francisco josÉ moonen - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado gaspar, de modo...

78

Upload: doliem

Post on 25-Jan-2019

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros
Page 2: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

FRANCISCO JOSÉ MOONEN

DER

MONOGRAFlA N .o 5

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOINSTITUTO DE CIÊNCIAS DO HOMEM

IMPRENSA UNlVERSIT ARIA

Recife, 1968

Page 3: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

j ""(, c

INTRODUÇAO

Os WandeTleYs estão hoje dispersos por todoo Brasil e com vários membros, no presente e nopassado, de destaque na vida política e artísticada nação. Têm êles ~ em Pernambuco,na primeira metade do século XVII, com Gasparvan Nieuhof van der Ley, capitão-de-cavalos EI.serviço da Companhia holandesa das :tndias Oci-dentais no Brasil, e, posteriormente, senhor de en~genho no Cabo de Santo Agostinho. Já nos mea-dos do século XVIII contavam-se entre as famíliasmais distintas do Nordeste brasileiro, o que levouBorges da Fonseca a incluí-los na sua NobiliarquiaPernambucana, cujo manuscrito data de 1748-81.Segundo êste era Gaspar van der Ley um "fidalgoholandês", "de cuja nobreza temos testemunho au-têntico em U!ma certidão do Conde João Mauríciode Nassau", e que "abraçou a religião católica ro-mana para casar-se com D. Maria de MeIo, filhade Manuel Gomes de MeIo, senhor do engenhoTrapiche, no Cabo, e de sua mulher D. Adriana deAlmeida". (1) Esta certidão, na qual se baseia anobreza dos Wanderleys, será por nós transcrita e

i

1. Borges da Fonseca, NobiIiarquia Pernambucana, 2 vIs.,Rio de Janeiro, 1935, .vol. I, págs. 117, 215, 226; v 01. II, pág. 13.

Page 4: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

8 FRANCISCO JOSÉ MOONEN

comentada mais adiante. Para sua afirmação deque Ley se tornou católico, Borges da Fonseca re-feriu-se a Frei Manuel Calado, autor de O ValerosoLucideno, embora êste apenas diga que "Ley esta-va casado, ou amancebado", com D. Maria de MeIo,e não mencione o fato de êle ter deixado a religiãoreformada, a que pertencia. (2)

Durante muito tempo Borges da Fonseca cons-tituiu a principal fonte histórica sôbre Gaspar vander Ley, porque a documentação relativamenterica sôbre os primeiros qUinze anos de sua estadario Brasil, de 1630 até 1645, encontrava-se guar-dada no Arquivo Geral do Reino, em Haia. pesqui-sas realizadas nos' arqUivos holandeses, em espe-cià.l por José Higino Duarte Pereira, em 1885-86,e recentemente concluídas pelo professor José An-tÔnio Gonsalves de Mello em 1957-58, colocamatualmente à disposição do historiador brasileiroa quase totalidade dos documentos ali existentessôbre o período do domínio holandês no Brasil, noséculo XVII. (3)

À ausência dêste material em anos anterioresdeve-se o fato de as informações de Borges daFonseca terem sido aceitas e divulgadas em largaescala no Brasil, surgindo daí a figura quase mí-

:-2: Frei Manu-el Cala:dQ do Salvador.. O Valeroso Lucideno,2 vIs., Recife, 1942, vol. I, pág. 361.

3. O autor agradece ao professor José Antônio Gonsal-

ves de Mello, a quem deve a iniciativa dêste estudo.. por sua

ajudá e sugestões durante as pesquisas preliminares e a lei-tUra"cIÚtiCâ e\~nrr~cnp.: rl.. ~"" b-"h"ln",

Page 5: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPAR VAN DER LEY NO BRASIL 9

tica de Gaspar van der Ley, "nobre holandês quese tornoQ católico para poder casar com a filhade wm português". Também Gilberto Freyre, êlepróprio pertencente a esta família, em vários livrose artigos nos fala dos Wanderleys, e reclama es-tudos mais profundos sôbre o fundador e seus an-tepassados na Europa.

Uma tentativa neste sentido foi recentementefeita por Walter Wanderley, no seu livro FamíliaWanderley. Cita êle, como ascendentes holandesesde Gaspar, a Jarichs van der Ley, nascido em1480, seu filho Hendrick Jarichs van der Ley, nas-cido em 1530, e o filho dêste, Jan Hendrick vander Ley, nascido em 1567. Acrescenta ainda umcerto Georgius van der Ley, nascido em 1607, etermina dizendo que êstes foram os primeiros. Jáque Gaspar van der Ley, COlmO mais adiante di-remos, deve ter nascido antes do mencionadoGeorgius, seria então, segundo o autor faz supor ,Jan Hendrick o pai de Gaspar van der Ley.(4)

Por serem os Van der Leys acima referidosde alguma evidência na Holanda, foi-nos possívelobter maiores informações a seu respeito. Jan Hen-drick (Jarichs) van der Ley era recebedor geraldos comboios e licenças na Frísia, província maissetentrional dos Países Baixos, matemático exce-lente e escritor de obras marítimas, que em 1618inventou um método para medir distâncias no

4. Wa1ter WandeI'ley, Famílía Wanderley, Rio de Janeiro;1966, pág. 17.

Page 6: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

10 FRANCISCO JOSÉ MOONEN

mar. Embora não fôsse nobre, teve êle, por mé-ritos especiais, o direito de usar brasão. (5) Eracasado com Judith de Gardijn, mas não sabemosse entre os filhos do casal havia um chamadoGaspar, de modo que há pouca possibilidade deGaspar van der Ley descender desta família. Exis-tiam na Ho.landa outras famílias Van der Ley,de qualquer das quais êle pode ter descendido. (6)

Tanto o nome Van der Ley, como o Nieuhof,são bastante comuns na Holanda e já o eram noséculo XVII. Também entre os holandeses que sepassaram a Pernambuco neste século, conhece-mos pelo menos três Nieuhofs e cinco Van derLeys, excluindo-se Gaspar, sem que haja motivopara acreditar que eram parentes uns dos outros.No Livro de Batismo da Igreja Reformada noBrasil aparecem Harman van Leei (1638) , DirckLeeye (1644) e Nicolaes Lye (1649) .A DagelijkseNotule de 21 de julho de 1651 menciona Philipsvan der Ley, enquanto em 1639 pediu permissão

5. O brasão de Jan Hendrick Jarichs van der Ley foireproduzido no livro citado de Walter Wanderley. O lemaSeyt altydt van eenderley sin (Sejam sempre de um só pa-recer) foi aí traduzido como: Que haja sempre um real (ver-dadeiro) Wanderley (sic). Quanto ao "vitral em dialeto daFrísia da Grande Igreja de Leeuwarden", por êle publicado,trata-se da fôlha 169 do livro de casamentos realizados na ditaigreja, escrita em língua holandesa do século XVIII, onde selêem os registros de casamentos, entre outros, de Tjetje vander Leij com Pietje Dijkstra, no ano de 1706.

6. Centraal Bureau voor Genealogie, organização holan-desa para a conservação de coleções genealógicas nacionais eparticulares, e Iconografisch Bureau, ambas com sede em Nas-"""1,,,," 1R H";,,

Page 7: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPAR VAN DER LEY NO BRASIL 11

para voltar do Recife para a Holanda o comer-ciante livre Balthasar van der Ley. Conhecido atra-vés do seu livro A Memorável Viagem Marítima eTerrestre ao Brasil é Joan Nieuhof, funcionário daCompanhia das :tndias Ocidentais que estêve noRecife de 1640 até 1649. EIrn 1636 pediram parapoder ir ao Brasil, como comerciantes livres, Bal-thasar e Didrich van Nijenhoff, sem dúvida irmãos.Se êste Balthasar fôr o mesmo acima referidoBalthasar van der Ley, então, seu nOlrne completoteria sido Balthasar van Nijenhoff van der Ley.A grafia pouco uniforme dos nomes próprios eracomum no século XVII; variantes de Nieuhof são,por exemplo, Nihof, Niehof e Neuhoven.

Não conhecemos, pois, os pais de Gaspar vander Ley, nem o lugar e data de seu nascimento,o que torna extremalmente difícil encontrar dadossôbre êle ou sua família nas coleções genealógicasexistentes na Holanda. Pesquisas neste sentido de-verão ser feitas tanto na genealogia da famíliaNieuhof, quanto na família Van der Ley, porque,em especial os documentos mais antigos, quasesempre se referem a êle com seu nome completo,Gaspar van Nieuhof van der Ley. Apenas umavez é mencionado como Gaspar Nieuhof, e eim ou-tro lugar como "Gaspar van Nieuhof, chamadoLey". (7) Nos poucos documentos portuguêses a êle

7. Dagelijkse Notule de 17 de setembro de 1637, ArquivoGeral do Reino (ARA), Haia, Cartório da Companhia das :fn-dias Ocidentais (Oude WIC), maço 68.

Page 8: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

12 FRANCISCO JOSt MOONEN

referentes apenas consta o nome Van der Ley,também o único herdado por seus filhos, e com o

qual êle próprio assinou suas cartas e ficou co~nhecido entre os portuguêses.

A AUTENTICIDADE DA CERTIDÃO

DE NOBREZA

A procedência da afirmativa de serem QS Wan-derleys de ascendência nobre é, como já foi dito,uma certidão que teria sido escrita pelo CondeJoão Maurício de Nassau, a pedido do primeirofilho de Ga~par van der Ley. Afirma Borges daFonseca que êle viu a própria certidão e a teveem mãos durante muito tempo, e que lhe foi dadapelo Mestre de Campo Antônio da Silva Me.lo. Nãoapresenta, porém, elementos para a garantia desua autenticidade, porque não esclarece se viu oorigirial, que admitimos ter sido redigido em ale-mão, ou uma tradução portuguêsa, que divulgou,e cujo teor é o seguinte:

"João Maurício, pela g-raça de Deus, Príncipede Nassau, Conde de Stzahelenbagen, Vinham eBrets, Senhor de Breils!em, Mestre da OrdemTaem. Teutonica de S. João, Governador pt Sa-renpdade Eleitoral de Brandeburg dos PrincipadosClzta Minden, e dos Condados de Mareg e Daren-burg, Mestre de Campo, General das ProvínciasUnidas dos Países Baixos: Fazemos saber aos quea presente virem, que porquanto o Senhor João

Page 9: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPARVAN DER LEY NO BRASIL 13

Maurício Wanderley, que presentemente assisteem I;isboa, nos pediu c lhe quiséssemos dar uma

certidão da nobre progênie de seu pai e avós eportahtà certificamos que seu pai e avós e todosque tiverem e ainda hoje teni o nome de Wan-derley, sempre foram e ainda são Fidalgos deSangue e linhagem nobre, e que assim no tempodos nossos antecessores, como durante o tempo donosso govêrno, Irriereceram os ditos Wanderleyssempre serem do Senhor Eleitor de Brandeburghonrados com os primeiros cargos, ofícios e digni-dades nobres de sua pátria, nos quais serviramsempre com muito louvor e honra. Em fé da ver-dade mandamos despachar a presente sob nossaprópria firma e sêlo. Dada em Sigen aos 20 deDezembro de 1668 anos. João Maurício Príncipede Nassau. (sêlo) ". (8)

o manuscrito original dos quatro volumes daNobuiarquia Pernambucana perdeu-se, com exce-'ção do último, que se encontra em mau estado deconservação no Instituto Arqueológico do Recife.O capítulo sôbre os Wanderleys devia estar no fimdovolum:e I ou no comêço do voiume II do textooriginal. Entretanto guardam-se ali duas cópias,feitas no século XIX, a que faz demorada referên-cia o professor José Antônio Gonsalves de Mello,em capítulo especialmente dedicado ao assunto, noseu livro Estudos Pernambucanos, as quais apre-

i8: Borges da Fonseca. 1.c.. yol. I. pág. 117.

Page 10: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

FRANCISCO JOSÉ MOONEN14

sentam erros de transcrição e outros defeitos queo mesmo professor aponta minudentemente. Dasegunda cópia extraiu-se a que veio servir para apublicação da obra pela Biblioteca Nacional do Riode Janeiro em 1935.

Na forma como a certidão foi publicada nestaedição, há razões para duvidar de sua autentici-dade, isto porque os títulos do Príncipe mencio-nam lugares que êle governava ou de que era titu-lar, dos qu~is nenhum está corretamente escrito,sendo que alguns estão irreconhecíveis. Os títulosoriginais, segundo a grafia alemã, seriam os se-guintes: "João Maurício, pela graça de Deus, Prín-cipe de Nassau, Conde de Katzenellenbogen, Via-nen e Dietz., Senhor de Beilstein, Mestre da OrdemTaem. (?) Teutônica de São João, Governador porSua Serenidade Eleitoral de Brandenburgo dosPrincipados de Cleve e Minden, e dos Condadosde Mark e Ravensberg, Mestre de Campo Generaldas Províncias Unidas dos Países Baixos". Os tí-tulos de Conde de Katzenellenbogen, Vianen eDietz e Senhor de Beilstein constam do texto doretrato de João Maurício de 1637;; sua eleiçãopara Mestre da Ordem Teutônica de São Joãodata de 15 de junho de 1652, tendo sido nomea-do governador de Cleve, Mark e Ravensberg em29 de outubro de 1647, e de Minden em maio de1658. O "Mestre de Campo General das ProvínciasUnidas", pôsto da organização militar portuguêsa,deve corresponder ao de Tenente-general da cava-

Page 11: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPAR VAN DER LEY NO BRASIL 15

.laria dos Países Baixos, que o era desde 27 de ou-tubro de 1644. (9)

É possível, porém, que os títulos de Nassaunão estivessem tão grosseiramente estropiados notexto manuscrito da Nobiliarquia (embora a no-tÓria inabilidade luso-brasileira, no período colo-nial, de grafia de nomes estrangeiros, especialmen-te das línguas não latinas), pois numa das cópiasdo Instituto Arqueológico há alguns corretamenteescritos, ao passo que na outra os títulos foramcopiados sem cuidado. O conteúdo da certidão é,porém, igual em ambas as cópias.

