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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA NÚCLEO DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS VERNÁCULAS MESTRADO ACADÊMICO EM ESTUDOS LITERÁRIOS ARLENE LEITE DE ALMEIDA A NOMEAÇÃO DA MORTE: UMA LEITURA DE DA MORTE. ODES MÍNIMAS, DE HILDA HILST PORTO VELHO-RO 2015

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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

NÚCLEO DE CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS VERNÁCULAS

MESTRADO ACADÊMICO EM ESTUDOS LITERÁRIOS

ARLENE LEITE DE ALMEIDA

A NOMEAÇÃO DA MORTE:

UMA LEITURA DE DA MORTE. ODES MÍNIMAS, DE HILDA HILST

PORTO VELHO-RO

2015

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ARLENE LEITE DE ALMEIDA

A NOMEAÇÃO DA MORTE:

UMA LEITURA DE DA MORTE. ODES MÍNIMAS (2003) DE HILDA HILST

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Acadêmico

em Estudos Literários, da Fundação Universidade Federal de

Rondônia, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Milena Cláudia

Magalhães Santos, para obtenção do Título de Mestre em

Estudos Literários.

PORTO VELHO-RO

2015

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FICHA CATALOGRÁFICA

Bibliotecária Responsável: Cristiane Marina Teixeira Girard / CRB 11-897

Almeida, Arlene Leite de

A447n

A nomeação da morte: uma leitura de Da morte. Odes mínimas

de Hilda Hilst. Arlene Leite de Almeida. / Francisco Elieudo Buriti

Sousa. Porto Velho, Rondônia, 2014.

101 f.

Dissertação (Mestrado em Estudos Literários) - Universidade

Federal de Rondônia/UNIR.

Orientadora: Dr.a Milena Cláudia Magalhães Santos Guidio

1. Hilda Hilst. 2. Morte. 3. Nome. I. Guidio, Milena Cláudia

Magalhães Santos. II. Título.

CDU: 82.09

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Dedico à memória de João Gonçalves de Almeida.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, refúgio e fortaleza minha, socorro bem presente na angústia.

À minha mãe, Ilza Leite de Almeida, minha heroína, mulher forte e batalhadora, cujos ensinamentos

me levaram a querer galgar lugares altos. Obrigada pelo amor e pelo incansável auxílio, por ser minha

mãe e por dar origem a tudo que sou e como sou.

Ao meu pai, que partiu sem ao menos saber de minha aprovação no mestrado, mas que me sentava em

seu colo para contar-me histórias fantásticas do tempo em que trabalhava na seringa. Lembro-me do

Curupira, da Matita Pereira...Mal o sabia que plantava em mim o amor pela literatura. Mesmo não

estando aqui, agradeço pelo amor e por ter sido, em suas palavras, a “raspinha do tacho”. Amar-te-ei

eternamente.

Aos meus irmãos: Arlete, Jairo, João, José Maria, Luciene, Josué e Jânio.

Ao meu esposo amado, Edney O. Nascimento de Almeida, pelo incentivo e confiança desde o começo

do curso de mestrado, pela partilha dos infindáveis conhecimentos sobre a morte e, por manter-me sã,

quando a loucura batia a minha porta.

Aos amigos inesquecíveis, tanto aqueles que já tinha, como os que ganhei nesses dois anos: Manuela,

Maria da Saúde, Gabriel, Eli e Lucimar. Obrigada. À Manuela, pela amizade nessa caminhada e pela

força no sacrifício dos desafios.

Ao seu Abel e a dona Cida, que me acolheram como uma filha em sua casa, pelo espaço caloroso onde

não vive o adeus, mas o até breve. Ao longo dessa convivência, vocês se mostraram tão gentis que

não posso dizer outra coisa senão muito obrigada.

A minha orientadora, Milena Cláudia Magalhães Santos Guidio, que compartilhou comigo seus

amplos conhecimentos, obrigada pela paciente e atenta orientação.

A Raquel Dal Cortivo, com quem aprendi a ler literatura, por ter lido o texto e ter dado sugestões de

melhoras, mas especialmente pela amizade que perdura desde a graduação e se traduz em orientações,

incentivo e muitas risadas. Muito obrigada.

À CAPES por ter financiado esse estudo, permitindo a realização da minha pesquisa.

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RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar os poemas, que nomeiam a morte, do livro Da morte.

Odes mínimas (2003) de Hilda Hilst, considerando a maneira precária com que a voz poética

se coloca frente à morte. Ao instalar-se como “ato fundador”, o sujeito lírico estabelece um

diálogo com a morte e a coloca como forma, emoldura-a e dá-lhe um sentido que muitas

vezes lhe escapa. Assim, por meio da análise imanente, este trabalho abordará o nome da

morte nos poemas I (2003, p. 29), V (2003, p. 33), XIV (2003, p. 42), XIX (2003, 47), XXIII

(2003, p. 51), XX (2003, p. 48) e tentará responder a seguinte questão norteadora: porque

Hilda insiste em nomear e até renomear a morte? Tem-se como hipótese que, na poesia de

Hilda, a linguagem é vista como possibilidade de apreensão e conhecimento do verdadeiro

nome da morte. Nesse sentido, o arcabouço teórico que sustenta a pesquisa parte do

entendimento dos teóricos Edgar Morin e Ernest Becker, assim como o pensamento de

Maurice Blanchot sobre a morte e linguagem e a teoria de angústia de Martin Heidegger.

Dividida em quatro capítulos, a dissertação procura uma aproximação crítica da poética de

Hilda Hilst e sua possível relação com o tema da morte, assim como aborda o gênero da

interlocução no livro em análise: as odes. Também serão abordados a morte e o lugar que ela

ocupa na história do ocidente, na literatura e na poesia, bem como a nomeação da morte nos

poemas, esperando perceber os elementos representativos da morte.

Palavras-chave: Hilda Hilst, Morte, Nome.

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ABSTRACT

This work aims to analyze the poems appointing death, the book Da morte. Odes mínimas

(2003) of Hilda Hilst, considering the precarious way the poetic voice is placed facing death.

To be installed as "founding act", the lyrical subject establishes a dialogue with death and put

in order, frames it and gives you a sense that often eludes him. Thus, by the immanent

analysis, this work address death in the name of poems I (2003, p. 29), RC (2003, p. 33) and

XIV (2003, p. 42), and XIX (2003, p. 47), XXIII (2003, p 51), XX (2003, p 48) and will

attempt to answer the following guiding question: why Hilda insists on naming and renaming

to death? It has been hypothesized that, in the poetry of Hilda, language is seen as a

possibility of apprehension and knowledge of the true name of death. In this sense, the

theoretical framework that supports the research of the theoretical understanding of Edgar

Morin and Ernest Becker, as well as the thought of Maurice Blanchot about death and

language and Martin Heidegger's distress theory. Divided into four chapters, the dissertation

seeks a critical approach the poetry of Hilda Hilst and its relation to the subject of death, as

well as addresses the gender of the dialogue in the book under review: the odes. Will be also

discussed death and the place it occupies in the history of the West, literature and poetry, as

well as the appointment of death in the poems, hoping to see the representative elements of

death.

Keywords: Hilda Hilst, Death, Name.

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SUMÁRIO

Introdução.............................................................................................................................10

Capítulo I – A obra de Hilda Hilst em contexto: uma sondagem pela fenda

estreita.....................................................................................................................................14

Capítulo II – As odes – o gênero da interlocução com morte em Hilda

Hilst......................................................................................................................................33

Capítulo III – A morte em todo lugar..................................................................................52

3.1 – A morte no ocidente...................................................................................................52

3.2 – O homem diante da morte..........................................................................................55

3.3 – A Negação da morte...................................................................................................59

3.4 – A linguagem e a morte ..............................................................................................62

3.5 A morte na literatura ....................................................................................................65

3.6 Morte e poesia .............................................................................................................67

Capítulo IV – A nomeação da morte: Uma leitura de Da morte. Odes mínimas de Hilda

Hilst.....................................................................................................................................72

Considerações finais...........................................................................................................92

Referências bibliográficas..................................................................................................95

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INTRODUÇÃO

Dona de uma escrita desconcertante, reconhecida como um dos principais nomes da

literatura brasileira contemporânea, Hilda Hilst (1930 – 2004) criou uma obra singular e

multifacetada, perpassando pelos insondáveis caminhos da existência. Ao abandonar o

exercício da advocacia cede lugar a uma obra densa e erudita, resultado pelos diversos

conhecimentos da poeta, que se mostrava uma leitora assídua das ciências. Ao revisitar velhos

temas, a poesia Hilstiana é espaço para os questionamentos mais angustiantes da alma. O

amor, a vida, a morte adquirem novas roupagens e se tornam a obsessão da poeta.

Considerado a “hora dos trombones”, Da morte. Odes mínimas, livro selecionado para

o desenvolvimento deste trabalho, é um dos mais importantes de Hilda Hilst; foi publicado

pela primeira vez em 1980, pela editora Quiron / Instituto Nacional do Livro. Além das seis

pinturas de autoria da própria Hilst, anexadas aos poemas iniciais, é dividido em três partes:

Da morte. Odes mínimas, Tempo – morte, e À tua frente. Em vaidade. Composto por 50

poemas trata-se, segundo Alcir Pécora (2003) de um diálogo, cujo principal interlocutor (se

não único) é a própria morte.

No decorrer do livro, a condição humana é questionada de diversos modos e convém

dizer que, de certa forma, morte e poesia se encontram, dialogam e se envolvem. Desta

maneira, a autora iguala a poesia ao mesmo plano da morte, já que esta é impalpável,

indizível. Assim, o esforço em apreender o estado poético, em comunicar, é também o esforço

em busca de conhecer o mistério da morte, que está muito longe de ser esquecida e/ou

pensada. A morte na obra em foco é uma companheira; desincumbida da palavra obscura, é o

centro de todas as coisas e está colada no próprio existir como também no mundo

circunvizinho. É um procedimento que faz lembrar o que afirmou, em outro contexto, Octavio

Paz: “[...] a morte é inseparável de nós. Não está fora: é nós. Viver é morrer.” (2000, p. 157).

Nele, Hilda projeta em palavras um mundo de possibilidades, como que para

perscrutar todas as possibilidades do diálogo com a morte. Por conhecer a morte em vida,

segundo Nelly Novaes Coelho (1999, p. 73), ela “[...] rompe o círculo mágico de seu próprio

eu, [...] para lançar-se na voragem do eu – outro, em face do enigma (da existência, da morte,

de Deus, da sexualidade, da finitude, da eternidade...)”. Alcir Pécora (2003, p. 10), na nota do

organizador do livro Da morte. Odes mínimas, ao comentar as odes, afirma que:

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A esse respeito, a imagem mais forte que me vem da leitura destas odes é a

de uma literatura que se pensa como um bordado de barco nas vestes de um

moribundo, isto é como o desejo de transporte que ajudará a perfazer a

viagem de retorno da alma ao pó.

A fim de analisar esta viagem que Hilda faz em direção à morte, o primeiro capítulo

será uma revisão crítica da trajetória poética de Hilda Hilst, focando, estrategicamente, em

pontos de interesse desta pesquisa. Por ser “uma das mais importantes vozes poéticas de seu

tempo”, interessa-nos dizer ainda por que ela é “contemporânea”. A visita à obra da autora,

ainda que pela fenda estreita1, demonstrará que ela levou um tempo para aprofundar a

sondagem de sua palavra e adquirir uma visão de mundo que se solidificou em Da morte.

Odes mínimas. Os temas, a escrita, a forma de pensar e ver o mundo dividem a sua poesia em

fases de maturações, porém mais do que demonstrar essas fases, centraremos em situar acerca

da morte em sua poesia.

No diálogo com a tradição, fica evidente o uso da forma que Hilda utiliza no diálogo

com a morte: a ode, que sugere a opção estética da poeta para elaborar sua lírica. Devido à

presença de uma forma fixa no livro em questão, o segundo capítulo tratará o gênero da

interlocução da morte em Hilst. Consequentemente este capítulo mostrará a ode como o

sustentáculo ao diálogo, uma vez que serve de lugar para celebrar a morte, que se apresenta de

forma familiar, característica básica da ode privada.

Embora se possa falar de temas recorrentes sobre os quais Hilst se debruça em seus

poemas, há um ponto de tensão que atrai e ao mesmo tempo impossibilita um remate final que

nos dê um retrato acabado desses mesmos temas. Isto acontece porque os temas (embora

sejam o centro gravitacional dos livros) se dispersam e multiplicam-se, amalgamam-se uns

aos outros, ao longo dos livros. Por isso, o mais correto seria falar em núcleos ou feixes

temáticos.

O terceiro capítulo que compõe este trabalho se dedica a um dos temas mais essenciais

da poesia hilstiana: o tema da morte. Neste capítulo, intitulado “A morte em todo lugar”, far-

se-á um breve levantamento da história da morte no ocidente, revelando os sentimentos do

homem diante da morte, que por serem privilegiados com uma consciência são dotados de

angústia que ajuda explicitar ao homem sua condição como ser no mundo. A aceitação da

morte nos dirige, consequentemente, à esfera do pensamento, associando-a ao ato de

1 Expressão utilizada por Jorge Coli (1996) ao dizer que Hilda “... se interroga sobre o tempo, sobre o que passa,

o que se prolonga, o que volta. Ela nos leva a sentir a morte como a ausência, e apreender, perplexos, a morte em

nós, percebida rapidamente por uma fenda estreita”. Utilizamos a colocação a fim de enfatizar que a obra da

autora é muito extensa, não nos permitindo aprofundar em “águas mais profundas” e por seus poemas mostrarem

um ponto de tensão, a interrogação no diálogo, que atraem, mas ao mesmo tempo impossibilitam um remate

final.

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linguagem do homem, assim, o espaço literário se torna o lugar perfeito para que haja o

questionamento da morte.

No último capítulo, em que a análise recai sobre a nomeação da morte nos poemas, a

intenção é confirmar em definitivo o tema desta dissertação. Em busca de respostas, sobre

quando a morte virá, Hilda dispõe de apenas um artifício: a palavra poética. A construção de

sua linguagem é permeada pelo misticismo e é dotada de uma vasta erudição entre o

filosófico, o psicológico e o religioso. A ‘dura hora’ se desdobra em lirismo, pois a morte, o

centro obscuro da vida, é nomeada, eleita e cantada “[...] seja na forma da imaginação da sua

hora fatídica e única (enquanto tópica do memento mori), seja enquanto manifestação, ainda

que esquiva e insidiosa, no presente da existência falhada” (PÉCORA, 2003, p. 08).

Ao construir a interlocução da morte, Hilda canta à morte seus nomes perecíveis e

tenta compreender por meio da nomeação a imagem da morte, atribuindo-lhe caras e corpos.

A poeta, insatisfeita com “[... ] a grande realidade que permanece tão misteriosa para os

homens de hoje, como o era na origem dos tempos.” (PÉCORA, 1993, p.10), parte para uma

renomeação e batiza novamente a morte, com o intuito de apreendê-la por meio da linguagem

e então conhecê-la, para então vencê-la. Foi essa hipótese que direcionou a pesquisa para o

seguinte tema: A nomeação da morte – Uma leitura de Da morte. Odes mínimas de Hilda

Hilst.

Assim, o objetivo central desta pesquisa é analisar de que forma o nome da morte

adentra o discurso do poema, é analisar o sentido que é dado à morte. Para isso, procuraremos

discorrer sobre o tema tendo como referencial teórico reflexões de estudiosos como: Philippe

Ariès, que traz contribuições acerca da morte no ocidente no decorrer da história, pelas quais

poderemos acompanhar as representações da morte da idade média até a idade

contemporânea; Ernest Becker, que analisa por meio de uma abordagem psicanalítica o

problema da morte na vida humana, tendo como um dos princípios que em função da

consciência, o homem vive com a realidade, aterradora e inescapável, do pensamento do fim.

Sem adentrar extensamente, mas em parte nas ideias de Martin Heidegger a respeito da

angústia, pois sua concepção de que esta é via de acesso à descoberta de que o homem é um

“ser-para-a-morte” também servirá para nortear este trabalho. Também Maurice Blanchot,

que analisa a morte enquanto linguagem, propondo ao homem entender a morte fora do

patamar do fenômeno biológico, concepção que é atingida no espaço literário, tornando-se

lugar ideal para dada apreensão. Outros estudiosos da poesia como Octavio Paz e Alfredo

Bosi também auxiliam nossa compreensão acerca da obra de Hilst, pois por ser “poder,

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salvação, abandono, operação capaz de mudar o mundo” a poesia torna-se, em Da morte.

Odes mínimas, lugar de criação em torno da figura da morte.

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CAPÍTULO I

A OBRA DE HILDA HILST EM CONTEXTO:UMA SONDAGEM PELA FENDA

ESTREITA

Abro a folha da manhã

Por entre espécies grã-finas

Emerge de musselinas

Hilda, estrela Aldebarã.

(Drummond. Poema para Hilda Hilst).

Hilda Hilst, escritora paulista, poeta, cronista, ficcionista e dramaturga, nasceu em 21

de abril de 1930, na cidade de Jaú/ SP; cursou o primário e o ginásio no internato do colégio

Santa Marcelina e completou seus estudos no instituto Mackenzie, em 1947; embora de início

tenha cursado direito na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, foi no âmbito da

literatura que a autora se encontrou. A poeta morreu em 04 de fevereiro de2004, em

Campinas, com problemas cardíacos e respiratórios.

São diversas as publicações acerca da obra de Hilda Hilst, tanto em revistas, jornais,

como em livros; dos críticos precursores destacam-se Sérgio Buarque de Holanda, Sérgio

Milliet, Jorge de Sena, Anatol Rosenfeld, Nelly Novaes Coelho, Leo Gilson Ribeiro, Ivan

Junqueira, Cláudio Willer, Vilma Arêas e Berta Waldman. Logo outros críticos e amigos

publicaram na grande imprensa: Lígia Fagundes Telles, José Mora Fuentes, Jorge Colli e

outros.

Dentre os estudos propriamente acadêmicos, Marco Antônio Yonamine inicia-os, na

década de 90 do século passado, com a dissertação de mestrado, na USP, sob o título

Arabesco das pulsões: as configurações da sexualidade em A obscena senhora D, de Hilda

Hilst. Alguns focos de abordagem, como o diálogo com a psicanálise, que se apresenta como

entrada para a compreensão da obra da autora, serão recorrentes nos estudos acadêmicos.

Outra dissertação que se apoia na psicanálise é a defendida na UFMG (2002) por Sueli de

Melo Miranda, com o título Frente à ruivez da vida. Nesta, a autora define a “língua como

finalidade de gozo” e delimita o lugar do feminino, partindo do conceito de Jacques Lacan

sobre o que é poético.

Outro trabalho é o de Fabiana Brandão Silva Amorim (UFMG) que, no âmbito das

correntes recentes dos estudos culturais, aborda a obra Do desejo a partir de uma crítica

feminista da cultura. Com a dissertação intitulada Desejo e emancipação feminina, Brandão

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interpreta o desejo erótico como um elemento político; desta maneira o estudo soma de forma

significativa e valoriza esta questão na obra.

A tese de Gabriel Arcanjo Santos aponta alguns dos temas fundamentais de Hilda e

apresenta uma boa revisão da crítica sobre a literatura da autora. Para ele os poemas

concentram-se em três temas fundamentais: Deus, o amor e a morte, que sempre estão ligados

a atitudes; ligados a Deus estão o sacrifício e a súplica, ao amor: a nostalgia e a volúpia, à

morte: o enfrentamento e o lamento.

Estando sempre à frente de seu tempo, Hilst apresentava um comportamento que

causava espanto na sociedade paulistana, pois enquanto “os homens andavam engravatados e

as mulheres usavam luvas e chapéus” (TELLES, 1999, p.14), ela apresentava um estilo de

vida diferente, com comportamento e códigos sexuais. Segundo Lígia Fagundes Telles, por

possuir uma beleza estonteante, Hilda manteve muitos relacionamentos amorosos, incluindo

artistas famosos, o que a motivava a compor seus livros de poesia: “Hilda Hilst amando e

escrevendo, quando ela se apaixonava a gente já sabia que logo viria um novo livro

celebrando esse amor” (TELLES, 1999, p.15).

E na verdade, o ato de escrita já se configurava como uma transmutação do sentimento

amoroso. É Hilda que declara:

Estou persuadida que o amor é a única coisa a viver. Minha infra- estrutura é

totalmente amorosa. Gostaria sempre de viver na paixão. pode nos custar

anos de vida, esse “viver” somente em função da paixão como uma corda

que tende a se romper. Penso que apenas essa tensão, a paixão, justifica o

tempo que a gente passa a viver, e daria anos de minha vida para não

conhecer este estado. Por isso escrevo, porque penso que a poesia é

precisamente o contrário: escapar da emoção, fazer com que essa emoção se

desprenda da emoção cotidiana. A poesia é um estar além da emoção. É uma

maneira de disciplinar o dizer amoroso.

Acerca do amor como motriz para a escrita poética, Coelho também afirma: “desde as

primeiras horas (década de 1950), o mistério da poesia e do amor foram os polos imanados

que a atraíram.” (2002, p. 235), tornando-se uma constante em sua lírica. A esse respeito, a

autora assume em entrevista à Revista E: “Tentei dizer tudo o que pude na poesia. Mas falo

principalmente do amor” (FUENTES, 2002, p.14). Nesse sentido, a crítica reconhece a

estreita relação entre a poesia hilstiana e a temática do amor: “Hilda Hilst é uma mulher

apaixonada pela vida, como muitas. A diferença: ela consegue traduzir essa paixão – ‘O

vermelho da vida’ – em textos de grande beleza, numa linguagem ao mesmo tempo

irreverente, austera, inovadora e mágica” (VASCONCELOS, 1977, p. 21).

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Hilda, em toda sua extensa produção, com um acervo documental composto com cerca

de 620 textos publicados em revistas e jornais do Brasil e do exterior, produziu as seguintes

obras na área de poesia: Presságio (1950), Balada de Alzira (1951), Balada de festival

(1955), Roteiro do silêncio (1959), Trovas de muito amor para um amado senhor (1959), Ode

fragmentária (1961), Sete cantos do poeta para o anjo (1962) por essa recebe o Prêmio PEN

Clube de São Paulo; Poesias (1959-1967), Júbilo, memória, noviciado da paixão (1974),

Poesia (1959-1979), Da morte. Odes mínimas (1980). Poemas malditos, gozosos e devotos

(1984), Sobre a tua grande face (1986), Amavisse (1989); Alcoólicas (1990), Bufólicas

(1992), Do desejo (1992), Cantares do sem nome e de partidas (1995 )e Do amor (1999). A

autora recebe o Grande Prêmio da Crítica para o Conjunto da Obra pela APCA (Associação

Paulista de críticos de Arte). com: Cantares de perda e predileção(1983)ganhou o Prêmio

Jabuti da Câmara Brasileira e com esta mesma obra, o Prêmio Cassiano Ricardo do Clube de

Poesia de São Paulo.

Em prosa, escreveu: Fluxo-floema (1970), Quadós (1973), Ficções (1977),o qual

recebe o prêmio como melhor livro do ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte; Tu

não te moves de ti (1980), A obscena senhora D (1982), Com meus olhos de cão e Outras

novelas (1986), O caderno rosa de Lori Lamby (1990); Contos d'escárnio/Textos grotescos

(1990); Cartas de um sedutor (1991); Rútilo nada (1993), com o qual recebe o prêmio Jabuti

da Câmara Brasileira do Livro, como melhor conto; Estar sendo, ter sido (1997); Cascos e

carícias - crônicas reunidas (1992-1995).

E na área da dramaturgia, produziu: A possessa (1967), O rato no muro (1967), peça

apresentada no Festival de teatro de Manizales-Colômbia; O visitante (1968), Auto da barca

de Camiri (1968), O novo sistema (1968), (encenado no teatro Veredas - SP); As aves da noite

(1968), O verdugo (1972) com o qual recebe o9ºprêmio Anchieta; A morte do patriarca

(1972), entre outras peças.

A leitura do livro Cartas a el Greco, de Kazantzakis, teve grande influência na

produção destas obras, pois postula a necessidade de isolamento para um possível

conhecimento do ser humano; influenciada por tal carta e levada por esse suposto isolamento

Hilst responde deste modo à pergunta: “A urgência de isolamento foi, então, apenas a da

escritora que queria se dedicar exclusivamente à literatura?

Eu precisava de certo isolamento porque eu queria muito escrever, sabia que

tinha alguma coisa importante a dizer. Em São Paulo eu tinha uma vida

muito divertida, mas isso me distraía muito do meu trabalho. Então chegou

uma hora que me perguntei: o que você quer fazer de verdade, Hilda?

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Resolvi escrever porque foi imperioso. Minha mãe [...] me deu três alqueires

de presente. Foi onde construí minha casa, a Casa do Sol. Mudei para cá

porque queria ser menos interrompida. (HIDALGO, 2002, s.p.)

Mencionada em muitas das entrevistas dadas pela autora, a Casa do Sol ganhou uma

dimensão sobrenatural, uma vez que foi um lugar de fenômenos estranhos. Tais fenômenos

são mencionados, por exemplo, na entrevista dada aos Cadernos de literatura brasileira (1999,

p. 34-35), publicados pelo Instituto Moreira Salles. Hilda confessa realizar experiências de

comunicação com os mortos nesta casa por meio de aparatos eletrônicos; ela diz ver discos

voadores e receber visita de espíritos. Após relatar suas experiências no meio midiático, como

no Fantástico, programa da Rede Globo, foi criticada por intelectuais e acusada de usar isto

para adquirir publicidade fácil para sua obra.

De todo modo, a casa do sol, sua morada até o ano de sua morte, foi espaço de fluidez

de pensamento e espaço sagrado para a criação de Hilst, pois foi neste recinto que a escritora

escreveu a maior parte de sua obra e recebeu artistas e intelectuais das mais diversas áreas. É

na Casa do Sol que a autora revela sua visão sobre a morte e o tempo; e nos dias de hoje se

tornou centro de irradiação cultural, a Instituição Hilda Hilst – Casa do Sol Viva, onde cultiva

a arquitetura original e os cães, que tinham trânsito livre em sua casa. Além de preservar a

memória da autora, o ambiente une sua biblioteca a seus arvoredos, demonstrando que “a

paisagem silvestre fechada é constitutiva do lugar sagrado. Todo lugar sagrado começa pelo

‘bosque sagrado’”. (DURAND, 2002, p. 246).

Filha de Apolônio de Almeida Prado Hilst, fazendeiro, poeta e jornalista, que ao ser

diagnosticado esquizofrênico paranoico foi internado em sanatório aos 35 anos. Como consta

no Caderno de Literatura Brasileira, Hilda proferiu que ele foi “a razão” de ela ter se tornado

escritora: “Meu pai ficou louco, a obra dele acabou. E eu tentei fazer uma obra muito boa para

que ele pudesse ter orgulho de mim. [...] trabalhei muito porque eu escrevia basicamente para

ele” 2 E afirmou ainda: “Eu fiz o que pude. Meu pai não pôde fazer isso, ficou louco. [...]

Minha mãe me contou que, quando eu nasci, ao saber que era uma menina, ele disse: “Que

azar!”[...] Uma palavra que me impressionou demais: azar. Aí eu quis mostrar que eu era

deslumbrante” (Caderno de Literatura Brasileira, 1999, p. 41).

Dona de seus próprios elogios e com personalidade forte, Hilda Hilst transitou em

lugares de difícil acesso. Sua relação com a questão do feminino é marcada por certo

ressentimento, mas a menina que devia ter nascido menino chega a dizer numa entrevista à

2Caderno de Literatura Brasileira, n° 8, São Paulo, outubro de 1999, entrevista concedida ao instituto Moreira

Salles. P. 26.

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Folha de São Paulo, de 16 de abril de 1997, que era mesmo megalômana: “Fiz um excelente

trabalho, de primeira qualidade. Sou meio megalômana mesmo. Não entendo nada de teoria

literária, mas sinto que o que escrevo é bom. Desde o início, sentia que ia ser um grande

poeta”.

