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    METODOLOGIA DE ANLISE DE DECISES.

    Roberto Freitas Filho

    Mestre/DoutorUSP

    Visiting ScholarUniversity of WisconsinMadison

    Coordenador do Curso de Direito do UNICEUBBraslia

    1. Introduo

    O presente texto objetiva apresentar e descrever uma metodologia de produo de

    trabalhos tericos no campo do Direito, a Metodologia de Anlise de Decises, doravante

    tambm identificada por MAD. A reflexo se originou da necessidade de organizao

    metdica, na forma de um protocolo passvel de reproduo que permita, em alguma medida,

    comensurabilidade entre vrias apreciaes realizadas em momentos ou por pessoas distintasem relao a uma dada prtica decisria. Nossa experincia de pesquisa nos ltimos dois

    anos, no mbito do Grupo de Estudo e Pesquisa Hermenutica e Polticas Pblicas, abrigado

    no Programa de Mestrado do Curso de Direito do Centro Universitrio de Braslia

    UniCEUB, nos permitiu dar forma metodologia ora apresentada, no obstante nossa

    preocupao com o tema venha de mais longa data. No Grupo se desenvolve pesquisa

    quantitativa e qualitativa tendo como tema a participao e interveno do Judicirio,

    especialmente do Supremo Tribunal Federal na formao e implementao das polticaspblicas constitucionalmente previstas, em especial as de sade, educao e segurana.

    Como qualquer metodologia, a MAD uma forma de fazer algo, um caminho a ser

    seguido para atingir uma finalidade. A MAD diferente do estudo de caso e da anlise de

    jurisprudncia. No estudo de caso se realiza um estudo intensivo de uma deciso, um grupo de

    decises ou uma questo-problema jurdica determinada, por meio da explorao da maior

    quantidade de variveis nela envolvidas, numa perspectiva de mltiplas variveis de um

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    evento ou situao nica, chamado de caso. O objetivo do estudo de caso que o

    pesquisador adquira compreenso mais acurada sobre as circunstncias que determinaram a

    ocorrncia do determinado resultado, apreendendo as complexidades envolvidas na situao.

    Nesse caso, ao invs de utilizar uma metodologia rgida, com um protocolo fixo e

    determinado, o estudo de caso pressupe uma certa autonomia na construo da narrativa e da

    estrutura de exposio do problema. O estudo de caso pressupe que o conhecimento indutivo

    a partir da prtica to vlido quanto o conhecimento terico constitudo a partir de conceitos

    gerais.1

    Tendo em vista o dissenso sobre a terminologia desses dois mtodos, cabe

    convencionar o sentido no qual a utilizamos. Propomos que a metodologia de estudo de casopode compreender um estudo de caso ou mais estudos de casos, pode incluir pesquisa

    quantitativa e se baseia em uma multiplicidade de fontes de evidncias e leva em

    considerao propostas tericas previamente existentes. O estudo de caso um enfoque de

    pesquisa que compreende a obteno indutiva de concluses a partir da observao e seleo

    de dados ocorrentes em um determinado problema.

    Chamamos de anlise de jurisprudncia a metodologia consistente em coletar asdecises de um ou diversos decisores sobre um determinado problema jurdico com o objetivo

    de identificar um momento2decisrio, realizar um retrato do estado da arte sobre o assunto.

    A anlise de jurisprudncia permite a identificao da posio dos decisores em relao ao

    problema e/ou a suas eventuais inclinaes em relao s demais possibilidades de soluo

    que porventura no tenham sido adotadas.

    Embora essas duas outras metodologias de pesquisa, o Estudo de Caso e a Anlise deJurisprudncia, possuam caractersticas comuns MAD, ela se difere em relao aos

    procedimentos, aos objetivos e ao instrumento terico utilizado em um de seus passos.

