias do aprender, contribuindo para uma melhor compreensão das particularidades dos processos educativos referentes, sobretudo, à interseção entre o desenvolvimento e os processos de ensino-aprendizagem. Tais conhecimentos têm constituído, principalmente, a base para programas e intervenções em sala de aula e para a elaboração de políticas para os sistemas educacionais.

No processo de desenvolvimento da criança pressupõe-se que a interação

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entre fatores biológicos, sociais e psicológicos possibilitem a ocorrência de transformações qualitativas. A criança recebe os estímulos necessários para a sua atividade a partir do meio e pertence a um grupo social no qual interage com outras pessoas, o que proporciona mudanças em seu desenvolvimento.

Por ser um sujeito histórico, o ser humano responde a questões essenciais propostas pela sociedade. Wallon (1978) percebe o sujeito como uma totalidade. E esta é entendida tanto em relação à sociedade, na qual o sujeito está inserido, como em relação ao seu próprio ser, ou seja, a totalidade do sujeito em suas dimensões afetivas, motoras, sociais e cognitivas. Os conceitos de ser humano histórico e de totalidade estão diretamente voltados ao materialismo.

Vygostky (1991) afirma que o ser humano encontra-se subordinado a uma dupla modificação em sua evolução, seja ela de fatores biológicos ou de fatores sociais, pois ele só se define como humano ou se completa como humano através do social.

Assim, como um indivíduo histórico, o ser humano contesta os assuntos eficazes lembrados pela sociedade. Para poder avançar na explicação sobre o desenvolvimento humano, necessitamos elucidar alguns conceitos. Referimo-nos aqui a três conceitos muito relacionados: maturação, desenvolvimento e aprendizagem.

Quando falamos de maturação, estamos nos referindo às modificações que acontecem ao longo da evolução dos indivíduos, as quais se baseiam na mudança da estrutura e da função das células. Assim, podemos falar, por exemplo, de maturação do sistema nervoso central, mediante a qual são criadas as condições para que haja mais e melhores conexões nervosas que permitam uma resposta mais adaptada às necessidades crescentes do sujeito, ou seja, podemos descrever que a maturação está estritamente atrelada ao crescimento (que corresponderia basicamente às mudanças quantitativas: alongamento dos ossos e aumento de peso corporal) e, portanto, aos aspectos biológicos, físicos, evolutivos das pessoas.

Quando falamos de desenvolvimento, referimo-nos explicitamente à formação progressiva das funções propriamente humanas (linguagem, raciocínio, memória, atenção, estima). Trata-se do processo mediante o qual se põem em andamento as potencialidades dos seres humanos. Ponderamos que é uma ação inacabável, que produz uma série de saltos qualitativos que levam de um estado de menos capacidade (mais dependência de outras pessoas, menos possibilidades de respostas) para um de maior capacidade (mais autonomia, mais possibilidades de resolução de problemas de diferentes tipos, mais capacidade de criar).

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Finalmente, queremos destacar as características do conceito de aprendizagem. Mediante os processos de aprendizagem, incorporamos novos conhecimentos, valores e habilidades que são próprias da cultura e da sociedade em que vivemos. As aprendizagens que incorporamos fazem-nos mudar de condutas, de maneiras de agir, de maneiras de responder. São produtos da educação que outros indivíduos, da nossa sociedade, planejaram e organizaram (HENTZ, 1998).

Já Shinyashiki (1988) pauta as variáveis inseparáveis da aprendizagem e faz referência, além da estrutura cognitiva, aos fatores motivacionais e atitudinais, entre os quais estão o anseio de saber, a necessidade de realizações e o envolvimento do ego.

Cada assunto ou conceito ensinado na escola relaciona-se com o desenvolvimento da criança, e essa semelhança é alterável. Vygostky (1991) explica bem a situação quando fala sobre o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal.

Caro acadêmico, vamos lembrar o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal?

Vygotsky (1991) usou esse conceito para se referir ao “hiato” que existe num determinado indivíduo entre aquilo que ele é capaz de fazer sozinho e o que ele é capaz de realizar com a ajuda de outro indivíduo dotado de mais habilidades ou conhecimentos. Para que o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal fique claro, é preciso esclarecer o que se denomina por Nível de Desenvolvimento Real e Nível de Desenvolvimento Potencial. O Nível de Desenvolvimento Real é determinado por aquilo que a criança é capaz de fazer sozinha, pois já sabe como se faz, ou seja, já aprendeu. O Nível de Desenvolvimento Potencial é aquilo que a criança ainda não domina, mas que pode chegar a fazer com a ajuda de outra pessoa mais experiente. É neste contexto e, portanto, entre os dois níveis (Real e Potencial), que se encontra a Zona de Desenvolvimento Proximal – que é a distância entre o que o aluno já domina e aquilo que ele não domina ainda.

Um exemplo para você não esquecer: no contexto de aprendizagem da multiplicação, o professor é responsável pela mediação entre aquilo que os alunos já sabem e o que eles precisam aprender. O professor precisa resgatar o que os alunos sabem sobre

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matemática, sobre operações matemáticas, para o que elas são importantes, onde e em que momento são utilizadas, e até mesmo quando essas não são úteis ou adequadas.

A partir desse resgate, o professor introduz sistematicamente conceitos e processos de multiplicação. Será o professor aquele que dentro da escola irá proporcionar a aprendizagem de forma significativa, interferindo no processo para que o aluno avance na sua construção matemática. Esse avanço só será possível se o professor intervir na Zona de Desenvolvimento Proximal, onde se constitui a aprendizagem.

Neste sentido, o professor precisa traçar caminhos através de atividades coerentes, organizando suas intervenções de maneira a propor situações de aprendizagem dentro da capacidade de cada aluno, considerando que cada um tem interesses e habilidades variadas e, consequentemente, aprende de forma diferente. Para atender a essas especificidades, o professor utilizará de diferentes signos e diferentes instrumentos compartilhados socialmente. Ele também poderá solicitar que os amigos de classe se auxiliem até que cada aluno possa resolver seus problemas de forma independente, pois, para Vygotsky (apud OLVIERA, 2002, p. 62), “o único bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento”.

Piaget e EInhelder (1977), quando falam do desenvolvimento da inteligência, abordam o sistema da adequação psicológica, adotado como uma ação de forças ligadas entre o sujeito e o meio. Estas abrangem dois artifícios importantes: o afetivo e o cognitivo. A afetividade determina os fins do comportamento, já as estruturas cognitivas ministram os meios ou instrumentos. Todo comportamento implica um aspecto impetuoso ou cognitivo, uma vez que a vida afetiva e a vida cognitiva são intrínsecas.

No que se refere à contribuição psicanalítica, Silva (1977) evidencia a existência de fenômenos psíquicos inconscientes e suas influências sobre a atividade consciente e, consequentemente, sobre o aprendizado. Existem também a inibição e os sintomas de ansiedade, que são conflitos psíquicos expressos em sintomas reveladores de um sentimento de sofrimento mental.

Levisky (1989 apud SCOZ, 1999) descreve que na prática clínica há uma frequente queixa de crianças que estão tendo mau rendimento escolar, estão desatentas e não assimilam os conteúdos programáticos. Estas dificuldades estão

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atreladas a aspectos senso-perceptivos, à conexão dos estímulos ou ao nível de maturidade do desenvolvimento neuro-psicoafetivo. Todavia, uma boa parte desses quadros clínicos é decorrente de conflitos emocionais que se estabelecem em função do nível de progresso, retenção ou regressão expressa através destes distúrbios. Levisky (1989 apud SCOZ, 1999) menciona que tais conflitos podem ser resultados da interação da criança com o meio e/ou da relação com aspectos de si mesma. E somente quando se consegue uma modulação adequada do nível de ansiedade, de capacidade criativa, o pensar, o perceber e o aprender significativos tornam-se ampliados.

Se o ambiente for acolhedor, propiciará à criança melhores condições para controlar seus impulsos agressivos e amorosos. Deste modo, durante o seu desenvolvimento, irá unificando aspectos de si mesma e do outro em sua personalidade.

Beesley (1977 apud KRYNSKI et al., 1985) conclui, em estudos, que crianças maltratadas, com problemas de aprendizagem, eram desvalorizadas tanto pela família quanto pela escola. O conceito de si mesma era precário e revertia em problemas de relacionamento interpessoal.

Porém, Novais (1980) aponta como fatores que alteram o rendimento escolar a imaturidade, o déficit físico, as dificuldades socioeconômicas, as condições negativas do ambiente familiar e problemas de comportamento e de ordem emocional. Ao falar sobre o ambiente familiar, pode-se apontar como causa de problemas escolares as atitudes de ansiedade e de excessiva preocupação, ou então de indiferença e de descaso, em relação aos filhos.

Desenvolvimento e Aprendizagem expressam, assim, as duas fontes do conhecimento: uma endógena, que é o interior a uma pessoa, grupo ou sistema; e outra exógena, que se produz no exterior. Macedo (2005) descreve que no primeiro caso, como dissemos, o desafio é desdobrar-se para fora, conservando uma identidade ou envolvimento. No segundo, o que interessa é incorporar algo que, sendo externo, há esse tornar nosso, individual ou coletivamente.

A criança desenvolve brincadeiras e aprende jogos. Pode também aprender brincadeiras com seus pares ou cultura, e com isso, desenvolver habilidades, sentimentos ou pensamentos. O mesmo ocorre nos jogos: ao aprendê-los, desenvolvemos o respeito mútuo, o saber compartilhar uma tarefa ou um desafio em um contexto de regras e objetivos, a reciprocidade, as estratégias para o enfrentamento das situações problema, os raciocínios.

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A Concepção do Brincar para PiagetNeste item você irá conhecer um pouco sobre o brincar na concepção de

Piaget. Vamos relembrar a biografia de Piaget: Jean Piaget nasceu em 1896 em Neuchatel, Suíça. Graduou-se em Biologia e ao longo do tempo tornou-se um epistemólogo preocupado com as questões inerentes ao conhecimento psicológico.

Figura 4 - Jean Piaget

Fonte: Disponível em: <http://goo.gl/AO5hTS>. Acesso em: 02 jun. 2015.

Então, vamos conhecer a opinião de Piaget sobre o desenvolvimento da criança e demonstrar a seriedade do lúdico, do brincar, na sua formação.

Jean Piaget durante seus estudos agrupou uma amostra para apresentar como os seres humanos atribuem sentido ao seu mundo, e através do estudo das suas concepções, sobre o desenvolvimento do pensamento. Analisa a importância da atividade lúdica, como por exemplo: do brincar, brinquedo e jogo, nesse procedimento, vai nos auxiliar a entender o quanto é importante usarmos esses recursos em nossas atividades pedagógicas.

O brinquedo estimula a representação da realidade; ao representá-lo a criança estará vivendo algo ou alguma situação remota e irreal naquele momento. Um exemplo é o fato de que, ao brincar de casinha, ao representar o papai, a mamãe, a filhinha e, ao conversar com o seu coleguinha e com a sua boneca, vai reproduzir diálogos que presenciou. Vai reproduzir a maneira pelo qual os adultos ali representados a tratam e como conversam com ela.

O brinquedo estimula a

representação da realidade; ao representá-lo a criança estará

vivendo algo ou alguma situação remota e irreal

naquele momento.

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Figura 5 – Crianças representando a realidade

Fonte: Disponível em: <http://goo.gl/rzO0Pu>. Acesso em: 02 jun. 2015.

Para Piaget (1971) quando brinca, a criança assimila o mundo a sua maneira, sem compromisso com a realidade, pois sua influência com o objeto não depende da natureza do objeto, mas da colocação que a criança lhe confere. E o jogo se caracteriza por transformações, como todas as atividades lúdicas, por ser uma atividade dinâmica, capaz de transformar-se com o contexto de um grupo para o outro.

Aqui iniciamos o estudo sobre o brincar, de acordo com as fases do desenvolvimento segundo Piaget.

• Até dois anos: Estágio sensório-motor

O crescimento cognitivo durante este estágio se baseia, especialmente, em conhecimentos sensoriais e ações motoras. As ações sensoriais e motoras são utilizadas para alcançar uma meta. Piaget (1971) diz que os bebês adquirem conhecimentos sobre os objetos através de suas interações com eles. Durante esse período a inteligência se manifesta em ações.

Através dos reflexos, o bebê se relaciona com o mundo. Por intermédio da amamentação ele incorpora os mecanismos importantes ao ato de sugar e configura seus esquemas, incorporando este ato e estendendo o mesmo para outras ações, tais como chupar o dedo (MARANHÃO, 2003).

Neste momento, suas mãos são um brinquedo para ele e a generalização do ato de sugar com a capacidade de coordenar seus movimentos poderão levá-lo a colocar outros objetos na boca e dessa forma brincar com eles de forma expressiva, uma vez que estará sucessivamente construindo novos esquemas de assimilação.

Para Piaget (1971) quando brinca, a criança assimila o mundo a sua maneira, sem

compromisso com a realidade, pois sua

influência com o objeto não depende

da natureza do objeto, mas da

colocação que a criança lhe confere.

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O seu corpo é o primeiro brinquedo utilizado pela criança, desde os primeiros meses de vida ela o explora e a partir dele começa a conhecer os estímulos externos, provocando assim, a adaptação do seu corpo ao meio.

A partir dos seis meses aproximadamente, a criança pode começar a se interessar sobre os efeitos que os seus atos produzem no ambiente que a cerca; por exemplo, ela pode alcançar o móbile que se encontra sobre seu berço e percebe o som que ele produz ao ser sacudido; então passará a prestar a atenção nos resultados dessa ação, desviando o foco de atenção do seu próprio corpo (MARANHÃO, 2003).

Piaget (1971) aponta os jogos de exercícios como sendo essencialmente uma característica da fase sensório-motora, sendo quase que específicos nos dois primeiros anos de vida. Assim que a criança inicia a fala, esses jogos tendem a desaparecer.