No Jornal de Letras, Hilst dá uma desconcertante declaração: “[...] as mulheres em

geral são chatíssimas; em literatura a gente escolhe a dedo uma ou outra; e depois eu quero é

que elas não me aborreçam”3 O tom pejorativo ao universo intelectual feminino parece

demonstrar certo preconceito em relação ao sexo feminino, porém, mais que isso, Hilst

demonstra impaciência com os lugares demarcados às mulheres. Ao autodenominar-se poeta e

não poetisa, parece querer marcar a sua diferença em relação aos lugares determinados às

mulheres na literatura e isso se comprova nas inquietudes e questionamentos femininos que

percorrem sua obra. Assim, na temática do feminino que há na poesia de Hilda, há questões

como o desejo, o corpo, a relação com o parceiro, o lugar no mundo.

Apesar de ser mulher numa época em que a sociedade era marcada pelo

patriarcalismo, e herdeira de uma literatura essencialmente masculina como a brasileira, a

poeta é considerada pela crítica como um dos principais nomes da literatura contemporânea

no Brasil; embora tenha concentrado sua força criativa na poesia, como já demonstrado,

alargou-a pela ficção metafisica, pelo teatro, em que denunciou a ditadura militar, e pelas

crônicas bem-humoradas publicadas no jornal Correio Popular, em Campinas, de 1992 a

1995. Entretanto, manteve em todos os gêneros a veia lírica. Em entrevista à Revista E, já

citada anteriormente, a escritora discorre a José Mora Fuentes: “Todos os meus textos são

muito poéticos sim. Acredito no que diz Novalis: quanto mais poético, mais verdadeiro.”

(FUENTES, 2002, p.14).

Dos onze livros de prosa publicados, todos mesclam poesia; do drama aos diálogos

que intercalam a narrativa, são todos poéticos, no sentido de se reconhecer um tipo de

linguagem que adota procedimentos estilísticos da poesia, com uma atenção redobrada à

materialidade da palavra e também com um decréscimo de elementos da narrativa, como o

enredo, para valorar questões metafísicas mais afins ao corpo do poema do que à prosa,

embora sejam justamente gestos como o de Hilda que inibam, sobretudo a partir da prosa

moderna, separações estanques nesses campos.

Nesse sentido, a elaboração tanto da poesia, prosa ou teatro é altamente revista, Hilda,

ao criar poemas, tinha por costume escrever a primeira versão por fluxos, geralmente em

3 In: Jornal de Letras, São Paulo, 1954.

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folhas avulsas. Os estudos concernentes ao livro Amavisse e Da morte. Odes mínimas revelam

que seus poemas são inicialmente redigidos à mão ou datilografados, depois passados a

limpo. "Alguns poemas são reelaborados várias vezes, outros encontram sua forma, ritmo e

musicalidade nas primeiras versões. [...] A sequência dos poemas que compõem um livro

geralmente é trabalhada até a exaustão. [...] O processo criativo exige reelaboração da

linguagem e experimentação", afirma Cristiane Grando em relação à poesia de Hilda (2001,

p.22-23).

Ao considerar o texto como definitivo e uma vez publicado, a autora raramente

voltava a reelaborá-lo e quando isso acontecia ela reeditava, como é o caso de Amavisse

(1989), que foi republicado na antologia Do desejo (1992) e Da morte. Odes mínimas, que no

primeiro momento é publicado apenas com a criação de poemas; e no segundo, a produção do

livro introduz Aquarelas, que é composta por seis poemas acompanhados por seis pinturas, de

autoria da própria Hilst.

Em uma de suas palestras, que foi documentada no livro Feminino Singular (1989),

Hilst é instigada por uma ouvinte a responder se ela havia aprendido pintura, no que logo a

autora responde: “Não, não aprendi pintura. Às vezes, quando fico muito tensa e não consigo

escrever, aí eu pinto, desenho um pouco.” E disse mais: “São as horas de respirada, quando

não dá para dizer nada, quando está muito difícil tudo. Aí então, eu desenho um pouco”.

Quando a própria palavra se torna incomunicável para a escritora, e/ou quando o exercício

poético torna-se um vácuo, a pintura surge como um descanso necessário para a organização

de suas ideias.

De acordo com Mora Fuentes (2008)4, a motivação de Hilda Hilst pela pintura se deu

por uma visita da autora a sua casa, que, vendo-os pintar, ele e sua esposa, considerou que os

desenhos cairiam bem no livro. O acréscimo das pinturas aos poemas demonstra a tentativa da

autora por formar um “corpo perfeito”, ao explicitar a sua ideia através de dois códigos

artísticos, unindo a imagem verbal à imagem visual, a autora acrescenta uma maior

expressividade, que por meio das associações inusitadas de sentido reiteram a ideia proposta.

Ainda que Hilda tenha a pintura como um exercício de respirada, a literatura era o

trabalho no qual a autora dedicou parte de sua vida. Possuidora de uma escrita lírica

desconcertante, geralmente considerada por alguns críticos como densa e erudita, com marcas

míticas, religiosas e filosóficas, a escritora expressa por meio de sua produção lírica

representativa uma compreensão do mundo e de si mesma de uma forma notável e ela parece

4Mora Fuentes é presidente do Instituto Hilda Hilst - Centro de Estudos da Casa do Sol. Grande estudioso de

Hilda e amigo da escritora.

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saber disso, demonstrando mesmo um certo sarcasmo acerca de seu possível hermetismo: “Eu

ouço muito que as pessoas não me entendem, e quando alguém me entende eu fico besta.”

(VOGT, 1999, p.19). Leitora de Joyce, Beckett, Kafka, Nietzsche, Kierkegaard, Kazantzákis,

Bataille, entre outros, marcou sua obra poética pela interlocução com diversos conhecimentos,

o que desafia, pois reconhece-se um lastro filosófico ocidental em sua obra que, se não for

estudado, dificulta a recepção.

A linguagem desafiante de sua obra, marcada por uma expressividade muito simbólica

e imagética, necessita de leitores que a assimilem de forma singular, porém tal singularidade

não resume a criação hilstiana ao hermetismo, à dificuldade de entendimento. Quando

questionada sobre o suposto hermetismo, Hilst revela em entrevista a Sônia de Amorim

Mascaro (1986) para o Jornal da Tarde: “quando me perguntam por que escrevo desta forma

que as pessoas não entendem, e por que é tão complexo tudo, então eu digo, mas, meu Deus, é

o processo da vida que é tão complexo!”. Ainda sobre o assunto, ela declarou em uma

entrevista no caderno 2 do jornal de Brasília (23/04/89) sob o título: Nossa mais sublime

galáxia: “As pessoas tratam meu texto como se fosse uma tábua etrusca”:

Parece que as pessoas não prestam atenção que existe um tipo de literatura

não apropriada para você ler no bonde, no avião ou na cápsula, mas que

exige do seu neurônio, para você, em um determinado instante, fazer

também u processo de autoconhecimento. [...] Se o universo está tão

complexo, tão dividido, tão ambíguo, frente a uma esquizofrenia em plano

mesmo do planeta, então como a literatura vai ser absolutamente clara, se

você também fica cheio de perplexidades, complexidades e de

ambiguidades? Então ninguém senta na mesa e diz: agora eu vou escrever

um texto complexo, ou vou escrever o novo; não existe isso, você escreve o

que é a realidade pra você. (HILST, entrevista, 1984, 5 jun.).

Ainda que se reconheça certa indignação de Hilda Hilst nessa comparação, pelas

razões expostas anteriormente, ou seja, pelo fato de incorporar na sua obra uma tradição

filosófica e literária que problematizou, e mesmo questionou, as bases da tradição, é difícil

não fazer alusão à dificuldade de leitura advinda da complexidade de seus textos. A autora

justifica biograficamente a aproximação com a tradição lírica efetuada em sua obra: “Eu não

consigo escrever sem ter o sotaque português dentro de mim [...]; na poesia é onde me vem

com mais intensidade a volúpia do sotaque”, afirmou em entrevista a O Estado de S. Paulo,

em 1986. Ainda que a afirmação da escritora manifeste sua ascendência (a mãe, Bedecilda

Vaz Cardoso, era portuense), não explica porque ela revisita a tradição.

Segundo Leo Gilson Ribeiro, para que o leitor possa compreendê-los são necessários

alguns conhecimentos, pois: “[...] leitor médio estanca ao tentar ler um texto que exige

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conhecimentos filosóficos.” (RIBEIRO,1999, p.85). E nos afirma ainda que há outro fator que

distancia os leitores de sua obra como os neologismos, pois para ele: “[...] os neologismos de

Hilda Hilst [possuem] [...] – além de mesclas orais, dialetais, do linguajar caipira do interior

de São Paulo como o português culto, [são] muitas vezes derivado de termos clássicos da

língua, de séculos anteriores.” (idem).

O intenso diálogo de suas obras com a tradição, com ênfase na poesia e no teatro

desafia o leitor, pois a poética de Hilst é imersa em temas e procedimentos que revigoram a

tradição literária. Há em algumas obras muitos recursos que fazem com que pensemos na

lírica trovadoresca, por exemplo. Tudo isso impulsiona a linguagem poética da escritora a um

patamar de dicção elevada. Em um ensaio Ribeiro diz ser a autora a mais profunda estilista da

literatura brasileira e a coloca entre dois ícones da língua portuguesa, pois para ele:

Ambos [Rosa e Pessoa] responsáveis pela propagação desse nosso idioma,

que tem um registro de tons semelhante ao de um órgão barroco de coloridas

vozes, essa língua inculta e abandonada à ignorância de seus tesouros, brilha

como um esplendor singular quando se torna o instrumento sensível e

matizado da nossa maior literatura, brandido por Hilda Hilst. (RIBEIRO,

1999, p. 82).

Desde que começou sua carreira literária, a escritora registrou, tanto em sua obra

quando em suas reflexões, diversos anseios; anseio de dedicar-se somente à literatura, de

alcançar respostas a respeito da vida e da morte, de eternizar-se para comunicar ao outro

acerca da imortalidade, de ser lida e conhecida pelos leitores, porém, quanto a este último,

apesar de escrever sobre temas que, em princípio, atraem o leitor, não foi suficientemente

lida, e mesmo tendo uma literatura de prestígio entre os críticos, houve por parte de Hilst

desgosto e uma constante indignação por não ter obtido o devido reconhecimento à obra que

criou. É desse modo que ela se tornou um dos principais ícones de inconformismo quanto à

relação produção e leitura no Brasil. Para além das efemérides produzidas pelo discurso

revoltado da autora, é possível pensar a partir de seu inconformismo como há, no cenário

brasileiro, um hiato entre a produção e a recepção de um grande público.

Alcir Pécora (2010), no livro Por que ler Hilda Hilst, enumera alguns motivos

possíveis para tal descaso e/ou rejeição à sua obra:

[...] o comportamento liberal de Hilda em face do provincianismo moralista

da classe média; a beleza da autora, que parecia reclamar mais atenção que

sua escrita; a distância que a sua obra mantém dos valores modernistas

predominantes no Brasil, e ainda mais em São Paulo, sobretudo no que toca

à questão do conteúdo “nacional” da literatura, que simplesmente não se põe

para ela; a dificuldade de leitura de seus textos, em especial os de prosa,

dada a sua exigência de erudição literária, filosófica e até científica [...]; o

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seu afastamento dos centros de convívio intelectual do país, vivendo desde o

final dos anos 60 praticamente reclusa em um sítio em Campinas (SP); a

estratégia escandalosa de chamar a atenção para a sua obra por meio da

suposta adesão ao registro pornográfico, que contraria a pudicícia

acadêmica; a produção prolífica entre gêneros literários muito diversos; a

mistura de todos eles no interior de cada texto; a publicação de quase toda a

obra em edições artesanais, [...] sem qualquer alcance de distribuição; a falta

de 30 habilidade da autora pelo que dissesse respeito a aspectos contratuais

das edições etc.

Distante de um público leitor de larga escala, em entrevista publicada no Jornal do

Brasil em 12/05/1990, Hilda anuncia sua “trilogia erótica” e manifesta sua revolta de não ser

lida:

Então eu falei: quer saber? Não vou escrever mais nada de importante.

Ninguém me lê, falam sempre aquelas coisas. Que eu sou uma tábua etrusca,

que sou um hieróglifo, que não sei o quê. Entrei para o quarto e falei. Quer

saber, vou escrever uma tremenda putaria C .. . p ...B .. .!Todo mundo vai

entender. Mostra pra minha empregada, mostra pro metalúrgico do ABC! E

agora, entendeu?

Essa é a razão mais aparente para uma produção, de cunho pornográfico, que faz com

que Hilda se filie a uma longa tradição literária, cuja “erótica” faz respingar questões maiores

acerca do homem: Os livros O Caderno Rosa de Lori Lamby (1990), Contos d`Escárnio

(1990), Textos Grotescos (1990), Cartas de um Sedutor (1991), e Bufólicas (1992), se

analisados com atenção, são o contrário do que Hilda imaginou e, consequentemente, não

alcançaram o seu intento declarado: “Com estes textos fiquei mais igualzinha aos outros, mais

próxima deles. Quem sabe agora venham a descobrir minhas novelas, minha poesia, meu

teatro." (entrevista no caderno 2 do jornal de Brasília, de 23/04/89).

Nesta empreitada, talvez performática, de aproximar-se do leitor comum, ela dividiu

apreciadores; uns não levaram a sério esta experiência literária, mas outros viram como algo

transformador. Certo é que não houve indiferença da crítica. Foi, inclusive, nomeada pela

crítica especializada de a obscena senhora Hilst, que, aliás, foi tema de um artigo titulado: A

obscena senhora Hilst - Poemas eróticos disfarçam uma fina reflexão sobre a linguagem,

publicado também no Jornal do Brasil5(12105/90), ainda neste jornal, nas palavras de Eliane

Robert Moraes, Hilda:

Deixou seus leitores, colegas e críticos um pouco mais que surpresos. À

perplexidade se fez silêncio. O que haveria para dizer desta nova fase da

5Eliane Robert Moraes. “A obscena senhora Hilst – Poemas eróticos disfarçam uma fina reflexão sobre a

linguagem”. Jornal do Brasil, 12/05/90.

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autora, após uma impecável e sofisticada obra ao longo das últimas quatro

décadas, resolve lançar-se, tão incisiva, ao gênero pornográfico?

A observação da crítica fez Hilda responder que seu gênero pornográfico teria relações

com a História do olho, de Georges Bataille, de modo que a autora repete Bataille na

contracapa de Amavisse “Sinto-me livre para fracassar” e como afirma Moraes6: “solicita que

lhe poupem o desperdício de explicar o ato de brincar, pois a obra de antes (a dádiva)

excedeu-se no luxo”.

Jorge Coli, por exemplo, em artigo publicado no Caderno Letras da Folha de São

Paulo, com o título Lori Lamby resgata paraíso perdido da sexualidade, comenta a respeito

do projeto pornográfico de Hilst: “o Caderno Rosa, de Hilda Hilst, tem o poder das grandes

obras, o de transformar-nos em cúmplices, desejosos de que, inverossímil ou não, tudo tenha

mesmo acontecido ou um dia venha a acontecer”.

Apesar de no primeiro momento Coli elogiar o "projeto pornográfico" da escritora, em

Lori Lamby resgata paraíso perdido da sexualidade, texto editado na Folha de São Paulo de

06/04/91, afirma ele:

[...] se a autora, Hilda Hilst, teve o mesmo projeto que seu personagem

escritor, o pai de Lori Lamby - fazer um livro de caráter pornográfico –

fracassou Inteiramente. Porque o contar bandalheiras se transformou, de

imediato, pelo poder incontrolável da arte, em outra coisa.

A expectativa em torno de uma nova possibilidade exigia da autora um risco, a

aceitação ou a total rejeição desse projeto, a autora parecia saber disso, pois no Jornal de

Brasília diz: “[...] E a outra coisa é o risco. Alguns amigos dizem: é um lixo. Eu digo: sabe

qual é o significado deste livro? Estou cagando pra vocês. Eu só tenho medo é de que as

pessoas me levem a sério.7 [...]”.

Se a trilogia erótica não teve muito sucesso entre os leitores comuns em dado

momento, em 2001, a autora sentiu-se mais próxima com a reedição de suas obras pela editora

Globo, já que antes eram exclusivas de editoras pequenas. Alcir Pécora, professor da

Unicamp e crítico importante, lançou o projeto de publicar a obra reunida da autora, fazendo a

apresentação dos textos, de modo que os livros passaram a fazer parte definitivamente do

contexto acadêmico. Pela falta de edição das obras reunidas da escritora, iniciada somente em

2001, a maioria dos textos saía em jornais e revistas, privilegiando mais os aspectos

biográficos que sua própria literatura, assim comenta Alcir Pécora em um ensaio, denominado

O corpo do texto,

6Idem.

7Hilda Hilst, Jornal de Brasília, op. cit.

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A parte do trabalho que me cabe, enquanto organizador do conjunto, supõe a

consideração de alguns aspectos que articulam a minha própria experiência

de leitor assíduo da obra de Hilda. Quando escrevo isto, penso, antes de mais

nada, que gostaria de reduzir ao máximo a submissão do principal - os textos

- ao supérfluo armado pelo vasto pitoresco produzido a respeito da autora,

com maior ou menor assentimento dela própria: as vastas quantidades de

cachorros e amantes, a frivolidade do upperclass paulista nos anos 50, as

insólitas transmissões do além e aparições alienígenas, a loucura paterna, o

open house etc. Reduzir, digo, não por ser ou não verdadeiro o diz-que-diz:

não se trata de nenhum amor da verdade biográfica que me anima a evitar

tudo isso, por mais divertido ou pouco convencional que pareça. Não me

interessa o anedotário, simplesmente porque dá a falsa impressão de esgotar

as possibilidades de leitura atenta de seus textos, que são muito mais

complexos, inteligentes e criadores do que as tais circunstâncias curiosas ou

excêntricas querem ou podem sugerir.8

Conforme afirma Cristiane Grando, especialista em sua obra:

Com a publicação da Literatura Obscena, Hilda passou a ser mais lida, mas

não atingiu o público leitor da forma como ela desejava. Só mais tarde, com

a reedição da obra de Hilda pela Editora Globo, a escritora sente-se satisfeita

com a quantidade de leitores de seus livros. (GRANDO, 2003, p. 9)

Quanto a sua fortuna crítica, costuma-se dizer que é relativamente pequena, dada a

importância de sua obra. Entretanto, entre os que escreveram sobre sua obra, Anatol

Rosenfeld, Nelly Novaes Coelho e Léo Gilson Ribeiro compartilham da mesma opinião em

relação a sua obra, não economizando elogios quando se referem à autora:

Poeta, dramaturga e ficcionista, tríplice (e rara) conjugação de forças

criadoras, a paulista Hilda Hilst tem se revelado nestes 40 anos de produção

(de mais de uma dezena de títulos) como uma das personalidades literárias

mais completas e instigantes do Brasil contemporâneo. (COELHO, 1993, p.

80)

Apesar de Coelho, Rosenfeld e outros terem publicado na grande imprensa sobre os

seus textos, foi Leo Gilson Ribeiro quem mais escreveu sobre Hilda, constituindo uma crítica

apaixonada e elogiosa e, talvez, com laivos de exagero, pois chega a afirmar que a autora:

[...] escreveu, em português, o equivalente a um Finnegan’swake de Joyce,

ou seja: escreveu um absurdo palimpsesto mesopotâmico. E poucos terão a

imaginação recriadora, a profundeza de propósitos e o mesmo afã místico

que ela para embrenhar-se nessa ‘selva escura’ da alma e do humano estar no

mundo. (RIBEIRO, 2000, p. 12)

8 PÉCORA, Alcir. O corpo do texto. Ensaio originalmente publicado em Reportagem, nº 29, jan. 2002.

Disponível em: – Acesso em 28 de setembro de 2014.

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Porém não foi somente Ribeiro que colocou a escritora como um dos ícones da

literatura. Após ser objeto de análise da academia, Hilst foi frequentemente mencionada

como um dos grandes expoentes da literatura brasileira. Anatol Rosenfeld, crítico que

escreveu o prefácio de Fluxo-Floema publicado em 1970, afirma que:

É raro encontrar no Brasil e no mundo escritores, ainda mais neste tempo de

especializações, que experimentam cultivar os três gêneros fundamentais da

literatura – a poesia lírica, a dramaturgia e a prosa narrativa – alcançando

resultados notáveis nos três campos. A esse pequeno grupo pertence Hilda

Hilst [...] (ROSENFELD, 1970, p.10).

Jorge Coli discorre sobre Hilda na Folha de São Paulo (14 de jun. 1996), que “Sua

poesia – mas sua prosa também – atinge o cerne dos nossos destinos. Ela sempre suscita

aquilo que somos, para além das palavras, para além das éticas e dos valores”. Por isso

Cristiane Grando, pesquisadora doutora em Teoria Literária e Literatura Comparada pela

USP, afirma em uma entrevista que:

A Hilda merece ser estudada, [...], diria que todos os poetas jovens deveriam

conhecer profundamente a obra da Hilda, pois é um experiência de

crescimento enquanto ser humano e enquanto ser que utiliza a linguagem de

forma inovadora e em função de questionar o mundo, as atitudes e

pensamentos dos seres humanos.9

Nas últimas décadas, a repercussão da obra literária hilstiana na imprensa compreende

um número considerável de escritos, porém de acordo com Edson da Costa Duarte, no texto A

poética da agonia e do gozo, sua qualidade crítica é discutível:

Este extenso material crítico, publicado na grande imprensa, deverá ser

investigado criteriosamente, um dia, para que se possa estabelecer com mais

precisão e clareza a procedência ou não das opiniões nele emitidas. Dando

uma rápida visão de seu conjunto, de um modo geral, pode-se dizer que

apenas uma pequena parcela dos textos são propriamente críticos, pois a

maioria dos autores contenta-se em fazer eco aos críticos mais conhecidos.

Além disto, a partir dos textos de Leo Gilson Ribeiro, com raríssimas

exceções, os textos expressam o caminho do elogio incondicional. (2004,

p.3)

Quanto ao seu projeto poético, o crítico Edson da Costa Duarte (2007) divide-o em

duas fases. Segundo ele, a fase primeira de sua poesia é marcada por uma racionalidade

sentimental e que tem como alvo alcançar uma “realização estética mais apurada”, “fala-se de

9In: GRANDO, Cristiane. “Caminantes”. Santiago do Chile: Ediciones Gato de papel, 2003, p.9.

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‘lirismo manso’, ‘encantadora simplicidade’ ‘vida vivida’, etc. aí estão às marcas de uma

mansidão da poesia reveladora de uma linguagem que não tem corpo estruturado ainda”. “[...]

é ainda bastante ingênua a poesia desta mulher inteligente, audaz e desconcertante”

(DUARTE, 2007, p. 9). A contradição da poesia primeira da autora é apontada pelo fato de

Hilst alcançar um maior equilíbrio entre ideia e expressão somente a partir de 1974. Para

Duarte, a escritora alcança pleno domínio da língua com a publicação de Da morte. Odes

mínimas, o livro é a fase de sua maturidade poética, o ápice de sua poesia.

Sueli de Melo Miranda, em sua dissertação: Frente à ruidez da vida, defende que:

Se no primeiro momento da poesia de Hilda predominam a ampliação do

sentido e o acréscimo de mensagens, na vertente da literatura como relato

memorial, num segundo momento ocorre um desbaste, uma redução cada

vez mais acirrada dos efeitos de sentido, em cujo espectro figura uma

crescente opacidade, que se tornará característica constante em sua

produção.(2003, p. 61)

O equilíbrio entre a técnica e expressão procurado pela escritora somente se adensa ao

longo dos anos. Em relação ao seu modo de fazer poético, em entrevista concedida a Braulio

Pedroso, em 1961, Hilda Hilst afirmou: “Eu diria que os versos se sucedem quase que por

magia. O que representa esforço, sem dúvida, é conseguir tecnicamente o que já foi captado

sensorialmente”10

.

Ao falar do livro Poesia (1959/1979), Ribeiro faz uma observação e demarca uma data

em que a poesia de Hilst adquire mais escopo:

[...] em nossa opinião, a grande poesia hilstiana só alça vôo mesmo a partir

do seu longo silêncio, de sete anos, entre 1967 e 1974. Ao contrário da sua

prosa, que não apresenta cesuras nem rompimentos abruptos, a poesia de

Hilda Hilst, quer-nos parecer, nada teria de excepcional, se se tivesse

limitado ao período anterior a 1974.11

Após sua primeira composição poética, de 1950 a 1962, Hilst afastou-se da poesia

durante sete anos e foi somente em 1974 que voltou a escrever revisitando temas antes

abordados. Esta volta é marcada não propriamente por um valor poético, mas por uma

intensidade:

[...] vai-se alterando e ampliando em círculos cada vez mais largos, à medida

que a poeta verticaliza e aprofunda a sondagem de sua palavra. Do interrogar

atento e lírico (voltado para os seres e coisas), seus poemas vão

10

PEDROSO, Braulio. Hilda Hilst e a poética. O Estado de São Paulo, São Paulo, 5 ago. 1961. 11

RIBEIRO, Leo Gilson. Os versos de Hilda Hilst, integrando a nossa realidade. Jornal da Tarde, 14 fev. 1981.

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radicalizando o interrogar e se concentrando mais no eu, no ser que

interroga. (COELHO, 1999, p. 67-68)

Esse “verticalizar” da poesia de Hilst, citado por Coelho, amplia em círculos pela

densidade com que ela revisita os temas, sua linguagem poética ganha mais corpo e forma,

que se dão pela concretização de marcas estilísticas, que individualizam o seu estilo. A

concentração temática e a organicidade da poeta em suas obras, de 1974 a 1995, demonstram

de forma mais nítida seu projeto poético; em cada livro, há um núcleo que tematiza toda a

obra, que serve como base para suas reflexões.

Bastam rápidos resumos de alguns de seus livros para que o projeto poético ganhe

forma. Em Júbilo memória, noviciado da paixão (1974), a poeta dialoga com o seu amado,

porém tal amor não é correspondido, demonstrando um eixo temático: o amor. Em Da morte.

Odes mínimas (1980), a morte é tema de todo o livro e instiga uma reflexão: o encontro com o

desconhecido. Em Cantares de perda e predileção (1983), há um possível embate entre amor

e ódio, que é avigorado pela paixão. Poemas malditos gozosos e devotos (1984) relata um

diálogo entre a poeta e Deus, que é visto com um tom de desconfiança. Em sobre a tua

grande face (1986), tem-se a busca por nomear Deus. Em Amavisse (1989), há a estranheza

diante da consciência existencial de um “outro”, Via espessa apresenta a figura da poeta e seu

suposto duplo e Via vazia descreve a divindade como cruel. Alcoólicas (1990) celebra a vida,

reflete sobre o homem e sua estada no mundo. Do desejo (1992), busca apreender a

intensidade do desejo e em Cantares do sem nome e de partidas (1995), o amor idealizado

entra em cena, sobretudo nos momentos das perdas.

É recorrente o procedimento de revisitação a temas antes abordados e os temas não são

outros que aqueles que desconcertam o pensamento do homem – o amor, a morte, o tempo,

Deus – e que são constantemente motivos para a filosofia, a arte, a literatura etc., que Nely

Novaes Coelho define assim: “Como toda grande poesia, a de Hilda Hilst expressa em seu

suceder as metamorfoses do nosso tempo.” (2002, p. 235). Tendo em vista que o corpus

hilstiano é dotado de temas que interrogam, Jorge Coli (1996) expõe que a autora:

Investe suas frases de uma dinâmica movente, ritmadas por uma força a um

tempo natural e poderosa [...] é um texto encantatório e mágico, resistente às

análises que descortinam ou às teorias que generalizam. As palavras

possuem ali alguma coisa de palpável e de espesso. Aos poucos nos

persuadimos dessa metafisica que se inicia no amálgama que às vezes

chamamos de impuro e de material, feito de nosso orgânico ser [...] Hilda

canta nossas entranhas, nossos órgãos, nossa pele, nosso esqueleto. É como

se cada um deles possuísse uma alma na matéria de que são feitos, mesmo os

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mais ínfimos, mesmo os mais obscenos. Ela canta também as funções vitais

que nos fazem vivos e ao mesmo tempo perecíveis. 12

Tais aspectos ressaltam alguns elementos da obra hilstiana, pois ao interrogar sobre as

coisas a poeta transita pelos opostos, sagrado/profano, alto/baixo, puro/impuro, demonstrando

a busca por um sentido. Seus desdobramentos temáticos se apoderam de alguns recursos

estilísticos para dinamizar e, de certa forma, produzir no leitor uma profunda inquietação. Há

uma encenação dramática em seus textos que nos possibilita que ouçamos outras vozes, desta

forma, a comoção tem efeito imediato ao centrar-se no “ser-que-interroga”.