    1FLYVBJERG, Bent. Five Misunderstandings About Case-Study Research, in Qualitative Inquiry, 12(2): 219-245 (2006).Disponvel em [http://flyvbjerg.plan.aau.dk/Publications2006/0604FIVEMISPUBL2006.pdf]acesso em 06/10/2009.2Chamo de momento a situao em que se encontra a questo-problema jurdica em um recorte determinado no tempo e no

    espao. A idia de momento indica que h um estado atual em que a questo se encontra e que a identificao desse estadopressupe a considerao das variveis relevantes nele envolvidas.

    http://flyvbjerg.plan.aau.dk/Publications2006/0604FIVEMISPUBL2006.pdfhttp://flyvbjerg.plan.aau.dk/Publications2006/0604FIVEMISPUBL2006.pdf
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    A MAD teve origem em nossa experincia de pesquisa iniciada nos anos noventa,

    quando buscvamos uma forma de construir um instrumento formal de organizao de dados

    relativos s decises judiciais em relao aos mais variados tipos de conflitos. Embora em um

    primeiro momento no tivssemos um instrumento terico que permitisse a apreciao das

    prticas decisrias desde uma mirada lgico-formal, com a introduo da distino entre

    palavras de valor e palavras descritivas, conceitos que sero a frente explicados, no repertrio

    conceitual da metodologia foi possvel definir um critrio razoavelmente comensurvel de

    anlise decisria.

    O nome dado ao mtodo objetiva distingui-lo das demais formas mais comuns de se

    trabalhar indutivamente o fenmeno jurdico na sua dimenso decisria. O que pretendemosapresentar a seguir essa forma de apreciar as decises judiciais, a Metodologia de Anlise de

    DecisesMAD.

    2. Breve reflexo sobre a problematicidade do termo metodologia

    Ao nos referirmos MAD como uma metodologiaestamos nos situando no campo

    do pensamento instrumental de como se proceder, de forma controlada, no mbito da pesquisaem direito. A advertncia se faz necessria, pois a palavra metodologia aparece, na doutrina

    jurdica em pelo menos quatro distintas acepes. , portanto, uma palavra marcadamente

    polissmica, mesmo quando usada no contexto da teoria jurdica.

    possvel verificar a ocorrncia de metodologia, pelo menos, como: 1. Processos

    lgicos e quase-lgicos mentais prprios teoria do conhecimento; 2. Forma controlada,

    segundo certos procedimentos, de produo de decises; 3. Procedimentos voltados produo de trabalhos jurdicos cientficos e 4. Forma de identificar e constituir o objeto do

    direito.

    No primeiro sentido, a palavra metodologia utilizada como sinnimo dos mtodos

    de conhecimento, a saber: deduo, induo, analogia e intuio. Embora esses sejam

    sabidamente instrumentos gerais para toda ao em que se d o conhecer 3, h quem os

    3Cf. CHAU, Marilena. Convite Filosofia. So Paulo: Atlas, 2000.

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    indique como sendo prprios da cincia do direito. Miguel Reale, por exemplo, diz que o

    direito se caracteriza pelo pluralismo metodolgico, o que significa dizer que tanto a induo

    como a deduo seriam prprias metodologia jurdica. Alm disso, inclui o mtodo dedutivo

    entre eles, j que o processo analgico est como que a meio caminho entre a induo e a

    deduo, desempenhando funo relevante no Direito, quando a lei omissa e no se pode

    deixar de dar ao caso uma soluo jurdica adequada. 4

    A segunda acepo da palavra metodologia diz respeito hermenutica jurdica, ou

    teoria da deciso. Karl Larenz, em seu Metodologia da Cincia do Direito , pretende

    apresentar uma forma adequada de proceder, tendo em vista os juzos. Em sua introduo o

    autor diz que

    Neste livro dever ficar patente que a cincia do Direito desenvolve por si

    mtodos de um pensamento orientado a valores, que permitem complementar

    valoraes previamente dadas, vert-las no caso singular e orientar a valorao que

    de cada vez exigida, pelo menos em determinados limites, a tais valoraes

    previamente achadas. Nesta medida so as valoraes susceptveis de confirmao

    e passveis de uma crtica racional. 5

    J no captulo V da Segunda Parte de seu livro o autor apresenta os mtodos de

    desenvolvimento judicial do Direito. Discorre sobre o tema da forma correta de decidir,

    considerada a adequao da deciso a certos princpios diretivos da ordem jurdica.

