frederick forsyth - sem perdão

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    Mark Sanderson gostava das mulheres. Da mesma formacomo gostava dos steaks do gado de corte Aberdeen Angus, sem-pre ao ponto, acompanhados por uma salada de alface. Consumiaa ambos com igual prazer, se bem que passageiro. E cada vez quese sena um pouco esfomeado, por uma coisa ou outra, telefonavapara o fornecedor apropriado e encomendava o que precisava nomomento, a ser enviado para a sua penthouse. Podia se dar a esse

    luxo, pois era vrias vezes milionrio. E em libras esterlinas, diga-sede passagem, o que sempre vlido destacar nestes tempos con-turbados, pois custam cada uma pelo menos dois dlares.

    Como a maioria dos homens ricos e bem-sucedidos, MarkSanderson nha trs vidas: a vida pblica e prossional, como omagnata que conquistara a City, o centro nanceiro de Londres; avida parcular, que no necessariamente o que nisso est implci-

    to, pois alguns homens levam uma vida parcular sob os reetoresda publicidade; e a vida secreta.

    A primeira era regularmente nociada nas colunas nancei-ras dos jornais e nos programas de TV. Ao nal dos anos 50, elecomeara a trabalhar para um corretor imobilirio, no West End de

    Frederick Forsyth

    Sem perdo

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    Londres, com pouca educao formal, mas com um crebro excep-cional para descobrir um negcio lucravo. Aprendera as regras do

    jogo em dois anos. E, o que era ainda mais importante, aprenderatambm a viol-las legalmente. Realizara o seu primeiro negcio

    sozinho aos 23 anos de idade, alcanando um lucro de 10 mil librascom a venda de uma propriedade residencial em St. Johns Wood.Fundara a Hamilton Holdings, que 14 anos depois connuava a sero centro de sua riqueza. Dera o nome empresa em homenagemao primeiro negcio prprio que realizara, pois a propriedade -cava em Hamilton Terrace. Fora a sua lma atude senmental.No incio dos anos 60, deixara o mercado de compra e venda de

    imveis residenciais, com seu primeiro milho de libras, passandoa dedicar-se incorporao de prdios de escritrios. Em meadosdos anos 60, j valia quase 10 milhes de libras e comeara a di-versicar seus invesmentos. Seu toque de Midas era to aladoem avidades nanceiras, bancrias, na indstria qumica ou embalnerios do Mediterrneo quanto fora em St. Johns Wood. Os

    jornalistas nanceiros nociavam, as pessoas nociavam e, em de-

    corrncia das aes de seu conglomerado de dez empresas, sob ocomando da Hamilton Holdings, subiam constantemente.

    O nocirio sobre a sua vida parcular podia ser encontradonos mesmos jornais, algumas pginas antes. Um homem com umapenthouse em Regents Park, uma manso elisabetana em Worces-tershire, castelo no Vale do Loire, villa em Cap dAnbes, iate, Lam-borghini, Rolls Royce e uma sucesso aparentemente interminvel

    de jovens e atraentes starlets fotografadas em sua companhia, ouimaginadas em sua cama redonda de quatro metros, tende a exer-cer um fascnio compulsivo sobre os colunistas sociais. Nocias so-bre uma audincia de divrcio de um milho de dlares de umaarsta de cinema ou um processo de paternidade de uma obscu-ra candidata a Miss Mundo poderiam t-lo arruinado nos anos 50,mas no incio dos anos 70 servia simplesmente para provar se que isso era necessrio e aparentemente hoje em dia que eleera capaz de tais faanhas, o que constui algo extraordinrio obastante para despertar admirao entre as pessoas In do WestEnd de Londres. Mark Sanderson era de fato um homem que vivia

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    nas colunas.A vida secreta era algo diferente e podia ser resumida numa

    s palavra: tdio. Mark Sanderson sena-se profundamente ente-diado com toda a caada feminina. O lema que zera para si mesmo,

    O que Mark quer, Mark consegue, transformara-se num gracejoamargo. Aos 37 anos, at que era atraente, embora um tanto car-rancudo, ao eslo Brando, sicamente capaz e terrivelmente solit-rio. Sabia que queria apenas uma e no centenas de mulheres, umas mulher que lhe desse lhos e uma casa no campo a que pudessechamar de lar. Sabia tambm que era extremamente improvvelencontrar uma mulher assim, pois nha uma idia denida do que

    queria e jamais encontrara nenhuma que correspondesse s suasexpectavas, em mais de dez anos. Como a maioria dos conquista-dores ricos, Mark Sanderson s caria impressionado por uma mu-lher que, sinceramente, no se impressionasse com ele. Ou, pelomenos, no se impressionasse com a sua personalidade pblica,a que representava dinheiro, poder e reputao. Ao contrrio damaioria dos conquistadores, ele ainda nha capacidade suciente

    de auto-anlise para admir isso, pelo menos para si mesmo. Admi--lo publicamente signicaria a morte pelo ridculo.

    Ele nha a certeza quase absoluta que jamais encontrariauma mulher assim, at o incio do vero. Aconteceu numa festa decaridade, o po de coisa em que todos se entendem invariavelmen-te e o pequeno saldo que sobra do dinheiro do ingresso d paraenviar uma gela de leite para Bangladesh. Ela estava do outro lado

    da sala, escutando um homem pequeno e gordo, que exibia umcharuto imenso para compensar. O meio sorriso sereno que a mu-lher nha no rosto no dava qualquer indicao se achara graa daanedota ou dos trejeitos do homem, que tentava dar uma olhadamelhor em seu decote.

    Sanderson aproximou-se e, graas ao aceno de cabea paraum produtor de documentrios, conseguiu ser apresentado. Elase chamava Angela Summers. A mo que apertou a dele era friae comprida, com unhas perfeitas. A outra mo, segurando o queparecia ser um copo com gim e tnica, mas que no nal das contasera apenas tnica, exibia uma na aliana de ouro no terceiro dedo.

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    Sanderson no se preocupou com isso, pois as mulheres casadaseram to fceis quanto quaisquer outras. No demorou a enxotar oprodutor e levou-a para um canto, querendo ter uma conversa maissossegada. Fisicamente, Angela Summers o impressionara, o que

    era raro, alm de excit-lo, o que era comum.Era uma mulher alta e empergada, com um rosto sereno e

    atraente, se bem que no fosse uma beleza em moda. O corpo cer-tamente estava fora de moda na obsesso pela magreza dos anos70, com seios generosos, cintura na, quadris amplos e pernascompridas. Os cabelos castanhos lustrosos estavam enrolados atrsda cabea; pareciam ser mais saudveis do que dispendiosos. Usa-

    va um vesdo branco simples, que realava o dourado da pele, noostentava jias e via-se apenas um toque de maquilagem em tornodos olhos, o que era mais do que suciente para disngui-la das ou-tras mulheres da sociedade presentes. Sanderson calculou que eladevia ter 30 anos e posteriormente descobriu que nha 32 anos.