Depois de sua volta para a Holanda, em 1644,o Conde de Nassau, quando não em viagem, mo-rava geralmente no seu belo palácio que Imandouconstruir em Cleve, e causou-nos admiração que acertidão fôsse escrita em Siegen, muito distante

daquele lugar. Sabemos, porém, por Ludwig Drie-sen, biógrafo do Conde, que êste no fim do anode 1668 realmente estava em Siegen, onde ficouaté julho de 1669. (10)

Falsificações de atestados de nobreza não eramraras antes e depois do século XVII, mas nestecaso há que reconhecer haver possibilidade de queo Príncipe de Nassau tenha sido realmente o au-tor da certidão transcrita. Se o conteúdo do origi-nal corresponde ao do texto que Borges da Fonseca

9. Ludwig Driesen, Leben des Fii,rsien Johann Moriiz,Berlin, 1849, pág. 140 e segs.

10. Ludwig Driesen, 1.c., pág. 277.

Page 12: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

FRANCISCO JOSÉ MOONEN16

inclui na sua obra, sem apontar quaisquer elemen-tos para garantia de sua autenticidade, épergun-ta que provàvelmente nunca terá resposta, pelofato de não se saber onde pára o original.

Embora governador dos citados lugares, nãoera, porém, o Príncipe de Nassau a pessoa encar-regada de expedir certidões de nobreza ou fidal-guia. Tanto em Brandenburgo como na Holandadeviam existir entidades competentes para isso .Compreende-se, no entanto, que, por seu prestígiono Brasil, mesmo entre o~ portuguêses, a êle,tivesse o filho de Gaspar van der Ley recorridopara certificar acêrca de seus ascendentes, e êle,embora sem competência para isto, o tivesse feitogenerosamente. tste fato diminui em grandeparte a importância do documento, que não é,propriamente dito, um atestado válido para o fimv1sadà: ..

A NOBREZA E A NACIONALIDADE

DE GASPAR VAN DER LEY

Estreitamente ligadas estão as questões sô-bre a nobreza e a nacionalidade de Gaspar vander Ley. A declaração atribuída a Mauríciode Nassau, tal como foi publicada por Borges daFonseca, não deixa dúvida sôbre "a nobre progê-nie de todos que tiveram e ainda hoje têm o nomede Vanderley", mas sabemos, por outro lado, que

Page 13: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPAR VAN DER LEY NO BRASIL 17

na Holanda não há família Vanderley nobre. (11)Se Gaspar era holandês, não pode ter sido aomesmo tempo nobre, e seria sem valor a certidãotranscrita; mas há a possibilidade de ser de outranacionalidade e neste caso pode ter sido de liÍ1ha-gem nobre.

Como capitão-de-cavalos e senhor de engenho,isto depois de 1637, Gaspar van der Ley gozavade boa reputação entre os holandeses e portuguê-ses, era pessoa honrada e estilmada, de cuja leal-dade ninguém duvidava. No tratamento que lheera dispensado, era sempre chamado de capitão-de--cavalos, senhor, ou simplesmente por seu nome,sem título algum. O tratamento de Excelência,Nobre ou E:xcelentíssimo parece ter sido reservadopara o Conde João Maurício de Nassau, governa-dor geral do Brasil holandês, e para os Altos Con-selheiros que formavam o govêrno depois do re-gresso dêste para a Holanda em maio de 1644. Aausência dêstes títulos não significa, porém, queGaspar não fôsse nobre. Temos de considerar quea Companhia das fndias Ocidentais era formadapor comerciantes e burgueses, para os quais anobreza não era atributo que por si só distinguis-se a pessoa, mas sim sua riqueza, a não ser quefôsse da alta nobreza, como por exemplo, o Condede Nassau. Também Diederik van Waerdenburg,que ao tempo da invasão de Pernambuco era cha-

11 Centraal Bureau voor Genealoaie. Haia.

Page 14: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

FRANCISCO JOSÉ MOONEN18

mado em latim de "Nobilissimo ac Magnanissimo"e de senhor de Lent, e Hartman Godefried vanStein Callenfels, comandante de regimento namesma ocasião, era Barão, mas nem um nem ou-tro receberam nos papéis da Companhia o trata-mento de nobres ou fidalgos que lhes campetia.; " Não, é-, pois; de admirar que nos documentos

holandeses contemporâneos por nós consultados,não se encontre nenhuma referência a uma even-tual nobreza de Gaspar van der Ley. Apenas numdocumento português há menção ao que se diziaacêrca de sua origem; Martim Soares Moreno es-creve a seu respeito que "nos dizem que é pessoaqualific-ada na sua terra". Martim Soares Morenoestava a justificar ao governador geral do Brasila promes3a de uma c<m1enda da Ordem de Cristoque -fizera a Van der Ley; e para isto "qualidade"era atributo necessário, mas nem por isso diz dêleque era nobre, mas sim "qualificado", que no con-texto parece significar distinto.

Outro documento, um pouco posterior, poisdata de 1691 se refere a Gaspar van der Ley como"conhecido .em Pernambuco, tido e havido pornobre e limpo", No entanto parece que os Van-derleys, e entre êles o próprio Gaspar, eram con-sidéiados .nobres porque D. Maria de MeIo. suamUlher, descendia de uma família consideradanobre e por Borges da Fonseca incluída como talem sua Nobiliarquia Pernambucana, e não por-que Gaspar van der Ley era de ascendência nobre.

Page 15: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

-c--- -~ GASPAR V AN DER LEY NO BRASIL

19

Pode-se concluir isto da carta de concessão dohábito de Cristo, expedida pelo Rei em favor dofilho mais velho de Gaspar van der Ley, eDa qualdiz: "Porque me constou. ..o dito João GomesVanderley ter as partes pessoais, nobreza e lim-peza necessária pela parte materna. ..dispensoucom êle nos defeitos de seu pai e avós paternos

haverem sido hereges, posto que o pai morreu ca-tólico". (12) Não se refere o Rei como se vê, à no-

breza de Gaspar van der Ley, mas sim à nobrezade D. Maria de MeIo.

Os documentos não nos permitem certeza sô.bre a nacionalidade de Gaspar van der Ley. Aindaaqui é Borges da Fonseca o primeiro que afirmaser êle natural da Holanda, mas também nestecaso não cita qualquer confirmação para sua afir-mativa. O~genea1ogista pernambucano não sabiaque na Holanda não existem nem existiram Van-derleys -nobresj mas o que é de admirar é quepossuindo êle elementos que permitiam comprovarque Ley era alemão não o tivesse percebido.

-12. Carta de Martim Soares Moreno ao governador da Ba-

hia, Antônio Teles da Silva, de 6de setembro de 1645, Revistado Insiituto Arqueológico Pernambucano, n.o 35, Recife, 1887 ,pg. 45; tradução holandesa, ARA, Oude WIC, maço 60. Cartade hábito de Cristo, alvará de profissão e alvará de cavaleiropara João Gomes Vanderley, em data de 16 de outubro de1674, Tôrre do To~bo,Chancelaria da Ordem de Cristo, livro53, fôlhas 64/65; Consulta do Tribunal da Mesa de Consciên-cia e Ordens e documentos anexos, em data de 17-11-1688,23-10-1691 e 12-12-1691, Tôrre do Tombo, Habilitações à Ordemnp r,.i"t.n lpt.,." .r m"cn RR no IIII

Page 16: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

FRANCISCO JOSÉ MOONEN20

Entende-se da declaração fornecida pelo prín-cipe de Nassau que a pátria de Gaspar van derLey e seus antepassados não era a Holanda, massim o Eleitorado de Brandenburgo, onde sempreforam honrados com cargos importantes. Bran-denburgo, governado pela Casa de HohenzoUernera parte integrante, desde tempos remotos,da Alemanha. Os Vanderleys seriam, segun-do êste documento, de antecedência alemã, e com-preende-se então a observação de Nassau de que~'les "sempre serviram com muito louvor e honra".Gaspar van der Ley, embora considerado traidorpelos holandeses não o era para os alemães, e suaatitude, pouco louvável no Brasil neerlandês, nãoprejudicou de qualquer modo o Eleitorado de Bran-denburgo.

Pelo tratado de Xanten-Cleve, em 1614, foio Eleitorado aumentado com o ducado de Cleve,que limitava com a Holanda, e com os condadosde Mark e Ravensberg, todos situados na Aleima-nha. Para governador (Statthalter) dos mesmos oPríncipe Eleitor Frederico Guilherme de Hohen-zollern nomeou, em 1647, o Príncipe João Maurí-cio de Nassau, a quem conheceu em 1636. Quan-do êste se refere, na sua declaração sôbre os Van-derleys, aos "nossos antecessores" e ao "tempodo .nosso govêrno", deve-se entender isto não comrelação ao Brasil, onde de 1637 até 1644 foi gover-nador-geral, mas a Brandenburgo, onde não ape-nas governava Cleve, Mark e Ravensberg, mas,

Page 17: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPAR VAN DER LEY NO BRASIL 21

posteriormente, também o principado de Min-den.(13)

Ao atestado fornecido pelo Príncipe de Nassau,segundo o qual Gaspar seria súdito de Branden-burgo, e, portanto, da Casa de Hohenzollern, vemse juntar outro documento que o diz "natural daAlemanha da cidade de Viena da Austria", e, comoutras palavras, austríaco, súdito da Casa de Habs-burgo, que governava as regiões da Bohemia, Aus-tria, Tirol, além de outras, e cujos membros, de1493 até 1740, foram imperadores do Santo Impé-rio Romano, também chamado o Império Germâ-nico.

A consulta do Tribunal da Mesa de Consci-ência e Ordens, sôbre a dispensão que pediu Joãode Barros Rêgo para receber o hábito da Ordemde Cristo, diz que faltava declarar a naturalidade"de seu avô :rnaterno o capitão de cavalos GasparVapderley, que foi natural da Alemanha da cida-de de Viena da Austria, aonde é impos,sível irem--se-lhe fazer as inquirições. E porque o dito seu avôviveu e faleceu na cidade da Bahia aonde sempreresidiu, servindo a esta Coroa com tôda a satisfa-ção, e ainda que se pudesse ir à Alemanha nenhu-ma notícia se podia achar dêle pelos muitos anosque há se ausentou daquele para êste Reino. ..pede a Vossa Majestade lhe faça mercê dispen-sar com êle para nesta cidade se fazerem as in-

13. Ludwig Driesen, 1.c., pág. 149 e segs.

Page 18: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

22

~.u7ríções d9 dito seu avô. ..vista a impossíbilidadeque há de se poderem ir fazer a Viena da Austríae haver muitos outros exemplos que favorecemtste seu requerimento. A êste Tribunal parece queVossa Majestad.e não deve deferir ao suplicante,rorquanto nas inquirições que se lhe fizeram emPernambuco, donde seu avô foi morador, constouque fôra, herege, e que quando morrera se fizeracatólico e como não consta da sua naturalidade,poderá haver nela impedimento em que Vossa Ma-j~s~qe ~ão pqssa dispensar. ..Lisboa, 17-11-1688".

Infelizrriehte êste documento não é uma provaindubitável da nacionalidade de Gaspar van der

: c' ; , .L~y, como serIa, por exemplo, um registro de ba-ti::mo, mas apenas uma declaração duvidosa cujaveracidade fica sujeita ,a prova. Maior dúvida sus-cita o fato de João de Barros Rêgo situar a Aus-tria dentro da Alemanha, o que seria possível seêle empregasse a palavra Alemanha como sinôni-mo de IIt:\pério Germânico, e neste caso Gasparteria sido austríaco. No entanto, se João de BarrosRêgo sabia exatamente o lugar de nascimento deSeQ avô, também o filho de Gaspar devia saberdisto e não se compreende por que tenha manda-do buscar um atestado sôbre seu pai em Branden-burgo. Parece, portanto, mais provável que Joãode Barros Rêgo soubesse apenas que seu avô eranascido na Alemanha, mas não exatamente emque lugar, e tenha indicado Viena, lugar muítodistante e de difícil acesso na época, para dificul-

Page 19: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPAR V AN DER LEY NO BRASIL 23

tar ou até impossibilitar que se fizessem ali asinvestigações que eram exigidas para admissão àOrdem de Cristo. Seja como fôr, de algum modosua informação, exata ou não, vem reforçar a su-posição de que Gaspar van der Ley não era holan-dês, como sempre tem sido considerado, mas simalemão, ou provàvelménte austríaco. Existe atual-mente na Alemanha uma família Von der Leyen,pobre, no século XVII também chamada Von derLey, da qual alguns dos seus membros foram ar-cebispos hereditários de Trier, mas não há infor-mes sôbre Gaspar van der Ley dêste lado, e é pou-co p~ovável que êle descenda desta família. (14)

Do que fica dito, certeza sôbre a nacionalida-de de Gaspar van der Ley só pode ser obtida atra-vé3 de pesquisas posteriores, em especial nas co-leçÕes genealógicas, pesq~isas estas que, a nossover devem ser iniciadas na Alemanha, e, se nega-tivas, continuadas na Austria, e só em último casona Holanda..

o PERfODO DE VIDA DE GASPAR

V AN DE'R LEY

Duvidosas são também as datas em que Gas-

14. Intormação que nos foi gentilmente prestada por SuaExcia. o Embaixador J. de Souza Leão, por muitos anos Mi-nistro e Embaixador na Holanda. Em conversa que Sua Excia.teve com o atual chefe desta familia nobre, o príncipe Kaspervon der Leyen, declarou-lhe êste ignorar que algum Gasparvon der Ley tivesse servido à Holanda no Brasil. Também:Centraal Bureau voor Genealogie, Haia.

Page 20: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

FRANcISCO JOSÉ MOONEN24

par van der Ley nasceu e morreu. A certidão deJoão Maurício de Nassau mostra que, naquêle anode 1668, já tinha morrido, porque, no caso contrá-rio, o atestado de nobreza teria sido solicitado àautoridade competente em tais encargos e não auma pessoa que, embora categorizada, não tinhaatribuição para! expedir essas provas. Gaspar, sefôsse natural do Eleitorado de Brandenburgo, devjasaber quais eram estas autoridades e onde as en-contrar; já o seu filho, nascido no Brasil, emboraentão em Lisboa, nunca tinha estado em Branden-burgo, nem conhecia as autoridades daquêle país.