    Compreende-se que tambm um tal desenvolvimento do Direito

    superador da lei s deva ter lugar em consonncia com os princpios directivos

    da ordem jurdica no seu conjunto; mais: muitas vezes ser motivado precisamentepela aspirao a fazer valer estes princpios em maior escala do que aconteceu na

    lei.6

    4REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. So Paulo: Saraiva, 2002. pp. 83 e segs

    5LARENZ, Karl. Metodologia da Cincia do Direito. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1997, 3. Ed. p.3

    6

    Idem. p. 519

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    Alm dessa posio exemplarmente representada pela pretenso de Larenz, de uma

    metodologia que conduza deciso materialmente adequada, pensada a partir de princpios

    gerais valorativos informadores de toda a ordem jurdica, temos uma terceira acepo da

    palavra metodologia, qual seja a de procedimentos formais adequados realizao de um

    trabalho acadmico. Nessa linha esto os inmeros livros instrumentais voltados para a

    confeco de uma monografia, seja um trabalho de concluso de curso, uma dissertao de

    mestrado ou uma tese de doutorado. Dois, por todos, so exemplares, os da autoria de

    Umberto Eco, Como Fazer uma Tese, e de Antonio Joaquim Severino, Metodologia do

    Trabalho Cientfico. Ambos so manuais que indicam como devem ser realizados os trabalhos

    acadmicos nos diferentes nveis da formao do profissional e, portanto, indicam passo a

    passo o que fazer e como fazer para que o trabalho fique adequado formalmente e em termosde expectativa de qualidade no campo do conhecimento em que se insere.

    Um ltimo e, a nosso ver, mais complexo sentido em que aparece o termo

    metodologia na teoria jurdica de constituio do objeto com o qual se trabalha, sobre o

    qual se identificar um problema, constituir-se- uma hiptese pertinente e, por fim, ser

    construdo um argumento. Nesse sentido dois textos so representativos: o primeiro de

    autoria de Jos Reinaldo de Lima Lopes, intitulado Regla y Comps, o metodologia para um

    trabajo jurdico sensato.7

    O outro No Fale do Cdigo de Hamurbi! de Luciano Oliveira.8

    Embora tenham carter prtico, os textos apresentam a preocupao dos autores com

    a qualidade do recorte metodolgico adequado do tema, identificao do problema,

    estabelecimento de marco terico pertinente, mas principalmente com os nexos internos do

    argumento, colocando em relevo o problema da coerncia interna da narrativa construda.

    So, portanto, preocupaes metodolgicas que dizem respeito ao nvel mais sofisticado da

    confeco de um trabalho acadmico em Direito, a saber, a qualidade do argumento,

    dependente diretamente da capacidade do autor de demarcar um campo objetivo com precisoe apresentar os conceitos e teorias com os quais trabalhar de forma consistente.

    7LOPES, Jos Reinaldo de Lima. Regla y Comps, o metodologia para um trabajo jurdico sensato,in Observar la Ley: ensayor sobre metodologa de la investigacin jurdica. Madrid: EditorialTrotta, 2006.

    8OLIVEIRA, Luciano. No Fale do Cdigo de Hamurbi! in Sua Excelncia o Comissrio e Outros Ensaios de

    Sociologia Jurdica. Rio de Janeiro: Letra Legal, 2004.