Edson Costa Duarte, em sua tese Hilda Hilst: economias estéticas, elenca dois

recursos estilísticos recorrentes na poesia hilstiana entre 1974 a 1995: a concentração temática

dos livros, como já foi demonstrado anteriormente, e a encenação dramática.

Essa encenação dramática sugere a presença de outras vozes, permitindo-nos a

multiplicação dos pontos de vista e a iluminação do que está em cena. Para Duarte, tal

espelhamento dramático expõe o avesso do texto, o interlocutor se torna um eu-ausente, o que

possibilita a pergunta, sob a máscara da interlocução: (Pulsas como se fossem de carne as

borboletas./ E o que vem a ser isso? perguntas./ Digo que assim há de começar o meu

poema."). (HILST, 2004, p. 26).

Esta insistente busca pela comunicação é um dos recursos mais utilizados por Hilst.

Muitas vezes seu objeto de reflexão/ interlocução é humano ou sobre humano, todavia

estende-se para a própria consciência da poeta. É deste modo que a vida, a morte, Deus são

figurados e até personificados, pois, no terreno conceitual ocupado pela voz da poeta, a

linguagem representa-os em formas viventes, indicando a apreensão do mundo a partir da

figuração.

O questionamento de Hilst sobre o porquê das coisas aponta sua preocupação com o

redimensionamento da vida, da morte. Por isso ela expõe a Ana Lúcia Vasconcelos, em 1977:

“Fico todo o tempo tentando um equilíbrio entre o plano mental e o emocional, numa quase

vertigem passional diante do mundo.” (VASCONCELOS, 1977, p. 21). Por meio da

interlocução, Hilda desenvolve mais profundamente a linguagem metafórica, propondo mais

enigmas que respostas. A partir do seu retorno à poesia, sua linguagem “não pode ser clara

como a lógica o exigiria. Sua expressão pertence ao reino da metáfora ou do símbolo –

linguagem privilegiada da intuição poética” (COELHO, 1980, p. 292).

Os enigmas criados por Hilst sinalizam uma busca e um conflito constante do ser

humano pelo reconhecimento, sua procura pelo enigma do “ser” morte se torna um exercício

12

COLI, Jorge. Meditação em imagens. Folha de S. Paulo, São Paulo, 14 jun. 1996.

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em Da morte. Odes mínimas, que se desdobra em muitas indagações (Onde nasceste, morte?/

Que cores, ocaso e monte?/ E os pulsos que te arrancaram/ Do mais escuro. De carne?/ Te

alimentavas/ De amêndoas negras? Havia águas?[...]), Pécora resume que:

Em termos gerais, pois, as odes deste livro se compõem basicamente como a

construção de uma interlocução da morte [...] Construir a interlocução da

morte significa, para Hilda, permanecer atento ao seu trote de cascos

enfaixados, que trabalham em silencio pela aniquilação. (2003, p. 8-9)

Depreende-se, assim, que Hilst se preocupou em compreender a existência e suas

“metástases”, tentando indagar profundamente a vida, o amor, a morte, Deus e a imortalidade.

Transitando entre o sentido e o não sentido, alastrando-se pelos temas que preocupam a

humanidade e, nesta busca, surge a poesia como exercício que prepara para o fim ou como

uma forma de comunicar ao outro: “Você é imortal, não receie a morte [...]” (COELHO,

1993, p. 96). Em Da morte. Odes mínimas, este conceito também é manifesto:

A esse respeito, a imagem mais forte que me vem da leitura destas odes é a

de uma literatura que se pensa como um bordado de barco nas vestes de um

moribundo, isto é como o desejo de transporte que ajudará a perfazer a

viagem de retorno da alma ao pó. (PECORA, 2003, p.10).

Outro recurso utilizado por Hilda no que diz respeito à poesia, como destaca Moisés, é

o emprego da metáfora:

A palavra certa, aquela que não traindo o sentimento a ponto de o destruir

consiga sugeri-lo tão completamente quanto possível. Palavra ambígua,

capaz de dizer sem dizer, de sugerir mais que transmitir, em decorrência da

natureza polivalente e difusa da vivência interior. Tudo isso, afinal, é a

metáfora, o símbolo. E aqui está o outro nó desfeito: a poesia é a expressão

do “eu” pela palavra metafórica, isto é, permanente substituição,

ambiguidade, dar a entender, parecença com; jamais o termo direto, a

palavra de sentido único e preciso. A palavra, a metáfora, lembra o que ficou

dentro do poeta, e lembra-o com todos os seus pesos e camadas de

significação. O tom indefinível da metáfora é correspondente ao indefinido

da vida interior (MOISÉS, 1967, p.33).

Ainda Moisés afirma que:

A prosa, todavia, inverte completamente essa equação. Com efeito a prosa é

a expressão do “não-eu”, do objeto. Por outras palavras: o sujeito que pensa

e sente está agora dirigido para fora de si próprio, buscando seus núcleos de

interesse na realidade exterior, que assim passa a ter autonomia em relação

ao sujeito. A este interessam agora os outros eus e as coisas do mundo físico,

como objetos alheios cuja natureza vale a pena decifrar. Está claro que o

comportamento do “eu” diante do mundo exterior continua a ser

radicalmente subjetivista, pela condição mesma de se tratar de um

comportamento estético-literário. Portanto, a base permanece subjetivista,

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pessoal, pois o “eu” é que vê a realidade; a visão do mundo continua

egocêntrica (MOISÉS, 1967, p. 38).

Tais percepções visitam o modo peculiar com que a autora lida com sua poesia,

estando “além da emoção”, numa representação que compreende a subjetividade própria do

ser, percorrendo por meio da metáfora a vida interior.

Como já dito na introdução, a morte é o tema mais recorrente na obra poética de Hilda,

o que mais chamou a atenção dos trabalhos críticos, pela sua constância e também pela

relação estreita pelo seu duplo antitético. E isso pode ser percebido nitidamente nos

apontamentos deste capítulo. Fazer a revisão crítica da obra dessa poeta é estar em constante

contato com os seus temas, suas obsessões, que voltam incessantemente, adentrando um e

outro livro. Assim, o que se pretende neste trabalho, nos capítulos seguintes, é acrescentar um

pouco mais sobre essa questão primordial, levando em conta aspectos que, a nosso ver, ainda

podem ser mais bem explorados.

Uma dessas questões, que chama atenção, é o tratamento de Hilda em relação ao tema

da morte. Alcir Pécora (2003, p.9) profere que longe de apenas refletir a morte “[...] as odes

de Hilda Hilst acabam por montar uma espécie de piquenique civil para receber a própria

morte, que mora na vizinhança”, Nesse sentido, os livros anteriores a Da morte. Odes

mínimas parecem demonstrar apenas uma necessidade de transmitir a informação.

Em A obscena senhora D, texto híbrido de Hilda que caminha entre o poético e a

narrativa dramática, por exemplo, vemos o narrar de uma mudança na vida de uma mulher de

sessenta anos após a morte de seu amante, posteriormente o acontecido ela “danou-se a viver

no vão da escada, onde peregrina em busca do sentido das coisas”:

Desde sempre a alma em vaziez, buscava nomes, tateava vincos, acariciava

dobras, quem sabe se nos frisos, nas torçuras, no fundo das calças nos nós,

nos visíveis cotidianos, no ínfimo absurdo, nos mínimos, um dia a luz, o

entender de nós todos o destino, um dia vou compreender, Ehud

compreender o quê? Isso de vida e morte, esses porquês. (HILST, 2001,

p.17)

Em Hilda Hilst, vemos a busca por compreender esses “porquês” da vida e da morte,

mas é em Da morte que se concretiza potencialmente o confronto direto com a morte em

busca da compreensão, pois como afirma Nelly Novaes Coelho, [...] “É em Da morte. Odes

mínimas (1980) que a poeta se entrega a um desafiante diálogo com a Morte, enfrentada cara

a cara, como a grande realidade que permanece tão misteriosa para os homens de hoje, como

o era na origem dos tempos.” (1993.p.10).

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Uma vez percebidos os questionamentos que envolvem o corpus dessa poeta,

atentamos a outro registro que individualizam a obra da autora, como os versos clássicos,

enraizados na tradição poética latina. Cristiane Grando (1998), em sua dissertação de

mestrado denominada Amavisse de Hilda Hilst. Edição genética e crítica, além de situar a

autora entre as maiores do século XX, lembra que a obra hilstiana “retoma parte significativa

da tradição literária, dialogando com várias formas fixas de poemas – ode, trova, soneto,

balada, elegia, cantares e fábulas – às vezes aceitando-as, normalmente inovando-as”13

O crítico Alfredo Bosi observa, na geração de 45, “o pendor para certa dicção nobre e

a volta, nem sempre sistemática, a metros e formas fixas de cunho clássico: soneto, ode,

elegia...” (BOSI, 2006, p. 468). Contudo, ao listar, em nota de rodapé, poetas que apresentam

em suas obras tais formas, exclui o nome de Hilda Hilst.

Porém Pécora enxerga, na presença de índices formais, a poesia de Hilda Hilst sob a

perspectiva do terceiro modernismo, uma vez que:

[...] está repassada, mesmo que jamais tematizada, por uma questão que já

tinha assombrado a geração de 45: as possibilidades de retomar uma dicção

elevada para a poesia brasileira, batida tanto pela informalidade do primeiro

modernismo, quanto pelo núcleo duro do segundo [...]. (PÉCORA, 2002,

p.7).

Nelly Novaes Coelho faz parte do grupo que percebe procedimentos estruturantes na

lírica Hilstiana, que ressalvam uma volta às origens da literatura:

[...] é na essência camoniana do amor que vai ser buscada a solução de vida

e poesia plenas [...] Isto é, entre a possível circunstância humana desse amor

vivido no real e a plenitude de sua realização, se interpunha o “filtro”

amoroso, idealizado pela poesia, desde suas origens históricas (a

Trovadoresca e Camões). [...] Hilda Hilst não só atende a um dos

imperativos do momento (a volta às origens da literatura), como eleva o

amor ali cantado ao alto nível de “valor absoluto” [...]. (COELHO apud DE

FRANCESCHI, 1999, p.70, destaque da autora).

Cabe, ainda, uma declaração no que diz respeito à interlocução da poesia hilstiana com

a tradição lírica. Esta percepção enviesada da revisitação de Hilda às formas tradicionais da

poesia lírica, muito embora seja consenso entre os estudiosos, ainda não há trabalhos que

iluminem a forma como se dá essa apropriação e que a enquadre definitivamente na geração

de 45.

13

GRANDO, Cristiane. Hilda Hilst: A morte e seu duplo. Disponível em:

<http://www.hildahilst.com.br/separata.php?categoria=10&id=33 >

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A forma poética que Hilda utiliza para tratar o tema da morte no livro em análise, a

ode, nos faz acreditar que a utilização deste gênero corrobora o diálogo do sujeito lírico com a

morte, pois é em celebração e tom solene que ele se dirige ao seu interlocutor, isto é, ele canta

a morte em seus nomes perecíveis, apontando suas impressões ligadas ao mais profundo “eu”.

Em busca de um sentido para o fim das coisas, o eu-lírico persegue a cara e carne da morte,

no que logo se revela “Insana/ Fulva/ Feixe de flautas/ Calha/ Candeia”.

Assim sendo, tomando por base que a ode é um gênero lírico, no capítulo seguinte

abordaremos rapidamente algumas definições acerca da lírica, tentando entender como Hilda

Hilst estabelece relações com esse gênero. Hilst, ao intitular o livro Da morte. Odes mínimas

estabelece a ode como lugar de diálogo, lugar onde a morte é meditada e onde o eu-lírico

canta sua arte em um combate centralizado entre a vida e a morte. A adjetivação “mínimas”

pode sugerir que as odes são pequenas, como também que são mínimos passos em direção ao

mistério, que seus versos obstinam desenvolver o mistério da morte.

Como visto, o percurso de Hilda Hilst foi marcado por certo distanciamento com o

público leitor, resultado tanto do diálogo da autora com a tradição quanto com os

‘dialogismos’, ao percorrer pela obra hilstiana e por estudos condizentes à temática da morte,

vimos a ingenuidade da poesia primeira “feita de pudor e de timidez” passar a uma poesia

marcada por metáforas herméticas, o oposto do que foi exercido nos primeiros poemas, dando

a autora um lugar de destaque entre os críticos, pois com “uma das personalidades literárias

mais completas e instigantes do Brasil contemporâneo” (COELHO, 1993, p. 80), percorreu

um caminho pontuado por instâncias que a afligiam, formando sua obsessão temática: o amor,

a morte, Deus.

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CAPÍTULO II

AS ODES – O GÊNERO DA INTERLOCUÇÃO COM A MORTE EM HILDA HILST

(...)

Querer deixar um testamento lírico

E escutar (apesar) entre as paredes

Um ruído inquietante de sorrisos

Uma boca de plumas, murmurante.

Nem sempre há de falar-vos um poeta.

E ainda que minha voz não seja ouvida

Um dentre vós resguardará (por certo)

A criança que foi. Tão confundida.

(Hilda Hilst. Exercícios. Testamento Lírico. p. 169/170)

Iniciamos com esta citação de Hilda, porque abrange uma ideia geral de sua poesia,

bem como seu entrelaçamento poético e pessoal. Ao elaborar uma produção lírica, a escritora

parece não se preocupar com o que hão de falar, ao contrário, a busca pela ausência a inspira a

cantar por meio de palavras, imagens e símbolos seu intenso e fremente sentimento em

relação a seu mundo interior/exterior.

Tendo em vista os aspectos até então discorridos sobre a vida e a criação literária da

escritora, achamos importante pontuar acerca do gênero em que a poeta se apropria para

abordar o tema da morte, a ode. Assim sendo, abordaremos, a seguir, questões pertinentes à

poesia e ao gênero lírico tendo em vista que a ode é uma composição poética de tal gênero.

Definir conceito sobre o que é poesia é uma tarefa muito árdua; diversos poetas a

veem de maneira diferente. No livro intitulado O que é poesia, por exemplo, Edson Cruz

(2009) propõe algumas questões a quarenta e cinco poetas brasileiros, e, de todas as respostas

não há ao menos duas que se identificam. Existem, na poesia, elementos intrincados

reveladores de dois mundos, em que se agrupam o concreto, o abstrato, o racional, o intuitivo,

o impalpável, o imaterial. Lêdo Ivo arrisca dizer que a poesia é “a arte de ver e saber ver o

que, mesmo sob os nossos olhos, só pode ser distinguido pelo uso da iluminação da

linguagem” (IVO, 2011, p. 12). E diz que “há algo, no mundo e sobre o mundo, que só a

linguagem poética tem condições de dizer” (2011, p. 13).

Como afirma Samuel R. Levin (1975), a diferença entre a linguagem poética e as

demais formas de linguagem consiste em elementos fonéticos tais como a rima, a

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paronomásia, a aliteração, assonância e outros, assim como os elementos semânticos, as

metonímias, as metáforas, hipérboles, etc., pois para ele “em oposição à prosa, a poesia se

distingue por uma singular unidade de estrutura”, ou seja, na poesia, “a forma do discurso e

seu significado se amalgamam numa unidade superior” (LEVIN, 1975, p. 13). Daí deriva a

dificuldade por traduzir um texto poético, pois a poesia nasce do que podemos chamar de uma

complexa relação entre a semântica e a fonética que se desdobram em signos.

No entanto, não é apenas a linguagem que diferencia a poesia dos demais textos, pois

a poesia é linguagem e também imagem, “o poema produz imagem”. “A imagem é um modo

da presença, que tende a suprir o contacto direto e a manter, juntas, a realidade do objeto em

si e a sua existência em nós” (BOSI, 1977, p. 13). Por ser veiculada ao concreto e ao abstrato,

a voz e corpo, a poesia é elevada e torna-se impossibilitada de decodificação.

Para Platão “a arte de imitar está bem longe da verdade, e se executa tudo, ao que

parece, é pelo fato de atingir apenas uma pequena porção de cada coisa, que não passa de uma

aparição” (PLATÃO, 2003, p. 296). Ele observa a mimese poética “como uma brincadeira

sem seriedade” e a coloca como sendo limitada, pois, segundo ele, a filosofia consegue

realmente abarcar o sentido das coisas, e chega a afirmar que “a arte de imitar só produz

mediocridades” (2003, p. 302). Contrário a esta ideia, Aristóteles assemelha a poesia à

filosofia:

Por isso, a Poesia encerra mais filosofia e elevação do que a História; aquela

enuncia verdades gerais; esta relata fatos particulares. Enunciar verdades

gerais é dizer que espécie de coisas um indivíduo de natureza tal vem a dizer

ou fazer verossímil ou necessariamente; a isso visa a Poesia, ainda quando

nomeia personagens (ARISTÓTELES, 1990, p. 28).

Pode-se dizer que este é um dos discursos fundadores acerca da poesia, que direcionou

as concepções mais usuais do gênero poético. Diante da colocação do filósofo, a poesia vista

como mimese lança o olhar ao mundo e tudo o que está ao redor e o poeta observa-o como se

fosse a primeira vez; nada lhe escapa, o palpável e o impalpável torna-se alvo de revelação,

assim como coloca Sophia de Mello Breyner Andresen:

A poesia não me pede propriamente uma especialização, pois a sua arte é

uma arte do ser. Também não é tempo ou trabalho o que a poesia me pede.

Nem me pede uma ciência nem uma estética nem uma teoria. Pede-me antes

a inteireza do meu ser, uma consciência mais funda do que a minha

inteligência, uma fidelidade mais pura do que aquela que eu posso controlar.

[...] Pede-me que viva atenta como uma antena pede-me que viva sempre,

que nunca me esqueça. Pede-me obstinação sem tréguas, densa e compacta.

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[...] o poema fala não de uma vida ideal, mas sim de uma vida concreta [...].

É esta relação com o universo que define o poema como poema, como obra

de criação poética. Quando há apenas relação com a matéria há apenas

artesanato. (ANDRESEN, 1985, p. 223)

Em meio a todo este fascínio que a poesia carrega, o poeta ora cria o poema

infringindo suas supostas normas, ora as domina, e, como artesão, cria o poema com muita

disciplina. Alguns poetas veem a poesia por meio da ótica do divino, como uma inspiração,

como um momento de graça. Para Hilst a poesia é também resultado de inspiração. Em um

fragmento transcrito da Revista E, número 6, produzida pelo Sesc em dezembro de 2002

(páginas 12 a 14), dois anos antes de sua morte, ela disse:

A senhora acredita em inspiração? - Completamente. Divinamente. Como a

inspiração vem para a senhora? Ela é um privilégio de poucos? Somente dos

escritores e artistas? - Não sei. Não é uma coisa que você comande. Para os

artistas, todos eles, eu acredito que ela seja indispensável. Para a poesia, sem

dúvida. Para a vida também.

Embora não seja o objetivo deste trabalho adentrar a biografia de Hilda Hilst, alguns

depoimentos podem contribuir para esclarecer as linhas de força de sua poesia, pois a

escritora defende que a poesia é uma necessidade de expressão. Em entrevista publicada em

25 de dezembro de 1999, por Pedro Maciel, no caderno “Prosa & Verso”; Jornal “O Globo”,

Hilda fala acerca da inspiração:

- Octavio Paz diz que “a história da poesia moderna é a do contínuo

dilaceramento do poeta, dividido entre a moderna concepção do mundo e a

presença às vezes intolerável da inspiração”.

Hilda: - A inspiração existe, embora João Cabral não acredite. Ela vem

subitamente e pode dar até febre física. É magnífico receber algumas vezes a

inspiração. É um dom divino com o qual somos agraciados.

- Vale a pena escrever poesia? Não seria melhor transformar a vida em

poesia do que fazer poesia com a vida?

Hilda: - Não sei o que você quer dizer com “valer a pena”. Quer dizer fama,

prestígio, dinheiro? Palavras simples podem significar coisas complexas.

Heidegger escreveu um verdadeiro tratado sobre “O que é uma coisa?”.

Poesia é a necessidade de se expressar. Não sei se a minha vida daria boa

poesia. Sei que antes de tudo, importa poder se expressar.

O modo como Hilda disserta sobre o papel da inspiração no fazer poético lembra a

mistura feita por Octavio Paz, em O arco e a lira, quando convoca em uma de suas definições

de poesia que esta é tanto “filha do acaso” quanto “fruto do cálculo”. Para melhor especificar

este pensamento, transcrevemos parte do que ele afirma:

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A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de

transformar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza;

exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este

mundo; cria outro. Pão dos eleitos; alimento maldito. Isola; une. Convite à

viagem; regresso à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular.

Súplica ao vazio, diálogo com a ausência, é alimentada pelo tédio, pela

angústia e pelo desespero. Oração, litania, epifania, presença. Exorcismo,

conjuro, magia. Sublimação, compensação, condensação do inconsciente.

Expressão histórica de raças, nações, classes. Nega a história: em seu seio

resolvem-se todos os conflitos objetivos e o homem adquire, afinal, a

consciência de ser algo mais que passagem. Experiência, sentimento,

emoção, intuição, pensamento não-dirigido. Filha do acaso; fruto do

cálculo. Arte de falar em forma superior; linguagem primitiva. Obediência

às regras; criação de outras. Imitação dos antigos, cópia do real, cópia de

uma cópia da Idéia. Loucura, êxtase, logos. Regresso à infância, coito,

nostalgia do paraíso, do inferno, do limbo. Jogo, trabalho, atividade ascética.

Confissão. Experiência inata. Visão, música, símbolo. Analogia [...]. (PAZ,

2012, p. 21).

Em termos gerais, o fazer poético hilstiano parece reconhecer a poesia como salvação,

pois ela é para a autora, além de lugar de criação em torno da figura da morte, lugar de

diálogo e de imagens, de esperanças, de eternidade. O teórico ainda reconhece nessas

fórmulas poéticas uma diferença entre poesia e poema, pois para ele o poema é um organismo

verbal, visto que

o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo, e métricas e rimas

são apenas correspondências, ecos, da harmonia universal. Ensinamento,

moral, exemplo, revelação, dança, diálogo, monólogo. Voz do povo, língua

dos escolhidos, palavra do solitário. Pura e impura, sagrada e maldita,

popular e minoritária, coletiva e pessoal, nua e vestida, falada, pintada,

escrita, ostenta todas as faces, embora exista quem afirme que não tem

nenhuma: o poema é uma máscara que oculta o vazio, bela prova da

supérflua grandeza de toda obra humana! (PAZ, 2012, p.21).

Tais elementos significativos dos quais se ocupa o poema revelam que é “lugar de

encontro entre a poesia e o homem”, “o poeta cria imagens, poemas; o poema faz do leitor

imagem, poesia”. e “a poesia não é nada senão tempo, ritmo perpetuamente criador.”. Ao ser

indagada, em entrevista publicada em 25 de dezembro de 1999, por Pedro Maciel, no caderno

“Prosa & Verso”; Jornal “O Globo”, sobre poema/imagem Hilst manifesta sua opinião:

- A palavra poética é a revelação da própria imagem? Um poema só tem

sentido a partir de suas imagens? Hilda: - Um poema não tem sentido apenas

a partir de imagens, mesmo as imagens tendo grande importância. Nos meus

versos “Como se te perdesse assim te quero. / Como se não te visse (favas

douradas / Sob um amarelo) assim te apreendo brusco / Inamovível, e te

respiro inteiro / Um arco-íris de ar em águas profundas.” existem lindas ima-

gens, mas não apenas isso.

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E quando questionada na mesma entrevista sob a hipótese de a poesia ser capaz de

transformar o mundo, a escritora responde: “- Não acho que seja. Mesmo um grande poeta

não pode transformar o mundo. Shakespeare era deslumbrante mas não transformou o

mundo.” (1999, s.p). Na obra de Hilda, há diversos metapoemas que servem para explicitar a

importância da imagem para sua poesia e, mais, as suas concepções poéticas, como neste que,

por meio da imagem do “Pássaro-Poesia”, constrói-se a bela imagem de interlocução entre o

eu-poético e a poesia, sendo que o segundo já alcançou a plenitude, a “luz”, o “impossível”,

enquanto que o primeiro, sozinho, “pede” para ser carregado, expondo, logo no primeiro

verso, sua incompletude:

Carrega-me contigo, Pássaro-Poesia

Quando cruzares o Amanhã, a luz, o impossível

Porque de barro e palha tem sido esta viagem

Que faço a sós comigo. Isenta de traçado

Ou de complicada geografia, sem nenhuma bagagem

Hei de levar apenas a vertigem e a fé:

Para teu corpo de luz, dois fardos breves.

Deixarei palavras e cantigas. E movediças

Embaçadas vias de Ilusão.

Não cantei cotidianos. Só cantei a ti

Pássaro-Poesia

E a paisagem-limite: o fosso, o extremo

A convulsão do Homem.

Carrega-me contigo.

No Amanhã.

(HILST, 1989, p. 10)

Ao pedir para ser carregado pelo Pássaro-Poesia, o eu-lírico instala nos versos a

dificuldade da criação poética. Ligada ao símbolo pássaro, que tem por significado

transcendência, a poesia rompe com os limites da razão, criando uma “paisagem-limite” que

parece ser o oposto desta transcendência: “o fosso, o extremo”. São imagens antitéticas,

embora não o pareçam de imediato e que parecem não depender do mundo natural e da

consciência humana. O alcance da luz, o agente que torna as coisas visíveis, fica para o

“amanhã”.

Em busca da construção de sua poesia, o eu-lírico procura por inspiração, e assim

como o pássaro, que constrói sua casa de barro e palha, ele necessita de instrumentos como o

papel e o lápis para apreender os versos (“Porque de barro e palha tem sido esta viagem/Que

faço a sós comigo”). Isto é, ele toma, por instantes, o lugar do pássaro, e com isso quer ser

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carregado para o amanhã, para a elevação do sublime, onde este se encontra, como metáfora

de poesia, símbolo da leveza e da espontaneidade.

Ainda nesse poema, o eu lírico propõe “levar apenas a vertigem e a fé” na viagem

proposta, levando consigo sentimentos subjetivos, que dão a sensação de perda de equilíbrio e

que apresentam, ao mesmo tempo, uma atitude contrária à dúvida, intimamente ligada à

confiança, a fé. Ambas as palavras consistem na indefinição, assim como a poesia, dois fardos

breves. As palavras e as cantigas serão deixadas, ou seja, tudo o que representa o mundo

palpável, que ressoe a “música do mundo”, na esperança de alcançar o amanhã, demonstrando

que a poesia é uma viagem que vai além da “experiência, sentimento, emoção, intuição”; ela é

e está entre a loucura e o êxtase, por isso a palavra vertigem é ligada à palavra fé, revelando o

amanhã.

Por permanecer para além de seu autor, a poesia é e está no amanhã. Assim o poema

termina reiterando o pedido feito: “Carrega-me contigo./

No Amanhã.”. O eu-lírico quer estar onde e quando a poesia estiver; assim, rompe os muros

temporais, demonstrando que “a poesia não é nada senão tempo, ritmo perpetuamente

criador.” (PAZ, 1982, p. 31). E em tom de barganha, ele responde: “Não cantei cotidianos. Só

cantei a ti/ Pássaro-Poesia/ E a paisagem-limite: o fosso, o extremo/ A convulsão do

homem.”. É como se dissesse que optou por temas tipicamente humanos – a morte, a religião,

o erotismo, o amor (e a desilusão amorosa) e também os temas mais tradicionais da poesia,

afastando-se, assim, de toda uma linhagem poética que valoriza os momentos fugazes do

cotidiano.

