fundamento da pena em roxin
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O FUNDAMENTO DA PENA EM ROXIN (Sentido e limites da pena estatal)
Prof Juliana de Almeida Picinin
I - A pergunta chave que Roxin faz, e que procurar responder,
Como e sob que pressupostos pode se justificar que um grupo de homens, reunidos em um
Estado, prive de liberdade algum de seus membros, ou intervenha de outro modo,
conformando sua vida, sua existncia social?,
ou seja, uma pergunta acerca da legitimao e dos limites da fora estatal.
II As respostas que encontramos, ao longo dos ltimos sculos, poderiam ser resumidas
da seguinte forma:
1-A: TEORIA DA RETRIBUIO:
A culpabilidade do autor deve ser compensada com a inflio de um mal penal. Busca-se a
realizao de uma idia: justia. Segundo o prprio Roxin, a pena no serviria para nada,
sendo apenas um fim em si mesma. Tem que ser assim para que a justia possa imperar.
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Poderamos aqui fazer meno a dois filsofos clssicos: Kant e Hegel. Kant afirma que
se a sociedade, por algum motivo, resolve desfazer-se, findando aquele grupamento social,
ter-se-ia de executar at a ltima pena existente, mesmo que no mais exista corpo social
que insista neste castigo. Isso porque cada condenado deve, necessariamente, sofrer o que
seus fatos merecem. Hegel, por sua vez, oferece frmula (por todos conhecida como
frmula dialtica de Hegel), em que o crime a negao do Direito e a pena a negao
do crime. Em assim sendo, a pena seria a negao da negao do Direito e, desta forma,
a pena serviria para afirmar o Direito, ou melhor, para restabelec-lo.
Esta, enfim, seria a idia de compensao retributiva.
1-B: Crticas de Roxin teoria da retribuio:
A primeira crtica seria que a teoria retributiva diz que, havendo culpabilidade, deve-se
impor pena, mas no responde quando se tem que apenar. Uma srie de situaes do
cotidiano implica culpabilidade humana, mas nem todas carecem de pena1. Ento, Roxin
vai dizer que a teoria retributiva no fundamenta a inflio, ou seja, sob que pressupostos
a culpabilidade humana autorizaria o Estado a castigar. Seria, enfim, um cheque em
branco ao legislador, constituindo-se em uma debilidade terica e um perigo prtico,
justificando qualquer ideologia autoritria ou absolutista.
1 Exemplo disso seria ignorar um amigo em via pblica ou um inadimplemento contratual que exigem, respectivamente, apenas uma reprimenda moral e uma resposta cvel indenizatria.
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A segunda crtica seria que a possibilidade de culpabilidade humana teria de estar centrada
na liberdade da vontade, no livre-arbtrio. Se o indivduo deve ser livre para agir, por que
deveria ser castigado por sua escolha? Se determinada escolha leva ao castigo, seria
indemonstrvel a idia de liberdade no agir.
A terceira crtica seria que, considerando-se racionalmente, no compreensvel como se
pode apagar um mal acrescentando um outro. Roxin afirma que tal procedimento
corresponde a um arraigado impulso de vingana humano. A idia mesma de retribuio
compensadora, enfim, s se pode fazer plausvel mediante um ato de f.
Roxin resume as trs crticas em uma frase:
A teoria da expiao no nos pode servir, porque deixa obscuros os pressupostos da
punibilidade, porque no esto comprovados os seus fundamentos e porque, como
conhecimento de f irracional e ademais impugnvel, no vinculante.
2-A: TEORIA DA PREVENO ESPECIAL:
Esta teoria no quer retribuir um fato passado, seno que v a justificao da pena em que
se deve prevenir novos delitos do autor. De que maneira isso poderia ser feito?2
1 - corrigindo o corrigvel, que hoje denominamos ressocializao;
2 - intimidando o intimidvel;
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3 - fazendo inofensivo, mediante pena privativa de liberdade, aos que no so nem
corrigveis nem intimidveis, dando-nos uma idia de neutralizao.
Roxin diz que a idia de um Direito Penal preventivo, de segurana e correo, sedutora,
uma vez que sbria e de tendncia construtivo-social, inobstante seja criticvel, apesar de
clara em suas metas.
2-B: Crticas de Roxin teoria preventivo-especial:
Idntica objeo j feita teoria expiatria, uma vez que tambm no delimita o jus
puniendi estatal. O esforo teraputico-social do Estado deve dirigir-se, de antemo, apenas
contra os inadaptados em extrema medida sociedade. Poderia, tal teoria, justificar (e
aqui est o perigo) um tratamento penal a inimigos polticos, rebeldes etc., moldando os
cidados ideologia poltica do Estado.
