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FUNDAMENTOS DO DIREITO CONSTITUCIONAL

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FUNDAMENTOSDO DIREITO CONSTITUCIONAL

IESDE BRASIL S.A.Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1482. CEP: 80730-200

Batel - Curitiba - PR. 0800 708 88 88 www.iesde.com.br

Fundação Biblioteca NacionalISBN 978-85-7638-802-9

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FUNDAMENTOSDO DIREITO CONSTITUCIONAL

Autora

Vera Karam de Chueiri

1.ª edição

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© 2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

Todos os direitos reservadosIESDE Brasil S.A.

Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 • Batel 80730-200 • Curitiba • PR

www.iesde.com.br

C559 Chueiri, Vera Karam de

Fundamentos do Direito Constitucional./ Vera Karam de Chueiri. — Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2008.

140 p.

ISBN: 978-85-7638-802-9

1.Direito Constitucional 2. Direitos Reais 3. Direitos do cidadão 4. Poderes (Direito) 5. Separação de poderes I. Título

CDD 341.2

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Sumário

Direito Constitucional – conceito e objeto de estudo | 7Estado moderno | 7Constituição e constitucionalismo | 8Poder constituinte | 9Constituição – conceitos | 10Constituição – classificação | 12

A história do constitucionalismo no Brasil | 17Constituição do Império | 17Primeira Constituição da República (1891) | 18Segunda Constituição da República (1934) | 20Terceira Constituição da República (1937) – o golpe | 21Quarta Constituição da República (1946) | 22Quinta Constituição da República (1967) e o golpe militar | 23

A Constituição brasileira de 5 de outubro de 1988 | 31A constituinte de 1987-1988 | 31A Constituição cidadã (5 de outubro de 1988) | 32Aspectos críticos em relação à constituinte de 1987-1988 e à Constituição de 1988 | 36

República Federativa do Brasil: fundamentos e princípios | 41Fundamentos da República Federativa do Brasil | 41Princípios que regem a relação internacional da República Federativa do Brasil | 45

Direitos fundamentais | 51Antecedentes históricos | 51A questão sobre os fundamentos dos direitos | 54As declarações de direitos e a idéia de universalidade | 55Os direitos fundamentais, suas garantias e a Constituição brasileira de 1988 | 58

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Os direitos fundamentais na Constituição brasileira de 1988 | 63Direitos individuais | 63

Os direitos fundamentais sociais na Constituição brasileira de 1988 | 71Trabalho | 72Associação profissional – liberdade sindical | 74Greve | 74

A organização do Estado | 79Federação | 79

Organização dos poderes – Legislativo | 91Poder Legislativo | 91Da estrutura | 92Sessões conjuntas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal | 95Comissões Parlamentares | 95Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) | 96

Processo legislativo | 103Emendas à Constituição | 103Leis complementares | 104Leis ordinárias | 105Leis delegadas | 105Medidas provisórias | 106Decretos legislativos | 107Resoluções | 107Fases do processo legislativo | 107

Organização dos poderes – Executivo | 111Poder Executivo | 111Presidente da República – eleição, mandato e posse | 112Ministros de Estado, Conselho da República e Conselho de Defesa Nacional – auxiliares do presidente da República | 115

Organização dos poderes – Judiciário | 123Poder Judiciário | 123Da estrutura | 125Supremo Tribunal Federal | 126

Gabarito | 131

Referências | 137

Anotações | 139

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ApresentaçãoPrezados alunos

Este livro trata-se de um manual de Direito Constitucional para o curso de

Ciências Sociais e que, portanto, pretende dar uma noção dos principais

temas enfrentados naquele campo de saber. O capítulo primeiro trata do

conceito e objeto de estudo do Direito Constitucional a saber, a Constituição,

seu processo de elaboração, que é o poder constituinte e sua relação com

o constitucionalismo. O capítulo dois descreve, brevemente, a história do

constitucionalismo no Brasil, a começar pela Constituição do Império, de

1824, até a Constituição ou Emenda Constitucional 1, de 1969. O capítulo três

trata, especificamente, da Constituição brasileira de 5 de outubro de 1988 que

surge com a redemocratização do país após os anos de ditadura militar e das

constituições outorgadas. O capítulo quatro dispõe sobre os fundamentos da

República Federativa do Brasil e os princípios que a regem nas suas relações

internacionais a partir da Constituição Federal de 1988. O capítulo cinco

discute os direitos fundamentais, seus antecedentes históricos, especialmente

as declarações de direitos decorrentes das revoluções liberais-burguesas

que estavam na origem do Estado liberal moderno. O capítulo seis trata,

especificamente, dos direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988,

sobretudo dos direitos individuais. O capítulo sete trata, também, dos direitos

fundamentais, porém os de cunho social, presentes na Constituição Federal

de 1988. O capítulo oito apresenta a organização do Estado e suas respectivas

esferas: federal, estadual e municipal. O capítulo nove fala da organização dos

poderes e, pontualmente, do Poder Legislativo. O capítulo dez trata do processo

legislativo, que diz respeito à elaboração das várias espécies normativas. O

capítulo onze discorre sobre o Poder Executivo e faz algumas digressões sobre

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o presidencialismo e o parlamentarismo. O capítulo doze trata do Poder Judiciário,

com foco no Supremo Tribunal Federal.