Por este viés, a poesia hilstiana pode ser interpretada, numa relação inspiradora entre o

mundo interior da poeta, que não possui fórmulas, mas excede-as. Octavio Paz, por exemplo,

conjuga um mundo em que a poesia consiste na indefinição e na subjetividade, tendo em vista

que é grandiosa possuidora de camadas profundas. Assim, buscar a interpretação totalizante

do subjetivo é expandir as possibilidades de entendimento. Deste modo, a poesia torna-se um

incansável manobrar a procura de seu significado, pois “como captar a poesia, se cada poema

se mostra como algo diferente e irredutível?” (PAZ, 2012, p.22). a verdade é que a poesia e o

poema instalam-se na incompletude em que cabe a nós a interpretação desse secreto lugar.

A busca por interpretar esse secreto lugar leva-nos a olhar para a opção da poeta por

cantar temas tradicionais da poesia e nos faz pensar sob o aspecto contextual em que Hilda faz

parte, a modernidade. Em um período em que a poesia moderna passa por algumas

contradições de valores, em que a liberdade de um estilo estético e temático desvinculados do

modelo tido até então resultou numa visão contrária, que não mais prima pelo sublime ligado

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à poesia clássica, mas que preza pelo homem do século XX, Hilda conservou seu universo

clássico num cenário em que, conforme José Paulo Paes, em Os cinco livros do Modernismo

brasileiro:

Ao voltar-se para o cenário cotidiano, o poeta não quer vê-lo com os olhos

da rotina. Propõe-se antes vê-lo com os olhos novos da ‘ignorância que

descobre’, mesmo porque ‘a poesia é a descoberta/ das coisas que eu nunca

vi’ [...]. Ver o já-visto como nunca-visto equivale a inverter radicalmente as

regras do jogo, fazendo do cotidiano o espaço da novidade e do literário o

espaço da rotina ou contenção. (1990, p. 76)

Havia, portanto, uma ruptura com os moldes clássicos, tanto na forma quanto no

conteúdo. No período em que Hilda escreve, a poesia moderna, no contexto brasileiro, não se

isenta de ser partícipe dos problemas da sociedade, revolucionando ideias e temáticas,

participando das discussões da real situação do país, que se encontra no ápice do avanço

tecnológico e industrial. Há, portanto, uma busca pelo rompimento com o passado. Neste

momento, surge a poesia engajada, que denuncia a realidade e abre espaço para a poesia

concreta, dando fim à tradição do verso ritmo-formal e abrindo para a expressão poética livre.

Menotti Del Picchia (apud COUTINHO, 1997, p. 45), no discurso proferido por ele no

segundo dia da Semana de arte moderna, discursa: “Queremos libertar a poesia do presídio

canoro das fórmulas acadêmicas, dar elasticidade e amplitude aos processos técnicos [...]”.

Queremos exprimir nossa mais livre espontaneidade dentro da mais espontânea liberdade”.

Tal liberdade tem como uma de suas intenções criar uma poesia puramente nacional, voltada

para o cotidiano brasileiro. A partir de 1970, esse cenário é representado por Carlos

Drummond de Andrade, João Cabral, Lygia Fagundes Telles, entre outros. Porém, além

desses escritores, ainda há aqueles que não pertencem a nenhum grupo, apresentando uma

outra constituição para a poesia lírica brasileira, como Olga Savary, Marly de Oliveira e

Adélia Prado, com obras que dão ênfase a um tipo de subjetividade. Destaca-se também neste

grupo a poesia de Hilda Hilst, pois ainda que demonstre uma libertação total de qualquer

repressão da linguagem, conduz sua poesia à temática do ser, retratando a repulsa da poesia

lírica contemporânea pela escrita rebuscada da tradição.

Enquanto a poesia moderna deixa de lado a particularidade do poeta e se rende ao

esforço de interpretar o universo coletivo dos homens, Hilda submerge sua poesia no seu

profundo “eu”, no lirismo e mergulha em sua mimese interior. No décimo volume de seu

Diário crítico, Sérgio Milliet analisa os poemas de Hilda Hilst:

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Hilda Hilst sempre foi muito pessoal em sua poesia. Não se preocupou

jamais com ser moderna, porque naturalmente, sem esforço, falou a língua

de sua época. Não há por isso artifícios no seu verso, como não há nenhum

vestígio de outras gerações. [...] Hilda Hilst escreve versos que eu leio com

grande emoção. Seu monólogo em surdina, ouço-o com vontade de

interromper da maneira menos pretensiosa. Ainda é cedo para que os

ouvidos das pessoas apressadas atentem para sua voz e suas palavras. Mas

um dia hão de saber quanto a preocupou o amor, como por ele viveu e

porque tão desencantadamente o cantou. Seus poemas o dirão. (MILLIET,

1981, p. 297- 298)

Ao exprimir os sentimentos limites do eu, a poesia de Hilda aborda assuntos que

questionam a existência do ser homem e a experiência amorosa. Por meio de uma veia lírica,

a escritora de forma subjetiva e pessoal debate temas extremamente humanos. É assim que

sua poesia tem sido percebida como extremamente lírica.

Inicialmente derivada do grego lyrikós, o étimo da palavra lírica é relacionado com

lyra, um instrumento musical de corda, geralmente utilizado pelos gregos para

acompanhamento dos versos poéticos. Em meados do século IV a.C., o termo lírica deixou

de indicar a palavra mélica (“canto, “melodia”) para indicar pequenos poemas pelos quais os

poetas exprimiam seus possíveis sentimentos. A partir de então, a poesia lírica revela a

imagem do mundo, por meio da expressão dos sentimentos do indivíduo que decorre de uma

consciência e/ou de uma voz, derivando a preocupação do poeta com o seu “eu”, neste

momento, o poeta de uma forma consciente e emocional deixa de expressar o mundo exterior

para expressar o mundo interior.

Maria Severina Batista Guimarães (2006, p.1) articula que “A poesia lírica, mais do

que a ficção, é desentranhamento, é desvelamento de um estado anímico quase inefável e, por

isso, uma luta com a força da palavra que nem sempre é vã, como atesta a obra de tantos

grandes poetas [...]”. Para Ungaretti (1994, p. 224), a poesia mais que manifestar um embate

consciente entre o poeta e a palavra, é manifesta como uma revelação que supera a força

humana.

Ainda que a poesia lírica tenha deixado de ser composta para ser cantada, mas escrita e

lida, o gênero lírico continua ligado à música e ao canto, conservando a sonoridade por meio

de elementos do poema como acentos, aliterações, rimas, metros, onomatopeias. Aristóteles,

por exemplo, distingue a poesia lírica, da poesia narrativa, que era recitada, e da dramática

que era representada. Para Staiger (1969, p. 26), os gregos achavam que a forma do poema era

tão importante quanto o conteúdo. Isso causou “dificuldade para a poética antiga, que

procurava classificar os gêneros de acordo com características métricas, justamente pela

variedade de metros existentes”. Mas, a partir de Aristóteles, a poesia ganha uma

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particularidade, pois ligada à métrica, rimas e onomatopeias, deixa de ser repudiada. Tal

característica, segundo Staiger, causaria estranhamento se usada em outro gênero.

O gênero lírico ligado à musicalidade traz como uma de suas características a emoção;

a fim de expressar seus sentimentos o poeta lírico emite intensamente por meio de palavras os

pensamentos mais vagos de sua subjetividade. A lírica lhe possibilita relacionar os

sentimentos do presente, as lembranças do passado e o pressentimento do futuro. Desta

maneira, o poeta lírico estabelece o seu mundo pela natureza humana, mas também pelo

cosmo. Sendo uma forma peculiar de poesia, a lírica, apesar de ser encontrada em textos

maiores, em alguns gêneros literários, como na epopeia ou no romance, se apresenta de forma

reduzida, como: o soneto, o rondó, a cantiga, a ode, etc..

A poesia lírica, modernamente, suscitou a discussão em torno do eu-lírico, voz que ora

se pretende sincera, autêntica e pessoal, ora se apresenta como múltiplos de seus poetas,

deixando evidente para os leitores que a voz do poema é apenas uma máscara assumida pelo

autor, pois a partir da lírica moderna, que segundo Hugo Friedrich (1991, p. 141), “nasceu na

França, na segunda metade do século XIX. Este modelo foi traçado a partir de Baudelaire,

depois de ter sido pressentido pelo alemão Novalis e pelo americano Poe.”, o poema não é

visto mais como fruto de inspiração, mas como consequência de uma atitude consciente

“ligada à” sensibilidade do poeta, desta forma, a manifestação da Hilda, que sugere que a

poesia é fruto de inspiração, não anula, mas a afasta de alguns aspectos da poesia moderna.

Essa discussão é um dos motivos centrais do estudo da poesia a partir do romantismo,

no qual se assentam as bases da lírica moderna. No entanto, a lírica hilstiana caracteriza-se

como lírica moderna, ligada a outro aspecto, que é a dissonância, que, segundo Friedrich,

pode ser assim definida:

[...] traços de origem arcaica, mística e oculta, contrastam com uma aguda

intelectualidade, a simplicidade da exposição com a complexidade daquilo

que é expresso, o arredondamento linguístico com a inextricabilidade do

conteúdo, a precisão com a absurdidade, a tenuidade do motivo com o mais

impetuoso movimento estilístico. São, em parte, tensões formais e querem,

frequentemente, ser entendidas somente como tais. (FRIEDRICH, 1978,

p.16).

Determinada tensão dissonante leva a uma multiplicidade de significações ao poema,

propiciando uma beleza fascinante e misteriosa, que busca por uma realidade transcendente,

que na lírica moderna constitui uma “idealidade vazia” e indefinida, porquanto

O Desconcertante de tal modernidade é que está atormentada até à neurose

pelo impulso de fugir do real, mas se sente importante para crer ou criar uma

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transcendência de conteúdo definido, dotada de sentido. Isto conduz os

poetas da modernidade a uma dinâmica de tensão sem soluções e a um

mistério até para si mesmos. (FRIEDRICH, 1978, p. 49).

Essa noção manifesta, em alguns casos, uma poesia hermética, que beira o

incompreensível, exibindo "elementos da linguagem prosaica e conversacional". Marcada por

uma presença constante, a imagem insólita na literatura moderna desautomatiza a percepção

do leitor, cobrando uma leitura extremamente ativa.

Todos esses elementos se constroem na poesia hilstiana como uma busca pelo

inexplicável, uma vez que o conteúdo transcende a compreensão, muitas vezes fugindo ao

real, ganhando corpo e forma no plano do insabido, como podemos ver neste poema de Da

morte. Odes mínimas:

XXXVII

Não compreendo. Apenas

Tento

Somar meu corpo

A teu corpo

Minhas águas

A teu remo

E cascos, os meus,

E luzes de um dia

E ânus, regaço

Somar

A teu matiz cobreado

Tua garra fria.

Não compreendo. Apenas

Tento

(suor, subida, cascalho

Seca)

Somar teu corpo

A meu pensamento.

(HILST, 2003, p.65)

No primeiro verso, a afirmação em relação à morte é posta como incompreensível

(Não compreendo) e logo tal declaração é enfraquecida pela palavra que a sucede (Apenas/

Tento). Talvez resida nesse advérbio de exclusão uma esperança pela compreensão. Na

tentativa do conhecimento pelo segredo que circunda.

A fim de expressar seus sentimentos, o eu-lírico emite os mais vagos de sua

subjetividade, no intento de compreender a morte e materializá-la num corpo; assim, o

mistério comum a todos se torna o mistério do eu-lírico. Desta forma, abusa-se das imagens e

dos significados que funcionam juntos, como: as águas e o remo, cascos e luzes,

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demonstrando um propósito: a aproximação. Ao somar o corpo da morte ao seu pensamento,

o que não é um exercício fácil, visto que exige suor, elevação, o eu- lírico enfrenta um duro

caminho em busca de desvendar o mistério da morte.

Em busca de algo mais concreto sobre a morte, fica claro o uso da forma que Hilda

utiliza no diálogo: a ode. A opção estética da poeta para elaborar sua lírica parece facilitar o

diálogo, pois serve de lugar para celebrar a morte, que se apresenta de forma familiar,

característica básica da ode privada.

A palavra ode deriva do termo grego odée do latim õde (ou õda), que significa por sua

vez qualquer forma de canto triste ou alegre, ou o próprio ato de cantar. Dentre seus vários

significados o termo ode implica em canto de louvor, fúnebre, religioso, mágico, hino,

geralmente acompanhado por instrumentos musicais. Na literatura, modifica-se o sentido da

palavra, significando uma poesia de assunto elevado e de uma forma ritmada. A ode é

representada em forma escrita e dedicatória, na maioria das vezes canta sentimentos nobres.

Um gênero poético, cuja origem remonta à Grécia arcaica, a ode trata de temas que

envolvem a matéria humana, assim como a divina ou heroica, a principal característica do

gênero em questão é a subjetividade, pois, por meio da poesia, o autor expõe suas impressões

ligadas ao mais profundo “eu”, expressando pelo meio verbal rítmico e melodioso suas

emoções e sentimentos.

Tradicionalmente, além de a ode tratar-se de cantos de feitos heroicos, possui forma

fixa; geralmente é composta por quatro versos e divide-se em estrofes semelhantes entre si, do

ponto de vista da forma. As literaturas modernas do ocidente aplicaram à ode a composição

por três estrofes, dotada de coro e conclusão do poema. Por não possuir tal regularidade, a ode

de Hilda Hilst não é tida como fixa, o que nos leva a uma constante reinvenção de formas

clássicas na obra desta autora.

Representada pelo canto, como mencionado anteriormente, a ode era cultuada desde

os tempos da antiguidade. Sendo acompanhada pelo som de uma lira - instrumento musical de

cordas mais popular daquela época -, a musicalidade encontrada neste gênero era concebida

como fonte inspiradora de todo o sentimentalismo em ascendência. Vale ressaltar que, além

do espírito subjetivo, componente de toda poesia lírica, o eu-lírico é a voz que fala no poema,

não mantendo qualquer ligação com o artista (o poeta).

Em Roma a ode era chamada de Carmem e teve alguns predecessores como Horácio e

Catulo. Houve uma vasta produção, no século XIX, na França, com Victor Hugo; na Itália,

com Gabrielle D`Annuzzio, na Espanha, com Manoel José Quintada e outros. Na literatura

brasileira, a ode surgiu no século XVIII, tendo como precursor Cláudio Manoel da Costa,

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Sousa Caldas e outros; depois, Tobias Barreto, Castro Alves, Mário de Andrade, Emílio

Moura, Raul de Leoni, Carlos Drummond de Andrade, Hilda Hilst e outros.

Distinguiam-se dois tipos de ode: a ode privada e a ode pública. A ode privada

celebrava acontecimentos pessoais e a pública, ocasiões cerimoniais, como funerais,

aniversários e outros eventos. As odes mais remotas que se destacaram foram as de Safo e as

de Alceu. As mais importantes foram as de Píndaro, que foi apontado como o precursor do

processo formal da ode.

Horácio foi um poeta que se destacou no Classicismo europeu; suas odes eram

comumente classificadas como cívicas, pastoris, privadas e anacreônticas. As odes cívicas

cantam louvor de um acontecimento público ou de uma pessoa, as pastoris cantam louvor

ligado ao bucolismo e à vida campestre, já as privadas, apontadas por Pécora como sendo as

odes de Hilda Hilst, se dirigem a pessoas pelas quais o poeta tem pleno conhecimento pessoal,

fazendo também reflexões de caráter moral, e as anacreônticas, conhecidas como báquicas ou

amorosas, que se deleitam nos sentidos.

O gênero ode revisitado por Hilda Hilst, na construção do livro Da morte. Odes

mínimas, segundo Pécora, aproxima-se das odes privadas, tendo em vista o tratamento de

Hilst em relação ao tema da morte, ou seja, não são apenas poemas sobre a morte, mas

poemas direcionados à morte:

XXV

Onde nasceste, morte?

Que cores, ocaso e monte?

E os pulsos que te arrancaram

Do mais escuro. De carne?

Te arrancaram

De amêndoas negras? Havia águas?

Vagidos, choros,

Empelicada como nasce a vida?

Se querias, tocavas?

E sendo criança

Não tocavas em tudo

E o instante se fazia

Insipidez e nada?

E velhíssima agora

Conhecendo todos os tatos

Agonia, terror e pasmo

Saciada

Por que não partes?

(HILST, 2003, p. 53)

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Ao direcionar e restringir o espaço do discurso, o eu-lírico, neste poema, propicia um

discurso direto, evidenciando a morte como seu interlocutor. Tal tratamento aponta para uma

ideia direcionada e pessoal, o que mais enfatiza esta ideia é o endereçamento construído pelo

pronome “tu”, que, apesar de aparecer neste poema implicitamente, explicita um diálogo

íntimo entre os pronomes “eu/tu”. Por meio de perguntas, o eu lírico expressa seus

sentimentos, decorrentes de sua consciência, demonstrando sua preocupação com o seu “eu”.

Uma vez feita uma referência implícita ao interlocutor do eu-lírico, sobressai-se o tom

de diálogo nestes versos. Ao mesmo tempo em que se buscam por respostas, sugerem-se o

alimento da morte (amêndoas negras?), sua personificação (E sendo Criança) e metamorfose

(E velhíssima agora), desvelando-se as palavras ocultas da morte. As interrogações do eu

lírico somam para esta afirmação tanto quanto a voz que sugere que a morte se alimentava de

amêndoas negras. De uma forma consciente e emocional, o eu-lírico desvela seu mundo

interior, seus sentimentos e emite os pensamentos vagos de sua subjetividade.

Dada a sua onipresença na vida e no pensamento humano, a morte neste poema acaba

fazendo parte de todos os momentos. Desse modo, a lírica possibilita o relacionamento dos

tempos, pois passado, presente e futuro se estabelecem pela natureza humana, de carne, e pelo

cosmo. Logo, o passado é avigorado pelos verbos: nasceste, arrancaram, querias, tocavas,

fazia. O presente pelo advérbio de tempo: agora e o futuro que se dá pelo pressentimento da

inevitável chegada da morte, por isso a pergunta: Por que não partes?

A insistência na pergunta, a impaciência que se confunde com ansiedade em saber

sobre a morte, traduz a condição humana destinada ao fim; esse fim que não possui cara nem

sentimento, desdobrando-se, portanto, numa angústia que reside no mistério. O desejo do eu-

lírico pelo aniquilamento da morte o faz tentar compreender a morte pelo pensamento ou

explicar esse momento que sucede. Assim, ao perguntar a morte por que não parte, o eu lírico

parece demostrar sua condição diante da morte, o medo. Vivo é como quer se manter o eu-

lírico.

Desta forma, a morte neste poema também é trazida à vida e inserida no tempo (E

sendo criança/ [...]/ E velhíssima agora). É comparada a uma criança, que pela curiosidade

toca em tudo o que vê, assim como a morte, que toca, mas que deixa seu rastro de insipidez e

nada. Logo vemos a representação das perdas de sentido: a falta de tato, o medo e a prudência

que se adquirem na velhice virarem motivo do eu-lírico perguntar à morte: se tu já foste

criança, se já te alimentaste bem, se já aproveitaste a vida tocando em tudo o que querias, e

agora atingindo o último estado do tempo, sendo velha porque não partes?

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Ainda que a morte escape à compreensão, pois está onde e quando o homem deixa de

estar, o eu-lírico tenta compreendê-la e é nesta tentativa de apreender o fugidio que o eu-lírico

insiste na nomeação e ‘concretização/ materialização’ da morte por meio da palavra. Deste

modo, ao lutar com a palavra ele manifesta uma revelação que supera a força humana, e o que

estava em um estado inefável se torna compreensível, como o toque destruidor da morte,

assim a ode auxilia na familiaridade, o eu-lírico vê a morte, mas não a decifra; sente a morte,

mas não a toca.

A tendência meditativa e reflexiva do poema aponta para a ode privada. No momento

em que se dirige à morte (“E velhíssima agora”), comprova ter pleno conhecimento pessoal

dela, por mais que ainda lhe tenham perguntas. Ao analisarmos o eu-lírico tentando saber

sobre a “vida” da morte (“Onde nasceste morte?/ Que cores, ocaso e monte? [...]”), vimos que

tal paradoxo exprime ausência e presença, pois a morte sinônimo de inexistência existe,

mesmo que seus pulsos tenham sido arrancados, que não possua cor, que não seja de carne e

que não se alimente. Ainda que fuja à capacidade de apreensão humana ela é essencialmente

participante da vida.

O último verso do poema exprime um momento de confidência, no sentido de haver

um pedido, um desejo endereçado à morte (“Por que não partes?”), que expõe os sentimentos

do eu-lírico atrelados as suas vontades mais íntimas, manifestando seu próprio estado de alma.

Ainda nesse sentido, é possível perceber o lirismo na poesia de Hilda. Rosenfeld define o

gênero lírico (1986, p. 17):

Pertencerá à Lírica todo poema de extensão menor, na medida em que nele

não se cristalizarem personagens nítidos e em que, ao contrário, uma voz

central – quase sempre um ‘Eu’ – nele exprimir seu próprio estado de alma.

Além de o poema acima exprimir o estado de alma do eu-lírico, há em Da morte. Odes

mínimas, de modo geral, uma interlocução imaginária, que se dá em torno de um “eu”

direcionado a um “tu”, um eu que se manifesta humano e simultaneamente se esvanece na

matéria, corroborando para a ideia familiar e pessoal que a ode privada apresenta:

II

Demora-te sobre minha hora.

Antes de me tomar demora.

Que tu me percorras cuidadosa, etérea

Que eu te conheça lícita, terrena

Duas fortes mulheres

Na sua dura hora.

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Que me tomes sem pena

Mas voluptuosa, eterna

Como as fêmeas da terra

E a ti, te conhecendo

Que eu me faça carne

E posse como fazem os homens.

(HILST, 2003, p. 30)

Esse aparente diálogo se revela pessoal na medida em que o eu-lírico trava um diálogo

fechado, voltado ao encontro entre os pronomes tu/eu e te/me vistos na primeira e última

estrofe do poema, que estabelecem a relação possuidor/ possuído, pois a reiteração do termo

“demora”, visto na primeira estrofe, indica a ambiguidade do sentimento nessa dura hora, ao

mesmo tempo em que o eu-lírico adverte retardamento na chegada da “indesejada das

gentes”, indica também um alongamento no instante do contato, apontando para uma questão

de familiaridade, visto que o poema indica certo jogo de sedução do sujeito lírico. Os verbos

no infinitivo, no presente do subjuntivo e no gerúndio, respectivamente, indicam uma

gradação que remete aos estágios de aproximação com o outro (a morte).

Esse jogo de aproximação somente é possível pelo fato de o eu-lírico ter pleno

conhecimento da morte, devido às várias perdas no decorrer da vida:

XXIX

Te sei. Em vida.

Provei teu gosto. Perda, partidas.

Memória, pó.

Com a boca viva provei

Teu gosto, teu sumo grosso.

Em vida, morte, te sei.

(HILST, 2003, p. 57)

A presença da morte ocupa lugar na vida do eu-lírico; a precariedade da existência o

fez saber da morte, prová-la e pensá-la; saber da morte de outrem é entender que alguém se

foi. Assim aparece o entendimento do tempo como uma realidade propriamente pessoal, desta

maneira, o eu-lírico devaneia pelo passado (provei) em busca de testemunhar à morte a sua

existência. Essa “presentificação” só é possível por meio da memória, que transforma o

passado em matéria atualizada. Quando o eu-lírico demonstra um sentimento que se apresenta

no momento presente (“Te sei”), há, nesta perspectiva, uma aproximação.

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Assim sendo, a ode – o gênero da interlocução da morte em Hilda Hilst – serve de

palco para o eu-lírico celebrar a morte, por intermédio de uma intensa relação de erotismo que

permeia toda a obra e que serve como força lírica exercitada no mais profundo desejo do eu

pelo outro. Por meio da linguagem que registra o ritmo envolvente das odes, o eu-poético cria

uma relação íntima com a mais temida figura para a maioria da humanidade, com a finalidade

de se aproximar. Apesar de ser conhecida pela sua violência, a morte nos poemas do livro é

convidada a ser amante, “Te reconheço amada” (VI, p. 34). É essa aproximação que faz brotar

o tom erótico nos poemas. Nesse sentido, o poema XIX apresenta o erotismo como um apelo

que transita entre o limite do conhecimento e a relação amorosa:

XIX

Se eu soubesse

Teu nome verdadeiro

Te tomaria

Úmida, tênue

E então descansarias.

Se sussurrares

Teu nome secreto

Nos meus caminhos

Entre a vida e o sono

Te prometo, morte,

A vida de um poeta. A minha:

Palavras vivas, fogo, fonte.

Se me tocares,

Amantíssima, branda

Como fui tocada pelos homens

Ao invés de Morte

Te chamo Poesia

Fogo, Fonte, Palavra viva

Sorte.

(HILST, 2003, p. 47)

Neste poema, a repetição incessante da assonância em /s/ cria a atmosfera sensual

que é ainda mais intensa pela presença de palavras que conotam a sedução. Na primeira

estrofe, vê-se a afirmação da morte como desconhecida, (Se eu soubesse/ teu nome

verdadeiro), a condicional /se/, vista também na quarta e sexta estrofes, indica uma condição

de envolvimento que só se dará a partir do momento que o outro (morte) se manifestar (Se

sussurrares/ teu nome secreto [...] Te prometo, morte,/ a vida de um poeta. A minha: [...]).

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Sugestivamente a segunda estrofe está ligada ao sentimento de posse, que é avigorado

pelo verbo tomar e pelas expressões conotativas que remetem à sensação física do tato. Nos

versos “te tomaria/úmida, tênue”, a umidade parece envolver aspectos sexuais, pois,

simbolicamente, a água mata a sede, ou seja, satisfaz o desejo, assim como o prazer umedece

e satisfaz o devaneio. O termo tênue suaviza o contato, ou seja, se o eu-lírico soubesse o nome

verdadeiro da morte, a tomaria delicadamente e como se pode notar na terceira estrofe, o

outro (morte) descansaria, situação ocorrida após a satisfação sexual.

O ritmo presente em todo o poema, porém intensificado no primeiro verso da quarta

estrofe, soa em tom de sussurro, (“Se sussurrares/ Teu nome secreto/ Nos meus caminhos

[...]”); além de evocar a sensualidade do momento, pressupondo a proximidade e a troca de

segredos, a morte revela seu nome e o eu-lírico entrega-lhe a vida, como quem revela ao outro

suas vontades íntimas. No entanto, tudo se expressa como possibilidade, já que é parte

integrante dos versos condicionais (“Se eu soubesse/ Se sussurrares/ Se me tocares”).

No contato íntimo com a morte (“Se me tocares, Amantíssima, branda/ Como fui

tocada pelos homens”), o sujeito lírico atinge a propriedade da nomeação (Ao invés de Morte/

Te chamo Poesia). O nome, contudo, é “Fogo, Fonte, Palavra viva”, ambígua, polissêmica. É

“Sorte”, tanto encerra o bem, quanto o mal. Neste sentido, a voz poética expressa o seu

mundo interior, o erotismo, quando surge nos versos, frequentemente simula o encontro

sexual, mas o transcende, pois direcionado à figura da morte, parece ser mais um artifício

poético para dotar a morte de beleza e poesia. Ao ser associado com a morte, o erotismo

parece alcançar uma dimensão existencial. Percebe-se nos poemas analisados que o erotismo

assume uma força metafísica, uma vez que se refere à transcendência do ser. A pulsão de vida

representada por Eros prevalece sobre a morte e gera Poesia.

Desta forma, o erotismo em Da morte. Odes mínimas torna-se um recurso erótico, que

aproxima Eros (vida) e Tanatos (morte), e, é essa aproximação que faz brotar a intimidade

com a mais “temida” figura da humanidade, a morte. A ode é cenário perfeito para que haja o

conhecimento total da morte, pois por meio da aproximação que o diálogo oferece, o eu-

poético não celebra publicamente o funeral, a perda, ou algo relacionado à morte, mas celebra

a própria morte, que se faz familiar à medida que se manifesta sua intimidade e dita o dialogo

entre o eu e o tu. Assim, o contato íntimo do eu-lírico com a morte, ligado a sua

personificação, abre caminho para que se possam trocar segredos, como o nome verdadeiro da

morte.