Almeida (1998, p. 45) descreve que os jogos de exercícios, que a primeira vista parece “ser apenas a repetição mecânica de gestos automáticos”, caracterizam para os bebês os efeitos esperados. A criança age para ver o que sua ação vai produzir, sem que por isso se trate de uma ação exploratória. O efeito é buscado naquilo que ele tem justamente de comum: a criança toca e empurra, desloca e amontoa, justapõe e superpõe para ver no que vai dar. Portanto, desde o início introduz na brincadeira da criança uma dimensão de risco e de gratuidade em que o prazer da surpresa opõe-se a curiosidade satisfeita.

O desenvolvimento cognitivo dos bebês vai acontecendo a partir do desequilíbrio provocado pelas suas necessidades, tais como: conhecer, descobrir as consequências resultantes de determinados atos seus, ou seja, suas brincadeiras irão incorporar-se através dos seus sentidos ao cérebro e consequentemente irão provocar o processo de equilíbrio e desta forma farão aflorar o desenvolvimento cognitivo.

São importantes neste momento, os estímulos enviados ao cérebro destas crianças. Nesta fase é fundamental a presença consciente do adulto, pois dele irá depender o crescimento do bebê e sua relação com o meio. Os laços de afetividade presentes na relação do adulto com a criança já estabelecem uma relação lúdica desta com o mundo.

• De dois a sete anos: Brincando e entendo o mundo

Este estágio é denominado pré-operacional. Vamos levar em consideração o estágio anterior, quando a criança assimila as suas experiências e a partir delas, passa a entender o mundo que a cerca e vai se adaptando a ele.

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Agora, esta visão egocêntrica iniciada no estágio sensório-motor vai continuar com ela até iniciar o momento das operações concretas. Note-se que é com essa percepção fechada em si que a criança ingressa na fase pré-operacional.

Em princípio sua relação com o mundo permanece a mesma, somente com o início da linguagem é que a criança vai redimensionar seus esquemas, provocando novos quadros mentais e reestruturando os já existentes.

Neste momento, a criança começa a utilizar os processos de imitação e a brincadeira passa a ter o sentido de assimilar o que ela percebe no seu ambiente. Ela irá reproduzir o seu meio. Inicialmente a criança imita o que vê, posteriormente ela já consegue fazer uma reprodução do que não vê, ou seja, representa o que já viu. Essa representação é o início do pensamento.

Brincar para a criança de dois a três anos é um meio de expressão que simboliza suas experiências, o conhecimento de seu pequeno mundo, seus desejos, suas frustrações, seus sonhos e suas fantasias. Ela é capaz de representar. Isso significa que adquiriu a capacidade de recordar os acontecimentos do passado e apresentá-los do seu jeito e de acordo com sua compreensão. Para isso ela se utiliza dos mecanismos da imitação, do jogo simbólico, dos desenhos e da linguagem, usando como pano de fundo as atividades lúdicas, que são suas formas de manifestação.

A imitação já estava nas ações da criança desde os três meses, mas só imitava quando os objetos ou pessoas estavam presentes no seu campo visual. Nesta fase há um progresso significativo nas suas imitações: ela age mentalmente, sem a presença do objeto, recordando

e reelaborando pensamento e ação.

Nesta etapa, a brincadeira de faz-de-conta, é muito importante, pois possibilita o entendimento do mundo que a cerca. A criança brinca de casinha, de comidinha, de carrinho, de cantora, mesmo sem estar manipulando os objetos relativos a cada uma.

Ela representa finalmente, o que já possui uma imagem mental interiorizada daquilo que está representando. Então aí é capaz de pegar várias caixinhas de fósforos e brincar imaginando serem carros que estão na rua, e até colocar sua boneca que projeta andar numa suposta calçada.

A imitação que dá origem a imagem mental, pelo meio de cenas já interiorizadas, titulamos de jogos simbólicos. Por intermédio dos jogos simbólicos, a criança irá adquirir a linguagem convencional. Aprenderá a nomear os objetos de acordo com seu conceito cultural (MARANHÃO, 2003).

Brincar para a criança de dois

a três anos é um meio de expressão

que simboliza suas experiências,

o conhecimento de seu pequeno

mundo, seus desejos, suas

frustrações, seus sonhos e suas

fantasias.

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Assim por meio das brincadeiras e dos jogos simbólicos, a linguagem vai se estruturando. A criança começará a trabalhar com suas imagens mentais e estas, segundo Piaget e Einhelder (1977), são os primeiros elementos de articulação entre ação e pensamento.

Neste estágio de desenvolvimento a brincadeira adquire atitude importante para obtenção do código de linguagem e para a organização do pensamento. É necessário fornecer vários estímulos para que a criança possa relacionar os objetos que a rodeiam com seus nomes propriamente articulados e criar suas imagens mentais.

É preciso que ela conheça, por exemplo, a bicicleta, que reconheça e relacione o nome atribuído a este objeto, para que posteriormente ela possa atribuir este nome a figura de uma bicicleta, e ao ouvir a palavra bicicleta possa formar sua imagem mental.

A capacidade de trabalhar com símbolos é denominada função semiótica. Através de brincadeiras, de jogos, a criança desenvolverá essa função naturalmente. Ao brincar de pentear o cabelo da mamãe, ou da boneca, sem estar com o pente nas mãos, a criança estará criando símbolos de ação. Nesta fase, a aquisição da linguagem é o mais importante sistema de símbolos adquirido pela criança.

Outra função do brincar no desenvolvimento mental da criança está relacionada com a reversibilidade. É muito difícil para criança pensar do final para o começo, ou seja, como retornar ao início de uma tarefa simplesmente desfazendo seus passos.

Tão difícil quanto o pensamento reversível é o conceito de conservação, ou seja, a criança entender que a quantidade de determinada coisa vai permanecer a mesma, ainda que sua disposição ou aparência seja alterada. Entendemos aqui a importância do simples jogo quebra-cabeça, em que inocentemente, a figura está inteira e você a divide em várias partes para que a criança torne a montá-la.

Neste momento lúdico, a criança estará vivenciando dois conceitos: o da reversibilidade e o da conservação. Ela poderá experimentar que, reunindo as peças, retornará ao início de quando a figura estava inteira e ao mesmo tempo poderá comprovar que mesmo tendo “picado” a figura inicial ou a folha de papel em vários pedaços, ao reuni-los terá de novo a mesma folha, com igual tamanho.

Precisamos entender a forma de pensamento da criança para podermos proporcionar a ela os momentos lúdicos necessários, as brincadeiras que as ajudarão a crescer e nos auxiliarão a compreendê-las melhor. Por exemplo,

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dizemos que as crianças, ainda neste estágio, permanecem egocêntricas, mas devemos entender que este egocentrismo é como a criança percebe o mundo segundo sua própria percepção, ou seja, ela entende o mundo por meio do seu ponto de vista. Ela não é egoísta.

Nesta fase do desenvolvimento, quando uma criança de quatro anos brinca com outra de dois anos, ela usa linguagem mais simplificadamente, procurando se fazer entender pela outra criança.

Mas ela ainda não consegue acreditar que sua mão direita é do mesmo lado que a da colega; para isso é importante que ela brinque com o espelho e possa vivenciar essa visão diferente dela mesma, para transferir este esquema para o mundo que a cerca. Ao mesmo tempo, ainda neste estágio, ela já entendeu que precisa virar para a outra pessoa o objeto que ela está segurando em suas mãos, para que a outra pessoa consiga vê-lo como ela o vê.

Nesta fase, normalmente a criança é inserida na educação infantil e é preciso que se dê a devida importância a esta etapa, pois não podemos aceitar que em função de qualquer outro aspecto se exclui da criança o Direito de Brincar. Através da brincadeira ela irá crescer, aceitar e conhecer o mundo (MARANHÃO, 2003).

Realizar atividades que proporcionem bases para a linguagem e ensinar conceitos é extremamente importante nesta fase. Passear com a criança, levá-la ao zoológico, jardins, teatros e concertos. Promover situações para que possa provar diferentes gostos, sentir diferentes odores. Tudo tem jeito de novo e, brincando, ela irá adquirindo condições de ver o mundo do ponto de vista de outras pessoas. As brincadeiras aparentemente simples são verdadeiras fontes de estímulos para o cérebro das crianças.

É interessante notarmos que nesta faixa etária, as crianças adoram estar com outras crianças, mas não conseguem abrir mão das coisas e acham que tudo necessita girar em torno delas. Neste momento, os jogos de regras não funcionam, embora elas precisem e gostem de cumprir ordens e devem mesmo auxiliar os adultos em pequenas tarefas.

Na fase dos quatro aos setes anos, aproximadamente, o contato com os jogos assumem um papel definitivo; passam a ter mais seriedade, ficando muito admiráveis na vida das crianças. Elas passam a gostar de participar de brincadeiras com o próprio corpo, movimentando-se.

Dessa maneira, as crianças fortificam cada vez mais os músculos, correndo, brincando, pulando. Os músculos responsáveis pela coordenação motora fina, aquela responsável pelos movimentos da escrita, serão desenvolvidos através das brincadeiras, onde se faça necessário rasgar, picar papel, costurar, amassar, etc.

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A Prática Lúdica no Contexto Educacional Capítulo 2

A educação infantil tem demonstrado ser uma excelente promotora do desenvolvimento cognitivo para nossas crianças.

• De sete a 11 anos: o corpo ganha espaço na brincadeira

Esta fase chamada de operacional concreta foi denominada por Piaget (1971) de estágio prático do pensamento. Começa, agora, a sistematização do conhecimento da criança; e é nesse momento que as práticas esportivas passam a ter significado para elas. É importante que o corpo esteja integrado as demais áreas de conhecimento. O corpo vai ocupar um lugar de destaque em suas brincadeiras, através do movimento.

Pela prática do esporte a criança aprende a cooperar, a conviver com as regras, adquire funções intelectivas. A coerência dá início a fazer parte do pensamento da criança.

Ao introduzirmos jogos de regras, a criança iniciará a consciência dos seus atos, poderá ter o conhecimento do certo e do errado. Woolfolk (2000) descreve que com a capacidade de lidar com operações como a conservação, a classificação e a seriação, a criança no estágio operacional concreto afinal ampliou um sistema completo e muito lógico de pensamento. Esse sistema, no entanto, ainda está ligado a realidade física. A lógica baseia-se em situações concretas que podem ser organizadas, classificadas ou manipuladas.

Por meio da curiosidade, a criança é capaz de romper os esquemas já existentes, ela estará mais questionadora, gostará de desafios, de resolver situações-problema. A criatividade será sua principal característica.

As brincadeiras, nessa fase, devem ter sempre a finalidade da influência social; os jogos com regras devem ter prioridade. Com os jogos ela vai instruir-se a relacionar-se e a acolher as regras de convivência. Com a ajuda dos jogos a criança aprende a respeitar os outros colegas. A aprendizagem dessas regras é realizada de forma concreta.

• De 11 anos em diante: Estou crescendo; do quê brincar?

Este é o estágio operacional formal. Na fase anterior, vimos que a criança entrou, sob o ponto de vista orgânico, na puberdade, já tendo desenvolvido um sistema completo e lógico de pensamento.

Embora a lógica ainda esteja ligada a realidade física, as situações podem

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Fundamentos da Ludopedagogia

ser organizadas, classificadas. Nessa fase, ela não resolve as situações por ensaio e erro, já consegue analisar as situações antes de agir. Porém ela ainda tem dificuldades em resolver problemas que exijam analisar várias hipóteses ao mesmo tempo. Segundo a teoria piagetiana, essa condição seria o último estágio do desenvolvimento cognitivo.

Os jogos, nessa fase, tornam-se ainda mais encantadores aos jovens. Eles demonstram satisfação em realizar atividades que exijam equilíbrio físico e, de trabalhar seus músculos, através de exercícios adequados.

Os adolescentes valorizam a sensação da aquisição de algo novo e os jogos intelectuais vão atrair suas atenções. Discutir, pesquisar, estar em contato com o grupo, aventurar-se e os desafios dos jogos eletrônicos, são o seu forte, nessa fase.

A pesquisa vem saciar a curiosidade da própria idade. O trabalho científico é o grande desafio e através dele o jovem consegue encontrar do mundo. A expressão artística também é outra atividade que atrai sua atenção, pois assim como o trabalho científico, fará com que sua criatividade seja estimulada.

O jovem tem em mente modificar a realidade; ele entende que pode transformar o universo. O adolescente passa pelo período de transição entre a infância e a vida adulta. Emocionalmente ainda está fragilizado. Aí ele já não aceita brincar com os mais novos, mas ainda não consegue penetrar no mundo adulto que o ridiculariza. O jovem busca sua identidade e os jogos que têm regras serão extremamente importantes para o desenvolvimento de sua consciência social.

Agora vamos brincar? O Mascote Léo trará a você acadêmico algumas sugestões de brincadeiras.

Jogos, brincadeiras, técnicas com arte, estratégias para desenvolver a criatividade. Não pretendemos esgotar todas as possibilidades, nem fornecer receitas prontas; apenas vamos sugerir algumas atividades com as quais você possa ter subsídios para ampliar e variar suas propostas em sala de aula (MARANHÃO, 2003).

1. Técnica de Criação: Criatividade

Tempestade de ideias: visualizar facilita a resolução de situações problema.

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A Prática Lúdica no Contexto Educacional Capítulo 2

Zump é um elefante que está agarrado na banheira. Tudo aconteceu porque Zump quis ficar limpo e cheiroso, entretanto ele não consegue mais sair dali. Escreva todas as ideias que você tiver para ajudar a tirar Zump da banheira.

Variação: este exercício pode ser desenvolvido com as variáveis aqui sugeridas e com outras que você poderá planejar, de acordo com as suas necessidades:

• Individualmente, cada aluno reflete sobre a proposta lançada e ao criar a sua, levanta o dedo sinalizando estar pronto. Fala, um por um, de acordo com a vez, exercitando a espontaneidade, vencendo até a timidez, de alguns, a oralidade, a criatividade.

• Também individualmente, a linguagem escrita será exercitada após a sugestão de um texto de recontagem ou só de finalização da estória já lida.

• Pode ser organizada ainda, no quadro-de-giz, uma produção de texto coletivo, trabalhando os aspectos gramaticais e ortográficos.