    Presumiu que o bronzeado provinha das habituais frias deinverno nos centros de esquiao, prolongando-se at abril, ou de

    um cruzeiro de primavera pelas Carabas, indicando que ela ou omarido dispunham de dinheiro suciente para viverem assim, oque tambm acontecia com outras mulheres na sala. Sandersonestava errado nas duas suposies. Descobriu mais tarde que elae o marido viviam numa pequena casa na costa espanhola, com opouco que ele conseguia ganhar com seus livros sobre pssaros,acrescido do dinheiro recebido pelas aulas de ingls que ela dava.

    Por um momento, Mark Sanderson pensou tambm, peloscabelos e olhos escuros, o porte alvo e a pele dourada, que Ange-la Summers era espanhola de nascimento. Mas ela era to inglesaquanto ele. Angela contou que viera visitar os pais em Midlands euma anga colega de colgio sugerira que passasse uma semanaem Londres, antes de voltar Espanha. Era uma pessoa fcil de con-versar. No o lisonjeou, o que aprazia ao nimo dele, assim comotambm no desatava a rir exageradamente ao ouvir algum comen-trio ligeiramente diverdo.

    O que acha de nossa sociedade de West End? perguntouSanderson, os dois de costas para uma parede, observando a festa.

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    Provavelmente o que eu no deveria pensar respondeuAngela, pensava.

    Parecem um bando de periquitos murmurou Sanderson,bruscamente.

    Angela alteou uma sobrancelha. Sempre pensei que Mark Sanderson fosse um dos pilares

    dessa sociedade.Ela estava provocando-o, genlmente, mas tambm com r-

    meza. Ser que os nossos feitos chegam at a Espanha? At mesmo na Costa Blanca podemos encontrar o Daily Ex-

    press respondeu Angela, impassvel. Inclusive a vida e aventuras de Mark Sanderson? At mesmo isso. Est impressionada? Deveria car? No. Pois ento no estou.

    A resposta deixou Mark Sanderson aliviado. Fico contente por isso. Mas eu poderia saber por qu?Angela pensou por um instante.

    um mundo falso, arcial. Inclusive eu?Sanderson contemplou o suave subir e descer dos seios sob

    o vesdo branco de algodo, enquanto ela corria os olhos ao redor.

    No sei disse Angela, muito sria. Descono que, se -vesse uma oportunidade, poderia se tornar uma boa pessoa.

    A resposta deixou Sanderson aturdido e ele disse, brusca-mente:

    Pode estar enganada.Mas Angela limitou-se a sorrir, tolerantemente, como se para

    um garonho rebelde. Os amigos de Angela vieram busc-la algunsminutos depois e cumprimentaram Sanderson efusivamente.

    Estavam de sada. No caminho para o saguo, Sanderson sus-surrou um convite para jantarem fora na noite seguinte. H anosque no fazia tal convite dessa maneira. Angela no fez qualquer

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    comentrio sobre os perigos de ser vista em sua companhia, cer-tamente presumindo que ele a levaria a algum lugar que no hou-vesse fotgrafos. Ela pensou no convite por um momento e depoisdisse:

    Est certo. Acho que ser agradvel.Sanderson pensou nela durante toda aquela noite, ignorando

    a modelo esquelca e esperanosa que encontrara no incio damadrugada no Annabels. Ficou deitado de costas, inteiramente nu,olhando para o teto, a mente povoada por uma viso de fantasiados cabelos castanhos lustrosos estendidos sobre o travesseiro aolado, a pele dourada se arrepiando ao seu contato. Estava disposto

    a apostar que ela dormia serenamente, como parecia fazer tudo omais.

    Sanderson estendeu a mo no escuro para acariciar os seiosda modelo, mas encontrou apenas o peito achatado de uma mulherque passava fome em dietas, ouvindo uma exclamao exageradade excitamento simulado. Deixou a cama e foi para a cozinha, pre-parando um caf.

    Foi tom-lo na sala de estar s escuras. Ainda estava sentadoali, olhando sobre as rvores do parque, quando o sol se levantouacima dos distantes pntanos Wanstead.

    Uma semana no muito tempo para se ter um romance,mas pode ser suciente para mudar uma vida. Ou duas ou mesmotrs. Na noite seguinte, Sanderson foi ao encontro de Angela, quedesceu para encontr-lo no carro. Os cabelos estavam presos no

    alto da cabea, ela usava uma blusa branca franzida, com mangasbufantes, terminando em rendas nos punhos, o cinto preto largo ea maxissaia preta. O traje deixava-a com uma aparncia eduardianaanquada que Sanderson achou excitante, porque contrastava comos pensamentos que acalentara em relao a ela na noite anterior.

    Angela falava com simplicidade, mas com inteligncia. E sabiaescutar quando ele falava a respeito de negcios, o que raramenteacontecia com as mulheres. medida que a noite foi avanando,Sanderson foi compreendendo que o que j sena por ela no erauma atrao passageira nem mesmo simples desejo. Admirava-a.Ela possua uma grande calma interior, um equilbrio e uma sereni-

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    dade que deixavam-no descansado e relaxado.Sanderson descobriu-se falando mais e mais livremente a

    respeito de coisas que geralmente guardava para si, como as suasavidades nanceiras, o tdio com a sociedade permissiva, que ao

    mesmo tempo desprezava e desfrutava, como uma ave de rapina.Angela parecia no apenas saber como tambm compreender, oque muito mais importante numa mulher do que o mero conhe-cimento. Ainda estavam conversando calmamente numa mesa docanto depois da meia-noite, enquanto o restaurante se preparavapara fechar. Angela recusou, da maneira mais delicada possvel, su-bir at a penthouse para um lmo drinque, o que h anos no

    acontecia com Sanderson.No meio da semana, Sanderson j admia para si mesmo que

    estava apaixonado como um garoto de 17 anos. Perguntou a An-gela qual era o seu perfume predileto. Ela respondeu que era MissDior e que, s vezes, comprava um vidro pequeno no avio, livre deimpostos. Sanderson mandou um subordinado a Bond Street e, na-quela noite, presenteou-a com o maior vidro de Miss Dior que havia

    em Londres. Ela aceitou com um prazer em que no havia qualquerafetao e depois apressou-se em protestar por causa do tamanho.

    muito exagerado.Sanderson senu-se embaraado e murmurou:

    Eu queria lhe dar algo especial... Deve ter custado uma fortuna disse Angela, em tom de

    censura.