É possível afirmar que as odes de Da morte. Odes mínimas giram em torno de uma

obsessão temática: a busca pelo nome verdadeiro da morte, pois dos cinquenta poemas

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inclusos no livro, dois querem saber da morte (V- Como virás, morte minha? – XXVIII- Tem

rosto?), quinze insistem em nomeá-la (I- Te batizar de novo. [...] Insana, Fulva, Feixe de

Flautas – IV- Amada/ Torpe/ Esquiva – VI- Ferrugem Esboçada/ Perfil sem dracma/ Um

cisco, um nada – VIII- Linhos e cal tua cara – IX- Amante – XII- Velhíssima- Pequenina/

Menina- Morte – XVI- Cavalo, búfalo, cavalinha – XVII- Vida – XVIII- Semente de som –

XX- Teu nome é Nada – XXIII- Te batizo Ventura, Prisma, Púrpura – XXV- criança/

Velhíssima – XXXII- minha irmã – XXXVI- Um peixe lilás e malva – I- Tempo – IV-

Tempo- Morte/ Nada) e cinco perseguem sua cara e carne, mas findam reconhecendo-a

como indefinível. (XIV- Persigo tua cara e carne/ Imatéria – XV- Tento prender teu corpo –

XIX Se eu soubesse/ Teu nome verdadeiro – Não compreendo. Apenas/ Tento – II- Tem

nome de ninguém – IV- Indefinível como criatura.).

A nomeação da morte é uma constante em Da morte. Odes mínimas. Apesar de sua

personificação existir em muitas sociedades, desde o princípio da história, normalmente

reconhecida na cultura ocidental, como um “ceifador sinistro”, com uma figura esquelética,

vestindo um manto preto com capuz e tendo em mão uma foice, a morte na obra em foco é

desassociada de uma imagem obscura. O eu-lírico expõe a cara da morte por meio de seu

mundo interior, criando um clima de curiosidade em torno da morte, será ela apenas um

fenômeno? Ou é dotada de olhos que vigiam, mãos, corpo?

A representação da morte, nas odes, na verdade, consiste na representação de mundo

daquele que deseja representá-la, uma vez que somos limitados a nossa própria percepção de

linguagem/ imagem, somos internamente ou externamente ligados ao que vemos e

conhecemos, assim, Hilda se utiliza da linguagem para exercer a renomeação da morte. E por

meio do gênero ode expõe seus sentimentos mais íntimos, num fio condutor que vai de “eu” a

um “tu”, que se envolvem e se enlaçam como num cenário sublime de um romance.

Nas palavras de M. Z. Zurchi: “a presença da morte na literatura, certamente a matriz

de todos os outros temas, constitui um campo vasto e complexo, que se abre para as variadas

abordagens críticas”. Ao publicar um livro inteiro direcionado à morte, Hilda Hilst, de forma

singular, aborda a morte como amante, amiga, pois em suas palavras, em depoimento a Leo

Gilson Ribeiro (1989), para o Jornal da Tarde, a escritora afirmou: “[...] eu queria despertar

um lado do ser humano que ele ainda se recusa a ver, como, entre outros aspectos da vida

humana, a morte, essa experiência mais importante que o homem pode ter.”, explica a autora

sobre sua busca. Tal como visto por Hilda nesse depoimento, no livro Da morte. Odes

mínimas, claramente a morte apresenta-se como o centro de todo processo de criação. A

escritora cria palcos de representações em torno da figura da morte, travando um diálogo

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direto entre sujeito lírico e interlocutor. A morte está colada à vida. No livro, ela é e está em

todos os lugares, atada aos pertences da vida. Esse sentido sustenta o próximo capítulo, a

morte em todo lugar, na história, na consciência, na linguagem, na literatura, na poesia.

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CAPÍTULO III

A MORTE EM TODO LUGAR

Por que morre o homem?

Campeia outra forma

de existir sem vida?

Fareja outra vida

não já repetida,

em doido horizonte?

Indaga outro homem?

Por que morte e homem

andam de mãos dadas

e são tão engraçadas,

as horas do homem?”

(Carlos Drummond de Andrade,

“Especulações em torno da palavra homem”,

In: A vida passada a limpo)

3.1 A morte no ocidente

Por ser a morte uma das grandes inquietações nas mais variadas culturas, espaços

humanos e literários, este capítulo visitará a história da morte no ocidente, a resposta do

homem diante da morte e percorrerá, mais especificamente, a relação da morte e linguagem, a

sua configuração no espaço literário e a poesia como lugar de criação em torno da figura da

morte.

Quando se percorre a história da morte no ocidente, da idade média até a idade

contemporânea, é possível verificar que a representação da morte passa por algumas

alterações que se dão no tempo e no espaço. É importante ressaltar que a sociedade ocidental,

bem como os seus pensamentos, tem suas raízes na civilização grega, que firmada no

cristianismo e no judaísmo influenciou de forma significativa a cultura do ocidente.

Nas sociedades primitivas, o conceito de morte não era o que conhecemos hoje, pois

era vista como um fenômeno que dava acesso a um novo estado de vida, visto que não se

tinha noção de eternidade. Devido a isso, essas civilizações enterravam seus mortos com

alguns subsídios como: comida, roupas e armas, para que pudessem se manter e sobreviver

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nesse período da vida. A mudança desse conceito somente se dá com a inserção do desejo

pela imortalidade, que ligada à religião traz consigo o medo da morte, por isso a forma de

lidar com ela em cada sociedade revela seu sistema ideológico, pela forma com que tratam

seus cadáveres. A partir disso, é possível verificar as ideologias e a visão de mundo de um

grupo social, de uma época (CHIAVENATO, 1998).

Nas sociedades mesopotâmicas, por exemplo, com destaque no Egito, a morte não

tinha apenas um papel religioso, mas social e político. Havia uma ideologia criada em torno

das figuras dos deuses e das personalidades sociais, sacerdotes e faraós. A morte era utilizada

como um elemento do sistema de dominação, contribuindo para o condicionamento

ideológico da população (ARIÈS, 1982), pois na cultura egípcia havia uma preocupação

extrema com a conservação do corpo para sua utilização na outra vida.

Contrário a esta ideia, para o cristianismo e para boa parte do judaísmo, a morte é uma

passagem para outra dimensão, um estágio de sono profundo, pelo qual só haveria um acordar

no dia da ressurreição, momento em que as almas voltariam aos seus corpos, “essa ideia

introduziu uma nova percepção e poupou gerações ao longo de séculos da ideia aterradora do

fim definitivo” afirma Ludwik Fleck (2004, p. 199, apud GIACOIA, 2005). Na Idade Média,

por exemplo, a igreja apossou-se de algumas mortes, utilizando-as como mecanismo de

dominação, a exemplo da morte dos heróis das cruzadas e santos, pelos quais impuseram

certas regras para quem quisesse obter a sua passagem para o paraíso.

Na primeira Idade Média, que vai do século V até ao século XII, a morte súbita era

tida como um castigo de Deus, pois antes de morrer o indivíduo tinha que se reconciliar com a

família, por isso a morte nesta sociedade era “familiar”; a pessoa após a reconciliação morria

na esperança de alcançar o paraíso celeste no juízo final. É tanto que, nesta época, ao ser

anunciada a morte de alguém, os parentes e amigos faziam grandes manifestações de luto.

“Tão logo se constatava a morte, irrompiam em torno às cenas mais violentas de desespero”

(ARIÈS, 1989, p. 153). Neste período, não havia necessidade de um túmulo próprio, e o

morto era enterrado junto com vários outros cadáveres (sem caixão) em grandes valas.

Neste momento, a igreja e o cemitério eram locais de enterro, os mortos eram

enterrados no interior da igreja (os ricos) e no pátio (os pobres); tal prática está associada ao

pensamento de que se enterrados perto dos santos os mortos estariam guardados do inferno.

Tanto o cemitério quanto a igreja eram locais públicos; desta maneira, vivos e mortos

conviviam em locais comuns (ARIÈS, 1989).

Conforme Ariés, na segunda Idade Média, que vai do século XII até o XV, o conceito

“familiar” distancia-se e já não há mais o descontrole e o choro pelo morto. Antes o corpo é

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ocultado por séculos dentro de uma caixa embaixo de um monumento: “Pouco tempo depois

da morte e no próprio local desta, o corpo do defunto era completamente cosido na mortalha,

da cabeça aos pés, de tal modo que nada aparecia do que ele fora, e em seguida era fechado

numa caixa de madeira ou cercueil (caixão), termo francês proveniente de sarcófago,

sarceu”(ARIÈS, 1989, p. 180-181).

A morte na baixa Idade Média passa a ser incerteza, e a entrada no paraíso dependeria

agora da conduta do homem antes da morte, e o papel da igreja era tão somente intermediar o

acesso da alma. Após esta mudança em relação à morte “sente-se que a confiança primordial

está alterada: o povo de Deus está menos seguro da misericórdia divina, e aumenta o receio de

ser abandonado para sempre ao poder de Satanás” (ARIÈS, 1989, p. 163).

Já na Idade Moderna muda-se o modo de encarar a morte; agora ela passa a ser

romantizada. As igrejas deixam de ser local de sepultamento, dando lugar aos cemitérios

construídos à beira das cidades, separando vivos de mortos. Os mortos começaram a ter suas

sepulturas individuais. Ainda segundo Ariès (1989, p. 50), “pretendia-se agora ter acesso ao

lugar exato onde o corpo havia sido depositado, e que esse lugar pertencesse de pleno direito

ao defunto e à família”.

Na Idade Moderna, o medo em relação à morte é associado ao pavor das pessoas

serem enterradas vivas, sentimento manifesto até nos testamentos. Tal associação cruel e

violenta liga-se às lendas em relação aos mortos vivos (CHIAVENATO, 1998). No século

XIX, ocorre um fenômeno denominado “morte suja”, há uma preocupação com a limpeza e

sanitização influenciada pelo olhar científico naturalista e pelos valores burgueses, fazendo

com que os cemitérios sejam construídos afastados das cidades para evitar proliferação de

doenças. Este é um período em que a “morte do outro” desencadeia uma terrível perda para o

seio da sociedade, reflexo dos valores burgueses da época (ARIÈS, 1982).

Na atualidade, o velório que antes expunha o corpo a entes queridos é menos tolerado.

Deixando de serem feitas na casa da família, as cerimônias fúnebres passam a ser mais

discretas. Ou como afirma Maranhão:

Depois dos funerais, o luto propriamente dito. O dilaceramento da separação

e a dor da saudade podem existir no coração da esposa, do filho, do neto;

porém, segundo os novos costumes, eles não os deverão manifestá-los

publicamente. As expressões sociais, como o desfile de pêsames, as “cartas

de condolências” e o trajar luto, por exemplo desaparecem da cultura urbana.

Causa espécie anunciar seu próprio sofrimento, ou mesmo demonstrar estar

sentindo-o. A sociedade exige do indivíduo enlutado um autocontrole de

suas emoções, a fim de não perturbar as outras pessoas com coisas tão

desagradáveis. O luto é mais e mais um assunto privado, tolerado apenas na

intimidade, às escondidas, de uma forma análoga à masturbação. O luto

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associa-se à idéia de doença. O prantear equivale às excreções de um vírus

contagioso. O enlutado deve doravante ficar isolado, em quarentena. (1986,

p.18-19)

A morte é vista a partir de agora como interdita, toda experiência relacionada a ela é

negada, as crianças recebem informações de que é uma “viagem”, ou um “descanso”, evita-se

falar da morte como um acabar completo, tendo o efeito de silenciar a dor da perda. O luto foi

suprimido, já não é permitido sofrer a dor da perda, é preciso ser feliz. A morte tornou-se um

tabu, expulsa da sociedade é vista agora como um fenômeno que causa repulsa, sua

banalização acarreta tanto a situação de catarse coletiva, observada principalmente na morte

de pessoas famosas, como na indiferença em relação ao desaparecimento de um indivíduo,

como se a recusa em enxergar a morte nos afastasse dela (ARIÈS, 1982).

A morte é vista a partir de agora como interdita e toda experiência relacionada a ela é

negada. Um exemplo disso é o fato de as crianças, normalmente, receberem a informação de

que a morte é uma “viagem”, ou um “descanso”. Enfim, evita-se falar da morte como um

acabar completo. Ao longo de séculos, a morte foi tida como uma figura familiar e, hoje em

dia, basta nomeá-la para desencadear uma tensão emotiva. Ousa-se não falar da morte, e

admiti-la nas relações sociais já não é como outrora, um acontecimento excepcional,

dramático e exorbitante, mas, sim, um acontecimento ignorado, desprezado, destituído em

grande parte do sentido ritualístico. Abílio Oliveira constata que, substituindo o lugar que

antes era concedido ao sexo, a morte converteu-se no maior tabu do século XX:

A morte tornou-se no maior interdito da nossa civilização e revela,

metaforicamente, as dificuldades que temos e com que nos deparamos ao

tentarmos melhorar o mundo. […] Qualquer que seja a explicação para o

iludir da morte, é evidente que esta escapa à nossa vontade própria e viola

mesmo o mais recôndito desejo de imortalidade. (1999, p. 24-25)

3.2 O homem diante da morte

O distanciamento cada vez maior em relação à morte nos faz notar que o medo é a

resposta mais comum do homem diante da morte. O homem em presença do medo usa

amuletos, busca na religião um escape e revela que seu terror existencial está na raiz de

qualquer existir humano, refletindo o sentimento de angústia que se perde por procurar onde

não há, no vazio, pois, conforme afirma Heidegger (1989, p. 340), “Aquilo com que a

angústia se angustia é o nada que não se revela ‘em parte alguma’”.

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“O medo de morrer é universal e atinge todos os seres humanos, independente de

idade, sexo, nível socioeconômico e credo religioso” (KOVÁCS,1992, p. 16). É por isso que

podemos inferir que o medo é um dos piores inimigos enfrentados pelo homem. Nesta

perspectiva, Ernest Becker, que, como já dito, é a maior referência acerca da concepção de

morte de Hilda Hilst, por meio de uma abordagem psicanalítica, descreve o problema da

morte na vida humana, “a ideia da morte e o medo que ela inspira perseguem o animal

humano como nenhuma outra coisa”, representando, em realidade, “uma proposição universal

da condição humana” (BECKER, 1973, p. 11), pois, para ele, o terror da morte é uma das

principais causas do conflito interno humano.

Ante esse temor o homem angustia-se, uma vez que mesmo com todo o avanço da

ciência, ainda não se tem um escape que o desvie da não-vida, da inexistência. Todavia, o

medo torna-se parte de uma defesa natural que garante a vida, uma defesa mecânica que

permite a todo ser fugir da morte, “sem o medo nenhuma espécie teria sobrevivido...”

(DELUMEUA, 1989, p. 147). A verdade instala-se numa certeza: “todos os homens têm

medo e aquele que não tiver medo, não é normal” (idem).

A psicanálise existencial, segundo Torres (1983, sp.), diz que “[...] o medo da morte é

o medo básico e ao mesmo tempo fonte de todas as nossas realizações: tudo aquilo que

fazemos é para transcender a morte.”, visto que “todas as etapas do desenvolvimento são na

verdade formas de protesto universal contra o acidente da morte.” É neste momento que o

homem busca na religião um subterfúgio para fugir das coisas terrenas, voltando-se para as

coisas de Deus, deste modo, seus pensamentos negativos produzidos pelo medo dão lugar ao

espírito religioso, que procura se tornar um ser bom, por meio das normas da vida religiosa

(ARIÈS, 1990, p. 50-54).

A angústia nos revela a realidade bruta como seres no mundo, a de que somos mortais; é neste

momento que o homem é posto diante de uma escolha intransferível: deixar-se levar pelo

esquecimento de sua dimensão mais densa, ou admitir-se como um “ser-para-a-morte”.

Segundo defende Heidegger no livro Ser e tempo, consequentemente, o medo da morte como

o medo básico e primitivo age como mecanismo de defesa, contrariamente a angústia, que faz

com que o Dasein se encontre aberto diante do puro e simples fato de existir, levando-o a

sentir-se situado. A diferença entre os dois consiste naquilo de que se foge, levando-nos à

seguinte pergunta:

Como se distingue fenomenalmente o com quê a angústia se angustia

daquilo que o medo tem medo? O com quê da angústia não é, de modo

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algum, um ente intramundano. Por isso, com ele não se pode estabelecer

nenhuma conjuntura essencial. A ameaça não possui o caráter de um

determinado dano que diria respeito ao ameaçado na perspectiva

determinada de um poder ser de fato. O quê da angústia é inteiramente

indeterminado. (HEIDEGGER, 1999, p. 186)

O medo ou temor surge ante algo ameaçador e bem determinado, como a morte do

outro, já a angústia faz emergir em seus próprios traços angustiantes o próprio ser no mundo,

produzindo em seu caráter indeterminado o nada, pois

Aquilo com que a angústia se angustia é o nada que não se revela “em parte

alguma”. Fenomenalmente, a impertinência do nada e do em parte alguma

intramundanos significa que a angústia se angustia com o mundo como tal.

[…] O nada da manualidade funda-se em “algo” mais originário, isto é, no

mundo. Do ponto de vista ontológico, porém, ele pertence essencialmente ao

ser do Dasein como ser-no-mundo. Se, portanto, o nada, ou seja, o mundo

como tal, se apresenta como aquilo com que a angústia se angustia, isso

significa que a angústia se angustia com o próprio ser-no-mundo.

(HEIDEGGER, 1999, p. 253).

Uma vez feita a diferença entre medo e angústia, é importante esclarecer o significado

do termo Dasein, que não é somente essencial para o entendimento de o livro Ser e Tempo,

mas do pensamento heideggeriano em geral. Por que então o homem é entendido como

Dasein? Na perspectiva aberta por Heidegger o termo Dasein indica o espaço temporal (Da)

do ser (Sein), ou seja, o Da do Dasein sugere o lugar e o instante da abertura, por meio de

uma compreensão do ser, deste modo, “sendo, o Dasein é lançado, mas não foi levado por si

mesmo ao seu Da. Sendo, ele é determinado como um poder ser que pertence a si mesmo,

mas não no sentido de ter dado a si mesmo o que tem de próprio”. (HEIDEGGER, 1999, p.

364).

O Da do Dasein significa que o homem é o próprio Da enquanto ser no mundo, que se

encontra simplesmente lançado em tal situação, sem que a isso se dê um sentido. Assim

sendo, ele é tomado pela angústia, que é capaz de referir-se a si de forma autêntica, pois

A angústia se angustia pelo próprio ser-no-mundo. Na angústia o que se

encontra à mão no mundo circundante, ou seja, o ente intramundano em

geral, naufraga. O mundo não é mais capaz de oferecer alguma coisa nem

sequer o ser aí com (Mitdasein) os outros. A angústia retira, pois, do Dasein

a possibilidade de, na decadência, compreender a si mesmo a partir do

mundo e na interpretação pública. Ela remete o Dasein para aquilo pelo que

a angústia se angustia, para o seu próprio poder-ser-no-mundo. A angústia

singulariza o Dasein em seu próprio ser-no-mundo que, na compreensão, se

projeta essencialmente para possibilidades. Naquilo pelo que se angustia, a

angústia abre o Dasein como ser-possível e, na verdade, como aquilo que,

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somente a partir de si mesmo, pode singularizar-se numa singularidade.

(HEIDEGGER, 1999, p. 264).

Quando o Dasein assume o nada da angústia, assume a morte e o nada que esta

representa. Na angústia torna-se claro o conceito existencial do morrer, que difere de um mero

desaparecer, ou de uma simples experiência do deixar de viver. Com efeito, Heidegger

descreve que, ao não aceitar a angústia, o Dasein é envolvido, pelo que ele denomina tédio, o

esquecimento desta realidade fatídica do ser diante da morte. Contrário a este aqueles que

aceitam a angústia são situados no mundo e no plano existencial, que não mais reféns do

cotidiano, lhes é revelado a nossa condição como ser-no-mundo.

Uma primeira tomada de posição acerca da angústia é colocar de lado os disfarces e as

máscaras, pois o homem que aceita o discurso cotidiano não mede esforço para evitar o

contato com a morte, negando a todo custo a possibilidade de um fim e concedendo espaço a

um mundo de aparência por meio das experiências práticas diárias.

Ao fixar-se nas coisas do mundo e na rotina do dia-a-dia, o ser humano tenta apagar a

figura da morte e mergulha em sua existência inautêntica, pois, segundo Giordani, é a partir

da reflexão da morte que o ser humano se torna autêntico, pois ao lançar-se na existência

inautêntica o ser humano se perde no mundo, condicionando sua felicidade sobre objetos

deste mundo(GIORDANI, 1976, p. 22-23).

Tomar consciência da inevitabilidade de nosso fim implica confessar que a morte

mora em nosso ser, ela está desde o primeiro instante; quando “fomos jogados ao mundo”,

nascemos e já começamos a morrer, a morte não avisa, não tem hora, sendo o presente em

qualquer tempo da existência. O homem é um “ser-para-a-morte” e esta angústia revelada a

muitos manifesta-se no último instante como a “angústia da morte”.

Ao por de lado as máscaras, a angústia nos permite pensar a morte e integrá-la à

intimidade da nossa compreensão, noutras palavras, embora experimentemos a morte do

outro, morrer é íntimo e isto nos dá a chance de a observarmos e possibilita compreendê-la em

sua totalidade; isso resulta numa variedade de representações em torno dela, pois a

consciência abre passagem para o plano do pensamento.

É por meio da angústia que o ser humano aciona mecanismos de defesa, expressos por

meio de fantasias inconscientes sobre a morte, ao entrar em contato com a fatalidade da morte

ele é levado a querer vencê-la, já que sendo o homem o único animal que tem consciência de

sua própria morte, ativa sua vontade mais expressiva ao querer continuar a ser, pois,segundo

Becker, ninguém crê em sua própria morte. No nosso inconsciente, estamos convencidos de

nossa própria imortalidade.

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3.3A negação da morte

Marca da humanidade, a consciência da morte nos difere dos demais seres. Longe de

termos uma percepção, assim como a que o animal apresenta diante de possíveis ameaças,

somos levados a pensar na morte. Uma das maiores conquistas do ser homem constitui-se na

consciência da própria morte, pois “não se trata mais de uma questão de instinto, mas já da

aurora do pensamento humano, que se traduz por uma espécie de revolta contra a morte”

(MORIN, 1970, p. 31).

Desde muito cedo, quando passamos a conceber em nossa mente as primeiras noções

de mundo, somos movidos pelo medo, que se apresenta como fonte de angústia. Mediante

esta realidade que se configura entre o homem e o tão aterrador e inescapável caminho da

morte, do qual o homem possui uma angustiada consciência, Becker em A negação da morte,

ilumina, a partir de uma abordagem multidisciplinar fincada na psicanálise, o problema da

morte na vida humana.

O título do livro já propõe uma ideia central que se desdobrará de alguma maneira na

negação da morte. Assim como induz o título, A negação da morte apresenta o conceito

tendencioso mais instintivo de negação. As pessoas vivem com a ilusão de estarem imune ao

destino “cruel” do fim, negando-a por meio de artifícios de autoengano e auto-ilusão.

Portanto, baseado em correntes psicanalíticas, com a perspectiva mítico-religiosa, o livro

parte do conceito de que “a ideia da morte e o medo que ela inspira perseguem o animal

humano como nenhuma outra coisa”, representando, em realidade, “uma proposição universal

da condição humana” (BECKER, 1973, p. 11).

Becker constrói alguns conceitos no livro como o heroísmo e o narcisismo. O

heroísmo é definido como um acionador psicológico e antropológico; resumindo, o autor

designa uma perspectiva de coragem e sabedoria humanas, variando de acordo com as

culturas, uma vez que, conforme afirma Becker, “nossa tendência central, nossa principal

tarefa neste planeta, é a heroica” (BECKER, 1973, p.19) e,

Não importa se o sistema de heroísmo de uma cultura é francamente mágico,

religioso e primitivo ou secular, científico e civilizado. É, de qualquer forma,

um sistema de heróis mítico, no qual as pessoas se esforçam para adquirir

um sentimento básico de valor, para serem especiais no cosmo, úteis para a

criação, inabaláveis quanto ao seu significado. (idem, p. 24).

Na verdade, “Todos os nossos significados nos são inculcados pelo lado de fora, pelas

nossas relações com os outros. É isso que nos dá um ‘eu’ e um superego. Todo o nosso

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mundo de certo e errado, bom e mau, nosso nome, exatamente quem somos, tudo isso é

enxertado em nós. Nunca sentimos que temos autoridade para oferecer coisas por nossa

conta” (BECKER, 1973, p. 72), por isso o ser humano não possui autonomia ontológica, pois

recebe do exterior seus valores, crenças e ideias.

Já o narcisismo é o motivo do egoísmo instintual, que faz com que sejamos seres

agressivos e associais. Becker (1973, p. 20), ainda, nos diz que “estamos perdidamente

absortos em nós mesmos” e que “todos são sacrificáveis, exceto nós mesmos”. Porém há

nesta categoria narcisista um lado positivo, pois “um grau prático de narcisismo é inseparável

da autoestima, de um sentimento básico de valorização de si mesmo” (BECKER, 1973, p.21).

Ou seja, sem um mínimo de autoestima e vaidade seríamos vítimas de uma depressão

profunda, por isso uma dose de narcisismo, segundo expõe o teórico, seria vital. Por meio do

narcisismo natural, o ser humano é dotado de angústia e expectativa, o que não é possível no

reino animal irracional, uma vez que não possuem uma consciência individual abstrata.

Por possuir uma essência racional, o ser humano encontra-se em meio a uma

consciência angustiada. Ao ser destacado em meio à natureza, ele é possuidor de um nome e

de uma história de vida, sua mente afirma-o como um deus diante da natureza, um criador que

com imaginação coloca-se em um ponto no espaço; com uma mente ele voa alto e especula o

infinito, é um eu simbólico, possuidor de uma individualidade dentro da finitude (BECKER,

1973). Porém, apesar de possuir destaque na natureza, o ser dotado de “uma dominadora

majestade” se faz humano, pois ao mesmo tempo que ele está distante da natureza, encontra-

se impregnado por ela. A verdade é que “o homem quer ser um deus, com apenas o

equipamento de um animal, e por isso vive de fantasias.” (BECKER, 1973, p. 67).

Estar dentro da natureza implica fazer parte do que ela impõe, mesmo como um ser

dotado de superioridade, consciência, o homem é possuidor de um corpo, que sendo de carne

se diluirá, ele sente de dor, sangra e caminha para o destino daqueles que possuem carne, a

morte. O interior da terra é o que lhe espera, o apodrecimento, o desaparecer para sempre. Os

animais não sabem da morte, eles são anônimos, não a refletem e não a conceituam, eles são

poupados, há para eles apenas alguns segundos ou minutos de medo e angústia, e, logo tudo

está acabado, porém o homem leva uma vida com os assombros da morte ainda nos dias mais

estrelados.

A angústia da morte e do aniquilamento é própria da vida, significando que temos que

negar a vida para nos livrarmos da consciência da morte, mas como fazer isso? “o que

significaria exatamente, nesta terra, ser inteiramente destituído de repressão, viver em plena

liberdade física e psíquica? Só pode significar renascer para a loucura” (BECKER, 1973,

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p.73), mas como pode o homem alterar o dilema consciente de sua existência? “simplesmente

não há meio de transcender os limites da condição humana ou alterar as condições estruturais

psicológicas que tornam possível a humanidade” (idem, p. 264).

Todavia, quanto ao mito da vida interior, ao fazer uma leitura da teoria de Freud,

Becker (1995, p.16) afirma que “o inconsciente não conhece a morte ou o tempo: nos seus

recessos orgânicos fisioquímicos mais íntimos, o homem se sente imortal”. “Mas se toda essa

minha experiência é a dimensão depois da morte [...] inconsciente não registra espaço-tempo-

morte como o consciente? O inconsciente se pensa imortal? Por que?”14

A criança que é bem alimentada e amada desenvolve, como dissemos, um

sentido de onipotência mágica, de indestrutibilidade, de poder comprovado e

de apoio seguro. Ela pode imaginar-se, lá no fundo, eterna. Poderíamos dizer

que a sua repressão da ideia da morte lhe é facilitada porque ela, a criança,

na sua vitalidade muito narcisista, está fortalecida contra tal ideia. Esse tipo

de caráter provavelmente ajudou Freud a dizer que o inconsciente não

conhece a morte. (BECKER, 1973, p. 43)

Ao ignorar algo que é essencial dentro dele, o homem foge à sua natureza e reage,

manifestando o medo da morte de outra forma, pelo mecanismo da repressão consciente.