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    A Metodologia de Anlise de Decises est inserida em um outro campo de

    possibilidades metodolgicas, pouco explorado no Direito, mas extremamente potente

    instrumentalmente, o da formulao de um protocolo com o qual o pesquisador poder

    trabalhar para chegar a resultados apreciveis e, se possvel, comparveis. Temos, portanto,

    uma proposta metodolgica que poderia ser qualificada como uma quinta acepo da palavra

    metodologia, a dos protocolos. Um protocolo reproduzvel sempre em certa medida,

    especialmente nas cincias sociais aplicadas, como o caso do Direito, mas sua utilizao

    permite um grau de preciso e de controle sobre o que feito maior do que nos trabalhos

    especulativos ou conceituais. Essa a pretenso da MAD.

    3.

    Objetivo da utilizao da Anlise de Decises

    A Anlise de Decises um mtodo que permite:

    1) organizar informaes relativas a decises proferidas em um determinado contexto;

    2) verificar a coerncia decisria9no contexto determinado previamente e

    3) produzir uma explicao do sentido 10das decises a partir de interpretao sobre o

    processo decisrio, a forma das decises e sobre os argumentos produzidos.

    4. Procedimento da Anlise de Decises

    A Metodologia de Anlise de Decises se realiza por completo em trsmomentose

    resulta em dois tipos de produtos.

    3.1 A pesquisa exploratria.

    9H dois conceitos importantes quando se fala em apreciao crtica de decises em uma perspectiva lgico-formal:consistncia e coerncia. Para os efeitos da aplicao da MAD o conceito de coerncia inclui o de consistncia. Os conceitosde consistncia e coerncia esto em MacCormick: "The analysis of arguments from coherence and consistency is even morerevealing. The argument from consistency requires us not to tolerate the presence in a legal system of two rules whichcontrovert each other. ... The argument from coherence goes beyond even that, seeking not merely to avoid flatcontradictions or inconsistencies, but indeed to find a way of making sense of the system as a whole, by making sense ofbranches of it at a time. ...in arguing from coherence, we are arguing for ways of making the legal system as nearly aspossible a rationally structured whole which does not oblige us to pursue mutually inconsistently general objectives."MACCORMICK, Neil -Legal reasoning and legal theory. Oxford: Clarendon Series, 2003, p. 152.10Para Max Weber, sentido o sentido subjetivamente visado. Na sociologia weberiana, h que se compreender o sentidoque cada pessoa d a sua conduta. Por meio dessa compreenso possvel perceber a estrutura da ao. Deve-se

    compreender, interpretar e explicar respectivamente, o significado, a organizao e o sentido da ao. WEBER, Max.Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Braslia: UnB, 2004. v.1, p. 4.

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    No primeiro momento necessrio que o pesquisador realize uma pesquisa

    exploratriapara se familiarizar com o campo de discusses no qual se insere um problema

    jurdico dado. Indica-se que o pesquisador eleja bibliografia bsica relevante que espelhe,

    idealmente, o conjunto dos autores que perfazem a matriz paradigmtica11do tema. A leitura

    exploratria permitir ao pesquisador identificar os elementos narrativos textuais12em torno

    do tema, os dissensos argumentativos mais importantes no campo terico e os conceitos,

    princpios ou institutos jurdicos sobre os quais h mais disputa.

    3.2 O recorte objetivo.

    A partir da identificao de uma questo-problema jurdica relevante aos olhos dopesquisador, ele proceder a uma seleo conceitual do campo discursivo no qual se encontra

    seu problema.

    3.2.1 Por hiptese, o pesquisador pode identificar como problema relevante a ser

    investigado a oposio entre dois princpios13 (so exemplos a oposio entre o sigilo de

    correspondncia e a segurana da coletividade14 ou entre a vedao do enriquecimento

    sem causa e a aplicao da funo punitiva da indenizao por dano extra patrimonial15

    ).

    3.2.2 Pode ainda enxergar como problema relevante a oposio entre duas teorias

    como, por exemplo, uma de inspirao economicamente liberal que limite a proteo do

    consumidor em prol do livre funcionamento do mercado e outra de inspirao social que

    propugne por um maior grau de intervencionismo estabelecendo, assim, maior controle estatal

    sobre a atividade dos agentes econmicos.16Evidentemente, o problema a ser tratado deve ser

    relevante tanto empiricamente quanto teoricamente.

