fredric jameson, o teórico marxista da pós-modernidade

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Fredric Jameson, o teórico marxista da pós-modernidade “Il faut être absolument moderne!” Irônico ou não, o grande brado de Rimbaud tem sido sempre sentido como algo emocionante: provavelmente porque não se limita apenas a nos assegurar que já somos modernos, mas também porque nos dá algo para fazer. É bom lembrar os países que em sua época foram no passado considerados os mais modernos: a Prússia de Frederico o Grande, o sistema dos sovietes de Lênin e, pouco mais tarde, o sistema fascista do p artido-cum-dictator de Mussolini. Todos eles confirmam a op inião profética de Max Weber de que a burocracia é a forma mais moderna de organização social. Se hoje esses países não são mais considerados modernos nesse sentido (com a possível exceção do primeiro dos mencionados), é porque lamentavelmente eles acabaram não atingindo o grau de eficiência que o estereótipo da modernidade também promete em algum lugar. Mas hoje nem os Estados Unidos são, assim, tão eficientes. O mais significativo, em todos esses casos, é que a modernidade das nações citadas é uma modernidade para os outros, uma ilusão de ótica, alimentada pela inveja e a esperança, por sentimentos de inferioridade e pela necessidade de emulação. Junto com todos os demais paradoxos construídos nesse estranho conceito, é este o mais fatal: de que a modernidade é sempre um conceito de alteridade [otherness]. Quanto à eficiência, ela ta mbém envolve o outro, mas de modo be m diverso. Desde muito tempo viu-se o Ocidente incapaz de pensar a categoria do “grande projeto coletivo” em termos de revolução social e de transformação social. Mas, de qualquer modo, dispomos de um substituto conveniente e que exige muito menos de nossa imaginação: para nós, e tão distante da modernidade quanto seria possível determinar, o grande projeto coletivo – o “equivalente moral da guerra” – é simplesmente a própria guerra. Afinal, é como uma máquina de guerra que se avalia a eficiência de um país. E não há dúvida que a guerra moderna oferece de fato uma forma muito avançada de organização coletiva. Mas um limite fundamental e estrutural, imposto à nossa imaginação utópica, fica seguramente demonstrado por essa falta de alternativas e pela persistência da Segunda Guerra Mundial na mente americana, como o grande momento utópico da unificação nacional e o objeto perdido do nosso desejo político. Será possível comparar, ao longo dos diferentes períodos históricos, os sentimentos de emoção que o termo “modernidade” aparentemente desperta? A pergunta parece implicar e conter uma outra sobre a autenticidade dessa emoção e o conceito do qual deriva ou ao qual ela parece ser uma resposta existencial. Como comparar essas reações ou mesmo deduzi-las e reconstruí-las individualmente com base na evidência histórica? Mas os textos literários sempre pareceram colocar esse problema, que, porteriormente, se tornou o do “horizonte de expectativa” (Gadamer) e da comparabilidade entre leituras contemporâneas e as nossas próprias. De fato, é este o motivo pelo qual a questão do modernismo estético e do corpus dos textos modernistas de todos os tipos vem sendo tão útil na elaboração e na reconstrução das várias ideologias da modernidade (se não nos próprios argumentos). Se ainda podemos ler Baudelaire com a devida intensidade, ou se essa premissa oculta parece fugir de nós, também devemos ser capazes de reconstruir as diversas outras modernidades não estéticas ativas no seu tempo. Vale a pena considerar o desafio, particularmente se deixarmos de lado as ubíquas caracterizações do novo, da inovação e do surgimento, e nos concentrarmos num aspecto muito menos mencionado (se é que de fato é mencionado), e que é o da medida. Assim, quem estiver familiarizado com a obra de Ezra Pound o estará também com a intensidade com que ele perscrutava a “época atual”, em busca de indícios de energias modernistas, como irrupções parciais, inovações e também a destruição local do fora de moda (tanto em verso como em prosa); em busca de pensamentos novos (comparáveis em grau com os de Cavalcanti ou John Adams); de uma intensidade que prometesse uma cultura totalmente nova (George Antheil, 1

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Fredric Jameson, o teórico marxista da pós-modernidade

“Il faut être absolument moderne!” 