A seqüência dos capítulos se deu em face da necessidade de dar ao leitor das

Ciências Sociais um panorama geral do Direito Constitucional, sem descurar de

uma análise crítica dos temas relacionados a esse campo do saber, ainda que se

trate de um manual, isto é, de um texto de generalidades sobre o assunto e de fácil

compreensão para aqueles que não são iniciados no campo jurídico, especialmente

no campo jurídico-constitucional.

De toda forma, convido a todos para esta leitura e espero que ela instigue-os a

compreender a Constituição não como uma mera folha de papel (como diria

Lassale), mas como o resultado do compromisso radical com a democracia que o

Estado e a sociedade brasileira assumiram desde 1988.

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A história do constitucionalismo no Brasil

Constituição do ImpérioA história do constitucionalismo no Brasil pode ser compreendida a partir das suas constitui-

ções, todas elas, escritas. Nesse sentido, pode-se dizer que a história constitucional do Brasil começou em 1824 quando o Imperador D. Pedro I, dois anos após a declaração da independência, sancionou a primeira Constituição (imperial) do Estado que então se criava, dando-lhe uma forma unitária, confor-me os ideais políticos modernos de uma monarquia constitucional.

A forma unitária significa um Estado, cujo poder é centralizado e concentrado em uma única instância. Isso significa que no Estado unitário a ordem administrativa, política e jurídica se conjugam em uma unidade de poder. Assim, o governo no Estado unitário é centralizado e centralizador e a ele cabe atribuir as funções a serem executadas pelas instâncias inferiores, pois estas não são autônomas.

Diferente do Estado federal, no qual, por exemplo, combinam e concorrem os poderes da fede-ração com os dos estados-membros – e no Brasil, após a Constituição de 1988, inclusive, os dos municí-pios –, no Estado unitário o poder ocupa uma única e exclusiva esfera.

A forma unitária é tradicionalmente mais adequada a Estados que possuem pequena extensão territorial. Entretanto, apesar do Brasil desde sempre possuir um vasto território, sua primeira forma, dada pela Constituição de 1824, foi unitária.

A Constituição dividiu o Estado em províncias e o Rio de Janeiro se tornou o centro do governo e a sede da família real portuguesa.

Logo após a formalização da independência, em 1823, sob a presidência do bispo português Dom José Caetano da Silva Coutinho e com o discurso de abertura de Dom Pedro I, deu-se a instalação da Assembléia Constituinte, a qual teve uma dupla função: elaborar a primeira Constituição do novíssimo Estado que nascia naquele momento e, ao mesmo tempo, funcionar como Poder Legislativo ordinário,

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isto é, o poder que faz as leis infraconstitucionais do Estado – as leis que estão abaixo da Constituição (leis ordinárias, leis complementares, leis delegadas, regulamentos etc.). Entretanto, a Assembléia Constituinte teve um fim desconcertante: Dom Pedro I, que havia se autodeclarado “Imperador constitucional e defen-sor eterno do Brasil”, através da sua autoridade e, contrariamente aos ideais liberais que ele havia, incial-mente, subscrito, dissolveu-a. Dessa forma, o próprio Imperador, com o auxílio de um pequeno grupo por ele escolhido, elaborou e outorgou a Constituição em 25 de março de 1824, a qual foi a primeira Constitui-ção Imperial do Brasil, infelizmente, uma Constituição imposta e que durou até o final do Império.

Primeira Constituição da República (1891)O final do Império significou para o Brasil duas mudanças radicais: da forma de governo (de

monarquia constitucional para república) e da forma de Estado (de unitário para federação), as quais, conforme se verá a seguir, foram os principais pontos de pauta da constituinte.

A república, ao contrário da monarquia, é a forma de governo em que muitos participam do exercício do poder. A federação é forma de Estado em que o poder é, tradicionalmente, descentralizado em duas instâncias: a federal e a estadual.

Marechal Deodoro da Fonseca assume a presidência do governo provisório e nomeia uma comi-são de republicanos para elaborar o projeto de Constituição a ser apresentado e discutido na Assem-bléia Constituinte. O projeto é, então, aprovado pelo executivo do governo provisório em 22/06/1890 e em 15/11/1989 é eleita a Assembléia Constituinte, presidida por Prudente de Morais. Na realidade, a primeira Assembléia Constituinte republicana teve os seus membros eleitos para exercer também os poderes legislativos ordinários, isto é, os de fazer as leis ordinárias e, dessa forma, menos que uma Assembléia Constituinte, o que se teve foi um Congresso Constituinte.

Interessante anotar que o Marechal Deodoro da Fonseca, seu vice, o Marechal Floriano Peixoto e todos os seus ministros pertenciam à maçonaria. Daí a ênfase do governo provisório na separação en-tre o Estado e a Igreja. Outro feito dessa época foi a concessão da nacionalidade a todos os imigrantes residentes no Brasil. Também surge logo após a instauração da República a bandeira nacional, com a inscrição “ordem e progresso”, símbolo da pátria que permanece até os dias de hoje.