Gaspar van der Ley casou em Pernambucocom D. Maria de Mero, filha de Manuel Gomesde MeIo, senhor do Engenho Trapiche, no Cabo,e de sua mulher D. Adriana de Almeida. Dêstecasamento nasceram quatro filhos, a saber: JoãoMaurício, Manuel Gomes, Gaspar e Adriana. D.Maria de MeIo, viúva, casou novamente com JoãoBatista de Acioli, e dêle teve uma filha chamadaMargarida. (15) Não conseguimos descobrir a data

dêste casamento, pois se a soubéssemos seria pos-sível dizer, com algUIma aproximação, a época emque Gaspa! van der Ley faleceu. Pode-se contudo,fazer alguma conjectura: Margarida, filha do se-gundo casamento da viúva dêste, casou com Filipede Moura Acioli e do têrmo de Irmão da Miseri~córdia, que êste assinou em 26 de março de 1678,

15. Borges da FonSéca, 1.c., vol. I, pág. 117 e segs.

Page 21: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPAR VAN DER LEY NO BRASIL 25

consta que nesta data já era casado. (16) Admitin-do-se que sua mulher, ao casar, tivesse a idademínima de onze anos, teria ela nascido antes de1667, e Gaspar van der Ley teria então falecidoantes de 1666.

As notícias que correram sôbre a morte deGaspar no fim de 1645, logo após a rendição doForte do Pontal, não mereceram crédito por partedos Altos Conselheiros, e com razão. No Diário deMatheus van den Broeck, êste diz ter falad,o comLey no fim de fevereiro de 1646 na Bahia. (17) Queêle ainda estava vivo em setembro de 1645 mostratambém o edital publicado pelos Altos Conselhei-ros neste mês, no qual concedem perdão aos in-surrectos portuguêses, excluindo-se dêle, porém,Gaspar van der Ley, entre outros.

Um documento do Conselho dos XIX da Com-panhia das fndias Ocidentais, datado de 5 de mar-ço de 1663, contém a lista dos engenhos vendidosno Brasil pela Companhia depois de 1637, cujospreços, no todo ou em parte, não haviam sido sa-tisfeitos. Gaspar van der Ley consta aí dever aindaentão a soma de pouco menos de 50.000 florins.Isto faz supor que estava vivo naquêle ano, ou,pelo menos, que na Holanda ainda era consideradovivo. Falecido então provàvelmente depois de 1663

16. Borges da Fonseca, l.c., vol. II, pág. 11.17. "Breve Discurso", Revista. do Insfituto Arqueol6gico

Pernambucano, n.o 32, Recife, 1887, págs. 165 e 169. Matheusvan den Broeck, "Diário ou Narração Histórica", Revista doInsfituto Hist6rico Brasileiro, n.o 40, Rio, 1877, pág. 56.

Page 22: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

26 FRANCISCO JOSÉ MOONEN

e antes de 1666, deve ter nascido ou nos últimosanos do século XVI ou no princípio do seguinte.

OS FILHOS DE GASPAR VAN DER LEY

Quando da entrega por subôrno e traição dafortaleza de Nossa Senhora de Nazaré (que os ho-landeses chamavam do Pontal ou Van der Dus-sen) do Cabo de Santo Agostinho, em setembro de1645, prometeram os portuguêses a Gaspar vander Ley ~a comenda da Ordem de Cristo do lotede cem mil réis, para um filho seu. Dêsses filhos,segundo Martim Soares Moreno, chamava-se "omais velho João Vanderley e o outro Gaspar Van-derley". (18)

Borges da Fonseca cita os filhos de Ley naseguinte ordem: João Maurício, Manuel Gomes,Gaspar e Adriana, todos do seu casamento comD. Maria de MeIo. Das palavras de MartilIn SoaresMoreno pode-se, porém concluir que Gaspar erao segundo filho e não Manuel.

João Vanderley, sem dúvida o primeiro filhode Gaspar, nasceu segundo Borges da Fonseca,provàvelmente etm 1641, "porque sentando praçade soldado da Companhia do capitão João BatistaPereira, do têrço do Mestre de Campo D. João deSousa, a 3 de janeiro de 1666, declarou ter 25 anos

18. Carta de Martim Soares Moreno a Antônio Teles daSilva de 6 de setembro de 1645, cit. em nota 12.

Page 23: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPARV AN DER LEY NO BRASIL 27

de idade. Muito se lhe deveu na restauração doPalmar, porque acudiu com a sua pessoa, criados,escravos e mantimentos". Segundo o atestado denobreza fornecido pelo Conde de Nassau seu no-me seria João Maurício, e é assim que Borges daFonseca o registra. Contrária a esta informação éa Consulta do Conselho Ultramarino de 8 de mar-ço de 1668, que contém o seguinte texto: "JoãoGomes Vanderley consta que tem servido a VossaMajestade na capitania ~e Pernambuco desde ja-neiro de 1666 até o presente de soldado da com-panhia do capitão João Batista Pereira, achando--s~ nas ocasiões que se ofereceram e alega que éfilho de Gaspar Vanderley mui conhecido nas guer-ras de Pernambuco onde fêz a Vossa Majestademuitos e mui particulares serviços", e mais adian-te: "O doutor Feliciano Dourado, Rui Teles deMenezes, Francisco Malheiro e o Conde Presidentenomeiam a Vossa Majestade para a dita compa-nhia em primeiro lugar a João Gomes Vanderley,sem embargo de não ter os anos de regimento,porquanto Vossa Majestade manda que se tenharespeito para êstes postos as pessoas de qualida-des, e êle ter por si os mantimentos de serviços deseu pai Gaspar Vander.ley". (19)

Nesta consulta pede-se a nomeação de JoãoGomes Vanderley para capitão de uma companhia,pedido êste feito ao próprio Rei de Portugal. Deve-

19. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa, Pernambuco,papéis avulsos, càixa 5.

Page 24: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

28 FRANCISCO JOSÉ MOONEN

mos, pois, excluir a possibilidade de ter havidoengano quanto ao nome do candidato; pode-se ad-mitir que o seu nome completo fôsse João Maurí-cio Gomes Vanderley. Que Borges da Fonseca tenhacometido um engano, ou qu,e João Gomes, no seupedido para o atestado de nobreza, tenha mudadoseu nome em João Maurício, como se sabe o nome

do Conde de Nassau, para obter mais fàcilmente odesejado atestado, parece-nos pouco provável. Tam-bém no livro 1.'0 de Registro de Irmãos da SantaCasa de Misericórdia de Olinda, 1682-1859, encon-tra-se em data de 27 de junho de 1707 a admissãodo capitão Sebastião Maurício Vanderley, filho .le-gítimo do Gapitão João Maurício e Maria da Rocha,filha de Clemente da Rocha Barbosa e de sua mu-lher Maria Lins.

Sôbre João Maurício Vanderley diz aindaBorges da Fonseca que "serviu os postos de Capi-

tão da Ordenança. ...da Mangabeira por patentedo Governador D. Pedro d'Almeida, de 2 de abrilde 1678, e de Cavalos por patente do GovernadorAires de Sousa de Castro, de 7 de setembro de1680". Não é verdade, como afirma Borges da Fon-

seca, que tomou o hábito de Cristo em 1663, mas

sim, provàvelmente, em 1674, pois dêste ano é o

alvará pelo qual o Rei concedeu a João GomesVanderley ser armado cavaleiro. No Inventário

dos Livros das portarias do Reino, volume II, queinclui os anos de 1653 até 1664, não consta o no-

Page 25: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPAR VAN DER LEY NO BRASIL 29

me de qualquer Vanderley, como tendo obtido amercê da Ordem de Cristo.

Do segundo filho, como o pai chamado GasparVanderley, diz apenas Borges da Fonseca, que foi

rtenente coronel, e casou com D. Ana ~erreira .Sôbre êle tmnos outra informação numa carta deconfirmação de patente, escrita em Lisboa no dia8 de novembro de 1678, na qual se vê que a fregue-sia do Cabo ainda era o local da habitação dos des-cendentes de Gaspar van der Ley e D. Maria deMeIo. O texto da carta é o seguinte :

"D. Pedro, etc., faço saber aos que está minhacarta de confirmação virem, que tendo respeito aque Gaspar Vanderley se saberá haver nas oca-siÕes que se ofereceram com satisfação e com amesma igualdade com que seu pai e avós servi-ram nas guerras do Estado do Brasil, conforme aconfiança que faço de sua pessoa, hei por bemfazer-Ihe mercê de o confirmar, como por esta con-firmo, no pôsto de Capitão da Companhia de In-fantaria da Ordenança dos moços solteiros dafreguesia do Cabo de Santo Agostinho em que estáprovido por patente de D. Pedra de Almeida, sendogovernador de Pernambuco, na forma do capítulo20 do seu regimento, com o qual pôsto não ven-cerá soldo algum de minha fazenda, mas gozaráde tôdas as honras, privilégios, liberdades, isençõese franquezas que em razão dêle lhe tocarem. Pelo

que mando ao meu governador da dita capitaniade Pernambuco conheça ao dito Gaspar Vande-

Page 26: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

FRANCISCO JOSÉ MOONEN30

nem [sic] por capitão da dita companhia e comotalo honre e estime e deixe servir o dito pôstodebaixo da posse e juramento que se lhe deu quan-do nêle entrou e aos oficiais e soldados da ditacompanhia ordeno também que em tudo lhe obe-deçam e cumpram suas ordens de palavra e porescrito como devem e são obrigados, e por firmezade tudo lhe mandei passar esta minha carta pa-tente de confirmação por mim assinada e seladacom o sêlo grande de minhas armas, a qual vaipor duas vias. Lisboa, 8 de novembro de 1678". (20)

Os primeiros doi~ filhos de Gaspar van derLey seguiram, pois, a carreira militar de seu paie foram, como êste, altamente estimados entre osportuguêses por seus serviços prestados ao Reinode Portugal, e não apenas pelo fato de serem filho3de Gaspar van der Ley, a quem tanto se deviapara o sucesso da Insurreição Pernambucana, em1645.

Manuel Gomes Vanderley casou com D. Méciade Barros, filha de Rodrigo de Barros Pimentele de sua mulher D. Jerônima de Almeida, enquan-to D. Adriana de Almeida Vanderley, a única filhade Gaspar, contraiu matrimônio com André deBarros Rêgo, filho de Arnau de Holanda Barretoe de sua mulher Luzia Pessoa. Sôbre êstes limi-tamo-nos às informações de Borges da Fonseca,sem outras pesquisas a respeito. (21)

20. Arquivo Históiico Ultramarino, códice 119, fôlha 82v.?1 ~Ahr" nq filhnR d.. Gasnar van der Ley e D. Maria de

Page 27: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPAR VAN DER LEY NO BRASIL 31

A GRAFIA DO NOME VAN DER LEY

Nomes próprios fomados pela preposição vane o artigo de tendem, na Holanda, a serem escri-tos juntos, e é desta forma que o nome apareceescrito no Brasil já nos documentos mais antigos.Durante muito tempo era esta a única grafia ado-tada pelos membros da família no Brasil, pelomenos até a segunda metade do século XVIII,como consta, entre outros, do já citado Livro 1.0de Registro de Irmãos da Santa Casa de Miseri-cÓrdia de Olinda, onde o nome foi escrito comoVanderlei e da página 401 do Imanuscrito do vo-lume 4 da Nobiliarquia, em letra do própriq Bor-ges da Fonseca, como já dissemos. Na consulta doConselho Ultramarino, de 8 de março de 1668, agrafia usada é Vanderly [sic] .Na InformaçãoGeral da Capitania de Pernambuco, de 1749, eno Mapa Geral da Capitania de Pernambuco, de

1763, aparecem respectivamente, Gonçalo da Ro-cha Vanderley, diretor da vila de Porto Calvo, e ocapitão João Luís Vanderley, diretor da povoaçãodo Barreiro..

Nas cópias defeituosas da Nobiliarquia, feitasno século XIX, consta a grafia errada, porématualtmente aceita e mais usada pelos membrosda família, com w. Não pesquisamos se os copis-tas da N obiliarquia foram os primeiros a usar esta

MeIo veja-se Borges da Fonseca 1.c., vol. I, capitulo sôbre osWanderleys, pág. 117 e segs.

Page 28: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

FRANCISCO JOSÉ MOONEN32

grafia, ou se ela já neste tempo, estava em usono Brasil. A grafia Wanderley é desconhecida naHolanda.

GASPAR VAN DER LEY COMO, CAPITÃO

E SENHOR DE ENGENHO

A entrega da fortaleza de Nossa Senhora deNazaré aos luso-brasileiros, no ano de 1645, cau-sou grande consternação entre os moradores ho-landeses no Recife, que cam isto perderam seuprincipal ponto de defesa contra os insurrectos nosul da capitania de Pernambuco, além de grandenúmero de militares que agora passavam para oserviço dos contrários. Para explicar a perda dêsteimportante baluarte, os Altos Conselheiros, quefoImavam o govêrno do Brasil holandês, escreve-ram ao Conselho dos XIX da Companhia das :tn-dias Ocidentais, na Holanda, que estavam segurosdaquele lugar porque nêle se encontravam algu-mas pessoas que nas guerras anteriores tinhamocupado cargos importantes na t~opa, como porexemplo, Gaspar van der Ley. Por "guerras ante-riores" referiam-se às do período de 1630-1635, dainvasão e idomínio do territórto nordestino. Aoautor do Didriol ou Breve Discurso causou admi-ração que Ley fôsse capaz de traição, porque du-rante 15 anos tinha servido fielmente à mesmaCompanhia no Brasil. r.ste último documento per-mite-nos supôr que Gaspar van der Ley tenha

Page 29: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPAR VAN DER LEY NO BRASIL 33

chegado ao Brasil no ano de 1630, provàvelmentecom as primeiras tropas que foram mandadaspara cá.

Não sabemos que cargo ocupava êle nos pri-meiros anos de sua estada no Brasil, mas é de crerque estivesse ligado à cavalaria, da qual, pelo me-nos a partir de 1634, tinha o comando, na quali-dade de capitão (ritmeester) .No ano seguinte fêzparte da tropa de guarnição do Arraial do BomJesus, comandando 93 pessoas, das quais 4 inap-tas, pelo que se pode supôr que tenha tomadoparte no assédio e conquista dêle aos defensoresluso-brasileiros.