2. A partir das figuras geométricas: círculo, retângulo, quadrado e triângulo, imagine como você poderia:

• Desenhar uma figura humana;

• Desenhar uma casa;

• Desenhar um automóvel;

• Desenhar um meio de transporte para o futuro.

Após a realização dos desenhos, você poderá explorar a própria criação de cada um, além de iniciar ou fixar noções de matemática: formas geométricas, tamanhos e cores. Favorece também a produção de texto, oral ou escrito, uma vez que cada um poderá expor aos colegas suas ideias a respeito do próprio desenho.

3. Dramatização: esta é uma atividade que pode auxiliar no crescimento das relações interpessoais e integração do grupo,

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Fundamentos da Ludopedagogia

além de favorecer a discussão sobre temas importantes, conflitos, resoluções sérias que o grupo precise tomar.

Devemos escolher o tema a ser focalizado em nossa sala de aula; depois precisamos trabalhar a criação de regras para a convivência do grupo e desta forma estimular o respeito um pelo outro.

Agora que cada um já pensou sobre os seus direitos e seus deveres, pode-se propor que alguns ou que cada um, exponha suas ideias. Após alguns momentos, as ideias já estão anotadas no quadro, a nova dramatização será realizada, já com a situação resolvida, onde os direitos de cada um foram adaptados as necessidades de todos.

Em discussões como estas podemos abordar os temas transversais, como por exemplo, ética.

4. Expressão Corporal: alfabeto.

Objetivo: Dramatização criativa

Foi pedido a cada aluno para representar com o seu próprio corpo uma letra do alfabeto. Após isso, grupo de diversos tamanhos juntam-se para formar palavras.

5. Mundo Animal

Objetivo: Analogia animal

Foi pedido a cada criança que imaginasse qual o animal que cada uma delas gostaria de ser. Após isso, elas deveriam desenhar o animal e explicar por que escolheram ser tal animal.

Variação: após este momento eles podem produzir um texto onde vão descrever como viveriam se fossem aquele animal e como poderiam preservar sua espécie. Após a produção de texto podemos partir para trabalhar meio ambiente, ecologia, preservação do reino animal, ética.

6. Elefante Colorido

Número de participantes: três ou mais jogadores.

Regra tradicional: é um tipo de pegador no qual o pique será

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A Prática Lúdica no Contexto Educacional Capítulo 2

nos objetos de uma determinada cor. Essa cor é determinada pelo pegador.

Variação: podemos aproveitar para desenvolver noções de espaço, orientação espacial, desenvolver atividades onde possamos trabalhar as semelhanças e diferenças e gradativamente ir aumentando o grau de dificuldade da ação, ou seja, além do pique ser um objeto de determinada cor, também deverá ser levada em consideração a forma geométrica do objeto.

Este tipo de jogo e outros semelhantes desenvolvem a comunicação verbal, através da associação da palavra com o objeto, a discriminação visual, a percepção figura-fundo; trabalha os grandes músculos na habilidade de correr, pular. Estimula a integração do grupo por ser uma atividade em conjunto, onde se instigará a cumplicidade, a ajuda mútua durante o jogo.

7. Brinquedos cantados: os brinquedos cantados devem unir música, letra e movimentação.

Atividade de Estudos:

1) As crianças dedicam grande parte de seu tempo ao jogo. Não existe uma teoria aceita universalmente para jogo, pelo motivo deste ter se tornado objeto de estudo e analisado sob todos os prismas, passando a ser definido de formas diferentes. Diversas explicações foram dadas a respeito da razão pela qual o jogo acontece e quando ele deveria ser aplicado. Portanto, convido a vocês a refletirem, depois de examinarmos as principais proposições de Piaget sobre o brincar: quais as contribuições do brincar para a aprendizagem e desenvolvimento da criança?

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A Concepção do Brincar para Vygostky

Vamos relembrar a biografia de Vygotsky (1991): Lev Semenovich Vygotsky nasceu em 1896 na Bielo-Rússia e morreu em 1934. Graduou-se na Universidade de Moscou, com aprofundamento em literatura, realizando estudos também nas áreas da Medicina e do Direito. Desenvolveu trabalhos na área de aprendizagem escolar, infância e educação especial.

Figura 6 - Lev Semenovich Vygotsky

Fonte: Disponível em: <http://goo.gl/zmhFyZ>. Acesso em: 03 jun. 2015.

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Então, vamos conhecer a opinião de Vygostky (1991) sobre o desenvolvimento da criança e compreender a importância do lúdico, do brincar, na sua formação.

A criança, enquanto bebê é quem por mais tempo depende de um adulto para sobreviver. A pessoa responsável pela criança durante esse período de dependência é de suma importância para a sobrevivência, pois o bebê é o mais indefeso dos filhotes. Vygotsky admite que, no começo da vida de uma criança, os fatores biológicos superam os sociais. Aos poucos a integração social será o fator decisivo para o desenvolvimento do seu pensamento. Desde que nasce a criança está em contato com os adultos, e estes irão mediar a relação dela com o mundo. Os adultos abrirão as portas da cultura para a criança. O comportamento da criança, com certeza, será influenciado pelos costumes da cultura daqueles que a cercam (NEVES, 2004, p. 13).

Vygotsky (1991) entende que a relação do homem com o mundo não é uma relação direta, passiva e determinista, pois toda a relação é mediada por instrumentos ou signos construídos nas relações sociais e culturais. O uso desses recursos é específico da espécie humana.

Os instrumentos têm a função de regular as ações dos homens sobre o mundo, permitindo que este os modifique. São exemplos de instrumentos os talheres que utilizamos para nos alimentar, os tipos de automotores que possibilitam nossa locomoção, os materiais e máquinas que facilitam nossos trabalhos.

Os signos, por sua vez, permitem o controle e a regulação das atividades psíquicas do indivíduo e entre indivíduos. Os signos são construídos culturalmente, especialmente por meio da língua e das regras compartilhadas, por isso são convencionais e, na maioria das vezes, arbitrários. Auxiliam na comunicação entre os indivíduos, no intercâmbio social, na resolução de problemas comuns, na possibilidade de categorizar e de representar o mundo. São exemplos de signos a representação gráfica (como as placas de trânsito), os sistemas numéricos, as diferentes línguas (COLL; MARCHESI; PALÁCIOS, 2004; REGO, 1995).

É por meio de signos e instrumentos, construídos culturalmente, que ocorrem o acolhimento, a inserção, o aprendizado e a possibilidade de desenvolvimento dos indivíduos. Assim, vale afirmar que os signos e os instrumentos permitem as relações entre os sujeitos e, por isso, são considerados elementos de mediação. Não esqueça que, para Vygotsky (1991), todas as relações são mediadas.

Para Vygotsky (1991), a brincadeira é a porta do mundo adulto. O autor compreende que a brincadeira é:

[...] uma atividade social da criança, e através desta a criança

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adquire elementos indispensáveis para a constituição de sua personalidade e para compreender a realidade da qual faz parte. Ele apresenta a concepção da brincadeira como sendo um processo e uma atividade social infantil (NEVES, 2004, p. 14).

Ressaltamos, porém que não podemos apreciar Vygotsky como um estudioso do desenvolvimento infantil; Vygotsky pesquisou as fases do desenvolvimento da criança. Ele é considerado um teórico que busca compreender os processos humanos superiores. Vygotsky (1991) descreve que para entender a criança deveria ser observada a criança ao brincar e aprender.

Para Vygotsky (1991) não podemos dividir o desenvolvimento infantil em estágios ou etapas, no qual sua maior preocupação estava no fato de que a atividade humana pode modificar a natureza e a sociedade.

A habilidade de aprender com o passado para interferir no presente não nasce com o homem, mas a partir dos três anos de idade a criança é capaz de perceber que determinadas situações só poderão ser aprendidas no futuro, e outras, imediatamente.

A partir dos três anos de idade, Vygotsky (1991) descreve que inicia o processo imaginativo da criança. Vygotsky (1991) acreditava só a partir dessa idade que a imaginação, a fantasia, aparecia na criança, surgindo a partir da ação. Dando início ao mundo adulto através da

interação com a brincadeira.

A imaginação vai ajudá-la a expandir as suas habilidades conceituais. A criança, na sua função imitativa, aprende a conviver com as atividades culturais; empregando a brincadeira ela estará estimulando o seu desenvolvimento, aprendendo as regras dos mais velhos (VYGOTSKY, 1991, p. 98).

Na brincadeira a criança vai crescer socialmente, aceitará as atitudes e as habilidades importantes para conviver em seu grupo social. No ato de brincar, a criança poderá prever os seus papéis e os seus valores futuros.

As Regras do BrincarPara Vygostky (1991) o brincar no desenvolvimento infantil, deve ser sempre

proporcionado de forma prazerosa, porém em determinados momentos isso não acontece, desagradando a criança, pois o ato de ganhar ou perder, no final, pode ser muito desagradável para elas.

Para Vygotsky (1991) não

podemos dividir o desenvolvimento

infantil em estágios ou etapas, no qual sua maior

preocupação estava no fato de que a

atividade humana pode modificar a natureza e a

sociedade.

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A criança satisfaz algumas de suas necessidades usando o brinquedo. As ações que realiza estão diretamente relacionadas a ela com suas motivações e também de acordo com o seu desenvolvimento. Na inocência do mundo, com suas motivações e também de acordo com o seu desenvolvimento, a criança quer saciar seus desejos e não possui ainda o sentido da temporalidade, e por isso, desconhece a noção de futuro.

Posteriormente, na educação infantil, a criança poderá, satisfazer suas necessidades por meio do brincar. Ela se envolve com o mundo da ilusão, do imaginário. Esse mundo é o brinquedo. Entretanto, nem todos os desejos e necessidades da criança podem ser totalmente atingidos usando os brinquedos, ou o imaginário.

O jogar com normas, o brincar com regras são mais praticados na idade em que a criança ingressa no pré-escolar e continua daí em diante, no seu dia a dia. Pelo uso do brinquedo, a criança aprende a agir de forma cognitiva; os objetos têm um aspecto motivador para as ações da criança, desde a mais tenra idade (SANTOS, 1999, p. 58).

A percepção é um motivo para a criança agir. Mais tarde, a ação começa a se desvincular da percepção: o pensamento começa a se separar do que a criança imagina ser o objeto e do que o objeto é realmente, a criança vai fantasiando o que ela gostaria que determinado objeto fosse (SANTOS, 1999).

No desenvolvimento da criança essa mudança é gradual. É importante observar que a criança modifica as regras em desejos seus através do brinquedo.

Segundo Vygostky (1991), o brinquedo não é o feitio da infância, mas é um fator muito importante do desenvolvimento. No brinquedo o ato está dependente ao significado: já na vida real, obviamente, a ação contém a definição. Deste modo, é definitivamente incorreto considerar o brinquedo como um arquétipo e forma dominante da atividade do dia a dia da criança.

Através da brincadeira a criança pode reproduzir a realidade; por exemplo, ao brincar de papai e mamãe, ele reproduz seu cotidiano. Assim, podemos definir a imitação como um feitio da criança em poder relembrar. Já com o brinquedo podemos observar que a criança recorda situações concretas, ou seja, situações já vivenciadas.

O brinquedo não é o feitio da infância,

mas é um fator muito importante do desenvolvimento.

Através da brincadeira a criança

pode reproduzir a realidade.

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Tal como a imitação, o jogo simbólico é uma forma de representação; ambos representam a realidade. A contestação é que na imitação a ação da criança é recordar algo e representar da mesma forma, e no jogo simbólico a ação vai muito além. Ela recorda, inventa, imagina, transforma e se expressa (SANTOS, 1999).

Neste caso, os objetos e eventos vão além da realidade aparente. Por exemplo, um pedaço de pau pode ser um avião que, com seu ruído estridente, voa pelo ar; um carro que passa na rua, um cavalinho que ela monta ou qualquer outra coisa. É o faz de conta que aparece.

Na brincadeira simbólica a criança se apoia no real, usa a imitação e chega à representação criativa. O modo de brincar simbólico vem a ser uma manifestação da estruturação mental representativa da criança. Os símbolos proporcionam a ela os meios para colocar a realidade de acordo com seus desejos e interesses, relacionando o objetivo ao subjetivo (SANTOS, 1999).

O símbolo se alicerça na construção do real. O brinquedo, entendido como suporte material da brincadeira, estimula a representação, a expressão de imagens, ao mesmo tempo em que evoca aspectos da realidade vivida pela criança, pois representar significa colocar no presente situações do passado. Brincar de faz-de-conta é substituir o real.

O desprazer pode acontecer na forma que a criança vivencia esse brincar. Podemos constatar isso quando ela adentra em uma disputa e não alcança o resultado esperado, ou seja, ganhar. Assim a derrota passa ser um procedimento doloroso.

Além da derrota o esforço efetivado pode ainda fazer com que ela sinta sensações que não lhe trazem o prazer, por exemplo, quando as regras adquirem ação principal no jogo, vemos assim que a tensão aumenta sensivelmente na brincadeira. O brincar pode ser visto, de um lado, como uma maneira de desenvolver a sua capacidade de abstração, quando cria uma situação imaginária (SANTOS, 1999).

No ato do brincar através do brinquedo, a criança forma suas afinidades com a vida real. No qual vai experimentar sensações que já aprecia e vai ampliando princípios de conduta que idealiza serem adequadas.

Um exemplo disso é quando ela brinca de irmã ou de mãe e filha e se comporta como ela acha que seus irmãos devam se comportar; ou como acha que a filha deve agir com sua mãe, independente dela

estar vivendo realmente o papel da irmã. Ou até mesmo de professora. Ela nem

No ato do brincar através do brinquedo, a

criança forma suas afinidades com a vida real. No qual vai experimentar sensações que

já aprecia e vai ampliando princípios de conduta que

idealiza serem adequadas.

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percebe que na brincadeira se comportou como deveria agir na vida real. O mesmo acontece quando ela, na vida real, é filha e não age como demonstra saber ser o certo de uma filha agir, mas através da brincadeira ela incorpora as regras de comportamento e então vai analisá-las ao compará-las com sua conduta (SANTOS, 1999).

