fragmentos i - textos religiosos antigos sob a ótica fenomenológica da história das religiões

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1o. EdiçãoSão Paulo

2016

Fragmentos ITextos Religiosos Antigos

sob a ótica Fenomenológicada História das Religiões

Leonardo Arantes Marques Emília dos Santos Coutinho

Copyright © 2016 by Leonardo Arantes Marques

Diagramação e capa:Rubervânio Rubinho LimaEditoração e revisão:

[email protected]

Catalogação na publicação (CIP) Ficha Catalográfica

Marques, Leonardo Arantes e Coutinho, Emília dos Santos. M357f Fragmentos I - Textos Religiosos Antigos sob a ótica Fenomenológica da História das Religiões /Leonardo

Arantes Marques e Emília dos Santos Coutinho. São Paulo: Editora Oxente, 2016. 328 p.;

ISBN: 978-85-68841-90-7 1. História das Religiões - Trabalhos Apócrifos, Pseudoepígrafos, Intertestamentais

2. Leonardo Arantes Marques. I. Título CDU: 2-25 CDD: 229

E-BOOK

Introdução | 09

1. Publicação e análise de documentos | 12

2. Fragmentos | 14

3. Evangelhos Canônicos | 17

4. As Epístolas | 30

5. Apocalipse | 40

6. Apócrifos | 41

6.1. Lista completa de livros tidos como Apócrifos | 44

7. Outros Fragmentos | 50

8. Cânone Muratori | 57

9. Didaqué ou Didaché | 63

10. Inácio (de Antioquia) | 74

11. Introdução ao Pastor de Hermas | 118

12. Diatesseron | 196

13. Anotações sobre O Livro dos Segredos de Enoch | 198

14. Observações sobre a Carta a Diogneto | 292

15. Livro ou Escritos de Q. | 307

Bibliografia | 324

ÍnDICe

DeDICatórIas

Emília Santos CoutinhoA Luisa Esther e Ida, mulheres sem igual

a quem devo minha caminhada acadêmica, A Gabriela, sem ela tudo seria mais difícil,

A Fundação Maria Tsakos, que nos proporciona cada dia os mais profundos conhecimentos

sobre a admirável civilização grega, em especial a professora Yocelyn Fernandes.

Leonardo Arantes MarquesAs Minhas FilhasAimê da Silva MarquesAléthia da Silva MarquesA amiga, hoje namorada, esposa eamante, Neide Rosa da Silva Guimarães, que dedico o poema abaixo.

Você é meu Anjo Sem Asas

Onde você estava todo este tempoQue NÃO PUDE te enxergarQual a razão desta ausência Onde poderei te encontrarFiz buscas incessantes nos mais recônditos cantos da terra,Minha vida estava por um fio,Não aguentava mais as dores da minha almaOnde poderei te encontrarNo momento de maior sofrimento,Você me apareceu como um anjo,

Desceu das grandes alturas e ficou ao meu lado,Lutou contra os meus medosEsteve firme quando fraquejei aterrorizado, Quando não pude andar. Abraçou-meVocê me fortaleceu e me amparou Amou-me e beijou-me como se ama e se beija os heróisA vitória era inexorável sobre meus medos Quando pensei que me deixarias e voltarias aos céusMe dei conta de mim e da dor que sentiriaVocê mirou seus olhos no fundo dos meus olhosE beijando-me, Abdicou-se de suas asas.Você é meu Anjo Sem AsasVocê é meu Anjo Sem Asas(Leonardo Marques, 2015)

IntroDução

Introdução é uma “(…) transposição para a linguagem – forçosamente confusa ou complicada – de sentimentos vagos ou complexos, que a redação normal não pode comportar”. 1

Na verdade, não sabemos se podemos ser honestos ao ponto de afirmar que o livro é um rachador de cabeça e a leitura será difícil, como toda obra de pesquisa ou se no cinismo romanesco, convencemos o leitor que a leitura será agradável. Compor introduções para mim sempre foi complicado, pois não é um começo e sim um fim. Assim, toda boa introdução deveria está no fim do livro, lá onde estão as conclusões. Não sei se por não comportar uma redação normal ou por não dizer totalmente a verdade sobre o que escrevemos ou se já estou cansado de escrever e sendo a introdução a última parte, as mesmas já não me interessam muito. No entanto, aprendemos nas escolas e faculdades que uma boa introdução, ajuda o leitor a se encantar e a ler o livro. O que diria eu então a estes leitores sobre este livro?

Em princípio não será uma empreitada muito fácil e romanesca, pois o mesmo é bem diferente dos outros livros2 já escritos anteriormente por nós. O Compêndio é um trabalho denso e especializado em explicar as significações de palavras, expressões e idiossincrasias utilizadas pelas sacralidades. Está em constantes revisões e acréscimos. O livro História das Religiões, apesar de bem mais didático e com uma edição revista e atualizada se tornou com a força do tempo um livro dinâmico e necessário para se entender a dialektiké3 das religiões e o comportamento do homo religiosus. “[…] o homo religiosus acredita sempre que existe uma realidade absoluta, o sagrado, que transcende este mundo, que aqui se manifesta, santificando-o e tornando o real”4 . 1. Pessoa, F. Livro do Desassossego. Vol. I. p. 206 (Os sonhos).2. Compêndio de Religiões e Espiritualidades, Editora Ícone, 2010 e História das Religiões e a Dialética do Sagrado, Ideias e Letras 2015 (Edição Revista e Ampliada da edição de 2005).3. A dialética propõe um método de pensamento baseado nas contradições entre a unidade e multiplicidade, o singular e o universal, o movimento e a imobilidade.4. Eliade, M. O Sagrado e o Profano, p. 97.

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FRAGMENTOS ITextos Religiosos Antigos sob a ótica Fenomenológica da História das Religiões

Quando minha amiga e colaboradora Emília me convidou a participar do Fragmentos I, que ela estava se dedicando nas traduções, tive dúvida se conseguiria auxiliá-la, pois o livro hora apresentado tem um papel diferente das pesquisa anteriores que fizemos. Aqui envolvia não apenas traduções, pesquisas, revirar textos antigos e novos e sim um aprofundamento de dedicação quase exclusiva ao livro. Como acreditei ser uma tarefa quase impossível, aceitei-o imediatamente. Acredito e ensino as minhas filhas e alunos que tudo o que é satisfatório na vida é complicado, difícil e trabalhoso, mas não impossível. Meu papel inicialmente era verificar o material traduzido e dar forma e leitura ao mesmo. Com o passar do tempo e de dedicação exclusiva ao material, percebi que minha empreitada era bem maior que o que vinha realizando. O material apresentado era tão rico em informações que seria desperdício da minha parte como estudioso em histórias das religiões não acrescentar aos textos, estudos históricos aprofundados antes e durante a leitura e possíveis rodapés. Assim, refiz, reli, estudei-os varias vezes antes de acrescentar textos mais aprofundados de minhas pesquisas nos documento apresentados por minha amiga e colaborado Emília. Os textos que antecedem as traduções servirão para ajudar na leitura, colocando o leitor a par de cada situação que envolve tais documentos. E por que muitas vezes este pode vir a se tornar um livro de difícil leitura? Porque nenhum estudo histórico, filosófico, antropológico ou psicológico sérios são materiais fáceis e de agradável leitura. Todos os textos pesquisados, bem como os estudiosos que os explicam o fazem dentro de validações de seus referenciais de estudos. Essas validações nunca são claras e na maioria das vezes precisamos nos debruçar dias, meses e anos, como foi o caso dos Fragmentos I que começamos a elaborá-lo, pesquisá-lo e a fazer as traduções em 2010, terminando-o realmente no final de 2015. Para o não afeiçoados em pesquisas, parece exagero e preciosismo demorar cinco anos para publicar um livro não muito volumoso. Porém, para a maioria dos pesquisadores estes cinco anos foi um recorde, pois uma publicação bem feita demora cerca de dez anos ou mais como foi o Compêndio (1998-2010) e o Dialética do Sagrado (1999-2005) com a última edição revista (2005-2015). Trabalhamos apenas cinco anos em pesquisas no Fragmentos I,

porque reversamos material de pesquisa para posteriores dez anos ou mais para os Fragmentos II e III. Desta forma, o livro apresentado é um livro de pesquisa que pretende trazer para o leitor leigo e o especialista, material abundante para futuras pesquisas e análises. Tentamos sempre deixar o livro o mais acessível possível. No entanto, sabemos que a empreitada é difícil e fazemos sempre o melhor de nós.

Leonardo Arantes MarquesSão Paulo, 2015

1. Publicação e análise de documentos

Os documentos mais antigos que temos são relativamente recentes. Tanto quanto podemos reconstruir o passado mais remoto, é mais seguro supor que a vida religiosa foi,

desde sempre, bastante complexa, e que as ideias ‘elevadas’ coexistiam com formas ‘inferiores’ de adoração e crença.5

Quanto mais relativamente antigo for um documento ou texto analisado, mais difícil fica entender suas traduções e tradições (e mais complexo fica a compreensão de seu contexto original). Não temos como saber se um determinado documento ‘antigo’ que temos em mãos seja verdadeiro autêntico, ou seja, se foi escrito, no todo ou em parte, pelos autores a quem são atribuídos ou se a versão que conhecemos hoje reflete as ideias da original, há não ser que pensemos no verdadeiro como norma institucional (verdade eclesiástica), ou seja, estarmos presos a esses documentos apenas pelo fato de constar o nome do autor que diz ser quem é. Não existe meio, fórmula, historiador, gênio ou mesmo vidente, que possa afirmar com toda certeza (toda certeza é subjetiva) que determinado texto é do autor antigo que estamos lendo. As inserções e acréscimos eram plágios comuns e em um contexto histórico onde poucos sabiam ler e escrever, fora os analfabetos funcionais6 que eram contratados como copista. Os copistas eram os homens, normalmente monges especialmente na idade média, que se dedicavam a reproduzir os manuscritos 7 antigos de forma a permitir a sua difusão, numa altura em que a imprensa ainda não tinha sido inventada, inviabilizando, por isso, a possibilidade de tiragens

5. Eliade, M. Origens, p. 41.6. Denominação dada à pessoa que, mesmo letradas (capacidade de decodificar minimamente as letras), geralmente frases, sentenças, textos curtos e os números, não desenvolve a habilidade de interpretação de textos e de fazer as operações matemáticas. Também é definido como analfabeto funcional o individuo maior de quinze anos e que possui escolaridade inferior a quatro anos, embora essa definição não seja muito precisa, já que existem analfabetos funcionais com nível superior de escolaridade. Um individuo pode ser letrado, mas não alfabetizado.7. Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbete: Manuscrito.

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Leonardo Arantes MarquesEmília dos Santos Coutinho

elevadas. Os erros e manipulações, conscientes ou inconscientes das cópias causaram muitas polêmicas e muitos enganos de interpretação por parte de historiadores e exegetas que se dedicaram à exumação desses documentos antigos. 8

E por este tempo (ou nesta época) vivia Jesus, um homem sábio, se justo fosse chamá-lo homem; porque era fazedor de maravilhosas obras, um mestre dos homens (ou entre os homens)que recebem a verdade com prazer. Atraiu para si muitos judeus e muitos gentis. Era o Cristo. E quando Pilatos , por sugestão dos principais homens como nós (ou entre nós), o teve que condená-lo (ou o condenou) a morrer na cruz , aqueles que o haviam amado (ou os que o amou)ao princípio não o abandonaram; porque apareceu diante deles vivo (ou renascido) no terceiro dia; como os profetas divinos haviam previsto esta e dez mil outras coisas maravilhosas sobre Ele. E a tribo dos cristãos, assim chamada por ele, não se extinguiu ate o dia de hoje. (Flávio Josefo. Antiguidades Judaicas, livro 18, parágrafos 63 e 64). 9

Não sabemos da veracidade da origem dos escritos e nem quantas cartas, textos e evangelhos os autores escreveram em seus nomes ou a estes foram imputadas. A aceitação de veracidade deste ou de outro texto que o autor escreveu está ligado pura e exclusivamente à tradição e ao conceito de verdade que o grupo se associa e acredita. Vygotsky deixou bem claro em vários de seus artigos que a estrutura da língua influencia de maneira indelével como a pessoa percebe o universo. Se os textos de um determinado autor fossem parar nas mãos de um grupo messiânico e o mesmo não tivesse esse fundamento, seus escritos eram tidos como falsos.10

8. Ehrman, B. D. O que Jesus Disse? O que Jesus Não Disse? p. 55.9. Muitos historiadores modernos, principalmente críticos como Bart D. Ehrman, Paul Johnson, Ambrosio Donini, Emilio Bossi, Jakob Lentsman, Karl Kautsky, tem argumentado que a passagem no livro de Flávio Josefo, História dos Hebreus, quebra a continuidade da narrativa e que são usadas palavras incomuns nos textos.10. B.A.C. Padres Apostólicos Y Apologistas Griegos do séc. II, p. 678.

2. Fragmentos

‘Parte que resta de uma obra literária antiga’.“A única verdade é a morte, o restante é apenas poesia”.

(Léo Marques, 2012).

Quem olha, toca, cheira e sente a textura de um livro nos dias de hoje, não imagina como era difícil e complicada a missão de se ter ou mandar se compor um manuscrito na

antiguidade. O Manuscrito é um documento escrito à mão sob um papiro, pergaminho, pele ou um papel com tinta de uma pena, vareta, carvão, caneta, lápis, etc. A antiguidade relativa de um texto é um fator determinante de interesse. Geralmente os fragmentos conhecidos se referem aos escritos ou ditos que foram pretensamente realizados por personagens famosas em qualquer área de conhecimento. Os escribas egípcios são os antigos produtores de manuscritos, assim como os monges da Idade Média, melhor seria afirmar que os egípcios e monges eram os produtores dos documentos antigos mais conhecidos do Ocidentes, posto que hindus e chineses também produziram volumosos textos na mesma época. Mensagens e avisos podem ser encontrados escritos nas pedras (pedra de Roseta), madeira e no caso de folhas de papel no livro ou códice. 11

Um exemplo importante de manuscritos antigos são os Manuscritos do Mar Morto, descobertos no fim da década de 1940 e durante a década de 1950.O CodexSinaiticus, também conhecido como Manuscrito ‘Aleph’ (primeiro algarismo do alfabeto hebraico), é um dos mais importantes manuscritos gregos já descobertos, pois além de ser um dos mais antigos (século IV), e é o único códex que contém o Novo Testamento inteiro. Atualmente acha-se no Museu Britânico. Com o Codex Vaticanus, é um dos mais importantes manuscritos gregos para a crítica textual.12

Se a formação produção ou edição e texturização de um manuscrito

11. Forma característica do manuscrito em pergaminho, semelhante à do livro moderno, e assim denominada por oposição à forma do rolo.12. Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbete: Ver Manuscrito.

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Leonardo Arantes MarquesEmília dos Santos Coutinho

era algo tão complicado e complexo na antiguidade, de onde foram tiradas as primeiras fontes sobre Jesus? Desde a morte de Jesus até mais ou menos 40 a 45 anos, é provável que quase todo ensino ou memórias correntes sobre Ele foi feito de forma Oral, baseado nas lembranças de pessoas e discípulos. Com o tempo, foram reunidos sobre sua pessoa, contos, histórias, parábolas, fábulas e todo tipo de informação popular que serviu de base para se escrever os primeiros textos. Após esses primeiros escritos, que incluíam possivelmente algumas cartas de Paulo e logo depois os textos de Marcos, a produção “literária” sobre Jesus não parou. Contudo, essa produção era de uma época e seu contexto já estava distante do da pessoa histórica de Jesus e de seus contemporâneos imediatos. A maior parte dos textos passou a ser reelaborações e registros de interpretações de comunidades cristãs, cada uma com sua perspectiva do homem Jesus e de sua mensagem, e à sombra de novos acontecimentos sociais e políticos que não houve no tempo de Jesus, como a revolta dos judeus em 66 e no início do século II. Os textos eram de difícil leitura já que muitas vezes, seguindo o padrão do latim e grego clássicos, eram escritos sem pontuação, parágrafo, vírgula ou mesmo separação entre uma palavra e outra. Tudo isso dificultava ao copista saber o que realmente era o sentido de uma coisa ou outra. Sem falar dos copistas analfabetos que apenas copiavam os caracteres sem ter a mínimo conhecimento sobre o significado do texto copiado. Em uma população de noventa por cento de analfabetos, nem é preciso dizer que a produção e leitura desses manuscritos eram raras. O material para escrita era de difícil acesso, quando não faltava material o essencial, como peles, tintas, pincel, etc. Quando tais circunstâncias acorriam e tudo dependia também do valor cobrado, esses materiais podiam ser substituídos por carvão ou mesmo substâncias corantes, como é o caso da amora. Quando se pagava para se ter um manuscrito, esse demorava bastante para ser entregue. A cópia era feita de forma bem rústica. O copista simplesmente copiava ou tentava copiar as letras como elas se apresentavam no texto que compilava. Quando não entendia a letra, inventava uma, ou simplesmente repetia as de cima, quando não, repetia na linha de baixo todo o parágrafo de cima. 13 Mas, tudo isso tem que ser pensando e avaliado em um contexto pouco apropriado da seguinte forma: O copista muitas vezes fazia esse tipo de cópia a noite sobre a luz de uma lamparina que lhe fornecia luz atenuada sobre a pele em que imprimia suas letras. Imaginemos por um pequeno momento alguém copiando algo que nem se quer tem noção do

13. Ehrman, B. D. O que Jesus Disse? O que Jesus Não Disse? Pag. 65.

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que eram as letras, como fazem as crianças que estão nos primeiros passos da alfabetização. Assim agiam os copistas não profissionais ou analfabetos. Por outro lado, se conheciam as letras, como era o caso dos copistas profissionais contratados mais tarde pela Igreja, tentava dar sentido a algumas passagens aglomeradas nos textos que não conseguiam entender, até mesmo por ser diverso o contexto em que os agora profissionais escribas atuavam. Por isso, as incongruências textuais que muitas vezes observamos nos evangelhos e textos da Bíblia Hebraica. 14

Um estudo adequado da Bíblia não pode ser feito sem uma consciência aguda das diferenças nas atitudes e estruturas políticas, culturais e religiosas que existem entre o Velho e o Novo Testamento. Supor-se-ia, logicamente, certo desenvolvimento durante os 400 anos que decorreram entre os dois livros; mas as várias mudanças observáveis devem ser explicadas. É necessário, portanto, voltar-se, na história, até o tempo entre os dois Testamentos, a fim de se apreciar mais completamente a situação pressuposta no Novo Testamento. 15

14. Ibid., Pag. 67.15. Hale, B. D. Introdução ao Estudo do Novo Testamento, p. 7.

3. evangelhos Canônicos

“Os Evangelhos são lendas; eles podem conter histórias, mas certamente nem tudo ali é histórico” (Ernest Renan –

Vida de Jesus).

Do grego evangélion, em hebraico besoura – significa “Boa Nova”, expressão encontrada algumas vezes nos textos Evangélicos. O termo passou a ser utilizado com

referência aos documentos ou discursos produzidos pelos cristãos, então já distanciados de suas origens judaicas. “Nos escritos primitivos, Evangelho era empregado tão somente para designar os ensinamentos da doutrina Cristã”.16 Mais tarde passou a designar “livro” ou “documentos” que contava a história das origens da religião Cristã. Suas datas e autorias são incertas, razão porque são chamados Evangelhos Segundo Alguém, como o de Mateus,17 escrito possivelmente na Síria em estilo hebraico e com algumas partes em grego e aramaico18 entre os anos 55 e 60 de nossa época. Possuindo 28 capítulos é um dos maiores evangelhos, discorre sobre a genealogia de Jesus e que é bem diferente da genealogia encontrada no Evangelho Segundo Lucas e o único que fala da fuga de seus pais para o Egito. De onde o escritor do Evangelho Segundo Mateus tirou essa história? É visível que quem escreveu ou compilou o evangelho segundo Mateus tinha por alvo um público familiarizado com a tradição judaica e, assim, fez vários entroncamentos e resumos de histórias antigas da Bíblia Hebraica. Veja a semelhança desses dois textos:

Disse também o Senhor a Moisés, em Midiã: Vai, torna para o Egito, porque são mortos todos os que procuravam tirar-te a vida. Tomou, pois, Moisés a sua mulher e os seus filhos; fê-los montar num jumento e voltou para a terra do Egito. Moisés levava na mão o bordão de Deus (Êxodo; 4:19-20).

16. Tricca, M. H. O. Os Apócrifos I, p. 10.17. Kummel. W. G. Introdução ao Novo Testamento, p. 121.18. Reza a tradição que Jesus falava o hebraico (‘idioma’ materno), grego (idioma do império, usado extensivamente nos centros urbanos) e possivelmente o Aramaico Galileu, a língua de sua região Natal só conhecida de alguns poucos lugares, para se comunicar com aldeias locais. Na época de Jesus eram falados sete dialetos diferentes do aramaico ocidental.

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Tendo Herodes morrido, eis que um anjo do Senhor apareceu em sonho a José, no Egito, e disse-lhe: Dispõe-te, toma o menino e sua mãe e vai para a terra de Israel; porque já morreram os que atentavam contra a vida do menino. Dispôs-se ele, tomou o menino e sua mãe e regressou para a terra de Israel (2:19-21).

Aqui faltou apenas o “levava na mão o bordão de Deus”, para ser a mesma passagem. Claro que o autor que escreveu o texto não pegou ao acaso essa passagem. Ele via Jesus como o Messias esperado pelo povo judeu e buscava no Antigo Testamento indícios que fortalecesse essa ideia aos olhos dos leitores. Lembremo-nos que todo o sofrimento dos judeus começou justamente no exílio das terras do Egito, ou mais precisamente quando “saístes do Egito, da casa da servidão”. O autor do evangelho quis deixar implícito certo ritual de passagem na volta de José e sua família a Israel, ou seja, ao mesmo tempo a reconstrução histórica – a lembrança da servidão – e o retorno triunfante a terra prometida – a libertação (Oséias; 11:1). Daí prestar-se atenção ao fato de que o Evangelho Segundo Alguém é uma reinterpretação de fatos históricos com as perspectivas de uma visão de Cristo cristalizada épocas depois dos eventos reais. Existe uma base narrativa nos evangelhos sinóticos de Mateus, Marcos e Lucas e permite ter uma ideia mais ou menos coerente do Jesus histórico e que é passível de ser comparada com as raríssimas citações sobre Jesus em fontes não cristãs, como Flávio Josefo, Mara bar Sarapion, Plínio o Jovem, Tácito e Suetônio. Por vezes o núcleo histórico real é envolvido, nos evangelhos, por uma certa capa livremente formada com material da tradição judia com propósitos teológicos, cujo foco variava de acordo com a comunidade em que eram elaborado os textos evangélicos. Isso explica a disparidade nos relatos do nascimento. “Mateus e Lucas construíram cada um a sua própria versão bem distinta das circunstâncias em torno do nascimento da criança divina, utilizando livremente textos do Antigo Testamento”. 19

Mateus apossou-se de várias passagens para compor seu Evangelho. Sobre a cidade de Belém se valeu de Miquéias para reforçar a profecia (5:2), os detalhes do nascimento de uma virgem ficou ao encargo do texto de Isaías (7:14), a manjedoura e os animais retirou do mesmo autor (1:3), e as faixas que cobriam o menino que constam nos Evangelhos de Lucas (2:7) foi retirado de Ezequiel (16:4). Sobre a ressurreição, com boa dose de certeza todos os Evangelistas se apoiaram no texto de Oséias; “Vinde, e 19. Alter, R. e Kermode, F. Guia Literário da Bíblia, p. 411.

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Leonardo Arantes MarquesEmília dos Santos Coutinho

tornemos para o SENHOR, porque ele nos despedaçou e nos sarará; fez a ferida e a ligará.2 Depois de dois dias, nos revigorará; ao terceiro dia, nos levantará, e viveremos diante dele” (6:1-2).

evangelho segundo marcos 20

Segundo os novos estudos e críticas testamentarias, esse parece ter sido um dos primeiros textos existentes sobre a figura de Jesus, porém não versa sobre as questões do nascimento, Maria (Mãe) e José (Pai) por um motivo bem simples. Este “Marcos” que escreveu os textos simplesmente desconhecia a história sobre o nascimento miraculoso (‘estando Maria, sua mãe, desposada com José, sem que tivessem antes coabitado’), e provavelmente sabia muito pouco, se é que conhecia, sobre as figuras de Maria e de José acrescidas posteriormente por outros escritores. Nós mesmos só sabemos sobre essas pessoas basicamente a partir de Mateus e Lucas em Paulo, João e muitas das Epístolas, elas simplesmente nunca existiram. Ora, o nascimento de Jesus foi assim: “estando Maria, sua mãe, desposada com José, sem que tivessem antes coabitado, achou-se grávida pelo Espírito Santo. Mas José, seu esposo, sendo justo e não a querendo infamar, resolveu deixá-la secretamente. Enquanto ponderava nestas coisas, eis que lhe apareceu, em sonho, um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher, porque o que nela foi gerado é do Espírito Santo” (Mateus; 1:18-20). Acredita-se, que os textos de Marcos que chegaram até nossos dias foi elaborado no ano de 40-45, escrito em grego, com forte colorido palestino e elementos helênicos, o que o coloca geograficamente ao redor da região da Síria, vizinha da Palestina. Onde Marcos arrumou suas fontes? As fontes de Marcos foram ao lado de vestígios de lembranças históricas reais, histórias populares mirabolantes que os cristãos já contavam, contos folclóricos do Aggadah, mitos de salvadores e reis messiânicos como é o caso Melquisedeque (Melek-Sédeq: ‘Rei da Justiça’) que forneceu pão e vinho a Abraão e os abençoou, dando lhe “Abraão o dizimo de tudo” (Gên. 14:18-20). Convém lembrar que a cidade síria de Antioquia tinha uma comunidade cristã das mais antigas e fortemente ligada à figura de João 20. Kummel. W. G. Introdução ao Novo Testamento, p. 93.

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Marcos, que foi companheiro de Pedro, o que justificaria a associação deste evangelho com o nome de Marcos. Possui 18 capítulos e é um dos menores Evangelhos. Não discorre nem sobre a genealogia nem sobre o nascimento de Jesus. Por que no Evangelho de Marcos, como nas Cartas de Paulo e a Didaqué (escritos ou ensinos dos primeiros cristãos) não aparecem a genealogia e o Nascimento miraculoso de Jesus, bem como as figuras de Maria e José? Toda essa história sobre Nascimento (‘achou-se grávida pelo Espírito Santo’), mãe virgem (‘Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho’), e outras, como o do pai supostamente idoso apareceu posteriormente em escritos populares fora das terras de Israel e foram adaptados no Evangelho de Mateus e Lucas. Os autores destes dois últimos evangelhos se serviram de Marcos e outras fontes, especialmente do que se acredita ser uma fonte, hoje perdida, de ditos de Jesus chamada nos meios acadêmicos de Q (de Quelle, “fonte” em alemão) na elaboração das narrativas sobre Jesus que se seguem ao episódio do nascimento. Marcos buscava ligar a figura extraordinária de Jesus com o Messias esperado pelos judeus.

evangelho segundo mateus21

Para escrever seu texto, Mateus (50-70 E.C.) recorreu amplamente aos textos da Bíblia Hebraica, como é o caso da invenção da saída do Egito que aparece em Êxodo, acrescentando algumas das histórias populares que até então haviam surgido sobre Jesus, principalmente a do Jesus Messiânico que Paulo pregou fora das terras de Israel. Muito das históricas comuns sobre Jesus, com algumas diferenças de ênfase e construção narrativa, que encontramos em Mateus e Lucas advém do fato de que ambos se utilizaram do material que é encontrado em Marcos e em Q, além de tradição oral própria de suas comunidades. Assim, é quase certo que os discursos memoráveis versando sobre ética e espiritualidade, como o Sermão da Montanha de Mateus e que também é encontrado em Lucas, seja uma adaptação dos ensinos de Jesus recolhidos em Q. O evangelho de João constitui um caso à parte e muito singular. Diferente dos três outros evangelhos e da fonte Q, o Jesus de João faz discursos longos, elaborados, na primeira pessoa e de forte cunho helênico, o que aponta para sua composição bastante tardia, encharcada de elementos de uma comunidade que há muito tinha se desligado de suas origens semitas. Ainda assim, com cuidado, é 21. Marques, L. A. Historia das Religiões e a Dialética do Sagrado, p. 395.

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Leonardo Arantes MarquesEmília dos Santos Coutinho

possível extrair elementos históricos na narrativa joanina, como veremos mais adiante. Os textos dos evangelhos que temos em mãos hoje e folheamos com facilidade e credulidade não eram assim nos tempos antigos dos seus escritores. Esses textos eram escritos ou rabiscados em peles e de compreensão difícil e quase ilegíveis, tendo em vista que, não existiam separações de vírgulas, pontos, acentos, parágrafos e todo o contexto linguístico que nos faz entendê-los nos dias de hoje. Os textos copiados à mão por vezes variavam de região para região e eram escritos de forma corrida e na maioria das vezes suas letras coladas umas as outras para poupar espaços, pois o material era caro, difícil de obter. Talvez as pessoas que hoje leem livros e discutem sobre os mesmos, não fazem a menor ideia de como era difícil (quase impossível) para as pessoas de épocas remotas obterem um texto manuscrito. Agradeço sinceramente por ter nascido e fazer parte da era gutemberguiana, e que os deuses abençoe sempre Johann Gutenberg (c. 1398-1468), ele revolucionou o mundo embora a imprensa de caracteres móveis já fosse de utilização dos chineses séculos antes de Gutemberg, mas os sábios do extremo oriente estavam distantes demais do mundo que formaria a cultura da civilização ocidental.

evangelho segundo Lucas

Lucas autor do evangelho que leva seu nome e, talvez, dos Atos dos Apóstolos, companheiro de Paulo segundo a tradição, não foi médico e muito menos historiador, e sim um grande contador de histórias. Diz Theissen e Merz em seu compêndio sobre o Jesus Histórico que contra a imagem clássica do autor do evangelho lucano

...o consenso crítico ressalta as numerosas contradições existentes entre a narrativa de Atos e as cartas autênticas de Paulo. Na biografia de Paulo (nos Atos), a notícia da segunda viagem a Jerusalém antes do concílio apostólico de At 11,30;12,25 contradiz o que o próprio Paulo afirma em Gálatas 1,17-2,1. Lucas nega a Paulo o título de apóstolo, central para sua autocompreensão. Uma teologia autenticamente paulina aparece apenas esporadicamente. Sem dúvida, o desconhecido autor da obra lucana não foi um companheiro de Paulo. 22

22. Theissen & Merz, O Jesus Histórico, Loyola, 2002, p.52.

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A suposta ideia de este autor ter sido médico é uma tradição mal explicada e supostamente inventada na tradução da Bíblia do Rei James. O nome Lucas é a abreviação de Lucano, encontrado em alguns autores, inferindo daí a identificação com Lúcio de Cirene. “Na igreja que estava em Antioquia, havia alguns profetas e doutores, a saber: Barnabé, Simeão – chamado Níger, Lúcio Cirene, Manaem que fora criado com Herodes o tetrarca e Saulo” (Atos; 13:1). Seu Evangelho, 23 possuiu 24 capítulos versa sobre a genealogia de Jesus, inclusive é o único que relata sobre o recenseamento que realmente houve, mas bem depois da época que o evangelho diz ter havido e, portanto, não existente nem imposto por César Augusto à época de Herodes, o Grande, e de Ciro, como narrado. Este texto é para justificar a profecia do suposto advento ou “nascimento” do príncipe messiânico em Belém. “E tu, Belém Efrata, posto que pequena entre milhares de Judá, de ti me sairá o que será Senhor em Israel, e cujas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade” (Miquéias; 5:2). Este evangelho apareceu entre os anos 70-90, em grego, possivelmente na Europa ou em algum país às margens do mediterrâneo, mas demonstra certa confusão com a geografia Palestina, o que prova que sua composição não se deu nas terras onde Jesus caminhou, já que confunde o “Mar” – que em Marcos é bem identificado com “mar da Galileia” - com o mediterrâneo. Lucas não apenas copiou os textos de Mateus, Marcos e de contos populares ensinados oralmente, mas os ampliou consideravelmente com material oral de sua própria comunidade. Marcos começa seu evangelho a partir dos ensinamentos de João Batista, não relata nascimentos divinos, não diz nada sobre Maria ou José. Mateus escreve sobre João Batista, relata sobre o nascimento divino de Jesus e algumas outras peculiaridades que não se apresenta os textos de Marcos e nas Passagens de Paulo. Lucas vai além dos relatos já existentes, não apenas fala de João Batista, mas dá a ele um nascimento também miraculoso. De qualquer forma, fica claro que entre Jesus e João houve algum vínculo, talvez de discipulado por algum tempo, posição incômoda que faz os três evangelistas narrarem o fato modificando-o para sugerir que João reconheceu Jesus como superior desde o início. Lucas mais que os outros evangelistas está a todo tempo fazendo referências a tradição profética e aos textos antigos. Sobre o nascimento miraculoso de João, aproveitou os textos de Gênesis onde Sara já idosa, ‘era estéril; não tinha filhos’, “E o Senhor visitou a Sara, como tinha dito;

23. Kummel. W. G. Introdução ao Novo Testamento, p. 149.

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e fez o SENHOR a Sara como tinha prometido” (Gênesis 21:1). Lucas apenas repetiu a história para demonstrar a genealogia entre Abraão e os “pais” de João, seus descendentes e complementares sua história com o nascimento miraculoso de João Batista, onde “não tinham filhos, porque Isabel era estéril, e ambos eram avançados em idade. E, depois daqueles dias, Isabel, sua mulher, concebeu, e por cinco meses se ocultou” (1:7 e 24). A Diferença entre esses três evangelhos é que para os dois primeiros (Marcos e Mateus, João Batista era Elias, para Lucas Jesus era o próprio Elias. Não observamos na história judaica os profetas realizando milagres, Elias foi uma exceção. Elias ressuscitou o filho de uma viúva (1 Reis; 17: 18-24), “Nisto conheço agora que tu és homem de Deus”, Jesus ressuscitou o filho de uma viúva, “Porque este meu filho estava morto, e reviveu, tinha-se perdido, e foi achado. E começaram a alegrar-se” (15:24), conhecemos agora que “Tu és o Cristo, o Filho de Deus”. Elias ascendeu aos céus com seu corpo, “E sucedeu que, indo eles andando e falando, eis que um carro de fogo, com cavalos de fogo, os separou um do outro; e Elias subiu ao céu num redemoinho” (2 Reis 2:11), Jesus foi ‘elevado aos céus’ (24:51). Existe a promessa da volta de Elias; “Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível dia do SENHOR” (Malaquias 4:5), Jesus promete voltar; “E então verão vir o Filho do homem numa nuvem, com poder e grande glória” (21:27)”.

evangelho segundo João

Sabemos historicamente que os textos de Mateus e Lucas foram baseados nos textos de Marcos, na Didaqué, contos e histórias populares e também no chamado Evangelho de Q. Porém, onde estão as fontes que inspiraram João a escrever seu Evangelho? “João foi, em larga medida independente, embora ele possa ter conhecido Lucas”. 24 O Evangelho Segundo João, o ‘Evangelista’ 25 é o mais novo, tendo sido escrito nos anos 80-90, em grego e na cidade de Eféso e, desde os fragmentos que se conhece a partir do século II, a versão que conhecemos hoje parece ter sido muito pouco alterada ao longo dos séculos, mas o seu famoso final duplo (Jo 20,30 e Jo 21) e a inserção um tanto estranha dos capítulos 15 a 17 mostram que sua redação foi revista pelo menos algumas vezes. Destinava-se a uma Igreja, comunidade ou a um público determinado, limitando sua esfera de 24. Alter, R. e Kermode, F. Guia Literário da Bíblia, p. 406. 25. Kummel. W. G. Introdução ao Novo Testamento, p. 240.

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ação a uma ou a outra região distante da Palestina onde atuou Jesus, como se pode ver nas incongruências geográficas e cronológicasnos capítulos de 4 a sete. A inclusão desse Evangelho no cânone deu-se apenas após várias interpolações e escolhas dos textos mais autorizados aos olhos da Igreja e dos crentes. 26 É o único texto em que Jesus aparece se exaltando nos famosos “eu sou” e é o que oferece uma imagem de Jesus mais estilizada, teologicamente construída. Por exemplo, é o único evangelho em que Jesus parece ser consciente de sua preexistência ao próprio nascimento: “Antes de Abraão existir, eu Sou”. Veja-se também o famoso capítulo 1). Alguns tinham como certo que o Evangelho de João era de origem gnóstica ou Essênia, porém, apesar das evidências a favor do primeiro ponto, o assunto ainda está sujeito a controvérsias.27 Pontos de importância histórica, embora encobertos pela capa da elaboração teológica, podem ser melhor encontrados em João que nos sinóticos como, por exemplo, os motivos políticos que conduziram à execução de Jesus.

O Livro dos Atos dos Apóstolos apareceu entre os anos 70-80 como sendo as datas mais prováveis. Essa novela fora “escrita” possivelmente por Lucas e fala de um Paulo idealizado que possivelmente nem Paulo conhecia, embora os conflitos narrados entre Paulo e os demais apóstolos tenham, realmente existido, o que se pode ver a partir das epístolas autênticas – apenas seis das 13 que se encontram na maioria das Bíblias impressas -que a maioria dos pesquisadores atribuem a Paulo. Atos, conta particularmente a história do Cristianismo desde o fim da vida pública de Jesus, até o início dos trabalhos de Paulo nos anos 57-62. 28 “Atos é o último dos livros inteiramente narrativos do Novo Testamento; obviamente, foi escrito depois do Evangelho de Lucas, e com toda probabilidade depois de todos os quatro Evangelhos”. 29 Especula-se que Paulo não era da cidade de Tarso e nem muito menos cidadão de Roma. Alguns críticos situam os Atos no ano de 140 trazido a

26. Lentsman, I. As Origens do Cristianismo, p. 39.27. Os Gnósticos eram considerados pensadores cristãos basicamente esotéricos, surgidos provavelmente no Cristianismo primordial (c. séc. I a III). Seus adeptos formulavam outra ideia de Cristo, viam-no como uma emanação da essência, do Pneuma ou Espírito do Pai, e chamavam-no de Ophis ou símbolo da sabedoria divina manifesta na matéria. A comunidade Essênia sobreviveu possivelmente até a destruição do segundo Templo (70 E.C.), quando os exércitos do novo imperador Vespasiano invadiram e conquistaram Jerusalém, destruíram o Templo, incendiaram e saquearam as cidades e transformaram a cidade romana numa cidade chamada Aelia Capitolana.28. Kummel. W. G. Introdução ao Novo Testamento, p. 189.29. Alter, R. e Kermode, F. Guia Literário da Bíblia, p. 412.

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Roma por Márcion30, contemporâneo de Justino e apenas aceito como texto do Evangelho após o Concílio de Nicéia. Estas afirmações se dão devido às citações sobre os Atos só aparecerem em alguns pais da Igreja após o século II. Nos fragmentos de textos primitivos não existe qualquer referência ou menção dos pais da Igreja ou dos escritores cristãos e não cristãos sobre este livro antes do século II. Portanto, há indícios de que antes do ano 100 este livro simplesmente não existia.

As cartas de Paulo ou o que sabemos delas, “representam o documento mais antigo e mais importante da Igreja primitiva; refletem as mais graves crises do cristianismo nascente, mas também a audácia criadora do primeiro teólogo cristão”. 31 As epístolas de Tiago, Pedro, João e Judas ou atribuídas a esses supostos autores, apareceram possivelmente após o Evangelho de João, ou mais precisamente após o século II. Temos como fonte “histórica” (se assim podemos chamá-los), alguns evangelhos ou escritos tidos como Apócrifos pela Igreja, mas aceito por muitos estudiosos como uma ferramenta de estudo para solucionar o problema do início da era cristã. Foi realmente Paulo quem escreveu todas as cartas que hoje constam no Novo Testamente?

30. Um dos sistemas de grande importância herética no inicio dos séculos I e II foi o Marcionismo, fundado por Márcion, no início do século I. Este sistema gnóstico-cristão pregava um severo e rigoroso sistema ético e ascético, negavam o Deus do Antigo Testamento e diziam que esse amaldiçoava o mal, e que os judeus eram os responsáveis pela perseguição e “morte” do Deus do Novo Testamento, Jesus. Mas como este assumiu na terra apenas um corpo aparente (fluídico), não conseguiram matá-lo, sua morte e sofrimento foram apenas aparentes. Este sistema de pensamento se desenvolveu mais fortemente a partir do final do século I e início do século II tendo como representantes principais Dociteu e Saturnino. Este mesmo pensamento surge no século X (927 - 969) com Bogomil que acreditava e pregava que Jesus não teve corpo carnal, mas um corpo completamente divino (espiritual) e por isso, não sofreu, não morreu e nem sentiu o martírio da cruz. A essência do bogomilismo é a dualidade na criação do mundo. Bogomil explicou a vida terrena pecaminosa corpórea como uma criação de Satanael, um anjo que foi enviado para a Terra e tempos depois expulso da corporação divina. Devido a esta dualidade, a doutrina rejeita tudo o que é socialmente criado e que não vem da alma, a posse só divina do humano. Essa dualidade apregoada por Bogomil prejudica a hierarquia da Igreja, por isso, foi condenada como heresia. Seus seguidores se recusam a pagar impostos, para trabalhar em servidão, ou a lutar por seu estado. Apesar de todas as medidas de repressão, manteve-se forte e popular até a queda da Bulgária no final do século XIV. No século XIX, este mesmo pensamento sobre ser impalpável e intangível o corpo de Jesus se revalorizou na obra chamada Os Quatro Evangelhos ou Revelação da Revelação de Jean Baptista Roustaing, escritos pela médium Madame Collignon. Observe que essa teoria (corpo fantasma) de Roustaing não é a mesma teoria espírita de Allan Kardec que aceita tal como todas as Igrejas cristãs o sofrimento mítico-heróico e a morte ‘redentora’ de Jesus na cruz. “Jesus teve, como todo homem, um corpo carnal e um corpo fluídico, que é atestado pelos fenômenos materiais e pelos fenômenos psíquicos que lhe assinalaram a existência” (Kardec, A. Gênese; 15:66 – itálico nosso.).31. Mircea, Eliade, Historia das Crenças e das Ideias Religiosas, p. 114.

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Eusébio de Cesáreia, Responde:

‘De minha parte, se hei de dar minha opinião, eu diria que os pensamentos sim são do Apóstolo [Paulo], mas o estilo e a composição são de alguém que evocava a memória dos ensinamentos do Apóstolo, como um aluno que anota por escrito as coisas que seu mestre disse. Por conseguinte, se alguma igreja tiver esta carta como sendo de Paulo, que também por isto seja estimada, pois não sem motivo os antigos varões a transmitiram como de Paulo’.32

O Que são as Epístolas?33

Apesar de serem 13 o número de epístolas atribuídas a Paulo na maioria das Bíblias ocidentais, hoje a maior parte dos pesquisadores considera que apenas seis destas epístolas tenham sido formuladas pelo próprio, pois apresentam o mesmo estilo e pontos de semelhança, sendo as demais meras composições posteriores de discípulos que queriam validar sua importância como documentos atribuindo-os a Paulo. “Elas (as cartas não-paulinas) são muito diferentes em estilo literário e conteúdo”, afirma o pesquisador Pedro Vasconcellos, da PUC. Para o conservadorismo das diversas Igrejas, no entanto, todas as cartas encontradas na Bíblia cristã clássica são de autoria de Paulo. As epístolas consideradas originais são: aos Romanos, 1 e 2 aos Coríntios, aos Gálatas, aos Filipenses, a primeira à Tessalônica e a endereçada a Filêmon. Por sua ação missionária em meios não judeus, a figura de Paulo de Tarso teve uma importância indiscutível na constituição do cristianismo (especialmente do cristianismo “paulino”) em sua ansiedade em construir uma teologia sobre Cristo (e não de Cristo), o que causou impacto na formulação da teologia ortodoxa posterior – inicialmente no Império mas, bem depois, mais especialmente na teologia protestante, o que é indiscutível. O problema, contudo, surge quando comparamos os dizeres e visões teológicas de Paulo com os que são atribuídos ao próprio Jesus, pelos evangelhos, especialmente o de Mateus. 32. História Eclesiástica. Livro VI, Item XXV:13.33. Texto escrito por Carlos Antônio Fragoso Guimarães. Formado em Psicologia Clínica pela UFPB, mestre em Sociologia pelo Programa de pós-graduação em Sociologia da UFPB e pesquisador na área de história das religiões. Escreveu os Livros: Percepção e Consciência, Um Estudo do Psiquismo Humano, Ed. Persona, João Pessoa, outubro de 1996; Evidências da Sobrevivência, vencedor do Concurso Literário José Herculano Pires, promovido pela Editora Madras e pela U.S.E. São Paulo, 2003. Carl Gustav Jung e os Fenômenos Psíquicos, pela Editora Madras, São Paulo.

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Igualmente digno de nota é de que certamente Paulo não pensava que suas cartas acabariam por ir parar na Bíblia (ao menos naquilo que se transformaria Bíblia cristã). Elas eram produtos do interesse de Paulo em esclarecer problemas e situações das comunidades que ele tinha ajudado a criar, e não súmulas teológicas indiscutíveis a serem tomadas como regra. Só muito mais tarde alguém com alguma influência política as julgariam apropriadas para formarem parte do cânone do Novo Testamento. Paulo, como todos sabem, foi um aspirante a doutor da Lei (sacerdote graduado). Um judeu do século I, contemporâneo de Cristo, mas que nunca o vira pessoalmente durante seu ministério, e que, profundamente zeloso da ortodoxia judaica, de início foi perseguidor implacável dos primeiros cristãos. Contudo, esta atitude agressiva mudaria radicalmente após Paulo (na época, Saulo) ter uma visão do Cristo pós-morte. Isso o abalou o suficiente para que passasse por uma crise religiosa, se convertendo ao cristianismo e se transformando de perseguidor a divulgador. Contudo, apesar do que diz supostamente Lucas nos Atos dos Apóstolos (escrito muitos anos após a morte de Paulo, provavelmente em torno do ano 85-105), Paulo não procurou nas fontes apropriadas, ou seja, nos discípulos diretos de Jesus, a base da sua própria mensagem. Ao invés disto, após um contato muito superficial com alguns discípulos menores – e não com os apóstolos, o que só se daria após três anos –, Paulo se afastou para pensar sobre sua experiência da visão que teve do ente que antes perseguira. Com estas reflexões ele também questionou sua herança formal judaica, para voltar três anos depois com toda uma visão pessoal já sedimentado do seria ou deveria ser o cristianismo, moldada com elementos judaicos e gregos (Paulo era cosmopolita). Só então, depois, teve contato com alguns dos apóstolos diretos de Jesus e, nas suas palavras, destes mais precisamente apenas Pedro e Tiago, “irmão do Senhor”, sem que este contato tivesse qualquer grande impacto na sua já cristalizada visão do cristianismo. Assim, lemos pela pena do próprio Paulo em Gálatas 1:16-20:

Não consultei carne nem sangue, nem subi a Jerusalém aos que eram apóstolos antes de mim, mas fui à Arábia e voltei novamente a Damasco. Em seguida, após três anos, é que subi a Jerusalém para avistar-me com Pedro e fiquei com ele por 15 dias. Não vi nenhum apóstolo, mas somente Tiago, o irmão do Senhor. Isso vos escrevo e asseguro diante de Deus que não minto.

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O estudo crítico das epístolas junto com os novos textos descobertos no século XX, daquela época, mostra que ante o que pareciam ser elementos próprios de Paulo em muitas de suas cartas, as descobertas de textos antigos, como os famosos Manuscritos do Mar Morto (que, ao contrário do que muitos pensam, nada têm de cristãos) mostrou serem elementos de discussão comum entre a classe judaica mais instruída na época, especialmente as interpretações apocalípticas dadas ao que se esperava do “Messias” e que foi adaptada à singularidade da vida e obra de Jesus (o apocalipsismo era uma mentalidade constante entre os judeus oprimidos da época). Porém, muito mais sério do que isso, uma parte da visão “cristã” de Paulo parece chocar de frente com os próprios ensinamentos de Jesus. Isso fica mais grandemente visível no núcleo do pensamento paulino de que a simples justificação pela fé em Jesus, especialmente nos fatos de seu sacrifício e ressurreição, serem os únicos elementos que justificariam a salvação de um crente, doutrina arduamente abraçada pela maioria das igrejas e seitas evangélicas, mas que bate frontalmente com o que Jesus diz em Mateus em 25:31-45:

Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os seus anjos, há de sentar-se no seu trono de glória. Perante Ele, vão reunir-se todos os povos e Ele separará as pessoas umas das outras, como o pastor separa as ovelhas dos bodes. À sua direita porá as ovelhas e à sua esquerda, os bodes. O Rei dirá, então, aos da sua direita: ‘Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. Porque tive fome e deste-me de comer, tive sede e deste-me de beber, era peregrino e recolheste-me, estava nu e deste-me que vestir, adoeci e visitaste-me, estive na prisão e fostes ter comigo.’ Então, os justos vão responder-lhe: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? Quando te vimos peregrino e te recolhemos, ou nu e te vestimos? E quando te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-te?’ E o Rei vai dizer-lhes, em resposta: ‘Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes. Em seguida dirá aos da esquerda: ‘Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que está preparado para o mal e para os seus anjos! Porque tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber, era peregrino e não me recolhestes, estava nu e não me vestistes,

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doente e na prisão e não fostes me visitar’. Por sua vez, eles perguntarão: ‘Quando foi que te vimos com fome, ou com sede, ou peregrino, ou nu, ou doente, ou na prisão, e não te socorremos?’ Ele responderá, então: ‘Em verdade vos digo: Sempre que deixastes de fazer isto a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer’.

O conhecido especialista em Novo Testamento Bart D. Ehrman reflete que esta passagem de Mateus “sugere que a salvação não é apenas uma questão de crença, mas também de ação, uma ideia absolutamente ausente do raciocínio de Paulo”. Poderíamos dizer ausente não apenas de Paulo, mas de toda a tradição que se moldou a partir das igrejas “paulinas”, especialmente as atuais igrejas televangélicas, de cunho paulino-fundamentalista. Na passagem de Mateus acima transcrita se percebe mesmo que os escolhidos (as “ovelhas”) podem sequer ter tomado conhecimento da vida de Jesus (“Senhor, quando foi que te vimos...”). Nos dizeres de Bart D. Ehrman,

As ‘ovelhas’ ficam perplexas (de terem sido escolhidas como herdeiras do Reino). Elas não se lembram sequer de ter encontrado Jesus, o Filho do Homem, quanto mais de fazer essas coisas por ele. Mas ele diz a elas: ‘Cada vez que fizeste a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes’. Em outras palavras, é cuidando dos que têm fome, sede, estão nus, doentes e encarcerados que é possível herdar o Reino de Deus. Como essas palavras se coadunam com Paulo? Não muito bem. Paulo acreditava que a Cida eterna era dada àqueles que acreditavam na morte e ressurreição de Jesus. No relato de Mateus sobre as ovelhas e os bodes, a salvação é dada a quem nunca havia falar de Jesus. É dada a quem trata os outros de forma humana e carinhosa no momento de maior necessidade. É uma visão da salvação inteiramente diferente. 34

Portanto, segundo alguns pesquisadores – e até mesmo alguns teólogos mais esclarecidos –, existe material suficiente para suspeitar que Paulo divulgou uma doutrina “paulina” em franco contraste com a mensagem de Jesus.