    17

    11KHUN, Thomas. A Estrutura das Revolues Cientificas. So Paulo: Perspectiva, 2003.12RICOEUR, Paul. Do Texto Aco. Porto: Rs, 1986.13Os princpios tero sido identificados no primeiro passo.14SILVA JNIOR, Walter Nunes da. O Tratamento Constitucional do Sigilo da Correspondncia. Revista de InformaoLegislativa. Ano 41, no. 163, jul/set 2004, pgs. 193-214.15GONALVES, Vitor Fernandes. A Punio na Responsabilidade Civil: a indenizao do dano moral eda leso ainteresses difusos. Braslia: Braslia Jurdica, 200516HOWELLS, Geraint G. & WEATHERILL, Stephen. Consumer Protection Law. University of Oxford, 2006.17No necessrio que tenha havido discusso sobre o problema no mbito do Judicirio, mas t-la havido indica que h

    evidente relevncia do problema. O segundo exemplo se refere discusso havida no mbito do STJ sobre a possibilidade deinterrupo do fornecimento dos servios pblicos essenciais por inadimplemento do consumidor.

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    3.2.3 Uma outra possibilidade investigar a aplicao de um conceito jurdico,

    como, por exemplo, os limites semnticos mais ou menos estendido do texto do artigo

    segundo do CDC ao incluir a pessoa jurdica como consumidora.

    3.2.4 Pode-se tambm investigar a aplicao de um instituto jurdicomais genrico

    do que uma definio ( possvel pens-lo como um toposdo pensamento jurdico18), como

    o caso dos direitos humanos nos tribunais internacionais.

    3.3 O recorte institucional

    No h necessria precedncia cronolgica na realizao do recorte objetivo emrelao ao recorte institucional. Em geral, essa escolha se d por intuio a partir da

    experincia do pesquisador, seja ela profissional seja decorrente da pesquisa exploratria

    inicial. De forma anloga ao que Atienza prope serem os passos do processo decisrio,

    tambm nesse tipo de metodologia h um contexto da descoberta e um contexto de

    justificao.19

    O recorte institucional diz respeito escolha dos rgos decisores que vo serpesquisados. A deciso sobre esse aspecto do recorte metodolgico deve levar em conta a

    pertinncia funcional do decisor ou do grupo de decisores. Assim, possvel investigar

    a) Quanto pluralidade interna de decisores:

    a.1) Um nico rgo singular;

    a.2) Um nico rgo colegiado;

    b) Quanto pluralidade de rgos:

    b.1) Mais de um rgo singular;b.2) Mais de um rgo colegiado;

    c) Quanto hierarquia funcional:

    c.1) rgos de mesma hierarquia funcional;

    c.2) rgos de diferentes hierarquias funcionais;

    18VIEHWEG, Theodor. Tpica e Jurisprudncia. Porto Alegre: Srgio Antonio Fabris Editor, 2008.19Segundo o autor, inspirado na filosofia da cincia costuma-se distinguir entre o contexto de descobertae o contexto dejustificaodas teorias cientficas. A distino entre contexto de descoberta e contexto de justificao no coincide comaquela existente entre discurso descritivo e discurso prescritivo, a no ser pelo fato de que em relao tanto a um quanto ao

    outro contexto se pode adotar uma atitude descritiva ou prescritiva. ATIENZA, Manoel. As Razes do Direito: teorias daargumentao jurdica.So Paulo: Landy, 2002, pp. 20/21.

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    d) Quanto pertena a uma ordem jurdica nacional:

    d.1) rgos inseridos em um mesmo sistema normativo

    d.2) rgos de mais de um sistema normativo (ordens jurdicas nacionais distintas)

    e) Quanto pertena ordem jurdica internacional;

    e.1) um nico rgo internacional, como por exemplo o TPI;

    e. 2) mais de um rgo internacional, como por exemplo a Corte de Haia e a OMC.

    e.3) um ou mais rgos internacional e um ou mais rgos nacionais.