A brincadeira simbólica possibilita assim a criança ir até a fantasia, viver fantasticamente e voltar à realidade; ir até uma situação vivida pelo outro e voltar a si mesma. Este ir e voltar, ser e não ser alguém é que facilita a flexibilidade do seu pensamento, fortalecendo o conhecimento de si mesma, portanto, de sua individualidade, o conhecimento do outro e do mundo que a cerca (SANTOS, 1999, p. 91).

Outro aspecto importante desta fase é o animismo: a criança dá vida e movimento aos objetos inanimados e aos fenômenos naturais. As experiências pessoais são projetadas sobre as coisas como analogia imediata e subjetiva. Ela explica os fenômenos físicos fazendo uso do conhecimento que tem de si própria. Conversa com os objetos como se fossem pessoas e sentissem as mesmas coisas que ela (SANTOS, 1999).

Vamos agora enfatizar a importância do conhecimento do jogo e do brinquedo para que você, acadêmico, elabore seus currículos com um planejamento adequado da atividade lúdica.

Não esqueça que a base da atividade infantil, o jogo e o brinquedo, precisam ser constantemente estudados e novos materiais experimentados. Os profissionais da área psicopedagógica, cada vez mais, investem na sensibilização das famílias de seus alunos para a real compreensão do valor e da necessidade dessas atividades.

As atividades que selecionamos para atingir os objetivos, através da utilização dos conteúdos, dão ao aluno a possibilidade de identificar-se com experiências, de inteirar-se com o meio, de atuar segundo suas características individuais, necessidades, interesses e possibilidades. Pereira (2002) descreve algumas características com que nós precisamos ter cuidado:

1) Favorecer a aprendizagem criadora: as atividades devem oferecer à criança a possibilidade de trabalhar, olhar, tocar, provar, identificar-se e sentir-se plenamente envolvida.

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Fundamentos da Ludopedagogia

2) Permitir que os objetivos sejam atingidos: o professor, ao selecionar as atividades, deve cuidar para que as mesmas favoreçam o desenvolvimento, a exercitação ou fixação do conhecimento e as atitudes ou habilidades determinadas pelos objetivos.

3) Favorecer a aquisição de atitudes, de conhecimentos e de habilidades: a criança deve sentir-se de tal maneira envolvida que interiorizará a aprendizagem, aumentando seu patrimônio individual.

4) Misturar experiências: as atividades devem ter algum ponto comum para se inter-relacionarem.

5) Respeitar o nível da criança: as atividades devem ser selecionadas de acordo com as possibilidades da criança e só então propostas.

E por fim, devemos organizar as atividades em função de três critérios:

a) continuidade ou ordenação temporal, as atividades selecionadas segundo um critério de conformidade, sistematicamente relacionadas, asseguram o cumprimento das metas educacionais; atividades esporádicas, sem continuidade, não proporcionam mudanças de comportamento nem favorecem a aprendizagem;

b) ordenação em profundidade: asseguram o caminhar através de graduação progressiva, em cada experimentação que proporcionamos às crianças;

c) estabelecimento de relações entre os distintos aspectos, a fim de unificar conhecimentos, atitudes e habilidades.

O jogo ocupa o lugar mais importante e destacado, já que permite à criança ir se adaptando ao meio social, estruturando a realidade e desenvolvendo sua função simbólica, ao reproduzir, através do mesmo, coisas que sabe ou conhece.

Os jogos de construção proporcionam à criança situações que deve resolver, tais como problemas de equilíbrio, ordenação e resistência.

Na atividade espontânea, tão importante quanto o jogo é a experiência direta. Essa é uma atividade planejada cuidadosamente pelo professor, a qual o aluno enfrentará levado por seu interesse, dando origem a uma motivação permanente, criada por trabalho e estimulação que englobem o desenvolvimento de um tema, a procura de recursos e o material adequado.

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Através da experiência direta, as crianças estabelecem contatos diretos com as pessoas e situações, aprendendo a relacionar-se, a comunicar-se e repartir material e atividades.

A experiência em grupo é outra atividade que permite as crianças vivenciarem uma situação convidativa, ainda que não tão comprometida quanto a experiência direta. A experiência em coletiva que se oferece à criança através de audiovisuais, apresentação de técnicas e execuções determinadas, abre-lhe as oportunidades para a observação, seguimento de uma narração, experimentação e interpretação.

Sob a denominação de atividades de livre escolha e rodinha, agregam-se os mais diversos métodos, onde as crianças brincam, jogam, atuam e descobrem coisas de forma individual ou grupal, na razão direta em que elas mesmas vão selecionar o que fazer.

Outro tipo de atividade é a música e a expressão corporal, essencialmente criativa. Essas atividades estimulam não só a expressão e a comunicação, mas também a aquisição de conhecimentos, atitudes e habilidades.

As atividades que favorecem o desenvolvimento motor, por exemplo, garantem agilidade, destreza, boa postura, noções de companheirismo, o esperar a vez, noções de altura, direção.

É muito compreensível que atividades que pareçam específicas em determinado momento favoreçam o desenvolvimento de atividades em outras áreas. Como sabemos, nenhum objetivo pertence somente a uma área, visto que os objetivos devem ser elaborados, fixando-se pontos a alcançar, traduzidos por mudanças de comportamento.

Atividade de Estudos:

1) Para a criança, brincar é viver. Esta é uma afirmativa bastante usada e certamente aceita. Poderíamos dizer que todos os adultos, com maior ou menor intensidade, acreditam que as crianças não vivem sem seus brinquedos. A própria humanidade nos mostra que todas as crianças do mundo sempre brincaram, brincam hoje e, certamente continuarão brincando. Este ponto é pacífico. A questão mais intrigante é: Porque as crianças brincam? Convido vocês a refletirem, depois de examinarmos as principais proposições de Vygotsky sobre o brincar: quais as contribuições do brincar para a aprendizagem e desenvolvimento da criança?

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Algumas ConsideraçõesNeste capítulo, procuramos caracterizar as bases da relação aprendizagem

e desenvolvimento no contexto educacional. Aprendizagem e desenvolvimento são questões relevantes que devemos estudar. Segundo Vygotsky (1991) é nessa relação que a criança começa a aprender. Lembrando que esse aprender inicia muito antes da criança começar a fase de escolarização.

No processo de desenvolvimento da criança pressupõe-se que a influência entre os fatores biológicos, sociais e psicológicos possibilite o acontecimento de modificações qualitativas. A criança recebe os estímulos necessários para a sua atividade a partir do meio e pertence a um grupo social no qual interage com outras pessoas, o que proporciona mudanças em seu desenvolvimento.

Brincar é uma forma própria da criança se relacionar com o mundo, é a exteriorização de sentimentos através do concreto, é o encontro com o próprio mundo, a interação com o outro, a descoberta do mundo construído no real e no faz de conta. Hoje é inegável a importância da atividade lúdica e da necessidade de deixar o corpo falar através do jogo e do brinquedo (PEREIRA, 2002).

Para Piaget (1971) quando brinca, a criança assimila o mundo a sua maneira, sem compromisso com a realidade, pois sua influência com o objeto não depende

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da natureza do objeto, mas da colocação que a criança lhe confere. E o jogo se caracteriza por transformações, como todas as atividades lúdicas, por ser uma atividade dinâmica, capaz de transformar-se com o contexto de um grupo para o outro.

No próximo capítulo, abordarmos os conceitos de jogo, brincadeira, brinquedo, atividades e lúdico no contexto do espaço e do tempo escolar. E compreender a tecnologia educativa no processo lúdico.

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CAPÍTULO 3

O Ato do Brincar

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:

� Distinguir os conceitos de jogo, brincadeira, brinquedo, atividades e lúdico.

� Compreender a construção do espaço e o tempo no ato do brincar.

� Identificar e analisar a tecnologia educativa no processo lúdico.

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ContextualizaçãoO brincar é uma das atividades fundamentais para o

desenvolvimento e a educação das crianças, pois lida com a construção e a desconstrução do pensamento infantil, com a linguagem simbólica e as regras associadas ao momento lúdico.

As brincadeiras de faz-de-conta, os jogos de construção e os jogos com regras são considerados como os conteúdos do brincar que se organizam em torno de atividades mais ou menos interativas, mais ou menos simbólicas e mais ou menos regradas. As características de cada criança, seja no âmbito afetivo, social ou cognitivo, devem ser levadas em conta quando se organizam nas situações de trabalho, jogos em grupo ou em momentos de brincadeiras que ocorrem livremente.

As brincadeiras lidam com as diferentes linguagens infantis. A criança, desde muito cedo, pode se comunicar por meio de gestos, sons e mais tarde pode representar determinado papel na brincadeira desenvolvendo sua imaginação criadora. Nesse capítulo iremos apresentar os conceitos de jogos, atividades lúdico, brincadeira e brinquedo. E também a construção do espaço, do tempo e a tecnologia no ato do brincar.

Distinções entre Jogo, Atividades, Lúdico, Brincadeira e Brinquedo

Estudos recentes têm mostrado que o jogo e as brincadeiras são ferramentas indispensáveis no desenvolvimento infantil, no qual o avanço de pesquisas acerca da imagem da criança em diferentes culturas mostra como os historiadores estão ampliando seu objeto de estudo e atingindo a criança, seus brinquedos, pois para a criança não há atividade mais completa do que o Brincar. Pela brincadeira, segundo Santos (1999), ela é introduzida no meio sócio-cultural do adulto, constituindo-se num modo de assimilação e recriação da realidade. Nesse sentido, a trajetória infantil não pode ser pensada somente pela ótica da razão, ela passa, necessariamente, pela via do brincar.

É na brincadeira, com os objetos (brinquedos), que as rotinas das práticas cotidianas podem ser ressignificadas pelas crianças, utilizando a linguagem como instrumento no processo de construção do conhecimento.

Para Oliveira et al. (1996), a brincadeira tem tido uma crescente mediação

Lida com a construção e a

desconstrução do pensamento infantil,

com a linguagem simbólica e as

regras associadas ao momento lúdico.

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linguística, sendo comprovada nas situações reproduzidas pelas crianças, nas quais a memória torna-se menos ação, pois os comportamentos são mais baseados em regras, revelando que a construção da identidade tem início muito cedo na infância.

Para os antigos gregos, a locução “jogo” significa as ações próprias das crianças. Entre os judeus, a palavra jogo correspondia ao conceito de gracejo e riso. Para os romanos, “ludo” significa alegria. O começo do estudo da teoria do jogo costuma estar associado aos nomes de Schiller, Spencer e Wundt. Esses pensadores do século XIX trataram de passagem o jogo comum dos fenômenos mais difundidos da vida, ligando sua origem à da arte (ELKONIN, 1998).

Porém, na história da humanidade o jogo não pode aparecer antes do trabalho nem da arte, mesmo em suas formas mais primitivas. Já a história da civilização registra em que etapa do seu desenvolvimento aparece a arte. Entretanto, ainda hoje não se distingue claramente como se produziu a passagem das formas de trabalho concreto para as da arte.

Os comportamentos e hábitos ensinados às crianças guardam continuidade com os que se lhes serão requeridos quando adultas, e as fronteiras entre trabalho e brincadeiras não são marcadas de maneira tão drástica quanto na sociedade moderna. Mudanças ocorridas nos hábitos dos jogos e das brincadeiras, e nas formas de diversão nas sociedades medievais também foram relevantes para a descoberta da infância.

Para Granje (1980 apud KISHIMOTO, 1994) o brinquedo conota a criança. O brinquedo tem sempre como referência a criança, sendo que a história do brinquedo só pode ser feita em estreita ligação com a história da criança. As brincadeiras e seus derivados, já há muito tempo têm sido parte dos programas de educação para a primeira infância. Conforme você já viu no primeiro capítulo, na Alemanha, na primeira metade do século XIX, Frederick Froebel desenvolveu um método no qual ele abstraiu e sistematizou o que ele identificou como os elementos essenciais da brincadeira para garantir que eles fossem oferecidos a todas as crianças. Num contexto diferente do contexto cultural de Froebel, a italiana Maria Montessori desenvolveu um método que visava estimular as crianças a adquirirem um maior entendimento da propriedade dos objetos e habilidades específicas de observação e ordenação dos brinquedos.

Os estudos atuais sobre a relação entre jogo e brinquedo e processo infantil são examinados à luz das teorias de Piaget, Vygotsky e Elkonin. Estes apontam para a compreensão do uso da linguagem durante a brincadeira, caracterizando a função expressiva do brincar.

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KISHIMOTO, Tizuko Morchida. O Brincar e suas teorias. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2011.

Elkonin (1998) apresenta um amplo estudo sobre o jogo, na perspectiva sociointeracionista, dando continuidade à obra iniciada por Vygotsky. Para Elkonin (1998), os termos jogo e atividade lúdica não devem ser empregados como sinônimos do mesmo tipo de atividade, sendo o jogo protagonizado, ou jogo de papéis, visto como forma desenvolvida de atividade lúdica. Jogo, para este autor, não é qualquer tipo de interação, mas sim uma atividade que tem como traço fundamental os papéis sociais e as ações destas derivadas, em estreita ligação funcional com as motivações e o aspecto propriamente técnico-operativo da atividade.

Elkonin (1998) descreve sobre a história do jogo protagonizado, no qual nasce no decorrer do desenvolvimento histórico da sociedade como resultado da mudança de lugar da criança no sistema de relações sociais. Por conseguinte, possui origem e natureza sociais: o seu surgimento está relacionado com condições sociais e não com a ação de energia instintiva inata, interna, de nenhuma espécie. Jogo protagonizado é característico das crianças do final da idade pré-escolar, jogo social, cooperativo, de reconstrução dos papéis e das interações dos adultos.

Jogo protagonizado influi na esfera da atividade humana, do trabalho e das relações entre as pessoas e, por conseguinte, o conteúdo fundamental do papel assumido pela criança é, precisamente, a reconstituição desse aspecto da realidade. A presença destas esferas no jogo confere um significado especial a esta atividade: o jogo se desenrola no seio da atividade humana e não à sua margem, como algo só da criança. Tanto na esfera dos objetos quanto na esfera da atividade devem necessariamente estar presentes, uma realidade muito mais real que fantasiosa, plena de significações na qual a criança interage, tentando desvendá-las.