34. Bart D. Ehrman, “Quem foi Jesus? Quem Jesus não foi”, Ed. Ediouro, 2010.

4. as epístolas

Aos Romanos,35 sugere que foi o próprio que a escreveu ou ditou para alguém escrever (1:1). Foi escrita, provavelmente, em 57, na cidade de Corinto, Grécia, pouco antes da visita

do apóstolo à Jerusalém.36 A carta tinha por objetivo retificar algumas interpretações a respeito de suas pregações levadas à comunidade de Roma, provavelmente por judeus ou cristãos judaizantes. Foi estudando essa carta que Lutero chegou à conclusão da salvação pela graça, dada gratuitamente por Deus, fazendo-o insurgir-se contra as verdades da Igreja e principalmente sobre as vendas de indulgências que se disseminava entre a classe eclesiástica de então (1:17). [“Erram, portanto, os pregadores de indulgências que afirmam que a pessoa é absolvida de toda pena e salva pelas indulgências do Papa. A verdadeira contrição procura e ama as penas, ao passo que a abundância das indulgências as afrouxa e faz odiá-las, pelo menos dando ocasião para tanto. Deve-se pregar com muita cautela sobre as indulgências apostólicas, para que o povo não as julgue erroneamente como preferíveis às demais boas obras do amor. A atitude do papa é necessariamente esta: se as indulgências (que são o menos importante) são celebradas com um toque de sino, uma procissão e uma cerimônia, o Evangelho (que é o mais importante) deve ser anunciado com uma centena de sinos, procissões e cerimônias. Os tesouros da Igreja, dos quais o papa concede as indulgências, não são suficientemente mencionados nem conhecidos entre o povo de Cristo.” (Teses de Lutero, itens 21, 40, 41, 55 e 56)]. “A Igreja ensina e ordena que o uso das indulgências, particularmente salutar ao povo cristão e aprovado pela autoridade dos santos concílios, seja conservado na Igreja, e fere com o anátema aos que afirmam serem inúteis as indulgências e negam à Igreja o poder de concedê-las” (Decreto sobre as Indulgências). Segundo a Carta aos Romanos, a salvação que Deus proporciona à humanidade não vem através de pagamentos, mas é dado gratuitamente através do sacrifício de seu Filho Jesus Cristo, na cruz do Calvário. “Sendo, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus por nosso Senhor Jesus Cristo;

35. Barth, K. Carta aos Romanos. 36. Kummel. W. G. Introdução ao Novo Testamento, p. 395.

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pelo qual também temos entrada pela fé a esta graça, na qual estamos firmes; e nos gloriamos na esperança da glória de Deus” (5:1-2). O que fica realmente forte nessa carta é que Paulo deixa claro tanto para os cristãos como judeus, que a salvação é somente pela fé em Jesus Cristo, e não em uma religião, pensamento, nacionalidade, nem em qualquer obra do homem. Paulo em outro momento já havia dito que a antiga aliança 37 havia envelhecido e estava prestes a expirar, por outra nova. “Dizendo novo concerto, envelheceu o primeiro. Ora, o que foi tornado velho e se envelhece perto está de acabar”. (Hebreus; 8:13). Os Cristãos acreditam em Deus e que Jesus Cristo veio ao mundo como homem e morreu na cruz para pagar nossos pecados; acreditam que devemos aceitar a Jesus Cristo como nosso único salvador e acredita que Jesus Cristo é o único caminho entre DEUS e o homem. O estudo deste livro é considerado pelos cristãos necessários para compreensão espiritual e também para compreensão da justificação pela fé e a graça de Deus através de Jesus Cristo. “Mas não é assim o dom gratuito como a ofensa; porque, se, pela ofensa de um, morreram muitos, muito mais a graça de Deus e o dom pela graça, que é de um só homem, Jesus Cristo, abundou sobre muitos” (Romanos; 5:15).

Do século II em diante, a recusa a celebrar o culto imperial foi a causa mais notável das perseguições aos cristãos. No início, com exceção da carnificina ordenada, por Nero, as medidas anticristãs foram encorajadas, sobretudo pela hostilidade da opinião pública. No decurso dos dois primeiros séculos, o cristianismo foi considerado religio illicita; os cristãos eram perseguidos porque praticavam uma religião clandestina, que não contava com a autorização oficial. Em 202, Septímio Severo publica o primeiro decreto anticristão, proibindo o proselitismo. Pouco tempo depois, Maximino combate a hierarquia eclesiástica, mas sem sucesso. Até o

37. A história salvífica desde a criação até a época de Moisés é uma sucessão de alianças divinas. Após o dilúvio, Deus faz com Noé uma aliança de caráter universal, que tem como preceito a proibição de comer sangue (Gn 9,1-17). Após a dispersão de Babel, Deus faz aliança com Abraão, restringindo o seu plano salvífico aos descendentes do patriarca, que são obrigados a praticar a circuncisão (Gn 17,3-14). Esta aliança inclui a promessa de descendência e duma terra (Gn 12,3-7; 15,1s; 22,16-18; 50,24; Sl 105,8-11). Depois da opressão do Egito, Deus sela com Israel a aliança do Sinai (Ex 24,3-8), por meio do rito de sangue. Assim Israel nasceu como povo livre (Lv 26,42-45; Dt 4,31; Eclo 44,21-23) e comprometido em observar os mandamentos e a Lei (Ex 20,1; 20,22-23,33; Dt 5,1-21). Em contrapartida, Deus promete fazê-lo seu povo particular (Ex 19,4-8) e cercá-lo com sua proteção (Dt 11,22-25; 28,1-14).

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reinado de Décio, a Igreja desenvolve-se em paz. No entanto, em 250, um edito desse imperador obriga todos os cidadãos a oferecer sacrifícios aos deuses do Império. A perseguição foi de curto prazo, mas muito rigorosa o que explica o grande número de abjurações. Contudo, graças principalmente aos seus confessores e mártires, a Igreja passa vitoriosamente por esse transe. A repressão decidida por Valeriano em 257-58 foi acompanhada de um longo período de paz (260-303). O cristianismo conseguiu infiltrar-se por todo o Império e em todas as camadas sociais (até na família do imperador...). Aureliano (270-75) logrou reintroduzir o culto do Sol invictus. Aureliano compreendera que era inútil exaltar apenas o grande passado religioso de Roma, e que, além disso, impunha-se integrar a venerável tradição romana numa teologia solar de estrutura monoteísta, a única religião que se estava tornando universal. 38

1ª e 2ª Coríntios, ‘escritas’ em Éfeso no ano de 57. Corinto era uma rica cidade comercial, com mais de 500.000 habitantes, na maioria escravos. Nesse porto marítimo acotovelava-se gente de todas as raças e religiões à procura de vida fácil e luxuosa, criando ambiente de imoralidade e ganância. A riqueza escandalosa de uma minoria estava ao lado da miséria de muitos. Surgiu, inclusive, uma expressão: ‘viver à moda de Corinto’, que significava viver no luxo e na orgia. Não sabemos ao certo se foi Paulo quem escreveu esta e muitas das outras cartas que aparecem no Novo Testamento. O que se sabe é que essas cartas só chegaram ao conhecimento da Igreja a partir do século II. As epístolas tinham a incumbência de responder e orientar os Cristãos de Corinto sobre problemas do cotidiano, tais como, o casamento; a circuncisão; a escravidão; as carnes oferecidas em holocausto aos ídolos e sua autoridade contra doutores que tentavam iludir os principiantes seguidores de Jesus.

A primeira carta aos Coríntios foi escrita em Éfeso, provavelmente no ano 56. A comunidade já reproduzia, de certa maneira, o ambiente que se vivia na cidade. Ela também estava dividida: os grupos litigavam entre si, cada um apoiando-se na autoridade de algum pregador do Evangelho. Por isso, o primeiro objetivo de Paulo na carta é restabelecer a unidade, advertindo que o único chefe é Cristo, e Este não está dividido. Paulo aproveita da situação para traçar um

38. Eliade, Mircea. História das crenças e das Ideias religiosas. Tomo II, p. 134-135

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retrato do verdadeiro agente de pastoral (1Cor 1-4). Depois, passa a denunciar os escândalos que invadem a comunidade: incesto, julgamento em tribunais pagãos, a imoralidade, e vai elaborando uma teologia do corpo: este é templo do Espírito Santo (1Cor 5-6). Em seguida, responde a diversas perguntas formuladas pelos Coríntios. Na primeira série, procura orientar os cristãos sobre os estados de vida (1Cor 7): matrimônio ou celibato? divórcio ou indissolubilidade? o que pensar da virgindade? Como devem se comportar os noivos? As viúvas podem casar-se de novo? Em tudo isso, onde está a originalidade cristã? Ao responder sobre a questão da carne sacrificada aos ídolos (1Cor 8-10), coloca o fundamento da verdadeira liberdade cristã: o respeito pelos outros. A carta também apresenta normas para que haja ordem e autêntico culto cristão nas assembleias litúrgicas (1Cor 11-14): entra na debatida questão do véu das mulheres; denuncia as diferenças de classe nas celebrações eucarísticas, e aí é taxativo: Eucaristia sem amor fraterno é impossível. Salienta igualmente que os carismas que fervilham na comunidade só têm sentido quando estão ao serviço dos irmãos, e se estão subordinados ao dom maior, que é o amor. Por fim (1Cor 15), citando exemplos da natureza e da própria ressurreição de Cristo, demonstra que a ressurreição dos corpos é inquestionável: o cerne da fé é a certeza de que a vida vence a morte.39

Gálatas40 – ‘nem a circuncisão é coisa alguma, nem a incircuncisão, mas o ser nova criatura’ (6:15). A Galácia não era uma cidade, mas uma região da Ásia Menor. Cartas ‘escritas’ para ‘advertir’ os neófitos acerca da intromissão do judaísmo nas questões religiosas. Foi escrita no fim da estada de Paulo em Éfeso, provavelmente no Inverno de 56- 57. Paulo demonstra carinho especial com esses discípulos, por saber que a igreja corria sério perigo de transformar-se em mais uma seita dos judeus (Atos. 15:1-5). Discorre boa parte sobre questões delicadas acerca dos costumes judeus, que nada tinham a ver com os ensinamentos de Jesus Cristo. É a única carta de Paulo que não começa com ação de graças e não termina com bênção, fato que testemunha a sua indignação. O principal trabalho de Paulo nessa epístola era mostrar os erros e enxertos judaizantes, existentes em algumas pequenas comunidades.

39. Marques e Coutinho, Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbete: Coríntios.40. Ibid., Verbete: Gálatas.

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FRAGMENTOS ITextos Religiosos Antigos sob a ótica Fenomenológica da História das Religiões

Segundo Paulo, a vida do homem não deve ser determinada por um código de leis, mas por um compromisso pessoal e íntimo com Cristo, que está presente no profundo do ser humano (2,20). A liberdade é conduzida pelo amor a si mesmo e aos outros, amor que é compromisso ativo com o crescimento do outro (5: 6 e 13-14). Os ensinos falsos, não faziam mais que destruir a própria vida e alma do ensino de Jesus Cristo. Assim, era necessário que os mesmos ficassem em alerta, pois “veio o seu inimigo, e semeou joio no meio do trigo, e retirou-se” (Mateus 13:25) . Separar o joio do trigo, rebater as falsidades que os adversários tinham propagado a seu respeito era o caminho mais sensato para provar sua missão e autoridade apostólica. “Outrora, porém, não conhecendo a Deus, servíeis a deuses que, por natureza, não o são; mas agora que conheceis a Deus ou, antes, sendo conhecidos por Deus, como estais voltando, outra vez, aos rudimentos fracos e pobres, aos quais, de novo, quereis ainda escravizar-vos? Guardais dias, e meses, e tempos, e anos. Receio de vós tenha eu trabalhado em vão para convosco. Sede qual eu sou; pois também eu sou como vós. Irmãos, assim vos suplico. Em nada me ofendestes” (Gálatas; 4. 8-12).

Efésios41 – Naturais da Cidade de Éfeso -onde cultuavam a deusa Diana, e para onde Paulo enviou uma das três epístolas escritas em sua prisão em Roma (Atos; 28:16-22). Éfeso era a capital da província romana, na Ásia. As quatro cartas aos Filipenses, a Filemon, aos Colossenses e aos Efésios formam o grupo das cartas do cativeiro. As três primeiras foram muito provavelmente escritas em Éfeso, entre os anos 55-57. As cartas aos Efésios e Colossenses talvez tenham sido escritas na mesma ocasião; é o que se deduz da semelhança entre elas e pelo fato de mencionarem Tíquico como portador de ambas (Efésios; 6,21 e Colossenses; 4:7). Seguida de Antioquia, na Síria, e Alexandria, no Egito, Eféso era uma das três maiores cidades do litoral leste do mar mediterrâneo. “Apesar de Paulo trabalhar por mais de dois anos em Éfeso, não há na Epístola de Paulo aos Efésios qualquer saudação aos seus amigos e, ainda, a palavra ‘em Éfeso’ aparece somente em um dos três manuscritos mais antigos”. 42

O Apóstolo parece não conhecer pessoalmente os destinatários dessas duas cartas. Isto nos leva a pensar que a carta aos Efésios, na origem, não teve destinatário preciso; talvez fosse uma circular destinada às comunidades da região vizinha de Éfeso; e alguns chegam a pensar que seria a mesma carta dirigida à Igreja de Laodicéia, citada em Colossenses; 4:16.

41. Ibid., Verbete: Efésios.42. Boyer, O. S. Pequena Enciclopédia Bíblica, p. 216.

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A carta aos Efésios é fruto de longa e amadurecida meditação teológica. Contemplando o projeto de Deus para a salvação da Humanidade, o olhar de Paulo concentra-se em Jesus Cristo no Céu. É A ideia central da carta. Cristo, porém, não está longe do mundo nem dos homens. De facto, a sua soberania engloba toda a Criação e com ela toda a Humanidade, que assim constituem o seu Corpo, a Igreja, na qual se manifesta o grande mistério agora revelado, ou seja: em Cristo, Deus reúne todos os homens na paz e na unidade, excluindo quaisquer separações de raça ou de origem religiosa. Cristo é o centro e ápice do eterno projeto de Deus, é o caminho da reconciliação e reunião de todos os homens no único povo de Deus. A Igreja abarca a Humanidade inteira, e Paulo contempla-a nas dimensões do Universo. Ela é descrita sob três imagens: esposa (5,22-23), corpo (1,23; 4,16) e edifício (2,19-22). Deste modo, o Apóstolo relembra os laços íntimos e orgânicos que unem os homens a Cristo e entre si na comunidade, para levá-la ao pleno desenvolvimento (TEB).

Filipenses43 – Naturais de Filipos, cidade onde se encontrava a Capital da Macedônia, situada entre a estrada de Roma e Ásia. Esta carta parece ter sido escrita na prisão, provavelmente em Éfeso, entre os anos 55-57 (Atos;19). Paulo está incerto sobre o rumo que a sua situação vai tomar: poderá ser morto ou posto em liberdade. Mas espera ser libertado e poder visitar de novo, pessoalmente, a comunidade de Filipos. O primeiro núcleo da comunidade por ele fundada formou-se através de reuniões em casa de Lídia, uma negociante de púrpura, que acolhera Paulo por ocasião da sua visita. O Apóstolo voltou a Filipos outras vezes, durante as suas várias passagens pela Macedônia. Carta aos Filipensenses “é uma carta simples e sincera, um derramamento afetuoso e espontâneo de um coração que podia se exprimir sem reserva a uma igreja amadíssima”. 44 Na carta, demonstra sempre afeto e gratidão pela comunidade de Filipos e, por isso, quer vê-la sempre fiel ao Evangelho. Alguns pregadores insistem em que a salvação depende da Lei. O Apóstolo mostra com vigor que a salvação só depende de Jesus Cristo. É Jesus que, feito homem e morto numa cruz, recebeu do Pai o poder de dar aos homens a salvação. E todo aquele que não transmite isto pelo testemunho de vida e pela palavra, será sempre falso transmissor do Evangelho. Esta carta, portanto, fornece o critério para que uma comunidade cristã saiba reconhecer o verdadeiro Evangelho e quais são os pregadores autênticos.43. Marques, e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbete: Filipenses.44. Boyer, O. S. Pequena Enciclopédia Bíblica, p. 272.

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FRAGMENTOS ITextos Religiosos Antigos sob a ótica Fenomenológica da História das Religiões

Colossenses45 – Colossos era uma pequena cidade da Ásia Menor, distante 200 km de Éfeso, e próxima de Hierápolis e Laodiceia (4, 13.16). Paulo não a visitou pessoalmente (2,1). A carta aos Colossenses foi escrita na prisão, provavelmente em Éfeso, entre os anos 55 e 57 (Atos; 19), talvez na mesma ocasião em que foi escrita a carta aos Filipenses. Paulo chamou a atenção, sobretudo acerca das obras e dos trabalhos realizados em nome do ideal de Jesus Cristo e não dos homens. As comunidades cristãs de Colossos, Hierápolis e Laodiceia foram fundadas por Epafras, discípulo de Paulo (1,7; 4,13), enquanto este se encontrava em Éfeso. “Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo; porquanto, nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade” (2:8-9). Os cristãos de Colossos eram provenientes do paganismo (1,21.27) e costumavam reunir-se nas casas de família, como na de Ninfas (4,15) e na de Arquipo (4,17). Paulo mostra então que Cristo é o mediador único e universal entre Deus e o mundo criado; tudo se realiza por meio d’Ele, desde a criação até a salvação e reconciliação de todas as coisas. Deus colocou Jesus Cristo como Cabeça do universo, e os cristãos, que com Ele morreram e ressuscitaram e a Ele permanecem unidos, não devem temer nada e a ninguém: nada mais, tanto na Terra como no Céu, pode aliená-los e escravizá-los. Doravante, o empenho na fé em Cristo é o caminho único para a verdadeira sabedoria e liberdade. Só a renovação em Cristo pode quebrar as barreiras entre os homens, dando origem a novas relações humanas, radicalmente diferentes das que costumam existir na sociedade (3,11). O problema que Paulo enfrenta em Colossos não é a contraposição entre fé e incredulidade. Trata-se de uma questão que surge dentro da própria Igreja: distinguir entre o verdadeiro e o falso na interpretação da própria fé. E isso não é problema meramente teórico, pois a concepção que se tem da base da fé determina toda a prática da vida cristã.

1ª e 2ª Tessalonicenses – Não há certeza se as duas cartas recebidas pelos tessalônicos tenham realmente sido escritas por Paulo. Porém, das semelhanças literárias que apresentam é possível traçar um panorama entre essas duas epístolas. 46 Redigida em Corinto no Inverno de 50-51, esta carta é o primeiro documento escrito do Novo Testamento e do cristianismo. Atingido pela

45. Marques, e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbete: Colossenses.46. Ibid., Verbete: Tessalonicenses.

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perseguição, Paulo teve que deixar à pressa a cidade de Filipos. Dirigiu-se a Tessalônica (Atos; 16:19-40), grande cidade comercial e ponto de encontro para muitos pensadores e pregadores das mais diversas filosofias e religiões. Paulo anuncia o Evangelho e forma aí um pequeno grupo. Mas, perseguido, tem que fugir (Atos; 17:1-10) e o seu trabalho corre o risco de se esvaziar perante as inúmeras propostas dessa grande cidade. Então, de Atenas, ele envia os seus colaboradores, Timóteo e Silas, para visitarem e trazerem notícias dessa comunidade perseguida. Timóteo e Silas encontram Paulo em Corinto. Ao receber deles a notícia de que a comunidade de Tessalónica continuava fervorosa e ativa, escreve esta carta para comunicar a sua alegria e estimular a perseverança da comunidade. Nesta carta, Paulo também procura responder a algumas questões que preocupam a comunidade de Tessalónica. Uma é o problema da vinda gloriosa de Cristo. Os tessalonicenses pensavam que essa vinda se realizaria em breve, e perguntavam: Os que já morreram, será que não vão participar desse grande acontecimento? Paulo mostra que, no fim da História, tanto os mortos como os vivos estarão reunidos para viverem sempre com Cristo ressuscitado. A esperança é para todos, e todos participarão da vitória de Cristo sobre o mal e sobre a morte. “A estada de Paulo em Tessalônica talvez não tenha sido tão breve quanto se pode deduzir de At 17.2. Com efeito, o apóstolo teve tempo para aí exercer um ofício (ITs 2.9), receber várias doações dos filipenses que acabara de deixar (Fl 4.16) e fazer que judeus, prosélitos e pagãos aderissem ao Evangelho. Mas uma viva reação da colônia judaica o forçou a uma partida precipitada (At 17.5-9), o que explica sua inquietação a respeito dessa jovem comunidade e o tom violento que ele usa para falar dos judeus a seus correspondentes (1Ts 2.15-16). A primeira Epístola aos Tessalonicenses é o mais antigo documento literário cristão conhecido”.47 O Apóstolo relembra que a vida cristã é espera activa do Senhor. A espera, formada de fé e perseverança, leva a construir a comunidade no amor. Ela faz olhar para o alto e para o fim da História, mas também leva os fiéis a empenharem-se com todos os outros homens nas realidades terrestres, como o respeito pelo corpo e pelo trabalho. Uma espera que não deixa de reforçar a fidelidade ao Senhor, porque o Céu nada mais será do que a plena manifestação da realidade que os cristãos já começam a viver no presente da História: a união com o Senhor para sempre.

47. Bíblia TEB, p. 1454.

1ª e 2ª Timóteo – As cartas a Tito, as cartas a Timóteo formam um conjunto à parte na literatura que é comumente atribuída a Paulo. Não se dirigem a uma comunidade, mas a pessoas individuais que possuem responsabilidades no governo, no ensino e no comportamento das comunidades cristãs. Porque apresentam diretrizes para os pastores, desde o século XVIII são chamadas Cartas Pastorais. “Timóteo era filho de um grego pagão e de uma mãe judia. Converteu-se ao cristianismo, foi companheiro de missão de Paulo (Atos; 16:1-3) e seu amigo fiel (Romanos; 16:21)”. 48 Ao passar por Listra, na sua segunda viagem missionária, Paulo tomou Timóteo consigo como companheiro de viagem. Timóteo ficou em Bereia quando Paulo teve que fugir (Atos; 17:14) e depois se juntou a Paulo em Corinto. Foi mandado para a Macedônia antes da terceira viagem de Paulo (Atos; 19:22) e estava no grupo de Paulo no fim da terceira viagem (Atos; 20:4). A 1ª Timóteo deve ter sido escrita em 64-65 e apresenta Timóteo como responsável pela Igreja de Éfeso. A importância dessa carta está no seu testemunho histórico sobre a organização eclesiástica. Paulo insiste para que Timóteo desempenhe com firmeza e coragem a função que recebeu de Cristo mediante a imposição das mãos. Exorta-o a tornar-se anunciador e defensor da verdade (1:3- 20), a organizar o culto (2:1-15) e a ser pastor, dirigindo a comunidade na diversidade dos grupos (3:1-6,2). Estamos ainda longe de uma rígida organização jurídica, mas podemos dizer que temos aqui um verdadeiro ponto de partida para a reflexão teológica sobre o ministério na Igreja. O tema central da carta 2ª Timóteo, são as considerações sobre os últimos tempos de Paulo, prisioneiro, doravante próximo a partir, e também dos últimos tempos da Igreja. Assim, o Apóstolo deseja rever Timóteo. Relembra os próprios sofrimentos e experimenta o conforto de ter “combatido o bom combate”, e a certeza de receber a coroa da justiça. Por outro lado, recomenda a Timóteo: que não se envergonhe do Evangelho, mas que o proclame com integridade; que tome cuidado com as “palavras vãs” de falsos pregadores que aparecerão nos últimos tempos, apresentando falsas doutrinas; que se vigie a si mesmo e se mantenha perseverante, mesmo que deva sofrer como ele, Paulo, por causa do Evangelho. O Apóstolo sente-se só, ninguém o defendeu no tribunal, os seus dias estão contados, e prepara-se para o martírio. Frente ao abandono, incompreensão, torturas e próxima execução, Paulo continua firme e dá graças. Antes da morte,

48. Marques, e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbete: Timóteo.

deseja rever o seu “amado filho Timóteo” e confirmá-lo na missão. Este é apresentado com traços mais precisos: uma pessoa sensível (1,4), às vezes indecisa e sem coragem (1,8). Ficamos também a conhecer o nome de sua avó Lóide e de sua mãe Eunice (1,5), exemplos de fé para Timóteo.

Tito – Carta supostamente escrita por Paulo, após sua libertação da primeira prisão em Roma, ao amigo Tito, entre os anos de 64 e 66. Uma das epístolas pastorais escritas por ele, com apenas três capítulos e 46 versículos. Já no primeiro capítulo Paulo demonstra ligação fraternal com Tito. “Paulo, servo de Deus, apóstolo de Jesus Cristo para levar os eleitos de Deus à fé e ao conhecimento da verdade conforme a piedade, na esperança da vida eterna prometida, antes dos tempos eternos, pelo Deus que não mente e que, nos tempos fixados, manifestou a sua palavra numa mensagem que me foi confiada, de acordo com a ordem de Deus, nosso Salvador, a Tito, meu verdadeiro filho na fé que nos é comum: graça e paz da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus, nosso Salvador” (1:1-4). 49

Filemon – Carta de Paulo a um cristão de Colossos. De todas as cartas, esta a Filemon é a mais breve e pessoal, a única escrita inteiramente de próprio punho. Paulo está na prisão, provavelmente em Éfeso. O fato de Onésimo voltar com Tíquico para Colossos (Cl 4:7-9) faz supor que esta carta foi escrita na mesma data que a carta aos Colossenses. Filemon parece ser membro importante da Igreja de Colossos, e é muito provavelmente o chefe do grupo que se reúne em sua casa (vv. 1-2). É uma carta de recomendação em favor de Onésimo, um escravo que fugiu ao seu patrão, Filemon, provavelmente depois de o ter roubado (v. 18). Onésimo procurou o apoio de Paulo, que estava na prisão, e acabou por se converter ao cristianismo (v. 10). Paulo devolve-o a Filemon, pedindo-lhe que o trate como irmão (v. 16). Paulo não pensava certamente em criticar o estatuto da escravidão, comum no seu tempo, provocando assim uma revolução social. Os cristãos ainda não tinham força para exigir transformações estruturais da sociedade. Mas o Apóstolo, implicitamente, declara que a estrutura vigente não é legítima. De facto, mostrando que as relações dentro da comunidade cristã devem ser fraternas, Paulo esvazia completamente o estatuto da escravidão e a desigualdade entre as classes. Em Cristo todos são irmãos, com os mesmos direitos e deveres. 50

49. Marques, e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbete: Tito.50. Ibid., Verbete: Filemon.

5. apocalipse

Do gr. apokálypsis, ‘revelação’, pelo latim eclesiástico; apocalypsis. Apareceu por volta do ano 100. É o último livro do

Novo Testamento, traz uma linguagem muito obscura, compreensão difícil e enigmática simbolizando as perseguições que os cristãos de então estavam sofrendo sob o julgo dos imperadores romanos, e que é hoje interpretando como contendo que contém revelações terrificantes acerca do destino da humanidade, como grandes cataclismos; flagelos terríveis, doença, morte, fome, epidemias, etc.“O apocalipse é sempre uma literatura de crise; o passado conhecido se encaminha para um fim catastrófico, o futuro desconhecido está sobre nós; estamos situados, como ninguém antes, precisamente no momento do tempo em que o passado pode ser visto como um padrão e o futuro, amplamente previsto nos números e imagens do texto, começa a assumir contornos exatos”.51 Os gêneros literários apocalíptico são escatológicos; foi um tipo de literatura amplamente difundido no judaísmo do séc. II A.E.C. ao II E.C.52 Tal literatura se caracterizou por uma fantasia exuberante e mesmo bizarra. Nela, animais simbolizam pessoas e povos; números têm valor simbólico e a revelação sobre a história futura é feita por meio de visões explicadas por anjos intérpretes, apresentadas como homens. Exemplos deste gênero literário já aparecem em Is 24-27; Ez 38-39; Zc 9-14. Mas ele é amplamente usado no livro de Daniel, no Apocalipse e na literatura apócrifa judaica e cristã. Era literatura comum utilizada por quase todos os pensamentos da época do Cristianismo, profetizavam a queda do império romano, que no texto do livro do Apocalipse aparece como a ‘Grande Prostituta, Babilônia’. O Livro do Apocalipse ou ‘Revelação’, foi tido no seu aparecimento como suspeito por alguns pais da Igreja e questionado por Lutero e Calvino, por bem pouco não se tornou como os outros livros, 53 literatura apócrifa para os Protestantes. Este livro só foi aceito como cânon muitos séculos depois de sua divulgação, utilização e após ter sofrido muitas interpolações e adaptações para o bem da comunidade cristã. 54

51. Alter, R. e Kermode, F. Guia Literário da Bíblia, p. 414.52. Kummel. W. G. Introdução ao Novo Testamento, p. 594.53. Tobias – Judite – Macabeus I e II – Baruque – Sabedoria – Eclesiástico (ou Ben Sira).54. Marques, e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbete: Apocalipse.

6. apócrifos

A palavra vem do Grego “Apokryphos”, pelo latim “Apokryplu”, significa literalmente algo “oculto”, “secreto”,55 ou ‘não-inspirado’. Com o tempo, e o poder temporal da Igreja

aumentando através da imposição estatal, estes escritos passaram a ser considerados como obras ou fatos sem autenticidade, ou cuja autenticidade não se provou. No “início” da era cristã essas mesmas obras eram lidas e estudas por “todos” os cristãos que as conseguissem obter e místicos sem nenhuma distinção. Com a imposição da legitimidade atribuída aos concílios e ao Papa como santidade infalível, essas mesmas obras passaram a ser consideradas de origem duvidosa. Com o passar do tempo, o termo apócrifo passou a ser usado para distinguir não só os livros de ‘autenticidade duvidosa’, mas principalmente os ‘espúrios’ ou ‘suspeitos de heresia’. 56 “Os elementos de demonização dos hereges se mantiveram por muito tempo na teoria de que aqueles que se opuseram à Igreja eram os seguidores de Satanás, e numa época em que a presença diabólica era sentida por ser particularmente imediata, a demonização ficou intensa”. 57 Segundo conta a história sagrada relatada no Novo Testamento o nome cristãos foi empregado pela primeira vez em Antioquia. “Em Antioquia forma os discípulos (de Jesus), pela primeira vez, chamados Cristãos” (Atos; 11:26). Sabe-se que o Cristianismo é de formação social e cultural judaica, entretanto podemos aventar a possibilidade que no início de sua caminhada tenha sido pregado e divulgado por não judeus (Gói). Daí aquela expressão bastante utilizada no meio cristão afirmando ser Paulo o Apóstolo da gentilidade (Romanos; 11:13).O texto que se segue deixa entrever adeptos do cristianismo fora da palestina. “Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco; também me convém agregar estas, e elas ouvirão a minha voz, e haverá um rebanho e um Pastor” (João;10:16).

Transgressão58

55. Ibid., Verbete: Apócrifo.56. Lião, Irineu de. Contra as Heresias, p. 116.57. Russell, J. F. Lúcifer – o diabo na idade média, p. 18458. Drury, John. In: Alter, R. e Kermode, F. Guia Literário da Bíblia, p. 445.

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FRAGMENTOS ITextos Religiosos Antigos sob a ótica Fenomenológica da História das Religiões

Muita gente veio a conhecer os ensinos de Jesus de segunda mão e reinterpretados por judeus que estavam embebidos em uma visão cultural escatológica de seus tempos como sendo os derradeiros tempos antes da vingança final de Deus. Isso fazia parte da tentativa de dar uma lógica a um mundo colonizado por romanos que impunham regras estranhas.‘Um mundo é ordenado e estruturado por suas fronteiras. É mudado quando essas fronteiras são cruzadas. Elas são ficções sociais, mitos que aguardam os desmistificadores. Uma narrativa pode traçar fronteiras ainda mais ordenadas do que as que existem no mundo, mas apenas para violá-las mais dramaticamente. Os cristãos foram herdeiros das transgressões dogmáticas de seu fundador, o proscrito messias. Do ponto de vista do judaísmo tradicional, elas eram blasfêmias. A blasfêmia, crime pelo qual Jesus é condenado (14:64), é uma erupção de energia religiosa das profundezas da estruturas ortodoxa, que ela ameaça por sua força primal. Cabia aos cristãos mostrar que o que parecia, do ponto de vista tradicionalista, um mal destrutivo, era, na verdade, uma salvação divinamente autentica dos perdidos. A história de Marcos começa e terminam com o tipo de transgressões importantes necessárias para justificar o cristianismo: isto é, transgressões aprovadas ou cometidas por Deus. O céu se abriu no batismo de Jesus, o templo se velou em sua morte. Com a ruptura desse véu, que demarcava o santuário interno do templo e que apenas o sumo sacerdote penetrava uma vez por ano com o sangue sacrificial, uma profanação imensa ocorreu. Ao mesmo tempo (15:36-39), uma nova santidade apareceu com o centurião gentio expressando a identidade divina de Jesus, previamente expressa pela voz divina. O templo e o Gólgota estavam bem distantes. Apenas o texto torna essas coisas simultâneas – aos olhos da mente. O maior choque de violação vem no fim. É o túmulo vazio, uma lacuna na fronteira supremamente importante entre mortos e vivos. Por meio dela o poder divino, de um tipo extremamente suspeito e impróprio, é solto no mundo. Daí a fuga aterrorizada dos pranteadores. Medo, espanto e assombro são reações frequentes às palavras e ações de Jesus por toda a narrativa irrequieta de Marcos. Cercam seu primeiro milagre, o exorcismo de um endemoninhado na sinagoga em Cafarnaum em 1:21-27. O exorcismo vem de forças que rompem limites. O ensinamento de Jesus na sinagoga é abalizado e não oficial – Portanto, surpreendente. Assim que ele é ministrado, apresenta-se a nós uma brecha alarmante na norma religiosa como um fait accompli (fato consumado): “Estava na

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sinagoga deles um homem possuído de [Marcos diz “em”] um espírito impuro” (v.23). Na casa pura há uma presença impura, e dela irrompe, em completa contradição de expectativas, a verdade sagrada: “Sei quem tu és: o santo de Deus” (v.24). Esse estilhaçamento duplo da ordem convencional é seguido de uma ruptura culminante á medida que o espírito impuro lacera o homem e sai dele, gritando. A série rápida de irrupções tem o efeito de uma das cenas de “escândalo” de Dostoievski: o embaraço com o diapasão do terror. E assim continua. Em 2:1-12, um teto é “aberto” para trazer um paralítico á presença de Jesus. Jesus perdoa o sofredor, e os escribas ficam escandalizados pela blasfêmia de ele fazer o que só Deus deveria fazer. Mas o homem é curado e sai, e novamente os circunstantes estão “admirados”. Em 2:15-17, há um escândalo adicional quando Jesus come com “muitos publicanos e pecadores”. Em 2:18-22, Jesus dá a justificação parabólica de rasgar e romper: a peça nova rasga o vestido velho, o vinho novo estoura os odres velhos e as normas da existência cotidiana são subvertidas pela festa do dia do casamento. Jesus prossegue desconsiderando os regulamentos do sábado, tão fundamentais para a ordem tradicional. Pouco lhe importa que seus discípulos os contrariem, pois “o sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado” e ele, o “filho do homem”, é “senhor até do sábado” (2:27-28). Cura o homem ate da mão atrofiada em uma sinagoga (aumentando o escândalo) no sábado, e os fariseus decidem vingar a subversão de sua ortodoxia, destruindo-o (3:6). As grandes rupturas que estão no clímax do evangelho de Marcos são visíveis: a morte de Jesus e sua ressurreição. Na narrativa intermediária o sagrado move-se decisivamente de seus lugares costumeiros para novos lugares, da sinagoga para a casa e, acima de tudo, da tradição para Jesus’.

6.1. Lista completa de livros tidos como apócrifos

ANTIGO TESTAMENTO1. Apocalipse de Adão2. Apocalipse de Baruc3. Apocalipse de Moisés4. Apocalipse de Sidrac5. As Três Estelas de Seth6. Ascensão de Isaías7. Assunção de Moisés8. Caverna dos Tesouros9. Epístola de Aristéas10. Livro dos Jubileus11. Martírio de Isaías12. Oráculos Sibilinos13. Prece de Manassés14. Primeiro Livro de Adão e Eva15. Primeiro Livro de Enoque16. Primeiro Livro de Esdras17. Quarto Livro dos Macabeus18. Revelação de Esdras19. Salmo 15120. Salmos de Salomão (ou Odes de Salomão)21. Segundo Livro de Adão e Eva22. Segundo Livro de Enoque (ou Livro dos Segredos de Enoque)23. Segundo Livro de Esdras (ou Quarto Livro de Esdras)24. Segundo Tratado do Grande Seth25. Terceiro Livro dos Macabeus26. Testamento de Abraão27. Testamento dos Doze Patriarcas28. Vida de Adão e Eva

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ESCRITOS DE QUMRAN

1. A Nova Jerusalém (5Q15)2. A Sedutora (4Q184)3. Antologia Messiânica (4Q175)4. Bênção de Jacó (4QPBl)5. Bênçãos (1QSb)6. Cânticos do Sábio (4Q510-4Q511)7. Cânticos para o Holocausto do Sábado (4Q400-4Q407/11Q5-11Q6)8. Comentários sobre a Lei (4Q159/4Q513-4Q514)9. Comentários sobre Habacuc (1QpHab)10. Comentários sobre Isaías (4Q161-4Q164)11. Comentários sobre Miquéias (1Q14)12. Comentários sobre Naum (4Q169)13. Comentários sobre Oséias (4Q166-4Q167)14. Comentários sobre Salmos (4Q171/4Q173)15. Consolações (4Q176)16. Eras da Criação (4Q180)17. Escritos do Pseudo-Daniel (4QpsDan/4Q246)18. Exortação para Busca da Sabedoria (4Q185)19. Gênese Apócrifo (1QapGen)20. Hinos de Ação de Graças (1QH)21. Horóscopos (4Q186/4QMessAr)22. Lamentações (4Q179/4Q501)23. Maldições de Satanás e seus Partidários (4Q286-4Q287/4Q-280-4Q282)24. Melquisedec, o Príncipe Celeste (11QMelq)25. O Triunfo da Retidão (1Q27)26. Oração Litúrgica (1Q34/1Q34bis)27. Orações Diárias (4Q503)28. Orações para as Festividades (4Q507-4Q509)29. Os Iníquos e os Santos (4Q181)30. Os Últimos Dias (4Q174)31. Palavras das Luzes Celestes (4Q504)32. Palavras de Moisés (1Q22)

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33. Pergaminho de Cobre (3Q15)34. Pergaminho do Templo (11QT)35. Prece de Nabonidus (4QprNab)36. Preceito da Guerra (1QM/4QM)37. Preceito de Damasco (CD)38. Preceito do Messianismo (1QSa)39. Regra da Comunidade (1QS)40. Rito de Purificação (4Q512)41. Salmos Apócrifos (11QPsa)42. Samuel Apócrifo (4Q160)43. Testamento de Amran (4QAm)

NOVO TESTAMENTO

1. A Hipóstase dos Arcontes2. (Ágrafos Extra-Evangelhos)3. (Ágrafos de Origens Diversas)4. Apocalipse da Virgem5. Apocalipse de João o Teólogo6. Apocalipse de Paulo7. Apocalipse de Pedro8. Apocalipse de Tomé9. Atos de André10. Atos de André e Mateus11. Atos de Barnabé12. Atos de Filipe13. Atos de João14. Atos de João o Teólogo15. Atos de Paulo16. Atos de Paulo e Tecla17. Atos de Pedro18. Atos de Pedro e André19. Atos de Pedro e Paulo20. Atos de Pedro e os Doze Apóstolos21. Atos de Tadeu

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22. Atos de Tomé23. Consumação de Tomé24. Correspondência entre Paulo e Sêneca25. Declaração de José de Arimatéia26. Descida de Cristo ao Inferno27. Discurso de Domingo28. Ditos de Jesus ao rei Abgaro29. Ensinamentos de Silvano30. Ensinamentos do Apóstolo Tadeu31. Ensinamentos dos Apóstolos32. Epístola aos Laodicenses33. Epístola de Herodes a Pôncio Pilatos34. Epístola de Jesus ao rei Abgaro (2 versões)35. Epístola de Pedro a Filipe36. Epístola de Pôncio Pilatos a Herodes37. Epístola de Pôncio Pilatos ao Imperador38. Epístola de Tibério a Pôncio Pilatos39. Epístola do rei Abgaro a Jesus40. Epístola dos Apóstolos41. Eugnostos, o Bem-Aventurado42. Evangelho Apócrifo de João43. Evangelho Apócrifo de Tiago44. Evangelho Árabe de Infância45. Evangelho Armênio de Infância (fragmentos)46. Evangelho da Verdade47. Evangelho de Bartolomeu48. Evangelho de Filipe49. Evangelho de Marcião50. Evangelho de Maria Madalena (ou Evangelho de Maria de Betânia)51. Evangelho de Matias (ou Tradições de Matias)52. Evangelho de Nicodemos (ou Atos de Pilatos)53. Evangelho de Pedro54. Evangelho de Tome o Dídimo55. Evangelho do Pseudo-Mateus56. Evangelho do Pseudo-Tomé

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57. Evangelho dos Ebionitas (ou Evangelho dos Doze Apóstolos)58. Evangelho dos Egípcios59. Evangelho dos Hebreus60. Evangelho Secreto de Marcos61. Exegese sobre a Alma62. Exposições Valentinianas63. (Fragmentos Evangélicos Conservados em Papiros)64. (Fragmentos Evangélicos de Textos Coptas)65. História de José o Carpinteiro66. Infância do Salvador67. Julgamento de Pôncio Pilatos68. Livro de João o Teólogo sobre a Assunção da Virgem Maria69. Martírio de André70. Martírio de Bartolomeu71. Martírio de Mateus72. Morte de Pôncio Pilatos73. Natividade de Maria74. O Pensamento de Norea75. O Testemunho da Verdade76. O Trovão, Mente Perfeita77. Passagem da Bem-Aventurada Virgem Maria78. Pistis Sophia79. Prece de Ação de Graças80. Prece do Apóstolo Paulo81. Primeiro Apocalipse de Tiago82. Protoevangelho de Tiago83. Retrato de Jesus84. Retrato do Salvador85. Revelação de Estevão86. Revelação de Paulo87. Revelação de Pedro88. Sabedoria de Jesus Cristo89. Segundo Apocalipse de Tiago90. Sentença de Pôncio Pilatos contra Jesus 91. Sobre a Origem do Mundo

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92. Testemunho sobre o Oitavo e o Nono93. Tratado sobre a Ressurreição94. Vingança do Salvador95. Visão de Paulo

OUTROS ESCRITOS

1. História do Sábio Ahicar2. Livro do Pseudo-Filon

7. outros Fragmentos

Não procuramos verdades com a intenção de encontrá-las, mas sim com o objetivo de compará-las. As verdades dependem pura e exclusivamente da interpretação teórica que recorremos para explicá-las. 59

Os Fragmentos abaixo são datados em torno dos anos 150 a 500 E.C. escritos por autores desconhecidos. Apesar dessa peculiaridade apresentam-se de suma importância para o

estudo da formação e estudo dos Evangelhos e conhecimento da Igreja Inicial. A tradução dos textos do original grego/copta para o espanhol foi realizada por Gustavo Cerro e Olavo de Santos Otero e do espanhol para o português por Emília Santos Coutinho.

1 - Palavras do Senhor reunidas em um papiro de Oxirrinco, datado pelo fim do século II e III, escrito em grego.

I. E então terás que tirar a palha que está no olho do teu irmão. (Mt.7,5: Lc.6,42).

II. Disse Jesus: ‘Se não te afastares do mundo, não encontrareis o reino de deus. E se não guardais o sábado, não veras o Pai’.

III. Disse Jesus: Estive no meio do mundo e me manifestei a ele em carne e encontrei que todos estavam ébrios, e não encontrei ninguém entre eles que estivesse sedento.

IV. Disse Jesus: ‘Minha alma sofre pelos filhos do homem, porque estão cegos de coração e não olham... a pobreza’.

V. Disse Jesus:- ‘Onde quer que estejam... e onde esteja um só, Eu estou com ele.Levanta a pedra e ali me encontraras, rompa a pedra e ali estou’.

VI. Disse jesus: Não e aceito um profeta em sua própria terra.nem medico faz curas entre os que o conhecem.(Lc.4, 24).

VII. Disse Jesus: ‘Uma cidade edificada no alto de um monte elevado e fortificada não pode cair, nem se ocultar’.(Mt, 5, 14).

59. Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades, p. 452.

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VIII. Disse Jesus: ‘Escutes com um só de teus ouvidos....’

2 - Fragmento Evangélico de Oxirrinco do ano de 655 escrito em grego, sua data provável é do século II.

(Coluna A-1,23) “Não te preocupes desde a manha ate a tarde, nem desde a tarde ate a manha, nem por sua comida que comereis nem por vossa roupa que vestireis. Porque vos sois melhores que os lírios que crescem e não fiam. também vós tens uma roupa (Mt. 6, 25 e Lc 12, 22).Quem poderá juntar algo a vossa Estatura (ou ao vosso tamanho? Seus discípulos disseram:Quanto vai se manifestar a nós e quando te vamos ver? Ele os contestou (ou ele respondeu):“Quando te desnudeis e não sentis vergonha” (Gen.3,7).(Coluna B-41,50) Dizia: “Esconderam as chaves do reino e nem eles a encontram e nem deixam entrar os que desejam.Mas vos sedes prudentes como as serpentes e simples como as pombas”. (Mt.10.16).

3 - Fragmento Evangélico De Fayum, data do século IV ou anterior escrito em grego. Papiro escrito provavelmente nas últimas décadas do século II, encontrado no Oásis de Fayum. Trata-se de uma versão abreviada. . Jesus na véspera da paixão, profetiza a deserção dos apóstolos e a negação de Pedro. Não se encontra nenhum detalhe apócrifo. Tampouco existem argumentos para dirimir em um sentido ou outro a questão sobre a dependência ou não dos textos canônicos.

....E depois de comer, segundo o costume, Jesus lhes disse: Todos ficarão escandalizados esta noite segundo o está escrito: “Ferirei o pastor e dispersaram as ovelhas”.Quando Pedro lhes disse: Ainda que todos, menos eu”. Jesus lhe disse: - Antes que o galo cante duas vezes, tu me negaras três.

4 - Papiro Evangélico de Oxirrinco 840. Trata-se de uma folha de pergaminho, escrito em grego, provavelmente do século IV ou V descoberta por B. B. Greenfield e A. S. Hundt em 1905. O texto é composto pelos

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discursos atribuídos a Jesus, sendo que a primeira parte desapareceu quase por completo. O segundo está quase completo e vem a ser um debate entre Jesus e um fariseu, cujo nome parece ser Levi, a respeito das purificações exigidas pelos Judeus durante uma visita ao Templo. O teor desta disputa lembra certas passagens dos Evangelhos sinóticos e evidência o influxo das fontes canônicas. O autor observa certa ignorância a respeito aos rituais com respeito às abluções judaicas. Menciona as meretrizes e flautistas e a inutilidade da água na purificação interior, recordando passagens atribuídas ao Evangelho dos Hebreus e ao Evangelho do Nazareno.

(Verso 1-23) Antes de atuar injustamente, tente de tudo. Coloque, pois atenção, para que não padeceis as mesmas coisas que eles. Pois os malfeitores não somente recebem sua recompensa entre os vivos, como também terão que suportar o castigo e grandes tormentos em outra vida”. Depois, tomando a seus discípulos, os introduziu no mesmo lugar das purificações. E Ele passeava pelo Templo. Então se acercou certo pontífice fariseu, de nome Levi, e foi ao encontro do Salvador e disse: ‘Quem te deu permissão para pôr os pés neste lugar de purificações e contemplar estes vasos sagrados sem ter se lavado e sem que tenham lavado os pés teus discípulos? E mais, estando contaminado, pisas este Templo, lugar sagrado, que ninguém que não tenha se lavado e tenha trocado suas roupas pode pisar e se atrever a contemplar os vasos sagrados .Colocando-se ao lado de seus discípulos, o Salvador lhe respondeu:(Verso 23-45) ‘Então tu, que estas no Tempo, sois puro? Aquele lhe disse: ‘Se, estou puro, pois me lavei na piscina de Davi e subi pela escada distinta da baixada e coloquei roupa banca e pura. Assim vim e contemplei estes vasos sagrados’. O Salvador lhe respondeu dizendo: ‘Ai dos cegos que não veem. Tu te banhaste em águas correntes nas que se meteram porcos e cães de noite e de dia. Tu te banhaste e enxugaste a pele exterior, o que também as meretrizes e os flautistas perfumam, lavam, enxugam e ataviam para excitar a concupiscência dos homens. Mas seu interior está cheio de escorpiões e de toda classe de maldade. Em troca, eu e meus discípulos, nos que segundo vos não nos purificamos, nos lavamos em águas da vida eterna que surgem... Mas, ai daqueles que...!

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5 - Fragmento evangélico gnóstico de Oxirrinco 1081. Sua datação ficou em torno dos séculos III e IV ou mesmo anterior escrito em Grego. Encontrado nos princípios do século XX em Behnesa. Apresenta um certo dialogo entre Jesus e seus discípulos Gnóstico. Realmente é um fragmento do original grego da obra intitulada Sophia Jesu Christi, que é conhecida em sua versão copta do século III.

(Verso 1-24) Anote bem, a natureza visível, dissolvida por uma grande extenuação e corrupção, não destrói a natureza das coisas incorrutíveis. O que tenha ouvidos autênticos, mais além dos naturais, que escute. Falo aos que estão vigilantes. Todavia acrescentou e disse: “Tudo o que nasce da corrupção perece, como nascido que e da corrupção. E o que nasce da incorruptibilidade não perece, mas sim que permanece incorruptível, como nascido e da incorruptibilidade. Alguns dos homens se extraviaram porque não vieram a corrupção....(e morreram)(Verso 25-46) Disseram os apóstolos: ‘pois Senhor, como vamos a encontrar a fé?’ O Salvador respondeu: ‘Passando da escuridão para a luz do manifesto. Esta emanação da inteligência os demonstrara como deve se encontrar a fé clara do Pai que não tem pai. O que tenha ouvidos para ouvir que ouça. O dono de todas as coisas não e o pai, mas sim o progenitor. Pois o pai e somente princípio das coisas futuras, mas seu pai e Deus, progenitor de todas as coisas desde seu nascimento em diante.

6 - Fragmento do Cairo – papiro P.10735. Fragmento papiráceo em caracteres Unciais 60 do século VI ou VIII, que faz alusão a fuga de José, Maria e Jesus para o Egito. Segundo A. Deissmann, trata-se de fragmento de comentário ou homília sobre os evangelhos da Infância de Jesus e não se trata de um evangelho desconhecido.

(Verso) Falou o anjo do Senhor: “José levanta-te, toma Maria, tua esposa e foge para o Egito...” (verso)... que te expliquem bem. Mas o chefe do exercito celestial disse a Virgem: “Eis aqui Isabel, tua parente, concebeu também: e este e o sexto mês para a que era chamada de estéril.