    3.3.1 A escolha do recorte institucional deve ser justificada necessariamente pelos

    critrios de (1)pertinncia temticae (2) relevncia decisria.

    3.3.1.1 A pertinncia temtica diz respeito adequao entre o problema identificadoe o campo terico em que se insere e o mbito decisrio de discusso jurdica do problema.

    Isso no quer dizer que no seja possvel fazer uma investigao por meio da

    Metodologia de Anlise de Decises de um decisor aparentemente de menor importncia ou

    com menor visibilidade. Pode-se, por exemplo, investigar um aspecto especfico das decises

    de um juizado especial cvel qualquer tendo como objeto de anlise a interpretao do decisor

    sobre um conceito jurdico. Uma pesquisa assim possui valor heurstico,20

    desde que dentrodo campo de expectativas do tipo de trabalho que est sendo realizado. Evidentemente seria

    muito difcil justificar um recorte to limitado assim se estivssemos lidando com a realizao

    de um trabalho de doutorado, mas para uma monografia de trmino de curso de graduao

    nada impede que o aluno faa um exerccio metodolgico dessa natureza. Tudo vai depender,

    entretanto, da justificativa dada ao recorte institucional j que, por exemplo, um pesquisador

    pode ter interesse em analisar o comportamento de um juiz especfico que esteja aplicando

    uma soluo jurdica criativa, inovadora, a um problema antigo. Saber como ele o faz podeser de interesse da comunidade acadmica e, portanto, neste caso, o trabalho encontra

    justificao, mesmo com tal recorte. Por outro lado, se o pesquisador deseja investigar como

    tem sido a interpretao dos tribunais sobre um conceito determinado e justifica esse interesse

    pela possibilidade de impacto que a interpretao venha a gerar no campo, um recorte

    20Heurstico se refere a algum conceito que auxilia o aprendizado, a descoberta ou a soluo d e problemas por meio de

    mtodos experimentais e de tentativa e erro. Disponvel em [http://www.merriam-webster.com/dictionary/heuristic], acessoem 07/10/09.

    http://www.merriam-webster.com/dictionary/heuristichttp://www.merriam-webster.com/dictionary/heuristic
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    modesto como aquele apresentado de apenas um juizado especial parece no se justificar.

    Essa ltima observao nos leva ao segundo critrio, o da relevncia decisria.

    3.3.1.2 A relevncia decisria diz respeito ao impacto (ou provvel impacto) da

    discusso no campo jurdico. A Metodologia de Anlise de Decises possui uma orientao

    estreitamente relacionada com a prtica e, portanto, imperioso justificar com clareza o

    porqu da escolha daquele determinado decisor (ou decisores) com base na capacidade de

    gerao de efeitos que sua interpretao tem no campo em que se situa. Novamente se faz

    necessrio o alerta: isso no exclui a possibilidade de que seja realizado um recorte de um

    decisor local, mas para isso necessrio mostrar que suas decises so potencialmente

    impactantes no seu contexto. Por exemplo, um nico juiz de cidade pequena ou mdia pode, apartir de sua prtica judicante criativa, gerar uma srie de mudanas de comportamento de

    atores sociais relevantes para aquela comunidade e esse um fenmeno potencialmente

    interessante de ser pesquisado.

    4. Planos e produtos da Metodologia de Anlise de Decises - MAD

    Os resultados da aplicao da Anlise de Decises podem ser organizados, para finsanalticos, em trs distintos planos ou enfoques:

    1.Os diferentes nveis de aprofundamento de anlise do problema investigado.

    2.Os tipos de escolhas relativamente ao recorte institucional.

    3.As diferentes temticas abordadas.