A primeira Constituição da República foi aprovada em 24/03/1891, seguindo quase na íntegra o projeto apresentado pela comissão de republicanos, com apenas poucas modificações agregadas pelas discussões durante a constituinte. Resulta desse processo que as antigas províncias se transformam em Estados federados (estados-membros da federação), os quais formaram, assim, os Estados Unidos do Brasil, denominação esta que o Brasil de imediato adotou. Criou-se o Distrito Federal como entidade igualmente pertencente à Federação, sobre a qual se estabeleceria a capital da República. O estados- membros se tornam autônomos e com competências remanescentes (tudo que não lhes fosse negado expressamente pela Constituição, lhes era facultado).

O presidencialismo1 é adotado como regime de governo, isto é, um regime no qual o presidente da República exerce as funções de chefe de Estado e de chefe de governo com o auxílio dos seus ministros, os quais se tornam, assim, auxiliares da confiança do presidente, que pode exonerá-los a qualquer momento.

1 No presidencialismo, a mesma pessoa, isto é, o presidente da República é o chefe de Estado e o chefe de governo. No parlamentarismo não ocorre o mesmo, pois neste o chefe de Estado (o presidente) divide funções com o chefe de governo (o primeiro-ministro ou chanceler). Em relação às funções, pode-se dizer que as de chefe de Estado estão mais relacionadas à representação da soberania nacional interna e externamente, enquanto as de chefe de governo estão relacionadas à Administração do governo, da burocracia, das políticas públicas.

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19|A história do constitucionalismo no Brasil

Acaba o Poder Moderador, símbolo da monarquia, e se estabelece o mecanismo dos freios e con-trapesos e da harmonia e independência entre os três poderes. Em relação ao Executivo e ao Legislativo, seus membros passam a ser eleitos pelo voto do povo. Assim, o princípio do voto universal é adotado pela Constituição, no entanto, tal “universalidade” não se estende aos analfabetos, aos mendigos, aos praças militares e às mulheres.

O político e intelectual que mais se destacou na feitura da Constituição foi Rui Barbosa, o qual era um grande conhecedor da Constituição norte-americana, a qual serviu de fonte de inspiração para a primeira Constituição republicana brasileira, esta considerada uma boa Constituição, porém material-mente ineficaz, pois era distante da realidade nacional.

A considerar que Deodoro da Fonseca e seu vice, Floriano Peixoto, não concorreram pela mesma chapa, tem-se que a Primeira República começa com uma cúpula de governo dividida. Também, a ten-são entre os militares e os políticos civis ganha força, na medida em que os militares resistem à nova estrutura do governo republicano, descentralizado e federalista e pressionam no sentido do retorno à forte centralização e concentração do poder.

A oposição pressiona Deodoro da Fonseca no sentido da diminuição dos seus poderes presiden-ciais e desse embate resulta, em 03/11/1891, a dissolução do Congresso, a caracterizar um verdadeiro golpe de Estado. Muitos políticos da oposição foram presos e a imprensa sofreu forte censura. Diante dessa crise, a oposição, alguns setores da sociedade civil e, sobretudo, Floriano Peixoto forçam Deodoro a renunciar, o que ocorre em 23/11/1891.

Com a renúncia, assume o vice, Floriano Peixoto, o qual imediatamente restabelece as atividades do Congresso. Entretanto, a Constituição previa que em caso de renúnica do presidente da República antes da metade do mandato, isto é, de dois anos, haveria a necessidade de se convocar novamente eleições. Mas isso não ocorreu. A despeito do que dizia a Constituição, Floriano Peixoto permaneceu no cargo de presidente e avocou a si o papel de consolidar a República.

Floriano Peixoto governou com mão forte. Demitiu todos os governadores que apoiaram Deodoro da Fonseca e também enfrentou a revolta dos militares desgostosos com o seu governo. Ao contrário de Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto enfrenta os revoltosos e vence. Daí este ser conhecido como Marechal de Ferro.

Entretanto, o fato de os militares revoltosos terem sido vencidos pelo governo não resolve a crise que se instalou e, com ela, uma guerra civil, sobretudo pelas atitudes autoritárias e centralizadoras de Floriano Peixoto, especialmente contra os governos estaduais. Isso faz com que a oposição se organize e que os próximos governos adotem, ao contrário, uma atitude de descentralização do poder, diante da qual os estados-membros se tornam protagonistas no cenário da política republicana e federalista.