Com o jogo protagonizado, começa também um novo período no desenvolvimento da criança, o qual pode ser justificadamente denominado de período dos jogos protagonizados e recebem na moderna psicologia infantil e na pedagogia o nome de período de desenvolvimento pré-escolar.

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O jogo protagonizado possui uma técnica lúdica original: a substituição de um objeto por outro e com ações por eles condicionadas. Essa original técnica lúdica não podia ser fruto da inventiva criadora independente das crianças.

Santos (1999) ressalta duas peculiaridades básicas da forma de jogo que se denomina protagonizado e que é o principal na idade pré-escolar. Trata-se, primeiro, da transformação da criança por si mesma e dos objetos circundantes pela criança, além da transição para um mundo imaginário; segundo, uma absorção profunda na criação dessa ficção e da vida da criança nela. O autor relata que o que atrai a criança ao jogo é a reação à estreiteza do mundo em que ela vive , ou a reprodução da atividade dos adultos.

No jogo, a criança demonstra a consciência que possui das regras e dos valores de convívio com a realidade. Portanto, mais do que concordar e reproduzir essas regras, a criança reelabora-as criativamente, combinando-as entre si e identificando com elas novas possibilidades de interpretação e representação do real. O jogo contém em si mesmo uma série de condutas que representam diversas tendências evolutivas e, por isso, é uma fonte muito importante no desenvolvimento do ser humano. Para o desenvolvimento da personalidade, a criança assume o papel de um adulto, reproduz suas atividades e suas relações e, dessa forma, assimila as regras e os motivos que determinam a conduta do adulto no âmbito social e de trabalho (VYGOTSKY, 1998).

Para Claparède (1940), o jogo pode permitir à criança desempenhar o papel de protagonista que a realidade lhe nega (sendo isso considerado ao conteúdo do jogo do que ao próprio jogo). Conforme a autora “[...] no jogo é que a criança pode auto-afirmar-se, ou encontrar compensação, e não, ao contrário, porque nele a criança possa encontrar compensação ou auto-afirmação” (CLAPARÈDE, 1940, p. 145).

O jogo protagonizado, considerado uma reprodução das relações e da atividade dos adultos pode explicar como a criança se imagina aos olhos dos adultos, o sentido de sua atividade e de suas relações com outras pessoas, inclusive as crianças. Por este lado, o jogo pode servir para esclarecer as relações objetivas em que a criança realmente vive. Ao mesmo tempo, não serve para elucidar as qualidades pessoais ou as sensações inerentes à própria criança.

No jogo protagonizado as crianças entram em relações reais com as outras que jogam com ela, com os seus companheiros de jogo. É nessas relações reais que manifesta as qualidades e algumas emoções que lhes são próprias. A base do jogo protagonizado está nas relações que as pessoas estabelecem mediante as suas ações com os objetos; não é a relação ser humano-objeto, que comporta a relação ser humano-ser humano. Com isso, é possível afirmar que a base do jogo

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é social devido precisamente a que também o são sua natureza e sua origem, pois o jogo nasce das condições de vida da criança em sociedade.

Através do jogo e da brincadeira, a criança descobre suas emoções e a existência do outro, suas possibilidades e suas limitações. A cooperação, a imaginação, a criatividade, a auto-estima são sentimentos que podem ser aprimorados com as brincadeiras, os brinquedos e os jogos.

Segundo Melhado (2001), os jogos são processos lúdicos, pelos quais a criança assimila o real, podendo valer-se ou não do brinquedo para sua realização. No jogo, para Mukhina (1995) as crianças mantêm relações de dois tipos: lúdicas e reais. As relações lúdicas são consideradas aquelas que se estabelecem de acordo com o argumento e o papel que cada uma desempenha. As relações reais são as que ocorrem entre as crianças em seu papel de companheiras realizando algo em comum, permitindo chegar a um acordo sobre o argumento e a distribuição dos papéis. Tais relações podem ser dadas pelo próprio jogo, quando as crianças combinam a brincadeira, mas também podem transcorrer de forma latente durante o jogo.

Segundo Mukhina (1995, p. 165) “[...] a criança que não consegue expressar claramente seu desejo durante o jogo, que não é capaz de compreender as instruções verbais dos demais, é uma carga para os companheiros. A necessidade de comunicar-se com os companheiros estimula a linguagem coerente”.

O jogo requer, portanto, da criança, iniciativa e coordenação de seus atos com os dos demais, para estabelecer e manter a comunicação. Ele exerce grande influência sobre a linguagem, exigindo dos participantes um determinado desenvolvimento da linguagem comunicativa. Segundo Mukhina (1995, p. 165) “[...] a criança que não consegue expressar claramente seu desejo durante o jogo, que não é capaz de compreender as instruções verbais dos demais, é uma carga para os companheiros. A necessidade de comunicar-se com os companheiros estimula a linguagem coerente”.

O jogo possui uma qualidade social de alegre troca entre adulto e criança na qual, através de adaptações recíprocas, descobrem-se significados compartilhados. Essa qualidade social se mantém também mais adiante, seja quando a criança amplia a sua atenção ao mundo dos objetos, seja quando começa a compartilhar a sua própria brincadeira com outras crianças (BONDIOLI, 1998, p. 221).

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De acordo com Bondioli (1998), o jogo é entendido como uma atividade automotivada, na qual as ações são tão mais produtivas quanto mais desvinculadas de tarefas específicas, que acontece em um tempo definido pela liberdade das pressões funcionais. Aspectos cognitivos e afetivos estão estritamente entrelaçados no jogo, ajudando a desenvolver a personalidade da criança porque através dele ela compreende o comportamento e as relações dos adultos que lhe servem de modelo de conduta.

Portanto, isso significa que o exercício da inteligência, a descoberta das propriedades dos objetos, a aquisição das primeiras e embrionárias formas lógicas são favorecidas se o jogo acontece em um clima de tranquilidade, que permite à criança arriscar e experimentar através de várias tentativas e de erros. Significa que, também no jogo, não é somente a criança que vivencia acomodar-se à realidade, colhendo as propriedades e as características, mas que, ao fazer isso, reveste o mundo externo como algo de si, a fim de torná-lo mais familiar e compreensível: a conquista da realidade e a descoberta de si são processos que se entrelaçam.

Segundo Bondioli (1998), o jogo também é um fenômeno que, mesmo manifestado precocemente e naturalmente, sofre notáveis variações - de duração, intensidade, articulação - não somente em função da idade, mas também do contexto no qual se realiza. “A presença ou não do adulto, a presença ou não de outras crianças, a idade do grupo de jogo, o grau de familiaridade com os colegas, a presença ou não de materiais e de suas características são todos aspectos que influenciam e orientam a qualidade do jogo” (BONDIOLI, 1998, p. 222).

Porém, falar em qualidade do jogo não significa exclusivamente enunciar as características peculiares que o diferenciam de outros espaços da experiência infantil, mas significa descrever potencialidades educacionais que ele pode oferecer nos diferentes contextos onde se realiza, como, por exemplo, na casa, no quintal, nas instituições para a infância, entre outros.

O jogo é visto também como uma função significante, pois todo jogo significa alguma coisa, que transcende as necessidades imediatas e confere um sentido à ação. E o jogo infantil, segundo Grünspun (1997, p. 296), “é a expressão da vida da criança, desde a construção de seus próprios modos de conduta até a imitação e aprendizagem da vida dos adultos”.

O jogo proporciona segundo Grünspun (1997) uma oportunidade para organização e síntese por parte do organismo em crescimento. Erikson (1976) distingue três fases na evolução dos jogos na criança.

• A primeira se refere ao desenvolvimento que se dá na auto-esfera, a criança

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explora sensações extra ou interceptivas relacionadas com seu corpo ou com as pessoas que se ocupam de seus cuidados corporais.

• A segunda, quando brinca na microesfera, ou seja, a criança faz uso de pequenos jogos representativos, os quais exterioriza suas fantasias;

• E a terceira, quando a criança alcança a macroesfera, onde a criança utiliza suas relações com os adultos e aborda o processo de socialização.

Para o autor acima, a criança mostra interesse/importância no jogo quando neles ela encontra material para incorporar à sua realidade social. Assim, pode-se perceber então, que a atividade lúdica possibilita trabalhar os comportamentos agressivos da criança, ajudando-a no seu desenvolvimento.

Para Kishimoto (1994), todo jogo tem sua existência em um tempo e espaço: há não só a questão da localização histórica e geográfica, mas também uma sequência na própria brincadeira. Para este autor, o jogo, por ser uma ação voluntária da criança, um fim em si mesmo, não pode criar nada, não visa um resultado final. O que importa é o processo em si de brincar que a criança se impõe.

Trifu (1976 apud KISHIMOTO, 1994, p. 11) classifica as definições do jogo em duas categorias metodológicas: as que descrevem manifestações externas com uma análise superficial dos processos internos do ser humano e as que utilizam as manifestações externas para explicitar os processos internos. Porém, para ele “o jogo é uma realidade móvel que se metamorfoseia conforme a realidade e a perspectiva do observador e do jogador. Por tais razões é necessário considerar o contexto no qual está presente o fenômeno, atitude daquele que joga e o significado atribuído ao jogo pelo observador”.

Para Mukhina (1995) nas diversas etapas da infância pré-escolar, as atividades do tipo produtivo, tais como, o desenho, estão muito relacionadas com o jogo, pois quando a criança a desenha com frequência está interpretando um argumento. Portanto, o interesse pelo desenho tem um caráter lúdico, pois o desenho faz parte de uma ideia lúdica.

As crianças começam a estudar brincando, assimilando, sem se dar conta, os conhecimentos elementares. Porém, é preciso conhecer o conteúdo, sendo que o conteúdo do jogo é o que a criança destaca como aspecto principal nas atividades do adulto. Elkonin (1998) descreve que o conteúdo é o aspecto característico central, reconstituído pela criança a partir da atividade dos adultos e das relações que estabelecem em sua vida social e de trabalho.

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Machado (1995, p. 27) afirma que “brincar é raciocinar, descobrir, persistir e perseverar, aprender o perder percebendo que haverá novas oportunidades para ganhar; esforçar-se, ter paciência, não desistindo facilmente. É viver criativamente no mundo. Ter prazer em brincar é ter prazer em viver”. Portanto, a importância do jogo é assim assumida por correntes e perspectivas teóricas diversas.

KISHIMOTO, Tizuko Morchida (orgs). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Editora Cortez, 2010.

A brincadeira leva a criança a realizar comportamentos que não são habituais de sua idade, a partir do momento em que a imaginação (da criança em idade pré-escolar é fundamentalmente involuntária ampliando o conhecimento que a criança tem do mundo circundante e lhe permite extrapolar os limites de sua pobre experiência pessoal, mas isso requer o controle constante do adulto) e a representação de sua vida cotidiana são reproduzidas no brincar. Através da brincadeira, a criança é capaz de conhecer o mundo adulto sem adentrar realmente nele.

O brinquedo permite a criança vivenciar na presença de reprodução, pois tudo que existe no seu cotidiano como, por exemplo, os objetos reais podem ser manipulados. E, a partir do momento que a criança brinca, ela expressa nos brinquedos seus valores, seu modo de pensar e agir, acrescidos pelo imaginário. Portanto, “no mundo lúdico a criança encontra equilíbrio entre o real e o imaginário, alimenta na sua vida interior, descobre o mundo e torna-se operativa” (SANTOS, 1997, p. 83). Sua essência está na função social da imagem que ele representa. É o espelho da sociedade e o objeto de mediação entre o mundo infantil e o mundo do adulto, tornando-se o brinquedo a representação que o adulto faz do mundo infantil, pois é o adulto quem constrói o brinquedo.

A criança que não brinca, segundo Lebovici (1985), não se aventura em algo novo, desconhecido. Arfowilloex (1982 apud OLIVEIRA et al., 1995), descreve que a criança que brinca, experimenta e constrói através do brinquedo, aprende a dominar a angústia, a fazer representações do mundo exterior e, mais tarde, agir sobre ele. Nesse sentido percebe-se que o brinquedo é um trabalho de construção e criação.

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As crianças têm nos brinquedos ou ainda nas brincadeiras pontos que caracterizam a criança. Segundo Oliveira et al. (1995, p. 87) “[...] quando escolhe um ou outro objeto, cada criança reflete o seu temperamento, seu mundo; o valor afetivo que a criança dá ao material com o qual trabalha é essencial, assim como é forte o vínculo com a sua produção”.

O brinquedo estimula a representação da realidade na qual a criança vive seus conflitos evolutivos. Neste interjogo de forças, segundo Lebovici (1985), o brinquedo possui uma importante função. Sendo assim, torna-se essencial a compreensão da real importância deste na vida da criança, uma vez que o modo como a criança brinca é um reflexo de como ela está e de como ela é.

O brinquedo é considerado também como um tipo de relação com o adulto, isto é, a criança tem possibilidade de se opor à sua dependência e adquirir certa autonomia ou de simbolizar ou expressar uma reação positiva ao relacionar-se com o adulto. O brinquedo pode ser utilizado como mediador da criança com situações da vida real, na medida em que permite à criança testar situações da vida real ao seu nível, sem riscos e sob seu controle.

Então, o brinquedo é visto por Campagne (1981 apud OLIVEIRA et al., 1995, p. 81) “como um objeto que desperta a curiosidade, exercita a inteligência, permite a criança à invenção e a imaginação e possibilita que a criança descubra, pouco a pouco, suas próprias capacidades de apreensão, o brinquedo propõe à criança um mundo do tamanho de sua compreensão”.