Em julho dêste ano foi sua companhia, jun-tamente com mais 200 soldados, destacada paraSirinhaém, e em dezembro conseguiu dispersarcom sua cavalaria a tropa de Matias de Albuquer-que quando êste atacou o Rio Formoso. A tropaformada, na freguesia do Cabo, pelos indígenas,recebeu em 1636 ordem de juntar-se a Ley, ondeestivesse, e obedecer a suas ordens. (22)

São êstes os poucos fatos conhecidos dos pri-meiros anos que estêve no Brasil; nada de faça-nhas militares, apenas serviços de rotina, aparen-

22. Jan de Laet, Jaerlyck Verhael, 4 vIs., Haia, 1931-37,vol. IV, págs. 42 ~ 75. Carta de Von Schkoppe ao Conselho dosXIX de 16 de jJ,1lho de 1635, carta de Willem Cornelissen àCâmara de Zelândia de 12 de dezembro de 1635 e Lista dasCompanhias no Brasil, entre os papéis de 1635, tôdas ARA.Oude WIC, maço 50 e Dagelijkse Rotule de 20 de junho de1636, ARA Gude WIC, maço 68.

Page 30: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

34 FRANCISCO JOSÉ MOONEN'

temente sem maior importância. Afirmam os seuspréstimos os Altos Conselheiros, numa carta diri-gida ao Conselho dos XIX na Holanda, sem data,mas provàvelmente de 15 de junho de 1635, naqual dizem que "os cavalarianos fizeram até hojeserviços razoàvelmente satisfatórios e têm um bomcapitão, Gaspar van der Ley, que consegue man~tê-los em disciplina".

JaB de Laet, autor da História ou Anais dosfeitos da Companhia das Jndias Ocidentais noBrasil, ao descrever os acontecimentos de abril de1636, diz que os portuguêses, indo de Ipojuca parao norte, saquearam os engenhos dos moradores ho-landeses, mas pouparam o engenho do capitão-de-~cavalos Ley, "que tinha casado com a filha de umportuguêS", do qual apenas roubaram um bomcavalo. (23) E'sta observação de De Laet é a única

a informar que, no início de 1636, Ley, quandoainda capitão-de-cavalos, além de ser senhor deengenho, já era casado com D. Maria de Meio,filha de Manuel G<JImes de Me-Io, senhor do enge-nho Trapiche, no Cabo de Santo Agostinho. Nãohá indicação do ano do casamento, mas Ley terásido dos primeiros dentre os invasores a ligar-sea uma moça do país conquistado.

Embora êstes casamentos não fôssem cousarara, não deve ter sido fácil a união com uma filhade um português ainda nos primeiros tempos da

23. Jan de Laet, 1.c., vol. IV, págs. 225 e 228.

Page 31: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPAR VANDER LEYNOBRASIL 35

ocupação holandesa, porque, o ódio aA:J 4n'5lasorainda estaria muito forte. A oposição. deveteisidomaior, porque se tratava de casamento: na IgrejaReformada, como diremos. No Inventáxio dv&,;en-genhos de autoria de w. Schott, datado de':1636,se diz que então o engenho Trapiche, ou NossaSe-nhora da Conceição. era de propriedade de D .Adriana; viúva de Manuel Gomes de Melp. O fatode o pai de D. Maria estar já então falecido, podeter favorecido a realização de, seucasamento'comGaspar van der Ley, figura important~ dO exérci-to hQlandês a serviço da Companhia das :t~~ias

Ocidentais. ",

A afirmação de que Ley se wmóúcatólicopara poder casar com D. Maria de Melo,.-deve-se a

, ..,

Borges da Fonseca, mas há vários documentos que

provam o contrário. No Livro de Batismo di)rgre-ja Reformada rio Brasdl, Ley figura três vêzescomo padrinho, respectivamente nosianos de 1634,1638, e 1639. As atas da Classe da"1greja Reformâ-da de 17 de' outubro de 1641 dizem clarámehtequ.e o senhor Gaspar van der Ley; ancião, se"'ex-cusou por escrito de assistir a assembléia, sendoaceita a excusa. Depois dos predicantes, eià,tni osanciãos as pessoas de maior qualiáade na hierar-qlii~ da I.gréja Reformad81" pois formavam éomós predicantes'o conselho eclesiástico 'local e eràmouvidos em tôdas as questões importantes, "Estavaêle neste tempo no Cabo de Santo Agostinho, ondeJodocus a Stetten era predicante. Ouandó mar'-

Page 32: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

36 FRANCISCO JOSÉ MOONEN

reu a espôsa dêste, e êle teve que viajar ao Recife,em junho de 1645, confiou sua filha menor, Maria,aos cuidados da família van der Ley. (24) Mostramêstes fatos que Ley pertencia à Igreja Reformadamesmo depois de seu casamento, porque seria im-IX>ssível ser êle padrinho e ancião se fôsse cató-lico ou suspeito de sê-Io. O casamento foi, pois,celebrado na Igreja Reformada, e compreende-seentão a observação de Frei Manuel Calado queLey "estava casado, ou amancebado", porque comopadre católico não podia reconhecer esta uniãocomo legítima. Que Ley não era amancebado, masrealmente casado, provam-no não apenas váriosdocumentos contemporâneos, como também aatitude da Classe da Igreja Reformada, quesempre criticava severamente os erros e pe-cados de seus membros, em especial quando setratava de casamentos, batismos ou assuntos se-xuais, e assim Ley não poderia ter sido, como foi,ancião na Igreja do Cabo sem estar regularmentecasado. Por outro lado, também não merece muitafé a informação da já referida consulta do Tribu-nal da Mesa de Consciência e Ordens, de 1688 se-gundo a qual se tornara católico só no fim de suavida. Quando Ley passou para o lado dos portu,-guêses, em 1645, fôra-Ihe prometido que poderiaviver livremente em sua religião. No entanto,

24. Carta de Jodocus a Stetten aos Diretores da Compa-nhia das 1ndias Ocidentais de 24 de junho de 1645, ARA, OudeWJC. maço 60.

Page 33: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

l.TASPAR VAN DER LEY NO BRASIL 37

Hooghstraten e Wedda, dois outros oficiais holan-deses que com Ley participaram da entrega dafortaleza de Nossa Senhora de Nazaré aos luso--brasileiros, e aos quais foi feita a mesma promes-sa, logo após se converterem ao catolicismo, poisquando estavam na Bahia iam à missa diària-mente. (25) Nada consta a respeito de Gaspar van

der Ley, mas podemos admitir que também êlese tenha convertido ao catolicismo, pelo menosaparentemente, não apenas porque também suamulher confessava esta religião, mas também eprincipalmente porque como herege seria impos-sível permanecer no Brasil.

Não está claro qual o engenho que Ley pos-suia em 1636, porque só no dia 21 de julho de1638 comprou o engenho Algodoais, situado pró-ximo ao Cabo de Santo Agostinho, pelo preço de20.000 florins para o qual engenho adquiriu depoisum total de 30 negros. (26) Tinha êle pertencido a

Miguel Pais e fôra confiscado pela Companhia dastndias Ocidentais, mas não estaya nem em con-diçÕes de moer, nem de ser habitado. Após a per-manência nas suas terras do exército holandês.por ocasião do cêrco do Cabo em 1635, o engenho

25. Generale Missive de 4 de setembro de 1645, ARA,Oude WIC, maço 60.

26. Informação do Conselho dos XIX da Companhia dasfndias Ocidentais de 5 de março de 1663, MS em poder daHistorical Society of Pennsylvania, USA, de que temos cópiafotostática. Dagelijkse Notulen de 22 de setembro de 1638 e21 de julho de 1639, ARA, Oude WIC, maço 68, e DagelijkseWn+..IA ti" ,n ti" m"rco de 1641. ARA. Oude WIC, maço 69.

Page 34: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

FRANCISCO' JOSÉ MOONEN38

se apTesentavaarruinado quase por completofsem :aspnncipaiS! peças da fábrica, como eram, porexemplo, as caldeiras. Gaspar van der Ley repa-rou;;oe"replantou;.o e em 1640 esperava moer, pelaprimeira vez, depois de, tantos anos de inativi-dade. (27) Nestas condições desfavoráveis não é decrer que habitasse o engehbJ) antes de 1638, embo-ra hão seja impossível que o ocupasse desde anosanteriores a título de arrendamento, como o fize-ram, : por .exemplo, " o general Sigismundo von

Schkoppe e o fiscal Nicolaes de Ridder, que ar-rehdat,am sêuserigenhos em 16~'5 e só os compra-raro dois anãs depois. (28) Entretanto parece mais

próváv:el que' Ley em; f636!morásse"nó' engenhoTrapiche, oe ~ua'sogra, onde sêJhRbituou' à vidasedentária antes de tornar-se êle próprio senhorde engenho.

Devemos fazer aqui uma breve interrupçãonesta matéria de Gaspar van der Ley como sehhorde engenho, para voltar ao ano de 1637, quando.ainda capitão-de-caválos. O Conde João Mauríciode N~sau: governador.geral -do Brasil holandês,escreveu ~o início dêst.e ano que de seu exércitofazia pãrte uma ~tropa de 80 cavalarianos, certa-

.,- .27. Willem Schott, "Inventário dos engenhos"; ARA; Gude

WIC, i:riaço46;..."BreveDiscurso sôbre o estado das quatro ca-pitaniás:'conquistadas, de 14: de janeiro de 1638"; Revista doInstituto Arq~ológico Pernambucano, n.o 34, Recife, 1887, pág.147; Adriaen van der Dussen, "Relatório", 1639, tradução deJosé Antônio Gonsalves de Mello, Rio de Janeiro, 1947, pág. 36.

281.'! Adril1eri-vander Dussen, "Relatório",pág. 37.

Page 35: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPARVANDERLEY NO BRASIL 39

mente os que estavam sob o comando de Ley(29)Cêrca de meio ano depois, no dia 15 de setembro,já nãQ mais ocupava êle aquêle pôsto, pois fêzprova perante o Alto Conselho, no Recife, de quefôra exonerado do cargo por Maurício de Nassau.e pediu que fôsse fechada sua conta, tendo osConselheiros resolvido antes ouvir a respeito C'Conde. Dois dias depois Ley comprou alguns ne-gros, o que pode indicar que seu pedido fôra de-

ferido. (30!O documento não diz claramente se a demis-

são foi de iniciativa de Nassau, ou se foi pedidapelo próprio Ley, o que parece mais provável.Suas qualidad~s de chefe militar estão fora de dú-vida, porque em 1639, e mais uma vez em 1645, foit;)leito coronel das tropas auxiliares, compostas decivis, tanto de cavalaria como de infantaria, asquais foram alistadas como segurança contra osluso-brasileiros insubmissos. A cavalaria do exérci-to regular só veio a ser extinta em 1639 e o Condenão iria demitir uma pessoa, como Gaspar van derLey, que por tantos anos a comandara no Brasil;daí poder-se admitir que êle, por conveniência pes-soal, se tivesse desligado da tropa para se dedicara outras atividades. (31)

29. Carta de Mauricio de Nassau de 3 de fevereiro de1637, ARA, Cartório dos Estados Gerais, LIAS. 5772. Netscher,Les Ho11andais au Brési1, Paris, 1853, pág. 87.

30. Dage1ijkse Notu1en de 15 e 17 de setembro de 1637,ARA; Gude WIC, maço 68.

31. "Sterkte van de troepen van de West Indische Com.

Page 36: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

40 FRANCISCO JOSÉ MOONEN

A partir de então Gaspar van der Ley tornou--se realmente senhor de engenho, figura das maisimportantes. na freguesia do Cabo, honrado e esti-mado tanto pelos portuguêses quanto pelos holan-deses. Comprara, em 21 de julho de 1638, o enge.nhos Algodoais, que, como informa Schott, tinhacêrca de meia légua de terra, com poucas várzease plantações de cana. Era engenho d'água, coma produção anual calculada em 1.500 a 1.600 ar-rôbas de açúcar; a casa de purgar e a casa dascaldeiras eram feitas de alvenaria.

As grandes despesas necessárias para conser-tar e replantar o engenho, junto com a improdu-tividade do mesmo nos primeiros anos depois da.compra, deve ter esgotado seus recursos financei-ros. Mas isto não impediu que no dia 17 de maiode 1642, ainda adquirisse da Companhia das fn-dias Ocidentais os dois engenhos Utinga de Cimae de Baixo, também no distrito do Cabo, pela so-ma de 20.000 florins, além de 40 escravos, cujopreço total seria acrescentado ao dos engenhos.Tôda a dívida deveria ser paga em prestações de8.000 florins por ano, a partir de janeiro de1645. (32) A grande facilidade de pagamento se ex-

plica pelo fato de estarem os dois engenhos intei-ramente destruidos e sem cultivo há vários anos,

pagnie in Brasil", 18 de fevereiro de 1639, ARA, Gude WIC,maço 54.

32. Dagelijkse Notu1e de 17 de maio de 1642, ARA, GudeWIC, maço 69.

Page 37: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

41GASPAR VAN DER LEY NO BRASIL

de modo que não havia quem os quisesse comprar.É evidente que Ley se deixou iludir pelo preçobaixo das duas propriedades e pela grande facili-dade de pagamento, e sem perceber o que estavaa comprar, porque a Dagelijkse Notule de 22 dejunho de 1642 diz o seguinte: "O Senhor Gasparvan der Ley representa por escrito que êle no dia15 [sic] do mês pass.ado comprou ao Conselho osengenhos Utinga de Cima e de Baixo, pela somade 20.000 florins e 40 peças de negros, cujo preço,por causa do pagamento a prazo, viria a ser oduplo do preço estabelecido na venda; e com-prou-o na esperança de que encontraria ainda umbom engenho e bons canaviais, mas notou agora,ao contrário, que as terras de ambos os engenhossão matas e não terreno cultivado, e tem apenasuma velha casa de purgar, como pode provar àsaciedade. E, além disso, que o preço dos negrosera excessivamente alto e aumenta enormementesua dívida; tanto o engenho quanto os negros lheforam vendidos pelo dôbro do valor real. Pede,pois, ao Alto Conselho que o não queira arruinarpor causa dêste cálculo errado e pede um des-

conto".