60. Manuscritos em caracteres maiúsculos, escritos em velino e pergaminho. Os escritos dos séculos III são utilizados até o século XI. Existem cerca de 318 Unciais.

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No sexto mês, que é o mês de Thoth 61, a mãe concebeu a João. E era conveniente que o chefe do exército celestial 62 anunciara a João, ministro e precursor da vinda de seu Senhor.

7 - Papiro de Berlim. P.11710. Escrito em grego, provavelmente sua composição seja anterior ao século VI.

Nataniel confessou e disse: “Rabi, Senhor, tu és o filho de Deus. O rabi lhe respondeu dizendo: “Nataniel, caminhe ao sol. Nataniel lhe respondeu e disse: “Rabi, Senhor, tu és o cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo. O rabi lhe respondeu e disse...

8 - Papiro copta de Strasburgo/Evangelho do Salvador. Provavelmente composto em séculos anteriores ao V, em grego (copta). Aparenta serem restos de um “evangelho” de difícil leitura e interpretação, devido inicialmente por seu estado de conservação. Editados em 1900 por A. Jacoby e depois examinados com mais rigor por C. Schmidt, contém uma oração incompleta (1º fragmento). O 2 º fragmento reproduz um diálogo entre Jesus e os apóstolos. Devido aos vestígios relacionados com os evangelhos canônicos pode se aventar que o texto seja anterior ao século III (Olavo de Santos Otero).

(Copta 5 Verso) para que seja reconhecido por sua hospitalidade e elogiado por seus frutos... Amém. Dê-me agora teu poder, oh Pai, para que os que estão contigo possam resistir ao mundo. Amém. Eu recebi o diadema (cetro) do reino... o diadema que aquele que e... diminuídos em sua pequenez, pois não são conhecidos.Cheguei a ser rei por ti, Oh Pai. Tu a todos submeteras a mim.

61. Toth, Tot, Tôt ou Thoth (Egito) – Deus da Lua. Deus da sabedoria, cordato, sábio, assistente e secretário-arquivista dos deuses. É uma divindade lunar que tem a seu cargo a sabedoria, a escrita, a aprendizagem, a magia, a medição do tempo, entre outros atributos. Era frequentemente representado como um escriba com cabeça de íbis (a ave que lhe estava consagrada). Também era representado por um babuíno. A importância desta divindade era notória porque o ciclo lunar era determinante em vários aspectos da atividade civil e religiosa da sociedade egípcia. É, por vezes, identificado com Hermes Trismegisto. Sua filiação ora é atribuída a Rá, ora a Seth. Refere-se também que seria conselheiro de Rá. Sua companheira íntima, Astennu, é por vezes identificada com o próprio Toth. Tinha uma filha: Seshat. (Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbete: Toth).62. “Assim os céus, a terra e todo o seu exército foram acabados” (Gênesis 2:1).

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Quem destruirá o último inimigo? Por Cristo. Amém. Por quem e destruído o agulhão da morte? Pelo Unigênito. Amém.

A quem pertence o poder? Pertence ao Filho. Amém.

(Verso): Quando Jesus terminou todo o canto de glorificação e elogio o seu pai, se voltou para nos e nos disse: “Esta próxima à hora em que serei separado de vos. O espírito está pronto, mas a carne e fraca: estai atentos e vigiai comigo”. E nos, os apóstolos, lhe dissemos chorando: Filho de Deus... Ele nos respondeu: “Não tenhas medo pela destruição do corpo, temei mais o poder das trevas .Recordai tudo que lhes disse: se a mim perseguiram, também perseguirão a vos. Alegrai-vos agora, porque Eu venci o mundo.(Copta 6 Verso) para que os manifestei toda minha gloria e os mostre toda vossa forca e o mistério de vossa apostolado.(Verso) Nossos olhares penetraram por todos os lugares. Nós contemplamos a gloria de sua divindade e toda a gloria de seu poderio. Ele nos revestiu da forca de nosso apostolado.

9 - Papiro Rylands III 463. Mais conhecido atualmente como O Evangelho de Maria Madalena. A ideologia gnóstica considera Maria Madalena a depositaria privilegiada das confidencias de Jesus ressuscitado, por ter sido sua predileta. Fragmento papiráceo do século III em sua língua original grega. A maior parte do texto foi conservado, ainda que de forma fragmentária em sua versão copta. Embora falte 6 fólios do princípio, foi possível recompor as linhas gerais do texto apócrifo. A versão em português assim se apresenta baseada na versão em espanhol de Olavo de Otero Santos.

Segundo o texto copta, nosso apócrifo oferece em primeiro lugar um dialogo entre Jesus ressuscitado e seus discípulos em que Cristo – o Redentor – contesta a diversas perguntas formuladas por estes relacionadas com a “matéria” e o “pecado”. Após a despedida de Jesus, os apóstolos ficam desolados até que Maria Madalena os anima, exortando-os a confiar na graça divina. Na segunda parte, Pedro pede a Maria Madalena que esta diga a ele e aos demais apóstolos a revelação que ela recebeu de Jesus. Maria descreve então uma visão em que lhe foi dada conhecer muitos segredos acerca da “alma” e das “cinco potencias” contrarias que se lhe interpõe em seu caminho em

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direção ao “descanso”. A reação de Pedro e de André frente a esta visão, se vê refletida no seguinte texto:“...o restante do caminho, da medida justa, do tempo, do século, descanso em silencio. Dito que houve isto, Maria calou, como se o Salvador lhe tivesse falado (somente (ate aqui (então) disse: André: “Irmãos, que lhes parece o que foi dito? Porque eu, por minha parte, não creio que tenha sido dito isto pelo Salvador, pois parecia não estar de acordo com seus pensamentos. Pedro disse: “mas o que, perguntado ao Senhor por estas questões, ia falar a uma mulher ocultamente e em segredo para que todos (a) escutássemos? Acaso ia querer apresentá-la como mais digna que nos?(...) A lacuna que afeta aqui o texto grego pode ser preenchida com a seguinte intervenção contida na versão copta: “Maria, chorando disse a Pedro: Pedro, irmão meu, no que pensas? Crês que tudo seja minha imaginação ou que enganei o Salvador?” Na continuação sai Levi em defesa de Maria e coloca fim a seu evangelho:(...) Do Salvador? Levi disse a Pedro: “Sempre tens a cólera a teu lado, e agora mesmo discutes com a mulher enfrentando-se com ela. Se o Salvador a julgou digna, quem és tu para depreciá-la? De todas as maneiras, Ele, ao vê-la a amou sem duvida. Envergonhemo-nos, sim, e revestidos do homem perfeito, cumpramos com aquilo que nos foi mandado. Preguemos o Evangelho sem restringir, nem legislar (mas) sim? como disse o Salvador. Terminando estas palavras, se foi e se pôs a predicar o Evangelho segundo Maria.

8. Cânone muratori

Também conhecido por fragmento muratoriano ou fragmento de Muratori 63, é uma cópia da lista mais antiga que se conhece dos livros do Novo Testamento. Foi descoberta na

Biblioteca Ambrosiana de Milão por Ludovico Antônio Muratori (1672 – 1750) e publicada em 1740. No fragmento incompleto de Muratori figuram os nomes dos livros que o autor desconhecido considerava admissíveis, com alguns comentários. Apesar de ser consensual datar o manuscrito como sendo do século VII, ele é certamente uma cópia de um texto mais antigo, datado como tendo sido escrito por volta do ano 170, já que nele é referido o Pastor de Hermas e, como recente, o papado de Pio I, morto em 157. 64 Porém, tudo isso é bem subjetivo e não temos certeza de nada, como aconteceu com o Deuteronômio e muitos outros livros. Como sabemos, os livros canônicos do Novo Testamento aceitos hoje são:

Evangelho Segundo Mateus.Evangelho Segundo Marcos.Evangelho Segundo Lucas.Evangelho Segundo João.Livro de Atos dos Apóstolos.Epístola aos Romanos.Primeira Epístola aos Coríntios.Epístola aos Gálatas.Epístola aos Efésios.Epístola aos Filipenses.Epístola aos Colossenses.Primeira Epístola aos Tessalonicenses.Segunda Epístola aos Tessalonicenses.

63. Ver as semelhanças deste Cânone com o Diatesseron em Marques e Coutinho. Fragmentos II. 64. Segundo a história católica, seu pontificado foi marcado por questões envolvendo judeus convertidos e com heresiarcas como os gnósticos Valentino, Cerdão e Marcião, criador do marcionismo.

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Primeira Epístola a Timóteo.Segunda Epístola de Timóteo.Epístola de Tito.Epístola aos Hebreus.Epístola de Tiago.Primeira Epístola de Pedro.Epístola de Judas.Livro de Apocalipse.1, 2 e 3 Epístola de João.

O Cânone de Muratori aceita os quatro evangelhos, dos quais dois são o Evangelho de Lucas e o Evangelho de João, não se conhecendo os outros dois, pois falta o princípio do manuscrito, onde estariam os nomes dos dois primeiros. As relações e as experiências religiosas privilegiadas e os esquemas tradicionais, individuais e inovadores não são rígidos. 65 É possível observar modificações através de uma forte personalidade religiosa, onde o modelo original apresentado acaba por modificar-se. Essa modificação é inspirada através de momentos e situações, segundo a crença cristã, de Moção Divina como original e verdadeiro. 66 A lista de Muratori segue com os Atos dos Apóstolos e com 13 epístolas de Paulo de Tarso não menciona a Epístola aos Hebreus. Vimos anteriormente que o Livro dos Atos que consta no Novo Testamento, conta particularmente à história do Cristianismo desde o início da vida pública de Jesus, até o início dos trabalhos de Paulo nos anos 57-62. Nos textos primitivos, anterior ao século II, não existe qualquer referência ou menção dos pais da Igreja ou dos escritores cristãos sobre Atos, antes do século II o Livro de Atos simplesmente parece não existir. As epístolas de Tiago, Pedro, João e Judas, ou atribuídas a esses supostos autores, apareceram possivelmente após o Evangelho de João, ou mais precisamente após o século II. Podemos datar as Epístolas de João com certa dose de certeza após 65. Eliade, M. Mito e Realidade, p. 129.66. Aquino se refere à Moção, como um Movimento interno do individuo para com Deus, ou seja, “tudo o que age, age para um fim, toda causa dirige seus efeitos para o seu fim”. Essa motionis divinus (Moção Divina) seria dada ou impressa na alma do individuo em sua criação, um “auxílio gratuito de Deus que imprime uma moção no interior desta alma ou lhe inspira o bom propósito”. (Suma Teológica, Vol. IV, p. 854).

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o século, essa suposição se dá devido à existência de uma discussão (posterior, própria das cidades helenizadas) na primeira Epístola sobre a existência carnal de Jesus (‘todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus’ 4:2), que aparece apenas no século II com os Docetas. Eles negavam a realidade carnal de Jesus e, por isso, não aceitavam seu nascimento, paixão e ressurreição. Consideravam seu corpo um “Fantasma” (Fluídico), e seus feitos apenas aparente. 67

O Muratori considera como falso as epístolas aos laodiceanos supostamente escritas por Paulo, a escrita aos alexandrinos, o Pastor de Hermas, por acreditar não pertencer a nenhum dos apóstolos. 68 Nele só se mencionam duas epístolas de João, sem as descrever. Figura também no fragmento o Apocalipse de Pedro, ainda que com certas reservas (‘o qual alguns dos nossos não permitem que seja lido na Igreja’). O Livro da Sabedoria do Antigo Testamento também é citado como sendo canônico. Este livro foi intitulado Sabedoria de Salomão, porque os capítulos 7-9 dão a palavra a este rei, que a tradição judaica considerava “o sábio” por excelência. Salomão destacava-se como o grande sábio de Israel (1Rs 5,9-14; Ecl 47,12-17; Pr 1,1; Ecl 1,1; Sb 8,19; 1Rs 3,4-15). Trata-se, entretanto, de um artifício literário destinado a respaldar, com uma autoridade unanimemente reconhecida, um pensamento novo. O livro é uma produção do judaísmo alexandrino e foi redigido por um autor que permaneceu no anonimato. “Mas que é a Sabedoria e qual a sua origem? Vou anunciá-la, / sem esconder seus mistérios. /Remontarei ao princípio de sua existência, / e exporei à luz do dia o conhecimento de sua realidade; não me desviarei da verdade e jamais caminharei com a inveja que devora, / pois ela exclui a participação na Sabedoria. A multidão dos sábios, ao contrário, assegura a salvação do mundo / e um rei sensato, a prosperidade de um povo. Deixai-vos educar por minhas palavras, e delas tirareis proveito”. (6:22-25) (TEB, p. 1104). Nestes, sem dúvida, ele estava presente, e assim anotou (tomou notas). O terceiro livro do Evangelho: Segundo Lucas. Depois da

67. Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbete: Docetas.68. Pinero, A. e Pelaz, J. El Nuevo Testamento: Introducción al estudio de los primeros escritos cristianos, p. 85-86.

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ascensão de Cristo, Lucas, o médico69, o qual Paulo havia levado consigo como expert juridico, escreveu em seu próprio nome concordando com a opinião dele (Paulo). Sem dúvida, o mesmo nunca viu o Senhor na carne e, portanto, segundo pode seguir.... começou a contar desde o nascimento de João. O quarto Evangelho é o de João, um dos discípulos. Quando seus co-discípulos e bispos o animaram, disse João: “Jejuai junto comigo durante três dias a partir de hoje e, o que nos for revelado, contaremos uns aos outros”. Esta mesma noite lhe foi revelado a Andres, um dos apostolos, que João deveria escrever tudo em seu próprio nome, e que eles deveriam fazer a revisão. Portanto, ainda que se ensinem começos distintos para vários livros do Evangelho , não existe diferença para a fé dos crentes, já que em cada um deles tudo foi declarado por um só Espirito, referente a seu nascimento, paixão e ressureição, sua associação com seus discípulos, sua dupla ascensão —seu primeiro em humildade, quando foi depreciado, o que ja passou; seu segundo em poder real, sua volta. Não é de estranhar, portanto, que João apresentara de forma tão constante os detalhes em separado em suas cartas também, dizendo a si mesmo: “O que vimos com nossos olhos e ouvido com nossos ouvidos e tocamos com nossas mãos, estas coisas escrevemos”. Porque desta maneira pretende ser não somente um espectador que escutou (ouviu), mas um que escreve de forma ordenada os fatos maravilhosos a respeito de Nosso Senhor.

69. Não existe nada que prove que Lucas foi realmente médico. Essa suposta opinião surgiu apenas depois da “autorizada” Bíblia do rei James (1611). “Lucas, mais que os outros evangelistas, faz a todo tempo referências à tradição profética e aos textos antigos. Sobre o nascimento miraculoso de João, aproveitou os textos de Gênesis nos quais Sara, já idosa, ‘era estéril; não tinha filhos’, “E O SENHOR visitou a Sara, como tinha dito; e fez o SENHOR a Sara como tinha prometido” (Gênesis 21:1). Lucas apenas repetiu a história para demonstrar a genealogia entre Abraão e os “pais” de João, seus descendentes, e complementar sua história com o nascimento miraculoso de João Batista. Isabel “não tinham filhos, porque era estéril, e ambos (Isabel e Zacarias) eram avançados em idade. E depois daqueles dias, Isabel concebeu, e por cinco meses se ocultou” (1:7 e 24). A diferença entre esses três evangelhos é que para os dois primeiros João Batista era Elias, e para Lucas Jesus era o próprio Elias. Não observamos na história judaica os profetas realizando milagres, Elias foi uma exceção. Elias ressuscitou o filho de uma viúva (1 Reis; 17: 18-24), “Nisto conheço agora que tu és homem de Deus”, Jesus ressuscitou o filho de uma viúva, “Porque este meu filho estava morto, e reviveu, tinha-se perdido, e foi achado. E começaram a alegrar-se” (15:24), conhecemos agora que “Tu és o Cristo, o Filho de Deus”. Elias ascendeu aos céus com seu corpo, “E sucedeu que, indo eles andando e falando, eis que um carro de fogo, com cavalos de fogo, os separou um do outro; e Elias subiu ao céu num redemoinho” (2 Reis 2:11), Jesus foi ‘elevado aos céus’ (24:51). Existe a promessa da volta de Elias; “Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível dia do SENHOR” (Malaquias 4:5), Jesus promete voltar; “E então verão vir o Filho do homem numa nuvem, com poder e grande glória” (21:27)” (Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbetes: Atos dos Apóstolos e Lucas).

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Os Atos de todos os apóstolos tem sido escrito em livros dirigindo-se ao excelentíssimo Teófilo, Lucas inclui todas (uma por uma) as coisas que foram feitas diante de seus próprios olhos, o que ele mostra claramente ao omitir a paixão de Pedro, e também a saída de Paulo a partir da Cidade (Roma) para Espanha. E quanto às cartas de Paulo, elas mostram aos que desejam entender o lugar onde foram escritas e sua finalidade. Em primeiro lugar (escreveu) aos Coríntios proibindo divisões e heresias; depois aos Galatas (proibindo) a circunscrição; aos Romanos, escreveu extensamente acerca da ordem das escrituras e também insistindo que Cristo fosse o tema central das mesmas. Não é necessário dar uma informação bem argumentada de tudo isto já que o bendito apóstolo Paulo, seguindo a ordem de seu predecessor João, mas sem menciona-lo, escreve a sete igrejas na seguinte ordem: primeiro aos Coríntios, segundo aos Éfesios, terceiro aos Filipenses, quarto aos Colossenses, quinto aos Galatas, sexto lugar aos Tessalonicenses e em sétimo lugar aos Romanos. Sem duvida, ainda que (a mensagem) se repita aos Coríntios e aos Tessalonicences para sua reprovação, se reconhece a uma igreja como difundida através do mundo inteiro. João também, ainda que escreva as sete igrejas no Apocalipse, sem dúvida escreve a todas. Além disso (Paulo escreve) uma carta a Filemon, uma a Tito, duas a Timóteo, em amor e afeto; mas que foram santificadas para a honra da igreja católica na constituição (organização) da disciplina eclesiástica. Dizem que existe outra carta em nome de Paulo aos laodicenses e outra aos Alexandrinos (ambas) falsificadas segundo a heresia de Marcion, e muitas outras coisas que não podem ser recebidas na igreja católica, ja que não é apropriado que o veneno se misture com o mel. Mas a carta de Judas e as duas supracitadas com o nome de João são aceitas na Igreja católica: a Sabedoria também, escrita pelos amigos de Salomão em sua honra. O Apocalipse de João também recebemos, e o de Pedro, o qual alguns dos nossos não permite que seja lido na Igreja. Mas o Pastor foi escrito por Hermas na cidade de Roma recentemente, em nossos próprios dias, quando seu irmão Pio ocupava a cadeira do Bispo na Igreja da cidade de Roma; portanto pode ser lido, mas não pode ser dado

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as pessoas na Igreja, nem entre os profetas, já que seu numero é incompleto, nem entre os apóstolos no final dos tempos. Mas não recebemos nenhum dos escritos de Arsino ou Valentino ou Milciades em absoluto. Foi feito (foi composto) um livro de salmos para Márcion (estes desprezamos) junto com Basílides 70, o fundador asiático dos Catafrigas. 71.

70. Basílides (c. 117-138) Filósofo gnóstico de Alexandria, possivelmente originário de Antioquia, atual cidade turca na província de Hatay. Admitiu um princípio incriado, o Pai, cinco hipóteses emanadas dele e trezentos e sessenta e cinco céus, um dos quais é o nosso mundo comandado por YHWH (Yahweh, Jeová ou Javé). Santo Irineu e Santo Hipólito refutaram as suas doutrinas. Basílides foi com Valentino o mais célebre dos gnósticos.71. Montano (século II - III) – religioso, místico e profeta asiático, fundador da doutrina religiosa chamada montanismo. Montano foi sacerdote em Cibele que, após criticar severamente a Igreja primitiva, afastou-se do cargo de sacerdote e fundou seu próprio sistema de pensamento nada ortodoxo aos olhos da Igreja, por volta da metade do século I (c. 172). Os participantes desse movimento eram chamados de encratitas (abstinentes). Montano exigia que os cristãos não só se oferecessem voluntariamente ao martírio, como tinham de provocá-lo para provarem sua fé em Jesus. Montano e suas duas principais participantes se diziam assessorados diretamente pelo Espírito Santo. Montano e muitos outros “heréticos” criticavam severamente a Igreja por causa de sua suposta frouxidão e pouca moral. Esses dois líderes iam tão longe com suas exigências que não pediam, mas exigiam re-núncia absoluta à carne, ao vinho e ao casamento. Algumas dessas exigências apresentadas por estas e muitas outras “heresias” foram adaptadas e melhoradas, fazendo parte da Igreja por intermédio do Monaquismo. Segundo a História eclesiástica, Montano teria surgido na cidade de Ardabau, na antiga Frígia, onde, em transe, passou a praticar a religião sob o domínio de um espírito. “Como foi justamente então que os partidários de Montano, Alcibíades e Teodoto, começaram a dar a conhecer entre muitos na Frígia sua opinião sobre a profecia (pois os muitos outros milagres do carisma de Deus, que até então ainda vinham se realizando pelas diversas igrejas, produziam em muitos a crença de que também aqueles eram profetas), havendo surgido discrepâncias por sua causa, novamente os irmãos da Gália formularam seu próprio juízo, precavido e inteiramente ortodoxo, sobre eles, expondo também diferentes cartas dos mártires consumados entre eles, cartas que, estando ainda no cárcere, haviam escrito aos irmãos da Frígia, e não somente a eles, mas também a Eleutério, então bispo de Roma, como embaixadores em favor da paz das igrejas. Como o inimigo da Igreja de Deus é em último grau avesso ao bem e amante do mal e de forma alguma deixa de lado qualquer maneira de conspirar contra os homens, fez com que de novo brotassem estranhas heresias contra a Igreja. Destes hereges alguns, como serpentes venenosas, rastejavam pela Ásia e Frígia, vangloriando-se de ter como modelo Montano e nas mulheres de sua companhia, Priscila e Maximila, as supostas profetisas de Montano” (Eusébio de Cesaréia. História Eclesiástica, p. 111-115).

9. Didaqué ou Didaché

Etimologicamente, Didaqué significa “Ensino”, ‘Doutrina’, ‘instrução’. Os textos que constituem a Didaqué são escritos ou ensinos que se acredita ter pertencido aos primeiros cristãos

sendo atribuído, pelos autores, às autoridades, ou seja, seriam ‘Instrução para os Doze Apóstolos’. É constituído de dezesseis capítulos, e apesar de ser uma obra pequena, é de grande valor histórico e teológico. O título lembra a referência em Atos “E perseveravam na doutrina dos apóstolos” (2:42). Estudiosos estimam que sejam escritos anteriores a destruição do templo de Jerusalém, entre os anos 60 e 70. Outros acreditam que foi escrito entre os anos 70 e 90, contudo são coesos quanto à origem sendo na Palestina, Síria ou até mesmo no Egito. Quanto a sua autenticidade, é de senso comum que o mesmo não tenha sido escrito por nenhum dos apóstolos, ainda que o título do escrito faça menção aos mesmos; mas estudiosos acreditam na compilação de fontes orais de entusiastas cristãos tendo recebido tais ensinos que resultaram na elaboração do mesmo. Também é senso comum que tenha sido escrito por mais de uma pessoa. Outas fontes afirmam ser o livro de “autor desconhecido judeu-cristão, mas que se dirigia as comunidades em que havia cristãos vindos do paganismo, reuniu em um manual alguns textos, vindos da tradição, que lhe pareciam úteis para a edificação dos convertidos. Por isso, colocou no início a doutrina das duas vias, da vida e da morte, e uniu a um bloco de tradições litúrgicas informações sobre o batismo, o jejum e a abstinência, a oração e a ceia eucarística”. 72

As provas da aceitação deste “Evangelho” na época do cristianismo primitivo são apresentada com várias versões. A versão copta remonta ao século V, e somente um fragmento é conhecido e conservado no Papiro de Oxirrinco 73 número 9.271. Foi publicada primeiramente por Horner e logo depois por Schmidt. Assim como a versão copta, a árabe foi publicada em 1888 e a versão

72. Di Bernardino, A. Dicionario Patristico e de Antiguidades Cristãs, p. 405.73. O Papiro de Oxirrinco (oxyrhynchus papyri) é um grande grupo de manuscritos descobertos por arqueólogos em uma antiga área perto Oxirrinco na atual Bahnasa no Egito. Inclui milhares de documentos em grego e latim, cartas e obras literárias. Depois de aplicar uma técnica fotográfica conhecida como Multi-Spectral Imaging no papiro oxyrhynchus 4499 (data do final do terceiro século – o início do s. IV e está no Museu de Ashmolean), segundo conta a tradição sagrada com a leitura desse papiro conseguiram identificar o número da besta, nomeado na Apocalipse de João, como o número 616, e não 666 como se acredita.

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georginiana, feita sobre o texto grego, pelos anos 430-440 por um bispo chamado Jeremias. A mais antiga e mais importante é a versão latina, onde os fragmentos são conservados no códice de Melk (Mellicensis 914) que pertence ao século XI . A Didaché esteve escondida durante muitos anos no manuscrito executado pelo escriba León de Constantinopla e em algum outro códice raro dos monastérios medievais do Ocidente, até que em 1875 foi descoberta na Biblioteca do Hospital do Santo Sepulcro pelo arcebispo grego Philotheos Bryennios. O códice, além da Didaché, continha as cartas de São Clemente Romano e a Epístola de Barnabé. Em 1883, este Bispo publicou com o titulo “Doutrina dos doze apóstolos”, segundo o manuscrito hierosolimitano, com introdução e notas de Philoteos Bryennios. Segundo K. Bihlmeyer - “o mais valioso achado dos tempos modernos no terreno da literatura primitiva cristã”. Segundo alguns especialistas o Didaché foi escrito nos meados do século I (Salabatier) até o século III (J. A. Robinson) Outros defendem a ideia de que foi elaborada pelos anos 70, quando cessa a atividade judaizante sobre as comunidades cristãs.

teXto DIDaCHe (Didaqué)

Doutrina dos Doze Apóstolos.

Doutrina do Senhor as nações por intermédio (ou por meio) dos doze apóstolos. 74

Capítulo I – ‘Primeiro Mandamento’.A. Os dois caminhos

1 – Dois caminhos existem: um para a vida e outro para a morte; mas é grande a diferença que existe entre estes caminhos. Caminho da vida 2 – Veja bem, o caminho da vida, é este: Em primeiro lugar, amarás o Deus, que te criou, em segundo lugar, a teu próximo como a ti mesmo. E tudo aquilo que não queiras que façam contigo, não faças tampouco ao outro.A perfeição evangélica 3 – A doutrina destas palavras é o seguinte: Bendiga aos que os maldizem e 74. Esta tradução foi realizada com base em um texto traduzido do grego pelos Papologistas gregos, com vistas em outras traduções e em português.

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peça por seus inimigos e ainda jejuai por aqueles que vos perseguem. Pois que graça vós tereis, se amais aos que vos amam? Não fazem também isso mesmo os gentios? Mas amai os que vos aborrecem e não terás inimigo.4 – Afaste-se dos desejos carnais e corporais. Se alguém te dá uma bofetada na face direita, ofereça também a outra e serás perfeito. Se alguém te forçar (obrigar) a ir com ele a dar mil passos, acompanhe-o dois mil. Se alguém te roubar (tirar) o manto, ofereça também a túnica. Se alguém levar o que é seu, não reclame, pois não podes de maneira nenhuma. A esmola 5 – A todo aquele que te peça, dai e não reclames, pois o Pai quer que todos doem seus próprios bens. Bem aventurado é o que dá, conforme o mandamento, dizei, pois é inocente. Mas, ai daquele que recebe. Pois se recebe por estar necessitado, será inocente; mas o que recebe sem sofrer necessidade, terá que prestar conta por que recebeu e para que. Será preso, e seu delito será examinado e não ficará livre até resgatar o ultimo centavo. 6 – Mas a respeito do que foi dito acima: Que tua esmola fique suando em tuas mãos, até que saibas a quem darás.

Capítulo II – ‘Segundo Mandamento’.

1 – O segundo mandamento da Doutrina é: 2 – Não matarás, não cometerás adultério, não corromperas os jovens, não fornicarás, não roubarás, não praticarás a magia nem a feitiçaria, não matarás ao filho no seio de sua mãe, nem tirarás a vida de um recém-nascido, não cobiçarás os bens de teu próximo.3 – Não cometeras perjúrio, não levantaras falso testemunho, não caluniarás, não guardarás rancor. 4 – Não serás ambíguo nem na mente nem na língua, porque a ambiguidade è uma mortal. 5 – Tua palavra não será mentirosa nem vazia, senão cumprida inteiramente. 6 – Não serás avarento, nem ladrão, nem fingido, nem malicioso, nem soberbo. Não tramarás maldade alguma contra teu próximo. 7 – Não aborreceras a nenhum homem, pois a alguns arguirás, de outros compadecerás, por outros, rezarás, a outros amaras mais do que sua própria alma.

Capítulo III – ‘Afaste-se do mal’ e ‘Faça o Bem’.

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1 – Filho meu, fuja de todo o mal e de tudo que se assemelhe ao mal.2 – Não sejas irascível, porque a ira conduz ao assassinato. Nem invejoso, nem disputante, nem provocador, pois todas essas coisas geram mortes. 3 – Meu filho, não sejas cobiçoso, pois a cobiça conduz a formicação. Nem desonesto em tuas palavras, nem altivo soberbo, pois todas estas coisas geram adultérios.4 – Meu filho, não seja adivinho, pois a adivinhação conduz a idolatria. Nem encantador, nem astrólogo, nem purificador, nem queiras ver ou ouvir estas coisas, pois todas estas coisas geram idolatria. 5 – Meu filho, não sejas mentiroso, pois a mentira conduz ao roubo. Nem avarento, nem vaidoso, pois todas essas coisas geram roubos. 6 – Meu filho, não sejas murmurante, pois o murmúrio conduz a blasfêmia. Nem arrogante de mente perversa, pois todas estas coisas geram blasfêmias. 7 – Seja em troca manso, pois os mansos herdarão a terra. 8 – Seja paciente e compassivo, sincero, tranquilo, bom, temeroso em todo tempo segundo as palavras que ouviste. 9 – Não exaltarás a ti mesmo nem farás juízo sem fundamento. Não se aliarás aos altivos, mas aos justos e aos humildes. 10 – Receberas com benevolência os acontecimentos que te sobrevenham, sabendo que sem a vontade de Deus, nada acontece.

Capítulo IV – ‘Deveres para com a comunidade cristã’ – ‘Deveres para com a família crista’ – ‘A confissão dos pecados’ – ‘Dever universal do cristão’.

1 – Meu filho não te esquecerá noite e dia do que te fala a palavra de Deus, e o honrarás como o Senhor. Porque aonde se anuncia a majestade do Senhor, ali esta o Senhor. 2 – Buscaras todo dia as faces dos santos para descansar em suas palavras. 3 – Não fomentarás a disputa (cisma), mas fomentes a paz entre os que combatem. Julgarás com justiça, sem discriminar pessoas para repreensão dos pecados. 4 – Não duvidaras se será ou não será.5 – Não seja daqueles que estendem a mão para receber e a escondem para dar. 6 – Se adquires algo por meio do trabalho de suas mãos, doe como resgate por teus pecados. 7 – Não vacilaras em doar nem murmures enquanto doe, pois hás de saber quem é o bom dispensador de tua esmola.

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8 – Não desprezarás o necessitado, mas sim comungarás com teu irmão e não dirás que é teu. Pois se comungas os bens da imortalidade, quanto mais os mortais.9 – Não levantaras a mão de teu filho nem de tua filha, mas desde a juventude lhes ensine o temor de Deus. 10 – Não mandarás com aspereza a teu escravo, nem a tua escrava, que esperam no mesmo Deus que vós, a não ser que percam o temor a Deus que esta sobre uns e outros. Porque não vem o Senhor chamar segundo a aparência, mas sim para aqueles que prepararam o seu Espírito. 11 – De outra parte, vós escravos, submetei-vos a vosso amor, como a imagem de Deus, com reverência e temor.12 – Desprezará toda hipocrisia e tudo que não seja agradável ao Senhor. 13 – Atenção, não abandone os Mandamentos do Senhor, mas guarde os que você recebeu, sem acrescentar ou tirar nada. 14 – Na reunião dos fieis, confessas teus pecados e não te acercaras da oração com a consciência pesada. Este é o caminho da vida.

Capítulo V – ‘O caminho da morte’.

1 – Mas o caminho da morte e este: O caminho da morte é mau e cheio de maldição: mortes, adultérios, invejas, formicações, roubos, magias, feitiçarias, falsos testemunhos, hipocrisias, ambiguidades, enganos, soberbas, maldades, arrogâncias, avareza, desonestidade no falar, ciúmes, insolência, jactância, e ausência do temor a Deus. 2 – Quem segue este caminho: Este caminho é seguido pelos perseguidores dos bons, os amantes da mentira, os inimigos da verdade, os que não conhecem o galardão da justiça, os que se aderem ao bem e ao justo juízo, os que vigiam, não pelo bem, mas pelo mal, os que estão longe da calma e da paciência, amantes da vaidade, buscadores de recompensas, que não se compadecem do pobre, não sofrem pelos atribulados, não conhecem a seu Criador, matadores de seus filhos, corruptores da imagem de Deus; os que desprezam o necessitado e oprimem ao atribulado, advogados dos ricos, juízes injustos dos pobres, pecadores em tudo. Oxalá esteja livre, filhos, de todos estes pecados.

Capítulo VI – ‘Preceitos e conselhos’.

1 – Vigiai para que ninguém te afaste do caminho da doutrina pois este te ensina o caminho que não é de Deus. 2 – Porque se podes carregar todo o jugo do Senhor, serás perfeito: mas se não podes, faça o que podes. 3 – Respeite a comida, observai o que podes, mas do sacrifício aos deuses, afaste inteiramente, pois é um culto de deuses mortos. Capítulo VII – ‘O Batismo’ – ‘Forma, Matéria e Preparação’.1 – Acerca do batismo, batizai desta maneira: Citações iniciais – Batizem em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo com água corrente.2 – Se não tens água corrente, batizai com outra água, se não podes com água fria, faça com água quente.3 – Se não tens nem uma nem outra, derrame água na cabeça três vezes em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. 4 – Antes do batismo, o batizado e o padrinho e alguns outros que possam, jejuem. O batizado, deve jejuar um ou dois dias antes.

Capítulo VIII – ‘O jejum cristão’ – ‘A oração crista’.

1 – Que vossos jejuns não sejam como o dos hipócritas, pois eles jejuam no segundo e quinto dia da semana; vós deveis jejuar no quarto e no dia da preparação. 2 – Tampouco oreis a maneira dos hipócritas, mas sim como o Senhor mandou em seu Evangelho, assim terás que orar: “Pai Nosso celestial, 75 Santificado seja seu nome, Que teu reino, venha, Faca a tua vontade, assim na terra como no céu. O pão nosso de nossa subsistência, dai-nos hoje, e perdoai nossa dívida. Assim como também nos perdoamos os nossos devedores, e não nos leve a tentação. Mas livrai-nos do mal.

75. “O Senhor tem estabelecido o seu trono nos céus” (Salmos; 103:19). Os deuses celestiais são todos aqueles que estão no céu, no alto, no reino distante, em cima, mas, ao mesmo tempo, intercedem e se apiedam da humanidade. Esses deuses ‘protegem’ seus fiéis, abençoam suas plantações e colheitas, bem como, guerreiam ao lado do seu povo contra os inimigos. Os deuses Celestes apresentam-se como pastor, monarca único que produz grandes maravilhas, benignidade que duram para sempre aos olhos de seu povo. “Estas coisas fareis ao SENHOR nas vossas solenidades além dos vossos votos, e das vossas ofertas voluntárias, com os vossos holocaustos, e com as vossas ofertas de alimentos, e com as vossas libações, e com as vossas ofertas pacíficas” (Num., 29:39). Com o tempo esses deuses do céu se tornam deuses otiosus, distantes que voltam para as alturas e logo são substituídos por outros deuses, semideuses ou enviados.

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Porque teu é o poder e a glória por todos os séculos”.3 – Assim orai três vezes ao dia.

Capítulo IX – ‘A Eucaristia’ – ‘Diante da comunhão’ – ‘Oração pela Igreja’ – ‘Não deis o santo aos cães’.

1 – Com respeito à ação de graças, dareis graças desta maneira: 2 – Primeiramente, sobre o cálice: “Damos-te graças, Pai Nosso, pela santa vinha de David, teu servo. A que nos deste a conhecer por meio de Jesus, teu servo. A ti seja a gloria pelos séculos’. 3 – Depois, sobre o pão: “Damos-te graças, Pai Nosso, Pela vida e o conhecimento que nos manifestaste por meio de Jesus, teu servo. A ti seja a gloria pelos séculos”. 4 – Como este pão (fragmento – no original) estavam disperso sobre as colinas e reunido se fez um, assim seja reunida tua Igreja dos confins da terra em teu reino. Porque tua è a gloria e o poder, por Jesus Cristo eternamente. 5 – Que ninguém coma nem beba de vossa Ação de graças, se não os batizados em nome do Senhor, pois a respeito dela, disse o Senhor: não deis as coisas santas aos cães.

Capítulo X – ‘Depois da Comunhão’ – ‘Oração pela Igreja’ – ‘Desejo do Senhor’ – ‘Os Profetas’.

1 – Depois de saciados, dareis graças assim: 2 – “Te damos graças, Pai Santo, por teu santo Nome, que fizeste morar em nossos corações e pelo conhecimento e a fé e a imortalidade que nos deste a conhecer por meio de Jesus, teu servo. A ti seja a gloria pelos séculos”.3 – Tu, Senhor onipotente, criaste todas as coisas por causa de teu nome e deste aos homens comida e bebida para seu desfrute. Mas a nós deste a semeadura da comida e da bebida espiritual, e de vida eterna por teu servo. 4 – Diante de tudo, te damos graças porque és poderoso, a ti seja a gloria pelos séculos. 5 – Lembra-te, Senhor de tua Igreja, para livrá-la de todo mal e fazê-la perfeita em teu nome e reúna santificada dos quatro ventos em teu reino, que preparaste. Pois teu é o poder e a gloria pelos séculos. 6 – Venha a graça e passe este mundo. Hosana 76 ao Deus de Davi. O que 76. Grito de alegria para saudar a Deus ou ao rei, que significa ‘salva, ajuda, por favor’. Era usado nas festas judaicas (Sl 118,25s), como na Páscoa e Tabernáculos. Jesus foi saudado supostamente com esta aclamação ao “entrar” em Jerusalém (Mt 21,9.15).

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seja santo que se aproxime. O que não seja que faça penitência. Maranata. 77 Amem.7 – Aos profetas, permiti-lhes que deem graças quantas queiram. A unção – Com respeito ao óleo da unção, dareis graças desta maneira: “Damos-te graças, Pai Nosso, pelo óleo da unção, que tu nos manifestaste por Jesus Cristo, teu servo. A ti seja a gloria pelos séculos.

Capítulo XI – ‘Apóstolos e profetas’ – ‘Fidelidade a doutrina’ – ‘Não julgar o profeta’ – ‘Outros sinais de discernimento’.

1 – Agora, todo aquele que venha a vós e os ensine tudo que foi anteriormente dito, recebei. 2 – Mas, se aquele ensina outra doutrina para vossa dissolução, não escutai. Contudo, se em troca ensina para seu crescimento e conhecimento do Senhor, receba como o Senhor. 3 – Com respeito aos apóstolos e profetas, trabalhai conforme a doutrina do Evangelho. 4 – Veja bem, todo apóstolo que venha até vós, seja recebido como o Senhor. 5 – Sem duvida, não se deterá mais que um só dia. Se houver necessidade, um dia mais. Mas se fica três dias, é um falso profeta. 6 – Ao sair o apóstolo, nada leve consigo, exceto pão, até novo alojamento. Se pede dinheiro, é um falso profeta. 7 – Não tenteis nem examineis a nenhum profeta que fala em espírito, porque todo pecado será perdoado, mas este pecado não se perdoará. 8 – Sem duvida, nem todo aquele que fala em espírito é profeta, se não o que tem os costumes do Senhor. Assim, pois, por seus costumes se discernira o verdadeiro do falso profeta. 9 – Além disso, todo profeta que manda em espírito colocar a mesa, não come dela, em caso contrario e um falso profeta. 10 – Igualmente, todo profeta que ensina a verdade e não pratica o que ensina, e um falso profeta. 11 – Em troca, se um profeta provou que é verdadeiro e se dedica ao mistério mundano da Igreja, mas sem ensinar a fazer o que ele faz, não será julgado por vós, pois tem seu juízo com Deus. Assim, com efeito, o

77. É uma expressão aramaica que ocorre uma vez na Bíblia, empregada na Epístola aos Coríntios; 16:22 (‘Se alguém não ama ao Senhor, seja anátema. Maranata). O termo é a composição de duas palavras, que transliteradas dão origem à palavra Maranata e que significa ‘O Senhor vem!’ Ou ainda ‘Nosso Senhor vem!’. No desfecho do livro do Apocalipse, a mesma expressão é utilizada como uma oração ou pedido, desta feita na língua grega, e traduzida por: ‘Vem, Senhor’ (22:20).

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fizeram também os antigos profetas. 12 – Mas ao que dizer em espírito: ‘Dá-me dinheiro’ ou coisa semelhante não o escute. Em troca, se dizer que se de aos outros necessitados, ninguém o julgue. Peregrinos e vadios.

Capítulo XII – ‘Hospitalidade’.

1 – Tudo que chegue até vós em nome do Senhor seja bem recebido. Depois, examinando-lhe, o conhecereis, pois tendes inteligência, pela sua direita e por sua esquerda. 2 – Se o que chega é um caminhante (peregrino), ajude-o no quanto podeis, sem duvida, não permanecerá entre vós mais que dois dias, ou se houver necessidade, três. 3 – Mas se quiser se estabelecer entre vós, tendo um ofício, que trabalhe e assim se alimenta. 4 – Mas se não tem um ofício, prove-o conforme a vossa prudência, de modo que entre vós não viva nenhum cristão ocioso. 5 – Caso que não queira fazê-lo assim, é um traficante de Cristo. Esteja alerta contra eles.

Capítulo XIII – ‘Sustento de profetas e mestres’.

1 – Todo profeta, que queira se estabelecer (residir) entre vós, é digno de seu sustento.2 – Igualmente, o mestre verdadeiro merece também como o trabalhador o seu sustento. 3 – Assim, pois, tomarás todas as primícias dos produtos da vindima e da eira, dos bois e das ovelhas, e se os dará como primícias aos profetas, pois eles são vossos sumos sacerdotes. 4 – Mas se não tiveres profetas, de aos pobres. 5 – Se amassares um pão, toma as primícias e as ofereça conforme o mandamento. 6 – Igualmente, quando abrires um cântaro de vinho ou de aceite, toma as primícias, e as ofereça aos profetas. 7 – Tome de teu dinheiro e de tua roupa e de toda posse as primícias, segundo te pareça, e doe-as conforme o mandamento.

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Capítulo XIV – ‘A celebração do dia do Senhor’.

1 – Reunidos cada dia do Senhor, cortai o pão e dai graças, depois de haver confessado vossos pecados, a fim de que seu sacrifício seja puro. 2 – Todo aquele que tenha rivalidade com seu companheiro, não se junte com vós ate que não tenham se reconciliado, a fim de que não se profane vosso sacrifício.

3 – Porque este é o sacrifício do qual disse o Senhor. Em todo lugar e em todo tempo se me oferece um sacrifício puro, porque sou rei grande, disse o Senhor e meu nome é admirado entre as nações. Capítulo XV – ‘Eleição de bispos e diáconos’ – ‘A correção fraterna’ – ‘O Evangelho, norma de vida’.1 – Escolhei-os, pois, inspetores e ministros dignos do Senhor, que sejam mansos, desinteressados, verdadeiros e confiáveis, porque também eles os administram o ministério dos profetas e mestres. 2 – Não os deprecieis, pois, porque eles são os honrados entre vós, justamente com os profetas. 3 – Repreendei-vos uns aos outros, não com ira, mas com paz, como manda o Evangelho. Ninguém fale com aquele que ofendeu ao outro, nem ouça vossa palavra até que se arrependa. 4 – Com respeito a vossas orações, esmolas e todas as demais ações façam conforme manda o Evangelho de Nosso Senhor.

Capítulo XVI – ‘O Fim dos Tempos’ – ‘Vigilância’ – ‘Prelúdio do fim’ – ‘A vinda do Senhor’. 78

1 – Vigiai sobre vossa vida; não se apaguem vossas lanternas nem solteis o cinto de vossos ruins, se não estai preparados porque não sabeis a hora em que vem o Senhor. 2 – Reuni – vos com frequência, inquirindo o que convém a vossas almas.

78. Parusia – Significa a entrada solene do rei na sua capital (2Sm 6; 1Rs 1,38-53; 2Rs 11,1-16). No Antigo Testamento aparecem duas tendências: parusia futura – vinda do Rei Messiânico (Zc 9,9s; Is 40,9-11); outra, recordando que é Deus o Rei de Israel, anuncia uma vinda de Deus em pessoa (Is 46,9-13; 52,7s; Zc 1,3.16; 2,9-13; 8,2s). A entrada de Jesus em Jerusalém é narrada num contexto Parusiano (Mt 21,1-11). O Batista é o arauto desta chegada (Mt 3,11s). Jesus, porém, diz que à hora de sua manifestação não chegou (Jo 7,2-9; 18,35; 14,3). Na linha da segunda tendência do Antigo Testamento, acima descrita, a vinda do Filho do homem é apresentada com elementos divinos (Mt 16,27s; 24-25; Lc 21,25-33). Textos relativos à Parusia gloriosa (1Cor 1,8; 15,23; 1Ts 2,19; 3,13; 4,15; 2Pd 1,16; 3,4.12; 1Jo 2,28).

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Porque de nada lhes servirá todo o tempo de vossa fé, se não sois perfeitos no ultimo momento. 3 – Porque nos últimos dias se multiplicarão os falsos profetas e os corruptores e as ovelhas se converterão em lobos e o amor se converterá em ódio.4 – Porque crescendo a iniquidade, os homens se aborrecerão uns dos outros e se perseguirão e os trairão e então aparecerá como filho de Deus o extraviador do mundo e realizará milagres e prodígios e a terra será entregue em suas mãos e cometerá crimes como não se cometerão jamais desde os séculos. 79

5 – Então a criação dos homens passará pela prova de fogo e muitos se escandalizarão e perecerão. Mas os que permanecerem em sua fé se salvarão por ele mesmo que foi amaldiçoado. 6 – E então aparecerão os sinais da verdade. Primeiramente, o sinal da abertura do céu, o sinal da voz da trombeta; e em terceiro lugar, a ressurreição dos mortos. 7 – Não de todos, sem duvida, como se disse: “Virá o Senhor e todos os santos com ele”.8 – Então o mundo verá o Senhor que vindo sobre as nuvens do céu.

79. Anticristo ou “homem da iniquidade” (2Ts 2,1-11), é tudo o que se opõe a Cristo, ao Messias. É um personagem que se dedica totalmente ao mal (1Jo 2,18; 2Jo 7) e que se atribui honras divinas. Em Mateus e Marcos parece ser um personagem coletivo (Mt 24,23s; Mc 13,14-20). É a encarnação das forças políticas e religiosas que se opõem ao reino de Deus inaugurado por Cristo (Ap 13,1-18). Cristo, iniciando o combate escatológico contra o mal, já se encontrou com o anticristo, "o príncipe deste mundo" (Jo 12,31-32; 14,30; 16,11), a quem aniquilará no fim dos tempos (2Ts 2,8; 1,7-10).

10. Inácio (de antioquia)

I. A Vida (67-111 E.C.).“Inácio, Bispo de Antioquia, foi martirizado em Roma durante o reinado de Trajano (96-117). Escrevendo várias cartas, ele faz menção de alguns ensinos de Jesus e está familiarizado com algumas cartas de Paulo. Contudo, em nenhum lugar dá ele, a essas cartas, autoridade igual à do Velho Testamento”. 80

Latim: igne: ‘fogo’ e natus: ‘nascido’ – ‘nascido do fogo’, ‘ardente’, ‘apaixonado’ pela Igreja, pela unidade e pelo desejo de imitação de seu mestre. 81 Quase nada sabemos de

seus pais, de sua formação, se era de família cristã, convertido ou gnóstico. Conceituar, falar ou escrever sobre um autor ou pseudo-autor é saber como nasceu, viveu, escreveu e pregou sua fé. O que temos de Inácio são suas cartas enviadas as Igrejas que começavam seu caminho como uma pequena seita perseguida. “E pediu-lhe cartas para Damasco, para as sinagogas, a fim de que, se encontrasse alguns daquela seita querem homens quer mulheres, os conduzisse presos a Jerusalém. No entanto bem quiséramos ouvir de ti o que sentes; porque, quanto a esta seita, notório nos é que em toda a parte se fala contra ela. Temos achado que este homem é uma peste, e promotor de sedições entre todos os judeus, por todo o mundo; e o principal defensor da seita dos nazarenos. Mas confesso-te isto que, conforme aquele caminho que chamam seita, assim sirvo ao Deus de nossos pais, crendo tudo quanto está escrito na lei e nos profetas. E persegui este caminho até à morte, prendendo, e pondo em prisões, tanto homens como mulheres” 82

80. Hale, B. D. Introdução ao Estudo do Novo Testamento, p. 25.81. “A vida humana adquire sentido ao imitar os modelos paradigmáticos revelados por seres sobrenaturais. A imitação de modelos transumanos constitui uma das características primárias da vida “religiosa”, uma característica estrutural que é indiferente à cultura e à época. Desde os documentos religiosos mais arcaicos acessíveis ao Cristianismo e ao Islamismo, a imitatio dei (imitando Deus) como norma e linha diretriz da existência humana nunca foi interrompida; na realidade, não poderia ter sido de outro modo. Nos níveis mais arcaicos de cultura, viver como um ser humano é, em si, um ato religioso, pois a alimentação, vida sexual e trabalho possuem um valor sacramental. Por outras palavras, ser – ou antes, tornar-se – um homem significa ser ‘religioso’”. (Eliade, M. Origens, p. 10.)82. Atos; 9:2, 22:4, 24:5,14 e 28:22

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Até mesmo para alguns autores de sua época é difícil conceituar estes escritores e mesmo suas obras. Alguns, escritos são considerados inicialmente como cristão, após alguns concílios e decisões são execrados e postos como heresias. Para o escritor e pai da Igreja Eusébio, Inácio foi o segundo bispo de Antioquia. “Mas, depois que Evódio fora estabelecido o primeiro sobre os antioquenos, Inácio, o segundo, reinava no tempo do qual falamos” (HE, 111,22). Pelos fins do século IV, Jerônimo dizia que “Inácio, terceiro bispo, depois do apóstolo Pedro, da Igreja de Antioquia, foi enviado a Roma, condenado às feras durante a perseguição movida por Trajano” (De Viris Illustribus, XVI). A liturgia bizantina em sua memória não acrescenta dados biográficos, mas ressalta traços marcantes de sua personalidade. Há uma lenda que pretende ver naquela criança que Jesus tomou nos braços o menino Inácio. Daí ser cognominado ‘Stheoforos’, isto é, carregado por Deus.