Becker afirma isto devido o fato de “no fundo do coração, o indivíduo não acha que ele vai

morrer, apenas sente pena daquele que está ao seu lado”, é como se o homem encontrasse em

seu coração a eternidade, É nesse sentido que o corpo se sente organicamente falível, mas

anseia por uma transcendência.

Por ser o homem um animal paradoxal e consciente de si mesmo possui, em sua

condição de criatura, uma vida falível por mais que seja simbólica. Ao possuir um caráter

individual destina-se a mentir para esquecer o terror da nossa mortalidade, a não aceitação de

um universo apavorante e esmagador dar-se por ele ser carne e consciência, verme e ao

mesmo tempo um deus, e

Este é o horror: ter surgido do nada, ter um nome, consciência de si mesmo,

profundos sentimentos íntimos e o homem é o animal paradoxal, consciente

de si mesmo, ridiculamente emparedado na condição de criatura mesmo

possuindo uma vida simbólica: apesar de tudo isso, morrer. Parece uma

mistificação. Que tipo de divindade iria criar um alimento para vermes tão

complexo e caprichoso? (BECKER, 1973, p. 95)

Enfim, por possuir uma vida simbólica, o homem deixa de acreditar na morte como

um simples fenômeno aniquilador, ao contrário, faz como o Deus encarnado, que, segundo o

cristianismo, conversou com a morte e questionou-a: “Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde

14

HILST, Hilda. Registro pessoal. Disponível em: http://www.hildahilst.com.br/obras.php?categoria=8 (Acesso

em: 22 de setembro de 2014).

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está, ó morte, o teu aguilhão?” (1 Coríntios, C. 15, v.55). A negação da morte leva o homem

de encontro com a mentira, por isso “é que a escola da angústia leva à possibilidade só pelo

fato de destruir a mentira vital do caráter. (BECKER, 1973, p. 96)”, ao se fazer em face da

angústia do terror da existência, o homem chega a novas possibilidades e vê, para além de sua

finitude, a morte e com isso dialoga com ela, imagina-a, nomeia-a.

3.4 A linguagem e a morte

Aceitar a morte nos dirige consequentemente à esfera do pensamento. Ao pensá-la,

imediatamente, o fenômeno morte é associado ao ato de linguagem do homem, que evoca a

possibilidade de ele nomeá-la por meio da linguagem, que serve como base no cotidiano

humano.

De acordo com Giorgio Agamben, no texto Ideia da morte, do livro Ideia da prosa:

“O anjo da morte, que em certas lendas se chama Samael, e do qual se conta que o próprio

Moisés teve de o afrontar, é a linguagem”(1999, p. 126). Isso nos leva a crer que, ao ser

apresentada ao universo da palavra, aquilo que se apresenta como um fenômeno

desconhecido, que escapa a toda forma de proposições, a morte, é trazida para o mundo do

pensamento e ainda que não consigamos atingir o morrer em sua totalidade, esta deixa de ser

vista como um rito de passagem e tende a submeter-se à linguagem. Vista como base social na

humanidade, a linguagem é tida como poder, logo, se a morte é agregada a tal linguagem,

prontamente eu domino a morte.

Para Blanchot (1997, p. 310), a palavra se constitui em palavra-ausência no momento

em que lançamos um diálogo com um interlocutor, pois vemos suceder a morte da palavra.

Para ele, “a palavra me dá o que ela significa, mas primeiro o suprime”. Quando lançamos a

palavra gato, por exemplo, a palavra é dirigida ao ouvinte e é suprimida até que ele a preencha

com a referência gato, trazendo o ser/coisa que é proferido por nós. Por isso é por meio do

diálogo que a morte detém a linguagem humana, fazendo dela sua própria linguagem.

Assim sendo, ao nos comunicarmos com outrem entregamos a ausência do referente,

que associado à palavra dá lugar à ideia ou ao significado, pois o morrer da palavra possibilita

ao homem nomear o mundo. Desse modo, quando a morte deixa de ser apenas um rito de

passagem e ganha sua devida relevância na linguagem humana, ela se torna poder, pois

“Somente a morte me permite agarrar o que quero alcançar; nas palavras, ela é a única

possibilidade de seus sentidos. Sem a morte, tudo desmoronaria no absurdo e no nada”

(BLANCHOT, 1997, p. 312).

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Apesar disso, se a morte é antes de tudo palavra e ausência “O pensamento da morte

não nos ajuda a pensar a morte, não nos dá a morte como alguma coisa a pensar”

(BLANCHOT, 1973, p. 07). Ela se instala no espaço interdito e nos afasta de qualquer

possibilidade de pensá-la, dada sua própria palavra: morte. Ela nos distancia do seu referente,

pois se “A palavra me dá o ser, mas ele me chegará privado de ser. Ela é a ausência desse ser,

seu nada, o que resta dele quando perdeu o ser, isto é, o único fato que ele não é”

(BLANCHOT, 1997, p. 311). Por isso, nenhum pensamento daria conta de pensar a morte.

Com a ausência da morte vamos de encontro para o que é incógnito, algo que foge a

toda e qualquer conjectura. O que resta são apenas conjecturas, que não atingem a morte em

sua totalidade, de tal modo, o pensar na morte implica na total impotência do pensamento,

assim, a morte como palavra revela o desastre. “O desastre nos tirando o refúgio que é o

pensamento da morte, nos dissuadindo do catastrófico ou do trágico, nos desinteressando de

todo querer, bem como de todo movimento interior” (BLANCHOT, 1980, p. 10).

Para Blanchot, é por meio do desastre que há a (im) possibilidade de todo ato de

linguagem, o desastre possibilita a palavra a dizer livremente. Em L’écriture du désastre, ele

coloca o desastre como uma (im) possibilidade de tudo dizer e afirma-o como o movimento

criador do discurso literário. Enfim, o desastre possibilita e impossibilita a escrita, ele “de-

escreve”. É por intermédio do desastre que a palavra tudo pode dizer, mas ao mesmo tempo

que possibilita a escrita, a impossibilita, ao mesmo tempo que ele possibilita a linguagem ele

distancia. No momento que há a ausência, o desastre se confirma: “Nós estamos à beira do

desastre sem que possamos o situar no futuro: ele é, antes, sempre já passado, e, no entanto,

nós estamos à beira ou sob a ameaça” (BLANCHOT, 1980, p. 07).

No artigo: A morte enquanto linguagem nos escritos de Maurice Blanchot, Davi

Andrade Pimentel discorre sobre o desastre como base do movimento discursivo. Para ele, o

desastre está “fora de mim”:

Na interpretação do desastre. O “fora de mim” é estar fora do

comprometimento com a realidade objetiva do mundo, é optar por se

entrelaçar na indefinição do ser, na proposta original da linguagem humana

que não traz o ser, mas a ausência do ser. É no se ausentar de si, optando por

não se tornar agregado a um nome — nomeação que não é o ser, mas o nada

do ser — que o desastre pode atingir essencialmente o não ser, que é o ser

“fora de mim”. E mesmo “fora de mim”, o desastre não o atinge, mas já se

configura como participante do movimento “fora de mim”, uma vez que a

possibilidade de se desagregar do nome que estratifica o eu está associada à

possibilidade da palavra nada nomear. Ou seja, a palavra sem o status de

norma é desde já desastre. O desastre já está, embora ele esteja ainda em por

vir. A complexidade do desastre na linguagem e no “fora de mim”, que,

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também, é uma estrutura de linguagem, complementa a ausência de todas as

formas que se origina do próprio desastre. É como se o desastre perpetuasse,

de uma maneira mais abrangente ou não, a ausência inerente ao eu que se

intitula eu e a outrem que nega esse eu. (2013, p. 241)

Por ser a linguagem ausência: “O desastre [...] torna, talvez, a morte vã”

(BLANCHOT, 1980, p. 09). Porém, ainda que a concepção de morte se resvale para o

desastre da ausência, é no vazio que o homem traça o seu caminho em direção ao lugar da

morte ausente, que Blanchot nomeia como: “A morte impossível necessária”, que é

impossível ao pensamento humano, mas que é necessária à existência da linguagem, ou como

diz Derrida, em Demeure – Maurice Blanchot:

Não mais a morte impossível mas necessária, nem a morte impossível e

necessária, não, o impossível e o necessário não estão nem unidos por um

“e” nem separados por um “mas”. A morte é de um só traço o “impossível

necessário”, a impossibilidade como a necessidade se atribuindo e se

complicando uma na outra, ao mesmo tempo sujeito e atributo uma da outra

em permanência.(1998, p. 56-57)15

Contudo, o pensamento não alcança a complexidade e a nulidade da morte,

distanciando-nos e nos dando a certeza de que não temos certeza de nada, por isso não é

seguro falar da morte, por ser ausência, mas a segurança que temos ao falar da morte é a

certeza de que ela existe e é experimentada, por isso é necessária, e por isso pensamos: O que

é a morte? Onde é o seu território? Ela é substantivo comum ou próprio? Pelas perguntas

transformamos a morte em estrutura pensável, atribuímos a ela nome, cor, corpo, local. Para

nos sentirmos mais seguros fazemos da ausência algo a ser pensado e damos à morte uma

estrutura elaborada. Como diria Blanchot:

A angústia da morte anônima, a angústia do “morrer-se” e a esperança do

“eu morro” onde o individualismo se entrincheira, convidam-nos primeiro a

querer dar seu nome e seu rosto ao instante de morrer: não quer morrer como

uma mosca, na tolice e na nulidade zumbidoras; quer ter sua morte e ser

chamado, ser saudado por essa morte única. (2011, p.136)

Assim a morte como linguagem está situada em um “não lugar” entre a voz e a voz,

por isso o que estaria em jogo não seria a representação de um significado, mas a pura

intenção de significar, o puro querer-dizer, a partir do qual podemos identificar o “ter-lugar”

da linguagem (BLANCHOT, 2006, p.53-55). Resta então apenas procurar no mundo da

literatura a compensação do que na vida minguou: a morte como possibilidade acessível.

15

Citado por PIMENTEL , Davi Andrade . Disponível em: http://www.revlet.com.br/artigos/184.pdf . Em:

12/03/2015.

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3.4 A morte na literatura

Em literatura, a morte é interdição, mas também é gozo, liberdade, transcendência;

estimula a imaginação dos que tentam erguer um mundo simbólico que ajude a atenuar o

vazio deixado pelo fim da existência, e um dos meios de representação e/ou explicação acaba

sendo a literatura.

Na perspectiva de Blanchot vista anteriormente, a palavra do mundo não comunica de

fato o que promete, uma vez que a palavra é ausência e não diz de certo o mundo ou as coisas.

O contexto literário é interpretado por ele como um espaço, que revela autonomia criativa;

pois a linguagem literária “não é acabada nem inacabada: ela é. O que ela nos diz é

exclusivamente isso: que é — e nada mais. Fora disso, não é nada. Quem quer fazê-la

exprimir algo mais, nada encontra, descobre que ela nada exprime” (BLANCHOT, 1987, p.

12).Para ele não existe verdade no texto literário, mas mentira. A palavra não representa o

mundo neste espaço, mas o próprio espaço literário, uma vez que a literatura se refere a si

mesma.

Ao não estar interessada em promover a verdade, a literatura torna-se espaço

autossuficiente, tendo em vista que não compactua com a verdade dos homens e compartilha

do silêncio, afastando toda e qualquer intenção que leve a um pensamento científico. No texto

literário, a morte encontra seu espaço e abre-se a partir dessa hipótese a possibilidade de se

pensar sobre a morte, pois a literatura não é simplesmente uma reflexão de mundo e tampouco

um meio de expressão do mundo, ela é.

Ao propor que a literatura não se resume apenas ao reflexo do mundo ou de seu autor,

Blanchot afirma que a literatura dita suas próprias regras, contrariamente à palavra bruta, a

palavra de mundo, que apresenta a morte da palavra. No espaço literário não há morte e sim a

produtividade da palavra, há a palavra essencial, que tem como referente o próprio espaço. É

neste espaço que compactua com o falso, que há a possibilidade de dizer tudo e nada, “tendo

em vista que a literatura [...] implica em princípio o direito de tudo dizer e de tudo esconder,

no que ela é inseparável de uma democracia por vir” (DERRIDA, 1999, p. 206).16

A linguagem literária rompe o lacre do silêncio e dá lugar ao caos criativo, porquanto,

16

Citado por PIMENTEL , Davi Andrade . Disponível em: http://www.revlet.com.br/artigos/184.pdf . Em:

12/03/2015.

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O lacre que retinha esse nada nos limites da palavra e sob as espécies do seu

sentido se partiu; eis aberto o acesso a outros nomes, menos fixos, ainda

indecisos, mais capazes de se reconciliar com a liberdade selvagem da

essência negativa, dos conjuntos instáveis, não mais dos termos, mas de seu

movimento, deslizamento sem fim de “expressões” que não chegam a lugar

nenhum. (BLANCHOT, 1997, p. 314)

Pelo motivo da morte estar distanciada do espaço literário, é necessário que aquele que

escreva esteja disposto a se perder no espaço discursivo da literatura, jogando-se no abismo,

no “[...] canto do abismo, que uma vez ouvido, abriria em cada fala uma voragem e convidava

fortemente a nela desaparecer” (BLANCHOT, 2005, p. 04). Ao entregar-se a esse canto, o

autor inicia o ato de sua escrita, passa por uma perda gradativa de sua persona formada no

espaço humano, e o “eu” passa a inexistir, pois a verdade do “eu” é rejeitada pela literatura,

uma vez que

O escritor parece senhor de sua caneta, pode tornar-se capaz de um grande

domínio sobre as palavras, sobre o que deseja fazê-las exprimir. Mas esse

domínio consegue apenas colocá-lo e mantê-lo em contato com a profunda

passividade em que a palavra, não sendo mais do que sua aparência e a

sombra de uma palavra, nunca pode ser dominada nem mesmo apreendida,

mantém-se inapreensível, o momento indeciso da fascinação. (BLANCHOT,

1987, p. 15)

Blanchot diz que a literatura exige o afastamento do escritor e que “o escritor jamais lê

a sua obra. Esta é, para ele, o ilegível, um segredo, em face do qual não permanece. Um

segredo, porque está separado dele. Essa impossibilidade de ler [...] é, antes, a única

abordagem real que o autor poderá ter do que chamamos a obra.” (BLANCHOT, 1987, p. 14),

mas caso o autor queira expressar o seu domínio pelo texto, ele apenas possuirá “um

amontoado mudo de palavras estéreis, o que há de mais insignificante no mundo.” (idem,

p.13).

Desassociado da literatura, o escritor é privado de existir, fazendo com que a morte

resulte no ser:

A morte resulta no ser: esse é o dilaceramento do homem, a origem de seu

destino infeliz, pois pelo homem a morte chega ao ser e pelo homem o

sentido repousa sobre o nada; só compreendemos privando-nos de existir,

tornando a morte possível, infectando o que compreendemos com o nada da

morte, de maneira que, se sairmos do ser, caímos além da possibilidade da

morte, e a conclusão se torna o desaparecimento de qualquer conclusão.

(BLANCHOT, 1987, p. 330)

Ou seja, quando se compartilha da nulidade do contexto literário há a possibilidade de

se refletir sobre a morte, pois assim como a literatura, a morte se faz silenciosa e inenarrável,

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enquanto impossibilidade torna-se espaço de metáforas e lugar de linguagem. “[...] o silêncio,

o nada, isso é a essência da literatura” (1997, p. 298), iguala-se a morte.

Em La Littérature e la mort (1995), por exemplo, Michel Picard afirma que a morte é

uma espécie de artifício literário, um “ser de linguagem”, dada a onipresença da temática em

muitos gêneros literários. O discurso literário se torna lugar permanente de metáforas e serve

como espaço privilegiado para as manifestações/ descrições da morte Como pontua Edgar

Morin, em O homem e a morte:

O espectro da morte assediará a literatura. A morte, até então mais ou menos

envolta nos temas mágicos que a exorcizavam, ou recolhida na participação

estética, ou camuflada sob o véu da decadência, aparece nua. (1989, p.266)

No domínio literário, a morte está longe de ser pensada como um tabu, pensa-se nela

nua, como realmente é, pelo intuito de alcançar a imortalidade, ou de concebê-la enquanto

impossibilidade, como acontece na ficção de Maurice Blanchot, que afirma, na Enciclopédia

da Morte e da Arte de Morrer, “as personagens ficcionais pairam sobre a morte e a vida ou

assumem uma existência espectral após a morte”(2004, p. 292).

Contudo, o tema da morte surge nas mais diversas obras. De acordo com Isabel Maria

da Cunha Ferreira(2006), em sua dissertação: A morte em quatro narrativas brasileiras da

segunda metade do século XX, esta pode ser encontrada em todos os gêneros: épico, lírico e

dramático; ele surge, ao longo dos tempos como: morte natural, morte em combate, imolação,

homicídio – especificamente uxoricídio, matricídio, fratricídio, filicídio –, suicídio,

antropofagia, entre outros. Enfim a temática da morte configura, mesmo de forma mínima,

aplicações metafóricas em relação à simbologia conceitual do termo, a morte é formulada de

maneira subjetiva, busca-se a percepção de um determinado corpo físico, a simbolização por

determinado objeto.

3. 5 Morte e poesia

Assim como a literatura perde a referência com o mundo real e apresenta-se como

um mundo possível e diversificado, fazendo com que o escritor nos apresente sua maneira

diferenciada de enxergar esse mundo, a poesia persegue determinado objeto e com o poder

mágico de transformar a temática por meio de palavras escolhidas pelo poeta, transparece o

terror da morte ou a sua beleza, a morte como escuridão ou como celebração.

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Por isso, Octavio Paz (1982, p.19- 20) menciona que inserida na produção de cada

poeta, cada obra é única, irredutível e isolada. Ainda que o poeta aborde o tema da morte em

toda a sua obra, não significa que forma um todo, mesmo referindo-se ao mesmo assunto, pois

cada criação corresponde ao mundo diversificado da literatura, que expressa um estado de

espírito em relação ao ato criador da poesia, por isso Paz destaca que: Cada poema é um

objeto único, criado por uma “técnica” que morre no instante mesmo da criação. A chamada

“técnica poética” não é transmissível porque não é feita de receitas, mas de invenções que só

servem para seu criador (1982, p. 20).

A imagem da morte como feliz ou apavorante, boa ou ruim é estabelecida por uma

relação entre parecer e aparecer, pois segundo afirma Bosi (1990, p. 14),

A imagem, mental ou inscrita, entretém com o visível uma dupla relação que

os verbos aparecer e parecer ilustram cabalmente. O objeto dá-se, aparece,

abre-se (lat.: apparet) à visão, entrega-se a nós enquanto aparência: esta é a

imagem primordial que temos dele. Em seguida, com a reprodução da

aparência, esta se parece com o que nos apareceu. Da aparência à parecença:

momentos contíguos que a linguagem mantém próximos.

Ao falar sobre a imagem presente no poema, Octavio Paz adverte que todo poema é

composto de imagens, uma vez que, segundo ele, a matéria-prima de toda criação poética é a

imagem, pois, ao se expressar, o poeta tenta descrever o que sente, a imagem que tem de

determinada ação, sentimento, por meio de palavras. São elas, as palavras, que vão desenhar a

imagem do poema. A imagem, ainda declara Bosi (1977, p.15):

[...] não decalca o modo de ser do objeto, ainda que de alguma forma o

apreenda. Porque o imaginado é, a um só tempo, dado e construído. Dado,

enquanto matéria. Mas construído, enquanto forma-para o sujeito. Dado: não

depende da nossa vontade receber as sensações de luz e cor que o mundo

provoca.

Porém, a imagem resulta de um complicado processo de organização perceptiva que se

desenvolve desde a primeira infância (BOSI, 1990, p.15).

Muitas vezes expressa por metáforas, as imagens das “[...] metáforas vão surpreender a

imaginação. Mas ainda nos seja dado – e por que não esperar também por isso? –, talvez ainda

nos seja dado inventar metáforas que não façam parte, ou que ainda não façam parte, dos

modelos aceitos (BORGES, 2000, p.49). na verdade, mediante a inquietude do homem diante

da morte, o poeta usa a poesia para extravasar, libertar-se dos seus medos, alegrias, tristezas,

uma vez que a morte para uns é tristeza, mas para outros alívio. Assim, o poeta expõe suas

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ideias sobre a morte e o seu mundo, imagina-a e descreve-a, projetando seus sentimentos no

papel.

Tendo em vista tudo o que foi discorrido, podemos dizer que, embora a morte tenha

um caráter universal, sua representação sofreu alterações significativas no tempo e no espaço,

fato observado com o decorrer da história da humanidade. Na cultura ocidental a morte que

era vista na segunda metade do século XX como familiar e doméstica, atualmente é vista

como um tabu, que faz com que o homem pós- moderno fuja da ideia de morte, a fim de não

lidar com a sua “crueldade”. Mas ainda que esta fuga seja feita, não há garantia de ela ser bem

sucedida, pois mesmo que o ser humano não lide com a morte de seus entes queridos, não

escapa a sua própria morte.

Apesar de a morte ser uma certeza, isso não impede que o homem crie meios para

enfrentar o inevitável, pois o temor que o acompanha desde as suas primeiras noções de

mundo torna-se a chave desses meios e a principal fonte de angústia. Pelo que explica

Heidegger (2009), no livro Ser e Tempo, a angústia revela o ser autêntico e a liberdade como

uma potencialidade, é por meio da angústia que o homem pode governar a si mesmo,

enfrentar o vazio e toda a "rotinidade" desaparece – abrindo-se, então, à possibilidade de um

modo autêntico de ser.

Como seres diferenciados dos demais, possuímos consciência e sentimos angústia ao

pensar na morte. O reflexo do pensamento nos faz enxergar que como seres jogados no

mundo, somos fadados ao morrer, ainda que possuamos algo de superior como a consciência,

que por um momento nos faz deuses diante da criação. Morreremos como qualquer animal

irracional, e isso nos faz lembrar que somos mortais, ainda que no nosso inconsciente, lá no

fundo, nos imaginamos eternos, já que nosso inconsciente não conhece a morte, como nos

afirma Freud.

Uma vez que somos conscientes, procuramos transcender a condição humana. Muitos

entram na repressão consciente e mentem para si mesmos a fim de esquecer o terror da

mortalidade, porém há aqueles que rompem com o medo e pela angústia aceitam que são um

“ser-para-a-morte”, assim, trazem-na para o campo do pensamento, fazendo dela

linguagem/imagem. Desta forma, a morte é trazida para a linguagem humana e ainda que

nenhum pensamento dê conta de pensá-la, o homem por meio da palavra tenta apreendê-la.

O espaço literário torna-se o lugar perfeito para que haja dada apreensão. Por não

compactuar com a verdade dos homens e com o mundo real e científico a literatura torna-se

recinto de caos criativo e rompe com o silêncio. O escritor anula o seu “eu” e compartilha

com a nulidade do contexto literário, abrindo para a possibilidade de se refletir sobre a morte.

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Desse modo, ele se joga no abismo em busca de conhecer a tão temida por muitos, a

“indesejada das gentes”, a que é conhecida pelo nome morte, mistério comum a todos.

Por ser “poder, salvação, abandono, operação capaz de mudar o mundo, a poesia é

palco de criação em torno da figura da morte. Mesmo que exista há milênios, o poeta nunca a

conhece, mas persegue-a nas imagens deslizantes, entre os caracóis e o nada, ele a emoldura,

metaforizando-a como parte integrante da vida ou a descreve como um instante vazio. A musa

dos poetas esconde-se no silêncio e os faz querer saber da sua “vida”, do seu mundo, o seu

verdadeiro nome. Então eles usam do poder da linguagem para rebatizá-la. Alfredo Bosi

afirma que “o poder de nomear significava para os antigos hebreus dar às coisas a sua

verdadeira natureza, ou reconhecê-la. Esse poder é o fundamento da linguagem, e, por

extensão, o fundamento da poesia”(2000, p. 163).

O conceito da morte como um fim definitivo cede ao poeta a matéria de sua poesia,

que deixam de ver a morte tão somente como um fenômeno destruidor do corpo, mas como

uma possibilidade em direção ao eterno. A arte torna-se espaço para a morte,

“[...] a arte é relação com a morte. Por que a morte? Porque ela é o extremo.

Quem dispõe dela, dispõe extremamente de si, está ligado a tudo o que pode,

é integralmente poder. A arte é a senhora do momento supremo, é a senhora

suprema”. (BLANCHOT, 2006, p.87)

Enfim, a presença da morte tem um lugar determinado no âmbito da vida, estando em

todos os lugares, no próprio existir, como também no mundo circunvizinho; está na própria

consciência, na filosofia, na cultura, na literatura. Ela é e está há séculos e como um jogo de

espelhos, a morte do outro reflete a ameaça da morte em nós e nos faz querer conhecer a sua

cara para termos ao menos a possibilidade de vencê-la.

Essa possibilidade dar-se por meio da linguagem, elo fundamental que nos liga com a

realidade, como afirma Martin Heidegger, que “forma o mundo”, “posto que a abertura do

mundo se dá, antes de mais e fundamentalmente, na linguagem, é na linguagem que se

verifica toda a verdadeira inovação ontológica, toda a mudança do ser” (VATTIMO, 1996, p.

131). Da linguagem que é capaz de revelar os objetos e ao mesmo tempo se por em retirada,

visto que hoje pode ser considerada como crença de uma metafísica já destruída ou

desconstruída (AGAMBEN, 2007, p. 20).

Heidegger (1967, p. 55), na obra Carta sobre o humanismo, escrita em 1946, identifica

a poesia como o fundamento que torna possível a linguagem. Para ele, “a linguagem é a

morada do ser”, reafirmando que o homem não é apenas carência de ser como também

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conquista do ser. Consequentemente, a consciência tem levado o homem a ficcionalizar a

morte, atribuindo-lhe traços humanos, a morte é sem dúvida elemento da ficção humana, que

tenta sob diversos aspecto imitar a vida; personagem presente na arte literária, ela concebe um

significado, dessa maneira, atribuímos a ela sentidos fenomenologicamente humanos ou não,

buscamos a sua cara, o seu nome.

Expõe-nos Heidegger na obra Carta sobre o humanismo (Überdenhumanismus) escrita

em 1946: De acordo com a sua Essência, a linguagem é a casa do Ser, edificada em sua

propriedade pelo Ser e disposta a partir do Ser. Por isso urge pensar a Essência da linguagem

numa correspondência ao Ser e como uma tal correspondência, isto é, como a morada da

Essência do homem

Foi em busca de querer dar um nome significativo à morte e atribuir, muitas vezes,

uma imagem ao inefável momento de morrer, que Hilda Hilst teceu seu ritual de nomeação,

experimentando em vários poemas, de forma agônica, a angústia de um não saber, que se

desenrola em abismos de interrogações, normalmente sem respostas. Em meio a um cenário

de possibilidade de apreensão, veremos um sujeito lírico consciente do seu destino e com um

propósito: conhecer a verdadeira identidade da morte, assim, o ponto essencial de nosso

estudo será discutido, de forma mais minuciosa, no capítulo seguinte.

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CAPÍTULO IV

A NOMEAÇÃO DA MORTE: UMA LEITURA DE DA MORTE. ODES MÍNIMAS DE

HILDA HILST

A palavra é o próprio homem. Somos feitos de palavras. Elas são nossa

única realidade, ou pelo menos, o único testemunho de nossa realidade.

(PAZ, 1982, p. 37)

Octavio Paz, em O arco e a lira (1982), diz que o poeta cria o mundo no devaneio, é

ele quem dita às ordens e dá nome às coisas. No entanto, antes de dizer “lugares, espaços

altos, sólidos e reclusos onde legitimamente se exerça o ofício do verso”, o poeta preza pela

comunicação, como afirma Ariès (2006, p.20) em O tabu da morte, “o vazio da morte é

sentido primeiro como um vazio interacional”, uma vez que a morte sob a perspectiva humana

não é somente vista como um fenômeno destruidor físico e biológico, mas como um ser que

interage.