O brinquedo pode ser percebido em três perspectivas: a sócio-histórica de Vygotsky, a perspectiva cognitiva de Piaget e a perspectiva psicanalítica, segundo Melaine Klein (1955). Na perspectiva piagetina, o brinquedo possui regras que passam da representação do objeto para a construção deste pela criança, adaptado às regras que são impostas pelo grupo no que estabelece as relações sociais. A perspectiva psicanalítica detém-se na criação da técnica do brinquedo na análise infantil. Melanie Klein (1955) compreende que é na brincadeira que a criança pode representar simbolicamente o seu mundo interno. Já a perspectiva sócio-histórica de Vygostsky (1998), aprofunda o tema sobre o psiquismo, mais especificamente, o desenvolvimento da consciência, que depende fundamentalmente da atividade social coletiva, da cultura e atividade individual com relação aos signos para a formação da consciência individual.

Segundo Vygostky (1998), as crianças formam estruturas mentais pelo uso de instrumentos e sinais. A brincadeira é vista, nos primeiros anos de vida, como uma atividade predominante e constitui fonte de desenvolvimento ao criar zonas de desenvolvimento proximal (de forma mais visível para as crianças, o que significa dizer que nesse tipo de atividade os envolvidos têm possibilidade de

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lidar com conhecimentos e de manifestarem competências que vão além de seu nível de desenvolvimento real), pois ao prover uma situação imaginativa por meio da atividade livre, a criança desenvolve a iniciativa, expressando seus desejos e internalizando as regras sociais.

Para Vygostky (1998) existem dois níveis de desenvolvimento: o real, quando a criança é capaz de realizar sozinha suas atividades a partir do conhecimento que já possui, e o potencial que se refere àquilo que a criança consegue realizar a partir da ajuda do adulto ou de seus companheiros mais experientes. Estes se complementam com a zona de desenvolvimento proximal, que permite perceber que desenvolvimento e aprendizagem humana pressupõem uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram uma visão intelectual daqueles que as cercam. O aprendizado é, portanto um aspecto necessário e universal dos processos de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas.

Vygotsky (1984) chamou, portanto, de zona de desenvolvimento proximal todo o comportamento que a criança apresenta no jogo, mas que raramente transparece na vida diária. Esses comportamentos são à base da construção dos valores éticos, morais, afetivos e cognitivos que, posteriormente, irão compor suas possibilidades de subjetivação diante do contexto social e cultural em que vive.

Este autor acreditava que o desenvolvimento segue a aprendizagem. As crianças são capazes de realizar tarefas um tanto além do seu nível de desenvolvimento se lhes for oferecido um estímulo por indivíduos mais maduros. As brincadeiras são aprendidas pelas crianças no contexto social, tendo a orientação de profissionais ou crianças mais velhas.

Na infância, a imaginação, a fantasia e o brinquedo não são atividades que podem se caracterizar apenas pelo prazer que proporcionam. Segundo ele, a criança muito pequena tem suas limitações pelas restrições situacionais e seu comportamento é em grande parte determinado pelas condições existentes no ambiente imediato. Por outro lado, ela tem uma tendência à satisfação imediata de seus desejos.

Para a criança, o brinquedo é uma necessidade, cria um espaço para a realização de desejos, que não podem ser satisfeitos imediatamente na situação real, através de situações imaginárias de faz-de-conta, que emancipam a criança das pressões situacionais. Portanto, é na fase pré-escolar que ela começa a sentir as primeiras restrições aos seus desejos e tendências que não podem ser realizados de imediato (VYGOTSKY, 1984).

Entretanto, a imaginação é considerada um processo novo que surge como

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mediador do conflito entre o desejo e a frustração por não poder concretizá-lo, e o jogo lúdico é a imaginação da criança agindo no mundo.

Para Vygotsky (1984) não existe brinquedo sem regras, pois qualquer situação imaginária requer uma compreensão de regras em diferentes níveis. Se, por um lado, quando brinca a criança segue o caminho do prazer, por outro, ela também se vê obrigada a subordinar-se às regras, renunciando ao seu desejo. Na vida real isso passa despercebido pela criança, por não ser capaz de explicitar de forma consciente, tornando-se para ela uma regra de comportamento no jogo do faz-de-conta.

Nesse jogo as crianças expressam, umas para as outras, os diversos significados que têm das coisas e do outro, proporcionando uma diferenciação entre esses significados, e constituindo, assim, delimitações entre as representações mentais para as quais esses significados apontam. O brinquedo, portanto, cria uma forma de desejos e ensina a criança a desejar, relacionando-se de forma fictícia com a realidade.

A brincadeira infantil constitui uma situação social onde ao mesmo tempo em que há representações e explorações de outras situações sociais, há formas de relacionamento interpessoal das crianças ou eventualmente entre elas e um adulto na situação, formas estas que também se sujeitam a modelos, a regulações, e onde também está presente a afetividade, desejos, satisfações, frustrações, alegria, dor (OLIVEIRA et al., 1995, p. 90).

Para propiciar um bom começo a atividade lúdica e criativa das crianças, o brincar livre e espontâneo é mais importante do que o brinquedo. O brincar extrapola o brinquedo.

O brincar para Machado (1995), é a primeira forma de manifestação da cultura. E a cultura se manifesta no jeito como as crianças convivem, se expressam, ou brincam, bem como nas formas como os adultos vivem, trabalham, fazem arte. Mesmo sem estar brincando com o que denominamos “brinquedo”, a criança brinca com a cultura. No brincar a criança lida com sua realidade interior e sua tradução livre da realidade exterior.

A criança que brinca livremente e no seu nível, à sua maneira, está não só explorando o mundo ao seu redor, mas também comunicando sentimentos, ideias,

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fantasias, intercambiando o real e o imaginário num terceiro espaço, o espaço do brincar e das futuras atividades culturais.

É preciso ressaltar ainda que o brincar é um aprendizado de vida que leva as crianças para esse ou aquele caminho, para poder traçar seu próprio percurso ou para tê-lo traçado pelos pais, professores, tios, entre outros. Porém, tudo vai depender de como as crianças brincam e de qual será a atitude dos adultos ao redor em relação a essas brincadeiras. “Brincar é também um grande canal para o aprendizado, senão o único canal para verdadeiros processos cognitivos” (MACHADO, 1995, p. 37).

Abram (2000) descreve que o brincar apresenta-se como uma grande aquisição da teoria do desenvolvimento emocional de Winnicott (1997), pois ao brincar, o bebê, a criança, o adulto, estabelecem uma ponte entre o mundo interno e o mundo externo através do espaço transicional. “Para Winnicott, a qualidade do brincar na terceira área – os fenômenos transicionais – é sinônimo de viver criativamente e, constitui a matriz da experiência do self que se estende por toda a vida” (ABRAM, 2000, p. 55).

Winnicott (1997) valoriza a qualidade do brincar como um indicador do desenvolvimento e do sentimento de ser bebê. O brincar é visto como uma parte importantíssima na vida da criança, pois ela adquire experiências ao brincar, sejam elas externas ou internas.

Santos (1999) cita que na obra de Winnicott (1997) importantes experiências são relatadas sobre a origem do brincar, havendo uma evolução direta dos fenômenos transicionais para o brincar, do brincar para o brincar compartilhado e destes para as experiências culturais. E, na medida em que a criança vai avançando em suas etapas evolutivas, as brincadeiras vão se tornando mais consistentes, de forma que o adulto possa mais facilmente identificar as situações de jogo. “No brincar, o conhecimento de si mesma, os papéis sociais evidenciados, o envolvimento com os parceiros e a característica prazerosa contida no jogo remetem a criança a um tipo de conhecimento da realidade, permitindo sua apropriação e representação, contribuindo para a construção do conhecimento e da personalidade” (SANTOS, 1999, p. 14).

No entanto, muitas vezes o mundo infantil dos brinquedos, conforme salienta Lebovici (1985), é invadido por atividades denominadas lúdicas (brinquedos e jogos). Percebe-se que, na realidade, estas atividades possuem objetivos pedagógicos que são visivelmente colocados pelos adultos. Ainda que a criança seja induzida a brincar com esses jogos educativos, chega um determinado momento em que ela mesma interrompe dizendo “bem, agora vamos brincar, tá?”. Com isso pode-se notar que esta criança não estava brincando no verdadeiro

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sentido do verbo, pois percebe um objetivo, uma intenção pedagógica, que não permitia que ela brincasse, porque, para ela, brinquedo é caracterizado exatamente por ser destituído de qualquer objetivo externo e determinado.

Nestes sites você irá conhecer mais sobre a importância da brinquedoteca e sobre os brinquedos.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BRINQUEDOTECAS. Estatuto da Associação Brasileira de Brinquedotecas. Disponível na internet. http://www.regra.net/ educação/estatuto.htm

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Faculdade de Educação. Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada. Laboratório de Brinquedos e Materiais Pedagógicos. Disponível na internet. http://www.regra.com.br/ educação/labrimp.htm

Observa-se assim, o papel essencial do educador diante da relação criança/brinquedo, que é de responsabilizar a criança diante deste jogo (brinquedo) que lhe pertence. Cabe ao educador, portanto, ensinar-lhe que elas têm direitos, porém, também precisa mostrar que estes direitos geram riscos. Esta é uma atividade educativa, que tem a finalidade de não só sensibilizar a criança para as exigências que toda posse impõe, mas também de tirar do brinquedo seu caráter sagrado (OLIVEIRA et al., 1995).

A brincadeira educativa pode assumir muitas formas e, segundo Saracho e Spodek (1998), o papel chave dos professores é modificar a brincadeira natural espontânea das crianças para que ela adquira um valor pedagógico, ao mesmo tempo em que mantém suas qualidades lúdicas.

Oliveira (1995) cita que as crianças convidam com frequência o educador a se juntar a elas: transformado em jogador ele pode se divertir também, ajudar as crianças a compreender as regras, mudar o rumo do jogo, alimentar a imaginação. O brinquedo não deixa o adulto de lado, com uma discreta piscada de olhos ele o convida a se sentar no chão e se divertir na companhia de crianças.

O autor em referência enfatiza ainda que os professores devem deixar a criança brincar sem abandoná-la, nem conduzi-la, tornando-se necessário então que a formação dos professores seja reavaliada, pois esta formação fornecerá meios para empregar a atividade lúdica em toda sua atuação pedagógica.

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Todos os meios de educação deveriam ter esclarecidos a forma como as crianças brincam e sobre os objetos que poderiam contribuir na atividade lúdica. Oliveira et al. (1995) acredita que não se pode conhecer nem educar uma criança sem saber nem por que, nem como ela brinca. Não é suficiente dar às crianças o direito do jogo, é preciso despertar e manter nelas o desejo do jogo. E para isso não se faz necessário que se aumente o tempo de recreios, nem tampouco que se adquiram mais brinquedos, mas, sim, que se formem educadores animadores.

Contudo, podemos descrever que os jogos, os brinquedos e as atividades produtivas têm importância básica nos preparativos da criança para a escola, pois precisamente nessas atividades surgem pela primeira vez as motivações sociais da conduta e a hierarquia das motivações; formam-se e aperfeiçoam-se as operações de percepção e de inteligência, desenvolvem-se hábitos sociais de convivência.

Atividade de Estudos:

1) Entre para o mundo da ludicidade e se encante com as possibilidades de ser criança novamente... Brinque...Invente...Crie...Construa! E então, responda: O que é brincar? Como esse brincar pode contextualizar sua prática pedagógica? Quais as brincadeiras que você lembra, de imediato, que podem favorecer uma motivação para a criança num relacionamento interativo?

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O Ato do Brincar Capítulo 3

O Espaço e o Tempo no Ato do Brincar

A organização do tempo no cotidiano escolar, é geralmente pensada em relação a duração total das atividades de rotina, das atividade didático-educativas e das situações de brincadeira livre. A articulação temporal do dia a dia educativo é frequentemente entendida, sobretudo em relação ao equilíbrio entre os três diferentes tipos de situações: as rotinas não deveriam ocupar a maior parte do dia, as atividades educativas deveriam garantir uma variedade de experiências cotidianas, o dia não deveria ser tão rigidamente estruturado a ponto de não deixar espaço para os interesses individuais ou então, ao contrário, o dia não deveria ser tão desprovido de planejamento educativo a ponto de essencialmente caracterizado como uma longa situação de brincadeira livre de tipo recreativo.

Em segundo lugar, pensa-se na organização do tempo cotidiano em relação a duração das atividades didático-educativa específicas. Nessa perspectiva, acredita-se que existe um tempo certo da atividade e que esse tempo deve ser estabelecido em concordância com os tempos de atenção e concentração das crianças. Pensa-se, portanto, na diminuição do envolvimento das crianças, principalmente em relação a duração de uma determinada proposta educativa.

Os tempos educativos não estão discutidos e definidos não em relação a fisionomia organizacional das situações e ao seu suceder-se cotidiano, mas em relação a alternância de atividades mais ou menos envolventes para as crianças, por exemplo, o momento da brincadeira livre entendido como recreativo, que deve ser inserido como pausa entre as atividades; e a variação dos conteúdos da atividade (variar o tipo de atividade para garantir o interesse das crianças).

O tempo é visto como a ideia de rotina. A rotina na educação infantil pode ser facilitadora ou cerceadora dos processos de desenvolvimento e aprendizagem. Rotinas rígidas e inflexíveis desconsideram a criança, que precisa adaptar-se a ela e não o contrário, como deveria ser. A organização do tempo deve prever possibilidades diversas e muitas vezes simultâneas de atividades, como atividades mais ou menos movimentadas, individuais ou em grupos, com maior ou menor grau de concentração; de repouso, alimentação e higiene; atividades referentes aos diferentes eixos de trabalho.

Considera como um instrumento de dinamização da aprendizagem, facilitador das percepções infantis sobre o tempo e o espaço, uma rotina clara e compreensível para as crianças é fator de segurança.

A rotina representa também a estrutura sobre a qual será organizada o tempo didático, ou seja, o tempo de trabalho educativo realizado com as crianças.

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A organização do tempo pode ser agrupada em três grandes modalidades: atividades permanentes, sequência de atividades e projetos de trabalhos.