Mestre, trouxe-te o meu filho, que tem um espírito mudo. E este, onde quer que o apanha, despedaça-o, e ele espuma, e range os dentes, e vai definhando; e eu disse aos teus discípulos que o expulsassem, e não puderam. E ele, respondendo-lhes, disse: Oh geração incrédula! até quando estarei convosco? até quando vos sofrerei ainda? Trazei-me. E trouxeram-lhe; e quando ele o viu, logo o espírito o agitou com violência, e, caindo o endemoninhado por terra, revolvia-se, escumando. E perguntou ao pai dele: Quanto tempo há que lhe sucede isto? E ele disse-lhe: Desde a infância. E muitas vezes o tem lançado no fogo, e na água, para destruí-lo; mas, se tu podes fazer alguma coisa, tem compaixão de nós, e ajuda-nos. E Jesus disse-lhe: Se tu podes crer, tudo é possível ao que crê. E logo o pai do menino, clamando, com lágrimas, disse: Eu creio, Senhor! Ajuda a minha incredulidade. E Jesus, vendo que a multidão concorria, repreendeu o espírito imundo, dizendo-lhe: Espírito mudo e surdo, eu te ordeno: Sai dele, e não entres mais nele. E ele, clamando, e agitando-o com violência, saiu; e ficou o menino como morto, de tal maneira que muitos diziam que estava morto. Mas Jesus, tomando-o pela mão, o ergueu, e ele se levantou (Marcos; 9:17-27).

Inácio tornou-se célebre por sua peregrinação forçada, em cadeias, de Antioquia a Roma, por volta dos anos 107-110. Nas paradas que fazia para descanso, escrevia às comunidades que o tinham recebido ou que lhe enviara uma embaixada com saudações. Não se sabe se

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realmente chegou a Roma nem se, de fato, seu martírio foi consumado. Para Eusébio, há apenas uma “tradição” que diz que foi enviado da Síria para Roma para sofrer o martírio. 83 “Naquele tempo, florescia na Ásia um companheiro dos apóstolos, Policarpo, (...). Ao mesmo tempo que eles, igualmente eram conhecidos Pápias, bispo também ele da Igreja de Hierápolis, e o homem ainda hoje celebrado pelas multidões, Inácio, que tinha obtido, na sequência da sucessão de Pedro, o segundo lugar. A tradição conta que ele foi enviado da Síria à cidade de Roma para se tornar o alimento das feras, por causa do testemunho pelo Cristo. Enquanto viajava através da Ásia sob a vigilância atenta dos guardas, exortava as Igrejas das cidades por onde passava com seus colóquios e suas exortações” (HE, III, 36,1-4). Quanto a seu martírio, Eusébio o data, no livro das Crônicas, pelo ano décimo do reinado de Trajano, isto é, 107. Mas, a julgar pela HE, III, 33,36, Eusébio não tinha informações cronológicas seguras. Tratava-se, para ele, de situar a carta de Plínio a Trajano de modo aproximativo. Não se pode, afirmar precisamente esta data, como se a prisão de Inácio se devesse à perseguição de que fala a carta de Plínio. Quase todos os especialistas concordam em aceitar o ano 110 como o mais provável.

II. Perseguições da Igreja no século II. 84

A partir do século II, a negação de celebrar o culto imperial foi à principal causa das perseguições contra os cristãos. Ha princípio, com exceção da carnificina ordenada por Nero, às medidas anticristãs foram fomentadas, sobretudo pela hostilidade da opinião publica. No curso dos primeiros séculos, o cristianismo foi considerado religio illicita (religião ilícita); os cristãos eram perseguidos por praticar uma religião clandestina, sem autorização oficial. No ano de 202, Séptimo Severo (146-211) publicou o primeiro decreto anticristão, proibindo o proselitismo. Pouco tempo depois, Maximiliano atacou a hierarquia eclesiástica, mas, sem êxito. Até o reinado de Décio, a Igreja se desenvolve em paz. Porem, no ano de 250, um decreto de Decio obrigava a todos os cidadãos a oferecer sacrifícios aos deuses do Império. A perseguição durou pouco, porem, foi muito severa, o que nos mostra o grande numero de apóstatas. Sem dúvida, graças, sobretudo aos seus confessores e aos seus mártires, a Igreja saiu vitoriosa de sua prova. A

83. Barreto, JR Lúcio. Loucos por Jesus, 22 e 23.84. Eliade, M. Historia de las creencias y de las ideas religiosas Vol. II, p. 428 e 429.

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repreensão feita por Valeriano no ano de 257-258 foi seguida de um largo período de paz (260-303) O cristianismo conseguiu infiltrar-se em todo o Império e em todas as classes sociais (inclusive na família do imperador? A última perseguição, a de Diocleciano (303-305), foi a mais longa e sangrenta. Apesar da situação dramática do império, a opinião publica se mostrou desta vez menos hostil para com os cristãos. Mas, Diocleciano havia tomado a decisão de aniquilar este movimento religioso exótico e irracional, precisamente para reforçar a ideia do Império; pretendia reanimar as velhas tradições religiosas romanas e, sobretudo exaltar a imagem quase divina do Imperador. Mas a herança da reforma de Augusto se havia desmoronado paulatinamente. Os cultos oriundos do Egito e da Ásia embora de maneira menos intensa gozavam de uma surpreendente popularidade e contavam além disso com a proteção imperial, Cômodo (185-192) se fez iniciar nos mistérios de Isis e de Mitra; Caracalla (211-217) havia fomentado o culto ao deus solar sírio, o Sol Invictus. Alguns anos mais tarde, o imperador sírio Heliogabalo (Marco Aurélio Antonino, em latim Marcus Aurelius Antoninus; 203-222), que era sacerdote do deus de Emesa, introduziu seu culto em Roma. Heliogabalo foi assassinado no ano 222 e o deus sírio expulso da cidade. Aureliano (270-275) conseguiu introduzir de novo, e com êxito, o culto do Sol Invictus. Aureliano havia entendido que era inútil exaltar unicamente o grande passado religioso de Roma e que era necessário além de integrar a venerável tradição romana na teologia solar de estrutura monoteísta, a única religião que contava com possibilidades universais.

III. As Cartas

As cartas de Inácio, como as de Paulo, Tiago, Pedro, João, Judas, etc. foram largamente difundidas e hoje é difícil saber se todas são realmente da pena desses autores. 85 De modo geral, as cartas seguem e refletem a influência do pensamento Paulino, mas também os de João. “Foi assim que, estando em Esmirna, onde era bispo Policarpo, escreveu à Igreja de Éfeso uma carta, na qual faz menção de seu pastor, Onésimo; outra à Igreja de Magnésia sobre o Meandro, na qual faz igualmente menção ao bispo Damas; outra à Igreja de Trália, onde diz que o chefe era, então, Polibo. Além dessas cartas, escreveu também à Igreja 85. Ehrman, Bart D. O que Jesus Disse? O que Jesus Não Disse? p. 32

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dos romanos, na qual desenvolve uma exortação para que não se faça campanha em vista de privá-lo do martírio, sua esperança e seu desejo. Dessas cartas, é justo citar passagens, mesmo breves, para demonstrar o que acaba de ser dito. (...) Em seguida, já longe de Esmirna, ele dirigiu ainda por escrito, de Tráade, aos cristãos de Filadélfia, à Igreja de Esmirna e pessoalmente a seu presidente Policarpo, que ele conhecia como homem apostólico (...)” (HE, III, 36,5-6.10). Depois do século IV, Juliano, o ariano, lançou uma edição grega das sete cartas de Inácio, às quais ajuntou outras três cartas.

IV. Conteúdo das Cartas

As cartas seguem um esquema comum:

1) Saudação; 2) Elogio das qualidades da comunidade; 3) Recomendações precisas: a) fuga da heresia; b) agarrar-se à unidade da comunidade pela submissão ao bispo; 4) Saudação final e pedido de preces para a Síria ou o envio de um diácono.

O tema central que as perpassa é, sem dúvida, o da união com Deus, com Cristo, com o bispo. É esta união a fonte viva onde Inácio alimenta o desejo ardente de imitar o Cristo em sua paciência até a morte, o martírio. 86

O martírio é um tema frequente nas cartas de Inácio, especialmente na carta aos Romanos, onde suplica para que não façam nada para impedi-lo de chegar à arena e se deixar devorar, pelas feras. “Deixai-me ser comida para as feras, pelas quais me é possível encontrar Deus. Sou trigo de Deus e sou moído pelos dentes das feras, para encontrar-me como pão puro de Cristo” (Romanos; 4). Mas é no capítulo 5 desta carta que ele expressa melhor seu ardente desejo: “Desde a Síria até Roma, luto contra as feras, por terra e por mar, de noite e de dia, acorrentado a dez leopardos, a um destacamento de soldados; quando se lhes faz bem, tornam-me piores ainda. Todavia, por seus maus tratos, eu me torno melhor discípulo, mas nem por isso sou justificado”

Desde a Síria, venho combatendo com feras até Roma, por terra e por mar, de noite e de dia, preso a dez leopardos, isto é, a um destacamento de soldados, que se tornam piores quando se lhes faz o bem. Por seus maus tratos, porém, estou sendo mais instruído,

86. At 8,37; 1Cor 12,13; Rm 10,9; Fl 2,11; 1Cor 15,3s; 1Cor 8,6; 2Cor 13,14; 1Cor 12,4.

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mas nem por isso estou justificado. Oxalá goze destas feras que me estão preparadas; rezo que se encontrem bem dispostas para mim: hei de instigá-las, para que me devorem depressa, e não aconteça o que aconteceu com outros que, amedrontadas, me não toquem. Se elas por sua vez não quiserem de boa vontade, eu as forçarei. Perdoai-me: sei o que me convém; começo agora a ser discípulo. Coisa alguma visível e invisível me impeça que encontre a Jesus Cristo. Fogo e cruz, manadas de feras, quebraduras de ossos, esquartejamentos, trituração do corpo todo, os piores flagelos do diabo venham sobre mim, contanto que encontre a Jesus Cristo (Romanos; 5).

Sua concepção do martírio parece sofrer influências da filosofia helenística, estóica 87, de Paulo (Hebreus; 11:39) e Macabeus 88, pois, afirma que “Nenhuma ostentação é boa” (3) e “obedecei antes ao que vos escrevo, pois eu o faço como alguém que vive e anela morrer. Meu amor está crucificado e não há em mim fogo para amar a matéria”(7). O concílio de Nicéia (325) fixara no Credo o “genitum non factum” – ‘gerado não criado”. 89 Mas em Inácio não tem ainda esta precisão, embora Atanásio, que tomou parte efetiva na elaboração deste vocábulo, reconheça a perfeita ortodoxia do texto de Inácio. Aqui ele significaria o “não feito, não criado, eterno”, com referência à essência divina sem visar o mistério da geração do Verbo procedendo do Pai, “aos quais foi confiado o serviço de Jesus Cristo, que antes dos séculos estava junto do Pai e por fim se manifestou’ (Magnésios 6).

Mais ou menos na mesma época em que as apologias começaram a ser escritas, os cristãos começaram a produzir relatos das perseguições que sofriam e dos martírios que ocorriam em decorrência delas. Existem algumas representações de ambos os tipos já no livro neotestamentário dos Atos dos Apóstolos, no qual a oposição ao movimento cristão, a prisão de líderes cristãos e a execução de ao menos um deles (Estevão) constituem uma parte significativa da narrativa (Atos dos Apóstolos 7). Posteriormente, no século II, os martirológios (relatos dos martírios) começam a surgir. O primeiro deles é o Martírio de Policarpo, um destacado líder cristão que serviu como bispo à igreja de Esmirna, na Ásia Menor, durante quase

87. Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbete: Estoicismo.88. Marques, Leonardo A. História das Religiões e a Dialética do Sagrado, p. 108-111.89. Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbete: Concílios e História das Religiões e a Dialética do Sagrado, p. 147.

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toda a primeira metade do século II. O relato da morte de Policarpo encontra-se em uma carta produzida por membros de sua igreja escrita para outra comunidade. Logo depois, relatos de outros mártires começaram a aparecer. 90

Mas o grande tema de suas cartas é a ‘Exortação à unidade’ (Efésios; 3-7). Esta unidade com “Deus nos promete a unidade que é Ele próprio” (Tralianos; 11), e com Cristo se manifesta na unidade com o bispo na “direção da Igreja (Policarpo; 1-2). Em face aos dissídios, Inácio insiste como ponto fundamental e primeiro na união em torno do bispo. Enquanto em documentos anteriores encontram-se ora um colégio de anciãos (presbíteros), ora uma hierarquia com dois colégios, bispos e diáconos, como responsáveis pelas comunidades, as cartas de Inácio são as primeiras testemunhas da hierarquia em três graus: bispos, presbíteros e diáconos. 91 Mas Inácio exalta sobretudo o bispo. Estes são vigários de Deus. Os cristãos devem ter ‘Respeito pelo bispo’ e “tratá-lo com toda a reverência, respeitando ao poder de Deus Pai. Assim como o Senhor nada faz sem o Pai, pois Ele diz: ‘Por Mim mesmo nada posso fazer’, também assim deveis proceder; nem o presbítero, nem o diácono, nem o leigo deve fazer algo sem o bispo” (Magnésio; 3 e 7).

ePÍstoLas de Inácio de antioquia

AOS EFÉSIOS

Saudação

Ignacio, por sobrenome Portador de Deus.A bendita na grandeza de Deus com plenitude.A predestinada desde antes dos séculos a servir para sempre a gloria duradora e imperecível e imutável 92, gloria unida e escolhida pela graça da paixão verdadeira e por vontade de Deus pai e de Jesus Cristo, nosso Deus. A Igreja digna de toda bem-aventurança, que esta em Éfeso da Ásia , minha saudação cordialíssima em Jesus Cristo e na alegria sem mácula.

Amor aos Efésios

1. Loa do destinatário.

90. Ehrman, Bart D. O que Jesus Disse? O que Jesus Não Disse? p. 37.91. Atos; 21:8, Filipenses 1:1, e 1 Timóteo 3:8 e 12.92. O Pastor de Hermas também utiliza quase a mesma expressão quando se refere à Igreja. “Por sua sabedoria e previdência criou a santa Igreja e também a abençoou; esse mesmo Deus desloca os céus e as montanhas, as colinas e os mares, que se tornam uma coisa única para os eleitos dele” (3:4).

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1Tomei conhecimento em Deus de vosso nome tão apreciado, que granjeastes por uma apresentação correta, baseada na fé e caridade em Jesus Cristo nosso Salvador. Sendo imitadores de Deus, reanimados no sangue de Deus, levastes a termo a obra que vos é congênita. 2 Assim ouvindo que eu vinha da Síria, preso pelo Nome e pela esperança que nos são comuns, confiando chegar até Roma para combater as feras, graças à vossa oração, a fim de ter a felicidade de tornar-me discípulo, vós vos apressastes em ver-me. 3Recebi, pois, toda a vossa grande comunidade em nome de Deus na pessoa de Onésimo, dotado de indizível caridade e vosso bispo segundo a carne. Peço-vos que o ameis em Jesus Cristo e que a Ele todos vos assemelheis. Bendito Aquele que vos fez a graça, já que vos mostrastes dignos de possuirdes tal bispo.2. Fusões de gratidão. 1Quanto a Burrus, meu companheiro de serviço e vosso diácono bendito em todas as coisas segundo o coração de Deus, pediria que continue a meu lado para honra vossa e de vosso bispo. Mas também Crocos, digno de Deus e de vós, a quem acolhi como prova de vosso amor, confortou-me ele de toda a sorte, como também o Pai de Jesus Cristo lhe há de dar conforto junto com Onésimo, Burrus, Eupios e Fronton, pois em suas pessoas vi a todos vós na caridade. 2Gostaria de merecer a graça de alegrar-me convosco em tudo. Bem, por isso é que convém glorificar de toda sorte a Jesus Cristo – que vos tem glorificado para que, reunidos em uma só submissão, sujeitos ao bispo e ao presbitério, vos santifiqueis em todas as coisas.

Exortação à unidade

4. Humildade e caridade.1‘Não vos dou ordens como se fôra alguém. Mesmo que carregue os grilhões pelo Nome, ainda não cheguei à perfeição em Jesus Crista. Pois agora é que começo a instruir-me e vos falo como a meus condiscípulos. Eu de fato deveria ser ungido por vós com fé, exortações, paciência, grandeza d’alma. 2Mas, desde que a caridade não me permite calar-me sobre vós, tomei a dianteira de exortar-vos a correr de acordo com o pensamento de Deus. Pois Jesus Cristo, nossa vida inseparável, é o pensamento do Pai, como por sua vez os bispos, estabelecidos até os confins da terra, estão no pensamento de Jesus Cristo.

5. O hino da unidade.

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1Segue daí, que vos convém avançar junto, de acordo com o pensamento do bispo, como, aliás, fazeis. Pois vosso presbitério digno de tão boa reputação, digno que é de Deus, sintoniza com o bispo como cordas com a cítara. Por isso, no acorde de vossos sentimentos e em vossa caridade harmoniosa, Jesus Cristo é que é cantado. 2Mas também, um por um, chegais a formar um coro, para cantardes juntos em harmonia; acertando o tom de Deus na unidade, cantais em uníssono por Jesus ao Pai, a fim de que vos escute e reconheça pelas vossas boas obras, que sois membros de seu Filho. Vale assim a pena viver em unidade intangível, para que a toda hora também participeis de Deus.

6. O bispo, centro da unidade.1Pois, se em tão curto lapso de tempo tive tal intimidade com vosso bispo, não em sentido humano, mas espiritual, quanto mais devo felicitar-vos por estardes tão profundamente ligados a ele como a Igreja a Jesus Cristo e como Jesus Cristo ao Pai, para que todas as coisas estejam em sintonia na unidade.2Não se iluda ninguém. Se não se encontrar no interior do recinto do altar, ver-se-á privado do pão de Deus. Vede, se a oração de um e dois possui tal força, quanto mais então a do bispo e de toda a Igreja!5.3- Aquele que não vem à reunião comum já se revela como orgulhoso e se julgou a si próprio, pois está escrito: “Deus se opõe aos orgulhosos”. Por conseguinte, cuidemo-nos de não nos opormos ao bispo, para estarmos submissos a Deus.

7. O bispo deve ser olhado como ao Senhor.1E quanto mais alguém percebe que o bispo se cala, mais o respeite. Pois aquele a quem o dono da casa delega para a administração e preciso que o recebamos como receberíamos ao que o enviou. Toma-se, pois, evidente que se deve olhar para o bispo, como para o próprio Senhor.2De fato, porém, o mesmo Onésimo exalta vossa boa disciplina em Deus, dizendo que viveis todos conforme a verdade e que entre vós não há heresia que chegue a tomar pé, Antes pelo contrário, a ninguém mais prestais ouvido, a não ser a Jesus Cristo, que fala na verdade.

Fugir da heresia

8. Alerta aos cães raivosos.

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1Há os que costumam, por um ardil pernicioso, servir-se por toda parte do Nome, mas praticam coisas indignas de Deus. A estes evitareis como a animais selvagens. São realmente cães raivosos, que mordem traiçoeiramente, É preciso precaver-vos de suas mordeduras, difíceis de curar.2Um é o médico, em carne e espírito, gerado e não gerado, aparecendo na carne como Deus, na morte vida verdadeira, tanto de Maria como de Deus, primeiro capaz de sofrer, depois impassível, Jesus Cristo Senhor Nosso.

9. Integridade de Deus.1Que ninguém vos iluda, nem vos deixeis, aliás, iludir, sendo todos inteiros de Deus. Pois, se nenhuma intriga se armou entre vós, que vos possa atormentar, é sinal de que viveis segundo Deus. Sou vossa vitima e me ofereço em sacrifício por vossa Igreja, efésios, que será celebrada pelos séculos.2Os carnais não podem praticar obras espirituais, nem os espirituais obras carnais, corno nem a fé pratica as obras da infidelidade nem a infidelidade as da fé. Mas também aquilo que praticais, segundo a carne, é espiritual, pois fazeis tudo em Jesus Cristo.

10. Contra os semeadores da ma doutrina.1Soube de pessoas que por lá passaram, fazendo-se portadoras de más doutrinas: não lhes permitistes espalhá-las entre vós, tapando os ouvidos para não acolher as sementes por eles espalhadas, sabendo que sois pedras do templo do Pai, preparadas para a construção de Deus Pai, alçadas para as alturas pela alavanca de Jesus Cristo, alavanca que é a Cruz, servindo-vos do Espírito Santo corno de um cabo. Vossa fé por um lado é o guia, enquanto a caridade se transforma em caminho que leva para cima, até Deus.2Sois assim todos companheiros de viagem, portadores de Deus, portadores de um templo, portadores de Cristo, portadores do que é santo, adornados em todos os sentidos com os preceitos de Jesus Crista. Alegro-me por isso convosco, porque tive a honra de falar-vos através dessa carta e de vos felicitar, porque, segundo a nova vida, nada amais senão somente a Deus.

Dar exemplo de virtudes

11. Cristãos frente aos pagos. 1Mas também pelos demais homens rezai sem cessar. Pois neles existe esperança de conversão, de chegarem a Deus. Permiti-lhes que se

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instruam junto a vós por vossas obras. Diante de suas explosões de cólera, vós sereis mansos; diante de sua presunção, sereis humildes; diante de suas blasfémias, oferecereis orações, diante dos erros deles, manter-vos-eis firmes na fé, diante de sua selvageria, sereis pacíficos, sem procurar imitá-los. 2Que nos encontrem como irmãos pela bondade. Esforcemo-nos por sermos imitadores do Senhor quem mais do que Ele foi injustiçado? Quem mais despojado? Quem mais desprestigiado? Assim não seja encontrada entre vós planta alguma do diabo, mas que em toda pureza e temperança, permaneçais em Jesus Crista, corporal e espiritualmente.

Procurar Cristo, fonte de vida e unidade.

12. A Alternativa eterna.1Chegamos aos últimos tempos: resta envergonharmo-nos, temermos a longanimidade de Deus, para que ela não se transforme para nós em condenação. Ou temeremos a ira vindoura, ou amaremos a graça presente. Uma das duas. Só o fato de nos encontrarmos em Cristo Jesus nos garantirá entrada para a vida verdadeira. 2Fora dele, nada tenha valor para vós. É n’Ele que carrego os grilhões, estas pérolas espirituais. Com elas gostaria de ressuscitar, graças à vossa oração, na qual espero ter sempre parte para compartilhar também a herança dos cristãos de Éfeso, que também sempre estiveram unidos aos Apóstolos na força de Jesus Cristo.

13. Recordando Paulo.1Sei quem sou e a quem escrevo. Eu, um condenado; vós, os que alcançastes misericórdia. Eu, em perigo; vós, seguros. 2Vós sois o lugar de trânsito dos que são assumidos para Deus, iniciados nos mistérios com Paulo, o santificado, que recebeu testemunho, e mereceu chamar-se bem-aventurado, em cujas pegadas gostaria de encontrar-me na hora de estar com Deus, ele que em todas as cartas de vás se lembra em Cristo Jesus.

14. Eucaristia e Paz. 1Cuidai, pois, de reunir-vos com mais frequência, para dar a Deus ação de graças e louvor. Pois, quando vos reunis com frequência, abatem-se as forças de Satanás e desfaz-se o malefício, pela vossa união na fé. 1Nada melhor que a paz, que aniquila toda guerra de poderes celestes ou terrestres.

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Fé e caridade: critério do verdadeiro discípulo

15. Fe e caridade: princípio e fim da vida. 1Nada disso constitui novidade, se mantiverdes de modo perfeito em Jesus Cristo a fé e a caridade, que são o começo da vida e seu fim. Pois o começo é a fé e o fim a caridade. Ambas reunidas são Deus, enquanto que tudo o mais é consequência para a perfeição humana. 2Ninguém peca enquanto professa a fé, ninguém odeia enquanto possui a caridade. Conhece-se a árvore pelos seus frutos, assim os que professam ser de Cristo serão reconhecidos pelas obras. Pois nesta hora não é de profissão de fé que se trata, mas de nos mantermos na prática da fé até ao fim.

Não se deixar seduzir pela heresia 93

16. Calar e trabalhar (obrar).1É melhor calar-se e ser do que falar e não ser. É maravilhoso ensinar, quando se faz o que se diz. Assim, um é o Mestre “que falou e tudo foi feito”, também aquilo que realizou em silêncio é digno do Pai.2Quem de fato possui a Palavra de Jesus pode até ouvir-lhe o silêncio; para ser perfeito, para agir pelo que fala e ser reconhecido pelo que cala.3Nada escapa ao Senhor; antes, o que é segredo para nós está perto d’Ele. Façamos, pois, tudo como se Ele em nós morasse, para sermos seus templos e Ele nosso Deus em nós. E é essa a realidade; e ela se manifestará aos nossos olhos, se o amarmos devidamente.

17. Contra os corruptores da lei.1Não vos iludais, meus irmãos, os corruptores da família não herdarão o Reino de Deus. Pois, se pereceram os que praticavam tais coisas segundo a carne, quanto mais os que perverterem a fé em Deus, ensinando doutrina má, fé pela qual Jesus Cristo foi crucificado? Um tal, tornando-se impuro, marchará para o fogo inextinguível, como também marchará aquele que o escuta.

18. Unguento do Senhor.1Por isso, recebeu o Senhor unção sobre a cabeça para exalar em favor da Igreja o perfume da incorrupção. Não vos deixeis ungir pelo mau odor da doutrina do príncipe deste mundo, de forma que vos leve cativos para longe da vida que vos espera. 2Por que não nos tornamos prudentes, aceitando o conhecimento de Deus, isto é, Jesus Cristo? Por que morrermos tolamente, desconhecendo o dom que o Senhor nos enviou de verdade?

93. Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbete: Heresia.

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O homem novo

18. Ignácio vitima da cruz. 1Meu espírito é vítima destinada à Cruz, e esta é escândalo para os incrédulos; para nós, porém, salvação e vida eterna. Onde se encontra o sábio? Onde o inquisidor? Onde a fama dos assim chamados intelectuais?2Pois nosso Deus, Jesus Cristo, tomou carne no seio de Maria segundo o plano de Deus, sendo de um lado descendente de Davi, provindo por outro do Espírito Santo. Nasceu, foi batizado, para purificar a água pela sua Paixão. 94

19. O silêncio sonoro dos mistérios de Deus1Permaneceu oculta ao príncipe deste mundo à virgindade de Maria e seu parto, como igualmente a morte do Senhor: três mistérios de grande alcance que se processaram no silêncio de Deus.2Como então foram eles manifestados aos séculos? Um astro brilhou no céu, mais que todos os astros, sua luz era inenarrável e sua novidade suscitou estranheza; todas as demais estrelas por sua vez junto com o sol e a lua formaram coro em torno do astro, ele, no entanto, projetava mais luz que todos os demais; produziu-se confusão: donde viria a novidade, tão diversa deles próprios?3A consequência disso foi que toda a magia se desfez e que desapareceu toda cadeia de maldade; a ignorância se dissipou, o antigo reinado se destruiu, quando Deus apareceu em forma humana, para a novidade da vida eterna; começou a realizar-se o que fora decidido junto a Deus. Desde então tudo se movimentou há um tempo, porque se preparava a destruição da morte.

20. Promessas e recomendações.1Se Jesus Cristo, pela vossa oração, me tornar digno e se for de Sua vontade, num segundo escrito que desejo compor para vós, hei de esclarecer o que iniciei, a saber, o plano da salvação, em relação ao homem novo, Jesus Cristo, na fé para Ele e no amor para com Ele, em Sua Paixão e Ressurreição. Sobretudo se o Senhor me revelar, que todos, em particular e em comum, na

94. “Isso equivale ao ritual iniciático da prova (luta contra o monstro), da morte e da ressurreição simbólicas (o nascimento do homem novo). Não queremos dizer com isso que o judaísmo e o cristianismo ‘tomaram de empréstimo’ tais mitos e símbolos às religiões dos povos vizinhos; não era necessário; pois o judaísmo era herdeiro de uma pré-história e de uma longa história religiosas onde todos esses elementos já existiam. Nem sequer foi preciso que o judaísmo mantivesse ‘desperto’ esse ou aquele símbolo, na sua integridade. Bastou que um grupo de imagens sobrevivesse, ainda que obscuramente, desde os tempos pré-mosaicos. Tais imagens e símbolos eram capazes de recobrar, a qualquer momento, uma poderosa atualidade religiosa” (Eliade, M. Sagrado e o Profano, p. 68).

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graça que procede do Nome, vos reunis na mesma fé e em Jesus Cristo, que descende segundo a carne de Davi, filho do homem e filho de Deus, para obedecermos ao bispo e ao presbitério numa concórdia indivisível, partindo um mesmo pão, que é o remédio da imortalidade, antídoto contra a morte, mas vida em Jesus Cristo para sempre.

Saudações Finais

21. Ultimas efusões e adeus1Sou preço de resgate para vós e para os que enviastes para honra de Deus a Esmirna, donde também vos escrevo, em sinal de gratidão ao Senhor e como prova de amor a Policarpo como a vós.2Lembrai-vos de mim, como também Jesus Cristo se lembra de vós. Rezai pela Igreja da Síria, donde sou levado preso para Roma. Sendo último dos fiéis de lá fui julgado digno de servir à honra de Deus. Saudações em Deus Pai e em Jesus Cristo, nossa esperança comum.

AOS MAGNÉSIOS

Esta carta apresenta duas versões, um curta (mais próxima do original) e outra um pouco mais longa. É um documento importante no estudo da Eclesiologia, pois aqui se comprova que a Hierarquia da Igreja, embasada no sacramento da Ordem, já naquela época estava estruturada em três graus como ainda é hoje: bispos, presbíteros e diáconos, sendo que ao bispo cabe a presidência e a ele todos devem estar submissos (caps. 2 a 5). Também a questão da observância do sábado, defendida pela seita dos judaizantes, é abordada: “não observamos mais o sábado, mas o Dia do Senhor (=domingo)” (cap.9), de onde se conclui, pela antiguidade da fonte, que a observância do domingo pelos cristãos é, de fato, instituição apostólica. Mas Inácio vai ainda mais longe contra os costumes judaicos: “É absurdo professar Cristo Jesus e judaizar. O Cristianismo não precisa abraçar o Judaísmo, mas o Judaísmo deve abraçar o Cristianismo” (cap.10), complementado, na versão longa, com uma expressão mais contundente: “o Judaísmo agora chegou ao fim”. 95

95. Alter, R. E. e Kermode, F. Guia Literário da Bíblia, p. 13-48.

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SaudaçãoInácio, também chamado Teóforo, à [Igreja] abençoada na graça de Deus Pai, em Jesus Cristo nosso Salvador, com quem eu saúdo a Igreja que está na Magnésia, próxima ao [rio] Meandro, e desejo a ela grande alegria em Deus Pai e em Jesus Cristo.Saudação

Versão curta Versão longa

Inácio, também chamado Teóforo, à [Igreja] abençoada na graça de Deus Pai, em Jesus Cristo nosso Salvador, com quem eu saúdo a Igreja que está na Magnésia, próxima ao [rio] Meandro, e desejo a ela grande alegria em Deus Pai e em Jesus Cristo.

Amor na unidade

1. Tendo sido informado sobre o vosso amor devoto e perfeito, alegrei-me profundamente e resolvi comunicar-me convosco na fé em Jesus Cristo. Para aquele que pensa ser digno de portar o mais honrável de todos os nomes, nestas cadeias que ora carrego, louvo as igrejas, nas quais oro pela união entre o corpo e o espírito de Jesus Cristo, fonte constante da nossa vida, da fé e do amor, e para as quais nada pode ser especialmente preferível a Jesus e ao Pai; certamente encontraremos a Deus se resistirmos a todos os assaltos do príncipe deste mundo.

I. Tendo sido informado sobre o vosso amor devoto e perfeito, alegrei-me profundamente e resolvi comunicar-me convosco na fé em Jesus Cristo. Para aquele que pensa ser digno de portar um nome divino e desejável, nestas cadeias que ora carrego, louvo as igrejas, nas quais oro pela união entre o corpo e o espírito de Jesus Cristo, “que é o Salvador de todos os homens, mas especialmente daqueles que creem, por cujo sangue vós todos fostes redimidos e por quem pudestes conhecer a Deus, isto é, fostes conhecidos por Ele; resistindo com Ele, escapareis de todos os assaltos deste mundo, pois ‘Ele é fiel e não permitirá que sejais tentados acima do que puderdes resistir”.

2. Portanto, já que tive a honra de vos ver na pessoa de Damas, vosso ilustre bispo, e de vossos ilustres presbíteros, Basso e Apolônio, bem como do diácono Zótio, meu companheiro de serviço, cuja amizade espero sempre possuir - já que ele é submisso ao bispo como à graça de Deus e ao presbitério como à lei de Jesus Cristo - [passo agora a vos escrever]:

II. Portanto, já que tive a honra de vos ver na pessoa de Damas, vosso ilustre bispo, e de vossos ilustres presbíteros, Basso e Apolônio, bem como do diácono Zótio, meu companheiro de serviço, cuja amizade espero sempre possuir - já que ele, pela graça de Deus, é submisso ao bispo e ao presbitério, segundo a lei de Jesus Cristo – [passo agora a vos escrever]:

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Respeito pelo bispo

3. Não deveis tratar vosso bispo com tanta familiaridade em razão de sua juventude, mas deveis tratá-lo com toda a reverência, respeitando ao poder de Deus Pai , assim como fazem os santos presbíteros – como fiquei sabendo – que não o julgaram imprudentemente, a partir de sua aparência jovem claramente manifesta, mas, sendo prudentes em Deus, submeteram-se a ele, ou melhor, não a ele, mas ao Pai de Jesus Cristo, que é o Bispo de todos nós. Assim, é adequado a vós, sem qualquer hipocrisia, obedecerdes [ao vosso bispo], em honra d’Aquele que nos amou tanto, já que [pela falsa conduta] não se tenta enganar ao bispo visível, mas Àquele que é invisível. E, com tal conduta, não se faz referência ao homem, mas a Deus, que conhece todos os segredos.

III. Não deveis desprezar a idade do vosso bispo, mas tratá-lo com toda a reverência, conforme o desejo de Deus Pai, assim como fazem os santos presbíteros - como fiquei sabendo - não observando a sua manifesta juventude, mas o seu conhecimento sobre Deus, já que “não é o ancião [necessariamente] sábio, nem significa que o idoso possua prudência; o que importa é o espírito dos homens”. Daniel, o sábio, aos doze anos de idade, foi possuído pelo Espírito divino, e condenou os anciãos - que em vão carregavam seus cabelos grisalhos - por acusarem em falso e cobiçarem a esposa de um homem. Também Samuel, quando ainda era uma pequena criança, reprovou Eli, que tinha 90 anos de idade, por honrar mais a seus filhos do que a Deus. Da mesma maneira, também Jeremias recebeu esta mensagem de Deus: “Não diga nada. Eu sou uma criança”. Também Salomão e Josias. O primeiro, sendo rei aos doze anos de idade, deu a terrível e difícil sentença no caso das duas mulheres que disputavam pela mesma criança. O último, subindo ao trono com oito anos de idade, ordenou a derrubada dos altares e templos [dos ídolos], e a queima dos bosques dedicados aos demônios e não a Deus. E ele destruiu os falsos sacerdotes, como impostores e corruptores dos homens, mas não os adoradores da Deidade. Logo, a juventude não é para ser desprezada quando é devotada a Deus. Mas deve ser desprezado aquilo que vier de uma mente malvada, ainda que a pessoa seja anciã e experimentada. Timóteo, que pregou sobre Cristo, era jovem quando ouviu seu mestre ensinar-lhe: “Não deixe nenhum homem desprezar tua juventude, mas sejas tu um exemplo entre os crentes, tanto na palavra quanto na conduta”. Por isso, é coisa terrível contradizer qualquer pessoa com a mesma semelhança. [Pela conduta] não se tenta enganar aquele que é visível, mas [na realidade] zombar dAquele que é invisível, e que, contudo, não pode ser zombado por ninguém. E tal conduta diz respeito não ao homem, mas a Deus. Deus disse a Samuel: “Eles não zombaram de ti, mas de Mim”. E Moisés declarou: “O murmúrio deles não é contra nós, mas contra o Senhor Deus”. [De fato,] nenhum deles ficou sem punição, porque levantaram-se contra seus superiores. Datan e Abirão não falaram contra a Lei, mas contra Moisés, e foram arremessados vivos no Hades. O mesmo ocorreu com Corá e 250 indivíduos que conspiraram com ele contra Aarão: foram destruídos pelo fogo. Ainda Absalão, que foi morto por seu irmão, foi suspenso numa árvore e seu coração mau foi atravessado por flechas. Também Abedadan foi decapitado pelo mesmo motivo. Uzias, quando ousou se opor aos sacerdotes e ao sacerdócio, foi ferido pela lepra. Saul também foi desonrado por não conduzir Samuel ao sumo-sacerdócio. Portanto, é vosso dever reverenciar os vossos superiores.

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4. É adequado, então, não apenas ser chamados “cristãos”, mas sê-lo também de verdade: como alguém reconhece outro com o título de bispo e depois faz todas as coisas sem ele? Tais pessoas parecem-me desprovidas de boa consciência, visto que se reúnem em desconformidade com o mandamento.

IV. É adequado, então, não apenas ser chamados “cristãos”, mas sê-lo também de verdade. Não basta assim ser apenas chamado, mas é necessário sê-lo também, como se passa com um homem abençoado. Àqueles que falam do bispo, mas fazem todas as coisas sem ele, declarará Aquele que é o verdadeiro e primeiro Bispo e único Sumo Sacerdote por natureza: “Por que me chamais de ‘Meu Senhor’ se não fazeis o que vos digo?”. Tais pessoas parecem-me desprovidas de boa consciência; são dissimuladoras e hipócritas.

5. Visto, então, que todas as coisas têm um fim, estas duas coisas são simultaneamente à nossa frente: a morte e a vida; todos encontrarão seu próprio lugar. É como se fossem dois tipos de moedas: a de Deus e a do mundo, cada qual com suas próprias características estampadas nelas. O descrente é deste mundo, mas o crente tem, no amor, a característica de Deus Pai, por Jesus Cristo; se não estivermos prontos para morrer em Sua Paixão, Sua vida não estará em nós.

V. Visto, então, que todas as coisas têm um fim, é-nos colocada diante de nós a vida, fruto da nossa observância [aos preceitos de Deus], e a morte, como resultado da desobediência; todos - conforme a escolha que fizer - encontrarão seu próprio lugar, permitindo escapar da morte e optar pela vida. Observo que duas características diferentes são encontradas nos homens: a verdadeira moeda e a espúria. O verdadeiro fiel é o tipo verdadeiro de moeda, cunhada pelo próprio Deus. O infiel, por sua vez, é uma moeda falsa, ilegal, espúria, falsificada, cunhada não por Deus, mas pelo diabo. Não estou querendo dizer que existem duas naturezas humanas diferentes; existe apenas uma única humanidade que, às vezes, pertence a Deus, e outras vezes, ao diabo. Se alguém é verdadeiramente religioso, será também homem de Deus; mas, se não for religioso, será homem do diabo, não por sua natureza, mas por sua própria escolha. O descrente possui a imagem do príncipe da maldade; o crente possui a imagem do seu Príncipe, Deus Pai e Jesus Cristo; se não estivermos prontos para morrer pela verdade em Sua Paixão, Sua vida não estará em nós

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6. Nas pessoas acima mencionadas, pude observar, na fé e no amor, toda a vossa comunidade; assim, exorto-vos a estudarem todas as coisas com divina harmonia, tendo vosso bispo presidindo no lugar de Deus e vossos presbíteros no lugar da assembleia dos apóstolos, junto com seus diáconos - que são muito queridos para mim - aos quais foi confiado o serviço de Jesus Cristo, que estava com o Pai antes do início dos tempos e que por fim se manifestou. Fazei tudo, então, imitando a mesma conduta divina, mantendo o respeito uns pelos outros, não olhando para o seu próximo segundo a carne, mas amando-o continuamente em Jesus Cristo. Que nada exista entre vós causando divisão, mas sejais unidos ao vosso bispo e àqueles que vos presidem, como um sinal evidente da vossa imortalidade.

VI. Nas pessoas acima mencionadas, pude observar, na fé e no amor, toda a vossa comunidade; assim, exorto-vos a estudarem todas as coisas com divina harmonia, tendo vosso bispo presidindo no lugar de Deus e vossos presbíteros no lugar da assembleia dos apóstolos, junto com seus diáconos – que são muito queridos para mim – aos quais foi confiado o serviço de Jesus Cristo. Ele, sendo estando com o Pai antes do início dos tempos, era o Verbo, o único Filho gerado, e permanece o mesmo para sempre; e “o Seu reino não terá fim”, diz o profeta Daniel. Vamos todos, então, amar uns aos outros em harmonia e que ninguém olhe para o seu próximo segundo a carne, mas em Cristo Jesus. Que nada exista entre vós causando a divisão, mas sejais unidos ao vosso bispo, e, através dele, submissos a Deus em Cristo.

7. Assim como o Senhor nada fez sem o Pai, ainda que estivesse unido a Ele, nem por si mesmo e nem pelos apóstolos, também vós não deveis fazer nada sem o bispo e os presbíteros. Nem deveis tentar fazer com que algo pareça razoável e justo para vós mesmos; mas, reunindo-vos num mesmo lugar, orai uma única prece, fazei uma única súplica, tenham uma única mente e esperança, no amor e na alegria imaculada. Há um só Jesus Cristo e nada é melhor que Ele. Então, correi todos juntos ao único templo de Deus, ao único altar, ao único Jesus Cristo, que procede do único Pai, está com Ele e a Ele retornou.

VII. Assim como o Senhor nada faz sem o Pai, pois Ele diz: “Por Mim mesmo nada posso fazer”, também assim deveis proceder; nem o presbítero, nem o diácono, nem o leigo deve fazer algo sem o bispo. Nem mesmo deveis fazer algo recomendável sem a sua aprovação. Pois tais coisas são pecaminosas e se opõem a[o desejo] de Deus. Deveis, todos juntos, ir a um mesmo lugar para orar. Deveis ser uma só súplica comum, uma só mente, uma só esperança, mantendo uma fé sólida em Cristo Jesus, pois não há nada melhor. Que vós todos sejais como um só homem, correndo juntos para o templo de Deus, para o único altar, o único Jesus Cristo, Sumo Sacerdote do Deus não gerado.

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8. Não sejais enganados por doutrinas estranhas, nem por velhas fábulas, as quais são inúteis, pois se ainda vivemos segundo a Lei dos judeus, devemos reconhecer que não recebemos a graça. Ora, os diviníssimos profetas viveram segundo Cristo Jesus e, por isso, acabaram sendo perseguidos, pois eram inspirados por Sua graça a convencerem plenamente os descrentes de que existe apenas um Deus, que Se manifestou por Jesus Cristo, Seu Filho, o qual é o Seu Verbo eterno – não procedendo do silêncio - e que em todas as coisas agradou Aquele que O enviou.

VIII. Não sejais enganados por doutrinas estranhas, “nem prestai atenção a fábulas e genealogias intermináveis”, e em outras coisas que os judeus ostentarem. “As velhas coisas se passaram; observai pois todas as coisas se tornaram novas”. Se vivêssemos ainda segundo a Lei dos judeus e a circuncisão da carne, teríamos que negar a graça que recebemos. Ora, os divinos profetas viveram de acordo com Jesus Cristo e, por isso, acabaram sendo perseguidos, pois eram inspirados pela graça a convencerem plenamente os descrentes de que existe apenas um Deus, o todo-poderoso, que Se manifestou por Jesus Cristo Seu Filho, que é Seu Verbo, não expressado, mas essencial. Com efeito, Ele não é a voz de uma expressão articulada, mas uma substância gerada pelo poder divino, e que em todas as coisas agradou Aquele que O enviou.

9. Se, então, aqueles que eram educados na antiga ordem das coisas se apossaram da nova esperança, não mais observando o sábado, mas observando o Dia do Senhor, no qual também a nossa vida foi libertada por Ele e por Sua morte – alguns negam que por tal mistério obtemos a fé e nele perseveramos para que ser contados como discípulos de Jesus Cristo, nosso único Mestre - como seremos capazes de viver longe Dele, cujos discípulos e os próprios profetas esperaram no Espírito para que Ele fosse o Instrutor deles? Era Ele que certamente esperavam, pois vindo, os libertou da morte.

IX. Se, então, aqueles que eram versados nas antigas Escrituras tiveram a esperança renovada, aguardando a vinda de Cristo, como ensina o Senhor quando nos diz: “Se acreditastes em Moisés, deveríeis crer em Mim, pois foi de Mim que ele escreveu”; e novamente: “Seu pai Abraão regozijou-se para ver o Meu dia e, quando o viu, alegrou-se; pois antes de Abraão, Eu Sou”. Como poderíamos ser capazes de viver sem Ele? Os profetas eram Seus servos e O previram pelo Espírito, e O esperaram como Instrutor e também como Senhor e Salvador, dizendo: “Ele virá e nos salvará”. Portanto, não precisamos mais manter o sábado, como fazem os judeus, ou se alegrar pelos dias de ociosidade, pois “aquele que não trabalha, não deve comer”. Também foi dito pelos [santos] oráculos: “É pelo suor da tua face que comerás o teu pão”. Mas deixe todo aquele entre vós que ainda mantém o sábado por motivo espiritual, alegrando-se na meditação da Lei e não no descanso do corpo, admirando a obra de Deus e não comendo coisas preparadas no dia anterior, não fazendo uso de bebidas mornas ou andando um certo limite prescrito, não se deleitando por dançar e aplaudir, e outras coisas sem sentido. Porém, após a observância do sábado, deve todo amigo de Cristo observar o Dia do Senhor como festa, o dia da ressurreição, a rainha e comandante de todos os dias [da semana]. Foi sobre isto que o profeta declarou: “Para encerrar, o oitavo dia”. [Foi nesse dia] que a nossa vida renasceu e a vitória sobre a morte foi obtida em Cristo. Os filhos da perdição, os inimigos do Salvador negam isto; “o deus deles é o próprio estômago, pois só pensam nas coisas terrestres”, são “amantes do prazer, e não amam a Deus; têm a forma celestial, mas negam o poder disto”. Esses são mercadores de Cristo, corruptores da Sua Palavra; abrem a mão de Jesus e o põe a venda; corrompem as mulheres, cobiçam os bens de seus próximos e buscam insaciavelmente a riqueza; a estes [malfeitores] deveis pedir que sejam tocados pela misericórdia de Deus através de nosso Senhor Jesus Cristo!

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10. Assim, não sejamos insensíveis à Sua bondade. Se Ele nos recompensasse conforme as nossas obras, certamente deixaríamos de existir. Porém, por termos tornado Seus discípulos, devemos aprender a viver de acordo com os princípios do Cristianismo. Quem é chamado por outro nome além deste não é de Deus. Abandonando, contudo, o mal, o passado, as más influências, estais vós sendo chamados a mudar de comportamento, o qual é de Jesus Cristo. Sede temperados Nele, para que ninguém entre vós seja corrompido, já que por vosso sabor próprio seríeis condenados. É absurdo professar Cristo Jesus e judaizar. O Cristianismo não precisa abraçar o Judaísmo, mas o Judaísmo deve abraçar o Cristianismo, para que toda língua possa professar a companhia de Deus.

X. Assim, não sejamos insensíveis à Sua bondade. Se Ele nos recompensasse conforme as nossas obras, certamente deixaríamos de existir. “Se Tu, Senhor, marcar as iniquidades, quem poderá ficar de pé?”. Devemos, portanto, provar a nós mesmos que merecemos o nome que recebemos (=cristãos). Quem é chamado por outro nome além deste não é de Deus, pois não recebeu a profecia que nos fala a respeito disso: “O povo será chamado por um novo nome, pelo qual o Senhor os chamará, e serão um povo santo”. Isto se cumpriu primeiramente na Síria, pois “os discípulos eram chamados de cristãos na Antioquia”, quando Paulo e Pedro estabeleciam as fundações da Igreja. Abandonai, pois, a maldade, o passado, as influências viciadas e sereis transformados no novo instrumento da graça. Permanecei em Cristo e o estranho não obterá o domínio sobre vós. É absurdo professar Jesus Cristo com a língua e cultivar na mente o Judaísmo, que agora chegou ao fim. Onde está o Cristianismo não pode estar o Judaísmo. Cristo é único; toda nação que Nele crê e toda língua que O confessa é, por Ele, conduzida até Deus. E aqueles que têm coração duro devem tornar-se filhos de Abraão, o amigo de Deus; e em sua semente todos serão abençoados e receberão a vida eterna em Cristo.

11. Amados: estas coisas [que vos escrevo] - não que eu saiba algo sobre o vosso comportamento, mas por ser inferior a vós - tem por objetivo preveni-los para que não sejais fisgados pelos anzóis da vã doutrina, mas para que possais conquistar a segurança plena a respeito do nascimento, paixão e ressurreição que ocorreram na época do governo de Pôncio Pilatos, sendo verdadeiro e certo que tais eventos foram efetuados por Jesus Cristo, nossa esperança, de quem jamais possais ser afastados.

XI. Amados: estas coisas [que vos escrevo] - não que eu saiba algo sobre o vosso comportamento, mas por ser inferior a vós - tem por objetivo preveni-los para que não sejais fisgados pelos anzóis da vã doutrina, mas para que possais conquistar a segurança plena em Cristo, que estava com o Pai antes de todas as eras, e que mais tarde nasceu da Virgem Maria sem qualquer intercurso com o homem. Ele também teve uma vida santa e curou todo tipo de moléstia e enfermidade que atingia o povo, e realizou sinais e maravilhas em benefício dos homens; e para aqueles que caíram no erro do politeísmo, Ele permitiu conhecer o único e verdadeiro Deus, Seu Pai, e experimentou a paixão, sofrendo na cruz em razão dos judeus assassinos, no tempo do governador Pôncio Pilatos, quando Herodes era rei. Ele morreu e ressuscitou, e ascendeu aos céus, de volta Àquele que o enviara, e sentou-se à mão direita de Deus [Pai]; e retornará no fim dos tempos, na glória de Deus Pai, para julgar os vivos e os mortos de acordo com as suas obras. Todo aquele, que conhece e crê nestas coisas com total segurança, é feliz; sejais, pois, agora, amantes de Deus e de Cristo, garantia plena da nossa esperança, para que ninguém possa vos desviar.

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Viver na Fé e na Unidade

12. Que eu possa me alegrar convosco em todas as coisas, se o merecer! Mesmo acorrentado, não sou digno de ser comparado a qualquer de vós que estais em liberdade. Sei que vós não estais inchados de orgulho. Já que possuis Jesus Cristo em vós mesmos. E tudo o mais que louvo em vós, sei que guardais com modéstia de espírito; como está escrito: “O homem justo é seu próprio acusador”.

XII. Que eu possa me alegrar convosco em todas as coisas, se o merecer! Mesmo acorrentado, não sou digno de ser comparado a qualquer de vós que estais em liberdade. Sei que vós não estais inchados de orgulho. já que possuis Jesus em vós mesmos. E tudo o mais que louvo em vós, sei que guardais com modéstia de espírito; como está escrito: “O homem justo é seu próprio acusador”; e novamente: “Declara primeiro as tuas iniquidades e poderás ser justificado”; e ainda: “Quando tiverdes feito todas as coisas que são ordenadas a ti, seremos servos inúteis para aquele que aprecia entre os homens, uma abominação aos olhos do Senhor”; também diz a Escritura: “Deus seja misericordioso comigo, pecador”. E Davi diz: “Quem sou eu perante Ti, ó Senhor, já que Tu me glorificaste até agora?”. E Moisés, que era “o mais obediente de todos os homens”, disse a Deus: “Minha voz é fraca e mal sei falar”. Sejais também pobres em espírito para que sejais exaltados; pois “aquele que se humilhar será exaltado e aquele que se exaltar será humilhado”.