Assim, a política regional ganha espaço e o sistema constitucional lhe dá condições de êxito. Os governadores ganham espaço e poder, na medida do enfraquecimento do poder central. Os proprietá-rios de terra também voltam ao cenário da política. Os assim chamados “coronéis” eram, na sua maioria, fazendeiros que exerciam poder militar, econômico e político sobre as suas terras e as pessoas sujeitas ao seu julgo. Os coronéis desafiavam a impessoalidade e a racionalidade no exercício do poder, pois agiam com base no uso da força das armas e eram determinantes na escolha dos governadores e dos parlamentares. Esse cenário se distancia cada vez mais do que traçava a Constituição e, assim, em 1924, é aberto o processo de revisão constitucional, o qual termina em 1926 com sete emendas e a retomada da centralização do poder no Executivo. As emendas se resumiram no seguinte:

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20 | Fundamentos do Direito Constitucional

aumento das po:::: ssibilidades de intervenção da União federal nos estados-membros;

menos atribuição e poder ao Congresso; ::::

restrição da competência da Justiça Federal; ::::

limitação sobre o uso do :::: habeas corpus2 Introdução do veto parcial para o presidente (Bonavides e Paes de Andrade, 2004, p. 267).

Mesmo com as emendas, o processo de revisão constitucional foi um fracasso, e em1926 ocorre no país uma série de protestos, até que quatro anos mais tarde (1930) a Primeira República acaba com o chamado movimento revolucionário de 30.

O movimento de 30 propunha um novo acordo republicano que incorporasse as demandas so-ciais da população. Propunha, assim, uma nova feição ao Estado brasileiro, para além do seu carácter liberal, centrado, exclusivamente, no indivíduo, e não na sociedade. O que se quer é uma política social e econômica voltada para o povo, e não para o interesse de alguns poucos, normalmente, a oligarquia agrária (os proprietários de terra) e a incipiente aristocracia industrial (os industriais urbanos).

É importante lembrar que em 1932 ocorre em São Paulo o chamado movimento constituciona-lista, um protesto contra os desvios de rumo que a revolução parecia tomar, como a intervenção federal nos estados determinada pelo governo provisório, outorgando aos tenentes o poder de governar. Ain-da, o protesto se deu em nome do respeito ao sistema representativo, sobretudo dos estados-membros, contra a centralização excessiva do poder, naquele momento exercido por Getúlio Vargas, chefe do governo provisório. Assim, o movimento constitucionalista paulista foi importante para a recondução do Estado brasileiro à ordem constitucional.

Apesar do movimento constitucionalista protestar o desvio de rumo da Revolução de 30, foi Ge-túlio Vargas, líder da Revolução e do governo provisório, quem determinou a realização de eleições em 03/05/1933 para uma nova Assembléia Constituinte, cuja instalação se deu em 15/11/1933. O propósito da constituinte era, sobretudo, o de restaurar a ordem constitucional do país.

Segunda Constituição da República (1934)A constituinte de 1933 tem uma peculiaridade que a destaca na história do constitucionalismo

brasileiro. Foi a única que, instituída para a função de fazer a Constituição, com seus membros eleitos exclu-sivamente para tanto, não se converteu em legislativo ordinário após o término dos trabalhos e a respectiva promulgação da Constituição. Ou seja, não houve na sua convocação vínculo com o poder já constituído (não foi um Congresso Constituinte) e nem na sua dissolução se converteu em legislativo ordinário.

Pois bem, a segunda Constituição da República foi promulgada em 16/07/1934 sob a influência da Constituição de Weimar de 1919 e da Constituição espanhola de 1931, ambas constituições oriundas do ambiente pós-Primeira Guerra na Europa, que era de construção do chamado Estado social ou Esta-do de bem-estar (Welfare State).

Pela primeira vez o texto da Constituição brasileira dedicou um capítulo específico à ordem social e econômica do Estado. Tal capítulo começava no artigo 115 e seguia até o artigo 143, isto é, 28

2 O habeas corpus é um remédio constitucional de que se utiliza o cidadão que sofre ou está na iminência de sofrer coação, ameaça ou violência de constrangimento na sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder da autoridade legítima. Ou seja, ele é um meio através do qual qualquer pessoa que esteja inviabilizada de exercitar sua liberdade de ir e vir (esteja presa, por exemplo) pode se utilizar para garanti-la.

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21|A história do constitucionalismo no Brasil

artigos da Constituição foram dedicados à matéria social e econômica. Autonomia sindical, jornada de oito horas de trabalho diário, previdência social são alguns exemplos da matéria contemplada pelo texto da Constituição, como também a introdução de um capítulo sobre a educação.

A estrutura federativa sofreu algumas mudanças, especialmente com a ampliação dos poderes da União federal em relação aos dos estados-membros. Isso se justifica pelo fato de que o movimento de 30 tinha como uma de suas metas resgatar o poder central que havia sido enfraquecido em face da política dos governadores, sobretudo dos estados de São Paulo e Minas Gerais. Apelando para um fe-deralismo cooperativo, isto é, para um sistema em que a União federal e os estados-membros exerciam suas funções de maneira cooperativa, o que aconteceu, na realidade, foi a redução da autonomia dos estados-membros. Estes ficaram relativamente dependentes da União federal. Assim, o Poder Executivo federal ficou mais poderoso em relação aos Executivos estaduais e, também, em relação ao Poder Legis-lativo de uma maneira geral.