    Isso no faz qualquer diferena para mim. No duvido e acho muita genleza da sua parte. Mas nunca

    mais deve comprar coisas assim. uma extravagncia inadmissvel.Sanderson telefonou para a sua manso de Worcestershire

    antes do nal da semana e determinou que ligassem o sistema deaquecimento da piscina. No sbado, seguiram para l de carro, am de passarem o dia. Tomaram um banho de piscina, apesar dovento frio de maio, que obrigou-o a mandar que instalassem telasde vidro mveis em torno de trs quartos da piscina. Quando An-gela saiu do vesrio, num mai branco inteiro, Sanderson prendeua respirao abruptamente. Ela era uma mulher sensacional, sob

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    todos os aspectos, pensou ele.A lma noite em que saram foi na vspera da parda de

    Angela para a Espanha. Na escurido do Rolls, estacionado numarua transversal nas proximidades do quarteiro em que ela esta-

    va hospedada na casa da amiga, beijaram-se por um longo tempo.Mas quando Sanderson tentou enar a mo sob o vesdo, Angelatratou de r-la, genl mas rmemente, largando-a no colo dele.

    Sanderson props que ela largasse o marido e pedisse o di-vrcio, para se casarem. Como era evidente que ele estava falandoa srio, Angela encarou a sugesto tambm a srio e sacudiu a ca-bea.

    Eu no poderia fazer isso. Eu a amo. E no apenas uma paixo passageira, mas sim

    absoluta, total. Sou capaz de fazer qualquer coisa por voc.Angela olhou xamente para a frente, atravs do pra-brisa,

    contemplando a rua escura. No duvido, Mark. E por isso mesmo que no deveramos

    ter ido to longe. Eu deveria ter percebido antes e parado de v-lo.

    Voc me ama? Pelo menos um pouco? Ainda muito cedo para dizer. No posso ser pressionada a

    responder desse jeito. Mas poderia me amar? Agora ou algum dia?E, novamente, Angela teve o senso feminino de encarar a per-

    gunta a srio. Acho que poderia. Ou melhor, poderia t-lo amado. muito

    diferente do que aparenta e do que a sua reputao tenta estabele-cer. Por baixo de todo o cinismo, realmente um tanto vulnervel.E isso mo.

    Pois ento largue o seu marido e case comigo. No posso fazer isso. Sou casada com Archie e no posso

    deix-lo.Sanderson senu um impulso de raiva contra o homem des-

    conhecido na Espanha, que se interpunha em seu caminho. O que ele tem que eu no posso oferecer-lhe?Angela sorriu, um tanto tristemente.

    Nada. Archie, na verdade, um tanto fraco e no muito

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    ecaz... Ento por que no o larga? Porque ele precisa de mim. Tambm preciso.

    Ela sacudiu a cabea. No, no precisa realmente. Voc me quer, mas pode sobre-

    viver sem mim. Archie no pode. No tem foras sucientes paraisso.

    No apenas a quero, Angela. Eu a amo, com uma intensida-de maior do que qualquer outra coisa que j me aconteceu antes.Eu a adoro e desejo.

    Depois de uma pausa prolongada, ela murmurou: No est compreendendo, Mark. As mulheres amam ser

    amadas, adoram ser adoradas. E desejam ser desejadas. Mais doque todas essas coisas juntas, porm, necessitam ser necessrias. EArchie precisa de mim, como do ar que respira.

    Sanderson esmagou o seu Sobranie no cinzeiro. E por isso ca com ele... at que a morte nos separe.

    Angela no reagiu ironia, limitando-se a acenar com a cabe-a e virar-se para t-lo.

    justamente isso. At que a morte nos separe. Lamentomuito, Mark, mas assim que eu sou. Em outra ocasio, em outrolugar, e se eu no esvesse casada com Archie, poderia ter sido di-ferente e provavelmente seria. Mas sou casada com o meu maridoe ponto nal.

    Angela paru no dia seguinte. Sanderson mandou seu moto-rista lev-la ao aeroporto, a m de pegar o avio para Valncia.

    H muitas gradaes entre amor e necessidade, paixo e de-sejo. Qualquer um desses senmentos pode tornar-se uma obses-so na mente de um homem. No caso de Mark Sanderson, todas asquatro coisas foram se transformando em obsesso, que aumentoucom a solido crescente, enquanto maio virava junho. Nunca antesfora-lhe recusada qualquer coisa. E, como a maioria dos homens depoder, ampliado ao longo de uma dcada, tornara-se um aleijadomoral. Para ele, havia etapas lgicas e precisas do desejo deter-minao, concepo, planejamento e execuo. E tudo terminava

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    inevitavelmente em aquisio. No incio de junho, Mark Sandersondecidiu adquirir Angela Summers. E a frase que lhe martelava inces-santemente a cabea, durante o estgio de concepo do mtodo,era do ritual cristo: at que a morte nos separe. Se Angela fosse

    uma mulher diferente, impressionada por riqueza, luxo, poder, po-sio social, no haveria qualquer problema. Por um lado, ele pode-ria ofusc-la com a riqueza suciente para conquist-la; por outro,Angela seria uma mulher diferente e ele no caria to obcecado.Mas ele estava comeando a dar voltas num crculo e isso acabariapor lev-lo loucura. E s havia um meio de romper o crculo.

    Sanderson alugou um pequeno apartamento no nome de

    Michael Johnson, entrando em contato com a administradora pelotelefone e pagando um ms de aluguel e um ms de depsito emdinheiro, atravs de uma remessa postal registrada. Explicando quechegaria a Londres de madrugada, pediu que deixassem a chavedebaixo do capacho.

    Usando o apartamento como base, entrou em contato comuma agncia de invesgao de Londres, do po que no queria

    saber se o objevo era ou no legal, informando o que desejava.Tomando conhecimento de que o cliente queria permane-

    cer annimo, a agncia comunicou que precisava receber dinheiroadiantado. Sanderson mandou 500 libras em dinheiro, por entregaespecial.

    Uma semana depois, chegara uma carta para o Sr. Johnson,informando que a misso j fora concluda e que o custo se elevava

    a mais 250 libras. Sanderson enviou o dinheiro pelo correio e, trsdias depois, recebeu o dossi que encomendara. Havia uma biogra-a sumria que Sanderson leu rapidamente, uma fotograa radada capa de um livro sobre pssaros do Mediterrneo, que h muitosara de circulao, aps vender apenas algumas dezenas de exem-plares, vrias outras fotos mais recentes, radas com uma teleobje-va. Mostravam um homem pequeno, de ombros estreitos, bigodeno, queixo dbil. O Major Archibald Clarence Summers (Ela nopodia abandonar o major!, pensou Sanderson, furiosamente, lem-brando-se que fora apenas cabo durante o servio militar), ocialbritnico expatriado, vivia numa pequena villa a menos de um qui-

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    lmetro da costa, nos arredores de uma aldeia espanhola que aindano se transformara em atrao tursca, na metade do caminhoentre Alicante e Valncia. Havia diversas fotos da villa e nalmenteum resumo da rona ali: o caf da manh no pequeno po, as

    visitas matunas da mulher ao Casllo, para ensinar ingls s trslhas da condessa, o seu banho de sol e mergulhos na praia entretrs e quatro horas da tarde, invariavelmente, enquanto o majortrabalhava em suas anotaes sobre os pssaros da Costa Blanca.