13. Portanto, estudai para manter-vos na doutrina do Senhor e dos apóstolos, para que todas as coisas que fizerdes possam prosperar tanto na carne quanto no espírito, na fé e no amor, no Filho e no Pai e no Espírito, no princípio e no fim; unidos com o vosso admirável bispo, com toda a preciosa coroa espiritual do vosso presbitério e com os diáconos que estão em conformidade com Deus. Sejais submissos ao bispo e uns aos outros, como Jesus Cristo é com o Pai, segundo a carne, e os apóstolos com Cristo, o Pai e o Espírito. Que haja assim uma união entre a carne e o espírito.

XIII. Portanto, estudai para manter-vos na doutrina do Senhor e dos apóstolos, para que todas as coisas que fizerdes possam prosperar tanto na carne quanto no espírito, na fé e no amor, unidos com o vosso admirável bispo, com a preciosa coroa espiritual do vosso presbitério e com os diáconos que estão em conformidade com Deus. Sejais submissos ao bispo e uns aos outros, como Cristo é com o Pai, para que haja unidade entre vós, de acordo com [a vontade de] Deus.

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Conclusão e Despedida

14. Sei que estais repletos de Deus e, por isso, exortei-vos brevemente. Lembrai-vos de mim em vossas orações, para que eu possa alcançar a Deus. E [lembrai-vos também] da Igreja que está na Síria, já que não sou digno de portá-la em meu nome. Necessito da vossa oração unida em Deus e do vosso amor, para que a Igreja da Síria seja considerada digna de ser refrescada pela vossa Igreja.

XIV. Sei que estais repletos de tudo o que é bom e, por isso, exortei-vos brevemente no amor de Jesus Cristo. Lembrai-vos de mim em vossas orações, para que eu possa alcançar a Deus. E [lembrai-vos também] da Igreja que está na Síria, da qual não sou digno de ser chamado seu bispo. Necessito da vossa oração unida em Deus e do vosso amor para que a Igreja da Síria possa ser digna, conforme sua boa ordem, de ser edificada em Cristo.

15. Os efésios que habitam em Esmirna - de onde eu vos escrevo – estão aqui para a glória de Deus, como vós também fizestes; eles me reconfortam e vos saúdam juntamente com Policarpo, bispo dos esmirnicenses. As demais igrejas, em honra de Jesus Cristo, também vos saúdam. Ficai bem na harmonia de Deus, vós que obtivestes o Espírito inseparável que é Jesus Cristo.

XV. Os efésios que habitam em Esmirna - de onde eu vos escrevo - estão aqui para a glória de Deus, como vós também fizestes; eles me reconfortam e vos saúdam, assim como Policarpo. As demais igrejas, em honra de Jesus Cristo, também vos saúdam. Ficai bem em harmonia, vós que obtivestes o Espírito inseparável, em Jesus Cristo, pela vontade de Deus.

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AOS TRALIANOS

Saudação

Inácio, também chamado Teóforo, à Igreja santa de Trales na Ásia, Igreja amada por Deus, Pai de Jesus Cristo, eleita e digna de Deus, que possui a paz na carne e no espírito pela Paixão de Jesus Cristo, nossa esperança na ressurreição que nos conduzirá a ele. Saúdo-a em toda a plenitude, à maneira dos Apóstolos e lhe transmito os votos da maior felicidade.

Elogios aos Tralianos

1. Convenci-me de vossos sentimentos puros e intocáveis na paciência; vós os tendes não apenas para uso mas por natureza, como me esclareceu Políbio, vosso bispo, que compareceu por vontade de Deus e Jesus Cristo, em Esmirna, para regozijar-se desta forma comigo prisioneiro em Jesus Cristo. Nele, pude assim contempla toda a vossa comunidade. Tendo pois experimentado através dele vossa benevolência segundo Deus, eu O glorifiquei,sabendo-vos imitadores d’Ele.

Submissão ao bispo

2. Na hora em que vos submeteis ao bispo como a Jesus Cristo, me dais a impressão de não viverdes segundo os homens, mas segundo Jesus Cristo, que morreu por nós para fugirdes à morte pela confiança na morte d’Ele. É mesmo necessário, como alias e de vosso feitio, nada empreender sem o bispo, mas submeter-vos também ao presbitério como a apóstolos de Jesus Cristo nossa Esperança, no qual nos encontraremos se assim nos portarmos. Faz-se igualmente mister que os que são diáconos dos mistérios de Jesus Cristo agradem a todos em tudo. Pois não é de comidas e bebidas que são diáconos, mas são servos da Igreja de Deus. Terão que precaver-se pois contra as acusações, como contra o fogo.

3. Da mesma forma deverão todos respeitar os diáconos como a Jesus Cristo, como também ao bispo que é a imagem do

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Pai, aos presbíteros, porém como ao senado de Deus e ao colégio dos apóstolos. Sem eles, já não se pode falar de Igreja. Estou convencido que em relação a eles assim procedeis, pois recebi e guardo comigo a prova de vossa caridade na pessoa de vosso bispo: sua mesma presença se constitui num grande ensinamento, sua mansidão é um poder. Suponho que os próprios ateus o respeitem. Por amor vos poupo, embora pudesse escrever com mais veemência sobre o assunto. Não me atrevi a dar-vos ordens, como se fosse Apóstolo, pois me encontro na condição de condenado.

4. Chego a pensar muita coisa em Deus, mas me contenho, para não me perder na vanglória. É exatamente nesta hora que mais devo cuidar-me, não dando atenção aos que me exaltam, pois enquanto falam estão a flagelar-me. Amo, é certo, o sofrimento, mas não sei se sou digno dele. Minha impaciência não transparece aos olhos da multidão, a mim é que me tortura tanto mais. Necessito assim de mansidão, na qual se aniquila o príncipe deste mundo.

5. Não saberia eu descrever-vos as coisas do céu? Receio, porém, fazer-vos mal, já que sois ainda crianças. Perdoai-me, se não o faço; não sendo capazes de assimilar, poderíeis sufocar-vos. Pois também eu, embora prisioneiro e capaz de conhecer coisas celestes, mesmo as hierarquias dos anjos e os exércitos dos principados, coisas visíveis e invisíveis, nem por isso ainda sou discípulo. Muito nos falta, para que Deus não nos chegue a faltar.

Fugir da heresia

6. Exorto-vos, pois - não eu, mas o amor de Jesus Cristo: Servi-vos tão somente de alimento cristão, abstende-vos de planta estranha, isto é, de heresia. Misturam Jesus Cristo a si próprios, fazendo passar-se por dignos de fé, como quem mistura droga mortífera juntamente com vinho e mel, bebida que o ignorante toma com gosto, mas gosto mau, pois é para a morte.7. Cuidai-vos, pois, de tais pessoas. Fá-lo-eis, se não vos

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orgulhardes e não vos separardes de Jesus Cristo Deus, nem do bispo nem das prescrições dos Apóstolos. Quem se encontra no interior do santuário é puro; quem se encontra fora do santuário não é puro, isto é, quem pratica alguma coisa sem o bispo, o presbitério e o diácono, este não é puro em sua consciência.8. Não que tivesse conhecimento de algo assim entre vós; tento sim prevenir-vos como a pessoas queridas, prevendo as ciladas do diabo. Adotai, pois a mansidão e renovai-vos na fé, que é a carne do Senhor, e na caridade, que é o sangue de Jesus Cristo. Ninguém dentre vós tenha algo contra o vizinho. Não deis pretextos aos gentios, para que a comunidade de Deus não seja injuriada por causa de uns poucos insensatos. Pois ai daquele por cuja leviandade meu nome for por alguns blasfemado.

Fé em Cristo

9. Mantende-vos surdos na hora em que alguém vos falar de outra coisa que de Jesus, da descendência de Davi filho de Maria, o qual nasceu de fato, comeu e bebeu, foi de fato perseguido sob Pôncio Pilatos, de fato foi crucificado e morreu à vista dos que estão nos céus, na terra e debaixo da terra. O qual de fato também ressurgiu dos mortos, ressuscitando-O o próprio Pai. É o mesmo Pai d’Ele que, à Sua semelhança, ressuscitará em Cristo Jesus aos que cremos n’Ele; fora d’ele, não temos vida verdadeira.

10. Se porém, como afirmam alguns que são ateus, isto é, sem fé, Ele só tivesse sofrido aparentemente - eles é que só existem aparentemente - eu por que estou preso, por que peço para combater com as feras? Morro pois em vão. Estaria então a mentir contra o Senhor.

11. Fugi pois destas plantas parasitas, que produzem fruto mortífero. Se alguém provar delas morre na hora. Não são pois eles plantação do Pai. Se o fossem, apareceriam como rebentos da cruz, e seu fruto seria imperecível. Pela Cruz, Ele vos conclama em sua Paixão como Seus membros. Não pode uma cabeça nascer sem membros, uma vez que Deus nos promete a unidade que é Ele próprio.

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Permenecer na unidade

12. Saúdo-vos de Esmirna, em companhia das Igrejas de Deus que estão comigo, elas que em todo sentido me confortaram na carne e no espírito. Meus grilhões, que carrego por amor de Jesus Cristo com o pedido de que encontre a Deus, vos conclamam: perseverai em vossa concórdia e na oração comum! Convém que cada um de vós, e de modo particular os presbíteros, confortem o bispo para a honra do Pai, de Jesus Cristo e dos Apóstolos. Desejo que me escuteis com amor, para que com minha carta não me transforme em testemunho contra vós. Rezai também por mim, que preciso de vossa caridade junto à misericórdia de Deus, para tornar-me digno da herança que me toca alcançar, para não ser encontrado indigno de recebê-la.

13. Saúda-vos a caridade dos esmirnenses e efésios. Lembrai-vos em vossas orações da Igreja na Síria: não mereço trazer-lhe o nome, pois sou o último dentre eles. Passar bem em Jesus Cristo, sujeitando-vos ao bispo como ao mandamento do Senhor, e também ao presbitério. Amai-vos mutuamente, um por um, em coração indiviso. Meu espírito por vós se empenha, não apenas agora, também quando com Deus me encontrar. Ainda estou em perigo, mas o Pai é fiel para cumprir em Jesus Cristo o meu e o vosso pedido. Oxalá vos encontreis irrepreensíveis n’Ele.

AOS ROMANOS

Saudação Inicial

Inácio, também chamado Teóforo, à Igreja que recebeu misericórdia pela grandeza do Pai altíssimo e de Jesus Cristo Seu Filho único, Igreja amada e iluminada pela vontade d’Aquele que escolheu todos os seres, isto é, segundo a fé e a caridade de Jesus Cristo nosso Deus, ela que também preside na região da terra dos romanos, digna de Deus, digna de honra, digna de ser chamada bem-aventurada, digna de louvor, digna de êxito, digna de pureza, e que preside à caridade na observância da lei de Cristo e que leva o nome do Pai. Saúdo-a também em nome de Jesus Cristo, filho do Pai. Aos que aderem a todos os seus mandamentos segundo a carne e o espírito, inabalavelmente cumulados e confirmados pela graça de Deus,

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purificados de todo colorido estranho, desejo todo o bem e irrepreensível alegria em Cristo Jesus nosso Deus. 96

Ver a Comunidade e Ir a Deus

1. Pela oração, me foi concedida por Deus a graça de um dia contemplar vossos rostos dignos de Deus. Com insistência havia implorado tal favor. Preso em Cristo Jesus, espero abraçar-vos, se for da vontade d’Ele, que eu mereça chegar ao termo. Deu certo o começo. Oxalá consiga a graça de receber sem impedimento minha herança. É que temo não venha prejudicar-me vossa caridade. Pois a vós é fácil realizar o que pretendeis, enquanto é difícil para mim encontrar-me com Deus, caso vós não me poupeis.

Não Impedir o Martírio

2. Não quero que procureis agradar a homens, mas que agradeis a Deus, como de fato agradais. Nem eu terei jamais igual oportunidade de chegar a Deus, nem vós, caso calardes, jamais haveis de ligar vosso nome a obra melhor. Pois, se calardes a meu respeito, serei palavra de Deus; se porém amardes minha carne, não passarei de novo a ser senão uma voz. Não queirais favorecer-me, senão deixando imolar-me a Deus, enquanto há um altar preparado, para formardes pelo amor um coro em homenagem a Deus e cantardes ao Pai em Jesus Cristo, por que Deus se dignou conceder de o bispo da Síria encontrar-se no Ocidente vindo do Oriente. É maravilhoso o ocaso: vir do ocaso do mundo em direção a Deus, para levantar-me junto a Ele.

Ser Cristão de Fato

3. Jamais tivestes inveja de alguém, instruístes sim a outrem.

96. “Portanto, é pela fé, para que seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja firme a toda a posteridade, não somente à que é da lei, mas também à que é da fé que teve Abraão, o qual é pai de todos nós. (Como está escrito: Por pai de muitas nações te constituí) perante aquele no qual creu, a saber, Deus, o qual vivifica os mortos, e chama as coisas que não são como se já fossem. O qual, em esperança, creu contra a esperança, tanto que ele tornou-se pai de muitas nações, conforme o que lhe fora dito: Assim será a tua descendência” (4:16-18).

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É meu desejo que guardem sua força as lições que inculcais a vossos discípulos. Pedi em meu favor unicamente a força exterior e interior, a fim de não apenas falar, mas também querer, de não apenas dizer-me cristão, mas de me manifestar como tal. Pois, se me manifestar como tal também posso chamar-me assim e ser fiel, na hora em que já não for visível para o mundo. Nenhuma ostentação é boa, pois o nosso Deus, Jesus Cristo, aparece mais desde que está oculto no Pai. O cristianismo não é o resultado de persuasão, mas grandeza, justamente quando odiado pelo mundo.

‘Sou Trigo de Deus’

4. Escrevo a todas as Igrejas e insisto junto a todas que morro de boa vontade por Deus, se vós não mo impedirdes. Suplico-vos, não vos transformeis em benevolência inoportuna para mim. Deixai-me ser comida para as feras, pelas quais me é possível encontrar Deus. Sou trigo de Deus e sou moído pelos dentes das feras, para encontrar-me como pão puro de Cristo. Acariciai antes as feras, para que se tornem meu túmulo e não deixem sobrar nada de meu corpo, para que na minha morte não me torne peso para ninguém. Então de fato serei discípulo de Jesus Cristo, quando o mundo nem mais vir meu corpo. Implorai a Cristo em meu favor, para que por estes instrumentos me faça vítima de Deus. Não é como Pedro e Paulo 97, que vos ordeno. Eles eram apóstolos, eu um condenado; aqueles, livres, e eu até agora escravo. Mas, quando tiver padecido, tornar-me-ei alforriado de Jesus Cristo, e ressuscitarei n’Ele, livre. E agora, preso, aprendo a nada desejar.

97. “Embora Clemente de Roma e Inácio de Antioquia conhecessem algumas das cartas de Paulo, a coleção concreta e existente mais antiga é o Cânon de Marcião, de cerca de 140-150 d.C. Esta lista inclui uma coleção editada de dez cartas de Paulo (em ordem: Gálatas, I e II Coríntios, Romanos, I e II Tessalonicenses, Laodicenses (Efésios), Colossenses, Filipenses e Filemon). As Pastorais foram, provavelmente, rejeitadas pelo fato de Marcião ter sido um gnóstico. O Fragmento Muratoriano (cerca de 180 d.C.) inclui as Pastorais nas treze epístolas de Paulo, Hebreus não estando na coleção. O mais antigo manuscrito grego (P 46) das epístolas de Paulo que foi preservado data de cerca do fim do segundo século. Este manuscrito, pelo fato de colocar Hebreus entre Romanos e I Coríntios, indica Paulo como sendo o autor de Hebreus. II Tessalonicenses, Filemon e as Pastorais estão ausentes do manuscrito preservado, mas a ausência poderia ser devida à possível perda das últimas folhas, que conteriam estas cinco cartas”. (Hale, B. D. Introdução ao Estudo do Novo Testamento, p. 150).

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5. Desde a Síria, venho combatendo com feras até Roma, por terra e por mar, de noite e de dia, preso a dez leopardos, isto é, a um destacamento de soldados, que se tornam piores quando se lhes faz o bem. Por seus maus tratos, porém, estou sendo mais instruído, mas nem por isso estou justificado. Oxalá goze destas feras que me estão preparadas; rezo que se encontrem bem dispostas para mim: hei de instigá-las, para que me devorem depressa, e não aconteça o que aconteceu com outros que, amedrontadas, me não toquem. Se elas por sua vez não quiserem de boa vontade, eu as forçarei. Perdoai-me: sei o que me convém; começo agora a ser discípulo. Coisa alguma visível e invisível me impeça que encontre a Jesus Cristo. Fogo e cruz, manadas de feras, quebraduras de ossos, esquartejamentos, trituração do corpo todo, os piores flagelos do diabo venham sobre mim, contanto que encontre a Jesus Cristo.

Imitar a Paixão de Cristo

6. De nada me valerão os confins do mundo nem os remos deste século. Maravilhoso é para mim morrer por Jesus Cristo, mais do que reinar até aos confins da terra. 98 A Ele é que procuro, que morreu por nós; quero Aquele que ressuscitou por nossa causa. Aguarda-me o meu nascimento. Perdoai-me, irmãos: não queirais impedir-me de viver, não queirais que eu morra; ao que quer ser de Deus não o presenteeis ao mundo nem o seduzais com a matéria. Permiti que receba luz pura: quando lá chegar serei homem. Permiti que seja imitador do sofrimento de meu Deus. Se alguém o possui dentro de si, há de saber o que quero e se compadecerá de mim, porque conhece o que me impulsiona.7. O príncipe deste século quer arrebatar-me e perverter o pensamento voltado para Deus. Ninguém dos presentes queira auxiliá-lo. Passai antes para o meu lado, isto é, para o de Deus. Não tenhais a Jesus Cristo na boca, para irdes desejar o mundo. Não habite inveja em vosso meio. Nem que eu, em pessoa, vos implorasse, não deveríeis obedecer-me: obedecei antes ao que

98. “O homem religioso se quer diferente do que se encontra ao nível ‘natural’, esforçando-se por fazer-se segundo a imagem ideal que lhe foi revelada pelos mitos. O homem primitivo esforça-se por atingir um ideal religioso de humanidade, e nesse esforço encontram-se já os germes de todas as éticas elaboradas mais tarde nas sociedades evoluídas” (Eliade, M. Sagrado e o Profano, p. 90).

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vos escrevo, pois eu o faço como alguém que vive e anela morrer. Meu amor está crucificado e não há em mim fogo para amar a matéria; pelo contrário, água viva murmurando dentro de mim, falando-me ao interior: Vamos ao Pai! Não me agradam comida passageira, nem prazeres desta vida. Quero pão de Deus que é carne de Jesus Cristo, da descendência de Davi, e como bebida quero o sangue d’Ele, que é Amor incorruptível.

O Amor Crucificado

8. Já não quero viver à maneira de homens. É o que no entanto acontecerá, caso me apoiardes. Apoiai, para também receberdes apoio. Eu vo-lo peço em poucas palavras: Crede-me, Jesus Cristo, por Sua vez, há de manifestar-vos que digo a verdade, pois é Ele a boca sem mentiras, pela qual o Pai falou a verdade. Rezai por mim, para que chegue até lá. Não vos escrevi segundo a carne, mas segundo o pensamento de Deus. Se sofrer, será por vossa benevolência; se for reprovado, será por causa do vosso ódio.

Despedida e Recomendações

9. Lembrai-vos em vossa oração da Igreja na Síria, a qual, em meu lugar, tem Deus como pastor. Só Jesus Cristo será seu bispo e a vossa caridade. Eu por minha parte me envergonho de ser chamado um deles; pois não o mereço em nada, sendo o último dentre eles e um abortivo. Mas, por misericórdia, sou alguém, se chego até Deus. Saúda-vos o meu espírito e a caridade das Igrejas que me receberam em nome de Jesus Cristo e não como simples transeunte. Até mesmo aquelas Igrejas que não se encontravam em meu roteiro, segundo a carne, vieram de todas as cidades ao meu encontro.10. Escrevo estas coisas a vós de Esmirna, por obséquio dos efésios dignos de serem bem-aventurados. Entre muitos outros, encontra-se comigo também Crocos, nome que me é querido. Quanto aos que me precederam da Síria a Roma para a glória de Deus, espero que com eles tenhais travado conhecimento: comunicai-lhes também que estou perto. Todos eles são dignos

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de Deus e de vós; conviria que os confortásseis em tudo. Esta minha carta data do nono dia das calendas de setembro.

Passar bem, até o fim, à espera de Jesus Cristo.

AOS FILADELFOS

Saudação

Inácio, também chamado Teóforo, à Igreja de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo de Filadélfia da Ásia, que encontrou misericórdia e se fortaleceu na união que vem de Deus, cheia de imperturbável alegria na Paixão de Nosso Senhor e plenamente convencida da Ressurreição d'Ele, em toda misericórdia. Saúdo-a no sangue de Jesus Cristo, pois ela é minha perene e constante alegria, sobretudo se continuarem unidos ao Bispo, aos Presbíteros e Diáconos que estão com ele, instituídos segundo o plano de Jesus Cristo, que por Sua própria vontade os fortaleceu no Seu Espírito Santo.

Elogio ao Bispo

1. Sei que não foi por si mesmo, nem por meios humanos, nem tampouco por ambição, mas na caridade de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo, que o Bispo obteve a incumbência de estar a serviço da comunidade. 99 Admiro comovido sua bondade, que, calada, mais ressonância encontra que as invencionices dos faladores. Harmoniza-se ele com os mandamentos, como a cítara com as cordas. Bem por isso, minha alma lhe engrandece a mente voltada para Deus – pois é virtuosa e perfeita – seu caráter firme e manso, tão do agrado do Deus vivo.

Fugir da Heresia

2. Filhos que sois da luz da verdade, fugi da cisão das más doutrinas. Onde estiver o pastor, segue-o, quais ovelhas.

99. “Da mesma sorte os diáconos sejam honestos, não de língua dobre, não dados a muito vinho, não cobiçosos de torpe ganância. E também estes sejam primeiro provados, depois sirvam, se forem irrepreensíveis. Os diáconos sejam maridos de uma só mulher, e governem bem a seus filhos e suas próprias casas. Porque os que servirem bem como diáconos, adquirirão para si uma boa posição e muita confiança na fé que há em Cristo Jesus” (1 Timóteo; 3,8,10,12,13).

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Pois muitos lobos, aparentemente dignos de fé, apanham, através dos maus prazeres, os atletas de Deus. Se porém permanecerdes unidos, não acharão lugar entre vós.3. Apartai-vos das ervas daninhas que Jesus Cristo não cultiva, por não serem plantação do Pai. Não que tenha encontrado em vosso meio discórdias, pelo contrário encontrei um povo purificado. Na verdade, os que são propriedade de Deus e de Jesus Cristo estão com o Bispo, e todos os que se converterem e voltarem à unidade da Igreja pertencerão também a Deus, par terem uma vida segundo Jesus Cristo. Não vos deixeis iludir, meus irmãos. Se alguém seguir a um cismático, não herdará o reino de Deus; se alguém se guiar por doutrina alheia, não se conforma com a Paixão de Cristo.

Unidade na Eucaristia

4. Sede solícitos em tomar parte numa só Eucaristia, porquanto uma é a carne de Nosso Senhor Jesus Cristo, um o cálice para a união com Seu sangue; um o altar, assim como também um é o Bispo, junto com seu presbitério e diáconos, aliás meus colegas de serviço. E isso, para fazerdes segundo Deus o que fizerdes.

Fugir do Judaísmo

5. Meus irmãos, transbordo todo de amor para convosco e em meu júbilo procuro confortar-vos. Não eu, mas Jesus Cristo. Estando preso em Seu Nome, temo tanto mais achar-me ainda imperfeito. No entanto, vossa prece me aperfeiçoará para Deus, com o intuito de conseguir a herança na qual obtive misericórdia, buscando refúgio no Evangelho, como na carne de Jesus, e nos Apóstolos como no presbitério da Igreja. Amemos igualmente os Profetas, por terem também eles anunciado o Evangelho, terem esperado n’Ele e O terem aguardado. Foram salvos por Lhe terem dado fé, e, unidos a Jesus Cristo, se tornarem santos dignos do nosso amor e admiração, aprovados pelo testemunho de Jesus Cristo, sendo enumerados no Evangelho da comum esperança.

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6. Se, no entanto, alguém vier com interpretações judaizantes, não lhe deis ouvido. É melhor ouvir doutrina cristã dos lábios de um homem circuncidado do que a judaica de um não-circuncidado. Se, porém ambos não falarem de Jesus Cristo, tenha-os em conta de colunas sepulcrais e mesmo de sepulcros, sobre os quais estão escritos apenas nomes de homens. Fugi pois das artimanhas e tramóias do príncipe deste século, para que não venhais a esmorecer no amor, atribulados pela sagacidade dele. Todos vós, porém, uni-vos num só coração indiviso. Agradeço a Deus, porque gozo de consciência tranquila a vosso respeito e porque não há motivo de ninguém gloriar-se, nem oculta nem publicamente, por lhe ter sido eu um peso em coisa pequena ou grande. Faço votos que todos as quem falei assimilem minhas palavras, não, porém em testemunho contra si mesmos.

Investidas contra a Unidade

7. Alguns desejaram de fato enganar-me segundo a carne, mas o Espírito, que é de Deus, não se deixa enganar, pois Ele sabe donde vem e para onde vai e revela os segredos. Clamei, quando estive entre vós, e o disse alto e bom som, na voz de Deus: “Apegai-vos ao Bispo, ao Presbitério e aos Diáconos!” Alguns desconfiaram que eu assim falava, porque sabia da separação de diversos deles. No entanto, é-me testemunha Aquele, por quem estou preso, que por intermédio de homem carnal não vim, a saber, coisa alguma. O Espírito é que mo anunciou: Nada façais sem o Bispo! Guardai vosso corpo como templo de Deus! Amai a união! Fugi das discórdias! Tornai-vos imitadores de Jesus Cristo, como Ele o é do Pai!8. Eu por minha parte cumpri o meu dever, agindo como homem destinado a unir. Deus não mora onde houver desunião e ira. A todos, porém que se converterem perdoa o Senhor, se voltarem à unidade de Deus e ao senado do Bispo. Confio na graça de Jesus Cristo, pois Ele livrará de toda cadeia. Exorto-vos a nada praticar em espírito de dissensão, mas sim em conformidade com os ensinamentos

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de Cristo. É que ouvi alguns dizerem: “Se não o encontro nos documentos antigos, não dou fé ao Evangelho”. Dizendo eu a eles “Está escrito”, responderam-me: “É o que se deve provar! Para mim, documentos antigos são Jesus Cristo; para mim documentos invioláveis constituem a Sua Cruz, Sua Morte, Sua Ressurreição, como também a Fé que nos vem d'Ele! Nisso é que desejo, por vossa oração, ser justificado.

Originalidade do Evangelho

9. Embora fossem honrados também os sacerdotes, coisa melhor, porém é o Sumo sacerdote, responsável pelo santo dos santos, pois só a Ele foram confiados os mistérios de Deus. É Ele a porta para o Pai, pela qual entram Abraão, Isaac e Jacó, os Profetas, os Apóstolos e a Igreja. Tudo isso leva à unidade de Deus. O Evangelho contém, porém algo de mais sublime, a saber, a vinda do Salvador e Senhor nosso Jesus Cristo, a Sua Paixão e Ressurreição. A respeito d'Ele vaticinaram os queridos Profetas. O Evangelho constitui mesmo a consumação da imortalidade. Tudo se reveste de grande importância, se confiardes no Amor. Conclusão e Despedida10. Recebi notícia, que graças à oração e à participação íntima que cultivais em Jesus Cristo, a Igreja de Antioquia na Síria recobrou a paz. Convém, portanto que vós, como Igreja de Deus, escolhais um diácono para presidir uma embaixada de Deus àquela cidade, e congratular-se com eles, por estarem unidos pelos mesmos vínculos, e glorificar o Nome. Felicito em Jesus Cristo aquele que for achado digno deste ministério; também vós tereis a vossa glória. Se o quiserdes, isso não vos será impossível para a glória de Deus, pois que também as Igrejas mais vizinhas mandaram ou Bispos, ou Presbíteros e Diáconos.11. A respeito de Fílon, diácono da Cilícia, posso informar: é homem de prestígio, que ainda agora me serve no ministério da palavra de Deus, juntamente com Reos Agátopos, outro homem de consideração, que me acompanha desde a Síria, com desprezo da própria vida. Também eles dão testemunho

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de vós. Da mesma forma eu agradeço a Deus por vós, porque os recebestes, como o Senhor vos recebeu. Aqueles que lhes faltaram de respeito encontrem o perdão pela graça de Deus. Saúda-vos a caridade dos irmãos de Trôade, donde também vos escrevo por intermédio de Burrus que, a pedido dos efésios e esmirnenses, me acompanha como penhor de honra. O Senhor Jesus Cristo honrá-los-á, pois, n’Ele esperam com corpo, alma, espírito, fé, amor e concórdia. Adeus em Jesus Cristo, esperança comum de nós todos.

AOS ESMIRNENSES

Saudações

Inácio, também chamado Teóforo, à Igreja de Deus Pai e de Jesus Cristo amado, Igreja que encontrou misericórdia em todo dom da graça, repleta de fé e amor, sem que lhe falte dom algum, agradabilíssima a Deus e portadora de santidade, situada em Esmirna, na Ásia. Cordiais saudações em espírito irrepreensível e na palavra de Deus.

A Humanidade de Cristo

1. Glorifico a Jesus Cristo, Deus, que vos fez tão sábios. Cheguei, a saber, efetivamente que estais aparelhados com fé inabalável, como que pregados de corpo e alma na Cruz do Senhor Jesus Cristo, confirmados na caridade no Sangue de Cristo, cheios de fé em Nosso Senhor, que é de fato da linhagem de Davi, segundo a carne, Filho de Deus, porém consoante a vontade e o poder de Deus, de fato nascido de uma Virgem e batizado por João, a fim de que se cumpra n’Ele toda a justiça. Sob Pôncio Pilatos, e o tetrarca Herodes foi também de fato pregado (na Cruz), em carne, por nossa causa – fruto pelo qual temos a vida, pela Sua Paixão bendita em Deus – a fim de que Ele por Sua ressurreição levantasse Seu sinal para os séculos em beneficio de Seus santos fiéis, tanto judeus, como gentios, no único corpo de Sua Igreja.

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2. Tudo isso padeceu por nossa causa, para obtermos salvação. Padeceu de fato, como também de fato ressuscitou a Si próprio, não padecendo apenas aparentemente, como afirmam alguns infiéis. 100 Eles são os que só vivem aparentemente, e, conforme pensam, também lhes sucederá: não terão corpo e se assemelharão aos demônios.3. Eu, porém sei e dou fé que Ele, mesmo depois da ressurreição, permanece em Sua carne. Quando se apresentou também aos companheiros de Pedro, disse-lhes: Tocai em mim, apalpai-me e vede que não sou espírito sem corpo. De pronto n’Ele tocaram e creram, entrando em contato com Seu Corpo e com Seu espírito. Por isso, desprezaram também a morte e a ela se sobrepuseram. Após a ressurreição, comeu e bebeu com eles, como alguém que tem corpo, ainda que estivesse unido espiritualmente ao Pai.

Fugir das Heresias

4. Encareço tais verdades juntas a vós, caríssimos, embora saiba que também vós assim pensais. Quero prevenir-vos contra os animais ferozes em forma humana. Não só não deveis recebê-los, mas, quanto possível, não vos encontreis com eles. Só haveis de rezar por eles, para que, quem sabe, se convertam, coisa por certo difícil. Sobre eles, no entanto, tem poder Jesus Cristo, nossa verdadeira vida. Pois, se nosso Senhor só realizou as obras na aparência, então também eu estou preso só aparentemente. Por que então me entreguei a mim mesmo, à morte, ao fogo, à espada, às feras? Mas estar perto da espada é estar perto de Deus; encontrar-se em meio às feras é encontrar-se junto a Deus, unicamente, porém, quando em nome de Jesus Cristo. Para padecer junto com Ele, tudo suporto confortado por Ele, que se tornou perfeito homem.5. Alguns O negam, por ignorância, ou melhor, foram

100. “Nisto conhecereis o Espírito de Deus: Todo o espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus. E todo o espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus; mas este é o espírito do anticristo, do qual já ouvistes que há de vir, e eis que já está no mundo” (1 João 4:2-3). “Porque já muitos enganadores entraram no mundo, os quais não confessam que Jesus Cristo veio em carne. Este tal é o enganador e o anticristo” (2 João 1:7).

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renegados por Ele, por serem antes advogados da morte do que da verdade. A estes não conseguiram converter as profecias, nem a lei de Moisés, nem mesmo até hoje o Evangelho e as torturas de cada um de nós. Pois sobre nós professam eles a mesma opinião. De que me vale um homem – ainda que me louve – se blasfema contra meu Senhor, não confessando que Ele assumiu carne? Quem não O professa negou-O por completo e carrega consigo seu cadáver. Os nomes deles, uma vez que são infiéis, não me pareceu necessário escrevê-los; preferiria até nem me lembrar deles, enquanto se não converterem à Paixão, que é a nossa Ressurreição.6. Ninguém se iluda: mesmo os poderes celestes e a glória dos anjos, até os arcontes – visíveis e invisíveis hão de sentir o juízo, caso não crerem no sangue de Cristo. Compreenda-o quem for capaz de compreendê-lo. Ninguém se ufane de sua posição, pois o essencial é a fé e o amor, e nada se lhes prefira. Considerai bem como se opõem ao pensamento de Deus os que se prendem a doutrinas heterodoxas a respeito da graça de Jesus Cristo, vinda a nós. Não lhes importa o dever de caridade, nem fazem caso da viúva e do órfão, nem do oprimido, nem do prisioneiro ou do liberto, nem do que padece fome ou sede.7. Abstêm-se eles da Eucaristia e da oração, porque não reconhecem que a Eucaristia é a carne de nosso Salvador Jesus Cristo, carne que padeceu por nossos pecados e que o Pai, em Sua bondade, ressuscitou. Os que recusam o dom de Deus, morrem disputando. Ser-lhes-ia bem mais útil praticarem a caridade, para também ressuscitarem. Convém, pois, manter-se longe de tais pessoas, deixar de falar delas em particular e em público, e passar toda a atenção aos Profetas, especialmente ao Evangelho, pelo qual se nos patenteou a Paixão e se consumou a Ressurreição. Fugi das dissensões, fonte de misérias.

União com o Bispo

8. Sigam todos ao bispo, como Jesus Cristo ao Pai; sigam ao

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presbitério como aos apóstolos. Acatem os diáconos, como à lei de Deus. Ninguém faça sem o bispo coisa alguma que diga respeito à Igreja. Por legítima seja tida tão-somente a Eucaristia, feita sob a presidência do bispo ou por delegado seu. Onde quer que se apresente o bispo, ali também esteja à comunidade, assim como a presença de Cristo Jesus também nos assegura a presença da Igreja Católica. Sem o bispo, não é permitido nem batizar nem celebrar o ágape. Tudo, porém, o que ele aprovar será também agradável a Deus, para que tudo quanto se fizer seja seguro e legítimo.9. No mais, é razoável voltarmos ao bom-senso, e convertermo-nos a Deus, enquanto ainda for tempo. Bom é tomarmos conhecimento de Deus e do bispo. Quem honra o bispo será também honrado por Deus; quem faz algo às ocultas do bispo presta culto ao diabo. Que tudo redunde em graça a vosso favor, pois bem o mereceis. Vós me confortastes de toda maneira e Jesus Cristo a vós. As provas de carinho me seguiram, presente estivesse eu ou ausente. Que Deus seja a paga, por cujo amor tudo suportais, pelo que também haveis de chegar a possuí-lo.

Agradecimentos e Recomendações

10. Fizestes bem em receber, como diáconos de Cristo-Deus, a Fílon e Reos Agátopos – que pela causa de Deus me seguiram. Agradecem eles ao Senhor por vós, porque os confortastes de toda a sorte. Nada disso se perderá para vós. Dou-vos como preço de resgate meu espírito e minhas algemas que vós não desprezastes e de que também não vos envergonhastes. Jesus Cristo também de vós não se envergonhará, Ele que é a fé perfeita.11. Vossa oração aproveitou à Igreja de Antioquia na Síria, de onde vim preso com grilhões, tão do agrado de Deus, e donde a todos saúdo, embora não seja digno de ser de lá, eu, o menor dentre eles. Mas, pela vontade de Deus, fui tido por digno, não pelo julgamento de minha consciência, mas sim pela graça de Deus. Desejo que ela me seja concedida em sua perfeição, a fim de que eu, por meio de vossa oração, encontre a Deus. No entanto, para que vossa obra seja

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perfeita, tanto na terra como no céu, cumpre que a Vossa Igreja, para honra de Deus, escolha um seu legado que vá até a Síria, para se congratular com eles, porque gozam novamente de paz, readquiriram sua grandeza e lhes foi restaurado o corpo. É a meu ver de fato obra digna enviardes um legado de vosso meio, com uma carta, a fim de celebrar com eles a paz que lhes foi concedida, consoante a vontade de Deus, pois já chegaram ao porto, graças a vossa oração. Sendo perfeitos, pensai também no que é perfeito, pois se tencionais agir bem, Deus está igualmente disposto a vo-lo conceder.

Saudações Finais

12. Saúda-vos a caridade dos irmãos de Trôade, donde vos escrevo por intermédio de Burrus, a quem enviastes juntamente com os efésios, vossos irmãos, para me fazer companhia. Animou-me em todo sentido. Todos deveriam imitá-lo como exemplo no serviço de Deus. A graça o recompensará em todo sentido. Saudações ao bispo, digno de Deus, a vosso presbitério tão agradável a Deus, aos diáconos, meus companheiros de serviço a cada um em particular e a todos em geral, em nome de Jesus Cristo, na Sua carne e no Seu sangue, na Paixão e na Ressurreição, em corpo e alma, na unidade de Deus e na vossa. Para vós a graça, a misericórdia, a paz, e a paciência para todo sempre.13. Saudações às famílias de meus irmãos, com suas esposas e filhos e com as virgens, chamadas viúvas. Passar bem na força do Pai. Saudações da parte de Fílon que está comigo. Meus cumprimentos à família de Tavia, a quem desejo se robusteça na fé e na caridade, tanto corporal como espiritual. Saudações a Alceu, nome tão querido, a Dafnos o incomparável e a Eutecno. Enfim, a todos nominalmente. Passar bem na graça de Deus.

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A POLICARPO DE ESMIRNA

Saudações

Inácio, também chamado Teóforo, a Policarpo, bispo da Igreja dos Esmirnenses, ou antes, àquele que tem a Deus-Pai e ao Senhor Jesus Cristo como o bispo os melhores votos de felicidades.

Direção da Igreja

1. Dando acolhida a teus sentimentos em Deus, me rejubilo exaltado, porque eles estão fundados numa rocha inabalável e porque eu fui julgado digno de contemplar teu rosto puro, gozo este que gostaria de perpetuar em Deus. Pela graça de que estás revestido, eu te exorto a acelerar ainda teu passo e a exortar também os outros para que se salvem. Justifica tua posição, empenhando-te todo, física e espiritualmente. Cuida da unidade; nada melhor do que ela. Promove a todos como o Senhor te promove; suporta a todos com amor, como, aliás, o fazes. Dispõe-te para orações ininterruptas; pede ainda maior inteligência do que já tens; sê vigilante, dono de um espírito sempre alertado. Fala a cada qual no estilo de Deus. Vai levando as enfermidades de todos como atleta consumado. Quanto maior o labor, maior o lucro.2. Se te agradares dos bons discípulos não terás méritos; submete antes com doçura os contaminados. Nem toda ferida se cura com o mesmo emplastro. Crises violentas acalmam-se com compressas úmidas. Faze-te prudente como serpente em todos os assuntos, sempre simples como a pomba. Por isso é que és carnal e espiritual para atraíres a teu rosto o que te aparece ante os olhos. As coisas invisíveis pede que te sejam reveladas, para que não te chegue a faltar nada e tenhas toda graça em abundância. O tempo atual exige tua presença, para chegares até Deus, assim como os pilotos anelam pelos ventos e os açoitados da tempestade pelo porto. Sê sóbrio como atleta de Deus. O prêmio é a incorruptibilidade e a vida eterna, do que, aliás, já te convenceste. Em todos os sentidos, somos teu resgate eu e minhas cadeias que te são caras.

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Firmeza contra os Hereges

3. Aqueles que parecem dignos de fé e, no entanto ensinam o erro não te abalem. Mantém-te firme como bigorna sob os golpes. É próprio de um grande atleta receber pancadas e vencer. Não tenhas nenhuma dúvida, temos que suportar tudo pela causa de Deus, para que também Ele nos suporte. Torna-te ainda mais zeloso do que és; aprende a conhecer os tempos. Aguarda o que está acima do oportunismo, o atemporal, o invisível que por nossa causa se fez visível, o impalpável, o impassível que por nós se fez passível, o que de todos os modos por nós sofreu!

Viúvas e escravos 101

4. Viúvas não fiquem desatendidas; depois do Senhor, providencia tu por elas. Nada se faça sem o teu consentimento; nada faças tu sem Deus; o que, aliás, não fazes. Sê firme. As

101. No Brasil, a escravidão teve início com a produção de açúcar na primeira metade do século XVI. Os portugueses traziam os negros africanos de suas colônias na África para utilizar como mão-de-obra escrava nos engenhos de açúcar do Nordeste. Os comerciantes de escravos portugueses vendiam os africanos como se fossem mercadorias aqui no Brasil. Os mais saudáveis chegavam a valer o dobro daqueles mais fracos ou velhos. O transporte era feito da África para o Brasil nos porões dos navios negreiros. Amontoados, em condições desumanas, muitos morriam antes de chegar ao Brasil, sendo que os corpos eram lançados ao mar. O que a Igreja Cristã pensava sobre a Escravidão no Mundo? Para responder a essa pergunta será necessário recorrermos aos textos bíblicos (Sagrados), para não cairmos em pecado. * “Se alguém ferir com bordão o seu escravo ou a sua escrava, e o ferido morrer debaixo da sua mão, será punido; porém, se ele sobreviver por um ou dois dias, não será punido, porque é dinheiro seu. (Êxodo; 21:20-21). * “Servos (escravos), obedecei em tudo ao vosso senhor segundo a carne, não servindo apenas sob vigilância, visando tão-somente agradar homens, mas em singeleza de coração, temendo ao Senhor”. (Colossenses; 3:22). * “Servos (escravos), sede submissos, com todo o temor ao vosso senhor, não somente se for bom e cordato, mas também ao perverso; porque isto é grato, que alguém suporte tristezas, sofrendo injustamente, por motivo de sua consciência para com Deus”. (I Peter; 2:18-19). * “Quanto a vós outros, servos (escravos), obedeçam a vosso senhor” (Efésios; 6:5). * “Quanto aos servos (escravos), que sejam, em tudo, obedientes ao seu senhor, dando-lhe motivo de satisfação; não sejam respondões, não furtem; pelo contrário, dêem prova de toda a fidelidade, a fim de ornarem, em todas as coisas, a doutrina de Deus, nosso Salvador”. (Tito; 2:9-10). * “Todos os servos (escravos) que estão debaixo de jugo (escravidão) considerem dignos de toda honra o próprio senhor, para que o nome de Deus e a doutrina não sejam blasfemados. Também os que têm senhor fiel não o tratem com desrespeito, porque é irmão; pelo contrário, trabalhem ainda mais, pois ele, que partilha do seu bom serviço, é crente e amado. Ensina e recomenda estas coisas”. (1 Timóteo; 6:1-2). As Igrejas Cristãs, Católicas e Protestantes, baseando-se nas escrituras sagradas aprovavam no seu todo ou em partes a favor da escravidão.

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reuniões sejam frequentes; procura a todos, um por um. Não trates com sobranceria a escravos e escravas; também eles não se encham de orgulho, mas sirvam com mais dedicação para a glória de Deus, a fim de alcançarem da parte de Deus uma liberdade melhor. Que não se inflamem sabendo que poderiam libertar-se à custa da comunidade, a fim de não acabarem por escravizar-se à cobiça.

Castidade e matrimônio

5. Foge às más artes, prega antes contra elas. Fala às minhas irmãs, que amem o Senhor e se contentem com os maridos na carne e no espírito. Da mesma forma, recomenda aos meus irmãos em nome de Jesus Cristo que amem suas esposas como o Senhor ama a Igreja. Se alguém é capaz de perseverar na castidade em honra da carne do Senhor, persevere sem orgulho. Caso se orgulhar, está perdido; se ainda for tido como mais do que o Bispo, está corrompido. Convém aos homens e às senhoras que casam contraírem a união como consentimento do bispo, a fim de que o casamento se realize segundo o Senhor e não conforme a paixão. Tudo se faça para honra de Deus.

Submissão ao Bispo

6. Atendei ao bispo para que Deus vos atenda. Ofereço-me como resgate daqueles que se sujeitam ao bispo, aos presbíteros e diáconos. Com eles me seja concedido ter parte em Deus. Labutai uns ao lado dos outros, lutai juntos, correi, sofrei, dormi, acordai unidos, como administradores de Deus, como Seus assessores e servos. Procurai agradar Aquele sob cujo estandarte combateis, de quem igualmente recebeis o soldo. Que não se encontre desertor entre vós. Vosso batismo há de permanecer como escudo, a fé como capacete, o amor como lança, a paciência como armadura. 102

102. “Para o cristão, o batismo é um sacramento, pois foi instituído pelo Cristo. Mas nem por isso deixa de equivaler ao ritual iniciático da prova (luta contra o monstro), da morte e da ressurreição simbólicas (o nascimento do homem novo). Não queremos dizer com isso que o judaísmo e o

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Vossos fundos de reserva são vossas obras, para receberdes um dia os vencimentos devidos. Sede, pois magnânimos uns com os outros na doçura, como Deus o é convosco. Oxalá possa alegrar-me convosco sempre.

O cristão a serviço de Deus

7. Uma vez que a Igreja em Antioquia da Síria goza de paz, como me foi participado, graças a vossas orações, também eu me encorajei mais, pela confiança em Deus; contanto que me encontre com Ele pelo sofrimento e assim no dia da ressurreição possa ser contado como vosso discípulo. Convém, ó Policarpo feliz em Deus, convocar uma reunião agradável a Deus e escolher alguém, tido como especialmente querido e incansável, para poder chamar-se estafeta de Deus; encarregar pois a um tal de viajar para a Síria e aí celebrar vossa caridade infatigável para a glória de Deus. Um cristão não tem poder sobre si mesmo, mas está à disposição de Deus. Esta obra é de Deus e vossa, caso a leveis ao fim. Confio na graça, que estejais prontos para uma obra boa que convém a Deus. Conhecendo vosso zelo pela verdade, acabei por exortar-vos com essas poucas linhas.8. Uma vez que não pude escrever a todas as Igrejas, por ter que partir apressadamente de Trôade para Nápoles, como manda a vontade de Deus, escreverás às Igrejas mais do Oriente, pois que possuis o espírito de Deus, a fim de que elas também façam o mesmo: umas – as que podem – enviando mensageiros, as outras por sua vez cartas através de enviados teus. Assim sereis enaltecidos por uma obra imperecível, como bem o mereces.

cristianismo “tomaram de empréstimo” tais mitos e símbolos às religiões dos povos vizinhos; não era necessário; pois o judaísmo era herdeiro de uma pré-história e de uma longa história religiosas onde todos esses elementos já existiam. Nem sequer foi preciso que o judaísmo mantivesse ‘desperto’ esse ou aquele símbolo, na sua integridade. Bastou que um grupo de imagens sobrevivesse, ainda que obscuramente, desde os tempos pré-mosaicos. Tais imagens e símbolos eram capazes de recobrar, a qualquer momento, uma poderosa atualidade religiosa” (Eliade, M. Sagrado e o Profano, p. 63).

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Saudações Finais

9. Saudações a todos nominalmente, também à viúva de Epitropos com toda a família e filhos. Saudações a Átalo meu amigo; saudações àquele que for julgado digno de viajar à Síria. A graça há de estar sempre com ele e com Policarpo que o envia. Faço votos que passeis bem para sempre em nosso Deus Jesus Cristo, no qual haveis de permanecer na união com Deus e o bispo. Saudações a Alceu, que me é tão caro.

Passar bem no Senhor.

11. Introdução ao Pastor de Hermas103

O Pastor de Hermas104 Ainda que conste entre os Padres Apostólicos, na realidade o Pastor de Hermas pertence ao grupo de apocalipses

apócrifos, é um livro que trata das revelações feitas a Hermas em Roma por duas figuras celestiais. A primeira era uma mulher de idade, e a segunda, um anjo em forma de Pastor. Daí o título do livro. Somente uma passagem da obra nos oferece a possibilidade de determinar a data composição. Efetivamente, na segunda visão (4:3) Hermas recebe da Igreja a ordem de fazer copia da revelação, uma das quais tem que entregar a Clemente, que se encarregará de mandá-las as cidades distantes. Este Clemente de quem se fala aqui é, sem dúvida, o pai Clemente de Roma, que escreveu sua Epístola aos Coríntios no ano de 96. Porém, isto parece estar em contradição com o Fragmento Muratoriano, que diz que nosso autor: “Muito recentemente, no nosso tempo, na cidade de Roma, Hermas escreveu o Pastor estando como bispo seu irmão Pio”. 105 O testemunho do Fragmento Muratoriano, do fim do século II, dá à impressão de ser fidedigno. Mas o reinado de Pio I corre entre o ano 140 aos 150. Por esta razão se considerou como uma ficção a referencia de Hermas ao papa Clemente na segunda Visão.106 Não existe, contudo, razão alguma de julgá-la assim. Pode-se aceitar as datas tendo-se em conta a maneira como foi compilado o livro. As partes mais antigas provavelmente som 103. Quasten, J. Patrologia. Tomo I – Hasta el Concilio de Nicea, p. 45-50. Tradução e notas de Leonardo Arantes Marques. Revisão de Emília dos Santos Coutinho.104. Fonte: Coleção Patrística Vol. I. Padres Apostólicos. Ed. Paulus. Tradução: Ivo Storniolo, Euclides M. Balancin. Com vistas no livro em Espanhol: B.A.C. Padres Apostolicos Y Apologistas Griegos (SEC. II). Biblioteca de Autotres Cristianos. Edicion Única – Madrid-Espana.105. Pio I é considerado o décimo papa da Igreja entre 140 e 154. Nasceu em Aquiléia, norte da Itália, filho, provavelmente, de Judas Desposyni, 15º Bispo de Jerusalém (132-135), descendente de certo Tiago. Segundo conta a histórica eclesiástica foi eleito papa após três dias de jejum e oração dedicados pelos fiéis romanos na escolha do novo Pontífice, em sucessão a Higino, morto no ano anterior. (Léo Marques).106. Clemente I, também conhecido como Clemente Romano, foi o quarto papa da Igreja entre 88 e 97. Nascido em Roma, de família hebraica, foi o sucessor de Anacleto I (ou Cleto) e autor da Epístola de Clemente aos Romanos, o primeiro documento de literatura cristã, endereçada à Igreja de Corinto. Ele foi o primeiro Papa Apostólico da Igreja. (Léo Marques).