É de se destacar, ainda, a introdução do chamado mandado de segurança que é um remédio constitucional contra atos arbitrários e abusivos de qualquer autoridade pública sobre os cidadãos.

Não obstante a característica social da Constituição de 1934, ela também continha princípios de liberdade econômica, tais como, livre-iniciativa, livre-concorrência etc. a acentuar o antagonismo entre o compromisso social da Constituição, o intervencionismo estatal e a ordem econômica liberal.

Terceira Constituição da República (1937) – o golpeInfelizmente a Constituição brasileira de 1934 não durou mais que três anos e, através de um gol-

pe de Estado, o presidente da República, Getúlio Vargas, fechou o Parlamento (Congresso Nacional) em 1937 e, autoritariamente, outorgou uma nova Constituição ao país. Naquele momento, Getúlio flertava com os regimes totalitários que vinham se fortalecendo na Europa, como o fascismo na Itália, o fran-quismo na Espanha e o nazismo na Alemanha.

Assim, a importância do Poder Legislativo federal e, também dos estados-membros foi, dramati-camente, reduzida a um governo centralizado nos mandos do Executivo federal. O presidente da Repú-blica ficou investido de um poder enorme a despeito dos demais poderes, Legislativo e Judiário e das demais instâncias de poder, estadual e municipal. O próprio Judiciário ficou proibido de examinar e julgar algumas questões do governo. Os cidadãos tiveram seus direitos fundamentais violados, como a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, a liberdade partidária, o devido processo legal etc.

Segundo Getúlio Vargas, a Constituição de 1937 seria submetida a plebiscito, todavia tal fato nun-ca ocorreu. Foi uma Constituição imposta, conhecida como Constituição “polaca”, pois foi inspirada na Constituição polonesa. Essa Constituição ajudou a ditadura Vargas por conceder ao presidente da Re-pública o poder, inclusive, de legislar, através de decretos-lei, de declarar guerra até mesmo sem a au-torização do Congresso, de intervir nos estados-membros, de dissolver a Câmara Federal, entre outros poderes de exceção.

Essa Constituição criou um Executivo federal centralizado e muito forte, fragmentou o Legislativo e fez surgir uma burocracia estatal, cujo controle era operado por uma única pessoa: o presidente da República. Autoritária, essa foi uma Constituição de um período ditatorial e que se justificava ao dizer que o assim chamado “Estado Novo” por ela inaugurado seria a salvação nacional.

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22 | Fundamentos do Direito Constitucional

O período de 1937 a 1946 foi de grande tensão política no mundo, e no Brasil não foi exceção. Ainda que distante dos eventos catastróficos da Segunda Guerra Mundial, o Brasil sentiu seus efeitos.

Getúlio Vargas era um líder populista que governou o Brasil com pulso forte – entusiasmado com totalitarismo e seus métodos, especialmente o fascismo, o franquismo e o nazismo. O seu populismo rendeu à classe trabalhadora, desde a Constituição de 1934, significativas mudanças em relação aos seus direitos. Entretanto, com o final da Segunda Guerra Mundial e a vitória dos aliados, o mundo passa a olhar com repúdio os governos totalitários. Os efeitos se sentem aqui no Brasil, na medida em que Ge-túlio e seu “Estado Novo” entram em crise, sua popularidade é afetada e, assim, em 28 de fevereiro de 1945, ele baixa a Lei Constitucional 9 estabelecendo mudanças na Constituição de 1937, chamada de Ato Adi-cional 9, o qual, entre outras coisas, determina a realização de eleições gerais para do dia 02/12/1945. Entretanto, antes dessa data, Getúlio Vargas é deposto pelas forças militares, ainda que formalmente se tenha dito que ele renunciou. Na seqüência, em 12/11/1945, através da Lei Constitucional 13, o Con-gresso foi transformado em Assembléia Constituinte, isto é, deixa de ser Poder Legislativo comum para se transformar em poder constituinte com a responsabilidade de fazer a quarta Constituição da República, a qual foi promulgada em 18/05/1946.

Quarta Constituição da República (1946)A Constituição brasileira de 1946 teve como sua principal tarefa a redemocratização do país. Na-

quele momento, o mundo estava atônito com as atrocidades da Segunda Guerra e o mesmo sentimen-to de repulsa e condenação ao totalitarismo se tinha aqui no Brasil. Nesse sentido, o desejo de rede-mocratizar e de escrever outra história política tomou conta dos trabalhos constituintes e se refletiu na nova Constituição, a quarta da nossa tradição republicana.

É, portanto, notável que a Constituição de 1946 estivesse profundamente comprometida com a reafirmação de alguns princípios, como o republicano, o democrático e o federativo e, ainda, com a ratificação e a efetivação dos direitos fundamentais – individuais, coletivos e sociais – dos cidadãos bra-sileiros. Com o desejo de afastar o fantasma da ditadura, foi esta uma Constituição que descentralizou o poder, ampliou os direitos e introduziu mecanismos democráticos relativamente à participação po-pular nos afazeres do governo. Os municípios ganharam importância com uma maior participação na cobrança e recebimento de tributos e, com isso, sua autonomia pode ser notada na federação. Também, os estados-membros tiveram seus poderes restaurados e com eles sua autonomia foi resgatada.