Irônico ou não, o grande brado de Rimbaud tem sido sempre sentido como algo emocionante:provavelmente porque não se limita apenas a nos assegurar que já somos modernos, mastambém porque nos dá algo para fazer.

É bom lembrar os países que em sua época foram no passado considerados os maismodernos: a Prússia de Frederico o Grande, o sistema dos sovietes de Lênin e, pouco maistarde, o sistema fascista do partido-cum-dictator de Mussolini. Todos eles confirmam a opiniãoprofética de Max Weber de que a burocracia é a forma mais moderna de organização social.Se hoje esses países não são mais considerados modernos nesse sentido (com a possívelexceção do primeiro dos mencionados), é porque lamentavelmente eles acabaram nãoatingindo o grau de eficiência que o estereótipo da modernidade também promete em algumlugar. Mas hoje nem os Estados Unidos são, assim, tão eficientes. O mais significativo, emtodos esses casos, é que a modernidade das nações citadas é uma modernidade para os

outros, uma ilusão de ótica, alimentada pela inveja e a esperança, por sentimentos deinferioridade e pela necessidade de emulação. Junto com todos os demais paradoxosconstruídos nesse estranho conceito, é este o mais fatal: de que a modernidade é sempre umconceito de alteridade [otherness].

Quanto à eficiência, ela também envolve o outro, mas de modo bem diverso. Desde muitotempo viu-se o Ocidente incapaz de pensar a categoria do “grande projeto coletivo” em termosde revolução social e de transformação social. Mas, de qualquer modo, dispomos de umsubstituto conveniente e que exige muito menos de nossa imaginação: para nós, e tão distanteda modernidade quanto seria possível determinar, o grande projeto coletivo – o “equivalentemoral da guerra” – é simplesmente a própria guerra. Afinal, é como uma máquina de guerraque se avalia a eficiência de um país. E não há dúvida que a guerra moderna oferece de fatouma forma muito avançada de organização coletiva. Mas um limite fundamental e estrutural,

imposto à nossa imaginação utópica, fica seguramente demonstrado por essa falta dealternativas e pela persistência da Segunda Guerra Mundial na mente americana, como ogrande momento utópico da unificação nacional e o objeto perdido do nosso desejo político.

Será possível comparar, ao longo dos diferentes períodos históricos, os sentimentos deemoção que o termo “modernidade” aparentemente desperta? A pergunta parece implicar econter uma outra sobre a autenticidade dessa emoção e o conceito do qual deriva ou ao qualela parece ser uma resposta existencial. Como comparar essas reações ou mesmo deduzi-lase reconstruí-las individualmente com base na evidência histórica? Mas os textos literáriossempre pareceram colocar esse problema, que, porteriormente, se tornou o do “horizonte deexpectativa” (Gadamer) e da comparabilidade entre leituras contemporâneas e as nossaspróprias.

De fato, é este o motivo pelo qual a questão do modernismo estético e do corpus dos textosmodernistas de todos os tipos vem sendo tão útil na elaboração e na reconstrução das váriasideologias da modernidade (se não nos próprios argumentos). Se ainda podemos ler Baudelaire com a devida intensidade, ou se essa premissa oculta parece fugir de nós, tambémdevemos ser capazes de reconstruir as diversas outras modernidades não estéticas ativas noseu tempo.

Vale a pena considerar o desafio, particularmente se deixarmos de lado as ubíquascaracterizações do novo, da inovação e do surgimento, e nos concentrarmos num aspectomuito menos mencionado (se é que de fato é mencionado), e que é o da medida. Assim, quemestiver familiarizado com a obra de Ezra Pound o estará também com a intensidade com queele perscrutava a “época atual”, em busca de indícios de energias modernistas, como irrupçõesparciais, inovações e também a destruição local do fora de moda (tanto em verso como em

prosa); em busca de pensamentos novos (comparáveis em grau com os de Cavalcanti ou JohnAdams); de uma intensidade que prometesse uma cultura totalmente nova (George Antheil,

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Mussolini) (1), Essas medidas são de uma espécie datada, não importam quais as suascoordenadas (sociabilidade mais eletrificação poética). Elas não expressam alguma esperançavaga pelo futuro, mas sim perscrutam a esfera pública atrás de indícios e de soluções cujaprecisão chega ao próprio ideal de precisão em torno do qual organizou-se a poética de Pound.