Adendo a essa crtica seria que, como tratamento teraputico-social, a pena no teria
limites, j que o tratamento deveria acontecer at que se alcanasse uma definitiva
correo, deixando o particular ilimitadamente merc da interveno estatal.
A segunda crtica seria que, mesmo que o delito seja grave, no haveria necessidade de
pena se no existisse perigo de repetio. Mesmo que irrepetveis no podem restar
2 Esta teoria, em sua forma moderna, vem da poca da Ilustrao, tendo retrocedido no sc. XIX ante a teoria retributiva, mas, em fins do sc. XIX, ressurgiu com fora graas a Franz v. Liszt.
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impunes e, desta forma, a teoria preventivo-especial no teria como fundamentar a pena
nestes casos.
A terceira crtica seria de cunho ideolgico-filosfico. Que respostas poderiam ser dadas s
seguintes indagaes?
1 - O que legitima que a maioria da populao obrigue a minoria a acomodar-se s formas
de via gratas quela?;
2 - De onde obtemos o direito de poder educar e submeter a tratamento, contra sua
vontade, pessoas adultas?;
3 - Por que aqueles que preferem viver margem da sociedade no podem viver do modo
que desejam?
Roxin resume as crticas em uma frase:
A teoria da preveno especial no idnea para justificar o Direito Penal, porque no
pode delimitar os seus pressupostos e conseqncias, porque no explica a punibilidade
dos delitos sem perigo de repetio e porque a idia de adaptao social forosa, mediante
uma pena, no contm em si mesma sua legitimao, seno que necessita de
fundamentao jurdica a partir de outras consideraes.
3-A: TEORIA DA PREVENO GERAL:
Esta teoria afirma o sentido e o fim da pena no na influncia sobre o autor seno em seus
efeitos intimidatrios sobre a generalidade. O seu mais famoso representante Anselm v.
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Feuerbach que no incio do sc. XIX baseou seu sistema no pensamento da intimidao
geral com a famosa teoria da coao psicolgica.
3-B: Crticas de Roxin teoria preventivo-geral:
Caberia a mesma objeo dantes feita s outras teorias, uma vez que permanece sem
resolver frente a que comportamentos tem o Estado a faculdade de intimidar, restando
obscuro o mbito do punvel. E a isso se acrescentaria uma ulterior objeo: assim como a
concepo preventivo-especial no delimita a durao do tratamento teraputico-social (e
que, no caso, pode ultrapassar a medida do defendvel em uma ordem jurdico-liberal), o
ponto de partida preventivo-geral tem uma tendncia ao terror estatal. No se faculta ao
Estado que seus fins justifiquem seus meios, o que seria contrrio ao Direito.
A segunda crtica seria que no se pode comprovar at onde vai o efeito preventivo-geral de
um quantum de pena. No tem efeito nem sobre delinqentes profissionais nem sobre
delinqentes impulsivos-ocasionais. Nestes casos, e at em outros, a fora intimidatria das
ameaas penais especialmente escassa, no tendo diminudo a criminalidade. Roxin diz
que cada delito j, pelo s fato de existir, uma prova contra a eficcia da preveno geral.
A terceira crtica seria a seguinte indagao: como se justifica que se castigue um
indivduo, no em considerao a este, mas considerando os outros? Como pode ser justo
que se imponha um mal a algum para que outros omitam-se no cometer um mal?
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Kant j criticava esta teoria, uma vez constituir uma afronta dignidade humana. O
ordenamento jurdico estaria vendo o indivduo como objeto ( disposio da coao
estatal) e como material humano utilizvel.
Roxin resume as crticas em uma frase:
No pode fundamentar o jus puniendi estatal em seus pressupostos nem limit-lo em suas
conseqncias; discutvel poltico-criminalmente e carece de legitimao que concorde
com os fundamentos do ordenamento jurdico.
4-A: TEORIA UNIFICADORA ADITIVA:
Tem-se intentado considerar como vlidas as trs teorias anteriores, em conjunto, como
feito no Projeto de Cdigo Penal alemo de 1962, uma vez que cada teoria tem os seus
pontos aproveitveis.