    Trataremos nesta seo somente da questo relativa aos diferentes nveis de

    aprofundamento de anlise do problema investigado, j que esse procedimento quecaracteriza a originalidade da MAD. Os dois outros enfoques de resultados so razoavelmente

    auto-explicativos, constituindo antes de tudo um modo de justificao da organizao dos

    dados e da disposio dos mesmos para utilizao posterior.

    4.1 Ao realizar a pesquisa exploratria, primeiro passo para a identificao do

    problema a ser investigado, o pesquisador eleger seu foco de ateno. O segundo passo ser

    realizar o recorte institucional e o recolhimento dos dados, expressos por decises ou

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    conjuntos de decises. Aps a seleo das decises o pesquisador ter em mos um

    determinado nmero delas e dever organiz-las de forma a tratar os dados.

    O resultado desse primeiro passo a constituio de um banco de dados contendo

    decises organizadas de forma criteriosa com base na relevncia de pertena das decises ao

    conjunto. No caso de deciso nica dever o pesquisador justific-la, pois o mtodo se presta

    prioritariamente a analisar um determinado processo decisrio, a compreendido o movimento

    no tempo de uma prtica jurdica que encontra sentido justamente no fato de ser um modo de

    agir com um sentido passvel de interpretao. possvel, entretanto, que o pesquisador veja

    em uma deciso colegiada, por exemplo, a expresso de vrias decises que expressam um

    determinado processo decisrio. No se pode excluir, portanto, a priori, a possibilidade deinvestigao sobre uma nica deciso, embora o mtodo seja mais propriamente aplicvel a

    conjuntos decisrios.

    O banco de dados cru resultante desse primeiro momento da aplicao da AD um

    instrumento para a realizao de pesquisa. O que se obtm o tratamento e a organizao dos

    dados, mas ainda sem qualquer reflexo que se desdobre para alm da mera organizao, sem

    descurar do fato de que a organizao em si mesma j pressupe uma reflexo justificadoraprvia.

    4.2 Um segundo momento o da verificao de como os decisores esto a utilizar os

    conceitos, valores, institutos e princpios presentes nas narrativas decisrias. Para isso

    necessrio que o pesquisador, a partir da leitura seletiva das decises, verifique a ocorrncia

    de elementos narrativos com os quais os decisores constroem seus argumentos. Por exemplo,

    em uma discusso envolvendo a interveno do Judicirio na poltica pblica de sade podeestar aparecendo a referncia aos conceitos de reserva do possvel e mnimo existencial.

    Nesse nvel o que se obtm um banco de dados mais sofisticado contendo decises

    selecionadas a partir do estabelecimento de critrios justificados de relevncia, conforme

    acima se viu, ou seja, um banco de dados organizado contendo informaes sobre um

    determinado tipo de deciso e uma interpretao sobre esses dados dentro de um recorte

    metodolgico previamente escolhido pelo pesquisador. Por exemplo, possvel organizar

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    uma srie de decises nas quais, durante um perodo determinado, o STJ discutiu o alcance do

    conceito legal de consumidor.

    4.3 Um terceiro momento o da reflexo crtica sobre a prtica decisria dos

    decisores, buscando a anlise dos conceitos, valores, institutos e princpios no nvel

    desconstrutivo e lgico-formal. O que se busca , a partir da narrativa de justificao das

    decises, identificar o sentido da prtica decisria.

    Nesse primeiro momento deve-se estabelecer a parametrizao de sentido lingstico

    das palavras, por meio dos instrumentos da teoria da linguagem com vis lgico-formal. A

    MAD deve operada por meio de uma teoria lgico-formal da linguagem. Por exemplo, ateoria da linguagem moral de Richard Hare, chamada de Prescritivismo Universal21, uma

    das possveis a aplicar, pois ela fornece um instrumento bsico analtico do mtodo, qual seja

    a distino lgica entre aspalavras de valore aspalavras descritivas. Essa distino permite

    apreciar a densificao semntica (ou sua ausncia) das palavras utilizadas nas decises.