O mandato do presidente da República foi alterado para cinco anos e sua escolha através de elei-ções diretas por maioria simples ou relativa, isto é, a eleição para presidente seria decida em um único e ex-clusivo turno de votação e seria eleito aquele que obtivesse a maioria (50% mais 1) dos votos dos eleitores.

O legislativo volta a ser bicameral (Câmara Federal mais Senado) e seus membors voltam a ter sua prerrogativas restauradas. A Constituição de 1946 foi a primeira Constituição brasileira a garantir plena liberdade de associação política. Tanto é que o partido comunista e outros de ideologia socialista se tornaram legais, podendo, livremente, participar das eleições como qualquer outro partido político.

O judiciário teve suas garantias também restauradas de forma a viabilizar o trabalho independen-te dos magistrados. Todos os direitos e liberdades expressos pela Constituição de 1934 que tinham sido suprimidos pela Constituição de 1937 foram também restaurados.

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23|A história do constitucionalismo no Brasil

Pela primeira vez, o texto da Constituição falou em justiça social, não obstante também estava lá consignada a idéia da livre-iniciativa e do valor social do trabalho. De fato, a Constituição de 1946 não foi muito além da de 1934 ao promover uma estrutura liberal democrática para o Estado brasileiro.

É de se ressaltar que ao contrário das constituições anteriores, esta não foi o resultado de uma projeto encomendado a uma comissão de notáveis, mas a sua principal fonte foi o texto da Constituição de 1934. Nesse sentido, foi ela uma Constituição sensível aos direitos individuais e sociais, prescreven-do aos cidadãos brasileiros vida digna, redução das desigualdades regionais, condições mais justas de trabalho na cidade e no campo, relação de trabalho com garantia do salário, proteção do emprego, garantia da educação e da cultura a ser promovida pelo Estado etc.

A Constituição de 1946 ficou em vigor até 1967 não sem sofrer emendas e golpes. Por força do golpe militar de 1964, o Estado brasileiro e, com ele a Constituição, foram para o limbo da história. An-tes, porém, em 1961, em meio a uma crise política causada pela renúncia do presidente da República Jânio Quadros, após oito meses no cargo e pela recusa dos setores mais conservadores do governo em aceitar a posse do vice-presidente, João Goulart, a Constituição foi emendada, alterando o sistema de governo presidencialista para parlamentarista. Havia o receio de que João Goulart (“Jango”) tranformas-se o Brasil em uma república sindicalista e a solução articulada pelos conservadores foi tranformá-lo wm um mero chefe de Estado, deixando o governo a cargo de outro chefe, o primeiro-ministro. O parlamen-tarismo resistiu a três gabinetes (três primeiros-ministros) e depois, graças a um plebiscito, a população escolheu a volta ao presidencialismo.

Não obstante o curto período parlamentarista tenha aliviado um pouco a crise, ele não evitou o pior: em 30 de março de 1964 os militares brasileiros, apoiados pelos Estados Unidos da América, de-ram um golpe no Estado brasileiro e na Constituição, removendo o presidente do cargo e, a despeito da ordem constitucional, autonomeando um novo governo militar. Desse momento em diante, o Brasil passou a ser governado excepcionalmente por atos institucionais, até a outorga de uma nova Consti-tuição, em 1967. Os atos institucionais, como em qualquer Estado autoritário, se colocavam acima da Constituição e eram oriundos da cúpula militar que governava e tomava as decisões políticas.

Pode-se afirmar que um dos piores aspectos da ditadura militar que se instalou no país, tortu-rando, matando, fazendo desaparecer pessoas, cerceando direitos, foi o mais absoluto desrespeito com a Constituição de 1946, sua legitimidade e legalidade. Os líderes do golpe de 1964 e do novo regime ditatorial, desde o seu começo, agiram contra a Constituição, impondo-lhe atos institucionais que foram verdadeiras medidas de exceção.

Quinta Constituição da República (1967) e o golpe militarEm 1967, sob a presidência do Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, foi outorgada a

quinta Constituição da República. Constituição esta de forma e conteúdo autorirários. Novamente, o Estado passa a ter o seu governo centralizado no Executivo federal, as pessoas foram privadas dos seus direitos constitucionais mais fundamentais, como a liberdade de expressão, de convicção filosófica e política, de ir e vir etc.

A Constituição de 1967, mais do que a de 1946, adota explicitamente um modelo político e eco-nômico liberal, ainda que com algumas mitigações, como a possibilidade de reforma agrária com justa e

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24 | Fundamentos do Direito Constitucional

prévia indenização, em determinados casos. Outras características da Constituição de 1967 são restrição dos direitos civis e políticos (por exemplo, toda reunião de pessoas deveria ser previamente autorizada e conduzida pelas autoridades militares ou policiais); fim das prerrogativas dos magistrados, como a vi-taliciedade, a irredutibilidade de vencimentos e a inamovibilidade, permitindo, assim, que o presidente da República decretasse a sua remoção ou aposentadoria quando bem lhe aprouvesse; a introdução de um sistema partidário de apenas dois partidos: a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) que nada mais era, ao menos no seu início, que uma grande frente opo-sicionista controlada pelo governo militar; limitação da autonomia dos estados-membros e o poder de o presidente governar através de decretos-lei, que são espécies de normas que não se submetem ao processo legilativo do Parlamento.