    Ele iniciou o estgio seguinte comunicando ao pessoal do es-critrio que permaneceria em casa at segunda ordem, mas man-tendo um contato dirio pelo telefone. A providncia agora era mu-

    dar sua aparncia.Um cabeleireiro que anunciava no Gay News foi de extrema

    ajuda, cortando os cabelos compridos de Sanderson para um es-lo bem rente, ngindo o castanho-escuro natural para um louroclaro. A operao levou mais de uma hora, duraria por cerca deduas semanas e foi acompanhada por arrulhos de admirao docabeleireiro.

    Sanderson seguiu direto para a garagem subterrnea de seuprdio e tomou o elevador para o apartamento, evitando o por-teiro do saguo. Telefonou para um contato em Fleet Street, a ruados principais jornais ingleses, obtendo o nome e endereo de umadas mais eminentes bibliotecas de Londres, especializadas em as-suntos contemporneos. Possua uma seo excepcional de obrasde referncias e uma abundante coletnea de recortes de jornais e

    revistas. Em trs dias, Sanderson obteve uma licena de leitura, emnome de Michael Johnson.

    Comeou com o tulo geral de Mercenrios. Havia diver-sos subtulos e ndices remissivos, como Mike Hoare, RobertDenard, John Peters e Jacques Schramme. Havia outras pastassobre Catanga, Congo, Imen, Nigria e Biafra, Rodsia e Angola.Sempre que um livro era mencionado, ele anotava o nome, ia seo da biblioteca geral, rerava o volume e lia. Havia livros comoHistory of Mercenaries, de Anthony Mockler, Congo Mercenary, deMike Hoare, e Firepower, que tratava exclusivamente de Angola.

    Depois de uma semana, um nome comeou a emergir do

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    emaranhado de retalhos. O homem parcipara de trs campanhase at mesmo o mais notrio dos autores falava dele cautelosamen-te. Ele no dera entrevistas e no havia qualquer fotograa sua nosarquivos. Mas era ingls. Sanderson nha de supor que ele se en-

    contrava em algum lugar de Londres.Anos antes, quando assumira o controle de uma companhia,

    cujo principal patrimnio era a parcipao em outros empreen-dimentos, Sanderson adquirira tambm diversas pequenas rmascomerciais, entre as quais uma importadora de charutos, um labo-ratrio de processamento de lme e uma agncia literria. Nuncase dera ao trabalho de livrar-se dessas rmas. Agora, foi na agncia

    literria que descobriu o endereo parcular do autor de um doslivros de memrias que lera na biblioteca. O editor original do ho-mem no vira movo para car desconado. O endereo era o mes-mo para o qual os minguados cheques de direitos autorais eramoutrora enviados.

    Ao visitar o mercenrio/escritor, sob o pretexto de ser daprpria editora, Sanderson deparou com um homem que h mui-

    to desmoronara e se entregara bebida, um homem em decadn-cia, vivendo apenas de recordaes. O ango mercenrio acalen-tou a esperana de que a visita pudesse anunciar uma reedio emais cheques de direitos autorais. Ficou visivelmente desapontadoquando soube que no era o caso. Mas voltou a se animar com ameno de uma substancial recompensa por uma informao.

    Apresentando-se como Mr. Johnson, Sanderson explicou que

    a editora ouvira falar de um certo colega do ango mercenrio queestaria pensando em publicar sua prpria histria. O nico proble-ma era o paradeiro do homem...

    O ex-mercenrio soltou um grunhido ao ouvir o nome. Com que ento ele vai sair limpo, hem? Isso me surpreende.Ele no foi capaz de prestar qualquer ajuda at a sexta dose

    de usque e a sensao de um mao de notas na mo. Rabiscounum pedao de papel e entregou-o a Sanderson.

    Quando o lho da me est em Londres, sempre bebe nestelugar.

    Sanderson foi at l naquela noite, um lugar tranquilo, por

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    trs da Earls Court. O homem que procurava apareceu na segundanoite. Sanderson no vira qualquer fotograa dele, mas havia umadescrio em um dos livros de memrias de mercenrios, inclusiveda cicatriz no queixo. Alm disso, o barman cumprimentou-o por

    um primeiro nome que tambm combinava. Era um homem alto eesguio, ombros largos, parecia estar em perfeitas condies sicas.No espelho por trs do bar, Sanderson observou o reexo dos olhossombrios e da boca mal-humorada, por cima da caneca de cerveja.Seguiu o homem at em casa, num quarteiro de apartamentos, a400 metros de distncia.

    Quando bateu na porta, dez minutos depois de observar da

    rua a luz se apagar l dentro, o mercenrio estava de camiseta ecala escura. Sanderson notou que, antes de abrir a porta, o ho-mem apagara a luz em seu prprio vesbulo, cando imerso nassombras. A luz no corredor iluminava o visitante.

    Mr. Hughes? indagou Sanderson.O homem alteou uma sobrancelha.

    O que voc quer?

    Meu nome Johnson... Michael Johnson. Quero ver o mandado judicial disse o homem, autorita-

    riamente. No se preocupe. Sou um cidado parcular. Posso entrar? Quem lhe disse onde poderia me encontrar? indagou Hu-

    ghes, ignorando a pergunta.Sanderson forneceu o nome do seu informante. E acrescen-

    tou: verdade que ele no vai se lembrar disso por mais de 24

    horas. Anda bebendo tanto que atualmente no consegue recordarnem o prprio nome.

    Uma insinuao de sorriso apareceu no canto da boca de Hu-ghes, mas no havia na expresso qualquer humor.

    Est certo. Isso combina com o que eu sei.Ele sacudiu a cabea na direo do interior do apartamento.

    Sanderson passou por ele, entrando na sala. Era esparsamente mo-biliada, em pssimo estado, ao eslo de milhares de apartamentosde aluguel na regio de Londres. Havia uma mesa bem no meio.

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    Hughes, logo atrs dele, gesculou para que Sanderson sentasse mesa. E depois sentou-se em frente a Sanderson.

    Qual o problema? Preciso que me faam um trabalho. Um contrato. Creio que

    assim que chamam um assassinato.Hughes tou-o atentamente, sem qualquer mudana de ex-

    presso. E perguntou, depois de um momento: Voc gosta de msica?Sanderson cou aturdido. Acenou com a cabea.

    Pois ento vamos ouvir alguma msica .Hughes levantou e foi at um rdio portl, numa mesa perto

    da cama, no canto. Enquanto ligava o rdio, a outra mo tateavapor baixo do travesseiro. Quando ele se virou, Sanderson desco-briu-se a olhar para o cano de uma automca Colt 45. Ele engoliuem seco, respirou fundo. A msica espalhou-se pela sala, enquantoHughes aumentava o volume do rdio. O mercenrio abriu a gavetada mesinha-de-cabeceira, os olhos ainda xados em Sanderson, porcima da automca. Pegou um bloco e um lpis, voltou para junto

    da mesa. Escreveu trs palavras na folha de cima do bloco, virandona direo de Sanderson. A ordem era simples: Tire as roupas.

