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  • 7/29/2019 FSP2005-O bom e o possvel

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    O bom e o possvel

    Fbio Wanderley Reis

    Especialmente nas circunstncias negativas de agora, a dificuldade

    quanto ao que caberia esperar de bom na poltica brasileira em 2006 a de

    como evitar a mera expresso de anseios sem ligao com a realidade. A

    expectativa de viver a experincia de uma Presidncia petista continha, como

    o reverso de riscos bem claros, alguns aspectos certamente positivos. Na

    histria do enfrentamento entre direita e esquerda no pas e seus custos

    sombrios, um governo de esquerda que chegasse institucionalmente a bom

    termo seria, sem mais, um avano importante. E havia boas razes parapretender que a trajetria do PT representava exemplo indito de construo

    institucional na faixa partidria, combinando singular origem ideolgica e

    apego a princpios com o componente realista de viabilidade eleitoral

    trazido sobretudo pela figura de Lula, com seu relevante simbolismo prprio.

    Cabia esperar, assim, em particular com o PSDB como rival consistente e

    igualmente vivel do PT, que vissemos a ter a canalizao estvel da

    participao popular no processo eleitoral em termos mais sadios do que os do

    populismo tradicional.

    Mas a degringolada petista de 2005 restaura e exacerba os aspectos mais

    negativos da tradicional viso da poltica entre ns, motivo eterno de galhofa,

    agora novamente de indignao. E o bom que se pode ver bem modesto.

    Quem sabe acontece aquilo que alguns petistas leais mas lcidos se tm

    atrevido a desejar: que Lula encontre de fato condies de disputar a reeleio,

    impedindo que o PT se apequene de vez, mas seja derrotado, evitando o

    provvel desastre geral de um segundo mandato cumprido nas circunstncias

    criadas pela crise e preservando as chances de retomada da construo

    institucional. Mas a aposta nessa retomada precria. Seria preciso ocorrer no

    PT algo que obviamente faltou antes e que a conduta recente do partido indica

    continuar a faltar: a reflexo apropriada sobre como equilibrar a busca de

    objetivos de algum modo afins a sua inspirao ideolgica original com a

    necessria ateno sem o destempero hiper-realista que nos vem sendo

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    servido para as condies da atualidade mundial (e do pas) em que deve

    atuar e eventualmente governar.

    Mas h outros anseios improvveis. Que a oposio, ou ao menos o

    PSDB, deixasse de escudar-se na peculiar feira do esquemo petista e sedispusesse a agir com firmeza rumo s reformas necessrias para ajudar a

    superar no apenas a crise de agora, mas o substrato cultural/legal (e, quem

    sabe, o social) em que as crises de corrupo se repetem e em que lanam

    razes tambm as crises poltico-institucionais mais graves. Isso exigiria que a

    oposio deixasse de propor ou acolher (enquanto acusa com razo o governo

    de faz-lo) distines sibilinas como a que contrasta o crime menor do caixa

    2 ao crime importante do mensalo e assemelhados. E reconhecesse que a

    complacncia perante a transposio dos limites da legalidade, sob qualquerforma, incompatvel com a preservao da sade institucional da

    democracia.

    Quem, contudo, ser o agente da afirmao do princpio a envolvido,

    que se desdobra na idia de que o aprofundamento da crise talvez condio

    para sua real superao?

    Folha de S.Paulo, caderno Mais, 18/12/2005