4-B: Crticas de Roxin teoria unificadora aditiva:
Roxin acredita que essa mera soma das teorias no pode ser vlida, vez que destri a lgica
imanente a cada disposio, aumenta o mbito de aplicao da pena e se converte em meio
de reao apto para qualquer emprego (bom ou mau), o que seria inaceitvel em um Estado
de Direito.
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III Assim exposto, Roxin procura trazer uma resposta prtica quela indagao inicial do
fundamento da pena. A primeira observao que ele far que ameaar com pena, impor
pena e executar a pena so esferas de atividade estatal que precisam de justificativas
diferentes, separadas. Cada teoria, portanto, deve ser pensada para um dos graus (acima
indicados) de realizao do Direito (que Roxin chama de considerao gradual): a
teoria preventivo-especial execuo, a idia de retribuio sentena e a concepo
preventivo-geral ao fim das cominaes penais.
Passaremos, ento, s consideraes graduais:
1 COMINAO DE PENA:
A pergunta chave
O que pode proibir, sob pena, o legislador aos cidados?
Se o poder estatal procede do povo, o Estado deve garantir as condies de uma existncia
que satisfaa as necessidades vitais dos cidados. Incumbe ao Estado, portanto, garantir a
segurana de seus membros. Estamos falando, portanto, do dever do Estado de assegurar os
bens jurdicos. Alm, caber-lhe-ia assegurar o cumprimento das prestaes pblicas das
que depende o indivduo no marco da assistncia social por parte do Estado, permitindo ao
cidado o livre desenvolvimento de sua personalidade (como pressuposto de uma digna
existncia humana).
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Disso se depreende duas importantes conseqncias, em relao ao jus puniendi estatal:
1 - O Direito Penal de natureza subsidiria;
2 - O legislador no pode castigar, s por imoralidade, condutas no lesivas de bens
jurdicos.
Neste mbito, portanto, o fim das disposies penais de preveno geral. E Roxin observa
que se entende de um modo demasiado estreito o conceito de preveno geral se se o reduz
aos elementos de ameaa e intimidao. Dito conceito encerra a idia de que o Estado
estabelece, no Cdigo Penal, uma ordem protetora obrigatria para todo cidado, que lhe
garante os bens jurdicos necessrios para sua existncia e lhe diz quais atividades ordena
sob pena. No interesse da preveno geral, no entanto, tambm tem-se que informar sobre o
mbito do proibido a quem no necessita de intimidao. Esta uma exigncia de todo
Estado de Direito, por estar contida no princpio nulla poena sine lege. As cominaes
penais se justificam s, e sempre, pela necessidade de proteo, preventivo-geral e
subsidiria, de bens jurdicos e prestaes. A finalidade preventivo-geral atende
proteo do ordenamento como um todo.
Um ordenamento jurdico, para o qual o particular no objeto, seno titular do poder
estatal, no pode desnaturalizar-se convertendo-o em meio de intimidao. As qualidades
de sujeito e pessoa, do homem, se opem a isso.
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Se o Estado deve assegurar os bens jurdicos aos cidados, em contrapartida cada membro
da sociedade tem que fazer de sua parte tudo o que seja necessrio para que se cumpra essa
tarefa comum, arcando com a pena necessria para a manuteno de dito ordenamento.
Disto se dessumem duas conseqncias para o procedimento penal e a imposio da pena:
1 - Durante o procedimento, o particular no poder ser submetido a nenhum tratamento
que lhe prive da livre determinao de suas declaraes;
2 - A pena no pode ultrapassar a medida da culpabilidade. Se a culpabilidade no serve
para fundamentar o poder punitivo estatal, serve, ao menos, para limit-lo.
A justificao da pena est em que o delinqente est obrigado, em ateno comunidade,
a arcar com a pena. Isto justo e legtimo, segundo Roxin, no porque o delinqente tenha
que suportar que outro lhe inflija um mal, mas porque, como membro da comunidade, tem
que responder por seus fatos, na medida da sua culpabilidade, para a salvaguarda da ordem
daquela. Desse modo, no utilizado como meio para os fins dos outros, seno que, ao co-
assumir a responsabilidade pela sorte de outros, se lhe confirma sua posio de cidado
com igualdade de direitos e obrigaes.
O fim de preveno geral da punio s se pode perseguir no marco da culpabilidade
individual. Se se vai mais alm e, portanto, se faz expiar ao autor por presumidas
tendncias crimingenas de outros, se atenta, em realidade, contra a dignidade humana,
pois a eficcia protetora deste conceito consiste precisamente em que o particular , para a
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ordem jurdica, a medida de todas as coisas, enquanto tem que responder, com sua pessoa,
s por aquilo em que, conceitualmente, esta pessoa culpvel.