Sob este ângulo, a consciência da morte como marca da humanidade permite ao

homem/poeta o processo da aurora do pensamento humano, que não mais refém do cotidiano,

vive a sua vida com uma imagem da morte. É neste momento que a ideia representativa

principia a aparecer. Com o peso do destino a palavra morte se torna um continente vazio,

fazendo com que haja a apropriação da ideia de morte nos processos da morte e do morrer,

por conseguinte, esta se estrutura conforme as pistas que nos fornecem as civilizações e

metaforicamente surge como linguagem e imagem.

Todavia, o maior problema que ronda o intelecto humano é o de se defrontar com o

que não se pode controlar; ainda que haja a aceitação da morte, o comportamento do ser é

querer criar contornos em volta daquilo que lhe escapa. Portanto, este capítulo objetiva

analisar a maneira com que o nome da morte adentra no discurso do poema, e, apesar de

vários poemas nomearem a morte, escolhemos os seguintes: I, V, XIV, XIX, XXIII) e XX,

todos do livro em questão, pois demonstram o diálogo, a familiaridade, a busca por

significar/concretizar a morte, o não saber sobre o verdadeiro nome da morte e, por fim,

demonstram a busca frustrada do eu-lírico, que mergulha no caos produzido pela própria

palavra morte. Então os poemas que analisamos vão na raiz dessa questão. Veremos que

quase todos assumem o tom de angústia por querer decifrar e significar a morte, que se faz

anônima e incomunicável.

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Contudo, A angústia da morte anônima resulta num vácuo, num vazio impreenchível,

que faz, assim como percebemos no poema V de Da morte. Odes mínimas, o eu-lírico travar

um diálogo e fazer dele um veículo de informação, mesmo que as respostas residam em um

não lugar:

V

Túrgida-mínima

Como virás, morte minha?

Intricada. Nos nós.

Num passadiço de linhas.

Como virás?

Nos caracóis, na semente

Em sépia, em rosa mordente

Como te emoldurar?

Afilada

Ferindo como as estacas

Ou dulcíssima lambendo

Como me tomarás?

(HILST, 2003, p. 33)

Neste poema, a angústia da morte anônima faz despertar no eu-lírico interrogações

sobre a vinda e a tomada da morte; a meditação sobre como virá e como será a tomada da sua

vida comprova uma vida dominada pelo pensamento da morte; é uma vida incitada por

imagens concretas e abstratas, que desaba num sentimento de aceitação ligado a uma certeza

verdadeira: a vinda e a tomada da morte.

Essa aceitação tende a uma morte totalmente única e pessoal, introduzida pelo eu-

lírico no segundo (como virás, morte minha?) e no último verso (como me tomarás?). Ele

afirma, deste modo, a sua realidade própria enquanto ser-no-mundo: um ser que caminha para

a morte. Seu esforço em compreendê-la é também o esforço em individualizá-la; ele quer

“morrer fiel a si mesmo, de uma morte individual, indivíduo até o fim, único e indiviso:

reconhece-se aí o cerne duro que não quer se deixar quebrar. Quer morrer, mas na sua hora e à

sua maneira. Não se quer morrer como não importa quem, de uma morte qualquer.”

(BLANCHOT, 2011, p. 128-129).

Assim, como se fosse um exercício que prepara para o fim, o eu-lírico tenta emoldurar

a morte (Como te emoldurar?), pois “o desprezo pela morte anônima, pelo “morrer-se”, e a

angústia travestida que faz nascer o caráter anônimo da morte. Ou ainda, quer morrer bem,

isso é nobre, mas não falecer.” (BLANCHOT, 2011,p. 129) por isso, em busca da quebra do

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anonimato, ele traz a morte para a esfera do pensamento, que tem como base o cotidiano

humano, submetendo-a a linguagem e às formas conhecidas por ela, pois , assim como foi

citado no capítulo anterior, a morte anônima gera angústia, e a primeira coisa que o eu- lírico

quer fazer, diante da invisibilidade que o próprio nome “morte” contém, é querer emoldurá-la,

dar forma ao instante de morrer.

Desta maneira, inserido no universo impalpável que a morte conduz, o poema em

questão situa a morte numa imagem feliz ou apavorante, boa ou ruim, estabelecendo-a por

uma relação entre parecer e aparecer, conforme afirma Bosi (1990) no capítulo anterior, pois a

imagem mental ou inscrita detém uma relação entre a imagem primordial e a reprodução

dessa imagem. Por isso, a imagem, evocada no primeiro momento, dispõe de palavras de

infrequente vocábulo, o poema expõe a expressão “Túrgida-Mínima”, que chama atenção,

uma vez que Túrgida remete a algo “que está dilatado, inchado, intumescido”17

e Mínima a

algo excessivamente pequeno; diminuto. É como se o caminho que dá acesso à morte se

mostrasse largo e ao mesmo tempo estreito, possível e impossível, aberto e fechado. Ao

mesmo tempo em que comprovamos a sua existência na morte do outro, provamos o vazio

que ela produz. Uma vez silenciosa e inenarrável, a morte é vista por suas marcas, mas não

pode nunca ser apreendida, mantendo-se inapreensível.

Não obstante, o segundo verso da primeira estrofe (“Como virás, morte minha?”),

aliás, reforçado no último verso da segunda, corrobora para um dos grandes motivos da

angústia do eu-lírico: o modo pelo qual irá morrer. A chegada da morte germina a sua

curiosidade que reage emocionalmente; ele não quer saber da morte do outro, mas de sua

própria morte (“morte minha”). Quer saber se ela virá violenta, agônica ou tranquila, suave; se

irá morrer de ‘morte morrida’, morrer de velhice, ou de ‘morte matada’, morrer de morte

violenta. Desvendar o “como” é encontrar sua essência, todavia, ainda num espaço impreciso

do tempo.

Contudo, ele se angustia com o próprio ser no mundo e diante da pergunta “como

virás” toma consciência da inevitabilidade do seu fim e ao questionar-se sobre como será

tomada a sua vida, confessa que a morte mora em nosso ser; está desde o primeiro instante,

quando “fomos jogados ao mundo”, pois nascemos e já começamos a morrer. A morte não

avisa, não tem hora; é presente em qualquer tempo da existência. De tal modo, ao por de lado

as máscaras, o eu-lírico se permite pensar a morte, integrando-a à intimidade de sua

compreensão e tornando o seu morrer num morrer totalmente íntimo e pessoal.

17

Conferir Dicionário Houaiss. www.dicio.com.br/houaiss/

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Parece claro que a repetição “como virás, morte minha?” “como virás?” intensificada

na primeira e segunda estrofes do poema, demonstra a percepção do eu-lírico, que quer achar

respostas, pois não compreende o ir e vir da morte, seu corpo, seu rosto. Então vemos uma

busca pela autointerpretação comum do fenômeno da morte e já que ela é vista como um

fenômeno pessoal, o eu- lírico, que sabe da morte em vida, associa-a a imagens contrapostas,

pois o querer saber sobre como virá à morte faz com que ele tente emoldurá-la e faz isso por

meio de palavras que indicam morte e ao mesmo tempo apontam para a vida.

Tais ideias antitéticas dão ao poema um clima de total incerteza. As adjetivações em

torno da morte alcançam dimensões opostas no momento de sua chegada, o eu-lírico inspira-

se no próprio caráter silencioso da morte, indagando-a acerca do instante de sua manifestação,

que talvez se demore por estar intrincada (embaraçada) nos nós ou que venha breve como

num caminho reto em um passadiço de linhas. Demorada ou breve, esta é a pergunta que o eu-

lírico parece querer saber. Dessa pergunta resultam algumas imagens mortuárias; a morte

como uma imagem embaraçada entre os nós que não permitem saber do momento de sua

chegada ou como um “passadiço de linha”, avisando diretamente o momento de sua tomada.

Sugestivamente a terceira estrofe está ligada a palavras que evocam o segredo e o

mistério da vida. Entre rimas perfeitas, em “-ente”, o eu-lírico envolve a morte em uma

harmonia mortuária e a emoldura “Nos caracóis, na semente/ Em sépia, em rosa mordente”,

apontando para símbolos que indicam renascimento, para o caracol que universalmente é

conhecido como símbolo lunar, pois, assim como a lua, mostra e esconde seus chifres,

desaparece e torna a aparecer e para semente que ressurge em meio ao barro. Assim também

como a sépia, Substância escura que se extrai das sibas, muito aplicada em pintura ou em cor

rosa mordente (fixa bem as cores), símbolo de renascimento, segredo e mistério da vida. A

dúvida da morte como fim ou não faz o eu-lírico situá-la entre uma breve supressão, uma

passagem que resulta num re-viver.

Além de um poema imagético e de sonoridade expressiva, a quarta estrofe do poema

desfaz-se de todo e qualquer vestígio de pontuação, trazendo um ambiente agradabilíssimo de

musicalidade. Tal ambiente encaminha para a última pergunta que encerra o canto: “Como me

tomarás?”. Uma vez que o verbo tomar significa apossar-se de algo, vemos o eu-lírico

transcender o rapto abrupto da morte e manifestar a fluidez do desejo, induzindo um momento

de contato, assim o instante tenebroso transforma-se também em instante de prazer.

Mas a dedução continua. A morte é comparada ao termo “afilada”, palavra que possui

características cortantes, que fere como estacas, mostrando que o momento da tomada possui

sua carga negativa, que sem piedade toma a vida, porém ao mesmo tempo que é vista como

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impiedosa e conhecida pela sua violência é chamada “dulcíssima”, dissipando a negatividade

que o termo “afilada” contém. Dadas expressões antitéticas corroboram para as diferentes

maneiras de a morte tomar a vida. Seja de forma brutal ou não, ela virá.

Segundo afirma José Carlos Rodrigues, em O tabu da morte, a angústia de saber sobre

o como a morte virá, se “afilada” ou “dulcíssima”, dá-se pelo fato de a humanidade ter

consciência da morte, criando ideias e dogmas conscientemente formulados e ostensivamente

oferecidos ao observador, pois

No Brasil, por exemplo, uma pessoa pode morrer de ‘morte morrida’, morrer

‘de velhice’, de ‘morte matada’, ‘de ‘morte violenta’... cada uma delas

provocando nos sobreviventes uma particular reação emocional. Morrer de

‘morte morrida’ significa que não é necessário procurar um culpado e que o

individuo chegou ao termo da existência biológica por razões ligadas ao

próprio funcionamento do organismo, sem que uma doença particular possa

ser responsabilizada... no outro extremo, encontramos a ‘morte matada’,

categoria que inclui todos os eventos de morte para os quais se poderia

apontar um responsável: morte por acidente, assassinato, suicídio... [...]

(RODRIGUES, 2006,p. 26)

No poema em foco, há uma preocupação do eu-lírico que sobrepuja a sua consciência,

ele quer saber se sua morte virá em agressão, de maneira bruta ou se virá natural, que segundo

o plano ético implica em ‘morrer em paz, ‘morrer tranquilo’.

Uma das marcas dessa preocupação são as repetições das perguntas, fato abordado por

Cristiane Grando. Para ela, estas se repetem “como se formassem refrão”: “Como virás, morte

minha?/ (...) Como virás?/ (...) Como te emoldurar?/ (...) Como me tomarás?” “o refrão é, via

de regra ou fundamentalmente, informa-nos Segismundo Spina (2002), um fenômeno poético

que denuncia a origem social do canto porque ele se encontra ligado (...) às primeiras

manifestações de solidariedade humana. Com o refrão, segundo ele, é como se o poeta

“procurasse esgotar ou sublinhar seu estado lírico” (SPINA, 2002, p. 51) além de o ritmo

presente no poema soar em tom de harmonia fúnebre evoca a aproximação da morte, que se

faz mais intensa à medida que passa o tempo; não se sabe ao certo como virá e como ela é,

mas chegará e tomará a vida, ainda que haja por parte do eu-lírico a esperança de permanecer

no tempo e no espaço.

A atitude indagadora do eu lírico diante da morte nos faz saber do seu sentimento para

com ela, pois, para ele, esta acaba sendo uma certeza absoluta no domínio da vida; os homens

nascem e, certamente, morrem, porém fora do cruel destino dos homens existe uma lacuna

que quer ser preenchida pelo eu-lírico, que por meio da angústia, resultado do pensamento

humano, insiste em querer saber sobre como virá esta morte e sobre como será a verdadeira

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“cara da morte”, assim “o absurdo da finitude reside em parte no fato de que a morte física

não basta para realizar a morte nas consciências” (RODRIGUES, 2006, p. 28.) por isso a

linguagem do fim da existência se torna a linguagem da arte. Ao produzir sensações, a morte

é evocada para o plano da imagem, e, por possuir uma forma enigmática, faz com que o eu-

lírico do poema XIV cante sobre sua dimensão incognoscível:

XIV

Porque é feita de pergunta

De poeira

Articulada, coesa

Persigo tua cara e carne

Imatéria.

Porque é disjunta

Rompida

Geometral se faz dupla

Persigo tua cara e carne

Resoluta.

Porque finge que franqueia

Vestíbulo, espaço e casa

Se sobrepondo de cascas

Gaiolas, grades

Máscara tripla

Persigo tua cara e carne.

Comigo serrote e faca.

(HILST, 2003, p. 42)

A perseguição do eu-lírico pela cara e carne da morte demonstra uma preocupação por

tornar a morte visível face a sua transparência, e, isso somente é possível pela consciência,

pois neste momento ele transparece a sua humanidade que o difere dos demais seres, não

somente percebendo a morte por meio do seu instinto, mas pensando nela.

Observemos que a repetição do “Porque” na primeira, terceira e quarta estrofes

ressalta a ênfase observadora da experiência com a morte, o eu-lírico chega a uma conclusão e

a adjetiva respondendo a busca pela irrefutável compreensão da morte, ela é: “Articulada,

coesa/ disjunta/ Rompida/ Geometral”. O “porque”, além de expressar musicalidade, canta

uma verdade irrefutável: a morte é uma realidade absoluta, ela é. Mas mesmo sendo, é privada

de ser. Ela é um dos maiores enigmas da humanidade; sendo essencialmente real, é também

um “nada”, pois ao mesmo tempo que é e está, não é e não está em lugar nenhum.

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Uma vez presença e ausência, a atitude paradoxal da morte, vista pelo eu-lírico ao

apresentar-se “Articulada e coesa”, expressa com nitidez e precisão sua verdadeira face

mortuária ao findar a vida; ela é real, deixa suas marcas como nenhum outro predador e nos

convida a buscar respostas, porém quando se procura por uma cara e carne, o que se acha é a

ausência de algo físico, corpóreo, porque a morte é “disjunta e rompida”. Porque é concreta e

abstrata, de poeira, matéria composta por pequenas partículas visíveis a microscópios, mas

invisível a olho nu.

Esta dubiedade tão reforçada ao longo do poema canta uma morte poética, que é real,

ainda que seja invisível aos nossos olhos. Embora no poema não seja feita nenhuma referência

explícita ao interlocutor, supõe-se que a morte seja estabelecida como tal, pelos sinônimos

atribuídos ao longo dos versos, que instalam a perseguição do eu-lírico por algo mais concreto

na representação da morte. Neste poema, ele não visa à comunicação, mas exibe suas certezas

em materialidade (porque é), falando-nos da verdade da morte, que simula tudo aquilo que

possui múltiplos significados e que o próprio termo “geometral” encerra.

A fim de demonstrar tal investigação, que resulta de sua experiência, o eu-lírico alude

a um conceito que lampeja: a possibilidade de vencer a morte (“Persigo tua cara e carne./

Comigo serrote e faca.”), que de tão resoluta (determinada) finge que dispensa alguma coisa,

mas na verdade se sobrepõe de máscaras a fim de reter a vida (em gaiolas, grades). Para

Morin, morte e vida se autoalimentam e permanecem como inimigas irreconciliáveis, pois:

A morte simplifica a vida e a torna mais complexa simultaneamente: ela

simplifica a vida, reduzindo o complexo vivente a seus elementos físico-

químicos; ela torna mais complexa a vida, ao se lhe integrar sem, contudo,

nunca deixar de desintegrá-la. (1973, p. 92)

Por integrar e ao mesmo tempo desintegrar a vida, a morte é alvo da destruição do eu-

lírico, por isso ele quer destruí-la, mas como destruir algo que é imatéria? Dado

questionamento nos faz olhar para esse poema e imaginar uma cena: o eu-lírico com serrote e

faca na mão perseguindo a cara e a carne da morte. Porém, qual seria a razão dessa busca por

uma cara para a morte?

Pela imagem e pela linguagem, o eu-lírico tenta dominar a morte, pois de acordo com

Giorgio Agamben, no texto Ideia da morte, do livro Ideia da prosa: “O anjo da morte, que em

certas lendas se chama Samael, e do qual se conta que o próprio Moisés teve de o afrontar, é a

linguagem” (1999, p. 126). Isso nos leva a crer que, ao ser apresentada ao universo da palavra,

aquilo que se apresenta como um fenômeno desconhecido, que escapa a toda forma de

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proposições, a morte é trazida para o mundo do pensamento e ainda que não consigamos

atingir o morrer em sua totalidade, ela deixa de ser vista como um rito de passagem e tende a

submeter-se à linguagem. Vista como base social na humanidade, a linguagem é tida como

poder, logo, se a morte é agregada a tal linguagem, prontamente eu domínio a morte.

Ao mesmo tempo que ele evoca em todas as coisas linguagem, também evoca

imagem, que é recriada ou transformada em algo. É essa imagem evocada por meio do

devaneio da inspiração que se torna base para a criação poética. Conforme afirma Júdice

(1998) o poema produz dois tipos de imagens: aquelas cujas ligam à memória e aquelas dadas

como criativas, resumindo-se em novas experiências e recriações das mesmas imagens. Mas o

certo é que recriadas ou recuperadas, essas imagens possuem cores, planos e contornos, o que

faz suscitar sensações diversas naqueles que as evocam, uma vez que:

Constituídas, as formas aparecem ao olho como algo de firme, consistente.

Mesmo as imagens ditas fugidias, esgarçadas, vaporosas, podem ser objeto

de retenção e de evocação. Sendo finito o sistema de percepção de que o

corpo dispõe, as formas percebidas terão, necessariamente, margens, limites.

A imagem terá áreas (centro, periferia, bordos), terá figura e fundo, terá

dimensões: terá, enfim, um mínimo de contorno e coesão para subsistir em

nossa mente. (BOSI, 1983, p. 16)

Sendo ligada à imagem, a morte se aproxima da pessoa que a evoca por meio dos

olhos, pois a experiência da imagem antecede a experiência da palavra, porquanto a visão é

um dos sentidos humanos, desde que eles representavam através dos desenhos em cavernas as

suas histórias e percepções. (BOSI, 1983).

A morte sendo ligada à imagem faz com que o eu-lírico sinta-se livre para conhecê-la

e vencê-la. Porém Octavio Paz, em O arco e a lira, afirma que “a primeira coisa que o homem

faz diante de uma realidade desconhecida é nomeá-la, batizá-la [porque] aquilo que

ignoramos é o inominado” (PAZ, 1982, p. 37), Esta nomeação resulta em uma variação de

imagens que se fundem em uma significação, assim como o poema de abertura do livro Da

morte. Odes mínimas apresenta:

I

Te batizar de novo.

Te nomear num traçado de teias

E ao invés de morte

Te chamar Insana

Fulva

Feixe de flautas

Calha

Candeia

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Palma, por que não?

Te recriar nuns arco-íris

Da alma, nuns possíveis

Construir teu nome

E cantar teus nomes perecíveis:

Palha

Corça

Nula

Praia

Por que não?

(HILST, 2003, p.29)

Diante da ausência que o nome “morte” contém, o eu-lírico rebatiza e dota a morte de

presença e a faz ser um “ser-no-mundo”, dotada de significados mundanos. Ele quer dar

sentido à morte “não somente ter a morte em imaginação, mas continuamente na boca”

(MONTAIGNE, 1996, p. 77.) por isso a aproxima da sua realidade, que se faz em linguagem

e imagem.

Todavia, a precariedade de alcançar um significado faz com que o eu-lírico assuma o

discurso vigorosamente, batizando mais uma vez a morte, que, por sua vez, ganha uma

estrutura no mundo da palavra e é trazida para o reino do familiar. O eu-lírico sai à procura da

imagem da morte e para isso tece vários nomes, adjetivando-a, afim de que se aproxime do

ser. Em meio a um clima de total musicalidade, evidenciado pela perífrase e pela repetição do

/te/ nas primeira e segunda estrofes, o eu-lírico batiza novamente o seu interlocutor (“Te

batizar de novo”) e faz do poema um lugar para significar e concretizar a morte.

Como “a primeira coisa que o homem faz diante de uma realidade desconhecida é

nomeá-la, batizá-la [porque] aquilo que ignoramos é o inominado” (PAZ, 1982, p. 37), o eu-

lírico nomeia a morte, que se instala no espaço interdito e afasta qualquer possibilidade de

pensá-la, dada a sua própria palavra: morte. Porém Blanchot diz que “A palavra me dá o ser,

mas ele me chegará privado de ser. Ela é a ausência desse ser, seu nada, o que resta dele

quando perdeu o ser, isto é, o único fato que ele não é” (BLANCHOT, 1997, p. 311). Por isso,

ainda que nenhum pensamento dê conta de pensar a morte, somos reportados ao desastre que

para Blanchot (im) possibilita todo ato de linguagem, o desastre possibilita a palavra a dizer

livremente. Ele “de-escreve”.

Portanto, se nomear implica a presença do ser, o eu- lírico transforma a morte em

estrutura pensável, atribui a ela nome, cor, corpo, local. Dá a morte uma estrutura elaborada,

tecendo nomes à procura de uma imagem, por isso o poema revela uma ideia materializada a

partir de uma associação do referente morte a diferentes personificações, que vão de palavras

do senso comum às mais elaboradas. Segundo comenta Gershom Scholem (1999, p. 15), no

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livro O nome de Deus e a teoria da linguagem e outros escritos de cabala e mística: judaica

II, “o nome contém uma declaração sobre a essência do seu portador ou algo, acerca do poder

que lhe é próprio”, demonstrando que o nome está relacionado ao ser das coisas; os seres sem

nome são apenas coisas criadas, sem essência definida. Por isso, o eu-lírico renomeia a morte

e atribui-lhe uma essência reportando-a ao mundo da linguagem, e já que a possibilidade de

batizá-la revela, inicialmente, a sua inserção no plano do humano, isso significa dizer que as

coisas do mundo exterior só têm existência para os homens quando são nomeadas; é pela

linguagem que o mundo ganha sentido para nós.

Dessa maneira, o eu-lírico rompe com o vazio que a morte traz e a nomeia num

“traçado de teias”. A morte invisível que faz ecoar a angústia da morte anônima é tecida em

um conjunto de fios de seda (teia), geralmente utilizados pelas aranhas, na maioria das vezes

como armadilhas para caçar pequenos insetos, ou como cabo de segurança, pois se ela ficar

em perigo, pode rapidamente voltar pelo fio de teia. O eu- lírico, ao invés de presa, se torna

caçador, apreende a morte pela linguagem, que adentra o discurso do poema e estabelece uma

significância, dando um rosto ao duro instante de morrer.

Ao “ter-lugar” na linguagem, a morte é posta em um espaço de compreensão, é trazida

à vida, a morte não é mais morte, fim da vida, interrupção definitiva da vida humana, animal e

vegetal; ela é adjetivada como “Insana”, sem domínio de suas capacidades mentais e como

“Fulva”, possuidora de uma cor avermelhada, é pressentida como uma temerosa figura, um

“Feixe de flautas”, graduada em diferentes tamanhos e sem bocal, encontrando-se na

transitoriedade da vida terrena, como uma passagem que leva a algum lugar, por isso é

nomeada “calha”, elemento construtivo composto por um cano entrecortado, ao longo do

beiral de um telhado cuja finalidade é recolher a água que dele escorre em consequência,

conduzindo-a para tubos de queda ou de descarga transportando-a para reservatórios. Assim é

a morte para o eu-lírico, um caminho que leva à inexistência no espaço físico, mas que pode

levar à imortalidade.

A compreensão da morte como passagem fica clara na comparação feita pelo eu-lírico,

da morte como uma “candeia”, que uma hora está acesa e em outra já está em cinzas, fazendo

da morte a metáfora transitória da vida, porém o próprio silêncio que não diz o que acontece

quando a morte loucamente traga a vida faz com que o eu-lírico veja uma alternativa ao

construir o nome da morte, fazendo-o indagar-se “porque não?”, porque não poder nomeá-la

Palma?, mais conhecida como folha de palmeira e universalmente conhecida como símbolo

de ascensão e imortalidade. Diante do seu mistério, a morte é pressentida como o fim da vida,

porém a vida, se cessada, torna-se também impossibilitada de morrer, pois

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A morte trabalha conosco no mundo: poder que humaniza a natureza, que

eleva à existência o ser, ela está em nós, como nossa parte mais humana; ela

é morte apenas no mundo, o homem só a conhece porque ele é a morte por

vir. Mas morrer é quebrar o mundo: é perder o homem, aniquilar o ser;

portanto, é também perder a morte, perder o que nela e para mim fazia dela

morte. Enquanto vivo, sou um homem mortal, mas, quando morro, cessando

de ser um homem, cesso também de ser mortal, não sou mais capaz de

morrer, e a morte que se anuncia me causa horror, porque a vejo tal como é:

não mais morte, mas a impossibilidade de morrer. (BLANCHOT, 1997, p.

324)

No poema X do livro Da morte. Odes mínimas, a condição mortal da matéria não

intervém no canto do eu-lírico: Me cobrirão de estopa/ Junco, palha,/ Farão de minhas

canções/ Um oco, anônima mortalha/ E eu continuarei buscando/ O frêmito da palavra.

Vemos, nestes versos, que ainda que haja o fim da voz, da cantiga, do verso e do dom de

poesia, ainda que suas canções sejam feitas anônimas, haverá sempre uma busca por

permanecer. Essa busca também é vista no poema analisado, a morte como impossibilidade é

recriada num “arco-íris/ da alma”, no mais profundo do ser, no interior do eu-lírico, porque,

É preciso que a minha morte se me torne cada vez mais interior: que ela seja

como a minha forma invisível, o meu gesto, o silêncio do meu segredo mais

escondido. Tenho algo a fazer para fazê-la, tenho tudo a fazer, ela deve ser

obra minha, é a parte de mim que não ilumino, que não atinjo, e da qual não

sou senhor. (BLANCHOT, 2011,p. 133-134)

Por instantes afins, a morte é recriada no inconsciente do eu- lírico, que, conforme

afirma Becker, não conhece a morte. Ela se instala entre o visível e o invisível, entre a cor e a

ausência de cor. Porém a morte como ausência é transformada em uma estrutura pensável, se

é possível pensá-la, é possível construir uma ideia por meio da morte do outro, observamos

seus adjetivos, suas características, sua cor. Porém somente podemos construir seu corpo se a

trouxermos para nosso consciente, por ser limitação, pensá-la em vida garante uma

sobrevivência pós-morte – a sobrevivência do testemunho na obra.

Por isso, na construção do referente morte, o eu- lírico entrega-se totalmente a sua

angústia, aceita a morte como destruidora do corpo, mas não como o fim análogo ao da alma,

e isso se dá porque “o inconsciente não conhece a morte ou o tempo: nos seus recessos

orgânicos fisioquímicos mais íntimos, o homem se sente imortal”. (BECKER, 1973, p. 16)

Assim sendo, ele constrói a sua noção de verdade, a sua segurança, igualando-a ao plano

humano, pois ao mesmo tempo que esta é “senhora suprema”, é entendida como uma

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impossibilidade, pois morre para aquele que ela mesma matou, desta forma é perecível, pois

pode ser consumida como ocorre com a matéria, por isso é nomeada “Palha/ Corça/ Nula/

Praia”.