Ou tome-se Walter Benjamin, em sua medida incrivelmente geopolítica de outra cultura

adjacente:

“As correntes intelectuais podem gerar uma fonte de água, suficiente para que o crítico nelainstale a sua usina de força. No caso do surrealismo, o seu acesso se produz pela diferença denível intelectual entre a França e a Alemanha. O que brotou na França, em 1919, num pequenocírculo de literati (...) pode ter sido apenas um frágil regato, alimentado pelo tédio mofado daEuropa do pós-guerra e pelo último gotejar da decadência da França. (...) [Mas] o observador alemão não está na parte superior da corrente. É esta a sua oportunidade: ele está no vale e,assim, pode avaliar as energias do momento.”(2)

Pode-se perceber o desnorteamento do pós-moderno nas suas desesperadas tentativas dereconstruir essas operações e detectar inovações em obras que explicitamente renunciaram àoriginalidade.

Mas talvez seja melhor prosseguirmos sem essas medidas, essas tentativas de ler “obarômetro da razão moderna”, como fala Vincent Descombes, em recente contribuição àreação contra a teoria contemporânea. Descombes organiza a sua argumentação como umadiferenciação entre as “ontologias do presente” (que ele também chama de “filosofias dos fatosatuais”) e (segundo Habermas) os “discursos de e sobre a modernidade”. É uma distinção queesclarece muito minha própria posição, oposta à dele, e que recomenda prosseguirmos aomáximo com o projeto de uma ontologia do presente, abandonando as estéreis tentativas dereinventar um discurso de modernidade. Deveríamos acrescentar que Descombes, segundoRorty, não só baseia a sua opinião sobre ontologia no repúdio às ambições filosóficas emgeral , como também enquadra esse projeto filosófico particular de maneira exageradamenteestreita, substituindo aquilo que Heidegger chamaria de ôntico, pelo ontológico (“o presentecomo presente (...), o inacabado como inacabado (...), o passado como passado”) (3). Uma

verdadeira ontologia não apenas pretenderia registrar as forças do passado e do futuro dentrodaquele presente, mas também procuraria diagnosticar, como faço, o enfraquecimento e ovirtual eclipse daquelas forças dentro do nosso atual presente.

Não se pode recomendar o abandono total de um termo como o de “modernidade” semassumir a ridícula posição dessas pessoas obsessivas, em cuja presença os nossos amigosnos avisam para não empregarmos essa palavra tão ofensiva. De qualquer modo, sugeri que otermo “modernidade”, aplicado exclusivamente ao passado, constitui um tropo útil na geraçãode narrativas históricas alternadas, apesar de todo o peso de ideologia que, necessariamente,ele continua a carregar. Quanto à ontologia do presente, entretanto, o melhor é nosacostumarmos a pensar “o moderno” como um conceito (ou pseudoconceito) unidimensional,que nada traz consigo de historicidade ou de futuridade. Isso quer dizer que tampouco o termo“pós-moderno” designa um futuro (mas sim, quando usado adequadamente, o nosso próprio

presente), ao passo que o “não-moderno” é inevitavelmente puxado para trás, para um campode forças no qual tende a ter exclusivamente a conotação de “pré-moderno” (e de designá-lo,igualmente, em nosso próprio presente global). Alternativas radicais, transformaçõessistêmicas, não podem ser teorizadas ou sequer imaginadas dentro do campo conceitual regidopela palavra “moderno”. É isso, provavelmente, o que se passa também com a noção decapitalismo: mas, se eu recomendo o procedimento experimental de substituir capitalismo por modernidade, em todos os contextos em que o termo aparece, trata-se de uma recomendaçãoantes terapêutica do que dogmática, destinada a excluir velhos problemas (e produzir outrosnovos e mais interessantes). Precisamos realmente é de um deslocamente em bloco datemática da modernidade pelo desejo chamado Utopia. Precisamos combinar a missãopoundiana de identificar as tendências utópicas com uma geografia benjaminiana de suasforças, com uma avaliação da sua pressão sobre o que constituem agora múltiplos níveis domar. As ontologias do presente requerem arqueologias do futuro, não previsões do passado.