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do tempo de Clemente, enquanto que a redação definitiva dataria da época de Pio I. O exame crítico da obra leva a mesma conclusão: percebe-se que existem partes que pertencem a épocas distintas. Por outro lado, não se pode aceitar a opinião de Orígenes, que identifica no autor do Pastor com seu homônimo da Epistola de São Paulo aos Romanos. O autor fala de si mesmo, e sendo muito jovem, foi vendido como escravo e enviado a Roma, onde foi comprado por uma mulher chamada Rosa.107 O uso frequente da língua hebraica indica que o autor era de origem judaica ou pelo menos que havia recebido uma formação desta. Com franca sinceridade conta toda classe de intimidades próprias e de sua família. Fala de seus negócios, da perda de seus bens que havia acumulado como liberto e cultivo de seus terrenos, situados ao longo da faixa que vai de Roma a Cumas. Isto talvez explique porque escapem de sua pena, tantas imagens da vida rural. Hermas nos diz que seus filhos apostataram durante a perseguição e que traíram a seus pais e levaram uma vida desordenada. Nada de bom pode ser dito de sua esposa, que fala demais e não pode conter sua língua. Todas estas informações nos levam a concluir que este é um homem sério, de consciência piedosa e reta, que permaneceu forte durante os tempos de perseguição. Sua obra se apresenta como um sermão sobre a penitência, de caráter apocalíptico e, em seu conjunto interessante tanto na forma como na substancia. Externamente, o trabalho é dividido em três seções, que contêm cinco visões, doze mandamentos ou preceitos e dez comparações. No entanto, apesar desta distribuição feita pelo autor, internamente o trabalho não leva a tríplice divisão ou a vários ramos, pois mesmo os preceitos e parábolas são apocalípticos. É claro que só tem duas partes principais e uma conclusão.

Conteúdo

I. Na primeira parte, visões 1-4, Hermas recebe suas revelações da Igreja (Anciã), que lhe aparece primeiro em forma de uma venerável matrona, que vai se despojando gradualmente dos sinais de velhice para surgir, na quarta visão, como uma noiva, símbolo dos eleitos de Deus. Primeira Visão. Como preâmbulo a essa visão. Hermas menciona um pecado de pensamento que turva (obscurece) sua consciência. Aparece-

107. ‘Meu senhor me havia levado a Roma para me vender a uma certa Rosa’ (1:1).

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lhe a Igreja na forma de uma anciã 108 e incentiva-o a fazer penitência por seus pecados e os de sua família. Segunda Visão. Nesta visão a anciã lhe da um livro para que o copie e o divulgue; o conteúdo do mesmo exorta insistentemente a penitência e profecia claramente que a perseguição é iminente. Terceira Visão. A anciã utiliza-se aqui do símbolo de uma torre em construção para explicar a Hermas o destino da cristandade, que crescerá rapidamente e se tornará na Igreja ideal. Assim como, toda pedra que não se adapta à construção da torre será afastada, assim também o pecador que não faz penitência será excluído da Igreja. Necessário se faz uma penitência rápida, os tempos são chegados. Quarta Visão. Esta visão mostra o vidente sob a forma de um dragão monstruoso, perseguição e calamidades monstruosas iminentes. Mas, por mais terrível que seja o mostro, este não causará dano ao vidente e nem aos que estão armados com a fé inquebrantável. Atrás da besta vê-se a Igreja vestida como uma noiva linda, símbolo da bem-aventurança destinada aos fieis, e garantindo a recepção no futuro eterno da Igreja. Quinta Visão. Essa visão serve de transição entre a primeira parte e a segunda. Nela o anjo da penitência aparece em forma de Pastor, que patrocinará e dirigirá a missão penitencial que reanimará a cristandade, proclamando seus mandamentos e suas comparações. II. A segunda parte compreende principalmente os doze mandamentos e as nove primeiras parábolas ou comparações. 1) Os dozes mandamentos são um resumo da moral cristã: estabelece os requisitos que devem estar em conformidade com a nova vida dos penitentes, e trata em particular: (1) de fé, o temor de Deus e sobriedade (2), na simplicidade de coração e inocência, (3) da verdade (4), da pureza e da conduta adequada no casamento e na viuvez, (5) da paciência e autocontrole (6), a quem devemos acreditar e quem devemos desacreditar, ou seja, o Anjo da Justiça e do Anjo da iniquidade, (7) a quem temos que temer e a quem não devemos temer: Deus e o diabo (8) do que evitar e o que fazer: o bom e o mau (9) das dúvidas, (10) da tristeza e pessimismo (11), dos falsos profetas (12) a obrigação de retirar do próprio coração todo mal e preenchê-lo de bondade e alegria. Toda a seção termina, como cada um dos preceitos, com uma exortação e uma 108. Para um melhor entendimento da tradução e expressão: ‘mujer anciana’ (mulher idosa) e ‘anciana matrona’ (Mulher de idade madura), utilizaremos a expressão: ‘anciã’: ‘mulher que tem idade avançada e merece respeito e consideração’.

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promessa. Aos que falta coragem e duvidam de suas forças para cumprir os mandamentos, possam estar certos que todo aquele que se esforçar por cumpri-los confiando em Deus, será fácil perseverar na realização do mesmo e aqueles que aderem aos mandamentos obterá o a vida eterna. 2) As dez semelhanças. As cinco primeiras parábolas contêm preceitos morais. A primeira chama aos cristãos que moram em terras estrangeiras. “Vós, servos de Deus, sabeis que habitais em terra estrangeira. De fato, vossa cidade acha-se longe desta cidade. Portanto, se conheceis vossa cidade, aquela que deveis habitar, por que correis assim atrás de campos, instalações luxuosas, palácios e mansões inúteis? Atenção, vós que servis ao Senhor e o tendes no coração. Praticai as obras de Deus, lembrando-vos de seus mandamentos e das promessas que ele vos fez. Crede que ele as manterá, se seus mandamentos forem observados. Em lugar de campos, resgatai os oprimidos, conforme cada um puder; visitai as viúvas e os órfãos, e não os desprezeis. Gastai vossas riquezas e todos os vossos bens, que recebestes de Deus, nesses campos e casas. De fato, o Senhor vos enriqueceu, para que presteis a ele tais serviços. Esse investimento é nobre e alegre, não produz tristeza, nem medo, mas alegria” (50:1-9). A segunda comparação exige que os ricos, sob a alegoria do olmeiro e uma videira, vivendo em mútua dependência, têm a obrigação de ajudar os necessitados. Em troca da ajuda recebida, o pobre deve rezar por seus irmãos acomodados. A terceira parábola resolve uma questão que tanto inquieta ao cristianismo, como saber distinguir nesse mundo os pecadores dos justos; compara a uns e a outros como arvores do bosque no inverno: quando se há despojado de suas folhas e a neve cobre seus ramos, não se pode tampouco distingui-las. A quarta comparação acrescenta, a modo de parêntesis, que o mundo é como uma floresta no verão, onde se distinguem claramente tanto as árvores mortas como as saudáveis. A quinta parábola se refere a aos costumes de jejuns públicos observados por toda a comunidade – as estações, como eram chamados então – e crítica, não tanto a própria instituição ou o jejum em geral, mas a vã esperança que alguns punham nessa prática. O jejum exige, antes de tudo e sobre tudo, reforma moral, estrita observância da lei de Deus e a prática da caridade. Em dias de jejum, o Pastor permite somente pão e água. Assim, os gastos regulados e economizados em cada dia de jejum devem ser distribuídos aos pobres. As quatro últimas comparações tratam da apresentação da penitência. Assim, a sexta apresenta o anjo da gula e da fraude e o anjo do castigo em forma de dois pastores, e examina a duração

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do castigo que há de seguir. Na sétima comparação, Hermas roga ao anjo do castigo, que o atormenta, que o liberte, em vez disso, o anjo exorta-o a ter paciência e diz-lhe, para o seu conforto, que ele está sofrendo pelos pecados de sua família. A oitava similaridade compra a Igreja com um grande salgueiro Mimbrero 109, cujos ramos são muito resistentes porque mesmo quando arrancadas da árvore-mãe, e apresentam-se secas, voltam a germinar se forem plantadas no solo e mantidas úmidas. Além disso, aqueles que foram privados da união vital com a igreja pelo pecado mortal, podem ressuscitar de novo à vida através da penitência e da utilização de instrumentos da graça que a Igreja oferece. A nona comparação foi, provavelmente, introduzida mais tarde, até certo ponto é uma correção. Volta a apresentar as semelhanças da torre, e as diferentes pedras usadas em sua construção apresentam os tipos distintos de pecadores. O inteiramente novo está em que a construção da torre está atrasada por um tempo, a fim de dar oportunidade a que muitos pecadores se convertam e possam ser recebidos na torre. Porém, se não se arrependerem rapidamente, serão excluídos. Em outras palavras, o tempo de penitência, limitada no início, agora se estende mais do que tinha sido inicialmente anunciado. É bem possível que o próprio Hermas tenha feito essas alterações, quando percebeu que a parusia esperada não havia chegado. A décima comparação apresenta a conclusão de toda a obra. Hermas é advertido novamente pelo anjo a fazer penitência para purificar a sua família de todo o mal, e a ele é dado a missão de exortar a todos a fazer penitência. Dificilmente encontraremos outro livro nos primórdios do Cristianismo que trata e descreve tão vividamente a vida da comunidade cristã, como o Pastor de Hermas. Aqui encontramos os cristãos de todos os tipos, bons e maus. Lemos sobre bispos, presbíteros e diáconos que exerceram o seu ministério com dignidade diante de Deus; mas nós também aprendemos que existiam presbíteros dados a julgar, orgulhoso, negligente e ambicioso, e diáconos que manteve o dinheiro vai-se viúvas e órfãos. E diáconos que se apropriaram de dinheiro destinado a subsistência de viúvas e órfãos. Encontramos mártires cujo coração permaneceu firme em todo momento, mas também vemos os apóstatas, traidores e delatores; não faltam cristãos que apostasiaram unicamente por interesses mundanos e outros que não têm vergonha de publicamente blasfemarem contra Deus 109. Árvore frondosa de casca áspera de bom porte, capaz de desenvolver uma altura de cerca de 20 metros, é caracterizada por vegetação prateado-branco, folhas simples, isoladas e alternadas, alongadas, estreitas e finamente dentadas o tronco é fino e estreito, casca branca, as flores são amarelas ou esverdeadas. As sementes são pequenas e protegidas com pelos finos.

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e os seus companheiros cristãos. Hermas nos fala dos convertidos que vivem sem nenhuma mancha de pecado, assim também de pecadores de todas as classes; de ricos que desdenham de seus irmãos mais pobres, e de cristãos caridosos e bons. Há também os hereges e gente que duvida e se esforça por encontrar o caminho da justiça; e ao lado de bons cristãos com pequenas faltas vemos simuladores e hipócritas. Por isso, o livro de Hermas vem a ser como um grande exame de consciência para Igreja de Roma. O comportamento covarde de grande número de cristãos foi sem duvida devido ao período de relativa paz, durante ao quais os cristãos se haviam acostumado a uma vida materialista, amontoados riquezas e inclusive adquirido certo prestígio entre os seus vizinhos pagãos. Assim, os horrores de uma perseguição terrível encontram-nos totalmente despreparados. Estes sucessos assinalam o reinado de Trajano e, por conseguinte, estão indicando claramente a primeira metade do século II, que é a data apontada acima. Apesar da perseguição ocorrida, aos olhos de Hermas, não são os pecadores, mas os cristãos de vida exemplar que formam a maioria. O autor não tenta comover apenas os maus, com suas exortações ao arrependimento, mas também incentivar as almas tímidas. Assim, em todo o discurso é possível ver um certo otimismo na concepção da vida.

O aspecto Dogmático do Pastor

1) Penitência

A doutrina penitencial de Hermas tem dado lugar a disputas amargas. Estes gravitaram em torno do quarto mandamento (3:1-7), que apresenta Hermas em um colóquio com o anjo do Senhor, ele (Hermas) diz, tenho ouvido de alguns doutores que não há outra penitência fora daquela em que descemos a água e recebemos a remissão de nossos pecados passados. Você já ouviu falar, Eu (Hermas) respondi: sim. Na verdade, aquele que recebeu uma vez o perdão de seus pecados, não deveria voltar a pecar novamente, e sim se manter em pureza. Mas, posto que tudo queira saber prontamente, quero declarar também isso, sem que isso intente dar pretexto de pecar aos que acreditam ou simplesmente, venha ter acreditado no Senhor. Porque aqueles que têm pouco ou o que acreditava ter chegado a acreditar que eles não têm nenhum lugar para fazer penitência por seus pecados, mas que lhe concede a única remissão,

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pelo batismo de seus pecados passados. No entanto, para aqueles que foram chamados antes destes dias, o Senhor estabeleceu uma penitência. Porque, como o Senhor conhece vossos corações e prevê todas as outras coisas, conhece a fraqueza dos homens e que a múltipla astúcia do diabo haveria de causar algum dano aos servos de Deus, e que sua maldade ensinar-lhes-ia algo. Sendo, pois, o Senhor misericordioso teve piedade de sua própria autoria, e estabeleceu esta penitência, e me foi dada a autoridade sobre o arrependimento.

“Todavia, eu te digo: se, depois desse chamado importante e solene, alguém, seduzido pelo diabo, cometer pecado, ele dispõe de uma só penitência; contudo, se peca repetidamente, ainda que se arrependa, a penitência será inútil para tal homem, pois dificilmente viverá. Então eu lhe disse: “Senhor, sinto-me reviver depois de ouvir essas coisas tão pormenorizadamente, pois sei que serei salvo, se eu não continuar a pecar”. Ele me disse: “Serás salvo, tu e todos os que fizerem essas coisas” (31:6-7).

Segundo esta passagem, a doutrina penitencial de Hermas pode reduzir-se aos seguintes pontos:

a) Há uma penitência saudável depois do batismo. Esta não é uma nova doutrina proclamada primeiramente por Hermas, como já foi dito muitas vezes erroneamente, senão uma antiga instituição da Igreja. Precisamente a razão que impulsionou Hermas a escrever sua obra foi que havia alguns mestres que insistiam que não havia outra penitência além do batismo e que todo aquele que cometesse um pecado mortal deixava de ser membro da igreja. Hermas também se recusou a dar a impressão de que ele foi o primeiro a anunciar o perdão do pecador cristão, ou que este é apenas um prêmio excepcional. O que o autor pretende na realidade é fazer os cristãos compreenderem que sua mensagem oferece não à primeira, mas sim a última chance para o perdão dos pecados cometidos. Isto é o que constitui o novo elemento da sua mensagem.

b) A penitência tem um caráter universal: nenhum pecador será excluído, nem o imundo e nem o apóstata. Será excluído apenas o pecador que não se arrepender.

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c) A penitência deve ser imediata e deve resultar na mudança; não devem abusar da oportunidade que ela oferece para caírem novamente em pecado. Mostra a necessidade de corrigir-se baseando-se em uma razão de caráter psicológico: a dificuldade que tem o reincidente de conseguir a vida eterna. Sua explicação está ligada mais a um discurso pastoral que teológico. Existe uma necessidade urgente de penitência por razões escatologicas. Devemos nos arrepender antes da construção da torre, porque a Igreja é um fato consumado, porque eles pararam de trabalhar para dar tempo para o pecador fazer penitência.

d) O fim intrínseco da κεηάλνηα, uma reforma total do pecador, unida ao desejo de purificar-se com castigos voluntários, com jejum e oração, suplicando o perdão dos pecados.

e) A justificação que se obtém pela penitência não é apenas uma purificação, e sim uma santificação positiva, igual à produzida pelo batismo por infusão do Espírito Santo: “Portanto, não cesses de corrigir teus filhos. Eu sei que, se eles fizerem penitência do fundo do coração, serão inscritos nos livros da vida com os santos” (3:2).

f) A doutrina penitencial de Hermas é dominada pela ideia de que a Igreja é uma instituição necessária para a salvação. Assim, Hermas fala de orações oferecidas pelos anciãos da Igreja em favor dos pecadores. Não se menciona a reconciliação como tal, porém, tem que admiti-la como coisa certa, por razões obvias.

2) Cristologia

A cristologia de Hermas tem suscitada várias dificuldades sérias. Nunca utiliza a palavra Logos ou mesmo o nome de Jesus Cristo. Chama-o invariavelmente de Salvador, Filho de Deus ou Senhor. Além disso, na comparação 78:1 se lê que o anjo da penitência diz a Hermas: “Quero te mostrar tudo o que te mostrou o Espírito Santo (ην πλεύκα ην αγηνλ), que te falou na figura da Igreja. Esse Espírito é o Filho de Deus”. Aqui se identifica o Espírito Santo com o Filho de Deus. Temos, portanto, apenas duas personagens divinas, Deus e o Espírito Santo, cujas relações se apresentam como as do Pai e o Filho. A comparação 59:5-7 é ainda mais significativa.

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“Deus fez habitar na carne que ele havia escolhido o Espírito Santo preexistente, que criou todas as coisas. Essa carne, em que o Espírito Santo habitou, serviu muito bem ao Espírito, andando no caminho da santidade e pureza, sem macular em nada o Espírito. Ela se portou digna e santamente, participou dos trabalhos do Espírito e colaborou com ele em todas as coisas. Comportou-se com firmeza e coragem e, por isso, Deus a escolheu como companheira do Espírito Santo. Com efeito, a conduta dessa carne agradou a Deus, pois ela não se maculou na terra, enquanto possuía o Espírito Santo. Ele tomou então o Filho e os anjos gloriosos por conselheiros, para que essa carne, que tinha servido ao Espírito irrepreensivelmente, obtivesse um lugar de repouso e não parecesse ter perdido a recompensa pelo seu serviço. Toda carne em que o Espírito Santo habitou e que for encontrada pura e sem mancha, receberá sua recompensa”.

Segundo essa passagem, parece que para Hermas a Trindade consiste em Deus Pai, em uma segunda pessoa divina, o Espírito Santo, que ele identifica com o Filho de Deus, e, finalmente, no Salvador, levado a tomar parte de sua sociedade como prêmio de seus merecimentos. Em outras palavras, Hermas considera o Salvador como o Filho adotivo de Deus, quando se refere a sua natureza humana.

3) A Igreja

Na opinião de Hermas, a Igreja é a primeira de todas as criaturas; por isso, que aparece como uma anciã. Todo mundo foi criado por causa dela:

“Irmãos, quando eu dormia, tive uma revelação. Foi-me feita por um jovem encantador, que me disse: Quem achas que é a mulher idosa de quem recebeste o livrinho? Eu respondi: A Sibila. Ele disse: Estás enganado. Não é ela. Eu lhe perguntei: Quem é então? Ele me respondeu: É a Igreja. Eu lhe perguntei: Então, por que era tão idosa? Ele respondeu: Porque foi criada antes de todas as coisas. Por isso, ela é idosa. Foi por meio dela que o mundo foi ordenado” (8:1).

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Todavia, a figura mais significativa em que a Igreja aparece a Hermas é a Torre Mística (68:1-8 e 76:1-4). Este símbolo representa a Igreja dos escolhidos e predestinados, a Igreja triunfante, não a Igreja militante, em que os santos e pecadores vivem mesclados. Esta igreja é edificada sobre a rocha, o Filho de Deus (80:1).

4) Batismo

Ninguém entra na Igreja senão por meio do Batismo:

“Ouve porque a torre foi construída sobre as águas: é porque vossa vida foi salva pela água e ainda o será. A torre foi construída pela palavra do Nome todo-poderoso e glorioso, e é sustentada pela força invisível do Senhor” (11:5).

A comparação 93:1-7 chama ao batismo de selo e enumera seus efeitos:

“Eu continuei: ‘Senhor, por que as pedras tiveram que subir do fundo, para ser colocadas na construção da torre, embora tivessem esses espíritos?” Ele respondeu: “Era preciso que saíssem da água, para receber a vida. Elas não podiam entrar no Reino de Deus, senão deixando a mortalidade da vida anterior. Tais mortos receberam o selo do Filho de Deus e entraram no Reino de Deus. De fato, antes de levar o nome do Filho de Deus (ηελ ζθξαγίδα ηνπ Τηνπ ηνπ ζενπ) o homem está morto. Quando recebe o selo, deixa a morte e retoma a vida. O selo é a água: eles descem à água e daí saem vivos. Também a eles foi anunciado esse selo, e eles o usaram para entrar no Reino de Deus’. Eu perguntei: “Senhor, por que as quarenta pedras também sobem com eles do abismo, visto que estas já haviam recebido o selo? “Ele respondeu”. “Porque esses apóstolos e doutores que anunciaram o nome do Filho de Deus, adormecidos no poder e na fé do Filho de Deus, o anunciaram também àqueles que tinham morrido antes deles, e lhes deram o selo do anúncio. Desceram com eles à água e novamente subiram. Contudo, desceram vivos e subiram vivos, enquanto os que estavam mortos antes deles desceram

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mortos e subiram vivos. E graças a eles que estes últimos receberam o nome do Filho de Deus. Por isso, subiram com eles, foram ajustados à construção da torre, e colocados sem ser lavrados, porque morreram na justiça e na pureza. Apenas não tinham o selo. Agora tens a explicação dessas coisas”. Eu respondi: ‘Sim, senhor’.

Hermas estava tão convencido de que o batismo é absolutamente necessário para a salvação, que continua a dizer que os apóstolos e os mestres desceram ao limbo após a morte (descensus ad inferos) para batizar os justos que morreram antes de Cristo.

A Doutrina Moral do ‘Pastor’

A doutrina moral, em Hermas, é mais importante que os ensinos dogmáticos.

1. Encontramos já aqui a distinção entre mandamento e conselho, entre obras obrigatórias e de supererrogação, as obras superabundantes, as obras superabundantes:“Se fizeres algo de bom, além do mandamento de Deus, conseguirás glória maior e serás glorificado junto a Deus, mais do que deverias ser” (56:3).

Como obras de supererrogação, Hermas menciona o celibato, o jejum, e o martírio.

2. É também digno de nota a clara observação que faz a respeito dos espíritos que influenciam o coração do homem:

“Há dois anjos com o homem: um é da justiça, e outro é do mal. Eu perguntei: Senhor, como distinguirei as ações deles, se os dois anjos habitam comigo? Ele me respondeu: Ouve e compreende. O anjo da justiça é delicado, modesto, doce e suave. Quando entra em teu coração, imediatamente fala contigo sobre a justiça, a castidade, a santidade, a temperança, sobe todo ato e toda virtude nobre. Quando tudo isso entra em teu coração, saibas que o anjo da justiça está contigo, pois essas obras são próprias do anjo da justiça” (36:1-3).

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Pastor de Hermas PRIMEIRAS VISÕES

CAPÍTULO 1

Pecado do Pensamento1 Meu senhor me havia levado a Roma para me vender a uma certa Rosa. Vários anos depois, a revi e comecei a amá-la como irmã. 2 Algum tempo depois, eu a vi tomando banho no Tibre, lhe estendi a mão e ajudei a sair do rio. Olhando sua beleza, pensava comigo mesmo: Eu seria muito feliz se tivesse mulher com essa beleza e caráter. Era a única coisa que eu pensava, sem ir, além disso. 3 Passado algum tempo, dirigindo-me para Cumas, refletia como são grandes, marcantes e poderosas as obras de Deus. Durante a viagem dormi. Então o espírito me arrebatou e me conduziu através de um caminho impraticável, por onde ninguém podia andar. O lugar era escarpado, todo cortado por águas. Atravessei o rio que aí havia e, chegando à planície, me ajoelhei e comecei a rezar a Deus, confessando-lhe meus pecados. 4 Durante minha oração, o céu se abriu e vi aquela mulher que havia desejado. Do céu, ela me saudou: Bom dia, Hermas. 5 Olhei para ela e falei: Senhora, que fazes aí? Ela me respondeu: Fui transportada para denunciar ao Senhor os teus pecados. 6 Eu disse: Então, agora és a minha acusadora? Ela respondeu: Não! Ouve as palavras que te vou dizer: Deus, que habita nos céus, que do nada criou os seres, que os multiplicou e os fez crescer em vista da sua santa Igreja, está irritado

contigo, porque cometeste falta contra mim.7 Então eu lhe respondi nestes termos: Cometi falta contra ti? Em que lugar e quando, alguma vez te dirigi palavra desonrosa? Por acaso, não te considerei sempre como deusa? Por acaso, não te tratei sempre como irmã? Mulher, por que me acusas falsamente de maldade e impureza? 8 Sorrindo, ela me disse: O desejo da maldade entrou no teu coração. Não te parece que, para um homem justo, é prejudicial ter no coração o desejo da maldade? É falta, e grande, porque o homem justo tem pensamentos justos. E mediante esses pensamentos justos que ele aumenta sua glória nos céus e faz que o Senhor lhe seja indulgente para com todos os seus atos. Aqueles, porém, que são maus no coração, só atraem para si morte, e prisão, sobretudo aqueles que passam esta vida se vangloriando de suas riquezas e não se interessam pelos bens futuros.9 As almas deles se arrependerão, daqueles que, não tendo esperança, se desesperaram de si mesmos e da própria vida. Quanto a ti, reza a Deus. Ele curará teus pecados e os pecados de toda a tua família e de todos os santos. 110

CAPÍTULO 2

Tristeza de Hermas1 Quando ela terminou de dizer essas palavras, os céus se fecharam e eu fiquei tremendo e triste. Dizia a mim mesmo: Se o pecado está escrito contra mim, como poderei alcançar a salvação? 110. Para o Muratori, o escrito de Hermas deve ser rechaçado, porque não ‘pertence aos apóstolos’.

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Como aplacarei a Deus pelos meus pecados realmente cometidos? Com que palavras pedirei ao Senhor que me seja favorável?2 Essas eram minhas reflexões e hesitações, quando vi diante de mim uma poltrona forrada de lã branca como a neve, e grande. Então surgiu uma senhora idosa, com vestes resplandecentes, e um livro nas mãos. Ela sentou-se e me saudou: Bom dia, Hermas. Triste, respondi chorando; Bom dia, senhora. 3 Ela então me disse: Por que essa de tristeza, Hermas? Tu, que és paciente, calmo e sempre sorridente, por que estás abatido dessa maneira e sem alegria? Eu respondi: É porque uma excelente mulher diz que cometi contra ela uma falta. 4 Então ela continuou: Para um servo de Deus não se trata do ato em si mesmo. Mas certamente o desejo a respeito dela entrou no teu coração. Para os servos de Deus, intenção desse tipo conduz ao pecado. Para o espírito muito santo e já provado, intenção má, desejar má ação é de se espantar, sobretudo tratando-se do casto Hermas, que se abstém de todo mau desejo, que é pleno de perfeita simplicidade e grande inocência.

CAPÍTULO 3

Lamento da Igreja1 Entretanto, não é por isso que Deus está irritado contigo, mas porque teus filhos agem mal diante do Senhor e de vós, seus pais, que os mantendes. De fato, amas teus filhos e não os corriges. Ao contrário, deixas que eles se corrompam terrivelmente. É por

isso que o Senhor está irritado contigo. Mas ele vai curar todos os males que atingiram tua família, pois é por causa dos pecados e faltas deles que estás arruinado em teus negócios temporais. 2 A grande misericórdia do Senhor teve compaixão de ti e de tua família; ele te fortalecerá e te estabelecerá na sua glória. Quanto a ti, apenas não desanimes: tem coragem e fortalece a tua família. O ferreiro, com o martelo, consegue o objeto que ele quer; da mesma forma, a palavra justa de cada dia consegue superar qualquer iniquidade. Portanto, não cesses de corrigir teus filhos. Eu sei que, se eles fizerem penitência do fundo do coração, serão inscritos nos livros da vida com os santos.3 Quando terminou de falar, ela ainda me perguntou: Queres ouvir a leitura? Respondi: Quero sim, senhora. Ela continuou: Presta atenção e escuta os louvores de Deus. Eu ouvi coisas sublimes e admiráveis, que não consegui guardar. Todas essas palavras causam arrepios e o homem não é capaz de alcançar. Entretanto, lembro-me das últimas palavras, pois eram do nosso alcance e doces.4 Vê! O Deus das Potestades, aquele que com seu poder invisível e superior e grande inteligência criou o mundo; que por sua gloriosa vontade revestiu de graças as suas criaturas; que por sua palavra poderosa fixou o céu e assentou a terra sobre as águas; que por sua sabedoria e previdência criou a santa Igreja e também a abençoou; esse mesmo Deus desloca os céus e as montanhas, as colinas e os mares, que se tornam uma coisa única para os eleitos

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dele. Assim, ele cumpre na sua glória e a alegria, a promessa que fez para eles, se ao menos observarem os mandamentos do Senhor, que receberam com grande fé.

CAPÍTULO 4O Livro1 Quando ela terminou de ler e se levantou da poltrona, chegaram quatro jovens que, levando a poltrona, foram embora, em direção ao Oriente. 2 Então ela me chamou, tocou no meu peito e disse: Gostou da minha leitura? Respondi: Senhora, as últimas palavras me agradam, mas as anteriores são penosas e duras. 3 Ela ainda falava comigo, quando apareceram dois homens, a tomaram pelos braços e se foram, na mesma direção da poltrona, para o lado do Oriente. Quando estava para partir, o ar dela era alegre e, ao se retirar, me disse: Seja homem, Hermas.

SEGUNDA VISÃOCAPÍTULO 5

Outro Livro Misterioso1 Eu me dirigia para Cumas, na mesma época do ano anterior. Enquanto caminhava, lembrei-me da visão que tivera no ano anterior, e novamente um espírito me arrebatou e me transportou para o mesmo lugar do ano precedente. 2 Chegando aí, ajoelhei, comecei a rezar ao Senhor e a glorificar o seu nome, por me ter considerado digno e meter dado a conhecer os meus pecados passados. 3 Ao me levantar da oração, vi diante

de mim a senhora idosa que eu vira no ano anterior. Ela caminhava e lia um pequeno livro. Então me disse: Podes anunciar isto aos eleitos de Deus? Eu lhe respondi: Senhora, não consigo guardar na memória tantas coisas. Dá-me o livrinho, para que eu faça uma cópia. Ela disse: Toma e depois me devolve. 4 Eu o tomei e, afastando-me para um lugar do campo, copiei tudo, letra por letra, porque não conseguia reconhecer as sílabas. Quando terminei de copiar as letras do livrinho, repentinamente me foi tirado da mão, sem eu ver quem o tomou.

CAPÍTULO 6

Revelação dos escritos: pecados de seus filhos, chamamento a penitencia.1 Depois de quinze dias de jejum e muitas orações ao Senhor, foi-me revelado o sentido do texto. Estava escrito o seguinte: 2 Hermas, teus filhos se revoltaram contra Deus, blasfemaram o Senhor, traíram seus pais com muita maldade e tiveram de ouvir o nome de traidores de seus pais. Sua traição de nada lhes aproveitou e ainda continuaram acrescentando aos seus pecados a impureza e as contaminações da maldade e, desse modo, suas iniquidades chegaram ao máximo. 3 Transmite essas palavras a todos os teus filhos e à tua esposa, que doravante deve ser como tua irmã. Ela não domina a língua com a qual pratica o mal, porém, ouvindo essas palavras ela a dominará e alcançará misericórdia. 4 Depois que tiveres dado a conhecer

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essas palavras que o Senhor me ordenou revelar-te, todos os pecados passados serão perdoados a eles, bem como a todos os santos que pecaram até hoje, se fizerem penitência de todo o coração e se afastarem de seus corações as dúvidas. 5 O Senhor jurou por sua glória e respeito de seus eleitos: se depois deste dia, fixado como limite, ainda se cometer um só pecado, eles não obterão a salvação, pois a penitência para os justos tem limite. Terminaram os dias de penitência para todos os santos. Contudo para os pagãos, a penitência pode ser feita até o último dia. 6 Dize, portanto, aos chefes da Igreja que endireitem seus caminhos na justiça, a fim de receberem plenamente, com grande glória, o que lhes foi prometido. 7 Perseverai portanto, vós que praticais a justiça, e não duvideis, para que o vosso caminho esteja com os santos anjos. Felizes sois vós que suportais a grande tribulação que se aproxima, e todos os que não renegarem a sua própria vida. 8 Porque o Senhor jurou por seu Filho: aqueles que renegarem o seu Senhor, perderão sua própria vida, como também aqueles que estão dispostos a renegá-lo nos dias futuros. Quanto àqueles que o renegaram antes, o Senhor, em sua grande misericórdia, tornou-se propício para eles.

CAPÍTULO 7

Conselho ao próprio Hermas1 Quanto a ti, Hermas, não tenhas rancor contra teus filhos, nem abandones tua irmã. E assim, eles serão purificados dos pecados que cometeram. Se tu não

lhes guardares rancor, eles receberão educação correta. O rancor provoca a morte. Quanto a ti, Hermas, sofreste grandes tribulações pessoais por causa das faltas de tua família, porque não cuidavas dela. Tu a negligenciaste, envolvendo-se ela em teus maus negócios. 2 O que te salva, porém, é não teres abandonado o Deus vivo, assim como a tua simplicidade e a tua grande continência. Isso te salva, contanto que perseveres, e salva também todos aqueles que agem assim e andam no caminho da inocência e da simplicidade. Esses dominarão todo o mal e permanecerão firmes até a vida eterna. 3 Felizes todos aqueles que praticam a justiça; jamais perecerão. 4 Dize a Máximo: Eis que chega a tribulação. Se te parece bem, renega de novo. O Senhor está próximo daqueles que fazem penitência, como está escrito no livro de Eldad e Medat, que profetizaram para o povo no deserto.

CAPÍTULO 8

Revelação sobre a Anciã1 Irmãos, quando eu dormia, tive uma revelação. Foi-me feita por um jovem encantador, que me disse: Quem achas que é a mulher idosa de quem recebeste o livrinho? Eu respondi: A Sibila. Ele disse: Estás enganado. Não é ela. Eu lhe perguntei: Quem é então? Ele me respondeu: É a Igreja. Eu lhe perguntei: Então, por que era tão idosa? Ele respondeu: Porque foi criada antes de todas as coisas. Por isso, ela é idosa. Foi por meio dela que o mundo foi ordenado.

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Nova visão da Igreja2 Depois disso, tive uma visão em minha casa. A mulher idosa apareceu e me perguntou se eu já havia entregue o livrinho aos presbíteros. Eu respondi que não. Ela continuou: Fizeste bem, porque tenho algumas palavras para acrescentar. Quando eu tiver terminado tudo o que tenho a dizer, tu o darás a conhecer a todos os eleitos. 3 Farás duas cópias do livrinho e as mandarás, uma a Clemente e outra a Grapta. Clemente, por sua vez, mandará a cópia às outras cidades, porque essa missão é dele. Grapta exortará as viúvas e os órfãos. Tu o lerás para esta cidade, na presença dos presbíteros que dirigem a Igreja.

TERCEIRA VISÃOCAPÍTULO 9

Retiro no campo1 Irmãos, esta é a terceira visão que eu tive. 2 Eu tinha jejuado frequentemente e pedido ao Senhor que me concedesse a revelação que ele tinha prometido me fazer por meio da mulher idosa. Nessa mesma noite, ela me apareceu e disse: Já que tens tanto desejo de conhecer tudo, vai ao campo onde cultivas a espelta, e pela quinta hora eu aparecerei a ti e te mostrarei o que precisas ver. 3 Eu lhe perguntei: Senhora, em que lugar do campo? Ela respondeu: Onde quiseres. Escolhi um lugar belo e afastado. Contudo, antes que eu lhe falasse e dissesse o lugar, ela me disse: Irei aonde quiseres. 4 Irmãos, eu caminhava, então, pelo campo, cantando as Horas. Cheguei ao lugar onde lhe havia dito que iria e vi um banco de marfim e em cima dele uma

almofada de linho e, estendido sobre ela um véu de linho finíssimo. 5 Ao ver esses objetos, sem que houvesse ninguém no lugar, fiquei espantado. Fui tomado de tremor e meus cabelos ficaram em pé. Ao verme sozinho ali, tive calafrios. Contudo, caí em mim, lembrei-me da glória de Deus e recobrei a coragem. Ajoelhei-me e confessei novamente ao Senhor os meus pecados, como já fizera antes.

Aparece a Igreja6 Então ela apareceu com seis jovens que eu já vira antes, aproximou-se de mim, ouviu-me rezando e confessando meus pecados ao Senhor. Ela me tocou e disse: Hermas, pára de suplicar somente por teus pecados. Suplica também pela justiça, a fim de obter um tanto dela para a tua família. 7 Então ela me levantou pela mão, levou-me até junto ao banco e disse aos jovens: Ide construir. 8 Então os jovens se retiraram, deixando-nos sozinhos. Ela me disse: Senta aqui. Eu lhe respondi: Senhora, deixa que os presbíteros sentem primeiro. Ela replicou: Faze o que te digo: senta. 9 Quis então sentar-me à direita; ela porém não me permitiu, e me faz sinal com a mão para sentar à esquerda. Eu estava pensativo e triste, porque ela não me permitira sentar à direita. Então ela me disse: “Estás triste, Hermas?” O lugar da direita está reservado para outros, para os que já agradaram ao Senhor e sofreram por causa do Nome. Ainda te falta muito para poderes te sentar com eles. Contudo, persevera na tua simplicidade, como fizeste até agora e sentarás ao lado deles e também

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com todos aqueles que farão o que eles fizeram e sofrerão o que eles sofreram.

CAPÍTULO 10

A Construção da Torre 111

l Eu lhe perguntei. O que é que sofreram? Ela me respondeu: Ouve: açoites, prisões, grandes tribulações, cruzes, feras, tudo por causa do Nome. E por isso que está reservado para eles o lado direito do santuário, a eles e a todo aquele que sofre por causa do Nome. Os outros ficam do lado esquerdo. Mas uns e outros, os que estiverem sentados à direita e os que estiverem à esquerda, gozam dos mesmos dons e das mesmas promessas. Os que estão sentados à direita, porém, têm glória particular. 2 Tu desejas sentar à direita com eles, mas teus defeitos são numerosos. Deverás ser purificado de teus defeitos, e todos aqueles que não tiverem duvidado serão purificados de todos os seus pecados cometidos até hoje. 3 Depois de dizer isso, ela fez menção de ir embora. Lancei-me a seus pés, suplicando-lhe, pelo Senhor, que me concedesse a visão que ela me prometera. 4 Ela, tomou de novo a minha mão, levantou-me e me fez sentar no banco à

111. “As cidades também têm protótipos divinos. Não só existe um modelo que precede a arquitetura terrena, mas o modelo também se encontra situado numa região ideal (celestial) da eternidade. É isso que Salomão anuncia: ‘Tu deste a ordem para a construção de um santuário em tua montanha sagrada, E um altar na cidade de tua morada, Uma cópia do tabernáculo sagrado que preparaste de antemão, desde o princípio’”. (Eliade, M. Mito do Eterno Retorno, p. 15).

esquerda. Ela também sentou, à direita. Depois, levantou um bastão brilhante, e me disse: Estás vendo uma coisa grande? Eu lhe respondi: Senhora, não estou vendo nada . Ela continuou: Não estás vendo diante de ti uma grande torre que está sendo construída sobre as águas, com pedras quadradas e brilhantes? 5 Com efeito, ela estava sendo construída em forma quadrada pelos seis jovens que tinham vindo com ela. Outros milhares e milhares de homens carregavam as pedras, uns do fundo da água, outros da terra, e as entregavam aos seis jovens, que as recebiam e construíam. 6 Eles colocavam as pedras tiradas do fundo da água pois já eram lavradas e se ajustavam imediatamente na construção perfeitamente às outras pedras; ajustavam-se tão bem umas com as outras, que não se via nenhuma juntura, e a torre parecia construída como um só bloco. 7 Das pedras trazidas da terra, umas eram rejeitadas e outras utilizadas; outras ainda eram quebradas e jogadas longe da torre. 8 Muitas outras pedras estavam no chão, ao redor do edifício. Não as utilizavam na construção, porque algumas estavam carcomidas, outras rachadas, outras mutiladas; outras ainda eram brancas e redondas e não se encaixavam na construção. 9 Eu via também outras pedras jogadas longe da torre, caindo no caminho e, sem parar, rolando para lugares inacessíveis; outras caíam no fogo e queimavam, e outras ainda caíam perto da água mas não conseguiam rolar para dentro da água, embora desejassem rolar e entrar na água.

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CAPÍTULO 11

Explicação da Visão1 Depois de me ter mostrado tudo isso, ela quis ir embora. Eu lhe disse: Senhora, que me serve ver essas coisas, se não sei o que significam? Ela me respondeu: Es curioso para conhecer o que se refere à torre! Eu lhe disse: Sim, senhora, quero conhecer para anunciar aos irmãos e alegrá-los, para que, ouvindo isso, conheçam a Deus em toda a sua glória. 2 Ela então me disse: Muitos ouvirão. Contudo, depois de ouvirem, uns se alegrarão e outros chorarão. Todavia, também estes últimos, se ouvirem e fizerem penitência, se alegrarão. Ouve, portanto, as parábolas da torre, pois eu vou te revelar tudo. Não me incomodes mais, pedindo-me revelação, pois essas revelações podem acabar. Tu, porém, não pararás de pedir revelações, pois és insaciável. 3 A torre que viste em construção, sou eu mesma, a Igreja, que viste agora e antes. Pergunta o que desejas a respeito da torre: eu te revelarei, para que te alegres com os santos. 4 Eu lhe pedi: Senhora, agora que me julgaste digno de todas as revelações, revela-me. Ela me disse: O que convém te revelar, será revelado. Basta que teu coração esteja voltado para Deus e não duvides de nada do que vires. 5 Eu lhe perguntei: Senhora, por que a torre está construída sobre as águas? Ela respondeu: Já te disse que és curioso a respeito das Escrituras e pesquisas com cuidado. Pesquisando, encontras a verdade. Ouve porque a torre foi construída sobre as águas: é porque

vossa vida foi salva pela água e ainda o será. A torre foi construída pela palavra do Nome todo-poderoso e glorioso, e é sustentada pela força invisível do Senhor.

CAPÍTULO 12Os Jovensl Então continuei: Senhora, que coisa grande e admirável! Senhora, quem são os seis jovens que constroem? (Ela respondeu:) São os santos anjos de Deus, criados em primeiro lugar. O Senhor confiou-lhes toda a sua criação, para desenvolvê-la, construí-la e governá-la. É por meio deles que a construção da torre será terminada. 2 (Perguntei:) E quem são os que carregam as pedras? (Ela respondeu): Também eles são anjos de Deus, mas os seis primeiros são superiores a eles. Quando a construção da torre estiver terminada, eles se alegrarão todos juntos ao redor dela, e glorificarão o Ser, por ela ter sido terminada. 3 Eu lhe perguntei: Senhora, eu gostaria de conhecer o destino das pedras e qual o significado de cada uma delas . Ela me respondeu: Tu não és mais digno que os outros para que isso te seja revelado. Outros estão antes de ti e são melhores. É a eles que essas visões deveriam ser reveladas. 4 Contudo, para que o nome do Senhor seja glorificado, tu recebeste e receberás ainda essas revelações, por causa dos que vacilam, dos que ficam se perguntando se tudo isso é real. Dize-lhes que tudo isso é ou não é verdadeiro e que nada disso está fora da verdade. Tudo é firme, sólido e bem alicerçado.

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CAPÍTULO 13

Simbolismo das Pedras1 Ouve agora o que se refere às pedras que entram na construção. As pedras quadradas e brancas, que se ajustam bem entre si, são os apóstolos, os bispos, os doutores e os diáconos. Todos esses, caminhando segundo a santidade de Deus, desempenharam com pureza a santidade seu ministério de bispos, doutores e diáconos a serviço dos eleitos de Deus. Uns já morreram e outros ainda vivem. Estes são os que estiveram sempre de mútuo acordo, conservaram a paz entre si e se ouviram reciprocamente. É por isso que na construção da torre suas junturas se ajustavam bem. 2 (Eu perguntei:) E quem são as pedras tiradas do fundo da água, que se colocam na construção e pelas suas junturas se ajustam bem às outras já colocadas? (Ela respondeu): São os que sofreram por causa do nome de Deus. 3 (Eu continuei:) Senhora, quero saber também quem são as outras pedras tiradas da terra. Ela respondeu: As que entram na construção sem ser talhadas são os que o Senhor aprovou, porque andaram no caminho reto do Senhor e respeitaram perfeitamente seus mandamentos. 4 (Continuei:) E quem são aquelas que eram levadas e postas na construção? (Ela respondeu): São os novatos na fé, porém fiéis. Os anjos os exortam a praticar o bem, e não se encontrou neles nenhum mal. 5 (Perguntei ainda): E quem são aquelas que eram rejeitadas e jogadas fora? (Ela respondeu:) São aqueles que pecaram e

que desejam fazer penitência. Por isso não foram jogados muito longe da torre. Se fizerem penitência, serão úteis para a construção. 6 Aqueles que têm intenção de fazer penitência, caso façam penitência, ficarão firmes na fé, contanto que façam penitência agora, enquanto a torre ainda está em construção. Quando ela estiver terminada, não haverá mais lugar para eles: serão rejeitados, e só poderão permanecer perto da torre.

CAPÍTULO 14

1 Queres conhecer as pedras que são cortadas e jogadas para bem longe da torre? São os filhos da iniquidade: têm fé hipócrita e nenhuma forma de maldade se afastou deles. É por isso que não alcançam a salvação. São inúteis para a construção, por causa de suas maldades. Foram, portanto, feitos em pedaços e jogados para longe pela ira do Senhor, pois eles o irritaram. 2 Entre as outras que viste jogadas em grande número pelo chão, e que não entravam na construção, as carcomidas são aqueles que conheceram a verdade, mas não perseveraram nela, nem aderiram aos santos. Por isso, são inúteis. 3 (Perguntei:) E quem são as pedras com rachaduras? (Ela respondeu:) São aqueles que nutrem rancor mútuo no coração, e não conservam a paz entre si. Assumem aparência de paz, mas, quando se separam, suas maldades persistem em seus corações: são essas as rachaduras dessas pedras. 4 As pedras mutiladas são aqueles que têm fé e, no essencial, permanecem

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ligados à justiça, mas neles subsistem restos de iniquidade. É por isso que elas estão mutiladas e não inteiras. 5 (Eu perguntei:) Senhora e quem são as pedras brancas e redondas, que não se adaptam à construção? Ela me respondeu: Até quando serás ignorante e sem bom senso? Perguntarás tudo sem nada compreenderes por ti mesmo? São aqueles que têm fé, mas também conservam as riquezas deste mundo. Quando chega a tribulação, por causa de suas riquezas e negócios, eles renegam seu Senhor. 6 Eu então lhe replico: Senhora, quando é que eles serão úteis para a construção? Ela me diz: Quando for aparada a riqueza que os domina, então serão úteis para Deus. A pedra redonda não pode se tornar quadrada se não for cortada e não perder algo de si. Do mesmo modo, os ricos deste mundo não poderão ser úteis ao Senhor, se suas riquezas não forem aparadas. 7 Aprende contigo mesmo: enquanto eras rico, eras inútil; agora, porém, és útil e frutuoso para a vida. Tornai-vos úteis para Deus! Tu mesmo foste uma dessas pedras.

CAPÍTULO 15

1 As outras pedras que viste jogadas longe da torre, caindo no caminho e rolando daí para lugares inacessíveis, são aqueles que tiveram a fé, mas que, devido às suas dúvidas, abandonam o seu verdadeiro caminho. Eles acham que podem encontrar caminho melhor, se extraviam e se enveredam lamentavelmente, andando por lugares inacessíveis. 2 As que caem no fogo e queimam

são aqueles que se afastaram para sempre do Deus vivo, e não lhes acudiu à inteligência a ideia de fazerem penitência das paixões e das obras perversas que praticam. 3 Queres saber quem são aquelas que caem junto da água, mas não conseguem rolar para dentro dela? São aqueles que ouviram a palavra de Deus e querem ser batizados em nome do Senhor. Contudo, quando tomam consciência da pureza que a verdade exige, mudam de opinião e voltam novamente para seus desejos perversos. 4 E assim ela terminou a explicação da torre. 5 Sem escrúpulos, eu lhe perguntei se todas essas pedras rejeitadas e impróprias para a construção podiam fazer penitência e encontrar lugar na torre. Ela me respondeu: Elas podem fazer penitência, mas não podem se encaixar nessa torre. 6 Elas se encaixarão em outro lugar muito menor e só depois que tiverem passado pelas provações da penitência e cumprido os dias necessários para expiar os seus pecados. São transportadas para outro lugar, porque participaram da palavra de justiça. Se refletirem sobre as obras perversas que cometeram, serão transportados das provações; se não refletirem, não serão salvos, e isso devido à dureza de seus corações.

CAPÍTULO 16

A Visão das Virtudes1 Quando terminei de a interrogar sobre todas essas coisas, ela me disse: Queres ver mais alguma coisa? Eu estava muito desejoso de ver, e fiquei deveras contente.

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2 Ela me olhou sorridente e perguntou: Vês sete mulheres ao redor da construção? Eu respondi: Sim, senhora. (Ela continuou) A torre é sustentada por elas, por ordem do Senhor. 3 Ouve agora as funções que elas desempenham. A primeira, de mãos fortes, se chama Fé. É por meio dela que os eleitos do Senhor são salvos. 4 A segunda, que tem cinto e aspecto viril, chama-se Continência, e é filha da Fé. Todo aquele que e segue é feliz durante a vida, porque se abstém de toda má ação, crendo que, por se abster de todo desejo perverso, herdará a vida eterna. 5 (Eu então perguntei:) Senhora, e quem são as outras? (Ela continuou) Elas são filhas uma da outra e se chamam Simplicidade, Ciência, Inocência, Santidade e Caridade. Portanto, se realizares todas as obras da mãe delas, viverás. 6 Perguntei: Senhora, eu desejaria saber qual é o poder de cada uma delas. Ela respondeu: Ouve quais são os poderes delas. 7 Elas estão subordinadas umas às outras e se seguem mutuamente, conforme são geradas. Da Fé nasce a Continência; da Continência, a Simplicidade; da Simplicidade, a Inocência; da Inocência, a Santidade; da Santidade, a Ciência; da Ciência, a Caridade. Suas obras são puras, santas e divinas. 8 Quem quer que se torne seu servidor e tenha força para perseverar em suas obras, habitará na torre, junto com os santos de Deus. 9 Perguntei-lhe ainda sobre os tempos, para saber se já havia chegado o fim. Ela, então, gritou em voz alta:

Insensato, não vês que a torre ainda está em construção? Quando estiver terminada, então chegará o fim. E ela será terminada logo. Não me perguntes mais nada. Basta a ti e aos santos lembrar-vos disso e renovar vossos espíritos. 10 Mas não é somente para ti que tudo isso foi revelado: deves torná-lo conhecido de todos, em três dias. 11 Em primeiro lugar, és tu que deves refletir. Hermas, eu te ordeno repetir literalmente aos santos todas as palavras que te vou dizer, para que, depois de tê-las ouvido e observado, eles sejam purificados de seus pecados, e tu com eles.