A solução para o problema só foi encontradameses depois, e consta da Dagelijkse Notu.le de 23de março de 1643: "Tendo o senhor Gaspar van derLey a 17 de maio do ano passado comprado à Com-panhia os engenhos arruinados Utinga de Cima ede Baixo. pediu êle um abatimento; a

Page 38: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

FRAncisco' JosÉ MO0NEN42

cousa ficou desde então neste ponto, em razãoda investigação que era preciso fazer nos doisengenhos, como pela doença do dito Van derLey, e ainda por outras cousas e por isso nãoprosseguiu; até que, por ocasião da venda dos ne-gros vindos pelo navio Burgh, o dito senhor veioao Recife, e, depois de várias deliberações, foi re-solvido que a compra dos engenhos e tudo que aêles pertence e os negros, não será desfeita, pa-gando êle em vez de 20.000 florins a quantia de10.000 f1orins, mas com relação à compra dos ne-gros tudo fica como antes foi estabelecido". E' pa-rece que assim foi feito, porque dois dias depois,em 25 de março, Ley hipotecou o engenho Algo-doais, em particular, à Companhia das tndias Oci-

dentais, pela importância de 49.964 f1orins, a qual,aliás, ainda não tinha pago em 1663. (33) A com-pra de engenhos confiscados pela Companhia dasfndias Ocidentais era geralmente feita alongoprazo, em especial quando se tratava de engenhosarruinados que não tinham possibilidade de darlucro algum nos primeiros anos depois da compra.Também Ley deve ter comprado o engenho Algo-doais a um prazo razoàvelmente longo, e não com-preendemos como êle, em 1643, quando o engenhocertamente ainda não estava pago, podia hipote-cá-!o ~,seu vendedor por uma quantia uma vez e

33. Informação do Conselho dos XIX da Companhia dasfndias Oc-identais de.'5 de marCó de 1663, doc. cit. em nota 26.

Page 39: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPARVAN DER LEYNO BRASIL 43

:meia mais alta do que o preço da compra. Nãosabemos se teria consertado e replantado os doisengenhos, o que só teria sido possível a grandecusto. Os documentos posteriores a esta compraapenas se referem a Ley como senhor do enge;.nho Algodoais, onde tinha sua residência. Os en-genhos Utinga de Cima e de Baixo certamentenão chegaram a moer devido à insurreição luso--brasileira, pouco tempo depois.

GASPAR VAN DER LEY COMO ESCABINO ECORONEL 'DAS TROPAS AUXILIARES

As freguesias do Cabo, Ipojuca e Muribeca

pertenciam inicialmente à jurisdição de Olinda,que se estendia cêrca de 13 léguas pelo litoral, dorio Sirinhaém no sul, até os limites da jurisdição

de Igaraçu ao norte. Os eleitores de cada jurisdi-ção apresentavam anua1mente ao govêrno holan-dês no Recife uma lista da qual deveriam ser es-colhidos os novos escabinos da Câmara, podendocerto número dêles serem reconduzidos. As pes-soas apresentadas pelos eleitores eram as mais des-tacadas da comunidade. Tinham êles, como os ve-readores dos senados da câmara do sistema muni-cipal português, o poder judiciário em primeiraÍnstância, podendo as causas serem apeladas pe~rante o Conselhol Polit[co, a princípio, e, maistarde, perante o Conselho de Justiça; tinham tam-bém atribuições políticas na área de sua jurisdição.

Page 40: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

FRANCISCO JOSÉ MOONEN44

Na lista de candidatos para o cargo de esca-binos da Câmara de Olinda, apresentada no dia2 de junho de 1638, figura pela primeira vez onome de Gaspar van der Ley. Eleito escabino co-meçou exercer a função a partir de 1.0 de julho,pelo tempo de um ano; não foi reconduzido noano seguinte. Em 1641 foi indicado na lista parao mesmo cargo na Câmara da Cidade Maurícia,para onde a Câmara de Olinda tinha sido trans-ferida em 1639, por aí estar estabelecida a sededo govêrno holandês do Brasil. Gaspar van derLey não foi, porém, escolhido para o cargo. {34)

Devido à grande distância a que ficavam doRecife as freguesias de Santo Antônio do Cabo,Ipojuca e Muribeca, mandaram os moradores dasmesmas, em 1642, Gaspar van der Ley e ManuelFernandes Cruz, senhor do Engenho Tapacurá,em comissão perante o Alto Conselho, a fim deexpor os inconvenientes de estarem sujeitos ao tri-bunal de Maurícia, pedindQ que fôsse instituídauma câmara de escabinos em Santo Antônio doCabo, no que foram atendidos pouco telmpo depois.No dia 22 de julho de 1642 Ley foi incluído peloseleitores das três freguesias na lista da qual se-riam escolhidos os primeiros escabinos da câmarado Cabo, sendo êle eleito no dia seguinte peloConde e Alto Conselho. Não encontramos docu-

34. Dagelijkse Notulen de 2 de junho de 1638, ARA, OudeWIC, maço 68 e de 4 de junho de 1641, ARA, Oude WIl;,maço 69.

Page 41: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPAR VAN DER LEY NO BRASIL 45

mentos sôbre a eleição do ano de 1643, mas aDagelijkse Notule de 22 de junho de 1644 diz queLey e Wedda continuaram como escabinos, do quese conclui que exerceram o cargo também no anoanterior.

Em julho de 1639 promulgou-se um edita!no qual todos os habitantes do interior do Brasilholandês foram obrigados a se. alistar, cada umno seu distrito. A razão dêste alistamento foi apresença da esquadra hispano-portuguêsa do Con-de da Tôrre na Bahia e a respeito os Altos conse-iheiros escreveram na Generale Missive de 5 deagôsto de 1639: "Para fazer ostentação do nossopoder entre os moradores, registramos todos oshabitantes holandeses, franceses, ingles~s e a1.e-mães. ..., com seus cavalos e armas. Mas se bemtenhamos criado muitas companhias de infan-tes e cavalarianos, os nomes registrados não vãoalém de 400. Procedemos assim porque se fazianecessário mostrar um número respeitável aos por-tuguêses, deixando-os presumir que ~avíamos reu-nido mais gente do que, de fato, havíamos conse-guido". Sendo Ley uma das pessoas mais impor-t.antes da freguesia do Cabo, cron grande experi-ência militar no Brasil, foi nomeado para o pôs tomais alto, que era o de coronel destas tropas for-madas de civis, tanto da irifantaria quanto da ca-vaiaria, as quais receberam ordem de estar de so-breaviso e de se apresentarem logo que chama-das. Parece, porém, que isto nunca foi necessário,

Page 42: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

46 FRANCISCO JOSÉMOONEN

porque não conhecemos atividades militares des~tas companhias de milícias auxiliares.

A INSURREIÇÃO PERNAMBUCANA

Com o regresso do Conde João Maurício deNassau para a Holanda, em. maio de 1644, teveinício uma das épocas mais agitadas na históriado Brasil holandês, agora sob o govêrno dos AltosConselheiros Hamel, Bullestrate e, Bas. As notí-cias sempre mais frequentes sôbre uma conspira-ção dos habitantes luso-brasileiros tornaram-serealidade quando, no dia 13 de junho de 1645, re-bentou a projetada Insurreição Pernambucana.

A documentação sôbre êste episódio é rica, etanto os holandeses quanto os portuguêses o des-creveram amplamente em relatórios: e cartas en-viadas p'ara seus govêrnos na metrópole. A Me-morável Viagem ao Brasil de Joan Nieuhof, 'queneste tempo morava no Recife, nada mais é do queuma descrição, baseada em documentos contempo-râneos, dos fatos ocorridos durante esta revoltaem Pernambuco, nos anos de 1645 até 1647. Ob-servaçÕes valiosas também se encontram no livroO Valeroso LucideniO do padr,e português frei Ma-nuel Calado do Salvador.

Diz êste acerta altura que Gaspar van derLey, ao ter notícia dos boatos de que tropas daBahia estavam para chegar e de que, entre outros,Amador de Araújo fôra escolhido pelos conspira-

Page 43: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GAS;PAR VAN-DER LEYNO BRASIL 47

dores para capitão-mor e Filipe Pais Barreto paracapitão das freguesias de Ipojuca, Cabo e Muri-beca, deu os parabens a Filipe Pais quando o en-controu na Vila do Cabo, e por escrito a Amadorde Araújo. Segundo Manuel Calado já tinham pas-sado quatro meses do ano 1645, e o fato teria en-tão ocorrido em maio. Filipe Pais, com mêdo deser suspeito de traição e ser punido, foi logo aoRecife para se apresentar ao Alto Conselho, ondecontou o que Ley lhe havia dito. Amador de AraÚ-jo escreveu uma carta a Ley, na qual se excusavadas suspeitas de pactuar com a conspiração, e paraprovar que não era traidor, contou que, em outraocasião, por sua casa havia passado o capitão JoãoLopes Barbalho com 300 soldados armados, masque apesar disto se mantivera leal e não tinha to-mado armas, embora pudesse fazê-Io. Continuaentão Calado: "Tanto que o capitão-de-cavalos(L~) .leu a:carta de Amador de Araújo, e chegouao ponto aonde falava no capitão João Lopes Bar-balho, e em trezentos homens, e em tropas de sol-dados pela campanha, não passou mais por diante,senão meteu a carta em um escritório e man-dou aviso aos do Supremo Conselho em como Ama-dor de Araújo era traidor". Para prendê-Io man-daram os Altos Conselheiros um oficial de justiça,mas Araújo já se tinha recolhido em lugar secre-to. (35)

35. Frei Manuel Calado do Salvador, 1.c., vol. 1, pág. 361e segs.' " C! .

Page 44: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

FRANCISCO JOSÉ MOONEN48

Não é improvável que Calado, em sua aver-são aos holandeses em geral, claramente evidenteem seu livro, em particular àqueles que, como Ley,estavam casados com portuguêsas, tenha torcidoalguns fatos dêste mês de maio. Por outro lado,autor inteligente e bem informado que êle é, nãotrataria tão amplamente dêste caso se não hou-vesse alguma base para suas afirmações.

Uma das grandes preocupações dos senhoresde engenho holandeses, em especial quando casa-dos côm portuguêsas, era o que acontecia com êlescaso os holandeses algum dia fôssem expulsos doBrasil. Já em 1643, Charles de Tourlon, o moço,capitão do exército regular, senhor do engenho daCasa Forte, e casado com D .Ana Pais, pergUn-tava em público aos portuguêses se êle e sua mu-lher neste caso poderiam ficar no Brasil, fato quefêz com que êle fôsse expulso do Brasil pelo pró-prio Alto Conselho e mandado, sem a mulher. devolta para a pátria. ( (36)

Também Gaspar van der Ley, achando-se namesma situação incerta, deve ter falado muitoa respeito com seus amigos e parentes portuguê-

ses. Contribui para esta suposição uma infoImaçãode Jacob Dassenie, senhor do engenho Supupema,datada de 14 de junho de 1645, na qual êste fêzsupor que já então sabia d~ futura traição deLey, porque certa pessoa lhe tinha dito que "Ca-

36. ARA, Cartório dos Estados Gerais, maço 5773.

Page 45: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPAR VAN DER LEY NO BRASIL 49

marão ou seu povo que vem, não tem a intençãode arrasar a terra, mas a todos os holandeses quedesejassem ficar no país daria passaporte, e quequarenta ou mais ficariam, e referiu-se a AlbertoGerardo [Wedda] ) , Johan Hick, o capitão-de-ca-valos [Ley] e outras pessoas importantes.'. Enten-de-se destás palavras que Ley, já antes do inícioda Insurreição Pernambucana, teve entendimen-tos com os luso-brasileiros e expressou sua vontadede ficar no Brasil, pelo que não é improvável quese tenha congratulado com Filipe Pais, dono doengenho Garapu, no Cabo, e com Amador de AraÚ-jo, como informa frei Calado.

A infonrnação de Dassenie pareceu tão absur-da aos Altos Conselheiros que um dêles, Bulle-strate, "que era compadre de Ley", lhe mostrou acarta para que visse o qu,e diziam dêle. (37) Caso

Ley se tivesse congratulado com Filipe Pais e Ama-dor de Araújo, era evidente que êle se colocava aolado dos insurrectos, e tivesse o Alto Conselho tidonotícia disto, por intermédio de Filipe Pais, nãoteria manifestado nêle confiança a ponto de, emagôsto, o nomear para o pôsto mais alto do exérci-to regular, no lugar do tenente-coronel Hendrickvan Haus, aprisionado pelos insurrectos na batalhada Casa Forte, em 17 de agôsto de 1645. A atitudesuspeita de Gaspar van der Ley, evidente nas pa-lavras de Calado e Dassenie, não era conhecida dos

37. Matheus van den Broeck, art. cit. em nota 17, pág. 47..

Page 46: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

FRANCISCO JOSÉ MOONEN50

Altos Conselheiros, que o consideravam uma daspessoas mais leais para a causa holandesa, dafreguesia do Cabo.

Quanto à acusação de traição feita por Leya Amador de Araújo, irei Calad,o não referiu averdade dos fatos. Os Altos Conselheiros tiveramnotícia dos planos insurrecionais de alguns mo-radores da Várzea, primeiramente por uma carta docomandante Hooghstraten, datada de 20 de maio.Nesta se refere, entre outras cousas, à visita de-Filipe Pais Barreto a Gaspar van der Ley e aosassuntos então tratados. Para obter informes maisdetalhados sôbre a situação na freguesia do Cabo,dirigiram-se diretamente a Gaspar, cuja resposta,por escrito foi a seguinte:

"Excelentíssimos, Digníssimos, Sábios, Pruden-tes e mui Discretos Senhores.Meus Senhores,

Recebi a carta de V. Excias. datada de 23de maio, na qual vi o desejo de V. Excias. de saberquais as notícias que correm aqui sôbre tropasinimigas. Camo Filipe Pais Barreto, há algunsdias, chegou de Una e me pediu para alertar asg-uarnições próximas a terem cautela, o que fiz,informou-me que uma tropa armada tinha esta-do em Una onde se abasteceu e exigiu víveres paramuitas pessoas. Filipe Pais disse que êle pessoal-mente não a viu, mas que ouviu esta notícia deoutros portuguêses, e me pediu para mantê-la em

Page 47: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPAR VAN DER LEY NO BRASIL 51

segredo, porque êle mesmo queria ir ao Recife parainformar Isto a V. Excias.