As atividades permanentes são aquelas que respondem às necessidades básicas de cuidados, aprendizagem e de prazer para as crianças, cujos conteúdos necessitam de uma constância, pois é através da escolha de conteúdos que difere o tipo de atividades permanentes a serem realizadas com frequência regular, diária ou semanal, em cada grupo de criança. Consideram-se atividades permanentes, brincadeiras no espaço interno e externo, roda de história, roda de conversas, ateliês ou oficinas de desenho, pintura, modelagem e música, atividades diversificadas ou ambientes organizados por temas ou materiais à escolha da criança, incluindo momentos para que as crianças possam ficar sozinhas se assim o desejarem.

Figura 7 - Roda de História

Fonte: Disponível em: <http://www.elfutec.com.br/portal/curso.asp?Id_Curso=257>. Acesso em: 05 jun. 2015.

As sequências de atividades são planejadas e orientadas com o objetivo de promover uma aprendizagem específica e definida. São sequenciadas com intenção de oferecer desafios com graus diferentes de complexidade para que as crianças possam ir paulatinamente resolvendo problemas a partir de diferentes proposições.

Os projetos de trabalho são conjuntos de atividades que trabalham com conhecimentos específicos construídos a partir de um dos eixos de trabalho que se organizam ao redor de um problema para resolver ou de um produto final que se quer obter. Sua duração pode variar conforme o objetivo, o desenrolar das várias etapas, o desejo e o interesse das crianças pelo assunto tratado, precisando ser significativo, representando assim uma questão comum para todos e partir de uma indagação da realidade.

A realização de um projeto depende de várias etapas de trabalho que devem ser planejadas e negociadas com as crianças não só para

As sequências de atividades

são planejadas e orientadas com

o objetivo de promover uma aprendizagem específica e

definida.

Os projetos de trabalho são conjuntos de

atividades que trabalham com conhecimentos

específicos construídos a partir

de um dos eixos de trabalho que se organizam ao redor

de um problema para resolver ou

de um produto final que se quer obter.

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que elas possam se engajar e acompanhar o percurso até o final, mas também para que ao chegar ao final de um projeto possa-se dizer que a criança aprendeu, porque teve uma intensa participação que envolveu a resolução de problemas de naturezas diversas.

A organização dos espaços, bem como dos materiais, se constitui em um instrumento fundamental para a prática educativa com as crianças. Isso implica que, para cada trabalho realizado com as crianças, deve-se planejar a forma mais adequada de organizar o mobiliário dentro da sala de aula, assim como introduzir materiais específicos para a montagem de ambientes novos, ligados aos projetos em curso.

Espaço físico, materiais, brinquedos, instrumentos sonoros e mobiliários não devem ser vistos como elementos passivos, mas como componentes ativos do processo educacional que refletem a concepção de educação assumida pela instituição, constituindo-se em poderosos auxiliares do desenvolvimento infantil. A presença de jogos e brinquedos na educação desponta como um dos indicadores mais importantes para a definição de práticas educativas de qualidades na educação infantil.

O espaço na instituição de educação infantil deve propiciar condições para que as crianças possam usufruí-lo em benefício do seu desenvolvimento e aprendizagem. Para tanto, é preciso que o espaço seja versátil e permeável à sua ação, sujeito às modificações propostas pelas crianças e pelos professores, em função das ações desenvolvidas.

Nas salas, a forma de organização pode comportar ambientes que permitem o desenvolvimento de atividades diversificadas e simultâneas, como, por exemplo, ambientes para jogos, artes, leitura. É preciso que em todas as salas, exista mobiliário adequado ao tamanho das crianças para que estas disponham permanentemente de materiais para seu uso espontâneo ou em atividades dirigidas.

Além disso, a aprendizagem transcende o espaço da sala, toma conta da área externa e de outros espaços da instituição e fora dela, como, por exemplo, a biblioteca, a feira, o zoológico, que podem enriquecer e potencializar as aprendizagens.

Na área externa, há que se criar espaços lúdicos que sejam alternativos e permitam que as crianças corram, balancem, subam, desçam e escalem ambientes diferenciados, pendurem-se, escorreguem, rolem, joguem bola, brinquem com água e areia, escondam-se, entre outros.

Espaço físico, materiais,

brinquedos, instrumentos

sonoros e mobiliários não

devem ser vistos como elementos passivos, mas

como componentes ativos do processo

educacional que refletem a concepção de

educação assumida pela instituição,

constituindo-se em poderosos auxiliares do desenvolvimento

infantil.

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Porém, para as crianças circularem com independência no espaço escolar é necessário um bom planejamento que garanta as condições de segurança necessárias. Os brinquedos, de parque, devem estar bem fixados em área gramada ou coberta com areia e não sobre área cimentada.

BONDIOLI, ANNA (org.) O tempo no cotidiano infantil: Perspectivas de pesquisa e estudos de casos. São Paulo: Cortez, 2004.

Atividade de Estudos:

1) Teóricos da educação que se ocupavam em pensar propostas educativas para crianças entendiam, já no início do século XX, que o ambiente não era um mero coadjuvante na aprendizagem e no desenvolvimento das crianças. Descreva alguns dos aspectos que devem ser considerados ao se organizar o espaço, o tempo e os materiais para se criar um ambiente educativo.

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A Tecnologia Educativa na Ludicidade

Frequentemente o avanço tecnológico apresenta novos recursos e ferramentas mais completas e poderosas, a fim de que as tarefas cotidianas sejam cada vez mais ágeis e rápidas. Essas tecnologias permeiam todas as ações e atividades cotidianas e alteram a cultura social, a maneira de se relacionar, de aprender e ensinar.

Tecnologia é a ciência aplicada na busca de soluções para problemas e necessidades humanas, o homem sempre procura soluções para velhos problemas (GEBRAN, 2009).

Ao conceber as novas tecnologias como ferramenta para a construção do conhecimento, reconhecemos que somos influenciados pela utilização das mesmas em todos os processos de produção, e que essas tecnologias também sofrem uma atualização constante, trazendo mecanismos cada vez mais eficientes nas questões tempo e custo. Aprender a trabalhar com modernas tecnologias, implica aprender em um ambiente de mudanças constantes, onde surgem diversas possibilidades.

Dentro dessa nova realidade muda a figura do professor, que já não se limita a um mero transmissor do conhecimento, mas a um guia, um mediador, como co-parceiro do aluno, buscando e interpretando de forma crítica as informações.

Esse professor passa a contar com o desenvolvimento tecnológico de informações, levando-a um novo centro de referência educacional, transformando o saber ensinar em saber aprender, preparando esta nova geração para uma nova forma de pensar e trabalhar e levando-o a aprender mais rapidamente.

A tecnologia está entrando na Educação pela necessidade de transpor as fronteiras do educar convencional, pois tudo se modernizou. Frente a essa nova demanda pedagógica de Educação, foi oportunizado as escolas uma renovação de trabalhar os conteúdos programáticos, propiciando ao educando, eficiência na construção do conhecimento, convertendo a aula num espaço real de interação, de troca de resultados e adaptando os dados a sua realidade.

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Figura 8 - As crianças e a tecnologia

Fonte: Disponível em: <http://www.terapiadecrianca.com.br/criancas-e-a-tecnologia/>. Acesso em: 05 jun. 2015.

A educação deve também permitir a articulação das afinidades entre conhecimento, poder e tecnologias. Pois a criança desde pequena é educada em um determinado meio cultural familiar, onde adquire conhecimentos, hábitos, atitudes, habilidades e valores que definem a sua identidade social. O papel da escola é de instrumentalizar os alunos e os professores para serem criativos e pensarem nas soluções de problemas antigos e novos da sociedade que vive em constante transformação.

A integração entre tecnologia e educação proporciona ao processo de ensino aprendizagem melhorias face a utilização de inúmeras ferramentas disponíveis na escola, para o professor e para o aluno. A eficiência da didática em sala de aula depende de uma dinâmica que envolve invariavelmente, traços de ludicidade fazendo com que seja utilizada a imaginação do aluno.

Nesse sentido, os jogos e as brincadeiras na educação devem ser vistos como atividades que permitem ao aluno experimentar o mundo a sua volta, aprendendo a lidar com ele, formando a sua personalidade, moldando o seu temperamento e construindo o seu conhecimento.

A cada dia que passa, avolumam-se as informações sobre a influência deles no comportamento das crianças e dos adultos. A internet, os games, as redes sociais são essas novas tecnologias que influenciam no desenvolvimento do ser humano.

Com relação a internet, Del Prette e Del Prette (2008) descrevem que é considerável percentagem de jovens vem reduzindo a quantidade e a qualidade de suas influências frente a frente a outra pessoa, e adquirindo hábitos de

A educação deve também permitir a articulação das afinidades entre conhecimento,

poder e tecnologias.

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O Ato do Brincar Capítulo 3

internautas que podem resultar em isolamento social. Contrapondo-se a essa informação, alguns têm respondido que a internet é um espaço privilegiado para se fazer amizades e, inclusive, conhecer pessoas que não são encontradas nos locais habituais de frequência dos jovens.

Isto de fato é verdadeiro e poderia ser melhor utilizado pelos pais e pela escola. Todavia, essa resposta não invalida os dados de que, segundo Del Prette e Del Prette, (2008):

• com a internet um grande número de jovens reduziu suas possibilidades de contato social direto;

• o contato social através da internet difere significativamente da interação face a face;

• na interação face a face, as pessoas expõem mais e ao se darem a conhecer, também passam a obter maior conhecimento de si, uma vez que recebem feedback sobre seus desempenhos reais;

• o relacionamento via internet exacerba a fantasia e reduz as oportunidades de um conhecimento verdadeiro incluindo-se, aí, a impossibilidade de observação direta do desempenho em situações sociais reais.

Os jogos digitais, jogos eletrônicos ou games para computadores são jogos que envolvem a mais elevada tecnologia na área de computação gráfica, de interface, dispositivos de informação, inteligência artificial e arte. Todos esses fatores unidos geram uma extrema fascinação no ser humano, independente de sua idade, tornando-se objeto de imersão, agenciamento, interação e de múltiplas personalidades.

A motivação para a aquisição desses jogos se dá, na verdade, pelo fato dos jogos eletrônicos criarem um verdadeiro mundo paralelo, denominado de mundo virtual, onde os fenômenos físicos, de luminosidade e de textura, gravidade e som, são simulados com tamanha perfeição que iludem todos os sentidos humanos, gerando uma cyber-realidade.

Exemplo disso são os videogames. Um instrumento poderoso sobre o qual a maioria dos pais não dispõe de muito controle são os games. Os games ou videogames foram a primeira ferramenta relacionada com os computadores que entrou na vida cotidiana de crianças e adolescentes (COLL, 2010).

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Figura 9 - As crianças e os videogames

Fonte: Disponível em: <http://www.corbisimages.com/stock-photo/royalty-free/42-34881690/front-view-of-two-boys-67-89?popup=1>. Acesso em: 06 jun. 2015.

Os games impõem uma prática que requer uma continuada atenção a elementos dinâmicos que são exibidos na tela, o que exige uma curada discriminação visual e espacial.

Na dependência do tempo de exposição e do tipo de estimulação, esses jogos são eliciadores de um estado difuso de excitação e incitadores potenciais da agressividade. A maioria desses jogos possui personagens reais ou simbólicos violentos, destrutivos, impulsivos, guiados pela norma retaliativa, fornecendo modelos de comportamento bastante inadequado para o desenvolvimento da competência social.

Apesar desses problemas, esses instrumentos eletrônicos podem ser utilizados como aliados no desenvolvimento da qualidade das relações interpessoais. Já existem, por exemplo, games educativos, destinados a ajudar pais e professores na educação das crianças para a convivência social. Conforme Coll (2010) diversas pesquisas já mostraram que a prática do videogame melhora as habilidades que permitem resolver tarefas escolares relacionadas com a orientação espacial, como a rotação ou integração de diversas imagens em uma única representação tridimensional.

Gebran (2009) descreve o videogame, como exemplo, favorece a elevação da autoestima e o reconhecimento social, no caso da criança que adquire destreza motora e estratégica, fazendo com que isso se torne uma referência social para as demais crianças.

Os games impõem uma prática

que requer uma continuada atenção

a elementos dinâmicos que são exibidos na tela, o que exige

uma curada discriminação visual

e espacial.

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Tal como acontece com os videogames, a cautela em paralelo e a interpretação de representações icônicas são habilidades que a navegação na internet também exige. Porém, o mais relevante é que navegar na internet envolve leitura, e que a utilização de aplicativos como correio eletrônico, fóruns, chats ou blogs supõe escrever. “A fala da rede é algo completamente novo. Não se trata de escrita falada nem de discurso escrito (...). É, em suma, um quarto meio” (COLL, 2010, p. 61).

Assim, cada cultura se caracteriza por gerar contextos de atividade mediados por sistemas de ferramentas, os quais promovem práticas que supõem maneiras particulares de pensar e de organizar a mente. Uma vez que o uso do computador e dos games se alastra socialmente, ele se transforma em uma prática de socialização habitual na nossa sociedade.

As novas tecnologias representam um progresso importante por permitirem combinar textos, passar de um texto a outro e construí-los com grande facilidade. Necessitamos utilizar novas tecnologias ativamente, pois conforme Gebran (2009) o principal objetivo da Educação é desenvolver a criatividade e o espírito crítico e formar o cidadão participativo.

Os jogos on-line possuem as mesmas características dos jogos digitais, a única diferença é o seu acesso que somente é possível via internet. Muitos jogos interativos da internet são utilizados pelos professores para empregar, simular, educar e assessorar os alunos, tendendo a modificar a dinâmica do ensino, mediante a necessidade de elevado comprometimento entre alunos e professores. Como exemplo pode-se citar jogos dentro de portais educacionais que visam avaliar o conhecimento do aluno, ou ainda incentivar a busca de novos conhecimentos tomando como base a didática apresentada em sala de aula.

Não podemos esquecer-nos de falar da programação infantil nas televisões que absorve grande parte dos horários diurnos, propositadamente. Ouve-se muitas colocações de vários segmentos da sociedade no sentido de que a criança não pode assistir aos programas de televisão em função do baixo nível intelectual da maioria dos programas, de envolvimento dos desenhos animados que mostram violência e fantasias excessivas, enfim, uma série de impregnações com respeito a televisão e suas consequências.