CAPÍTULO 17

Lamento da Igreja a seus filhos1 Filhos, escutai-me. Eu vos criei com toda a simplicidade, inocência e santidade, pela misericórdia do Senhor, o qual, gota a gota, fez cair sobre vós a justiça, para vos justificar e vos santificar de toda maldade e perversidade. Vós, porém, não quereis corrigir-vos de vossa maldade. 2 Agora, portanto, escutai-me. Vivei em paz uns com os outros, cuidai uns dos outros e socorrei-vos mutuamente. Não vos aposseis, somente para vós, dos bens que Deus criou em abundância, mas reparti também com os necessitados.3 Alguns, de fato, pelo excesso no comer, acabam por enfraquecer o corpo e minar a saúde. Outros, que não têm o que comer, veem a saúde arruinada pela insuficiência de alimentos e o corpo se arruína. 4 Essa intemperança é danosa para vós,

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para vós que possuís e não repartis com os necessitados. 5 Vede o julgamento que está para vir. Vós que tendes muito, procurai os que têm fome, enquanto a torre não estiver terminada, porque, depois de terminada, ainda que quisésseis fazer o bem, não teríeis mais ocasião. 6 Atenção, portanto, vós que vos orgulhais de vossas riquezas, para que os necessitados não gemam e o gemido deles chegue até o Senhor, e sejais excluídos, junto com vossos bens, fora da porta da torre. 7 Eu me dirijo agora aos chefes da Igreja e àqueles que ocupam os primeiros lugares. Não vos torneis semelhantes aos envenenadores. Eles levam seus venenos em frascos. Vós tendeis vossa poção e veneno no coração. 8 Estais endurecidos, recusais purificar vossos corações para temperar, com o coração puro, vosso pensamento na unidade, a fim de obter a misericórdia do grande Rei. 9 Atenção, portanto, meus filhos, para que essas divisões não tirem a vossa vida. 10 Como pretendeis instruir os eleitos do Senhor, se vós mesmos não tendes instrução? Instrui-vos, portanto, uns aos outros, e conservai a paz mútua, a fim de que também eu, apresentando-me alegre diante do Pai, possa falar favoravelmente a respeito de todos ao vosso Senhor.

CAPÍTULO 18

As três formas da Igreja1 Quando ela terminou de falar comigo,

chegaram os seis jovens encarregados da construção e a levaram para a torre. Outros quatro tomaram o banco e também o levaram para a torre. Não vi o rosto deles, pois estavam de costas. 2 No momento em que ela se retirava, eu lhe pedi que me explicasse as três formas sob as quais ela me aparecera. E ela me respondeu: É necessário que o perguntes a outro para que o revele a ti.

Nova Visão da Anciã3 Irmãos, eu a tinha visto, na primeira visão do ano anterior, muito idosa e sentada na poltrona. 4 Na visão seguinte, ela estava com aspecto mais jovem, porém o corpo e os cabelos eram de idosa; ela me falava de pé e estava mais alegre do que antes. 5 Por ocasião da terceira visão, ela era inteiramente jovem e muito bela; só os cabelos eram de idosa. Estava muito alegre e sentada num banco. 6 Eu estava muito intrigado para compreender a revelação prometida sobre essas coisas. De noite, numa visão, vi a mulher idosa, que me disse: Toda pergunta exige humildade. Jejua, portanto, e obterás o que pedes ao Senhor. Revelação das três formas da Igreja7 Jejuei então um dia e, nessa noite, me apareceu um jovem que me disse: Por que pedes continuamente revelações na oração? Atenção! Pedindo muito, podes prejudicar teu corpo. 8 Bastam para ti essas revelações. És capaz de suportar revelações mais fortes do que aquelas que já tiveste? 9 Eu lhe respondi: Senhor, peço apenas a respeito das três formas da mulher idosa,

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para que a revelação fique completa. Ele me respondeu: Até quando sereis insensatos? O que vos torna insensatos é duvidar e não voltar o vosso coração para o Senhor. 10 Eu lhe respondi novamente: É justamente por teu meio, Senhor, que conhecemos essas coisas.

CAPÍTULO 19

1 Ele me disse: Escuta o que estás procurando sobre as formas. 2 Por que na primeira vez ela te apareceu idosa e sentada numa poltrona? Porque vosso espírito estava envelhecido, murcho e sem força, por causa de vossa fraqueza e dúvidas. 3 Os velhos, por não terem mais esperança de rejuvenescer, não esperam outra coisa senão a morte. Da mesma forma, enfraquecidos pelos negócios do mundo, vos tendes deixado levar pelo abatimento e não entregastes ao Senhor as vossas preocupações. Vosso coração se despedaçou e envelhecestes em meio às tristezas. 4 (Eu disse:) Senhor, eu desejaria saber por que ela estava sentada numa poltrona (Ele respondeu:) Porque toda pessoa fraca, por causa da fraqueza, é obrigada a sentar para reconfortar seu corpo débil. Esse é o sentido geral da primeira visão.

CAPÍTULO 20

1 Na segunda visão, tu a viste de pé, com aspecto mais jovem e mais alegre do que antes, mas com o corpo e os cabelos de idosa. Escuta a seguinte comparação: 2 um idoso desesperançado por causa de sua fraqueza, e miséria, não espera mais nada, senão o último dia da sua

vida. Caso, imprevistamente, lhe seja deixada uma herança, ao saber disso, ele levanta, alegra-se e recobra as forças. Ele não permanece deitado, mas põe-se de pé, e seu espírito, que estava consumido por seus sofrimentos anteriores, rejuvenesce; não fica sempre sentado, mas age virilmente. Igualmente acontece convosco, depois de ouvir a revelação que o Senhor vos fez. 3 Ele teve compaixão de vós, vosso espírito rejuvenesceu e vós deixastes a fraqueza. A força voltou para vós e vos fortalecestes na fé. Vendo vossa força, o Senhor se alegrou e, por isso, vos mostrou a construção da torre. Ele ainda vos fará outras revelações, se de todo o coração estabelecerdes a paz entre vós.

CAPÍTULO 21

1 Na terceira visão, tu a viste mais jovem, bela, alegre, de aspecto encantador. 2 E como pessoa triste que recebe boa notícia: imediatamente esquece suas tristezas anteriores. Ela só pensa nessa notícia que ouviu, retoma forças para o bem e, pela alegria que experimenta, seu espírito rejuvenesce. O mesmo acontece convosco: ao ver esses bens, vosso espírito rejuvenesceu. 3 Tu a viste sentada no banco, em posição estável, pois o banco tem quatro pés e se mantém firme. O mundo também é sustentado por quatro elementos. 4 Aqueles que fizerem penitência serão completamente rejuvenescidos e firmes, ao menos aqueles que tiverem feito penitência de todo o coração. Tu recebeste, assim, toda a revelação. Doravante, não peças mais nenhuma revelação. Se tiveres necessidade, as receberás.

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QUARTA VISÃOCAPÍTULO 22

A Besta de quatro coresl Irmãos, esta é a visão que tive vinte dias depois da última, prefigurando a tribulação que se aproxima. 2 Eu caminhava pela Via Campana para o meu campo, situado a uns dez estádios da via pública. O lugar é de fácil acesso. 3 Caminhando sozinho, pedi ao Senhor que completasse as revelações e as visões que me enviou por meio de sua santa Igreja, a fim de me fortalecer e conceder a conversão aos seus servos que tropeçaram. Desse modo, seu nome sublime e glorioso será glorificado, pois ele julgou-me digno de me mostrar suas maravilhas. 4 Eu o glorificava e lhe dava graças, quando um ruído de vozes me respondeu: Não duvides, Hermas. Comecei então a refletir e disse a mim mesmo: Que razões teria eu para duvidar, eu que sou assim sustentado pelo Senhor e que vi essas maravilhas? 5 Avancei um pouco, irmãos, e então vi uma nuvem de poeira que se levantava até o céu, e perguntei: Será algum rebanho que se aproxima e levanta a poeira? A nuvem estava mais ou menos a um estádio de mim. 6 Mas ela aumentava cada vez mais e eu suspeitei que fosse algo divino. Nesse momento, o sol brilhou um pouco, e então pude ver uma fera enorme, parecida com a baleia. E da sua boca saíam gafanhotos de fogo. A fera tinha cerca de cem pés de comprimento, e sua cabeça era do tamanho de um barril. 7 Comecei a chorar e a pedir ao Senhor que me livrasse do monstro. Lembrei-

me da palavra que tinha ouvido: Não duvides, Hermas. 8 Então, irmãos, revesti-me da fé em Deus, lembrei-me de seu ensinamento sublime e, num arroubo de coragem, me expus diante da fera. Ela avançava com grande estrépito, capaz de destruir uma cidade. 9 Aproximei-me, e a enorme baleia se estendeu pelo chão, apenas pondo para fora a língua. Ela não fez nenhum outro movimento, até que passei por ela. 10A fera tinha quatro cores na cabeça: preto, avermelhado de fogo e sangue, dourado e branco.

CAPÍTULO 23

Sua significaçãol Eu ultrapassara a fera, e continuei uns trinta pés, quando veio ao meu encontro uma jovem adornada, como se estivesse saindo do quarto nupcial, toda vestida de branco, com sandálias brancas, coberta até a fronte, com mitra cobrindo a cabeça. Seus cabelos eram brancos. 2 Pelas visões anteriores, reconheci que era a Igreja, e fiquei muito contente. Ela me saudou, dizendo: Bom dia, homem. Eu lhe respondi com a mesma saudação: Bom dia, senhora. 3 Ela me perguntou: Não encontraste nada? Eu lhe respondi: Senhora, encontrei uma fera tão grande, que seria capaz de aniquilar povos. Mas, pelo poder e misericórdia do Senhor, consegui escapar dela. 4 Então me disse: Tiveste a felicidade de escapar, porque entregaste tua preocupação a Deus, abriste teu coração ao Senhor, acreditando que não poderias ser salvo de outro modo, senão pelo

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seu Nome grande e glorioso. Por isso, o Senhor enviou o seu anjo, aquele que está à frente das feras selvagens, cujo nome é Tegri: ele fechou a boca da fera, a fim de evitar que ela te devorasse. Por tua fé, escapaste de grande tribulação, pois a visão de tão grande fera não te fez duvidar. 5 Portanto, agora vai, e explica as grandezas do Senhor aos seus eleitos. Dize-lhes que essa fera é a prefiguração da grande tribulação que está para chegar. Se vos preparardes e de todo coração fizerdes penitência diante do Senhor, podereis escapar da tribulação. É preciso, porém, que vosso coração se tome puro e irrepreensível, e que sirvais irrepreensivelmente ao Senhor pelo resto de vossos dias. Entregai ao Senhor as vossas preocupações, e ele as resolverá. 6 Crede no Senhor que tudo pode, vós que duvidais. Ele desvia sua ira de vós e envia flagelos para vós que duvidais Ai daqueles que ouvirem essas palavras e não as aceitarem. Seria melhor para eles não ter nascido.

CAPÍTULO 24

Simbolismo das cores da Fera1 Perguntei-lhe então sobre as quatro cores que a fera tinha na cabeça. Ela me respondeu: Estás novamente curioso a respeito dessas coisas. Eu lhe disse: Sim, senhora. Dá-me a conhecer o que significa isso. 2 Ela disse: Escuta. A cor negra é este mundo em que habitais.3 O avermelhado de fogo e sangue quer dizer que este mundo deverá perecer pelo fogo e pelo sangue. 4 A parte dourada sois vós, que fugistes

deste mundo. Com efeito, o ouro é provado pelo fogo e se torna útil. Da mesma forma, vós que habitais no mundo sois provados. Vós que perseverais e resistis à prova do fogo, sereis purificados. Assim como o ouro deixa sua escória, vós também deixareis toda tristeza e angústia, e sereis purificados e úteis para a construção da torre. 5 A parte branca é o mundo que se aproxima, onde habitarão os eleitos de Deus, pois os eleitos de Deus para a vida eterna serão puros e sem mancha. 6 Quanto a ti, não cesses de falar aos santos. Tendes a prefiguração da grande tribulação que se aproxima. Se quiserdes, porém, ela não será nada. Lembrai vos do que foi escrito antes. 7 Tendo dito isso, ela foi embora, e eu não vi por onde se foi. Apareceu uma nuvem e eu, apavorado, voltei-me para olhar para trás, com a impressão de que a fera estivesse voltando.

QUINTA VISÃOCAPÍTULO 25

Aparição do Pastorl Eu estava rezando em casa, sentado na cama, quando vi entrar um homem de aparência gloriosa, vestido com roupas de pastor, coberto com pele branca de cabra, com o bornal nas costas e o cajado na mão. Saudou-me e respondi à saudação. 2 Imediatamente ele sentou ao meu lado, e me disse: Fui enviado pelo anjo mais venerável, para morar contigo pelo resto da tua vida. 3 Pareceu-me que ele estava ali para me provar. Eu lhe perguntei: Quem és tu? Eu sei muito bem a quem fui confiado.

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Ele me disse: Não me reconheces? Eu respondi: Não. Ele continuou: Eu sou o Pastor, a quem foste confiado. 4 Ele ainda falava, quando seu aspecto mudou, e então o reconheci: era justamente aquele a quem eu fora confiado. Logo a seguir, cheio de confusão, fui tomado pelo medo e completamente arrasado pela tristeza. Será que eu o tinha tratado de forma desconsiderada e insensata?5 Ele, porém, me respondeu: Não te perturbes. Ao contrário, fortalece-te com os mandamentos que te darei, pois fui enviado para te mostrar, ainda uma vez, tudo o que viste antes, os principais pontos úteis para vós. Quanto a ti, anota tudo sobre os mandamentos e as parábolas. Escreverás as outras coisas, conforme eu te indicar. Ordeno que escrevas primeiro os mandamentos e as parábolas, para que possas lê-los e observá-los imediatamente. 6 Então escrevi os mandamentos e as parábolas, conforme ele me ordenara. 7 Se vós os escutardes e observardes, se caminhardes neste caminho e os puserdes em prática com o coração puro, recebereis do Senhor tudo o que vos prometeu. Todavia, se depois de escutardes, não vos converterdes, se continuardes a pecar, recebereis do Senhor o contrário. 8 Eis aqui tudo o que o Pastor, o anjo da penitência, me ordenou que escrevesse.

M A N D A M E N T O SPRIMEIRO MANDAMENTO

CAPÍTULO 26

A fé e o temor a Deus1 Antes de tudo, crê que existe um só

Deus, que criou e organizou o universo, fazendo passar todas as coisas do não-ser para o ser, que contém tudo e ele próprio não é contido por nada. 2Crê nele e teme-o, e temendo-o, sê continente. Observa isso e afasta de ti todo mal, para que sejas revestido de toda virtude de justiça, e viverás para Deus, se observares esse mandamento.

SEGUNDO MANDAMENTOCAPÍTULO 27

Sensatez e Inocência. Contra a Murmuração 1 Pastor me disse: “Sê simples e inocente, e serás como as crianças que não conhecem o mal que destrói a vida dos homens. 2 Em primeiro lugar, não fales mal de ninguém, nem ouças com prazer o maledicente. Do contrário, participarás do pecado do maledicente, se acreditares na maledicência que ouves. Pois, acreditando nisso, também ficarás hostil ao teu irmão, e participarás do pecado do maledicente. 3 A maledicência é má, é demônio agitado, que nunca está em paz, e só sente prazer nas discórdias. Fica longe dele, e tuas relações com todos serão sempre perfeitas.

A Caridade4 Sê reservado. Com reserva, não há mau tropeço, mas tudo é plano e alegre. Realiza o bem e, do produto do trabalho que Deus te concede, dá com simplicidade a todos os necessitados, sem te preocupares a quem darás ou não. Dá a todos, porque Deus quer que seus próprios bens sejam dados a todos. 5 Os que recebem prestarão contas a

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Deus do motivo e finalidade daquilo que tiverem recebido: os que receberem por necessidade não serão julgados, mas os que enganarem para receber, serão punidos. 6 Aquele que dá é irrepreensível, pois realiza com simplicidade o serviço, conforme recebeu do Senhor, sem discriminar a quem dá ou não. O serviço, assim realizado na simplicidade, subsistirá em Deus. 7 Observa, portanto, esse mandamento, conforme te ordenei, para que tua conversão e a da tua casa sejam encontradas simples, puras, inocentes e incorruptíveis”.

TERCEIRO MANDAMENTOCAPÍTULO 28

Contra a Mentira1 Ele me disse novamente: “Ama a verdade, e apenas a verdade saia de tua boca, para que o espírito, que Deus colocou nesse corpo, seja encontrado verdadeiro por todos os homens. Assim, o Senhor, que habita em ti, será glorificado, porque o Senhor é verdadeiro em todas as palavras, e nele não há mentira. 2 Os mentirosos renegam o Senhor e o despojam, não lhe restituindo o depósito recebido. De fato, receberam dele um espírito que não mente. Se o restituem mentiroso, transgridem o mandamento do Senhor e se tornam fraudulentos”. 3 Ouvindo isso, eu chorei muito. Vendo-me chorar, ele me disse: “Por que choras?” Eu respondi: “Senhor, porque não sei se posso me salvar”. Ele perguntou: “Por quê?” Eu continuei: “Senhor, é porque na minha vida eu nunca disse palavra verdadeira, mas

sempre vivi usando de fraude para com todos e fiz com que minhas mentiras passassem por verdades aos olhos de todos. Ninguém jamais me contradisse. Ao contrário, sempre confiaram em minha palavra. Senhor, como posso viver, tendo feito isso?” 4 Ele me disse: “Tu pensas bem e verdadeiramente. De fato, era preciso que, como servo de Deus, tivesses caminhado na verdade. A má consciência não deveria habitar com o espírito da verdade e trazer tristeza ao espírito santo e verdadeiro”. Eu disse: “Senhor, jamais ouvi palavras tão exatas”. 5 Ele continuou: “Agora, porém, estás ouvindo. Observa-as, a fim de que também as mentiras que disseste antes em teus negócios, agora tenham credibilidade, ao verem que a tua linguagem hoje é verdadeira. Se observares essas coisas e, a partir de agora, disseres só a verdade, poderás adquirir a vida. E todo aquele que observar esse mandamento e se abstiver desse grande vício da mentira, viverá em Deus”.

QUARTO MANDAMENTOCAPÍTULO 29

A Castidade1 Ele me disse: “Eu te ordeno guardar a castidade e que não entre em teu coração o desejo de outra mulher, nem de qualquer fornicação, nem de qualquer outro vício semelhante. Porque, se fizeres isso, cometerás grande pecado. Lembra-te sempre de tua esposa, e jamais pecarás. 2 Se esses desejos entrarem em teu coração, pecarás; e se entrarem outras

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coisas igualmente más, também cometerás pecado, pois tal desejo é grande pecado para o servo de Deus. Se alguém realiza esse ato vicioso, prepara a morte para si mesmo. 3 Portanto, estejas atento. Evita esse desejo, pois onde habita a santidade, no coração do homem justo, a iniquidade não deve entrar”. Sobre a Mulher Adultera4 Eu lhe disse: “Senhor, permite-me apresentar algumas questões”. Ele respondeu: “Podes perguntar”. Eu continuei: “Senhor, se alguém tem esposa que crê no Senhor, e descobre que ela é adúltera, esse homem comete pecado vivendo com ela?” 5 Ele me respondeu: “Enquanto ele não sabe, não comete pecado. Mas se fica sabendo do pecado de sua mulher e que ela, ao invés de se arrepender, persiste no adultério, o marido, vivendo com ela, se torna cúmplice de sua falta e participa no adultério dela”. 6 Então perguntei: “Se a mulher persiste nessa paixão, o que o marido deverá fazer?” Ele respondeu: “Deve repudiá-la e viver sozinho. Contudo, se depois de ter repudiado sua mulher, ele se casar com outra, então ele também comete adultério”. 7Eu disse: “Senhor, e se a mulher depois de ter sido repudiada, se arrepender e quiser voltar a seu marido, ele deverá acolhê-la?” 8 Ele continuou: “Sim. E se o marido não a receber, ele cometerá pecado e carrega-se de grande culpa. E preciso acolher aquele que peca e se arrepende, mas não muitas vezes. Para os servos de Deus existe apenas uma conversão. É em vista dessa conversão que o

homem não deve se casar de novo. Essa obrigação vale tanto para a mulher como para o homem. 9 O adultério não é apenas macular o corpo. Quem vive como os pagãos, também comete adultério. Portanto, se alguém persiste nessa conduta sem se converter, afasta-te e não vivas mais com ele. Caso contrário, serias cúmplice do seu pecado. 10A razão por que se ordena permanecer sozinho, tanto o homem como a mulher, é porque em tal caso é possível o arrependimento. “Contudo, não quero dar tal pretexto para que alguém faça isso, e sim impedir que o pecador recaia no pecado. Para quem pecou antes, existe quem pode curá-lo: é aquele que tem poder sobre todas as coisas”.

CAPÍTULO 30

Dúvida sobre a penitência1 Continuei a perguntar: “Uma vez que o Senhor julgou-me digno de habitares sempre comigo, suporta ainda algumas interrogações, pois nada compreendo, e meu coração se endureceu, por causa de minhas ações passadas. Ensina-me, pois sou totalmente desprovido de inteligência e não compreendo absolutamente nada”. 2 Ele me respondeu: “Estou encarregado da conversão e concedo inteligência a todos o que se arrependem. Não te parece que o fato de se arrepender é em si mesmo inteligência? O arrependimento é ato de grande inteligência. Com efeito, o pecador compreende que fez o mal diante do Senhor, e que o ato que ele cometeu entra no coração, então se

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arrepende e não pratica mais o mal. Ao contrário, ele se empenha com todo o zelo a praticar o bem, humilha e experimenta a sua alma, pois ela pecou. Vês, portanto, que o arrependimento é ato de grande inteligência”. 3 Eu disse: “Senhor, é por isso que te pergunto essas coisas com minúcias. Primeiro, porque sou um pecador que desejo saber o que devo fazer para viver, pois meus pecados são muitos e numerosos”. 4 Ele disse: “Viverás, se observares meus mandamentos e seguires seus caminhos. Quem ouvir esses mandamentos e os observar, viverá em Deus”.

CAPÍTULO 31

1 Eu disse: “Senhor, ainda quero te fazer outra pergunta”. Ele respondeu: “Pergunta”. Continuei: “Ouvi alguns doutores dizerem que não há outra conversão além daquela do dia em que descemos à água e recebemos o perdão dos pecados anteriores”. 2 Ele me respondeu: “Ouviste bem. E assim mesmo. Aquele que recebeu o perdão de seus pecados não deveria mais pecar, e sim permanecer na pureza. 3 Entretanto, como queres saber tudo com pormenores, eu te explicarei também isso, sem dar pretexto para pecar aos que hão de crer ou aos que começaram agora a crer no Senhor, pois tanto uns como outros não têm necessidade de fazer penitência de seus pecados, pois seus pecados passados já foram abolidos. 4 Para os que foram chamados antes destes dias, o Senhor estabeleceu uma penitência, pois o Senhor conhece os

corações. E sabendo tudo de antemão, ele conheceu a fraqueza dos homens e a esperteza do diabo em fazer o mal aos servos de Deus e exercer sua malícia contra eles. 5 Sendo misericordioso, o Senhor teve compaixão de sua criatura e estabeleceu a penitência, e deu-me o poder sobre ela. 6 Todavia, eu te digo: se, depois desse chamado importante e solene, alguém, seduzido pelo diabo, cometer pecado, ele dispõe de uma só penitência; contudo, se peca repetidamente, ainda que se arrependa, a penitência será inútil para tal homem, pois dificilmente viverá”. 7 Então eu lhe disse: “Senhor, sinto-me reviver depois de ouvir essas coisas tão pormenorizadamente, pois sei que serei salvo, se eu não continuar a pecar”. Ele me disse: “Serás salvo, tu e todos os que fizerem essas coisas”.

CAPÍTULO 32

1 Eu lhe perguntei novamente: “Senhor, já que toleraste uma vez minhas interrogações, esclarece-me também este ponto”. Ele respondeu: “Podes falar”. Eu disse: “Senhor, se uma mulher ou um homem morre e o cônjuge se casa de novo, este último peca por se casar?” 2 Ele respondeu: “Não peca, mas, se permanece sozinho, adquire maior honra e glória diante do Senhor. Se ele se casa, porém, não comete pecado. 3 Observa, portanto, a castidade e a santidade, e viverás em Deus. Observa tudo o que te digo e te direi a partir deste dia em que me foste confiado, e habitarei em tua casa. 4 Alcançarás o perdão de teus pecados

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passados, contanto que observes os meus mandamentos. Também os outros serão perdoados, se observarem meus mandamentos e se caminharem nessa castidade”.

QUINTO MANDAMENTOCAPÍTULO 33

1Ele me disse: “Sê paciente e prudente, e dominarás todas as ações más e realizarás toda a justiça. 2 Se fores paciente, o Espírito Santo, que habita em ti, será límpido e não ficará na sombra de outro espírito mau. Encontrando grande espaço livre, ele ficará contente e se alegrará como o vaso em que ele habita e servirá a Deus com alegria, pois terá felicidade em si mesmo. 3 Se sobrevier acesso de cólera, imediatamente o Espírito Santo, que é delicado, se angustiará por não ter lugar puro, e procurará afastar-se do lugar. Ele se sente sufocado pelo espírito mau e não tem mais lugar para servir a Deus como quer, porque está contaminado pela cólera. Com efeito, o Senhor habita na paciência e o diabo, na cólera. 4 Que esses dois espíritos habitem juntos é, portanto, coisa inconveniente e má para o homem em que habitam. 5 Se tomas uma pequenina gota de absinto e a derramas num vaso de mel, não se estraga todo o mel? O mel fica estragado pelo pouquíssimo absinto, que destrói a doçura do mel, e já não agrada ao dono, porque se tornou amargo e sem utilidade. Todavia, se não se derrama absinto no mel, o mel permanece doce e agrada muito ao seu dono. 6 Vê: a paciência supera o melem doçura, é útil ao Senhor, que habita nela. Ao

contrário, a cólera é amarga e inútil. Portanto, se se mistura a cólera com a paciência, a paciência se mancha, e sua oração não é útil para Deus”. 7 Eu disse: “Senhor, eu desejaria conhecer a força da cólera, para me preservar dela”. Ele respondeu: “Se não te guardares com tua família, destruirás toda a esperança. Mas preserva-te dela, pois eu estou contigo. Todos os que fizerem penitência do fundo do coração se guardarão dela, porque eu estarei com eles e os protegerei. Com efeito, todos foram justificados pelo anjo santíssimo”.

CAPÍTULO 34

1 Ele me disse: “Escuta agora qual é a força da cólera como ela é má, como perverte os servos de Deus com sua força, e como os desvia da justiça. Ela não desvia os pleno. de fé, nem pode fazer nada contra eles, pois meu poder está com eles. Ela desvia somente os vazios e vacilantes. 2 Quando a cólera vê essas pessoas tranquilas, insinua-se no coração delas e, por um nada, o homem ou a mulher se deixam tomar pela amargura, com os negócios da vida cotidiana, alimentação, ou qualquer futilidade, um amigo, um presente dado ou recebido, ou ainda qualquer outra ninharia. Tudo isso são coisas fúteis, vãs, insensatas e prejudiciais para os servos de Deus. 3 A paciência, ao contrário, é grande e forte, tem força poderosa e sólida, que se expande largamente; a paciência é alegre, contente e sem preocupações, e glorifica o Senhor em todo momento. Nada nela é amargo; ela permanece

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sempre doce e calma. Essa paciência habita com os que têm fé íntegra. 4 A cólera, ao contrário é, em primeiro lugar, estulta, leviana e estúpida; da estupidez nasce a amargura; da amargura a irritação; da irritação, o furor, e do furor o ressentimento. Tal ressentimento, nascido de tantos males, é pecado grave e incurável. 5 Quando todos esses espíritos vêm habitar o mesmo vaso, onde já habita o Espírito Santo, o vaso não pode mais conter tudo e transborda. 6 Então o espírito delicado, que não tem o costume de habitar com o espírito mau, nem com a aspereza, afasta-se de tal homem e procura habitar com a doçura e a mansidão. 7 Mas, quando se afasta do homem em que habitava, esse homem se esvazia do espírito justo e, daí para a frente, cheio de espíritos maus, agita-se em todas as suas ações, arrastado de cá para lá pelos espíritos maus, completamente cego para todo pensamento bom. Eis o que acontece com todas as pessoas coléricas. 8 Afasta-te, portanto, da cólera, esse espírito maligno. Reveste-te, em troca, de paciência, resiste à cólera e à amargura, e te encontrarás com a santidade, amada pelo Senhor. Estejas atento para não te descuidares desse mandamento. Se o dominares, poderás observar também os outros mandamentos, que te ordenarei. Sê forte e inabalável neles, e fortaleçam-se igualmente todos os que quiserem caminhar neles”.

SEXTO MANDAMENTOCAPÍTULO 35

Caminho Reto

1 E le me d i s se : “No pr imei ro mandamento, eu te ordenei guardar a fé, o temor e a continência”. Eu respondi: “Sim, Senhor”. Ele continuou: “Agora te explicarei as forças dele, para que conheças o poder e a eficácia que elas possuem. Suas forças são de dois tipos e estão relacionadas com o justo e com o injusto. 2 Tem confiança no justo, mas não confies no injusto. De fato, o justo segue caminho reto, ao passo que o injusto segue caminho tortuoso. 3 Quanto a ti, anda pelo caminho direito e plano, deixando o caminho torto. O caminho tortuoso não tem trilhas, mas é impraticável, cheio de obstáculos, pedregoso e espinhoso. Ele é fatal para os que nele caminham. 4 Aqueles, porém, que andam pelo caminho reto, andam de maneira uniforme e sem tropeços, porque ele não é pedregoso, nem espinhoso. Vês, portanto, que é mais conveniente seguir o caminho reto. 5 Eu lhe disse: “Senhor, eu gosto de andar por esse caminho”. Ele me disse: “Segue-o, e siga também por ele todo aquele que se converte ao Senhor, do fundo do coração”.

CAPÍTULO 36

Os dois Anjos do Homem1 Ele me disse: “Ouve agora o que vou te falar sobre a fé. Há dois anjos com o homem: um é da justiça, e outro é do mal”. 2 Eu perguntei : “Senhor, como distinguirei as ações deles, se os dois anjos habitam comigo?” 3 Ele me respondeu: “Ouve e compreende. O anjo da justiça é delicado, modesto,

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doce e suave. Quando entra em teu coração, imediatamente fala contigo sobre a justiça, a castidade, a santidade, a temperança, sobe todo ato e toda virtude nobre. Quando tudo isso entra em teu coração, saibas que o anjo da justiça está contigo, pois essas obras são próprias do anjo da justiça. Tem confiança nele e em suas obras. 4 Vê agora as obras do anjo do mal. Em primeiro lugar, ele é colérico, amargo e insensato, e suas obras malignas os servos de Deus. Quando entra em teu coração, tu o conheces por suas obras”. 5 Eu disse: “Senhor, não sei como poderei reconhecê-lo”. Ele continuou: “Escuta. Quando a cólera se apodera de ti, ou a amargura, saibas que ele está em ti. Da mesma forma, os desejos da atividade, dispersa os gastos loucos em numerosos festins, em bebidas inebriantes, em orgias sem fim, em requintes variados e supérfluos, paixões pelas mulheres, grande riqueza, orgulho exagerado, altivez e tudo o que se assemelha a isso, se essas coisas entram no teu coração, saibas que o anjo do mal está em ti. 6 Reconhecendo suas obras, afasta-te dele e não creias nele, pois essas obras são más e inconvenientes para os servos de Deus. Aí tens as ações dos dois anjos. Compreende essas ações e depõe tua confiança no anjo da justiça. 7 Afasta-te do anjo do mal, porque seu ensinamento é mau para qualquer obra. Se alguém é fiel e o pensamento desse anjo entra em seu coração, é inevitável que essa pessoa, homem ou mulher, cometa pecado. 8 Por outro lado, se homem ou mulher são depravados e as obras do anjo

da justiça entram em seu coração, é inevitável que essa pessoa faça o bem. 9 Vê, portanto, que é bom seguir o anjo da justiça e renunciar ao anjo mau. 10 Esse mandamento explica o que se refere à fé, para que acredites nas obras do anjo da justiça e, cumprindo-as, vivas em Deus. Acredita também que as obras do anjo do mal são funestas. Evitando-as, viverás em Deus”.

SÉTIMO MANDAMENTOCAPÍTULO 37

O Temor a Deus1 Ele me disse: “Teme o Senhor e guarda seus mandamentos. Guardando os mandamentos de Deus, serás forte em tudo o que fizeres e tua ação será incomparável. Com efeito, temendo ao Senhor, farás tudo bem. Ele é o temor que precisas ter, e então serás salvo. 2 Não temas o diabo. Temendo ao Senhor, triunfarás do diabo, pois ele não tem poder. Se alguém não tem poder, também não apresenta motivo para temor. Quem tem poder glorioso, também inspira temor. De fato, todo aquele que tem poder, inspira temor; aquele que não o tem, é desprezado por todos. 3 Teme as obras do diabo, porque elas são más. Temendo ao Senhor, teme também as obras do diabo, e não as pratiques, mas afasta-te delas. 4 Há duas espécies de temor. Se quiseres praticar o mal, teme ao Senhor e não o praticarás. Todavia, se quiseres praticar o bem, teme ao Senhor, e o praticarás. O temor do Senhor é forte, grande e glorioso. Teme, portanto, ao Senhor, e nele viverás. Os que o temem e observam seus mandamentos, viverão em Deus”.

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5 Eu perguntei: “Senhor, por que disseste: aqueles que observam seus mandamentos viverão em Deus?” Ele respondeu: “Porque tola a criação teme ao Senhor, mas não guarda seus mandamentos. Os que o temem e guardam seus mandamentos têm a sua vida junto de Deus. Aqueles, porém, que não guardam seus mandamentos não têm vida em si mesmos”.

OITAVO MANDAMENTOCAPÍTULO 38

Sobre o exercício da continência1 Ele continuou: “Já te disse que as criaturas de Deus são de dois tipos; a abstinência também é dupla, pois é preciso se abster de algumas coisas e de outras não”. 2 Eu pedi: “Senhor, ensina-me de quais coisas preciso me abster e de quais não”. Ele respondeu: “Escuta. Abstém-te do mal e não o pratiques. Não te abstenhas do bem, mas pratica-o. Com efeito, se te abstiveres de praticar o bem, cometerás grande pecado; por outro lado, se te abstiveres de praticar o mal, praticarás um grande ato de justiça. Abstém-te, portanto, de todo mal e pratica o bem”. 3 Eu perguntei: “Senhor, quais são os males de que nos devemos abster?” Ele me respondeu: “Escuta: adultério, fornicação, excesso na bebida, prazer depravado, comer em demasia, luxo da riqueza, ostentação, orgulho, altivez, mentira, maledicência, hipocrisia, rancor e todo tipo de blasfêmia. 4 São essas as piores obras que existem na vida dos homens. O servo de Deus deve abster-se dessas obras, pois aquele que não se abstém delas, não pode viver em Deus. Escuta agora as obras que

seguem a essas”. 5 Eu perguntei: “Senhor, há ainda outras obras más?” Ele respondeu: “Muitas, das quais os servos de Deus devem se abster: o roubo, a mentira, a fraude, o falso testemunho, a avareza, os desejos maus, o engano, a vanglória, a arrogância e outros vícios semelhantes. 6 Não te parece que tudo isso é mau?” Eu respondi: “E muito mau para os servos de Deus”. (Ele continuou): “É preciso que o servo de Deus se abstenha de tudo isso. Abstém-te, portanto, de tudo isso, para que vivas em Deus e sejas inscrito com os que se abstêm dessas coisas. São essas as coisas das quais te deves abster. 7 As coisas das quais não te deves abster e sim praticar, são estas: não te abstenhas do bem, mas pratica-o”. 8 Eu pedi: “Senhor, mostra-me o poder das boas ações, para que eu siga seu caminho e as sirva, a fim de que, praticando-as, possa salvar-me”.Ele respondeu: “Escuta as obras do bem, que deves praticar e não evitar. 9 Em primeiro lugar, a fé, o temor do Senhor, a caridade, a concórdia, as palavras justas, a verdade, a perseverança. Não há nada de melhor na vida humana. Se alguém as observa e delas não se abstém, será feliz em sua vida. 10 Escuta agora as obras que seguem a essas: assistir às viúvas, visitar os órfãos e necessitados, resgatar da escravidão os servos de Deus, ser hospitaleiro (pois na hospitalidade encontra-se por vezes a ocasião de fazer o bem), não criar obstáculos para ninguém, ser calmo, tornar-se inferior a todos, honrar os anciãos, praticar a justiça, conservar a fraternidade, suportar a violência, ser

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paciente, não nutrir rancor, consolar os aflitos na alma, não afastar da fé os escandalizados, mas convertê-los e dar-lhes coragem, corrigir os pecadores, não oprimir os devedores e necessitados, e outras ações semelhantes. 11 Não te parece que essas sejam boas ações? ”Eu respondi: “Que coisa é melhor do que isso, Senhor?” Ele continuou: “Anda, portanto, nesse caminho, não te abstenhas dessas coisas, e viverás em Deus. 12 Observa este mandamento: se praticares o bem e não te abstiveres dele, viverás em Deus, e todos os que agirem assim, também viverão em Deus. E ainda, se não praticares o mal e te abstiveres dele, viverás em Deus; e todos aqueles que guardarem esses mandamentos e andarem em seus caminhos, também viverão em Deus”.

NONO MANDAMENTOCAPÍTULO 39

Contra a Dúvida1 Ele continuou: “Remove de ti a dúvida e por nada no mundo hesites em pedir alguma coisa a Deus, dizendo a ti mesmo: 'Como poderia eu pedir alguma coisa ao Senhor e obtê-la, tendo cometido tão grandes pecados contra ele?' 2 Não penses assim. Ao contrário, converte-te ao Senhor, do fundo do coração, suplica-o confiante e conhecerás sua grande misericórdia, porque ele não te abandonará, mas atenderá a oração da tua alma. 3 De fato, Deus não é como os homens rancorosos; ele não conhece o rancor e tem compaixão de sua criatura. 4 Tu, portanto, purifica teu coração de

todas as vaidades deste mundo e dos males dos quais já te falei. Suplica ao Senhor e obterás tudo; nenhuma de tuas orações será rejeitada, se suplicares ao Senhor com confiança. 5 Contudo, se duvidares em teu coração, não alcançarás nenhum dos teus pedidos, pois os que duvidam de Deus são indecisos e não alcançam nada do que pedem. 6 Em troca, os que são íntegros na fé, pedem tudo com plena confiança no Senhor, e são atendidos, porque pedem sem vacilar e sem incerteza. Com efeito, todo homem que duvida, se não fizer penitência, dificilmente se salvará. 7 Portanto, purifica da dúvida o teu coração, reveste-te de fé, porque ela é forte e tem confiança que Deus atenderá todas as tuas orações. E se alguma vez pedires alguma coisa ao Senhor e ele tardar em concedê-la, não duvides porque não obtiveste logo o pedido da tua alma; certamente, tardas a receber o que pediste, por causa de alguma provação ou de algum pecado que ignoras. 8 Não deixes, portanto, de pedir o que tua alma deseja, e o obterás. Contudo, se ao rezar caíres no desânimo e na dúvida, culpa-te a ti mesmo e não àquele que está disposto à te dar. 9 Cuidado com a dúvida: ela é má, insensata e desenraiza da fé, não poucos, até pessoas muito fiéis e firmes, pois a dúvida é filha do diabo e faz muito mal aos servos de Deus. 10 Despreza, portanto, a dúvida, e domina-a em tudo. Para isso, reveste-te de fé firme e poderosa. De fato, a fé tudo promete e tudo cumpre, mas a dúvida, que não tem confiança sequer

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em si mesma, malogra-se em toda obra que empreende. 11 Vês, portanto, que a fé vem do alto, do Senhor, e tem grande força; a dúvida, porém, é apenas um espírito terrestre que vem do diabo e não tem força, nenhuma. 12 Serve, portanto, à fé que tem força e afasta a dúvida que não tem força nenhuma. Então viverás em Deus, e todos os que pensam assim também viverão em Deus.

DÉCIMO MANDAMENTOCAPÍTULO 40

Contra a tristeza1 Ele continuou: “Afasta de tia tristeza, pois ela é irmã da dúvida e da cólera”. 2 Eu perguntei: “Senhor, como é que ela é irmã delas? Parece-me que a cólera é uma coisa, a dúvida é outra, e a tristeza ainda outra coisa”. Ele me respondeu: “Es homem insensato. Não compreendes que a tristeza é o pior de todos os espíritos e o mais terrível para os servos de Deus e que, mais do que todos os espíritos, ela arruína o homem e expulsa o Espírito Santo, e depois salva?” 3 Eu disse: “Senhor, de fato sou insensato e não compreendo essas parábolas. Com efeito, não compreendo como a tristeza pode expulsar e depois salvar”. 4 Ele continuou: “Escuta. Os que nunca pesquisaram a verdade, nem indagaram sobre a divindade, que se limitaram a crer, ficam presos em seus negócios, riquezas, amizades pagãs e outras numerosas ocupações deste mundo. Todos esses, que só vivem para isso, são incapazes de compreender as parábolas a respeito da divindade. Ficam

obscurecidos por essas atividades, se corrompem e ficam áridos. 5 As vinhas, antes belas, por falta de cuidados, secam por causa dos espinhos e ervas daninhas de todo tipo. Da mesma forma, os homens que abraçaram a fé e se perdem nas múltiplas atividades de que falei, extraviam-se do seu bom senso e nada mais compreendem sobre a justiça. Até mesmo quando ouvem falar sobre divindade e verdade, sua mente está em seus negócios, e nada compreendem. 6 Todavia, os que temem a Deus, buscam a divindade e a verdade, e têm o coração voltado para o Senhor. Esses logo entendem e compreendem tudo o que se lhes diz. Eles têm em si o temor do Senhor. Com efeito, onde o Senhor habita, aí há total compreensão. Adere, portanto, ao Senhor, e compreenderás e entenderás tudo”.

CAPÍTULO 41

1 Ele continuou: “Escuta, portanto, insensato, como a tristeza expulsa o Espírito Santo e depois salva. 2 Quando o vacilante empreende uma ação e não colhe êxito por causa de sua própria dúvida, a tristeza se insinua nele e entristece o Espírito Santo e o expulsa. 3 Em seguida, a cólera se apodera da pessoa por causa de qualquer coisa, e o amargura muito. De novo, a tristeza entra no coração do homem que se irritou, o qual se entristece pelo que fez e se arrepende de ter feito o mal. 4 Essa tristeza, portanto, parece trazer a salvação, porque, depois de ter feito o mal, a pessoa se arrepende. Essas duas atitudes entristecem o espírito:

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a dúvida, porque não colheu êxito no empreendimento; e a cólera, porque fez o mal. As duas entristecem o Espírito Santo. 5 Afasta, portanto, a tristeza de ti, para não entristecer o Espírito Santo que habita em ti, a fim de que ele não suplique a Deus contra ti e de ti se afaste. 'Com efeito, o Espírito de Deus, que foi dado ao teu corpo, não suporta a tristeza nem a angústia”.

CAPÍTULO 42

1 Reveste-te, portanto, da alegria, que agrada a Deus e ele a aceita: faze dela as tuas delicias. De fato, todo homem alegre realiza sempre o bem, pensa no bem e despreza a tristeza. 2 O homem triste pratica sempre o mal. Em primeiro lugar, pratica o mal porque entristece o Espírito Santo, que foi dado alegre ao homem; em seguida, entristecendo o Espírito Santo, pratica a injustiça por não suplicar a Deus, nem louvá-lo. Com efeito, a oração do homem triste jamais tem a força de subir ao altar de Deus. 3 Eu perguntei: “Por que a súplica do homem triste não sobe ao altar?” Ele respondeu: “Porque a tristeza reside no seu coração. Unida à oração, a tristeza não permite que a oração suba pura ao altar. O vinho misturado com vinagre não tem o mesmo sabor. Igualmente acontece com a tristeza: misturada com o Espírito Santo, não conserva a própria oração. 4 Purifica-te, portanto, dessa tristeza maligna, e viverás em Deus. E todos os que afastarem de si a tristeza e se revestirem de toda alegria, também

viverão em Deus.

DÉCIMO PRIMEIRO MANDAMENTO

CAPÍTULO 43

Falsos profetas; Discernimento sobre os Espíritos e Comparação.1 Ele me mostrou homens sentados num banco e outro homem sentado numa poltrona. E me disse: “Vês as pessoas sentadas no banco?” Eu respondi: “Sim, senhor”. Ele explicou: “Esses são fiéis, e o que está sentado na poltrona é falso profeta, que corrompe a inteligência dos servos de Deus, isto é, corrompe a inteligência dos que duvidam, e não dos fiéis. 2 Aqueles que duvidam vão até ele como adivinho e lhe perguntam o que lhes acontecerá. Então esse falso profeta, sem ter em si nenhum poder do espírito divino, responde-lhes segundo o que perguntam e segundo seus maus desejos, satisfazendo-lhes a alma com o que desejam. 3 Sendo vazio ele próprio, dá respostas vãs a homens vãos. Seja qual for a pergunta, ele responde conforme a vaidade do interrogador. Também diz coisas verdadeiras, pois o diabo o enche com o seu espírito, a fim de dobrar algum justo. 4 Contudo, os fortes na fé do Senhor, revestidos de verdade, não aderem aos espíritos maus, mas se afastam deles. Por outro lado, os vacilantes e que mudam constantemente de opinião, consultam os adivinhos como os pagãos, e carregam-se de pecado maior que o dos idólatras. Com efeito, quem faz consulta a um falso profeta

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sobre alguma coisa, é idólatra, vazio da verdade e insensato. 5 De fato, todo espírito dado por Deus não se deixa interrogar, mas, possuindo força da divindade, diz tudo espontaneamente, porque vem do alto, do poder do espírito divino. 6 Ao invés, o espírito que se deixa interrogar e que fala conforme o desejo dos homens, é terreno e leviano, porque não tem nenhum poder. Se não é interrogado, não diz nada”. 7 Eu lhe perguntei: “Senhor, como saber quem deles é verdadeiro e quem é falso profeta?” Ele respondeu: “Escuta o que estou para te dizer sobre ambos os profetas, e então discernirás o verdadeiro do falso profeta. Discerne pela vida o homem que tem o espírito divino. 8 Em primeiro lugar, quem tem o espírito que vem do alto, é calmo, sereno e humilde. Ele se abstém de todo mal e de todo desejo vão deste mundo; ele se considera inferior a todos e, quando interrogado, nada responde a ninguém e não fala em particular. O Espírito Santo não fala quando o homem quer, mas só quando Deus quer que ele fale. 9 Quando um homem, que tem o espírito de Deus, entra numa assembleia de homens justos, crentes no espírito divino, e nessa assembleia de homens justos se suplica a Deus, então o anjo do espírito profético que está junto dele, plenifica esse homem, e ele, pleno do Espírito Santo, fala à multidão conforme quer o Senhor. 10 É desse modo que se manifesta o espírito da divindade. Tal é o poder do Senhor sobre o espírito da divindade. 11 Escuta agora a respeito do espírito

terreno e vão, que não tem poder e é insensato. 12 Primeiro, tal homem, que julga possuir o espírito, exalta-se a si mesmo, quer ter o primeiro lugar, e logo se apresenta descaradamente, imprudente e loquaz. Vive em meio a muitas delícias e muitos outros prazeres, e aceita pagamento por sua profecia. Quando nada recebe, também não profetiza. Poderia um espírito divino receber pagamento para profetizar? Não é possível que o profeta de Deus aja desse modo; o espírito desses profetas é terreno. 13 Além disso, ele não se aproxima da assembleia de homens justos para nada, mas foge deles. Ele se une aos vacilantes e vãos, e profetiza para eles à parte. Engana-os, falando-lhes coisas vazias, conforme o que desejam, pois responde para gente vazia. Um vaso vazio quando bate em outro vaso vazio não quebra, apenas ressoam mutuamente. 14 Quando o falso profeta entra em assembleia repleta de homens justos, portadores do espírito da divindade, se eles começam a rezar, tal homem se esvazia e o espírito terrestre, tomado de medo, foge dele. Tal homem emudece, completamente desorientado e incapaz de falar. 15 Se armazenas óleo e vinho num depósito e aí colocas uma vasilha vazia, quando quiseres desocupar o depósito, encontrarás vazia essa vasilha. Igualmente acontece com os profetas vazios, quando entram em meio aos espíritos dos justos: da mesma forma que entraram, assim são encontrados. 16 Aí tens a vida dos dois tipos de profeta. Examina, portanto, o homem que se diz portador do espírito, a partir

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de seus atos e de sua vida. 17 Quanto a ti, crê no espírito que vem de Deus e tem poder, mas não creias no espírito terrestre e vazio, porque nele não existe poder. Ele vem do diabo. 18 Escuta a parábola que vou te contar. Pega uma pedra e atira para o céu. Vê se podes atingi-lo. Ou então pega um tubo de água e atira o jato para o céu. Vê se és capaz de furar o céu”. 19 Eu perguntei: “Senhor, como se pode fazer isso? As duas coisas que disseste são impossíveis!” Ele respondeu: “Assim como essas coisas são impossíveis, também os espíritos terrestres são impotentes e fracos. 20 Toma agora a força que vem do alto. O granizo é grão pequenino, mas quando cai sobre a cabeça de uma pessoa, que dano lhe causa! Ou então, pega a gota de água, que cai do telhado no chão e fura a pedra. 21 Vês, portanto, que as melhores coisas que caem do alto sobre a terra têm grande força. Da mesma forma, o espírito divino que vem do alto é poderoso. Crê, portanto, nesse espírito e afasta-te do outro”.

DÉCIMO SEGUNDO MANDAMENTO

CAPÍTULO 44

Contra o desejo do mal1 Ele continuou: “Arranca de ti todo mau desejo, e reveste-te do desejo bom e santo. Revestido desse desejo, odiarás o desejo mau e o domarás como quiseres. 2 O desejo mau é selvagem e difícil de amansar. É terrível, e com sua selvageria consome os homens. Principalmente se o servo de Deus cair nesse desejo e não tiver discernimento, será consumido de

modo terrível. Ele consome também os que não têm a veste do desejo bom e se deixam enredar por este mundo. O desejo entrega-os à morte”. 3 Eu perguntei: “Senhor, quais são as obras do desejo mau, que entregam os homens à morte? Dá-me a conhecê-las, para que me afaste delas”. Ele respondeu: “Escuta com quais obras o desejo mau mata os servos de Deus”.

CAPÍTULO 45

1 Antes de tudo, o desejo de outra mulher ou homem, o luxo das riquezas, os banquetes numerosos e vãos, a embriaguez, e muitos outros prazeres insensatos. Com efeito, todo prazer é insensato e vazio para os servos de Deus. 2 Tais desejos são maus, e matam os servos de Deus, porque o desejo mau é filho do diabo. E preciso, portanto, abster-se dos desejos maus para que, abstendo-vos, vivais em Deus. 3 Todos os que são dominados por eles e não lhes resistem, acabarão morrendo, pois esses desejos são mortais. 4 Reveste-te, portanto, do desejo da justiça e, armado do temor de Deus, resiste a eles. De fato, o temor de Deus habita no desejo bom. Se o desejo mau te vir armado do temor de Deus e resistindo, ele fugirá para longe de ti e não o verás mais, porque ele teme as tuas armas. 5 Quanto a ti, vitorioso e coroado por sua derrota, apresenta-te diante do desejo da justiça e entrega-lhe a vitória que recebeste, e serve-o do modo que ele quiser. Se servires o desejo bom e te submeteres a ele, poderás dominar o desejo mau e comandá-lo, conforme quiseres.