    Sanderson senu que o estmago se contraa. Ouvira falarque homens assim podiam ser perverdos e cruis. Hughes ges-culou com a arma para que Sanderson se afastasse da mesa.

    Sanderson obedeceu. Tirou o palet, a gravata e a camisa, lar-gando no cho. No estava de colete. A arma tornou a gescular,

    para baixo. Sanderson desceu o zper da cala e deixou-a cair nocho tambm. Hughes observava sem qualquer expresso. E nal-mente falou:

    Muito bem, pode se vesr.Ainda empunhando a arma, mas apontando para o cho, ele

    foi at o canto e abaixou o volume da msica que saa pelo rdio.Voltou mesa e acrescentou:

    Jogue-me o palet.J vesdo outra vez com a cala e a camisa, Sanderson ps o

    palet em cima da mesa. Hughes apalpou-o. Pode ves-lo agora.

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    Sanderson o fez e depois tornou a sentar. Estava mesmo pre-cisando. Hughes sentou diante dele, largou a automca em cimada mesa, perto da sua mo direita, acendeu um cigarro francs.

    Por que tudo isso? indagou Sanderson. Pensou que eu

    estava armado?Hughes sacudiu a cabea lentamente.

    Percebi logo que no estava. Mas se esvesse com um mi-crofone escondido no corpo, eu enrolaria o o nos seus culhes eapertaria at o m, depois mandaria a gravao para o seu patro.

    Acontece que no estou armado, no estou gravando coisanenhuma e no tenho patro. Emprego a mim, s vezes a outros. E

    estou falando srio, tenho trabalho a fazer. Estou disposto a pagarmuito bem. E tambm sou discreto. No tenho outro jeito.

    No suciente para mim. Parkhurst est cheia de homensduros que conaram em gente de fala macia, mas sem muito bomsenso.

    No a voc que estou querendo declarou Sanderson,calmamente, fazendo com que Hughes novamente alteasse uma

    sobrancelha. No quero ningum que viva na Inglaterra ou tenharazes aqui. Eu prprio vivo aqui e isso j suciente. Quero umestrangeiro, para um trabalho no exterior. E estou disposto a pagarpelo nome.

    Do bolso interno do palet, Sanderson rerou um mao de50 notas novinhas de 20 libras, pondo em cima da mesa. Hughesobservava, impassivelmente. Sanderson dividiu as notas em duas

    pilhas, empurrando uma na direo de Hughes. Cuidadosamente,rasgou ao meio a outra pilha.

    Meteu no bolso uma pilha das metades rasgadas das 25 no-tas.

    As primeiras 500 libras so para tentar e as outras para con-seguir. E quando falo em conseguir, signica que o nome deve seencontrar comigo e concordar em aceitar o trabalho. E no precisase preocupar que no tem nada de complexo. O alvo no famoso.Ao contrrio, uma pessoa insignicante.

    Hughes olhou para as 500 libras sua frente. No fez qual-quer meno de recolh-las.

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    Posso conhecer um homem disse ele. Trabalhou comigoh alguns anos. No sei se ainda connua no ramo. Terei de desco-brir.

    Pode telefonar.

    Hughes sacudiu a cabea. No gosto das ligaes internacionais. H gente demais na

    escuta. Especialmente na Europa, hoje em dia. Terei de procur-lopessoalmente. Isso custa mais 200 libras.

    Est certo. Contra a entrega do nome. Como posso saber que voc no est me trapaceando? No pode disse Sanderson. Mas se eu o zer, tenho cer-

    teza de que vai querer se vingar. E no preciso disso... no por 700libras.

    E como voc pode saber que eu no vou trapace-lo? Tambm no posso. Mas acabarei encontrando um homem

    para fazer o servio. E sou rico o bastante para pagar dois contra-tos, ao invs de um. No gosto de ser enganado. Uma questo deprincpio, entende?

    Por dez segundos, os dois homens caram se olhando aten-tamente. Sanderson pensou que talvez vesse ido longe demais.Depois, Hughes tornou a sorrir. Mais largo desta vez, com genunasasfao. Recolheu as 500 libras em notas inteiras e mais a pilhade notas pela metade.

    Vou arrumar o nome que est querendo e marcar o encon-tro. Depois que se encontrar com o homem e combinar o servio,

    pode me remeter pelo correio as outras metades das notas, mais as200 libras pelas despesas. Mande para a caixa postal da agncia doscorreios de Earls Court, em nome de Hargreaves. Correspondnciacomum, um envelope bem fechado. No precisa ser registrada. Seno remeter nada uma semana depois do encontro, meu compa-nheiro ser avisado que voc um vigarista e romper o acordo.Entendido?

    Sanderson assenu. Quando terei o nome? Dentro de uma semana. Como posso entrar em contato

    com voc?

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    No pode. Eu entrarei em contato com voc.Hughes no se senu ofendido.

    Telefone para o bar em que esve esta noite. s 10 horasda noite.

    Sanderson telefonou na hora combinada, uma semana de-pois. O barman atendeu e um minuto depois Hughes estava na li-nha.

    H um caf na Rue Miollin, em Paris, onde se renem aspessoas do po que est procurando. Esteja l na prxima segunda-feira, ao meio-dia. O homem o reconhecer. Fique lendo o Figarodo dia, com a primeira pgina virada para o salo. Ele o conhecer

    como Johnson. A parr desse momento, o problema ser todo seu.Se voc no aparecer na segunda-feira, o homem voltar ao cafna tera e na quarta-feira, sempre ao meio-dia. Depois disso, nohaver mais negcio. E no se esquea de levar dinheiro vivo.

    Quanto? indagou Sanderson. Cerca de cinco mil libras, para ter uma margem de seguran-

    a.

    Como vou saber que no haver pura e simplesmente umassalto a mo armada?

    No saber. Mas ele tambm no saber se voc est comum capanga em algum lugar do caf.

    Houve um estalido e o telefone mudo cou zumbindo na mode Sanderson.

    Na segunda-feira seguinte, no caf da Rue Miollin, Sanderson

    ainda estava lendo a lma pgina do Figaro cinco minutos depoisdo meio-dia, sentado de costas para a parede, quando a cadeira sua frente foi puxada para trs e um homem se sentou. Era um dosque estavam no bar h meia hora.

    Monsieur Johnson?Sanderson baixou o jornal, dobrou-o e colocou-o ao seu lado.

    O homem era alto e magro, de cabelos e olhos pretos, o queixosaliente pico dos corsos. Conversaram por cerca de 30 minutos. Ocorso apresentou-se apenas como Calvi, que era na verdade o nomede sua aldeia natal. Depois de 20 minutos, Sanderson entregou-lheduas fotograas. Uma delas mostrava o rosto de um homem e no

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    verso estava dalografado o seguinte: Major Archie Summers,Villa San Crispin, Playa Caldera, Ondara, Alicante. A outra era deuma pequena villa toda pintada de branco, com as janelas amare-las. O corso acenou com a cabea lentamente.