E concluir Roxin:
O princpio da culpabilidade, se se o separa da teoria da retribuio, a que equivocadamente
se costuma considerar indissoluvelmente unido, um meio imprescindvel em um Estado
de Direito para limitar o poder punitivo estatal.
2 FIXAO E EXECUO DA PENA:
Quanto fixao da pena na sentena governar a idia de preveno especial.3 A execuo
o terceiro e ltimo estgio de realizao do Direito Penal, somente justificada se persegue
a meta de possibilitar a vida humana em comum e sem perigos, na medida em que isso
possvel, ou seja, se tem como contedo a reincorporao do delinqente comunidade.
Assim, pois, s est indicada uma execuo ressocializadora.
importante lembrar, no entanto, que, ainda que tenha eficcia ressocializante, est
proibido um tratamento coativo que interfira na estrutura da personalidade. Como o
estabelecimento da paz jurdica o nico que legitima a pena, esta tem que adquirir um
sentido construtivo, o que tambm possvel quando a personalidade do sujeito no
necessita de uma especial promoo teraputico-social.
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Mas Roxin salienta: j que se prevenir frente a utopias de melhora demasiado cor-de-
rosa. Qualquer esforo ressocializador s pode ser uma oferta ao delinqente para
que se ajude a si mesmo com o trabalho, porm tem que fracassar quando no est
disposto a isso4.
E encerra:
Se quisermos perfilhar em uma frase o sentido e os limites do Direito Penal poderamos
caracterizar sua misso como proteo subsidiria de bens jurdicos e prestaes de
servios estatais mediante preveno geral e especial que salvaguarde a personalidade no
marco traado pela medida da culpabilidade individual.
IV Resumindo as colocaes de Roxin:
1 - As teorias monistas, que atendam culpabilidade, preveno geral ou especial,
isoladamente, so falsas necessariamente porque, quando se trata da relao do particular
com a comunidade e com o Estado, a realizao estrita de um s princpio ordenador tem
como conseqncia, forosamente, a arbitrariedade e a falta de liberdade. Assim, estaria
convertido o Direito Penal, ao invs de em uma fora protetora e construtiva, em um
instrumento de opresso e que escraviza a disposio anmica, tanto mais quanto mais
radicalmente se ponha em prtica o princpio respectivo.
3 Ateno ao prximo texto sobre Roxin, em que se elucidar porque este autor d preferncia preveno especial quando h confronto com a preveno geral. 4 Conceito de criminoso para Roxin: no , como cr o profano, o homem forte, cuja vontade animalesca h que se quebrantar, seno um homem normalmente dbil, inconstante e menos dotado, com traos psicopticos (muitas vezes) e que intenta compensar, por meio de delitos, seu complexo de inferioridade provocado por sua deficiente atitude para a vida.
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2 - A teoria unificadora aditiva ou bem no diz nada e, portanto, suprflua, ou se se a
toma ao p da letra extremamente perigosa.
3 - A teoria unificadora dialtica pretende evitar o exagero unilateral e dirigir os diversos
fins da pena at vias socialmente construtivas, ao lograr o equilbrio de todos os princpios
mediante o procedimento de restries recprocas. As melhores Constituies so as que,
atravs da diviso de poderes e de um sistema ramificado de outros controles ao poder,
integram seu Direito com todos os pontos de vista e proporcionam ao particular o mximo
de liberdade individual.
Uma teoria da pena que no queira cair na abstrao ou em propostas isoladas, seno que
pretenda corresponder realidade, tem que reconhecer essas antteses inerentes a toda
existncia social para conforme ao princpio dialtico pod-las superar em uma esfera
superior; ou seja, tem que criar uma ordem que mostre que um Direito Penal, em realidade,
s pode fortalecer a conscincia jurdica da generalidade no sentido da preveno geral se
ao mesmo tempo, preserva a individualidade de quem lhe est submetido.5
Fonte:
http://www.acarvalho.com.br/site/internas/automacao/Arquivos/artigos/o_fundamen
to_da_pena_em_roxin.doc
Acesso em 07/07/2009
5 *Trata-se, este texto, de resenha explicativa ao Captulo II (Sentido y limites de la pena estatal) do livro Problemas Basicos del Derecho Penal, de Claus Roxin, traduo de Diego-Manuel Luzon Pena, Madrid: Rus, 1976.
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