Quanto ao boato que acusa algumas pessoas,.sôbre o que o alferes escreveu a V. Excias., possoinformar o seguinte. Corre entre o povo portuguêso boato que João Pais Cabral e Antônio de Crastotinham recebido cartas da Bahia, ao que se diz en-viadas por intermédio de João Fernandes Vieira,nas quais se anunciava ou escrevia que êles seriamnomeados capitães e Amador de Araújo provedor--mor. Sôbre êsse boato o dito Araújo me escreveuuma carta, dizendo que esta acusação era falsae contrária à verdade, e queixou-se dos habitan-tes que espalharam tais cousas sôbre sua pessoa,não sabendo o que fazer nesta situação. Pediu, pois,meu conselho e uma carta de recomendação paraV. Excias., como também o fizeram os outros aci-ma mencionados, mas isto, recusei cortezmente elhes aconselhei a irem pessoalmente ao Recifepara pedir desculpa aV. Excias.

Além disto corre entre os portuguêses o boatoque a tal tropa, vista em Una, veio para buscarJoão Femandes Vieira, pois que êste enviou tôdassuas jóias e valôres com André Vidal para a Ba-hia. Pensa-se que esta tropa se encontra nas mataspróxilmas da casa de Gregório de Barros, ou emMasereppa, d~ modo que convém mandar lá umbom e competente oficial que tenha conhecimen-to seguro dêste lugar, como é o caso do capitãoHooghstraten, que conhece a língua e sabe lidar

Page 48: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

52 FRANCISCO JOSÉ MOONEN

com o pessoal e fàcilmente poderia informar-se edescobrrir alguma coisa, metendo-lhes mêdo porpunições ou tratamento severo. Mas V. Excias. sa-berão :melhor o que ordenar ao tenente-mor. ~stessão os boatos que correm aqui, mas a verdade nãotardará a se manifestar. Gaspar van der Ley. Es-crita em AlagoadeWaes [sic] , em 24 de maio de1645" .(38)

Mostra esta carta que, pelo menos antes destadata, Ley não tinha dado nenhuma notícia sôbretropas em sua freguesia, nem sôbre Amador deAraújo, pois no caso contrário os Altos Conselheirosnão teliam pedido estas informações. Ao que pareceLey escrevia-lhes pela primeira vez após a recepçãoda carta de Araújo, à qual também se refere Ca-lado, :mas não faz nenhuma acusação a êle, nemmenciona o conteúdo da carta, anão ser queAraújo pediu uma apresentação e recomendação.A informação sôbre a tropa vista em Una, êle rece-beu verbalmente de Filipe Pais e não de Amador de

Araújo, que, já há muito tempo suspeito de serum dO3 mais ativos participantes dos conciliábulosque levaram à Insurreição Pernambucana, foi cha-mado ao Recife, não sob acusação de traição massob o pretexto de não ter pago certa dívida aojudeu Duarte Saraiva. A intenção do Alto Conse-lho não era prendê-lo, porque não havia provas desua traição, mas queria sua permanência no Re-

38. ARA, Oude WIC. maco 60.

Page 49: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPARVAN DER LEY NO BRASIL 53

cife para impedir que tomasse parte na revolta~os luso-brasileiros e para vigiar mais fàcilmentesuas atividades subversivas. O motivo de os portu-guêses mencionados na carta transcrita se dirigi-rem a Ley, e não a outro holandês eminente doCabo, talvez não tenha sido apenas pelo fato deêle ser uma das pessoas mais destacadas da fre-guesia e, portanto, credenciado a escrever a dese-jada apresentação, mas pode indicar entendimen-tos anteriores entre Gaspar van der Ley e os luso--brasileiros, que por isto esperavam colaboração desua parte. A insatisfação causada pela atitude deLey, que não lhes atendeu o pedido, pode ter dadoorigem ao boato que nos relata frei Calado.

Não obstante a informação de Jacob Dasseniee outras notícias que eventualmente tenham che-gado aos ouvidos dos Altos Conselheiros, sôbre apessoa de Gaspar van der Ley, êles o nomearamem junho de 1645, coronel da tropa auxiliar, for-mada pelos moradores de Sirinhaém, Ipojuca, Caboe Muribeca, que foram convocados às armas paraajudar a defender o sul da capitania de Pernam-buco contra os insurrectos. Johan Hick, outra pes-soa acusada por Dassenie, ocupou o pôsto de te-nen te-coronel; (39)

A atitude de Ley, pela evidência da documen-tação que chegou até nós, a partir de sua nomea-

39. Dagelijkse Notule de 16 de junho de 1645, ARA, OudeWIC. maco 70.

Page 50: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

FRANCISCO JOSÉ MOONEN54

ção, pode ser considerada exemplar, e não justi-fica suspeitas sôbre entendimento.s com os insur-gentes depois daquela data. Suas cartas escritasao Alto Conselho com propostas para melhorar adefesa do Estado, e tôdas suas atividades, fazemacreditar que sua preocupaç~ era realmente a vi-tÓria dos holandeses sôbre os luso-brasileiros, e fo-ralIIl assim interpretadas pelo Alto Conselho. Sa-bemos, no entanto, que Gaspar van der Ley eraum dos grandes devedores da Companhia das tn-dias Ocidentais, à qual devia a soma considerávelde 133.4()8 florins, como consta da Lista de deve-d;Q~es ,desta Companhia feita no fim do ano de1645. O autor anônimo da Bolsa do Brasil calculoua dívida de Ley à Companhia e a particulares, em130! 785 florins, que devia pagar em 4 prestações,vencendo-se a primeira no dia 1 de agôsto de 1645.Não tipha êle, porém, condições de pagar, comodiz o mesmo autor, porque "o contratante [Ley]é insolvável; ainda deve o que possui. Os seus fia-dores são uns pobres homens que nada têm; umdêles é um padre chamado Belchior Garrido, queapenas possui dois ou ~rês negros e não ganhasenão o que lhe produz a sua missa diária". (40)

A vitória dos holandeses significaria indubitàvel-me~te a falência de Gaspar van der Ley, anãoser que conseguisse melhores condições para liqui-

40. "A Bolsa do Brasil", 1647, Revista do Instituto Ar-queológico Pernambucano, vol. 28, Recife, 1883, pág. 129.

Page 51: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPARVAN DER LEy ~UBRASIL 55

dação de sua-S dívidas, o que não parecia fácildadas as dificuldades da agro-indústria açucarei-ra e a queda do preço do açúcar.

A Insurreição Pernambucana apenas tinha co-meçado e ninguém podia prever a quem caberia avitória; se esta depen~esse exclusivamente de po-derio econômico e do prestígio militar, tudo indi-cava que o Brasil e Portugal não levariam a me-lhor. Os luso-brasileiros estavam para receber tro-pas da Bahia, enquanto os holandeses, em núme-ro relativamente pequeno, esperavam ansiosamenteauxílio da Holanda. A hora de Gaspar van der Leytomar partido ainda não tinha chegado, e isto ex-plica talvez sua atitude indecisa, de um lado obe-decendo às ordens do Alto Conselho e aconselhan-do-o, o que poderia ser alegado em seu benefíciocaso os holandeses saissem vitoriosos e assim obteruma prorrogação de prazos para suas dívidas paracom a Companhia; e de outro lado com suas ten-tativas para captar a simpatia dos luso-brasileiros,para obter vantagens caso fôssem os vencedores,pois nunca os atacou com suas tropas auxiliaresque tinha sob seu comando, nem tentou evitar quereunissem, suas tropas no sul de Pernambuco.

Dos documentos consta que Ley se fortificoucom suas tropas na vila do Cabo, de onde comuni-cou, no dia 8 de julho, ao Alto Conselho, o movi-mento dos insurgentes no seu distrito, e justificousua inatividade dizendo que não dispunha de fôrçasuficiente para os enfrentar. Também havia falta

Page 52: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

'1;~":'

FRANCISCO JOSÉ MOONEN56

de mecha e de annas para os que se haviam colo-cado sob seu comando. Uma semana depois quei-xou-se, também por escrito, que não recebera qual-quer resposta do Alto Conselho, nem tivera notí-cia de providências que êste tivesse tomado. E afir-mava que não poderia manter-se ali por muitotempo caso não lhe mandassem o que estava pe.dindo.(41)

Segundo uma carta de Hooghstraten, coman-dante da fortaleza de Nossa Senhora de Nazaré ouVan der Dussen, Ley comandava cêrca de 63 pes-soas, além dos indígenas que o mesmo mencionaem uma segunda carta; com umas e com os ou-tros, embora mal annados, não teria sido impos-sível investir de algum modo contra os moradoresinsubmissos de sua freguesia, cujo número nãoseria muito superior ao dos holandeses sob Ley,parte dos quais estava armada apenas de facões,foices e armas improvisadas. Logo que receberamnotícia sôbre a situação no Cabo, os Altos Conse-lheiros a comunicaram ao tenente-coronel Haus eordenaram-lhe que fôsse até lá pessoalmente, afim de dominar os luso-brasileiros, pois julgavamque "da conservação dêste lugar dependia não ape-nas o Cabo de Santo Agostinho, mas todo o dis-trito do sul". Com a chegada de Haus à vila doCabo, retiraram-se os insubmissos para as matas,o que mostra que a fôrça dêstes não era tão gran-

41. Vejam-se as cartas publicadas nos apensos.

Page 53: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPAR VAN DERLEY NO BRASn. 57

de como Gaspar van der Ley fêz supor em suascartas. (42) Esta atitude permite admitir que êle,

pelos motivos já mencionados, queria a qualquercusto evitar hostilidades com seus amigos luso--brasileiros, compatriotas de sua mulher, atitudeesta que lhe poderia trazer vantagens no futuro,caso os holandeses fôssem vencidos.

No dia 24 de julho, Ley mandou seu tenente--coronel Hick aos Altos Conselheiros no Recifecom várias sugestões para melhorar a defesa dosul da capitania. Depois de ter deliberado sôbre aspropostas de Ley, resolveram êstes, entre outrascousas, que dali por diante Ley e Hick podiamalistar outros voluntários, moradores da terra,pelo tempo de quatro meses, com um sôldo de 9florins por mês, pagando-lhes o primeiro mês adi-antado. ( (43)

Enquanto isto ocorria, foram mandados à Ba-hia, no dia 9 de julho, o Conselheiro de JustiçaBalthasar van de Voorde, e, como seu adjunto,Dirk van Hooghstraten, que para êste fim deixouseu pôsto de comandante da fortaleza de NossaSenhora de Nazaré, no Cabo. Deviam ~les investi-gar as intenções de Antônio Teles da Silva, gover-nador da Bahia, e exigir a retirada das tropas deAntônio Filipe Camarão e Henrique Dias do terri-

42. Dagelijkse Noiulen de 15 e 19 de julho de 1645, ARA,Gude WIC, maço 70.

43. Dagelijkse Noiule de 24 de julho de 1645, ARA, GudeWT(' Tn"t'n '7n

Page 54: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

FRANCISCO JOSÉ MOONEN58

tório holandês. De volta ao Recife com a respostado governador, mandaram os Altos ConselheirosVan de Voorde para a Holanda a fim de explicarpessoalmente a situação precária no Recife aoConselho dos XIX da Companhia das fndias oci-dentais, e Hooghstraten assumiu o comando dafortaleza, depois de ter sido promovido a sargento~-mor.(44)

No relatório de sua viagem que êste últimofêz ao Alto Conselho, contou como na Bahia ten-taram suborná-lo com prom,essas de um hábitode Cristo e duas ou três comendas e de tudo quedesejasse, ca~o passasse a servir ao Rei de por-tugal. Compreende-se porque promessas tão exces-sivas foram feitas pelo governador da Bahia: afortaleza de que Hooghstraten era o comandanteservia para proteger o pôrto do Cabo de SantoAgostinho, e constituía um grande obstáculo parao desembarque de tropas da Bahia em territórioholandês.

Não sabemos qual teria sido a resposta ver-dadeira de Hooghstraten. roe próprio declarou,naturalmente, que tinha recusado tôdas as pro-postas, mas os acontecimentos posteriores fazemacreditar que realmente houve, na Bahia, enten-dimentos entre Hooghstraten e os luso-brasileirosSegundo frei Manuel Calado, teria êle prometido

44. Dagelijkse Notule de 2 de agôsto de 1645, ARA, OudeWIC, maço 70.

Page 55: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPAR V AN DER LEYNO BRASIL 59

entregar a fortaleza de Nossa Senhora de Nazarée servir aos portuguêses porque era católico e filhode pais católicos. Não podemos acreditar nesta in-formação, porque há vários documentos que pro-vam que Hooghstraten era membro da Igreja Re-formada. (45)

Logo após a partida de Van de Voorde eHooghstraten da Bahia, foram ali preparados dozenavios com tropas de socorro para os luso-brasilei-ros de Pernambuco, as quais desembarcaram no dia28 de julho na baía de Tamandaré. Sob o coman-do de Martim Soares Moreno e André Vidal de

Negreiros, seguiram unidas para o norte e chega-ram, no dia 13 de agôsto, à vila do Cabo, que aesta altura já estava abandonada, porque o AltoConselho, avisado da chegada das tropas da Ba-hia, ordenara a Gaspar van der Ley que se reco-lhesse à fortaleza de Nossa Senhora de Nazaré, oque êste fêz em 11 ou 12 de agôsto. No dia seguin-

te, Hooghstraten comunicou ao Alto Conselho que,com os voluntários vindos da vila do Cabo, a for-taleza passava a contar com 280 pessoas, a saber

45. Nas Atas da Assembléia Geral da Igreja Reformada,reunida no Recife em janeiro de 1646, que se encontram naColeção José Higino, do Instituto Arqueológico do Recife, lê-seno artigo 39: "Dirck van Hoogstraten, ex-ancião do Pontal emembro da nossa Assembléia Gt'ral... renegou sua religiãoe serviu e adorou estátuas e ídolos, no que persiste até hojg.Perguntam se seu nome não devia ser riscado do livro e dasatas da Classe, e êle depois excomungado e publicamentedeclarado apóstata, segundo a ordem eclesiástica", Assim foin""ininn