O ano de 1968 foi o mais peculiar no mundo e no Brasil, tendo em vista os movimentos de resistên-cia à opressão e demais abusos políticos de determinados governos, aqui especialmente, de resitência ao governo militar. Os estudantes, os grupos políticos oposicionistas na clandestinidade, os sindicalis-tas, entre outros movimentos sociais, empreenderam ações de protesto como manifestações, seqües-tros (como os dos embaixadores dos EUA e da Alemanha), assaltos a bancos etc. e isso procovou mais os militares, levando o governo a endurecer mais seu regime com prisões, torturas e execuções por grupos paramilitares.

O Ato Oficial da fase mais aguda da ditadura foi a decisão do presidente da República General Costa e Silva, em 13/12/1968, através da qual se baixou o Ato Institucional 5 (AI-5), o qual, dentre outras medidas autoritárias e atos institucionais, foi o mais violento, pois com ele se estendeu a supressão de direitos políticos, com determinação da perda dos mandatos de muitos parlamentares da oposição, como também o fechamento do Parlamento (o Congresso Nacional) pelo presidente da República, a proibição da concessão de habeas corpus nos casos de crimes políticos etc.

Um ano depois, em 1969, sob pressão do AI-5, foi imperioso que se emendasse a Constituição de 1967 de forma a legitimar aquele estado de coisas mais excepcional trazido pelo Ato Institucional. Foram quase 40 emendas no texto da Constituição de 1967 propostas pela cúpula militar no poder. Pela primeira vez, a Constituição brasileira contemplou a aplicação das penas de morte, de prisão perpétua, do confisco e do banimento em casos de guerra psicológica adversa ou subversiva do inimigo do governo.

O texto emendado da Constituição de 1967 (denominado Emenda Constitutional 1, de 1969) foi prati-camente uma nova Constituição, a qual vigorou até 1988, quando a nova Constituição democrática do Brasil foi promulgada pela Assembléia Nacional Constituinte de 1988. Mas daqui para frente é outra história!

Texto complementar

Ato Institucional 5 (AI-5)O presidente da República Federativa do Brasil, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e

considerando que a revolução brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam dar ao país um regime

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25|A história do constitucionalismo no Brasil

que, atendendo as exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem demo-crática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, desse modo, “os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direto e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria.”

Considerando que o governo da república, responsável pela execução daqueles objetivos e pela ordem e segurança internas, só não pode permitir que pessoas ou grupos anti-revolucionários contra ela trabalhem, tramem ou ajam, sob pena de estar faltando a compromissos que assumiu com o povo brasileiro, bem como porque o poder revolucionário, ao editar o Ato Institucional 2, afir-mou categoricamente, que “não se disse que a revolução foi, mas que é e continuará” e, portanto, o processo revolucionário em desenvolvimento não pode ser detido.

Considerando que esse mesmo poder revolucionário, exercido pelo presidente da República, ao convocar o Congresso Nacional para discutir, votar e promulgar a nova Constituição, estabeleceu que esta, além de representar “a institucionalização dos ideais e princípios da revolução”, deveria “assegurar a continuidade da obra revolucionária” (Ato Institucional 4, de 7 de dezembro de 1966).

Considerando que, assim, se torna imperiosa a adoção de medidas que impeçam que sejam frustrados os ideais superiores da revolução, preservando a ordem, a segurança, a tranqüilidade, o desenvolvimento econômico e cultural e a harmonia política e social do país comprometidos por processos subversivos e de guerra revolucionária.

Considerando que todos esses fatos perturbadores da ordem são contrários aos ideais e à con-solidação do movimento de março de 1964, obrigando os que por ele se responsabilizaram e jura-ram defendê-lo a adotarem as providências necessárias, que evitem sua destruição. Resolve editar o seguinte:

Art. 1.º São mantidas a Constituição de 24 de janeiro de 1967 e as Constituições estaduais, com as modificações constantes, deste Ato Institucional.

Art. 2.º O presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das As-sembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sítio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo presidente da república.

§1.º Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica autorizado a le-gislar em todas as matérias e exercer as atribuições previstas nas constituições ou na Lei Orgâ-nica dos municípios.

§2.º Durante o período de recesso, os senadores e deputados federais, estaduais e os vereado-res só perceberão a parte fixa de seus subsídios.

§3.º Em caso de recesso da Câmara Municipal, a fiscalização financeira e orçamentária dos mu-nicípios que não possuem Tribunal de Contas será exercida pelo do respectivo estado, esten-dendo sua ação às funções de auditoria, julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos.