    Deve ser entre trs e quatro horas da tarde acrescentouSanderson. O corso tornou a assenr.

    No h problema.Conversaram por dez minutos sobre questes nanceiras.

    Sanderson acabou entregando cinco maos de notas, com 500 li-bras em cada. O corso explicou que os trabalhos no exterior erammais dispendiosos e que a polcia espanhola podia ser extrema-

    mente hosl a determinados pos de turistas. Sanderson nalmen-te levantou-se para ir embora.

    Quanto tempo? indagou ele, j de p.O corso levantou a cabea para t-lo e deu de ombros.

    Uma semana, duas, talvez trs. Quero saber to logo o trabalho seja realizado, est certo? Ento, ter de me indicar algum meio de entrar em contato

    com voc disse o pistoleiro.Como resposta, o ingls escreveu o nmero de um telefone

    num pedao de papel. Dentro de uma semana, a contar de hoje, e por trs sema-

    nas subsequentes, pode telefonar, entre sete e meia e oito horasda manh, para esse nmero em Londres. No tente descobrir deonde o telefone e no falhe no trabalho.

    O corso sorriu friamente. No vou falhar, porque quero a outra metade do dinheiro. Uma lma coisa acrescentou o cliente. No quero que

    deixe alguma pista, absolutamente nenhuma, no quero que nadaque para trs.

    O corso ainda estava sorrindo. Tem que zelar por sua reputao, Monsieur Johnson. E eu

    tenho que zelar por minha vida. Ou, pelo menos, 30 anos na Pe-nitenciria de Toledo. No se preocupe. No haver pistas, nadacar para trs.

    Depois que o ingls se foi, Calvi deixou o caf, vericou se

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    no estava sendo seguido e depois foi passar duas horas no terraode outro caf, no centro da cidade, ao sol do incio de julho, imer-so em pensamentos, a mente se concentrando nos problemas dotrabalho para o qual fora contratado. O contrato propriamente dito

    no apresentava maiores diculdades, era apenas um ro diretocontra um alvo que nada desconava. O problema era transferir aarma em segurana para a Espanha. Podia lev-la no trem de Parisa Barcelona, arriscando-se vericao alfandegria. Mas se fosseapanhado, seria pela polcia espanhola e no pela francesa. Os es-panhis nham atudes anquadas em relao aos pistoleiros pro-ssionais. Os avies estavam excludos; graas aos sequestradores

    palesnos, cada vo que saa de Orly era meculosamente verica-do, em busca de armas de fogo. Ainda nha contatos na Espanha,dos seus velhos tempos na Organizao do Exrcito Secreto, quelutara para manter a Arglia francesa. Eram homens que preferiamviver ao longo da costa, entre Alicante e Valncia, preferindo nocorrer o risco de voltar Frana. O corso estava convencido de quepoderia arrumar por emprsmo uma arma com um deles. Mas

    acabou chegando concluso de que era melhor evitar a todos;sem nenhuma avidade, no exlio, os homens certamente se torna-vam propensos a fazerem comentrios indevidos.

    O corso nalmente se levantou, pagou a conta e foi fazercompras. Passou meia hora no balco de informaes do escritriotursco espanhol e outros dez minutos na loja da Ibria. Terminouas suas compras numa livraria e papelaria na Rue de Rivoli e depois

    foi para seu apartamento nos subrbios.Naquela mesma noite, telefonou para o Hotel Metropol, o

    melhor de Valncia, reservando dois quartos para uma noite ape-nas, dentro de duas semanas, nos nomes de Calvi e do que cons-tava de seu passaporte. Apresentou-se pelo telefone como Calvi econcordou em conrmar as reservas por escrito imediatamente.Tambm reservou uma passagem de ida e volta entre Paris e Va-lncia, chegando na noite para a qual zera a reserva de hotel evoltando a Paris na manh seguinte.

    Enquanto aguardava que fosse concluda a ligao para Valn-cia, ele j escrevera a carta de conrmao para o hotel. Era curta

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    e objeva. Conrmava as duas reservas e acrescentava que, comoo signatrio, Monsieur Calvi, estaria viajando constantemente, atsua chegada em Valncia, determinara que um livro sobre a histriada Espanha fosse encaminhado para o hotel, despachado de Paris.

    Solicitava que a gerncia do hotel zesse a genleza de guardar olivro at a sua chegada.

    Calvi calculava, corretamente, que se o livro fosse intercep-tado e aberto, no momento em que indagasse a respeito, com oseu nome verdadeiro, a expresso do recepcionista indicaria quealguma coisa estava errada, dando-lhe tempo suciente para es-capar. Mesmo que fosse apanhado, ainda poderia alegar que era

    perfeitamente inocente e que estava apenas fazendo um favor paraum amigo, sem desconar de qualquer movo escuso no pedido doausente Calvi.

    Com a carta assinada com a mo esquerda no nome Calvi,devidamente selada e pronta para ser remeda, ele comeou a tra-balhar no livro que comprara aquela tarde. Era mesmo uma histriada Espanha, um livro pesado e grosso, em papel da melhor qualida-

    de, com muitas fotograas, o que lhe aumentava o volume.Inclinou para trs as duas capas e prendeu-as com um els-

    co. Prendeu as 400 pginas como um bloco na mesa da cozinha,usando dois pequenos tornos.

    Comeou a trabalhar no bloco de papel com o bisturi noe aado que tambm comprara naquela tarde. Cortou por quaseuma hora, meculosamente, at fazer um quadrado a cerca de trs

    cenmetros da beirada das pginas, formando uma caixa com 15cenmetros de altura, por 12 de largura e seis de profundidade.Passou uma cola forte nos lados internos do quadrado oco e fumoudois cigarros enquanto esperava que secasse. Quando tal aconte-cesse, nunca mais se poderia abrir as 400 pginas.

    Uma almofada de espuma de borracha, cortada no tama-nho apropriado, foi ajeitada na cavidade, a m de substuir os 700gramas de papel que haviam sido removidos e que ele pesara nabalana da cozinha. O corso desmontou em seguida a autom-ca Browning de nove milmetros, adquirida numa viagem Blgicadois meses antes, quando usara e jogara fora, no Canal Albert, a

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    sua arma anterior, um Colt 38. Era um homem cuidadoso e nuncausava a mesma arma duas vezes. O cano da Browning fora reduzidoem meia polegada e a extremidade preparada para se adaptar umsilenciador.

    Um silenciador numa automca nunca abafa completamen-te o barulho, apesar dos esforos dos homens de efeitos sonorosdos lmes de televiso para simular o contrrio. As automcas, aocontrrio dos revlveres, no tm uma culatra fechada. Quando oprojl deixa o cano, o ferrolho da automca forado para trs,a m de expelir o cartucho vazio e inserir o novo no lugar. por issoque so chamadas de automcas. Mas na frao de segundo em

    que a culatra se abre para expelir o cartucho usado, metade do ba-rulho da exploso sai pelo espao aberto, tornando um silenciadorna extremidade do cano apenas 50 por cento ecaz. Calvi teria pre-ferido um revlver, com a culatra fechada durante o disparo. Masprecisava de uma arma achatada, para caber na cavidade do livro.