Por fim, o poema encerra com uma pergunta que desautoriza toda e qualquer

impossibilidade. “Por que não?”. Por que não nomeá-la Palha, Corça, Nula, Praia? Segue-se o

fato de que a imagem da morte é efêmera, pois o eu-lírico utiliza-se de sua defesa poética para

conceituar aquela que é antônimo de vida, mas que se torna vida pela linguagem.

Outro poema que metaforiza a morte como parte da vida é o XIX, em que o eu- lírico

apela à morte o seu nome, em troca disto entrega-lhe a vida:

XIX

Se eu soubesse

Teu nome verdadeiro

Te tomaria

Úmida, tênue

E então descansarias

Se sussurrares

Teu nome secreto

Nos meus caminhos

Entre a vida e o sono

Te prometo, morte,

A vida de um poeta. A minha:

Palavras vivas, fogo, fonte.

Se me tocares,

Amantíssima, branda

Como fui tocada pelos homens

Ao invés de Morte

Te chamo Poesia

Fogo, Fonte, Palavra viva

Sorte.

(HILST, 2003, p. 47)

Este poema postula já de início o não-saber sobre o verdadeiro nome da morte. O

nome “morte” soa falso para o eu-lírico, que afirma a morte como desconhecida (Se eu

soubesse/ Teu nome verdadeiro) e que transita entre o limite do conhecimento e a relação

amorosa. Portanto, o eu-lírico reclama o fato de não saber, nem que seja, ao menos, para criar

uma ilusão de conhecimento que satisfaça o intelecto, o nome verdadeiro da morte. Isso se

dar, segundo Octavio Paz, em O arco e a lira, porque “a primeira coisa que o homem faz

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diante de uma realidade desconhecida é nomeá-la, batizá-la [porque] aquilo que ignoramos é

o inominado” (PAZ, 1982, p. 37).

Entretanto, ao querer saber da verdade da morte, o eu-lírico cria um movimento

erotizante de aproximação que leva à possível inversão de papéis. Sugestivamente a segunda

estrofe está ligada ao sentimento de posse, que é avigorado pelo verbo tomar e pelas

expressões conotativas que remetem à sensação física do tato (“Te tomaria/ Úmida, Tênue”).

A umidade parece envolver aspectos sexuais, uma vez que o prazer umedece e satisfaz o

devaneio, que ligado ao termo tênue indica a suavização do contato, ou seja, se o eu-lírico

soubesse o nome verdadeiro da morte, a tomaria delicadamente e como se pode notar na

terceira estrofe, o outro (morte) descansaria, situação ocorrida após a satisfação sexual.

Segundo Sade apud Bataille (1987, p. 10) “não há maior meio de se familiarizar com a

morte do que associá-la a uma ideia libertina”. O eu- lírico associa a morte a uma ideia

libertina com o intuito de aproximação e compreensão, ele quer tanto saber sobre o nome da

morte, que a liga a posse da carne trazendo-a para uma das maiores pulsões de vida: o

erotismo, inscrevendo a morte como parte integrante da vida. Assim, o esforço em aproximar-

se da morte é também um pretexto para a nomeação.

Assim sendo, o ritmo presente em todo o poema, porém intensificado no primeiro

verso da quarta estrofe, soa em tom de sussurro, (“Se sussurrares/ Teu nome secreto/ Nos

meus caminhos [...]”), que além de evocar a sensualidade do momento, pressupõe a

proximidade e a troca de segredos, a morte revela seu nome e o eu lírico entrega-lhe a vida,

como quem revela ao outro suas vontades íntimas. No entanto, tudo se expressa como

possibilidade, já que é parte integrante dos versos condicionais (“Se eu soubesse/ Se

sussurrares/ Se me tocares”).

Na quarta estrofe, o eu lírico é atraído a um espaço onde a verdade falta, a um espaço

onde não há mais limite e a esterilidade lhe escapa. A busca pelo nome secreto da morte

demonstra que, mediante a onipotência de sua inspiração, ele depara-se com a pura ausência

de palavras, o que o faz apelar por apenas um sussurro (“Se sussurrares/ Teu nome secreto”)

do nome secreto da morte, é quando

“[...] a linguagem cala-se como linguagem, mas nela os seres falam e, em

consequência do uso que é o seu destino, porque serve, em primeiro lugar,

para nos relacionarmos com os objetos, porque é uma ferramenta num

mundo de ferramentas onde o que fala é a utilidade, o valor de uso, nela os

seres falam como valores, assumem a aparência estável de objetos existentes

um por um e que se atribuem a certeza do imutável. (BLANCHOT, 2011, p.

33)

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Ao querer saber o nome verdadeiro da morte (“Se eu soubesse/ Teu nome verdadeiro”)

o eu lírico exprime que as palavras não são materialmente a verdade, pois o nome “morte”

apresenta o silêncio da sua própria significação, “uma palavra que não denomina nada, que

não representa nada, que em nada sobrevive, uma palavra que nem mesmo é uma palavra e

que desaparece maravilhosamente, por inteiro e de imediato, em seu uso” (BLANCHOT,

2011, p.33), por isso ele busca no ser da morte um nome secreto, que abarque um sentido e

que nesse sentido ele adquira forma.

No entanto, o sussurro desse nome secreto deve ser soprado “Entre a vida e o sono”.

Lugar onde o eu lírico encontra a sua segurança, uma vez que nada é mais seguro que o sono;

sua lucidez é feita desse sono, ele quer saber da morte nesse intervalo (“Nos meus

caminhos”), que não chega a ser um sono profundo, pois não quer deixar escapar a sua

vigilância, seu estado de alerta, mas quer dormir e ouvir este nome secreto, pois

[...] o sono não é normalmente um desfalecimento, o abandono

desencorajado do meu ponto de vista viril. O sono significa que, num certo

momento, para agir, cumpre deixar de agir – que, num certo momento, sob

pena de perder na vagabundagem, devo deter-me, transformar virilmente a

instabilidade dos possíveis num só ponto de parada contra o qual me

estabeleço e me restabeleço. (BLANCHOT, 2011, p. 292)

Ou seja, o sono é a possibilidade de retenção do eu lírico. Ele transforma a

noite em possibilidade de apreensão e exige, numa camada profunda, a vigília, que espera por

outra voz: a da inspiração, pois o tom de sussurro lembra que “[...] quando o eco não diz

apenas em voz alta o que é primeiramente murmurado, mas confunde-se com a imensidade

sussurrante, é o silêncio convertido no espaço repercutente, o lado de fora de toda a fala”

(BLANCHOT, 2011, p. 48) só que aqui o lado de fora está vazio, por isso ele busca na

intimidade com o centro, no sono, uma voz que sussurre, visto que a linguagem do mundo se

tornou impotente.

Entretanto, na tentativa desesperada e total de romper o cerco e fazer da morte

inspiração manifesta em imagens e dar um sentido mais puro à palavra “morte”, o eu lírico, na

quinta estrofe do poema, faz uma troca que se resume em: o seu nome pela minha vida. (“Se

sussurrares/ Teu nome secreto/ Te prometo, morte,/ A vida de um poeta. A minha”). E se a

vida e a morte são condições imanentes à própria poesia, o eulírico, possuidor da utilização

instrumental, do verso, devora-se a si mesmo. Todavia, a troca enfatiza a ideia de que ele não

está certo de morrer, ele se dissimula diante da morte, compartilhando de sua verdade como

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poeta: a sua insegurança em relação a si mesmo e a sua obra. Esse “escambo” lembra, ainda, o

pensamento de Blanchot (2011, p. 132): “a busca de uma morte que seria minha elucida

precisamente, pela obscuridade de seus caminhos, o que há de difícil na ‘realização’ artística”.

Ao querer ouvir o sussurro entre a vida e o sono, o eu lírico ignora a existência de um

mundo. O caminho que o conduz é um caminho desconhecido, pois ainda que a morte faça

parte de sua intimidade, até de forma erótica talvez, esta é, todavia, inacessível, pois como diz

Blanchot (2011, p. 133-134): ainda “que ela seja a minha forma invisível, o meu gesto, o

silêncio do meu segredo mais escondido... é a parte de mim que não ilumino, que não atinjo, e

da qual não sou senhor.”

Assim se afirma a sua individualidade como poeta, que, pouco a pouco, traduz a sua

consciência de poeta, que lhe joga no abismo da morte anônima, daí resulta a proposta de

troca do eu lírico, da necessidade de imortalidade, pois ele:

sofre, nessa perspectiva, a obsessão do eu que quer morrer eu, resto de uma

necessidade de imortalidade, concentrado no próprio fato de morrer, de tal

sorte que a minha morte seja o momento da minha maior autenticidade,

aquela em cuja direção “eu” me lanço como na direção da possibilidade que

me é estritamente própria, que só é própria da minha morte e me retém na

dura solidão desse eu puro. (BLANCHOT, 2011, p. 136)

Assim, a condição que inscreve a individualidade e o nome da morte no discurso e na

esfera de uma possível imortalidade é bem vinda. Desta forma, o eu lírico quer fazer da morte

a sua morte, e faz isso por meio do erotismo (“Se me tocares, Amantíssima, branda/ Como fui

tocada pelos homens”), para atingir a propriedade da nomeação (“Ao invés de morte/ Te

chamo Poesia”). Nas palavras de Bosi (2000, p. 163), “o poder de nomear significava para os

antigos hebreus dar às coisas a sua verdadeira natureza, ou reconhecê-la. Esse poder é o

fundamento da linguagem, e, por extensão, o fundamento da poesia”.

Ou seja, à medida que o eu lírico liga o nome da morte à poesia e fundamentalmente à

linguagem (“Ao invés de morte/ Te chamo Poesia, Fogo, Fonte, Palavra viva/ Sorte”), declara

que a morte é parte da sua existência e convida-nos uma vez mais a ver a imanência da morte

na vida, que, ao aproximar-se do trabalho poético, demonstra que a relação da morte com a

experiência artística/ poética é análoga a partir do momento que a poesia é uma busca na

profundidade do interior do poeta, o espaço imaginário, lugar impalpável, que se traduz em

im/possibilidade e declara a essência do seu portador, o lugar da pessoalidade.

Portanto, ao querer nomear o ser da morte como o ser da poesia, o eu lírico traz a

morte para a sua revelação, pois como afirma Paz (1982, p.161-162) “o poeta revela o homem

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criando-o”, ele a traz para o seu interior, ao seu próprio ser, para criar o ser da morte. Assim, a

morte como poesia se torna possibilidade, uma vez que:

A poesia nos abre a possibilidade de ser que decorre de todo nascer; recria o

homem e o faz assumir sua verdadeira condição, que não é a alternativa vida

ou morte, mas uma totalidade: vida e morte num único instante de

incandescência. (PAZ, 1982,p. 163)

Ao dialogar com a morte sendo poesia, o eu lírico dialoga com a possibilidade de

experiência e de quebrar com o silêncio que a morte produz; ao ser arremessado no nada ele é

aquele que quer nomear e criar o ser da morte. Nesta tentativa, vemos, novamente, o eu lírico

do poema XXIII arriscando uma revelação da nossa condição:

XXIII

Porque conheço dos humanos

Cara, crueza,

Te batizo Ventura

Rosto de ninguém

Morte- ventura

Quando é que vem?

Porque viver na terra

É sangrar sem conhecer

Te batizo Prisma, Púrpura

Rosto de ninguém

Unguento

Duna

Quando é que vem?

Porque o corpo

É tão mais vivo quando morto

Te batizo riso

Rosto de ninguém

Sonido

Altura

Quando é que vem?

(HILST, 2003, p. 51)

Este poema busca o máximo possível da “verdade” da Morte. Por saber da morte, o eu

lírico desenha um corpo físico, atribuindo-lhe adjetivos, por meio de inúmeras imagens, na

tentativa de traçar um recorte que separe o ser da morte de seu infinito possível.

E, mais uma vez, imerso nas perguntas em forma de refrão, o sujeito lírico mergulha

na sua angústia e conscientemente faz a pergunta “quando é que vem?”. Enfatizada nas três

estrofes, essa pergunta expõe a relação da morte com o tempo, pois a consciência do tempo

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assim como a consciência da morte leva para o pensamento da hora derradeira. Não estamos

seguros no mundo. Tanto o tempo como a morte operam no silêncio e chegam de forma

inesperada. Por isso, fora do nosso campo de visão, o eu lírico coloca a morte no plano do

visível por meio do método da interlocução e trava um intenso diálogo com o ser da morte,

que se faz onipresente, mas que não nos permite saber de onde vem e/ou o que nos ameaça.

A primeira estrofe deste poema descobre, antes de tudo, a nulidade absoluta que a

morte detém; ela é batizada pelo eu lírico de “Ventura”, sinônimo de destino, despojado de

qualquer sentido, sendo análoga a tudo que não se pode, tocar, ver, nem apalpar, ela não tem

“Rosto de ninguém”, frase repetida nas três estrofes para enfatizar a ausência de uma imagem.

Inacessível a nós, a morte não tem rosto, de modo que não há como encará-la.

A comparação com a “Cara, Crueza,” dos humanos se dá no momento que a busca

termina no encontro consigo mesmo, a imagem que o homem tem de si mesmo é que ele é um

nada. Ainda que possua uma cara e um nome, ele é ciente de que tudo tem nome e ao mesmo

tempo não tem. Ele é humano, parte de uma humanidade comum que corre para o mesmo

lugar: a morte. “Morte –Ventura”: Morte-informe que assim como o homem se desfaz em si

mesma, porquanto, posteriormente a morte se esvai, apesar de ter um nome, deixa de ser.

Munido de respostas, enfatizadas nas três estrofes pela expressão “Por que”, o eu lírico

compreende a dor de sua existência (Porque viver na Terra/ É sangrar sem conhecer). O

filósofo Schopenhauer (2004), no livro Da morte. Metafísica do amor. Do sofrimento do

mundo, diz que a vida é dor; ao questionar-se sobre o porquê de estarmos na terra, ele chega a

essa conclusão pela luta que passamos ao viver, buscando realizar nossos desejos, até que

chegue o dia de nossa morte. Sendo assim, o eu lírico diz que viver na terra é sangrar sem

conhecer, é viver uma vida de angústia e sofrimento com a certeza de que será vencido no

final pela morte, uma morte que não possui essência de matéria e que pelo silêncio corta toda

via de comunicação, ela mora em nosso ser, sem avisar a hora. O insondável - desconhecido

vem e põe fim à existência.

A última estrofe responde que somos nós que morremos, não os mortos. “O corpo é

tão mais vivo quando morto” porque dado o fim de sua existência, livre de toda angústia,

imóvel e distante, ameaçador ou atraente, o cadáver está livre da tão aterrorizante ideia da

morte, da morte que é batizada “Riso”, demonstrando que ela é alívio, quando o morrer,

então, torna-se acabado. Ela continua sendo um problema dos vivos, que evocam a morte para

o plano da imagem e, por possuir uma forma enigmática, o eu lírico do poema XX canta sobre

a sua dimensão incognoscível:

XX

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Teu nome é Nada.

Um sonhar o Universo

No pensamento do homem:

Diante do eterno, nada.

Morte, teu nome.

Um quase chegar perto.

Um pouco mais (me dizem)

E terias o Todo no seu gesto.

Um pouco mais, tu O terias visto.

Teu nome é Nada.

Haste, pata. Sem ponta, sem ronda.

Um pensar duas palavras diante da Graça:

Terias tido.

(HILST, 2003, p. 48)

Neste poema, ao contrário dos demais analisados, o eu lírico despe-se de toda e

qualquer angústia. Ao iniciar com o verso “Teu nome é nada”, ele parece demonstrar que

tentar escrever a morte é mergulhar no caos que a própria palavra contém e, talvez, não haja

nenhuma escolha a não ser tentar responder à pergunta que tanto vimos em outros poemas:

“Como virás, morte minha? Como te emoldurar? Como me tomarás?” ou ainda parar de

barganhar com a morte pelo seu nome verdadeiro (“se sussurrares/ Teu nome secreto/ Te

prometo, morte/ A vida de um poeta. A minha:”) e reconhecer e aceitar que a morte se

dissolve em si mesma, desprovida de qualquer forma, cor, palavra, som, imagem, ela não é

nada.

Na origem desse sentimento de aceitação de extrema nulidade de sua condição, a cada

verso do poema, o eu lírico despe-se de todas as suas máscaras para o encontro com o outro, a

morte. No primeiro verso da primeira estrofe e no primeiro verso da última, aceita-se e

reconhece-se o verdadeiro nome da morte; ela é um nada (Teu nome é nada), não está em

lugar nenhum, não está na linguagem e neste plano, por isso não existe; morte é o nome dela

(Morte, teu nome.). Sinônimo de esgotamento, acabamento, destruição, ela escapa a toda e

qualquer determinação e a toda forma de existência; esvai-se em seu próprio nome e é

pulverizada pelo entendimento humano, por isso é apenas “Um sonhar o Universo/ no

pensamento do homem:/ Diante do eterno, nada.”.

Assim, a morte é destruída pelo entendimento do eu lírico. Neste momento, o diálogo

com a morte e suas perguntas cessam, encontrando o caminho para si mesmo. “Nu” de

palavras ele quase chega perto do nome/imagem da morte (Um quase chegar perto.), ao citar o

sujeito indeterminado “me” diante da frase “Um pouco mais (me dizem)” ele carrega o peso

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do conhecimento e visa a uma autointerpretação comum da existência, que compartilham da

mesma angústia: o morrer em face de morte desconhecida. Mistério comum a todos, o nada da

morte faz com que o eulírico mergulhe no vazio do nome da morte, que emerge no silêncio e

no nada. Por fim, ele compreende que a morte é impenetrável e aceita que

A morte humana, já vazio infinito, se dilata em todos os planos do cosmo,

cada vez mais vazia e infinita: ela é como o universo, em expansão. Assim,

tudo remete o indivíduo solitário a uma solidão cada vez mais miserável no

vazio de um nada sem limite. (MORIN, 1988,p. 287).

Com a ausência da morte o eu lírico aceita o encontro com o incógnito, com a morte

que foge a toda e qualquer conjectura. Agora, já não há conjecturas que atinjam a morte em

sua totalidade. O pensar na morte implica na total impotência do pensamento. Desprovida de

sentido a voz do eu lírico passa da dúvida para o ressentimento, para a total desilusão. Diante

da figura enigmática da morte, há apenas a tentativa de reforçar a sensação do Nada e da

impossibilidade da comunicação (“Teu nome é Nada”).

A persona do poema, diante do que escapa a toda tentativa de nomeação, do que não

se deixa apreender nem pela razão nem pela imagem, assume que toda arma mostra-se

necessariamente falha diante da morte, que se faz nada. A busca acaba por tornar-se um

esgotamento em si mesma. Nesse poema, é perceptível que o movimento vital é impulsionado

pela necessidade de decifração do mistério da morte que o universo comporta numa frustração

do eu-lírico, que parece saber ter falhado em sua vida, uma vida gasta em sua procura, pois o

inominável escapou-lhes pelos “vãos dos dedos”. Tal insatisfação é dita no último verso do

poema: “Terias tido”, ele assume a derrota na sua tentativa de entender o incognoscível.

Percebe-se então que o nome da morte em Da morte. Odes mínimas continua a ser um

mistério. Vale dizer que o eu lírico hilstiano experimenta a linguagem a fim de dizer o

inefável e apreender o fugidio. Esta é a utopia dos poemas analisados; há neles uma angústia

por querer saber a verdadeira essência da morte e não apenas isso, mas, talvez, o cantar os

nomes perecíveis da morte produz um movimento de esperança por uma atrevida canção de

liberdade. É como se os poemas fossem um espaço de experimentação que possibilitasse um

desfecho diferente. Assim, o inesgotável e obstinado exercício poético pelas perguntas (V-

Como virás?/ XXIII- Quando é que vem?) aponta para a incompreensão, levando a uma

impotência do dizer. Contudo, eu lírico é levado para um plano consciente em que ocorre uma

tentativa por delinear uma imagem; ele não compreende, mas tenta.

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A morte nesses poemas é repentinamente. Trazida à verbalização, multiplica-se em

várias faces, algumas vezes, associada a elementos perecíveis (I- Palha/ Corça/ Nula/ Praia)

outras, transcende a imagem e fica fora do campo da visão. Ela é sentida, mas não é tocada,

tem rosto de ninguém, mas instala-se no horizonte de todos nós. O fato de não saber faz com

que o eu lírico mapeie caminhos em busca de um nome, de um rosto para a morte, e isso faz

com que ele, muitas vezes, a associe a uma ideia libertina, que serve de via de acesso para

uma maior aproximação.

Nesse percurso, o eu lírico alcança a instância do desespero, pois propõe a troca da sua

vida pelo nome secreto da morte (poema XIX) e promete chamá-la de poesia se tão somente

ela lhe tocar. O fato experimental dessa troca vem seguida de uma esperança secreta, a de

saber em vida sobre o nome verdadeiro da morte e seu toque, para então descansar, remetendo

ao que Becker aborda em sua tese: a de que o homem sente-se um deus mediante a natureza,

por isso ele quer saber de sua morte e ser saudado por ela, ou como diria Blanchot (2011),

quer dar seu nome e seu rosto ao instante de morrer, não quer morrer como um animal

qualquer, mas, por sua essência racional, quer morrer como um ser superior, que é um deus

diante da natureza.

Diferentemente de qualquer outro poema, o poema XX nega a todo custo a

possibilidade de a morte possua um outro nome. A certeza inexorável de que a morte atinge a

não- significação é dada pela sua origem indiscernível, nada é o que a palavra morte contém.

Neste momento o eu lírico conscientiza-se de sua condição humana, ele vai morrer como

qualquer um, a sua possibilidade de apreensão lhe escapa e revela a dura e crua verdade, pois

mesmo a linguagem não consegue estruturar uma essência a morte, pois o signo morte perde-

se no signo do nada, a ausência de qualquer coisa, o vazio absoluto.

Tomada como um enigma, o lugar vazio que a linguagem onde se instala o nada, a

morte está, em Da morte. Odes mínimas, colada no existir humano e apresenta-se como

possibilidade de experiência, e ainda que seja nomeada e até adjetivada não ocupa um espaço,

é real, mas ocupa um conjunto vazio.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer desse estudo, foi possível visualizar sinteticamente o percurso poético de

Hilda Hilst. Tendo a morte como tema significativo no espaço de sua obra, a autora centra-se

na maioria das vezes no “ser-que-interroga”. Por isso, no primeiro capítulo afirmamos que

caminhar pelas trilhas de Hilda Hilst é perceber a sua busca por compreender os “porquês” da

vida e da morte. É possível afirmar que, em sua poesia, esse caminho pela compreensão da

morte se potencializa no livro em análise, pois vimos o sujeito lírico enfrentar um dos maiores

enigmas da humanidade, a morte e seus indecifráveis mistérios, pois ainda que nos demais

livros houvesse a presença da morte, neste há uma ação em torno do eu lírico e de seu

interlocutor que por meio do diálogo e do envolvimento, de entrega e de posse experimentam

o contato presentificado pelo “eu” e pelo “tu”.

No segundo capítulo, como vimos, a forma poética que Hilda utiliza para tratar o tema

da morte, a ode, corrobora o diálogo. O seu colocar-se frente a frente a um outro, de maneira

que vai da persona, que manifesta seu caráter interrogativo, à morte, refletindo seu mundo

interior conturbado de sentimentos de angústia e desejos. Por meio de elementos semânticos,

rítmicos e sonoros o sujeito canta a sua intimidade mais significativa, expressando a sua

vontade de comunicar-se em meio a um cenário luminoso. Entendemos que a ode subsidia o

grito de Hilda Hilst diante do silêncio irracional do absurdo da existência. Pelo seu caráter

elevado, as odes tornam-se um cenário perfeito para que haja o conhecimento total da morte,

Assim, o contato íntimo do eu- lírico com a morte ligado a sua personificação, abre caminho

para que se possam trocar segredos, como o nome verdadeiro da morte.

Essa morte é o nosso horizonte de meditação no terceiro capítulo. Por estar em todo

lugar e por se tornar o maior interdito da nossa civilização, a história da morte no ocidente

revela a morte como um “tabu”, porém apesar da recusa de muitos em enxergá-la, Hilda a

enxerga e faz dela seu principal e/ou único interlocutor, ela faz dela sua arte. Apesar de o

homem temer diante da morte, a autora despe-se de todo cotidiano e mergulha no mais

profundo de sua angústia; pondo de lado as suas máscaras, ela se permite pensar na morte,

integrando-a a intimidade de sua compreensão, todavia, a negação ou aceitação da morte

somente é possível pela consciência, que nos difere dos demais seres, pois mais que dizer em

seu verso o indizível, Hilda parece buscar a imortalidade, que é dada, segundo Becker (1971),

pelo inconsciente, pois o homem se sente imortal por pelo inconsciente que não conhece a

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morte ou o tempo: nos seus recessos orgânicos fisioquímicos mais íntimos. Assim, Hilda traz

a morte para a vida, por meio da linguagem, e para a sua poesia, Nos poemas, há uma espécie

de busca de conhecimento da morte que é também uma busca por vencê-la.

Desta forma, o que procurei demonstrar neste trabalho foi como a presença da morte,

nomeada de diversas formas, atravessa todo os poemas adentrando no domínio do inominável

e do imponderável, Hilda Hilst percorre o caminho para uma aproximação mais familiar com

a morte, apossando-se da linguagem para descrever a figura da morte, seja como o final de

todas as coisas, seja como a ultrapassagem dos seus limites no tempo. À procura de decifrá-la,

ela tateia os possíveis nomes da morte por meio de vocábulos direcionados. Os nomes

vagueiam entre os limites do concreto e do abstrato, parecendo não ser capazes de apreender

ou de nomear aquilo que está mais fundo.

Entretanto a tentativa de materialização por meio da linguagem e da palavra poética

mostra-se fracassada, o que faz com que Hilda, insatisfeita, parta para uma re- nomeação e um

batizar de novo a morte. Para isso chega às últimas consequências, entregando a sua vida de

poeta, pelo nome da morte. Ao querer construir novos conceitos em torno do nome da morte,

tece vários nomes que a aproxime do ser e que acaba por criar uma espécie de ritual imagético

a partir do processo que vai da palavra à imagem e da imagem à expressão verbal, de tal

modo, nome e imagem ampliam a compreensão da ideia de morte para a autora.

Nas odes à morte, analisadas aqui, o eu-lírico lhes dá nomes “perecíveis” e femininos

e que sempre designam o inapreensível. Por vezes, a morte é até reconhecida, mas esquiva-se

às inúmeras perguntas. Em busca do verdadeiro nome da morte o eu-lírico trava um diálogo

tensivo com ela, criando um cenário erotizante de aproximação. Com o intuito de se

aproximar o máximo possível da “verdade” da morte, ele desenha um corpo físico como o

erótico anseio à transcendência.

Contudo, apesar de tentar construir um conceito concreto-abstrato, que mesmo

parecendo dizer, ainda não diz, a persona do poema “Teu nome é nada” encontra-se fadada ao

fracasso de “renomear”. Como a verdade não se força aos olhos, a poesia não afirma numa

palavra toda sua verdade: a morte se mostra na potência da língua que é impotente para lhe

dizer, mas que fixa nesse campo magnético-textual, entre o dito e o não-dito, sua

essencialidade (BADIOU, 2002, p.39). Assim, diante do que escapa a toda tentativa de

nomeação, do que não se deixa apreender nem pela razão nem pela imagem, ele assume que

toda arma mostra-se necessariamente falha diante da morte, pois desprovida de qualquer

relação imagética, ela é um nada, mas é viva e crua.

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Portanto, apesar de tecer vários nomes, para enfim chegar a uma cara, a busca acaba

por tornar-se um esgotamento em si mesmo, torna-se perceptível que o movimento vital

impulsionado pela necessidade de decifração do mistério da morte que o universo comporta

numa frustração do eu-lírico, que parece saber ter falhado em sua vida, uma vida gasta em sua

procura, pois o inominável escapou-lhes pelos “vãos dos dedos”. No fim ele assume a derrota

na sua tentativa de entender e nomear o incognoscível: a morte. E rende-se ao Sem-Nome,

reconhecendo na Ilusão e na busca o próprio sentido para o “estar no mundo”.

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