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dizer que não existe mais, portanto, uma "cultura de massa". De qualquer maneira, penso queo velho dever da cultura de massa -transformar os cidadãos em consumidores- é aindapredominante; ainda que haja itens culturais de massa diferenciados, o mesmo processo estápresente, o despertar do desejo de consumir e produzir vidas dedicadas ao consumo, o quantoisso for possível. Também é necessário adicionar a isso a idéia de que a distinção de públicoconsumidor nos EUA não impede suas sobreposições. O público branco consome uma grande

quantidade de cultura de massa produzida pelos negros.

Folha - No mesmo discurso, o presidente cita que o chassi de veículos da Volkswagen estãolevando agora a assinatura daquele que finalizou o trabalho e compara o operário com oartesão. O sr. acredita que a produção cultural, na chamada era pós-moderna, cria umaespécie de novo artesão?

Jameson - Existe uma questão que indaga se os "trabalhadores cibernéticos", trabalhadoresem uma nova indústria, automatizada e computadorizada, são ainda trabalhadores no antigosentido do termo. Acho que, mais uma vez, a idéia se refere à noção de produção "flexível", noqual os produtos se modificam segundo especificações de um pequeno segmento do público.Mas a imagem do artesão, essencialmente, se refere à questão da satisfação no trabalho. Euduvidaria que os trabalhadores da Volkswagem têm o mesmo tipo de satisfação que seus

antepassados, trabalhadores manuais -embora provavelmente estejam muito satisfeitos por ter um emprego, em primeiro lugar. Por outro lado, junto a artesãos e trabalhadores da velhaindústria, está uma massa -estrutural- de permanentes desempregados. Mas eu duvido que ostrabalhadores da América tenham esse sentimento, o que talvez não seja errado atribuir aosalemães e japoneses; penso também que alguma coisa do "sentimento artesanal" vem não dotrabalho, mas de uma "autogestão", do espírito de grupo ou do etos.

Folha - Mas o sr. acredita que a comparação entre carros e produtos culturais revela que oproduto cultural perdeu sua relevância ou especificidade?

Jameson - Não me parece muito válida a comparação entre carros e programas de televisão.Uma das características da pós-modernidade é a transformação da cultura em economia e daeconomia em cultura. É uma imensa "desdiferenciação" (se você não se importa com essa

horrível palavra), na qual as antigas fronteiras entre a produção econômica e a vida culturalestão desaparecendo. Cultura é negócio, e produtos são feitos para o mercado. Carros sãobens culturais, à medida que apelam para o imaginário e libidinal (em relação aosinvestimentos) de um público sofisticado.

Folha - Talvez, de certa forma, o surgimento dos grandes conglomerados, especialmente os dediversão, ajude a aprofundar essa indiferenciação de fronteiras entre o econômico e o cultural.

Jameson - Não. Acredito que isto seja parte de um processo de monopolização implícito nocapitalismo; mas, como você sugere, é um processo contraditório, no qual, para o público quevaloriza as diferenças (ainda que em um nível superficial), as companhias -não as corporações-estão produzindo uma totalidade de produtos que devem ser artificialmente "variados".

Folha - O sr. acredita que a crítica formulada pela Escola de Frankfurt à indústria cultural está,de alguma forma, ultrapassada?

Jameson - Não acho que as idéias básicas da Escola de Frankfurt são hoje irrelevantes, mas,para traduzi-las para o nosso tempo, nós temos que voltar às mudanças ocorridas na cultura demassa, sobre o que já falamos em sua primeira pergunta. Cultura de massa não é mais umconjunto de comédias de rádio, musicais e romances de Hollywood. É uma produção muitomais sofisticada, feita por pessoas talentosas em uma atmosfera saturada de idéias,mensagens e lembranças de antigos trabalhos e textos. Mas a padronização está aindapresente em formas subliminares. Acima de tudo, na lógica da "coisificação", que é a intençãofinal de transformar objetos de todos os tipos em mercadorias. Se esses objetos são estrelasde cinema, sentimentos ou experiência política não importa.