    O silenciador, ajeitado ao lado das peas da Browning, era ocomponente maior, com 13 cenmetros de comprimento. Como

    um prossional, Calvi sabia que os silenciadores do tamanho derolhas de champanha, apresentados na televiso, adiantam tantoquanto um exntor de incndio manual para apagar uma erupodo Vesvio.

    Colocadas lado a lado, sobre a almofada de espuma de borra-cha, as seis partes, inclusive o silenciador e um pente de balas, nose ajustavam direito no espao disponvel. Para resolver o proble-

    ma, Calvi enou o pente de balas na arma. Marcou na almofada deespuma de borracha os contornos das quatro peas, com uma ca-neta de ponta de feltro. Em seguida, cortou a espuma de borracha,com um eslete especial. Por volta da meia-noite, os componentesda arma j estavam no fundo da almofada de espuma de borracha,o silenciador comprido ao longo da lombada do livro, o cano, a co-ronha e a cmara em trs sulcos horizontais, de alto a baixo do livro.

    Calvi cobriu tudo com uma camada na de espuma de borra-cha, passou mais cola nas partes internas das capas e fechou o livro.Depois de uma hora comprimido entre o cho e uma mesa virada,o livro era um bloco slido que exigiria uma faca para ser aberto.

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    Calvi tornou a pes-lo.Estava apenas 14 gramas mais pesado que o original.Finalmente, ajeitou o livro de histria da Espanha num inv-

    lucro de polieleno aberto numa das extremidades, do po usado

    pelos editores de livros, de qualidade excepcional para proteger ascapas de sujeira e arranhes. Coube com perfeio e Calvi fechoua extremidade aberta com a lmina de seu canivete, esquentadano fogo. Caso o pacote fosse aberto, ele esperava que o inspetorse contentasse em comprovar, pelo polieleno transparente, queo contedo era mesmo um livro inofensivo, tornando a met-lo noenvelope.

    E o envelope era grande, devidamente forrado por dentro, dopo usado para se remeter livros, fechado apenas por um grampode metal. Podia ser facilmente aberto, escando-se as presilhas dogrampo atravs da abertura do envelope. Com um jogo de impres-so que se podia comprar em muitas lojas, Calvi imprimiu o rtulocom o nome de uma livraria bem conhecida, dalografando o nomee endereo do desnatrio: Monsieur Alfred Calvi, Hotel Metropol,

    Calle de Java, Valncia, Espanha. Com o mesmo jogo de impres-so, fez um carimbo que aplicou no envelope, com as palavras LI-VROS IMPRESSOS LIVRES.

    Na manh seguinte, ele despachou a carta por via area e opacote por terra, o que signicava a remessa de trem e uma demo-ra de dez dias.

    O Caravelle da Ibria desceu para o Campo de Manises e ater-

    rissou no momento em que o sol mergulhava no horizonte. Aindafazia muito calor e os 30 passageiros a maioria constuda de pro-prietrios de ville beira-mar que chegavam de Paris para as friasde seis semanas reclamaram contra a demora habitual na entregada bagagem, no galpo da Alfndega.

    Calvi levava apenas uma mala de tamanho mdio, como ba-gagem de mo. Foi aberta e inspecionada cuidadosamente. Depois,deixou o terminal do aeroporto e passou pela la de txis. Foi ato estacionamento do aeroporto e cou sasfeito ao constatar queocupava uma rea grande, fora das vistas do terminal por uma cor-na de rvores. Os carros estavam estacionados em leiras, debai-

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    xo das rvores, aguardando seus donos. Decidiu voltar ali na manhseguinte, para pegar o transporte de que precisava.

    Calvi pegou um txi e seguiu para o centro da cidade. O recep-cionista do hotel foi extremamente prestavo. Assim que o corso se

    apresentou e exibiu seu passaporte, o recepcionista prontamentese lembrou da reserva, da carta de conrmao enviada por Mon-sieur Calvi.

    Passou para a sala dos fundos da rea de recepo e voltoucom o pacote que connha o livro.

    O corso explicou que, infelizmente, o seu amigo Calvi no pu-dera vir a Valncia, conforme estava previsto. Mas, evidentemente,

    ele pagaria as contas dos dois quartos reservados, quando parssena manh seguinte. Apresentou uma carta do ausente Calvi, au-torizando-o a receber o livro que fora despachado para o hotel. Orecepcionista examinou rapidamente a carta, agradeceu ao corsopor se proncar a pagar as contas dos dois quartos reservados eentregou o pacote.

    Calvi examinou o envelope assim que chegou ao quarto. Fora

    aberto, o grampo de metal escado a m de passar pela aberturae depois enado de volta. O pingo de cola que pusera numa daspresilhas do grampo desaparecera. Mas o livro ainda estava intacto,no invlucro de polieleno, que no podia ser aberto sem que orasgassem.

    E foi o que o corso fez, para depois separar as capas do livrocom a lmina do canivete. Tirou as partes da automca. Montou

    tudo e ajeitou o silenciador, vericando o pente de balas. Estavatudo no lugar, as suas balas especiais, com metade do explosivoremovida, a m de reduzir o barulho a um estampido baixo. Mes-mo impelida pela metade da fora normal, uma bala de 9mm aindapode entrar facilmente numa cabea humana, disparada a trs me-tros de distncia. E Calvi jamais arava de uma distncia maior, emqualquer contrato.

    Trancou a arma no fundo do guarda-roupa, meteu a chave nobolso, fumou um cigarro na sacada do quarto, olhando para a arenade touros diante do hotel e pensando no que teria de fazer no diaseguinte. Desceu s nove horas, ainda com o terno cinza-escuro de

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    um dos mais exclusivos alfaiates de Paris, que combinava perfeita-mente com o ambiente sbrio do velho e dispendioso hotel. Jantouna Terrassa del Rialto e foi dormir meia-noite. O recepcionista in-formara que havia um avio para Madri s oito horas da manh e

    Calvi pedira para ser acordado s seis.Deixou o hotel s sete horas da manh e pegou um txi para

    o aeroporto. Parado no porto, observou a chegada de uma dziade carros, anotando a marca e a placa de cada um, assim como aaparncia do motorista. Sete carros eram dirigidos por homens queestavam sozinhos e usando ternos picamente de execuvos. Doterrao de observao do terminal do aeroporto, Calvi cou obser-

    vando os passageiros embarcarem no avio para Madri, entre osquais quatro motoristas dos carros. Consultando a relao no versode um envelope, Calvi vericou que podia escolher entre um Simca,Mercedes, Jaguar e um pequeno Seat espanhol, a verso local doFiat 600.