Art. 3.º O presidente da República, no interesse nacional, poderá decretar a intervenção nos estados e municípios, sem as limitações previstas na Constituição.

Parágrafo único. Os interventores nos estados e municípios serão nomeados pelo presidente da República e exercerão todas as funções e atribuições que caibam, respectivamente, aos gover-nadores ou prefeitos, e gozarão das prerrogativas, vencimentos e vantagens fixados em lei.

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Art. 4.º No interesse de preservar a revolução, o presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direi-tos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos efetivos federais, estaduais e municipais.

Parágrafo único. Aos membros dos legislativos federal, estaduais e municipais que tiverem seus mandatos cassados, não serão dados substítutos, determinando-se o quorum parlamen-tar em função dos lugares efetivamente preenchidos.

Art. 5.º A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa, simultaneamente, em:

I - cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;

II - suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;

III - proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política;

IV - aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança:

a) liberdade vigiada;

b) proibição de freqüentar determinados lugares;

c) domicílio determinado.

§ 1.º O ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá fixar restrições ou proibições relativamente ao exercício de quaisquer outros direitos públicos ou privados.

§ 2.º As medidas de segurança de que trata o item IV deste artigo serão aplicadas pelo Ministro de Estado da Justiça, defesa a apreciação de seu ato pelo Poder Judiciário.

Art. 6.º Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de: vitaliciedade, inamobilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por prazo certo.

§1.º O presidente da República poderá, mediante decreto, demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas neste artigo, assim como empre-gados de autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista, e demitir, transferir para a reserva ou reformar militares ou membros das polícias militares, assegurados, quando for o caso, os vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de serviço.

§2.º O disposto neste artigo e seu §1.º aplica-se, também, nos estados, municípios, Distrito Federal e territórios.

Art. 7.º O presidente da República, em qualquer dos casos previstos na Constituição, poderá decretar o estado de sítio e prorrogá-lo, fixando o respectivo prazo.

Art. 8.º O presidente da República poderá, após investigação, decretar o confisco de bens de to-dos quantos tenham enriquecido, ilicitamente, no exercício de cargo ou função pública, inclusive de autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.

Parágrafo único. Provada a legitimidade da aquisição dos bens far-se-á sua restituição.

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27|A história do constitucionalismo no Brasil

Art. 9.º O presidente da República poderá baixar atos complementares para a execução deste Ato Institucional, bem como adotar, se necessário à defesa da revolução, as medidas previstas nas alíneas de e do §2º do artigo 152 da Constituição.

Art. 10.º Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a se-gurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.

Art. 11.º Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato Institucional e seus atos complementares, bem como os respectivos efeitos.

Art. 12.º O presente Ato Institucional entra em vigor nesta data, revogadas as disposições con-trárias.

Brasília, 13 de dezembro de 1968; 147.º da Independência e 80.º da República.

A. Costa e Silva Jarbas G. Passarinho

Luís Antônio da Gama e Silva Márcio de Souza e Mello

Augusto Hamann Rademaker Grunewald Leonel Miranda

Aurélio de Lyra Tavares José Costa Cavalcanti

José de Magalhães Pinto Edmundo de Macedo Soares

Antônio Delfim Netto Hélio Beltrão

Mário David Andreazza Afonso de A. Lima

Ivo Arzua Pereira Carlos F. de Simas

Tarso Dutra

Disponível em: <www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_6.htm>.

Atividades1. Analisando a história do constitucionalismo brasileiro, qual foi a principal mudança ocorrida com

passagem da Constituição do Império para a primeira Constituição da República, de 1891?

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28 | Fundamentos do Direito Constitucional

2. Em que momento da história do constitucionalismo brasileiro houve uma Assembléia Consti tu-inte livre e soberana, desvinculada do Parlamento constituído, isto é, do Poder Legislativo ordiná-rio ou que nele se converteu?

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29|A história do constitucionalismo no Brasil

3. Qual é a sua interpretação acerca das seguintes passagens do AI-5 relativamente à restrição de direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros?

‘‘O presidente da República Federativa do Brasil, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e ::::considerando que a revolução brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam dar ao país um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, desse modo, os meios indispensáveis à obra de reconstrução econô-mica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direto e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria”’;

“[...] Considerando que todos esses fatos perturbadores da ordem são contrários aos ideais e ::::à consolidação do movimento de março de 1964, obrigando os que por ele se responsabiliza-ram e juraram defendê-lo a adotarem as providências necessárias, que evitem sua destruição. Resolve editar o seguinte: [...]”

“[...] A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa, simultaneamente, em: ::::

I - cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;

II - suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;

III - proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política;

IV - aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança:

a) liberdade vigiada;

b) proibição de freqüentar determinados lugares;

c) domicílio determinado.

§1.º O ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá fixar restrições ou proibições relativamente ao exercício de quaisquer outros direitos públicos ou privados.

§2.º As medidas de segurança de que trata o item IV deste artigo serão aplicadas pelo Ministro de Estado da Justiça, defesa a apreciação de seu ato pelo Poder Judiciário.”