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Folha - A possibilidade da feitura de produtos culturais que pregam a interatividade com oindivíduo significaria, de algum modo, que esses mesmos indivíduos estariam saindo da esferada cultura de massa para uma possível cultura de participação?

Jameson - Como sugeri ao longo dessa conversa, o consumidor hoje sabe muito mais e temmaiores padrões de exigência. Também ele, ou ela, é mais "auto-reflexivo" e tem uma imensa

experiência de outros textos, imagens e músicas e por isso gosta de comparar os produtos. Oresultado é uma cultura de alusão e referências cruzadas. Mas não acho que essa seja umagenuína forma de participação; a sobrevivência dos mercados deriva da capacidade deantecipar as demandas. Isso não é exatamente a mesma coisa que discutir com os produtoresou produzir sua própria cultura. Se assim fosse, seria uma "não-coisificação". Nos EUA, nóstemos virtualmente perdido a memória desse tipo de produção participativa. O que acontecesucessivamente (como em certos tipos de música) é que tudo se transforma em produto paradepois ser devolvido ao mercado. De qualquer maneira, a assim chamada "liberdade" domercado não inclui a liberdade de não consumir, ou de se retirar da situação criada pelo própriomercado.

Folha - O sr. acredita que as palavras "arte" e "artista" ainda têm algum sentido?

Jameson - A maioria das pessoas associa palavras como "arte" e "artista" com o sentido queganharam nos antigos conceitos do modernismo ou, ainda, nos primórdios da história e dasociedade. Em uma sociedade de imagem e informação, provavelmente precisamos de outrostermos para essas mesmas funções: na produção cultural e artística, também aquelacoletivização que Marx descobriu no capitalismo está em processo. Há pouquíssimos "estetas"ou "empreendedores culturais" capazes de ultrapassar suas próprias limitações e mostrar umaoriginalidade radical. Mas há, obviamente, várias pessoas que produzem arte de todos os tipos.Dizer que eles são artistas pós-modernos significa registrar o tipo de mudança que suapergunta implica.

Folha - Há algum tipo de saída para a cultura no futuro, que vive agora emaranhada em novasrelações - nem sempre positivas - com a economia e a sociedade?

Jameson - A idéia que temos que manter em mente é a de que a produção tecnológica eindustrial está emergindo agora como produção cultural. Produzir um carro, um disco ou umvídeo tornou-se igualmente complicado, e todos demandam a participação de muitas pessoas.O que a cultura tem que aprender a fazer é descrever essa situação, usando a própriaprodução tecnológica e industrial. Tornar-se consciente, didática e pedagógica e nos ensinar alguma coisa útil a respeito dessas novas coisas e desses novos métodos. A tecnologia não éneutra; assim como os grandes avanços de nosso tempo, ela pode ser adaptada para umaprodução genuinamente popular e culturalmente enriquecedora em um tipo diferente desociedade. Os poucos "artistas" de nosso tempo que ainda acreditam que a mudança épossível necessitam inventar novas formas para causar um curto-circuito na comercializaçãocultural que falamos aqui. E também explorar a natureza e a estrutura da sociedade quevivemos hoje.

Fonte: Folha de São Paulo, Caderno Mais! 19/11/1995.

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A viabilidade atual do marxismo: Fredric Jameson discute o lugar da cultura na crítica aocapitalismo

Fernando De Barros E Silva

O debate "Cinco Teses Sobre o Marxismo Atualmente Existente", promovido pela Folha e pelaEditora Ática na última segunda-feira à noite, acabou se constituindo numa discussão sobre aviabilidade do marxismo não apenas enquanto alternativa de conhecimento, mas sobretudocomo crítica global do capitalismo, no momento em que esse mesmo marxismo parece ter 

perdido a capacidade de falar de forma pertinente sobre os rumos da história universal paraconfinar-se numa espécie de crítica da cultura, um método entre outros.