    De forma resumida, a distino entre palavras de valor e palavras descritivas diz

    respeito funo lgica das mesmas em determinado discurso. As palavras descritivas soaquelas que no tm sentido prescritivo, no tem significado relativo qualidade de um objeto

    ou situao. Dizer que algo um automvel usar a palavra automvel no sentido

    descritivo. Essa afirmao no pede uma justificao para que seja plenamente compreendida.

    Ningum se pergunta, de forma geral, a quem diz Isto um automvel, por que essa pessoa

    descreveu o objeto como um automvel. As palavras descritivas tem funo lgica de

    designar um objeto e seu significado menos problemtico do que o das palavras avaliatrias

    quanto estabilidade semntica prima facie. Por outro lado, um proferimento como Isto um bom automvel. pede, naturalmente, uma justificao sobre a avaliao feita a respeito da

    qualidade atribuda ao objeto.Bom uma palavra de valor. Vejamos o que isso significa.

    As palavras de valor, por terem funo de qualificar um determinado objeto, no so

    estveis semanticamente de forma apriorstica, o que torna necessria a indicao, na

    21O autor constri sua teoria em quatro principais obras: HARE, Michard Mervyn.A linguagem da moral. Traduo deEduardo Pereira e Ferreira. So Paulo: Martins Fontes, 1996. , tica: problemas e respostas. So Paulo: UNESP, 2003.,

    Freedom and reason. Oxford. Oxford: Oxford University Press, 1963. e Moral thinking: its levels, method and point.Oxford: Oxford University Press, 1981.

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    motivao da deciso, das circunstncias descritivas que esto presentes no caso.22Assim, por

    exemplo, se um decisor diz que determinada prestao jurisdicional devida por causa da

    dignidade da pessoa humana, a expresso dignidade tem de ser densificada de forma tal

    que, no caso concreto, seja possvel identificar quais as circunstncias presentes determinam

    que tal situao gera indignidade. Por causa da funo lgica da palavra, que tem como

    significado descrever um estado desejvel (digno significa algo valoroso), se o julgador no

    descreve ad nausean as caractersticas descritivas, ou seja, quais as circunstncias fticas que

    determinam que a situao digna, o discurso acaba desbordando para a possibilidade de

    arbtrio, dada a falta de justificao plena. H portanto o chamado dficit de justificao.23

    Esse um pressuposto bsico da MAD, sendo essa a sua especificidade.

    Por fim, identificado o modo pelo qual o decisor constri o sentido dos termos com

    os quais opera o discurso, possvel desdobrar os dados em uma srie de possibilidades

    explicativas de sentido daquela prtica. Por exemplo, pode o pesquisador querer fazer uma

    anlise sobre a coerncia sistmica das decises a partir de um marco terico que assuma essa

    premissa.

    Outra possibilidade, ainda, analisar as implicaes polticas da prtica do decisortendo em vista um marco terico que assuma esse postulado e assim por diante.

    Os recortes possveis so inmeros, sendo impossvel exaurir as hipteses de olhar

    sobre o problema. Caber ao pesquisador determinar os critrios especficos de anlise das

    decises. Por exemplo, possvel produzir uma tipologia da retrica de justificao decisria

    e identificar modos de fundamentao como decises baseadas em argumentos

    preponderantemente dogmticos ou axiolgicos ou ainda consequencialistas.

    As possibilidades de anlise a partir desse ponto so mltiplas e aps atingir o

    terceiro nvel de sofisticao de tratamento de dados o pesquisador far as escolhas de

    desdobramentos tericos possveis. A MAD estar, ento, concluda.

    22HARE, Michard Mervyn.A linguagem da moral. Traduo de Eduardo Pereira e Ferreira. So Paulo: Martins Fontes,1996.23

    FREITAS FILHO, Roberto. Interveno Judicial nos Contratos e Aplicao dos Princpios e das Clusulas Gerais. PortoAlegre: Safe, 2009.

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