Page 56: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

FRANCISCO JOSÉ MOONEN60

217 soldados do exército regular, e 63 voluntários,que compunham a tropa comandada por Ley. Se-gundo Manuel Calado, estavam na fortaleza, nodia de sua rendição, 275 soldados, "mais algunsflamengos moradores da terra, que na dita forta-leza se haviam recolhido". Mais adiante o autorcalcula o número em cêrcade 340.(46)

A ENTREGA DA FORTALEZA DE NOSSA

SENHORA DE NAZARÉ

Embora o número de soldados na fortaleza deNossa Senhora de Nazaré fôsse pequeno, em rela-ção à fôrça dos luso-brasileiros, preferiram êstesap-oderar-se dela pacificamente, a exemplo comotinham f,eito, no dia 6 de agôsto, com a guarniçãoholandesa de Sirinhaém. Para êste fim mandouAndré Vidal de Negreiros comissários a Hoogh-straten e Ley com duas cartas, ambas datadas de13 de agôsto. A primeira parece que servia de pre-texto para a presença dos comissários na fortale-za porque contém apenas queixas sôbrre crimescometidos pelos holandeses; na segunda André

46. Matheus van den Broeck, art. cit., pág. 15; Frei Ma-nuel Calado, l.c., vol. II, págs. 108 e 127, Dagelijkse Noiulede 13 de agôsto de 1645, ARA, Oude WIC, maço 70. Parauma descrição mais minuciosa dêste período da InsurreiçãoPernambucana, veja-se José Antônio Gonsalves de Mello, JoãoFernandes Vieira, 2 vIs., Recife, 1956, vol. I, cap. IV; mapada Insurreição Pernambucana, de 13 de junho a 17 de agôstoli" 1R4fi vnl TT n"g 4nR-

Page 57: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPAR VAN DER LEY NO BRASIL 61

Vidal exigia a entrega da fortaleza, segundo aspromessas feitas na Bahia por Hooghstraten e porGaspar van der Ley a seu cunhado João Gomesde MeIo, e a João Fernandes Vieira. (47)

Os entendimentos que admitimos tenham ha-vido entre Ley e seu cunhado e Vieira, sôbre suapermanência no Brasil após uma eventual restau-ração do domínio português, devem datar aindade antes de sua nomeação para coronel das tropasauxiliares. João Gomes de MeIo, capitão do exér-cito regular luso-brasileiro, só agora tinha chega-do a Pernambuco com as tropas da Bahia, en-quanto João Fernandes Vieira desde o início daInsurreição se encontrava com sua tropa na zonada Mata, passando de Camaragibe para São Lou-renço e para as Tabocas, onde venceu o tenente--coronel Hendrik van Haus no dia 3 de agôsto .Parece-nos pouco provável que tenha tido contatocom Ley neste período, em que êste estava na vilado Cabo. As promessas de Ley devem então tersido as de colaborar com os luso-brasileiros, masdificilmente podem ter sido de ordem militar, por-que a esta altura era apenas senhor de engenhoe não ocupava nenhum pôsto no exército regular ,enquanto as tropas de civis ainda estavam porcriar.

Na fortaleza estavam presentes ainda outrosoficiais holandeses, alguns dos quais até o último

47. Veja-se as cartas publicadas nos apensos.

Page 58: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

FRANCISCO JOSÉ MOONEN62

momento mostravam-se contrários à entrega, eêste fato talvez explique porque a resposta porescrito de Hooghstraten e Ley a André Vidal foinegativa, não se sabendo os pormenores, dos en-tendimentos que houve com os comissários, umdos quais era o citado João Gomes de MeIo. Ambasas cartas de André Vidal foram, juntamente comuma cópia da resposta, mandadas ao Alto Conse-lho no Recife, onde, ao que parece, esta atitudefoi considerada como sinal de fidelidade, porqueHoog~traten foi confirmado no seu pôsto de co-mandante da fortaleza, enquanto que a Ley eHick foi prometido que seriam promovidos logoque fôsse possível. (48)

A Vidal e a Moreno veio se reunir João Fer-nandes Vieira, na vila do Cabo, no dia 16; resol-v'eram então dividir suas fôrças. André Vidal eVieira seguiram com parte da tropa para o norte,enquanto a outra parte, comandada por MartimSoares Moreno, começou o cêrco do cabo de SantoAgostinho, depois da segunda recusa da guarni-ção da fortaleza de Nossa Senhora de Nazaré dese entregar.

A comunicação com a fortaleza foi agora cor-tada por terra e por mar. O navio do capitão Maar-ten Thijsen, mandado ao Cabo com água e outrossocorros, voltou no dia 16 ao Recife, porque trêscaravelas inimigas cruzavam diante do pôrto do

48. Dagelijkse Noiule de 14 de agôsto de 1645, ARA, OudeWIC. maço 70.

Page 59: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPAR V AN DER LEY NO BRASIL 63

Cabo, impedindo a entrada. (49) Poucos dias depois

recebeu a guarnição a notícia da derrota e prisãodo tenente-coronel Haus e de todos os seus co-mandados, por João Fernandes Vieira, no dia 17de agôsto, através de UIIna carta de Vidal e Mo-reno dirigida a Hooghstraten e Ley. (50) Esta carta,

que antes de tudo visava a desanimar os holan-deses e convencê-los de que seu domínio no Brasilestava no fim, teve o desejado efeito. Logo após,no dia 22, fizeram êles uma tentativa de evacuaras mulheres que se encontravam na fortaleza, nonaviõ do escolteto Alard Holl, no qual se expediamcartas para o Alto Conselho no Recife. Nunca che-gou êle ao seu destino por qu'e logo ao sair foicapturado pelos luso-brasileiros que agora passa-rarn a exigir com vigor a rendição da guarnição.'c;

.Era êste o momento oportuno para Hoogh-straten e Ley cumprirem suas promessas de cola-borar com os luso-brasileiros e de lhes entregara fortaleza sem perdas de vida; mas, embora co-mandante, não podia Hooghstraten tomar a deci-são sem o consentimento dos seus oficiais. Talvez

tenha sido sob influência dêstes que Hooghstratene Ley responderam que queriam as mulheres devolta, no que .1ogo f,oram atendidos. Agradecerama restituição das muiheres e o bom tratamento que

49. Dagelijkse Notule de 16 de agôsto de 1645, ARA, OudeWIC, maço 70.

50. Veja-se as cartas pub1icadas nos apensos.

Page 60: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

FRANCISCO JOSÉ MOONEN64

lhes fôra dado, mas se recusaram ainda a entre-gar-se.(51)

A paciência dos sitiantes chegara ao fim, eno ultimato que mandaram deixaram à guarniçãoa escolha entre a entrega ou a morte. Após a pri-são de Haus e dos ol:ttros oficiais holandeses, queformavam a elite do exército regular, não podiaa guarnição esperar auxílio do Recife, e como a;:ôrça dos insurgentes era em número que nuncapermitia àquela resistir por Irnuito tempo, esco-lheram os sitiados a Gaspar van der Ley .paradeliberar sôbre as condições da entrega. Foramestas, entre outras, que todos poderiam viver li-vremente em sua religião, e que poderiam possuire ocupar livre e desembaraçadamente suas casas,engenhos e terras e cultivá-las; prometeram tam-bém pagar aos rendidos o sôldo em atrazo queainda não lhes fôra pago pela Companhia das fn-dias Ocidentais. Consideradas favoráveis as condi-çÕes, optou a maioria dos oficiais da fortaleza pelaentrega; apenas três opuseram-se à decisão e pre-feriralrn lutar até o fim. (52)

Favorável à entrega era antes de todos o pró-prio Hooghstraten, a quem os luso-brasileiros pro-meteram um hábito da Ordem de Cristo e o pôs tode Mestre de Campo além de soma considerávelem dinheiro. O fato de êle ser lavrador de um par-

51. Matheus van den Broeck, art. cit., pág. 29.52. art. cit. págs. 31 e segs.

Page 61: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPARVAN DER LEY NO BRASIL 65

tido de trinta tarefas no Engenho Nôvo, de GasparDias FerI'eira, além de possuir um partido noengenho Algodoais, de Gaspar van der Ley, deveter contribuído para sua decisão. A Gaspar vander Ley, como já foi dito, foi prometido um há-bito de Cristo para um filho seu, embora o maisvelho, João Maurício, neste tempo contasse apenasquatro anos de idade, segundo a informação deBorges da Fonseca. Mais importante para êle era,porém, que dêste modo se livrava das grandes dí~vidas para com a Companhia e com particulares,feitas com a aquisição de seus engenhos e escra-vos, que continuaria possuindo livre e desembara-çadamente após a expulsão dos holandeses quelhes devia parecer próxima. Também Johan Hick,como Ley casado com uma portuguêsa, achava-senuma situação difícil, pois que sua mulher e seusfilhos tinham sido presos pelos insurrectos; eraê1e, em sociedade com o holanúês Jacob Goes,dono do engenho Santo André, na freguesia deMuribeca. Interêsses ligados ao casamento commulheres da terra ou outros de natureza econÔ-mica tinham os demais oficiais menores, de modoque no dia 3 de setembro a fortaleza de NossaSenhora de Nazaré foi entregue, passando tôda aguarnição para o serviço dos insurrectos forman-do um têrço sob o comando de HooghstratE;n.

Responsável pela fortaleza era, em primeirolugar, seu comandante, Dirk van Hooghstraten,cuja tropa fazia parte do ~xército regular. Porsua atitude foi êle, com razáo, considerado pelos

Page 62: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

FRANCISCO JOSÉ MOONEN66

holandeses responsáveJ nela traição. Já o caso deGaspar van der Ley, tamoém apontado pelos ho-landeses COlmO traidor, era diferente, porque eraapenas coronel de uma tropa auxiliar de civis, ecomo êle próprio teria dito, "não lhe fôra confiadafortaleza alguma, e não tinha, pois, fortaleza aentregar" .(53) O Alto Conselho, no entanto, o tinhanomeado, no dia 27 de agôsto, para substituir otenente-coronel Haus que era o chefe militar detôdas as fôrças holandesas no Brasil e resolverachamá-lo do Cabo para o Recife, afim de assu-mir aí o pôsto, o mais alto do exército regular. (54)

Neste caso Ley seria o militar de mais alta cate-goria presente na fortaleza no dia da entrega, epois, o principal responsável pela decisão.

Tudo leva, porém, a crer que Ley não teveconhecimento de sua nomeação para a chefia su-prema do exército holandês, por causa do assé-dio da fortaleza onde se recolhera, e sabemo 3 com.certeza que não foi ao Recife assumir o cargo.Todos os documentos holandeses são unânimes emafirmar que Hooghstraten era o responsável pelafortaleza, e não Gaspar van der Ley, a quem sereferem apenas como c,oronel das tropas auxilia-res, e não como comandante das tropas holande-sas regulares. Co,mo chefe das milícias civis Leypode realmente ser considerado traidor, ou cola-

53. art. cit. pág. 32.54. Dagelijke Notule de 27 de agôsto de 1645, ARA, Gude

WTr m,,'." 70

Page 63: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPARVAN DER LEY NO BRASIL 67

borador do ponto de vista dos luso-brasileiros; masnão da mesma forma que Hooghstraten, que pas-sou a servir ativamente no exérito contrário o quenão aconteceu com Ley.

A partir de setembro de 1645 cessam quasepor completo as informações sôbre Gaspar vander Ley. O Alto Conselho constou a notícia de suamorte, pela primeira vez, eim dezembro de 1645,~r um índio, segundo o qual os .luso-brasileiros oteriam morto na ocasião do massacre dos holan-deses, causado pela deserção do capitão ClaesClaeszoon, da guarnição da fortaleza de Nazaré,que se aproveitou de uma emboscada para se pas-sar com seus comandados de volta aos seus com-patriotas. Em janeiro do ano seguinte constou ameSIma notícia através de um negro, chamadoFrancisco, que informou que Ley fôra esquarte-jado. Como já dissemos, não acreditaram os AltosConselheiros nestas notícias sem confirmação.

Depois de ter passado pouco tempo no enge~nho Algodoais, Ley foi, juntamente com outrosholandeses, mandado para a Bahia, onde chegouno dia 11 de dezembro. Das palavras de Matheusvan den Broeck, que teve regularmente contato comLey, pode-se concluir que êste não merecia ali aplena confiança do governador da Bahia, AntônioTeles da Silva, que durante algum tempo estêveaborrecido com Ley, por motivos que desconhece-mos. De Hooghstraten e Hick sabemos que servi-ram no 'exército luso-brasileiro em pôstos de im-

Page 64: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

FRANCISCO JOSÉ MOONEN68

portância, mas nada consta a respeito de Gasparvan der Ley, quer com relação a atividades mili-tares, quer sôbre sua vida particular. Excluído peloAlto Conselho holandês do Recife do perdão geralpor êste oferecido aos insurrectas, em setembro de1646, não teve outra escolha senão permanecer naBahia e esperar pacientemente o fim da luta, oitoanos depois. Sua vida na Bahia deve ter sido a demuitos outros holandeses nesta cidade, a de mo-desta burguês, mantido à custa do govêrno portu-guês em recompensa dos serviços prestados à In-surreição Pernambucana.

Depois da Restauração pemambucana, em1654, assinalamo3 a presença de Vanderleys, quasesempre em serviço militar, no sul da capitania dePernambuco, em especial na freguesia do Cabo .É de supor que Gaspar van der Ley, segundo aspromessas que lhe foram feitas em 1645, tenhavoltado a seu engenho Algodoais, onde deve terpassado na obscuridade, a julgar pelo silêncio dosdocumentos, os anos que ainda restavam de suavida .