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Diante de cerca de 130 pessoas, que lotaram o auditório da Folha, debateram FredricJameson, professor de literatura da Duke University (Carolina do Norte, EUA), autor de Pós-Modernismo - a Lógica Cultural do Capitalismo Tardio (1991), o crítico literário e professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas, Roberto Schwarz, e o professor doDepartamento de Filosofia da USP, Paulo Arantes. Idealizadora do evento, a professora de

literatura da USP, Maria Elisa Cevasco fez a introdução ao debate, que teve mediação do jornalista Rogério Simões, coordenador de Artigos e Eventos da Folha. Coube a Jameson,através da leitura de seu "paper" que deu título ao debate, provocar a discussão. Retomandoem vários pontos o esquema de seu livro, o crítico norte-americano reivindicou que na atualfase do capitalismo, batizada por ele de tardio, numa referência explícita a O CapitalismoTardio (1972), de Ernest Mandel, a lógica do sistema é predominantemente cultural.

"O marxismo, daqui em diante, deverá ter um caráter mais cultural, referindo-sefundamentalmente àquele fenômeno que até aqui foi conhecido como reificação da mercadoriae consumismo", disse Jameson. A seguir, completou: "O fato de que a cultura se tornou emlarga escala um negócio tem como consequência que muito daquilo que costumava ser considerado especificamente econômico e comercial se tornou também cultural". Foi a partir deste diagnóstico do crítico norte-americano que o filósofo Paulo Arantes armou a sua série de

objeções. Disse, em primeiro lugar, que a periodização do capitalismo feita por Mandel é usadapor Jameson de forma indevida. Aquilo que o primeiro chama de "capitalismo tardio", sustentouArantes, refere-se à época de ouro do capitalismo, aos 30 anos do pós-guerra em que oWelfare State manteve as tendências destrutivas do mercado em regime de rédea curta. Operíodo a que Jameson se reporta para defini-lo como "capitalismo tardio" começa exatamentequando a fase analisada por Ernst Mandel entra em declínio.

Avançando na crítica, Arantes sugeriu que Jameson, ao reivindicar a primazia da crítica culturalpara o marxismo, transforma-o numa espécie "culturalismo, muito engenhoso, masculturalismo". Sem articular tal crítica à gênese histórica e econômica da atual fase capitalista,o marxista ficaria de mãos atadas. "Sem isso estamos decretando uma espécie de fim de linha,ficamos desarmados, apenas com a metade da laranja, que não explica nada", disse o filósofo.Uma das pistas para desatar esse nó, concluiu Arantes, é o último livro do historiador e

economista Giovanni Arrighi, O Longo Século 20, cujo esforço gigantesco é o de entender aatual onda de mundialização, referindo-a à história do capitalismo desde o início de suaformação, há cinco séculos.

Roberto Schwarz, que falou antes de Arantes, tomou um atalho inusitado para engatar sua falaà crítica do fetichismo da mercadoria feita por Marx, sobretudo aquele que afirma que oprocesso histórico se faz à revelia e pelas costas dos sujeitos. Partindo da análise da históriabrasileira, Schwarz sugeriu que o longo período compreendido entre os governos de GetúlioVargas e Ernesto Geisel pode ser lido hoje como um grande esforço de modernização do paíse de vontade de afirmação nacional. Hoje, completou o crítico, podemos estar vivendo umsegundo tempo desse processo, em que esse projeto de construção nacional parece estar sendo "aspirado pelo capitalismo globalizado". Seria preciso, segundo Schwarz, retomar, naesteira do Marx de O Capital, "a teoria da cegueira do processo histórico contemporâneo", o

que, na sua avaliação, exige um esforço de auto-crítica muito grande no caso dos marxistasbrasileiros, já que eles mesmos foram atores dessa cegueira em seu esforço de encontrar umasaída para o Brasil. Já que o capital parece estar sozinho em campo, disse Schwarz, essa é ahora de retomar a sua crítica. "Os intelectuais até aqui parecem ter escolhido o contrário".

Fonte: Folha de São Paulo, Caderno Mais! 16/06/1996.

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