    Depois que o avio decolou, Calvi foi para o banheiro dos ho-mens e trocou o terno por um jeans creme, camisa esporte azul cla-

    ra e casaco de nilon azul, com um zper na frente. Enrolou a armanuma toalha e meteu-a na bolsa de plsco de companhia areaque rara da mala.

    Deixou a mala no depsito de bagagem, conrmou a reservado vo do incio da noite para Paris e depois voltou para o estacio-namento.

    Optou pelo Seat, porque o carro mais comum na Espanha

    e porque as maanetas das portas facilitam o trabalho dos ladresde carros. Dois homens entraram de carro no estacionamento, en-quanto ele esperava. Assim que foram embora, Calvi aproximou-sedo pequeno carro vermelho. Tirou o pedao de cano que estavaescondido na manga do bluso, ajeitou-o sobre a maaneta da por-ta e deu um impulso rme para baixo. A fechadura cedeu, com umpequeno estalido. Ele levantou o cap e fez uma ligao direta. Sen-tando ao volante, ligou o carro ao toque de um boto e deixou oestacionamento, seguindo para Valncia e pegando a nova estradalitornea que levava a Alicante.

    O percurso de Valncia a Ondara de 92 quilmetros, passan-

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    do pelos centros produtores de laranja de Gandia e Oliva. No seapressou, cobrindo o percurso em duas horas. A costa inteira relu-zia ao sol da manh, uma longa faixa de areia dourada, ponlhadapor corpos morenos e banhistas que se jogavam ao mar. O calor era

    sufocante, no soprava a menor brisa. No mar, ao longo do horizon-te, pairava uma nvoa tnue.

    Entrando em Ondara, Calvi passou pelo Hotel Palmera, ondesabia que vivia, com suas recordaes, o ango secretrio do Gene-ral Raoul Salan, outrora o chefe da Organizao do Exrcito Secreto.No centro da cidade, no teve qualquer diculdade em descobrir ocaminho para a Playa Caldera, devidamente informado pelos pres-

    tavos habitantes da cidade, e que cava trs quilmetros adiante.Seguiu de carro para a rea residencial de ville, a maior parte deexpatriados, pouco antes do meio-dia. Foi avanando lentamente,procurando pela Villa San Crispin, que conhecia perfeitamente dafotograa h muito destruda. Perguntar o caminho para a praia erauma coisa, mas indagar onde cava a villa podia mais tarde ser re-cordado por algum.

    Descobriu as janelas amarelas e as paredes de terracota pinta-das de branco pouco antes de uma hora da tarde. Conferiu o nomepintado num ladrilho na pilastra do porto da frente e foi estacionaro carro 200 metros adiante. Andando a p, com um ar despreocu-pado, dando a impresso de que era um turista a caminho da praia,vericou a entrada dos fundos. No teve qualquer diculdade. Umpouco alm da estrada de terra em que cava a villa, havia uma tri-

    lha que avanava por uma plantao de laranjas, por trs da leirade casas. Sob a proteo das rvores, Calvi vericou que apenasuma cerca baixa separava o pomar do po descoberto nos fundosda casa de janelas amarelas. Pde ver o homem que procurava mo-vimentando-se pelo jardim com um regador. As portas de vidro queseparavam a sala principal do jardim dos fundos estavam abertas,a m de permir a entrada de uma brisa, se alguma soprasse. Calviconsultou o relgio. Estava na hora de almoar. Ele pegou o carro evoltou para Ondara.

    Ficou sentado at trs horas da tarde no Bar Valncia, na CalleDoctor Fleming, comendo um prato de camares fritos e tomando

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    dois copos do vinho branco local. Depois, pagou a conta e foi em-bora.

    Ao voltar para a praia, as nuvens de chuva haviam nalmenteavanado pelo mar e o barulho das trovoadas ressoava pela super-

    cie serena do mar, o que era inslito para a Costa Blanca, em mea-dos de julho. Calvi estacionou o carro perto da trilha para o laranjal,enou no cinto a Browning com o silenciador, fechou o bluso at opescoo e avanou por entre as rvores.

    Estava tudo muito quieto quando ele saiu do laranjal e pas-sou pela cerca baixa, entrando no jardim dos fundos da villa. Oshabitantes locais estavam todos rando a siesta no calor. A chuva

    comeou a cair sobre as folhas das laranjeiras. Algumas gotas bemgrandes bateram nos ombros de Calvi, enquanto atravessava o p-o. E quando chegou s portas de vidro, o aguaceiro nalmentedesabou com toda fora, tamborilando sobre as telhas. Calvi cousasfeito, porque assim ningum ouviria nada.

    Ele ouviu uma mquina de escrever em uso num cmodo esquerda da sala de estar. Tirou a arma do cinto, parado no meio da

    sala, empurrou a trava de segurana. E depois atravessou a esteirade juncos at a entrada do estdio.

    O Major Archie Summers no chegou a saber o que acontece-ra, ou por qu. Avistou um homem parado porta de seu estdioe meio que levantou-se para perguntar o que desejava. Foi nesseinstante que divisou o que estava na mo do visitante e entrea-briu a boca. Houve dois sons secos e as balas se cravaram no peito

    do major. O terceiro ro foi disparado vercalmente, para baixo, apouco mais de meio metro de distncia, contra a tmpora do major.Mas ele no chegou a senr esse ro. O corso ajoelhou-se por uminstante ao lado do corpo, encostando o dedo indicador no lugarem que deveria senr o pulso, se ainda houvesse alguma coisa parasenr. E ainda estava nessa posio quando virou-se de repente, am de olhar para a porta da sala de estar...

    Os dois homens se encontraram no bar da Rue Miollin na noi-te seguinte, o assassino e o cliente.

    Calvi telefonara para transmir a mensagem naquela manh.

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    Voltara de Valncia na noite anterior, chegando a Paris pouco antesda meia-noite. Sanderson pegara um avio para a capital francesaassim que recebera o recado. O cliente parecia nervoso e entregouo resto das cinco mil libras.

    No houve qualquer problema? perguntou ele, mais umavez. O corso sorriu tranquilamente e sacudiu a cabea.

    Foi tudo muito fcil e seu major est morto. Duas balas nocorao e uma na cabea.

    Ningum o viu? indagou o ingls. No houve testemu-nhas?

    No. O corso se levantou, apalpando os maos de notas

    no bolso do peito. Infelizmente, fui interrompido j no nal doservio. Estava chovendo forte e algum apareceu e me viu ao ladodo corpo.

    O ingls cou imediatamente com uma expresso horroriza-da.

    Quem? Uma mulher.

    Alta, de cabelos pretos? Isso mesmo. Era muito bonita.O corso percebeu a expresso de pnico no rosto do cliente

    e afagou-lhe de leve o ombro, acrescentando, para tranquiliz-lo: Mas no se preocupe, monsieur. No haver pistas, nada

    cou para trs. Matei-a tambm.