Porém existem os que acham que ela muitas vezes torna-se uma necessidade, para o convívio social da criança. Bastos et al. (1988) descreve que o conhecimento das emissoras televisivas tornava-se uma necessidade imposta pelos colegas e a criança se sentiria a parte do grupo de brincadeiras, caso não acompanhasse uma série ou deixasse de ver um capítulo importante. Aquelas que não possuíam televisor frequentavam a casa dos colegas para assistir aos programas. Eram os “televizinhos”.

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Chega-se então a um impasse e que deve ser analisado com muito cuidado. Afinal, a criança deve ou não assistir televisão? Esse é um assunto que vem sendo tratado firmemente por psicólogos e pedagogos e a conclusão tem sido a de determinar como e quando as crianças devem assistir televisão.

Atualmente se considera errôneo este conceito de cultura, já que implica a supervalorização das pautas culturais dos setores sócio-econômicos historicamente donos do poder social e uma desvalorização das pautas culturais dos setores populares. Deste ponto de vista, a interpretação dos conteúdos da televisão é outra: a cultura popular incorporou-se ao meio televisivo.

Por exemplo, a telenovela e os programas cômicos, o choro e o riso, seriam os melhores expoentes de um processo pelo qual os meios de massa foram incorporando traços da cultura popular em sua própria mensagem. Desta maneira, há traços das mensagens que confirmam socialmente a palavra dos receptores, as formas de expressão e as formas de compreender a realidade que são próprias de determinados grupos sociais.

Por outro lado, a afirmação de que os programas da televisão carecem de valores culturais implica desconhecer que, assim como transmite valores frente aos quais podemos nos opor (individualismo, violência, consumismo) também são um espaço de exposição de valores como, por exemplo, a solidariedade ou o mundo dos sentimentos.

Embora possamos apontar que a televisão manifesta uma tendência geral para valorizar certos modelos de vida e não outros, o discurso televisivo não se fecha sobre uma só perspectiva. Por outro lado, assim como o discursivo televisivo é heterogêneo, também existe heterogeneidade na leitura de seus significados, ou seja, o significado das mensagens da televisão depende da construção cognitiva que os telespectadores fazem com elas.

Segundo Litwin (1997) a televisão colocou para a educação escolarizada principalmente dois problemas: por um lado, o reconhecimento de outras formas de transmissão do conhecimento (com outros estilos cognitivos e formas de tratamento dos conteúdos) e por outro, novos processos de socialização (valores e modos de relação).

É simplesmente impossível negar o fato de que a televisão nada interfere ou não tem influência alguma na vida das crianças, mesmo porque essa verdade salta aos olhos, em qualquer lugar do planeta, onde chega um sinal de televisão, conforme Elkonin (1998, p. 56)

Assim como o progresso nos trouxe maiores comodidades em todos os níveis, também deixou as ruas mais perigosas

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para as crianças, tornou os amigos mais distantes, os pais mais ocupados. Dessa forma, a criança brincava de esconde esconde, de chutar a bola e de pular amarinho com seus vizinhos de rua, hoje é uma criança que geralmente mora em um prédio de apartamentos e permanece toda a manhã em casa assistindo fascinado aos programas infantis. O fato da criança ficar em casa o dia todo pode realmente deixar os pais mais tranquilos, e talvez o problema real não seja o excesso de televisão, mas a falta de outras atividades saudáveis, especialmente o convívio com outras crianças que produz o tão necessário jogo de socialização.

Essa colocação de Dobrianky reflete de uma forma bastante clara a complexidade dessa questão sobre a influência da televisão no comportamento infantil. Sem dúvida, há algumas décadas, a infância era uma fase memorável, onde imperava acima de tudo o convívio social saudável, e mais profundo entre os amigos e a família. O tempo livre da criança era totalmente dedicado ao lazer, as brincadeiras eram naturais, elaboradas a partir da imaginação da criança, sem indução e sem coação.

A programação infantil nas televisões absorve grande parte dos horários diurnos, propositadamente. Em primeiro lugar, porque a grande maioria de telespectadores nesse período é formada pelo público infantil, então a programação e a publicidade são feitas especialmente para eles. Outro ponto é que atualmente a criança abandonou de ser um consumidor em potencial e passou a ser um consumidor de fato. Dessa forma, os programas infantis veiculados nas emissoras têm vários objetivos: divertir, distrair, informar, educar e vender.

Assisti-la demais fará com que as crianças se distanciem de seu mundo, deixando de lado outras experiências do seu cotidiano. Proibindo será afastá-la da vida moderna, será como que viver em outro mundo, o ideal é realmente dosá-la, isso sim é fundamental.

O papel dos pais nessa dosagem é de fundamental importância. Bastos et al. (1988) cita que é preciso que os pais delimitem o uso deste meio de comunicação social do mesmo modo que constituem as demais regras de comportamento, como por exemplo: o horário das refeições, do banho, da realização das tarefas escolares, da ajuda a ser dada em casa e dos jogos e brincadeiras ao ar livre.

Os programas de maior audiência são sem dúvida, os de super-heróis. O que existe por trás dessa preferência?

A natureza infantil é caracterizada pelo desejo de liberdade, de espaço, de imaginação e fantasia. Os seus referenciais de vida, seja qual for sua classe social, estão envolvidos por uma simbologia que só elas entre si compreendem, e parece que os produtores de programas infantis são um dos poucos capazes de se comunicar através dela com as crianças pela televisão.

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Segundo Rezende (1987) o super-herói é super, ou seja, é um fetiche típico, é histórico, temporal cristalizado em sua onipotência, isolado numa dimensão de eternidade. Seus efeitos são morais, obedecem aos cânones de uma moral burguesa.

Existem aqueles super-heróis que sobrevoam as cidades, que modificam o tempo, possuem uma inteligência e uma força sobrenatural, enfim, enchem os olhos das crianças com sua força e superioridade. No íntimo as crianças sabem que essa força é atribuída somente aos super-heróis e não a elas, mas essa consciência nem sempre as impedem de tentar imitá-los em suas aventuras. Isso constitui no desejo de fazer com que a fantasia se transforme em realidade, tendo como objetivo ou alvo, desejar realmente viver aquela fantasia ou chamar a atenção para si mesmo.

Rezende (1987) nos mostra o porquê da paixão das crianças pelos programas desse estilo, está justamente no fato dos super-heróis serem igualmente ansiosos pela conquista de liberdade como as crianças o são. Eles voam, locomovem-se, fazem sonhos e fantasias uma realidade, através deles as crianças projetam a liberdade infantil, bastante contida no seu desenvolvimento.

Outra razão é a questão da agressividade, não da violência, mas aquela natural, capaz de permitir a qualquer pessoa defender a sua individualidade e, ainda a força. Aspectos que os super-heróis dominam com perfeição. E as crianças admiram o forte e todos aqueles capazes de se defender e de proteger seu grupo.

Por isso é importante acompanhar os programas que as crianças assistem, pois poderemos ajudá-la a estabelecer uma consciência crítica e real do que assiste, sobretudo fazer um paralelo entre a realidade e fantasia dos programas infantis. A televisão é sem dúvida um avanço tecnológico e podemos consentir que as crianças desfrutem dela, mas sem tornar-se escrava dela.

Se considerarmos em primeiro plano o aspecto social, pode-se afirmar seguramente que as novelas transformaram-se, nos últimos anos, um verdadeiro ópio social. Na época em que a censura classificava e indicava a faixa etária das novelas e os horários mais apropriados para sua exibição, as cenas e os diálogos que chegavam a ir para o ar não comprometiam a formação moral do público que a assistia.

No entanto, com a abertura que vem ocorrendo nos últimos anos, ela passou a ter censura livre, em consequência a liberação de imagens e situações representadas vem avançando a cada dia.

O público infantil é hoje um forte consumidor e, como tal merece redobrada

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atenção nas produções de publicidade infantil. E como não poderia deixar de ser, a sua influência é decisiva na intenção de consumo da faixa infantil, as crianças, facilmente cativadas pelas grandes produções de vídeo, especialmente aquelas destinadas ao mundo dos brinquedos, um produto tipicamente infantil, e, portanto, capaz de remover qualquer resistência que possa haver contra o seu consumo.

Essas peças publicitárias são propositadamente veiculadas nos mesmos horários de programas infantis e muitas vezes dirigidos a esses programas. Desta forma, as grandes indústrias de produtos destinados ao público infantil fazem propaganda para a criança através da criança, isto é, a criança é ao mesmo tempo espectador argumento de venda e alvo dos anúncios. Com essa participação, ela passa facilmente por estimulador e responsável pelo consumo. É questão de sobrevivência para a televisão fazer com que esta tríplice função ocorra com verdadeira competência.

Usando crianças-propaganda para vender um determinado produto, fazendo com que o argumento esteja todo voltado para a realidade infantil, consumir passa a ser uma tarefa amplamente divertida. A brincadeira apresentada no vídeo torna a atividade de consumir uma necessidade permanente, pois as crianças são pouco a pouco convencidas de que se não houver a presença de determinados jogos ou brinquedos daqueles que se movimentam sozinhos ou são altamente desenvolvidos tecnologicamente, a brincadeira fica sem criança.

Esse tipo de influência, essa ideia que é tão bem vendida, tem um grande perigo, o de limitar a atividade pura e autenticamente infantil, de fazer com que a criança deixe de lado aquilo que exige pela imaginação e criatividade.

Neste sentido, podemos descrever que é assustador pensar que a criança mergulhe em cheio numa atividade consumista, que pertence a irracional sociedade da opulência na qual, com toda a probabilidade, não poderá desenvolver-se como adulto, tendo que fazer frente, consequentemente a uma transformação tão inevitável quanto dolorosa.

O fato é que os anúncios estão cada vez mais inclinados a influenciar e determinar a mudança de comportamento da criança, sem se importar com suas consequências futuras, pois a publicidade pretende vender, seja de que forma for.

Por exemplo, onde termina a fantasia começa a realidade no mundo infantil? É sem dúvida uma questão complexa, pois na mente da criança fantasia e realidade são duas coisas que caminham juntas, e na cabeça delas pouca diferença tem entre si.

Por excelência, a criança vive num mundo cercado de magias, de fantasia, onde o

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tempo não existe, as horas e os dias fluem rapidamente que os seus comportamentos são meros reflexos de vida. Seus referenciais de vida estão intimamente relacionados a sua realidade imediata; família, escola, amigos e a televisão.

Cabe aos pais cuidar para que a relação existente entre os seus filhos e a televisão não exceda aquele limite em que a criança possa tirar um real proveito daquele mundo de magia, fantasia e realidade que a televisão mostra.

Os desenhos animados têm um poder de envolvimento todo especial na criança. Eles trabalham muito bem a fantasia e a realidade. A fronteira existente entre os dois aspectos é tão sutil que muitas vezes passa despercebida, até entre os adultos.

Portanto, a escola tem recebido e administrado diretamente o avanço da tecnologia, a influência da televisão no educar da criança. Sabemos que não tem outra saída e que o papel da escola é formar esses alunos para esse novo mundo, por isso torna-se importante saber como a escola deve escolher os novos rumos do desenvolvimento do pensamento desse aluno.

Atividade de Estudos:

1) Você, provavelmente, já viveu ou se comportou como um super-herói. Pode até ter se machucado fisicamente ao tentar voar como o Super-Homem ou o Batman. A possibilidade de representar, de fantasiar, de criar, de transformar as características objetivas da realidade, permite ao indivíduo adaptar-se a ela em função de – e sem desconsiderar – suas necessidades e desejos. A partir do desenvolvimento, será que a separação entre real e irreal fica mais nítida?

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Algumas Considerações Neste capítulo, procuramos descrever que nas atividades lúdicas as crianças

podem desenvolver algumas habilidades importantes para o seu amadurecimento, tais como: a atenção, a imitação, a memória, a imaginação.

O brincar funciona como um cenário no qual as crianças tornam-se capazes não só de imitar a vida como também de transformá-la, baseada no desenvolvimento da imaginação e na interpretação da realidade, sem ser ilusão ou mentira. Também se tornam autoras de papéis, escolhendo, elaborando e colocando em prática suas fantasias e conhecimentos, sem a intervenção direta do adulto, podendo pensar e solucionar problemas de forma livre das pressões situacionais da realidade imediata.

Para brincar é preciso que as crianças tenham certa independência para escolher seus companheiros, os brinquedos e os papéis que irão assumir no interior de um determinado tema e enredo, cujos desenvolvimentos dependem unicamente da vontade de quem brinca. Os brinquedos são considerados objetos privilegiados da educação das crianças, são objetos que dão suporte ao brincar e podem ser das mais diversas origens, materiais, formas, texturas, tamanho e cor. Através do contato, manipulação e uso dos brinquedos pelas crianças, há uma aprendizagem multidisciplinar das formas de ser e pensar da sociedade.

Por meio das brincadeiras, os professores podem observar e constituir uma visão dos processos de desenvolvimento das crianças em conjunto e de cada uma em particular, registrando suas capacidades de uso das linguagens, assim como de suas habilidades sociais e dos recursos afetivos e emocionais que dispõem.

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É preciso que o professor tenha consciência que na brincadeira as crianças recriam e estabilizam aquilo que sabem sobre as mais diversas esferas do conhecimento, em uma atividade espontânea e imaginativa. É preciso também que o professor tenha consciência que as crianças não estarão brincando livremente nestas situações (como atividades didáticas), pois há objetivos didáticos em questão.

Portanto, mesmo que a atividade lúdica do brincar e do jogar não possua valorização suficiente em algumas práticas pedagógicas, em virtude da falta de conhecimento dos profissionais que atuam na área sobre a importância da tecnologia educativa, percebe-se que os jogos educativos são recursos riquíssimos no desenvolvimento de habilidades se tornando estratégias de ensino que podem atingir diferentes objetivos e áreas do conhecimento.

ReferênciasABRAM, J. A linguagem de Winnicott. Rio de Janeiro: Revinter. 2000.

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O Ato do Brincar Capítulo 3

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