Page 65: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

APENSO I

CARTA DE GASPAR VAN DER LEY E JOHANHICK AOS ALTOS CONSELHEIROS, DATADA DA

VILA DO CABO EM 8 DE JULHO DE 1645. (55)

"Excelentíssimos, Digníssimos, Sábios e mui Pru-dentes Senhores,

Depois de oferecer as devidas homenagens aVossas Excias., comunicamo-lhes o seguinte. Dià-riamente podemos observar que todos os moradoresdesta região se vão rebelando contra o nosso Es-tado, sendo seu coronel Pedro Marinho. t.les man-dam buscar os jovens mn suas casas, e quem nãopassa para êles voluntàriamente obrigam-nos afazê-lo à fôrça, de modo que todos os jovens demais de 14 anos de idade já se reuniram a êles.O inimigo tem seu quartel aqui atrás, no EngenhoNôvo, perto da casa do caldeireiro, onde os seusficam à vontade, cozinham e fumam diante denossos olhos, sem que possamos impedir-lhes isto,pois não dispomos de gente bastant,e. Por isto pe-dilmos humildemente a Vossas Excias. queiram atempo tomar providências, porque êles tentam

55 ARA Ollrl" WTr m""n RI)

Page 66: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

~

/

70FRANCISCO JOSÉ MOONEN

bloquear todos os caminhos e cortar o nosso abas-tecimento. Amador de Araújo apoderou-se nova-mente da freguesiru de Ipojuca e tomou o lugar ,ou passo chamado Penderama, onde lutamos comêle em outra oportunidade, de modo que não sepode mandar cartas ao tenente [Fletmming] em Ipo-juca, como Vo,ssas Excias. podem ver na que vaiinclusa, por nós mandada ao tenente, e que Ama-dor de Araújo nos mandou de volta, ainda fecha-da~ do que Vossas E~cias. podem concluir que., seisto continuar assim, o tenente será 'obrigado aentregar-lhes o co~vento. O inimigo torna-se aquitodo dia mais forte e 'está nos cercando. Pedimos,pois, a Vossas Excias. queiram a tempo tomarprovidências e mandar-nos tropas para não ficar-mos sitiados, e pôr tanta gente no campo quantofôr possível e chamar o resto dos brasilianos. Aonosso ver deve-se abandonar PôrtOI Calvo, paradêste modo reunir mais gente, porque êste lugarpoderemos em qualquer ocasião recuperá-lo. Sendosenhores do campo poderemos obter mantimentospara tôdas as tropas e, ao nosso ver, é melhor nósmesmos comermos o gado, do que deixá-lo para oinimigo, Na noite passada mandamos uma tropacom uma parte dos brasilianos para o EngenhoNôvo, para saber o que lá se estava fazendo, masjá se tinham retirado para a casa do caldeireiro,num morro; diante dêles está um pântano, ondese estabeleceram em 'emboscada. Êles contam commais de trezentos homens e tornam-se diàriamen-

Page 67: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPAR VAN DER LEY NO BRASIL 71

te mais fortes, de modo que nós não temos gentepara expulsá-los dali, o que nos pesa muito, por--que gostaríamos de prestar bons serviços a VossasExcias. mas sem tropas nada podemos fazer.

Recebemos agora notícia que o inimigo se en-contra no engenho do senhor Paulus Vermeulene que o capitão Antônio de Crasto aí matou osporcos e levou açúcares da casa de purgar. Pedi-mos, pois, a Vossas Excias. mandar-nos logo res-posta e enviar-nos mecha holandesa de boa quali-dade, da qual 'estamos tão necessitados quanto decomida. Referimos isto a Vossas Excias. e espera-mos ser atendidos com brevidade. Vossas Excias.queiram mandar também algumas armas para oscivis, porque aqui há muitas pessoas sem elas. Odito Amador de Araújo enforcou 'em Ipojuca umhomem que se recusou a tomar as armas, numafôrca que aí levantou. Santo Antônio do Cabo em8 de iulho de 1645".

Page 68: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

APENSO II

CARTA DE GASPAR VAN DER LEY E JOHAN

HICK AOS ALTOS CONSELHEIROS, DATADA DA

VILA DO CABO EM 14 DE JULHO DE 1645.(56)

"Excelentíssimos, Digníssimos, Sábios e muiPrudentes Senhores.

Em cartas que mandamos a V. Excias .pelosecretário Van Beveren e, depois, ainda, por doisindígenas, avisamos a V. Excias, a triste situaçãotanto dêste lugar quanto do Pontal. Infelizmentenão recebemos até hoje resposta alguma, e m'enosainda auxílio. Por isso queremos avisar a V. E:xcias.,outra vez, que ontem o inilmigo partiu com 700homens do Engenho Nôvo, e, segundo nos foi dito,caminhou para Igaraçu, onde mataram um sar-gento nosso e mais seis pessoas e um alferes dosindígenas que mandamos para ajudar os nossosque foram buscar gado, e teriam morto tambémos outros se não fôssem avisados por Filipe Pais.Os cadáveres foram hoje enterrados pelo secretá-rio Pedro Ribeiro Nunes. Dali voltou o inimigohoje com a maior. parte de sua fôrça para o En-

56- ibidpm

Page 69: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

FRANCISCO JOSÉ MOONEN74

genho Nôvo, deixando apenas ocupado Igaraçu,e não só estêve em nosso território, como acimadito, mas mandou-nos também a missiva que vaiem anexo, por intermédio do jovem Willem vanDalen, do Engenho ~elho, o qual foi aprisionado.Nela V. Excias. podem ver oom o que, êles nosameaçam. Começam sitiar-nos por todos os ladose a cortar-nos tôdas as vias de abastecimento, demodo que não mais podemos sair, pois contamoscom poucos brancos e os indígenas não resistem.V. Excias. sabem, pois, que nós aqui, com a tropaque temos, nada podemos fazer e por isto esta fre-guesia, como também o Pontal, corre grande pe-rigo de cair na mão do inimigo, se V. Excias. nãonos abastecerem dentro de poucos dias, em espe-cial de mecha, da qual temos no máximo o bas-tante para dois dias. Também o Pontal está malabastecido, em especial de víveres, e por isso man-damos ontem para lá dois bois. Recomendamosoutra vez aV. Excias. que não nos deixem nestasituação, :mas nos dêem o mais cêdo possível a as-sistência que esperamos. Excelentíssimos, Dignís-simos, Sábios e mui Prudentes Senhores, que Deusguarde e proteja sempre a V. Excias. Seus servossubmissos, Gaspar van der Ley e Johan Hick, 14de julho de 1645, Santo Antônio do Cabo.

PS. A tarde, às 12 horas. Também não temosmais sal, e mesmo que V. Excias. nos mandem

algum ao Pontal, não o poderemos receber pelosmotivos acima ditos, a não ser que v. Excias. nos

Page 70: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

GASPAR VAN DER LEY NO BRASIL 75

mandem mais gente. Queremos saber também sev. Excias. concordam que chamemos para cá otenente de Ipojuca, porque Amador de Araújo eos habitantes da Muribeca se uniram para nosafligir."

Page 71: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

APENSO III

CARTA DE AND.RÉ VIDAL DE NEGREIROS A

DIEDERICK VAN HOOGHSTRATEN E GASPARVAN DER LEY, DATADA DA VILA DO CABO

EM 13 DE AGóSTO DE 1645. (57)

"Sou chegado esta manhã a esta povoaçãode Santo Antônio do Cabo mui desejoso de ouvirnovas de Vossa Mercê e do capitão Vanderley aquem beijo a mão muitas vêzes. Faço saber aVossas Mercês em como somos enviados a êstepais pelo Senhor Governador Antônio Teles daSilva, só aquietar as alterações dos moradores destaprovíncia, a petitório dos senhores do SupremoConselho, de que Vossa Mercê é testemunha, e de-pois de chegado a Tamandaré achamos tão dife-rentes informações das que esperávamos, como foimatarem-nos no Rio Grande 37 moradores pelossenhores flamengos e desonrando donzelas, des-pedaçando a imagem da Virgem Senhora Nossa,um tão grande crime e outras extorsões incríveisde tão honrada nação. E ao fazer desta tivenotícia que em Goiana haviam a,quêles senhores

57. Ibidem. Também Revista do Instituto ArqueológicoPernambucano, n.o 35, Reçife, 1887, págs. 43-44.

Page 72: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

FRANCISCO JOSÉ MOONEN78

mandado pelos tapuias matar muita gente, su-posto que o não tenho por certo, porque entãofôra necessário fazer grande demonstração em acu-dir pelos pobres moradores, que inda que êles foramda mais vil nação do mundo era obrigação ampa-rá-Ios, pois se querem valer de nós, quanto maisa uns homens cristãos e vassalos de Sua Majes-tade que Deus guarde. Ei q uando os s'enhores doSupremo Conselho nos aguardavam para esta .paz,metend,o por medianeiro ao Senhor Governador ,os forairn buscar no mato onde 'estavam retiradosdo rigor com que os despedaçavam, com que nosdão grande motivo de lhe requerermos a VossasMercês de parte de Deus e de Sua Majestade eSua Alteza que Deus guarde e os Senhores Esta-dos que não queiram quebrar as pazes assentadas,antes haja a quietação prometida, que também danossa parte faremos com a pessoa que governaêstes moradores se queira aquietar, ouvindo-lheprimeiro as suas razões e espero se ponha tudoem paz, assim da parte de Vossas Mercês como danossa. Com esta etmbaixada vai' o capitão JoãoGomes de MeIo e o ajudante Francisco Gomes, queVossas Mercês me farão mercê despachar logo,com tôda a brevidade. Guarde Deus a Vossas Mer-cês muitos anos. Hoje, 13 de agôsto de 1645. AndréVidal de Negreiros."

Page 73: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

APENSO IV

CARTA DE ANDRÉ VIDAL DE NEGREIROS A

DIEDERICK VAN HOOGHSTRATEN E GASPARV AN DER LEY, DATADA DA VILA DO CABO

EM 13 DE AGôSTO DE 1645. (58)

"Lembrado da palavra que Vossa Mercê nosdeu na Bahia e a que tem dado ao governadorJoão Fernandes Vieira e ao' capitão João Gomesde MeIo nos anima mais ao intento que preten-demos, que não deve Vossa Mercê nem o capitãoVanderley de faltar com o empenho, com que nostem tão obrigados. Somos chegados a êste país com3.000 homens mui luzidos e uma de duas arma-das, enquanto não chega outra mui bem guarne-cida, que à vista de Vossa Mercê tem passado, comque esperamos na Majestade divina fiquem liber-tos êstes pobres moradores, que êles e nós deseja-mo3 muito ver a Vossas Mercês em nossa compa-nhia para os amarmos e estimarmos com a vontadeque a Vossas Mercês lhes deve ser presente, lem-brando a Vossas Mercês que não queiram ficarperdidos. E nós lhes prometemos cumprir e guar-

58. Ibidem. Rev. cit., págs. 44-45.

Page 74: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

FRANCISCO JOSÉ MOONEN80

dar o que João Fernandes Vieira e João Gomes deMeIo têm ofeI1ecido e de minha parte prometomuito mais, e de fazer tudo que Vossas Mercêsquiserem. E protesto cumprir minha palavra semfaltar um ponto. E para os moradores que lá esti-verem lhes daremos passaporte e tôda sua fazenda,como fizemos em Sirinhaém ao comendor e escol-teto e Carpintel, e todos os mais, à vista de nossopoder, se nos entregaram. E assim espero queVossas Mercês o façam e para assentar o modocomo há de ser vai o capitão João Gomes de MeIode quem fiamos só êste negócio, como Vossa Mercême disse, para se dar logo a execução ou resolver.mos o que nos parecer e no entretanto guarde Deusa Vossas Mercês muitos anos. Santo Antônio doCabo, 13 de agôsto de 1645. Muito amigo e criadode Vossa Mercê, André Vidal de Negreiros".

Page 75: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

APENSO V

RESPOSTA DE GASPAR VAN DER LEY, DIE-DERICK VAN HOOGHSTRATEN E JOHAN HICKAS CARTAS DE ANDRÉ VIDAL DE NEGREIROS,

SEM LOCAL NEM DATA,<59)

"Recebemos a de Vossa Mercê da mão do ca-pitão João Gomes de MeIo, pela qual entendemosque Vossas Mercês estão chegados à Vila da SantoAntônio do Cabo e festejamos muito em entenderque o Senhor Governador Antônio Teles da Silvaquer aquietar as alterações que houve nestas par-tes e esperamos que Vossa Mercê também façamuito nisso por sua presença. Tocante ao agravoque Vossas Mercês dizem e outras insolências que

, estariam feitas pelos senhores flamengos, nos pesa

muito, que quanto a nós nesta parte não fizemosagravo a nenhum m'enino, quanto mais a nenhumhomem de bem, de modo que Vossas Mercês podemfazer estas queixas aos Senhores do Supremo Con-selho e não a nós outros. Ao que toca o que VossasMercês 'escrevem que tratássemos com. o capitãoGomes ,de MeIo, e o ajudante Francisco Gomes nãoestá em nossa mão, assim que pedimos a Vo3sas

59. ibidem.

Page 76: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

FRANCISCO JOSÉ MOONEN82

Mercês não nos queiram mandar muitas embai-xadas destas e com isto beijamos as mãos deVO3saS Mercês muitas vêzes, de que ficamos certoscriados e amigos. Gaspar van der Ley, Diederickvan Hooghstraten e Johan Hick".

Page 77: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros

APENSO VI

CARTA DE MARTIM SOARES MORENO E

ANDRÉ VIDAL DE NEGREIROS A DIEDERICK

VAN HOOGHSTRATEN E GASPAR VAN DERLEY, DATADA DEi NAZARÉ EM 22 DE AGOSTO

DE 1645. (60)

":tste mulato vem do Recife com o fato doSenhor Heprique Haus governador das armas.Vossas Mercês vejam se querem alguma cousapara o dito senhor, e quando lá querem [sic] en-viar o mesmo mulato seu, de quem êle mesmo sefiou, que fica prisioneiro com os mais senhores o

-.tenente Joao Blaer, um sargento maior e um ca-

pitão-mor dos índios, para cujas pessoas, quandoVossas Mercês queiralm alguma cousa, se podemvaler desta mesma ocasião. Deus guarde a VossasMercês. Nazaré 22 de agôsto de' 1645. André Vida]de Negreiros. Martim Soares Moreno".

60. ibidem. Rev. cit.. Dált. 45.

Page 78: FRANCISCO JOSÉ MOONEN - pmw.adm.br · se entre os filhos do casal havia um chamado Gaspar, de modo que há pouca possibilidade de ... para acreditar que eram parentes uns dos outros