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EPÍLOGO AOS MANDAMENTOSCAPÍTULO 46

Mandamentos possíveis de guardar1 Eu disse: “Senhor, desejaria saber de que modo devo servir ao desejo bom”. Ele respondeu: “Escuta. Pratica a justiça e a virtude, a verdade e o temor do Senhor, a fé, a mansidão e todas as coisas boas semelhantes a essas. Praticando essas coisas, será servo agradável de Deus e viverás nele. Todo aquele que servir ao desejo bom viverá em Deus”. 2 Ele terminou os doze mandamentos e me disse: “Tens agora esses mandamentos. Anda em conformidade com eles e exorta os ouvintes, para que se exercitem na penitência purificadora pelo resto dos dias de sua vida. 3 Cumpre com cuidado esse serviço que te confio. Desse modo, realizarás. Com efeito, encontrarás boa acolhida daqueles que se dispõem a fazer penitência; eles acreditarão em tuas palavras. Eu estarei contigo e os induzirei a crer em ti”. 4 Eu lhe disse : “Senhor, esses mandamentos são grandes, sublimes e gloriosos, e podem alegrar o coração do homem que for capaz de observá-los. Todavia, Senhor, não sei se esses mandamentos podem ser guardados pelo homem, pois eles são muito duros”. 5 Ele me respondeu: “Se te convenceres de que esses mandamentos podem ser guardados, tu os guardarás facilmente, e eles não serão duros. Contudo, se se insinuar no teu coração que não podem ser guardados pelo homem, não os guardarás. 6 Agora, porém, eu te garanto: se não os guardares e os negligenciares, nem

tu, nem teus filhos, nem tua família vos salvareis, pois decidindo que esses mandamentos não podem ser guardados pelo homem, tu te condenas a ti mesmo”.

CAPÍTULO 47

1 Ele me disse isso de modo tão indignado, que fiquei confuso e com muito medo. Sua aparência se alterou de tal modo que nenhum homem poderia suportar sua ira. 2 Vendo-me completamente perturbado e confuso, começou a falar-me de modo mais brando e sereno, dizendo: “Tolo, insensato e vacilante! Não compreendes que a glória de Deus é grande, forte e admirável? Ele não criou o mundo para o homem e não lhe submeteu toda a sua criação, dando-lhe o poder de dominar todas as coisas que existem debaixo do céu? 3 Portanto, se o homem é o senhor de todas as criaturas de Deus e domina sobre todas, será que ele não pode dominar também esses mandamentos? Somente o homem que leva o Senhor em seu coração é capaz de dominar todas as coisas e todos esses mandamentos. 4 No entanto, para os que têm o Senhor somente nos lábios, e cujo coração está endurecido e estão distantes de Deus, esses preceitos são duros e inacessíveis. 5 Esteja o Senhor em vosso coração, vós homens vazios e levianos na fé, e sabereis que não há nada mais fácil, suave e simples do que esses mandamentos. 6 Convertei-vos, vós que seguis os mandamentos do diabo, mandamentos difíceis, amargos, brutais e licenciosos, e não temais o diabo, pois ele não tem

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poder nenhum sobre vós. 7 Eu, o anjo da penitência, que triunfo sobre o diabo, estarei convosco. O diabo só pode amedrontar, mas esse medo não tem força alguma. Não o temais, portanto, e ele fugirá de vós”.

CAPÍTULO 48

A Tentação1 Eu lhe disse: “Senhor, escuta ainda algumas palavras”. Ele respondeu: “Dize o que queres”. Eu continuei: “Senhor, o homem tem o desejo de guardar os mandamentos de Deus, e ninguém deixa de pedir ao Senhor que o reforce nos seus mandamentos e o submeta a eles. O diabo, porém, é duro, e domina os homens”. 2 Ele me respondeu: “Ele não conseguirá dominar os servos de Deus, se estes, de todo coração, nele tiverem esperança. O diabo é capaz de combater, não porém de triunfar. Se lhe resistirdes, será derrotado e, envergonhado, fugirá de vós. Todavia, aqueles que são vazios temem o diabo como se ele tivesse poder. 3 Quando um homem enche de bom vinho recipientes apropriados e entre estes deixa alguns semicheios, ao voltar para os recipientes ele não se preocupa com os que estão cheios, pois sabe que estão cheios; observa, sim, os que estão semicheios, temendo que tenham azedado, e o vinho perca o sabor. 4mesmo acontece com o diabo: Ele vai e tenta todos os servos de Deus.

4 Os que estão cheios de fé lhe resistem fortemente, e o diabo se afasta deles, pois não encontra por onde entrar. Então, ele vai até os que estão semi-cheios e, encontrando lugar, entra

neles, faz o que quer, tornando-os seus escravos”.

CAPÍTULO 49

1 Eu, o anjo da penitência, vos digo: não temais o diabo, pois fui enviado para estar com aqueles de vós que de todo o coração fazem penitência, para os fortificar na fé. 2 Portanto, crede, em Deus, vós que, por causa dos vossos pecados, desesperastes da vida e acrescentais pecados a pecados, agravando assim profundamente a vossa própria vida. Se vos converterdes ao Senhor de todo o vosso coração e praticardes a justiça pelo resto dos dias de vossa vida; se o servirdes retamente, conforme a sua vontade, ele vos curará de vossos pecados passados e não vos faltará força para dominar as obras do diabo. Não temais de modo nenhum a ameaça do diabo, pois ele, como nervos de cadáver, não tem força nenhuma. 3 Escutai, portanto, e temei aquele que pode salvar ou destruir tudo; observai seus mandamentos e vivereis em Deus”. 4 Eu lhe pedi: “Senhor, agora estou fortificado em todos os mandamentos do Senhor, porque estás comigo. Sei que abaterás todo o poder do diabo e que nós o dominaremos, e venceremos todas as suas obras. Senhor, espero que, fortalecido pelo Senhor, eu possa guardar os preceitos que me deste”. 5 Ele me respondeu: “Tu os guardarás, contanto que teu coração permaneça puro, voltado para o Senhor. Todos aqueles que os guardarem, purificando o coração dos desejos vazios deste mundo , viverão em Deus”.

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PRIMEIRA PARÁBOLACAPÍTULO 50

A verdadeira cidade dos servos de Deus1 Ele me disse: “Vós, servos de Deus, sabeis que habitais em terra estrangeira. De fato, vossa cidade acha-se longe desta cidade. Portanto, se conheceis vossa cidade, aquela que deveis habitar, por que correis assim atrás de campos, instalações luxuosas, palácios e mansões inúteis? 2 Quem procura tais coisas nesta cidade não espera retornar à sua própria cidade. 3 Insensato, vacilante, homem infeliz! Ignoras que tudo isso é estrangeiro e está em poder de outro? De fato, o dono desta cidade dirá: 'Não quero que habites na minha cidade. Vai embora daqui, porque não obedeces às minhas leis'. 4 Então, tu, que possuis campos, casas e muitos bens, ao ser expulso por ele, o que farás com teu campo, tua casa e tudo o que te resta do que acumulaste? Porque o dono desta cidade te diz justamente: 'Ou obedeces às minhas leis, ou sais do meu país'. 5 Portanto, o que farás, tu que segues a lei da tua cidade? Por causa de teus campos e do resto de teus bens, renegarás tua lei e andarás de acordo com a lei dessa cidade? Atenção! E perigoso renegar tua lei, porque, se queres retornar à tua cidade, temo que não te acolham mais, por teres renegado a lei de tua cidade, e assim sejas excluído dela. 6 Vigia, portanto. Visto que moras em terra estrangeira, não reserves para ti senão o estritamente necessário, e estejas pronto. Desse modo, quando o

dono dessa cidade quiser te expulsar, porque te opões às suas leis, sairás da sua cidade, chegarás à tua, e aí viverás conforme tua lei, sem prejuízo e com alegria. 7 Atenção, vós que servis ao Senhor e o tendes no coração. Praticai as obras de Deus, lembrando-vos de seus mandamentos e das promessas que ele vos fez. Crede que ele as manterá, se seus mandamentos forem observados. 8 Em lugar de campos, resgatai os oprimidos, conforme cada um puder; visitai as viúvas e os órfãos, e não os desprezeis. Gastai vossas riquezas e todos os vossos bens, que recebestes de Deus, nesses campos e casas. 9 De fato, o Senhor vos enriqueceu, para que presteis a ele tais serviços. E melhor adquirir esses campos, bens e casas, que reencontrarás em tua cidade, quando aí retornares. 10 Esse investimento é nobre e alegre, não produz tristeza, nem medo, mas alegria. Não procureis o investimento dos pagãos, perigoso para os servos de Deus. 11 Fazei vossos próprios investimentos, com os quais podeis alegrar-vos. Não cometais fraude, não toqueis nos bens de outros, nem os desejeis, porque é mau desejar os bens alheios. Realiza tua tarefa, e serás salvo”.

SEGUNDA PARÁBOLA

CAPÍTULO 51

O ULMEIRO e a vinha.1 Caminhava eu para o meu campo e, observando um olmeiro e uma videira, refletia sobre essas árvores e seus frutos. Então o Pastor me apareceu e disse: “O

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que pensas sobre o olmeiro e a videira?” Eu respondi: “Senhor, penso que eles se completam perfeitamente”. 2 Ele disse: “Essas duas árvores existem para servir de modelo aos servos de Deus”. Eu pedi: “Desejaria saber o modelo que podem oferecer essas árvores das quais falas”. Ele perguntou: “Vês o olmeiro e a videira?” Respondi: “Sim, senhor”. 3 Ele continuou: “A videira produz frutos, mas o olmeiro é estéril. Entretanto, se essa videira não se prende ao olmeiro, fica estendida no chão e não produzirá frutos. Os frutos que produzir apodrecerão, se ela não estiver suspensa no olmeiro. 4 Vês, portanto, que o olmeiro também dá muitos frutos, não menos que a videira, e até mais”. Eu perguntei: “Por que mais, Senhor?” Ele respondeu: “Porque a videira suspensa no olmeiro dá muitos frutos belos, ao passo que estendida no chão só produz frutos podres e poucos. Essa parábola vale para os servos de Deus, o pobre e o rico”. 5 Eu perguntei: “Senhor, como assim? Explica-me”. Ele respondeu: “Escuta. O rico tem muitos bens, mas aos olhos do Senhor ele é pobre, porque se distrai com suas riquezas. A oração e a confissão ao Senhor não lhe são importantes e, se ele as faz, são breves, fracas e sem nenhum poder. Contudo, se o rico se volta para o pobre e atende às suas necessidades, crendo que o bem que ele fez ao pobre poderá encontrar sua retribuição junto a Deus (porque o pobre é rico por sua oração e confissão, e sua oração tem grande poder junto de Deus), então o rico atende sem hesitação às necessidades do pobre.

6 Assim, o pobre, socorrido pelo rico, reza por ele e agradece a Deus pelo seu benfeitor; este, por sua vez, redobra o zelo para com o pobre, para que não lhe falte nada na vida, pois sabe que a oração do pobre é bem acolhida e rica junto a Deus. 7 Desse modo, ambos cumprem sua tarefa: o pobre o faz mediante sua oração, que é sua riqueza recebida do Senhor. Ele a devolve ao Senhor na intenção daquele que o ajuda. E o rico, sem hesitação, dá ao pobre a riqueza que recebeu do Senhor. Essa é uma ação nobre e bem acolhida por Deus, porque o rico compreendeu perfeitamente o sentido da sua riqueza e partilhou com o pobre os dons do Senhor, cumprindo assim, convenientemente, a sua tarefa. 8 Para os homens, o olmeiro parece não produzir fruto. Eles não ignoram e não compreendem que, se vier seca, o olmeiro, que conserva água, nutre a videira, e esta, continuamente provida de água, produz o duplo de frutos, para ela mesma e para o olmeiro. Da mesma forma, os pobres, rezando ao Senhor para os ricos, asseguram pleno desenvolvimento às riquezas deles. Por sua vez, os ricos, atendendo às necessidades dos pobres, dão satisfação à sua alma. 9 Portanto, ambos participam da ação justa. Quem age assim não será abandonado por Deus, mas será inscrito no livro dos viventes. 10 Felizes os que possuem e compreendem que o Senhor preserva suas riquezas, pois aquele que o compreende poderá também prestar bons serviços”.

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TERCEIRA PARÁBOLACAPÍTULO 52

Este século é de inverno para os justos1 Ele me mostrou muitas árvores sem folhas, que me pareciam mortas, e eram todas semelhantes. E me perguntou: “Vês essas árvores?” Respondi: “Sim, senhor, eu as vejo: são semelhantes e mortas”. Ele continuou: “Essas árvores que vês são os habitantes deste mundo”. 2 Eu perguntei: “Senhor, então por que são semelhantes e mortas?” Ele respondeu: “Porque os justos e os pecadores não se distinguem neste mundo, mas são semelhantes. De fato, para os justos este mundo é inverno, e eles não se distinguem, pois nele habitam juntamente com os pecadores. 3 No inverno, despojadas de suas folhas, as árvores são semelhantes, e não se distingue quais estão mortas e quais vivas. Da mesma forma, os justos e os pecadores não se distinguem neste mundo; são todos semelhantes”.

QUARTA PARÁBOLACAPÍTULO 53

O próximo século, o verão1 De novo, ele me mostrou muitas árvores, umas verdes e outras secas. E me disse: “Vês essas árvores?” Respondi: “Sim, senhor, eu as vejo: umas estão verdes e outras secas”. 2 Ele continuou: “As árvores verdes são os justos, que habitarão no mundo que está para chegar. De fato, o mundo que está para chegar será verão para os justos e inverno para os pecadores. Portanto, quando brilhar a misericórdia do Senhor os servos de Deus poderão ser distinguidos e serão visíveis para todos.

3 No verão, os frutos de cada árvore aparecem e se pode saber de que espécie são. Do mesmo modo, naquele mundo os frutos dos justos serão manifestos e se saberá que todos eles são vigorosos. 4 Entretanto, naquele mundo, os pagãos e os pecadores, as árvores secas que viste, serão encontrados secos e mortos, e serão queimados, como madeira morta, patenteando-se assim que durante a vida deles sua conduta foi má. De fato, os pecadores serão queimados, porque pecaram e não fizeram penitência; os pagãos serão queimados porque não conheceram o seu Criador. 5 Portanto, leva frutos em ti mesmo, para que, naquele verão, teu fruto seja conhecido. Evita muitas ocupações e não cometas nenhum pecado. Os que se carregam de muitas ocupações cometem também muitos pecados. São absorvidos por seus negócios e não servem mais em nada ao Senhor. 6 Como poderia o homem assim pedir algo ao Senhor e ser atendido, se ele não serve ao Senhor? Os que o servem, -receberão o que pedem, mas os que não o servem, não receberão absolutamente nada. 7 Aquele que tem apenas uma ocupação, pode também servir ao Senhor; o seu pensamento não se corromperá longe do Senhor, mas o servirá, conservando pensamento puro. 8 Se assim fizeres, poderás levar frutos para o mundo que está para chegar. Qualquer um que fizer isso, levará frutos”.

QUINTA PARÁBOLACAPÍTULO 54

O jejum agradável a Deus

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1 Eu jejuava, sentado sobre um monte, e agradecia a Deus tudo o que ele fizera por mim. Então vi o Pastor sentado junto de mim, dizendo: “Por que vieste aqui tão cedo?” (Eu respondi): “Senhor, porque estou montando guarda”. 2 Ele perguntou: “Que quer dizer guarda?” Eu respondi: “Senhor, estou jejuando”. Ele continuou: “E que jejum é esse que estás fazendo?” Eu respondi: “Senhor, eu jejuo por costume”. 3 Ele disse: “Não sabes jejuar para o Senhor, e esse jejum que fazes é sem valor”. Eu perguntei: “Senhor, por que dizes isso?” Ele explicou: “Digo-te que não é jejum esse que imaginas fazer. Eu te ensinarei, porém, qual é o jejum agradável e perfeito para o Senhor”. Eu disse: “Sim, senhor. Tu me farás feliz, se eu puder conhecer o jejum que agrada a Deus”. Então ele explicou: “Escuta. 4 Deus não deseja esse jejum vazio. Com efeito, jejuando desse modo para Deus, não farás nada para a justiça. Jejua do seguinte modo: 5 Não faças nada de mau em tua vida e serve ao Senhor de coração puro; observa seus mandamentos, andando conforme seus preceitos, e que nenhum desejo mau entre em teu coração, e crê em Deus. Se fizeres isso e o temeres, abstendo-te de toda obra má, viverás em Deus. Se cumprires essas coisas, farás um jejum grande e agradável ao Senhor”.

CAPÍTULO 55

Parábola do escravo e da vinha1 Escuta a parábola sobre o jejum. 2 Um homem possuía um campo e muitos escravos, e mandou plantar uma vinha numa parte do campo. Ele escolheu um

servo muito fiel e estimado, chamou-o e lhe disse: “Toma conta desta vinha que plantei e, durante minha ausência, coloca as estacas. Não faças mais nada na vinha. Observa esta minha ordem e serás livre na minha casa”. Então o senhor do escravo saiu de viagem. 3 Depois que partiu, o escravo tomou conta e estaqueou. Tendo terminado de estaquear, viu que a vinha estava cheia de mato. 4 Então refletiu e disse: “Já executei a ordem do senhor. Agora capinarei a vinha, pois capinada ficará mais bela e, não sendo sufocada pelo mato, produzirá mais fruto. Decidido, capinou a vinha e arrancou todo o mato que havia nela. Sem o mato que a sufocava, a vinha ficou mais bela e florescente. 5 Depois de certo tempo, o senhor do campo e do servo voltou. Foi até à vinha e, vendo que estava muito bem estaqueada, capinada, o mato extirpado e que as videiras floresciam, ficou muito satisfeito com o trabalho do escravo. 6 Chamou então seu filho amado, que era o herdeiro, e seus amigos conselheiros. Disse-lhes o que ordenara ao escravo e tudo o que ele vira executado. Eles se alegraram com o escravo, por causa do testemunho que o patrão dera dele. 7 Então o patrão lhe disse: “Prometi a liberdade a esse escravo, se ele executasse a ordem que lhe dera. Ele não só executou a ordem, mas fez bom trabalho na vinha, e isso me agradou muito. Portanto, como recompensa do trabalho que ele realizou, quero que seja herdeiro junto com meu filho, porque teve uma boa ideia e, ao invés de descartá-la, a realizou”. 8 O filho do senhor aprovou a intenção

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de designar o escravo como seu co-herdeiro. 9 Alguns dias mais tarde, o patrão dava um banquete e enviou muita comida do banquete ao escravo. Este aceitou a comida que o senhor lhe enviara, reteve o suficiente para si e distribuiu o resto a seus companheiros de escravidão. 10 Os companheiros o receberam, se alegraram e começaram a rezar para que ele, que os tratara tão bem, recebesse ainda mais favores do senhor. “O senhor soube de tudo o que acontecera e de novo se alegrou muito com a conduta do escravo. Chamou novamente os amigos e o filho e contou-lhes a respeito da atitude do servo quanto à comida recebida.

11 E eles concordaram mais ainda que o servo se tornasse herdeiro juntamente com o filho do senhor”.

CAPÍTULO 56

Primeira interpretação da parábola1 Eu lhe disse: “Senhor, não compreendo essas parábolas, nem as poderei entender, se não me explicares”. 2 Ele respondeu: “Vou te explicar tudo, e, te esclarecerei tudo que eu falar. Guarda os mandamentos do Senhor, e lhe serás agradável e contado entre os que observam seus mandamentos. 3 Se fizeres algo de bom, além do mandamento de Deus, conseguirás glória maior e serás glorificado junto a Deus, mais do que deverias ser. Portanto, se, observando os mandamentos de Deus, acrescentares essas boas obras, te alegrarás, se as observares conforme a minha ordem”. 4 Eu lhe disse: “Senhor, observarei tudo o que me indicares, pois sei que estás

comigo”. Ele me respondeu: “Estarei contigo, pois tens esse desejo de fazer o bem, e estarei com todos os que têm o mesmo desejo”. 5 Se os mandamentos do Senhor são observados, teu jejum é muito bom. Eis como observarás o jejum que queres praticar: 6 Antes de tudo, guarda-te de toda palavra má, de todo desejo mau, e purifica teu coração de todas as coisas vãs deste mundo. Se observares isso, teu jejum será perfeito. 7 E jejuarás do seguinte modo: depois de cumprir o que foi escrito, no dia em que jejuares, não tomarás nada, a não ser pão e água. Calcularás o preço dos alimentos que poderias comer nesse dia e o porás à parte para dar a uma viúva, a um órfão ou necessitado e, desse modo, te tornarás humilde. Graças a essa humildade, quem tiver recebido ficará saciado e rogará ao Senhor por ti. 8 Se jejuares como te ordenei, teu sacrifício será aceito por Deus, teu jejum será anotado, e o serviço, assim realizado, será bom, alegre e bem acolhido pelo Senhor. 9 Observarás isso com teus filhos e toda a tua família. Desse modo, serás feliz, e todos os que ouvirem esses preceitos e os observarem, serão felizes e receberão do Senhor as coisas que pedirem”.

CAPÍTULO 57

Nova explicação da parábola1 Eu lhe pedi insistentemente que me explicasse o sentido simbólico do campo, do senhor, da vinha, do escravo que estaqueara a vinha, do filho e dos amigos conselheiros, pois compreendera que tudo isso era uma parábola.

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2 Ele me respondeu: “És muito ousado em tuas perguntas! De modo algum deves perguntar, pois, se alguma coisa se deve explicar a ti, será explicada”. Eu lhe disse: “Senhor, tudo o que me mostrares sem explicar, será inútil que eu veja, pois não compreenderei o que significa. Da mesma forma, se me contas parábolas sem explicá-las, terei ouvido em vão alguma coisa de ti”. 3 De novo, ele me respondeu, dizendo: “Todo servo de Deus que tem o Senhor em seu coração, pode lhe pedir a compreensão e obtê-la. Ele poderá, então, explicar qualquer parábola e, graças ao Senhor, tudo o que for dito em parábolas será compreensível para ele. Os indolentes e preguiçosos para a oração, porém, vacilam em pedir ao Senhor. 4 O Senhor é misericordioso e atende todos os que lhe pedem sem hesitação. Tu, porém, que foste fortificado pelo anjo glorioso e dele recebeste essa oração, e não és preguiçoso, por que não pedes a compreensão? Tu a receberás”. 5 Eu repliquei: “Senhor, tendo a ti comigo, tenho necessidade de te pedir e perguntar. Com efeito, tu me mostras tudo e falas comigo. Se eu visse ou ouvisse essas coisas sem ti, pediria ao Senhor que as explicasse a mim”.

CAPÍTULO 58

1 Ele continuou: “Já te disse, e não faz muito, que és esperto e ousado para pedir explicação das parábolas. Como és tão perseverante, vou te explicar o sentido simbólico do campo e de tudo o mais que o acompanha, para que possas explicá-lo a todos. Escuta, portanto, e compreende.

2 O campo é este mundo, e o dono do campo é aquele que criou todas as coisas, que as organizou e lhes deu força. O filho é o Espírito Santo, e o escravo é o Filho de Deus. As videiras são o povo, que ele mesmo plantou. 3 As estacas são os santos anjos do Senhor, que protegem o seu povo. O mato arrancado da vinha são as iniquidades dos servos de Deus. A comida do banquete que ele enviou ao escravo são os mandamentos que ele deu por meio de seu filho. Os amigos e conselheiros, são os primeiros santos anjos criados. A viagem do senhor é o tempo que resta para a sua parusia”. 4 Eu lhe perguntei: “Senhor, tudo isso é grande, admirável e glorioso. Como poderei, Senhor, compreender essas coisas por mim mesmo? Nenhum outro homem, ainda que fosse muito inteligente, poderia compreendê-las. Explica-me ainda, Senhor, o que vou perguntar”. 5 Ele disse: “Se desejas alguma explicação, podes pedi-la”. Eu perguntei: “Senhor, por que o Filho de Deus aparece na parábola sob forma de escravo?”

CAPÍTULO 59

1 Ele respondeu: “Escuta. O Filho de Deus não aparece sob a forma de escravo, mas com grande poder e soberania”. Eu disse: “Como, senhor? Não compreendo”. 2 Ele continuou: “Porque Deus plantou a vinha, isto é, criou o seu povo e o entregou a seu Filho, e o Filho estabeleceu os anjos sobre eles para guardá-los individualmente. Ele próprio

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purificou os pecados deles, trabalhando muito e suportando muitas fadigas, pois ninguém pode capinar uma vinha sem trabalho e fadiga. 3 Ele, portanto, tendo purificado os pecados do povo, ensinou os caminhos da vida, dando-lhes a lei, que recebera de seu Pai. Observa que ele é o senhor do povo, porque recebeu todo o poder do seu Pai. 4 Escuta por que o senhor nomeou seu filho conselheiro e os anjos gloriosos para decidir a herança que deveria ser dada ao escravo. 5 Deus fez habitar na carne que ele havia escolhido o Espírito Santo preexistente, que criou todas as coisas. Essa carne, em que o Espírito Santo habitou, serviu muito bem ao Espírito, andando no caminho da santidade e pureza, sem macular em nada o Espírito. 6 Ela se portou digna e santamente, participou dos trabalhos do Espírito e colaborou com ele em todas as coisas. Comportou-se com firmeza e coragem e, por isso, Deus a escolheu como companheira do Espírito Santo. Com efeito, a conduta dessa carne agradou a Deus, pois ela não se maculou na terra, enquanto possuía o Espírito Santo. 7 Ele tomou então o Filho e os anjos gloriosos por conselheiros, para que essa carne, que tinha servido ao Espírito irrepreensivelmente, obtivesse um lugar de repouso e não parecesse ter perdido a recompensa pelo seu serviço. Toda carne em que o Espírito Santo habitou e que for encontrada pura e sem mancha, receberá sua recompensa. 8Aí tens a explicação dessa parábola”.

CAPÍTULO 60

1 Eu disse: “Senhor, fiquei contente em ouvir a explicação”. Ele disse: “Escuta agora. Guarda tua carne pura e sem mancha; para que o espírito, que nela habita, dê testemunho em favor dela e assim seja justificada. 2 Cuida para que nunca entre em teu coração a ideia de que tua carne é perecível. E cuidado para não abusar dela com alguma impureza. Se manchas tua carne, mancharás também o Espírito Santo. Portanto, se manchas tua carne, não viverás”. 3 Eu perguntei: “Senhor, se tiver havido alguma ignorância antes que essas palavras tivessem sido ouvidas, como se pode salvar o homem que manchou a sua carne?” Ele respondeu: “Quanto às ignorâncias anteriores, somente Deus pode conceder a cura, pois ele tem todo o poder. 4 Agora, porém, estejas atento, e o Senhor, em sua grande misericórdia, as curará, se doravante não manchares nem tua carne, nem teu espírito, pois os dois vão juntos e não podem se manchar um sem o outro. Portanto, conserva os dois puros, e viverás em Deus”.

SEXTA PARÁBOLACAPÍTULO 61

Guarda os Mandamentos1 Sentado em casa, eu glorificava ao Senhor por tudo que tinha visto, e meditava sobre os mandamentos, descobrindo que eles são bons, fortes, alegres, gloriosos e capazes de salvar a alma do homem. E dizia a mim mesmo: “Serei feliz, se caminhar conforme esses mandamentos, e qualquer um que andar

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nesse caminho também será feliz”. 2 Enquanto dizia isso a mim mesmo, de repente vi o pastor ao meu lado dizendo: “Por que duvidas a respeito dos mandamentos que te dei? Eles são bons. Não duvides em nada. Ao contrário, reveste-te da fé do Senhor e andarás em seus caminhos, porque eu te fortificarei neles. 3 Esses mandamentos são úteis para os que farão penitência, porque, se não andarem nesse caminho, sua penitência será inútil. 4 Vês, portanto, que fazeis penitência, rejeitai os males deste mundo, que vos aniquilam. Revestidos de toda a virtude de justiça, podereis observar os meus preceitos, mas não acrescenteis pecados aos vossos pecados. Se não acrescentardes pecados, cancelarei o s v o s s o s p e c a d o s p a s s a d o s . Caminhai, portanto, conforme os meus mandamentos, e vivereis em Deus. Todas essas coisas vos foram ditas por mim. Os dois pastores5 Depois de me dizer isso, ele acrescentou: “Vamos ao campo, e te mostrarei os pastores das ovelhas”. Eu disse: “Vamos, senhor”. Fomos para uma planície, e ele me mostrou um jovem pastor, vestido com roupa amarela. 6 Apascentava numerosas ovelhas, as quais viviam de modo voluptuoso e dissoluto, saltando alegremente de cá para lá. O pastor também estava muito satisfeito com seu rebanho; sua fisionomia era alegre, e ele andava de um lado para o outro, no meio das ovelhas. Vi também outras ovelhas juntas, dissolutas e voluptuosas; mas estas não saltavam.

CAPÍTULO 62

1 Então ele me perguntou: “Vês esse pastor?” Eu respondi: “Vejo, senhor”. Ele continuou: “E o anjo da volúpia e do erro. Ele aniquila as almas dos servos de Deus que são vazios, desviando-os da verdade e enganando-os com maus desejos, nos quais eles morrem. 2 De fato, eles esquecem os mandamentos do Deus vivo e caminham nos enganos e volúpias vãs, e são destruídos por esse anjo: alguns morrem, outros se corrompem”. 3 Eu lhe disse: “Senhor, não sei o que é essa morte e essa corrupção”. Ele respondeu: “Escuta. Todas as ovelhas que viste muito alegres e saltitantes são os que se separaram definitivamente de Deus e se entregaram às paixões deste mundo. Para eles não há mais penitência para a vida, porque, além de tudo, blasfemaram contra o nome do Senhor. Para eles, portanto, resta apenas a morte. 4 Aquelas que viste, pastando no mesmo lugar sem saltitar, são os que se entregaram às volúpias e aos enganos, mas sem blasfemar contra o Senhor. Corromperam-se longe da verdade. Para eles, portanto, existe esperança de penitência, a fim de que possam viver. A corrupção conserva ainda alguma esperança de restauração, ao passo que a morte implica em perdição eterna”. 5 Avançamos um pouco, e ele me mostrou um pastor de porte alto e de aspecto selvagem, vestido com pele branca de cabra, com bornal nas costas, e na mão um cajado rude e cheio de nós e um grande chicote. Seu olhar era tão severo que me infundiu medo. Assim era o seu olhar!

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6 Esse pastor recebia do pastor jovem as ovelhas dissolutas e voluptuosas, mas que não saltitavam. Ele as impelia para lugar escarpado, cheio de espinhos e cardos, e as ovelhas não conseguiam livrar-se dos espinhos e dos cardos, pois ficavam emaranhadas neles. 7 Pastavam presas, entre os espinhos e cardos, e sofriam muito, açoitadas pelo pastor, o qual as fazia andar de cá para lá, sem lhes dar descanso, e elas jamais se tranquilizavam.

CAPÍTULO 63

1 Ao vê-las assim f lageladas e atormentadas, fiquei triste por elas, porque assim torturadas não tinham nenhum tipo de trégua. 2 Então perguntei ao pastor que conversava comigo: “Senhor, quem é esse pastor tão cruel e severo, que não tem nenhuma piedade dessas ovelhas?” Ele respondeu: “Esse é o anjo do castigo. Ele é justo, mas foi encarregado do castigo. 3 Ele recebe aqueles que vagueiam longe de Deus e que seguiram o caminho dos desejos e enganos deste mundo. Ele os pune conforme cada um merece, com castigos terríveis e variados”. 4 Eu pedi: “Senhor, eu desejaria saber quais são esses diversos castigos”. Ele continuou: “Escuta quais são as diversas provações e castigos. As provações são as da vida. Alguns são castigados com prejuízos, outros pela indigência outros por doenças diversas, outros por alguma insegurança e outros ainda são injuriados por pessoas indignas e têm que sofrer muitas outras calamidades. 5 De fato, incertos em suas intenções, muitos se lançam a muitas coisas,

mas em nada conseguem sucesso. Dizem que não são felizes em seus negócios e não lhes entra no coração que cometeram ações más; ao contrário, acusam o Senhor. 6 Quando são atribulados por essas provações, são entregues a mim para uma boa reeducação. Eles se reforçam na fé do Senhor e o servem, de coração puro, pelo resto de seus dias. Quando fazem penitência, as obras más que praticaram lhes entram no coração e então eles glorificam a Deus, porque é juiz justo e porque cada um sofreu justamente por suas próprias ações. Doravante, eles servem ao Senhor de coração puro e têm sucesso em tudo o que fazem, pois recebem do Senhor tudo o que pedem. Então eles glorificam ao Senhor, por terem sido entregues a mim, e já não sofrem mal nenhum”.

CAPÍTULO 64

1 Eu lhe disse: “Senhor, explica-me ainda esse ponto”. Ele perguntou: “O que procuras ainda?” Eu continuei: “Senhor, os voluptuosos e transviados são atormentados por tanto tempo quanto aquele em que foram voluptuosos e transviados?” Ele respondeu: “São atormentados durante tempo igual”. 2 Observei: “Senhor, são atormentados por pouquíssimo tempo. Com efeito, seria preciso que as pessoas que vivem assim na volúpia e se esquecem de Deus, fossem torturadas por tempo sete vezes maior”. 3 Ele me disse: “Insensato! Não conheces a força do tormento”. Eu respondi: “Senhor, se eu conhecesse, não pediria explicação”. Ele continuou: “Escuta qual é a força de uma e outra coisa.

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4 O tempo da volúpia e do engano é de uma hora; mas uma hora de tormento tem a força de trinta dias. Passando um dia na volúpia e no engano, e um dia nos tormentos, esse dia de tormento vale por um ano inteiro. 5 A pessoa é atormentada por tantos anos quantos dias passou na volúpia. Vês, portanto, que o tempo da volúpia e do engano é mínimo, mas o do castigo e do tormento é longo”.

CAPÍTULO 65

1 Eu disse: “Senhor, não compreendi inteiramente os tempos do engano, da volúpia e do tormento. Explica-me com mais clareza”. Ele respondeu: 2 “Tua insensatez é insistente e não queres purificar teu coração e servir a Deus. Cuidado para que o tempo não se cumpra e sejas encontrado insensato. Ouve, portanto, para compreender o que desejas. 3 Aquele que vive um dia na volúpia e no engano, fazendo o que quer, reveste-se de muita insensatez e não percebe a ação que faz. No dia seguinte, esquece o que fez no dia anterior. A volúpia e o engano não têm memória, por causa da insensatez de que se revestem. Quando, porém, o castigo e o tormento se ligam ao homem por um dia, é durante um ano todo que ele é castigado e atormentado, pois o castigo e o tormento têm grande memória. 4 Atormentado e castigado durante um ano inteiro, ele se lembra então da volúpia e do engano, e reconhece que é por causa deles que sofre esses males. Todo homem que vive na volúpia e no engano é assim atormentado, porque, possuindo a vida, ele se entregara à

morte”. 5 Eu perguntei: “Senhor, quais são as volúpias perniciosas?” Ele respondeu: “Tudo o que o homem faz com prazer, é volúpia. Assim o colérico, fazendo aquilo que é conforme a sua paixão, é voluptuoso. O mesmo acontece com o adúltero, o bêbado, o maledicente, o mentiroso, realizando aquilo que é conforme à sua própria doença, se entrega por esse ato à volúpia. 6 Todas essas volúpias são más para os servos de Deus. Portanto, é por causa desses enganos que sofrem aqueles que são castigados e atormentados. 7 Contudo, há também volúpias que salvam os homens, pois muitos experimentam volúpia em fazer o bem: são impulsionados pelo próprio prazer. Essa é volúpia proveitosa para os servos de Deus e traz vida para o homem. As volúpias perniciosas, de que falamos antes, só lhe trazem tormentos e castigos. Caso se obstinem e não se arrependam, acarretam a morte para si mesmos”.

SÉTIMA PARÁBOLACAPÍTULO 66

O anjo do castigo na casa de Hermas1 Poucos dias depois, vi o pastor na mesma planíc ie onde t inha visto também os pastores, e ele me perguntou: “O que procuras ainda?” Respondi: “Senhor, estou aqui a fim de te pedir que mandes o pastor justiceiro sair da minha casa, pois ele me atribula muito”. Ele disse: “É preciso que sejas atribulado. Com efeito, foi assim que o anjo glorioso ordenou a respeito de ti. Ele quer que sejas provado”. Perguntei: “Senhor, o que fiz de tão mau, para ser

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entregue a esse anjo?” 2 Ele respondeu: “Escuta. Teus pecados são numerosos, mas não tanto para que sejas entregue a esse anjo. Todavia, tua família cometeu grandes pecados e iniquidades, e o anjo glorioso ficou irritado com as obras deles e, por isso, ordenou que sejas atribulado por algum tempo. Dessa forma, eles farão penitência e se purificarão de todo desejo deste mundo. Quando se tiverem arrependido e purificado, o anjo do castigo se afastará”. 3 Perguntei-lhe: “Senhor, se foram eles que fizeram essas coisas para irritar o anjo glorioso, que fiz eu? Ele respondeu: “E que não há outro modo para que eles sejam atribulados, se tu, chefe da família, não sofreres tribulação. Porque sendo tu atribulado, eles forçosamente o serão também, mas, se tiveres prosperidade, nenhuma tribulação poderá atingi-los”. 4 Eu repliquei: “Senhor, eles já fizeram penitência de todo o coração”. Ele respondeu: “Eu sei muito bem que eles fizeram penitência do fundo do coração. Você pensa que os pecados daqueles que fazem penitência são imediatamente remidos? De modo algum. E preciso que aquele que fez penitência prove sua própria alma, se humilhe profundamente em tudo o que faz e passe por muitas e variadas tribulações. Se ele suportar as tribulações que lhe sobrevierem, aquele que tudo criou e fortaleceu terá compaixão dele e lhe concederá a cura. 5 Isso acontecerá seguramente, se ele vir puro de toda coisa má o coração do penitente. E, portanto, proveitoso a ti e à tua família passar agora por tribulações. Mas, por que estou falando

tanto? Tens que passar por tribulações, conforme ordenou esse anjo do Senhor que te confiou a mim. Agradece ao Senhor por julgar-te digno de te mostrar previamente a tribulação. Dessa forma, conhecendo-a de antemão, tu a suportarás valorosamente”. 6 Eu lhe pedi: “Senhor, fica comigo, e eu poderei suportar qualquer tribulação”. Ele respondeu: “Eu estarei contigo, e pedirei ao anjo justiceiro para te atribular mais suavemente. Todavia, serás atribulado por pouco tempo, e depois serás restabelecido em teu lugar. Continua, porém, a te humilhar e a servir ao Senhor de coração puro - tu, teus filhos e tua família - e anda conforme os meus mandamentos que te dei. Desse modo, tua penitência poderá ser firme e pura. 7 Se observares isso com tua família, toda tribulação se afastará de ti. E a tribulação também se afastará de todos os que andarem conforme os meus mandamentos”.

OITAVA PARÁBOLACAPÍTULO 67

O salgueiro que cobre a terra1 Ele me mostrou um grande salgueiro, que cobria planícies e montanhas, e ao abrigo do salgueiro tinham-se recolhido todos os que são chamados pelo nome do Senhor. 2 Debaixo do salgueiro, estava de pé o anjo glorioso do Senhor, com enorme estatura. Tinha uma grande foice, e cortava ramos do salgueiro e as dava à multidão abrigada debaixo do salgueiro. Os ramos que entregava eram pequenos, com cerca de meio metro. 3 Depois de todos terem recebido seu ramo, o anjo deixou a foice, e a árvore

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estava inteira, da mesma forma como eu a vira. 4 Eu me admirava e dizia a mim mesmo: “Como é possível que, depois de tantos ramos cortados, a árvore esteja inteira?” O pastor me disse: “Não te admires que essa árvore permaneça inteira, depois que tantos ramos foram cortados. Espera e, depois de ver tudo, te será explicado o que significa isso”. Devolução dos ramos5 O anjo que entregara os ramos à multidão, pediu-os de novo. Pedia-os na ordem segundo a qual eles os haviam recebido, e cada um entregava seu ramo. O anjo do Senhor os tomava e os examinava. 6 De alguns, ele recebia ramos secos e roídos como por vermes, e aos que entregavam tais ramos o anjo dizia que formassem um grupo à parte. 7 Outros entregavam ramos secos, mas não roídos por vermes. Também a estes o anjo dizia que formassem um grupo separado. 8 Outros os entregavam meio secos, e também estes formavam um grupo separado. 9 Outros entregavam seus ramos meio secos e fendidos, e também estes formavam um grupo separado. 10 Outros entregavam seus ramos verdes e fendidos, e também estes formavam um grupo separado. 11 Outros entregavam ramos com metade seca e metade verde, e também esses formavam um grupo separado. 12 Outros devolviam seus ramos, dois terços verdes e secos no resto, e também estes formavam um grupo separado. 13 Outros entregavam seus ramos, dois terços secos, e verdes no resto,

e também estes formavam um grupo separado. 14 Outros entregavam seus ramos quase completamente verdes; apenas uma pequena parte dos seus ramos estava seca, bem na ponta, mas estavam fendidos. E também estes formavam um grupo separado. 15 Os ramos de alguns outros tinham apenas uma pequena ponta verde e o resto estava seco, e também estes formavam um grupo separado. 16 Outros vinham com os ramos verdes, como os tinham recebido do anjo. A maior parte da multidão entregava ramos assim, e o anjo alegrava-se muito com isso. E também estes formavam um grupo separado. 17 Outros entregavam seus ramos verdes com brotos novos, e também estes formavam um grupo separado, e o anjo ficava muito alegre com eles. 18 Outros entregavam seus ramos verdes e com brotos, os quais traziam uma espécie de fruto. Os homens, cujos ramos foram encontrados assim, estavam muito alegres. Também o anjo se alegrava com eles, e igualmente o pastor estava muito alegre com eles.

CAPÍTULO 68

1 O anjo do Senhor ordenou que trouxessem coroas, e foram trazidas coroas que pareciam feitas de palmas. Então coroou os homens que haviam entregue os ramos que tinham brotos e uma espécie de fruto, e enviou-os para a torre. 2 Também enviou para a torre aqueles que haviam entregue os ramos com brotos, mas sem fruto, dando-lhes um selo.

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3 Todos os que iam para a torre vestiam roupas brancas como a neve. 4 Enviou também aqueles que tinham entregue os ramos verdes como os haviam recebido, dando-lhes roupas brancas e o selo. 5 Ao terminar isso, o anjo disse ao pastor: “Eu também vou. Conduze tu para dentro das muralhas os que são dignos de habitar aí. Examina com cuidado seus ramos, e depois os conduze. Examina cuidadosamente. Atenção para que ninguém te escape, pois, se alguém escapar, eu mesmo julgarei junto ao altar”. Dito isso ao pastor, foi embora. A replantação dos ramos6 Depois que o anjo saiu, o pastor me disse: “Tomemos os ramos de todos e os plantemos, para ver se alguns dentre eles viverão”. Eu lhe perguntei: “Senhor, como esses ramos secos viverão?” 7 Ele me respondeu: “Esta árvore é salgueiro, e é cheia de vida por natureza. Plantando esses ramos, muitos deles viverão, se receberem um pouco de umidade. Por isso, procurarei água para regá-los. Se algum deles viver, eu me alegrarei com ele; se não viver, não terei sido negligente”. 8 O pastor me ordenou que os chamasse conforme estavam agrupados. Eles vieram, grupo por grupo, e entregaram seus ramos ao pastor. O pastor os tomou e, por grupo, os replantou; depois de plantados, jogou tanta água neles, de modo que os ramos não apareciam sobre a água. 9 Depois de regar os ramos, disse-me: “Vamos embora. Dentro de poucos dias, voltaremos para examinar todos

esses ramos, pois aquele que criou esta árvore deseja que vivam todos aqueles que receberam um ramo dela. Quanto a mim, espero que, encontrando umidade e regados com água, a maioria desses ramos viverá”.

CAPÍTULO 69

A árvore cósmica e seus grandes ramos1 Eu lhe disse: “Senhor, faze-me compreender o que é essa árvore, pois não entendo como ela, aparada de tantos ramos, continua inteira, sem parecer em nada que foi aparada. É isso que eu não entendo”. 2 Ele me respondeu: “Escuta. Essa grande árvore que cobre planícies, montanhas e toda a terra, é a lei de Deus dada ao mundo inteiro, e essa lei é o Filho de Deus anunciado até os confins da terra. Os povos que se encontram debaixo da árvore são aqueles que ouviram o anúncio e creram. 3 O anjo grande e glorioso é Miguel, que tem o poder sobre esse povo e o governa. É ele que dá a lei e grava no coração daqueles que creem. 4 Ele examina, portanto, se aqueles a quem deu a lei, a observaram bem. Vês muitos ramos inúteis. Reconhecerás entre eles os que não observaram a lei, e verás a morada de cada um”. 5 Perguntei-lhe: “Senhor, por que o anjo enviou alguns para a torre e deixou para ti os outros?” Ele respondeu: “Todos aqueles que transgrediram a lei que receberam dele foram deixados em meu poder para fazerem penitência. Todos os outros que se alegraram na lei e a observaram, ele os tem em seu próprio poder”.

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6 Perguntei: “Senhor, quem são aqueles que foram coroados e se dirigiram para a torre?” Ele me respondeu: “Esses coroados são os que lutaram contra o diabo e o venceram; eles sofreram pela lei. 7 Os outros que entregaram seus ramos verdes com brotos novos, mas sem fruto, foram atribulados por causa da lei, sem entretanto serem torturados por ela, mas não a renegaram. 8 Os que entregaram os ramos verdes como os haviam recebido, são santos e justos. Caminharam muito de coração puro, observando os mandamentos do Senhor. Conhecerás o resto, quando eu examinar os ramos plantados e regados”.

CAPÍTULO 70

Revisão dos Ramos1 Alguns dias depois, voltamos a esse lugar e o pastor sentou-se no lugar do anjo grande, e eu fiquei ao seu lado Então ele me disse: “Cinge-te com uma toalha e serve-me.? Eu me cingi com uma toalha limpa, feita de saco. 2 Vendo-me cingido e pronto para servi-lo, ele me disse: “Chama os homens cujos ramos foram plantados, na mesma ordem em que cada um o devolveu”. Fui até a planície, chamei a todos, e todos os grupos se apresentaram. 3 O pastor lhes disse: “Cada um arranque seu próprio ramo e o traga a mim”. 4 Os primeiros a devolvê-los foram aqueles cujos ramos estavam secos e corroídos. Como estavam secos e corroídos, ele mandou que fossem colocados à parte. 5 Em seguida, os devolveram os que tinham os ramos secos, mas não

corroídos. Alguns deles os devolveram verdes, e outros, secos e corroídos como por vermes. Aos que os devolveram verdes, o pastor mandou formar um grupo separado; aos que os devolveram secos e corroídos, ele mandou que os colocassem com os primeiros. 6 Depois, os devolveram os que os tinham recebido metade secos e fendidos, e muitos deles os devolveram verdes e sem fendas; alguns, verdes com brotos novos e frutos nesses brotos, como os tinham aqueles que foram coroados para a torre. 7 Alguns os devolveram secos e carcomidos; outros, secos mas não carcomidos; outros ainda, tais como estavam antes: meio secos e fendidos. E o pastor mandou que eles se separassem, cada um em seu grupo respectivo, e os outros restantes, à parte.

CAPÍTULO 71

1 Em seguida, os devolveram os que tinham recebido os ramos verdes, mas fendidos. Todos esses os devolveram verdes e tomaram lugar em seu próprio grupo. O pastor alegrou-se com estes, pois todos se tinham transformado e livrado de suas fendas. 2 Também os devolveram aqueles que os haviam recebido metade verdes e metade secos. Os ramos de alguns foram encontrados inteiramente verdes; de outros, metade verdes; de outros, secos e carcomidos; e de outros ainda, verdes com brotos novos. Todos esses foram mandados para seus respectivos grupos. 3 Em seguida, os devolveram aqueles que os tinham recebido com dois terços verdes e um terço seco. Muitos deles os devolveram verdes; muitos

outros, metade secos; e outros, secos e carcomidos. Todos esses foram mandados cada um para seu próprio grupo. 4 Em seguida, os devolveram aqueles que tinham recebido ramos secos em dois terços e verdes no resto. Muitos deles os devolveram metade secos; alguns, secos e carcomidos; e alguns ainda, metade secos e fendidos. Muito poucos os devolveram verdes. E todos esses tomaram lugar em seus respectivos grupos. 5 Em seguida, os devolveram aqueles que tinham recebido ramos verdes, mas com mínima parte seca e fendida. Desses, alguns os devolveram verdes; e alguns, verdes com brotos novos. Também esses se foram para seus respectivos grupos. 6 Em seguida, os devolveram aqueles que tinham recebido com mínima parte verde e todo o resto seco. Os ramos destes, em sua maior parte, foram encontrados verdes, com brotos novos e com frutos neles; e outros, inteiramente verdes. O pastor se alegrou muito com esses ramos, por tê-los encontrado assim. E também esses se foram, cada um para seu próprio grupo.

CAPÍTULO 72

Simbolismo das várias espécies de ramos1 Depois de examinar os ramos de todos, o pastor me falou: “Eu lhe disse que esta árvore é cheia de vida. Vês quantos fizeram penitência e foram salvos?” Eu respondi: “Vejo, senhor”. Ele continuou: “Isso é para que saibas que a misericórdia de Deus é grande e gloriosa, e como ele deu um espírito

àqueles que eram dignos de fazer Penitência”. 2 Perguntei: “Senhor, então, por que nem todos fizeram penitência?” Ele respondeu: “O Senhor concedeu a penitência àqueles cujo coração ele viu que estava pronto para se purificar e que haviam de servi-lo de todo o coração. Contudo, àqueles nos quais viu a perfídia e a maldade e que iriam se arrepender apenas hipocritamente, ele não concedeu a penitência, para que não blasfemassem novamente sua lei”. 3 Eu lhe pedi: “Senhor, explica-me quem é cada um daqueles que te devolveram os ramos, e a morada que lhes cabe. Desse modo, após terem ouvido, aqueles que acreditaram e receberam o selo, mas que o quebraram e não o preservaram inteiro, reconhecerão suas obras, farão penitência e receberão de ti um selo. Assim glorificarão o Senhor, por ter usado piedade com eles e te haver enviado para renovar seus espíritos”. 4 Ele explicou: “Escuta. Aqueles cujos ramos foram encontrados secos e carcomidos por vermes, são os apóstatas e traidores da Igreja que, com seus pecados, blasfemaram o Senhor e que ainda se envergonharam do nome do Senhor invocado sobre eles. Tais indivíduos estão definitivamente mortos para Deus. Vês que nenhum deles fez penitência, embora tenham ouvido as palavras que lhes transmitiste, sob minha ordem. A vida, portanto, foi tirada desses homens. 5 Aqueles que devolveram os ramos secos, mas não apodrecidos, estão próximos dos anteriores: eram hipócritas que introduziam ensinamentos errados,

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que desviavam os servos de Deus e sobretudo os pecadores, não lhes permitindo fazer penitência, mas persuadindo-os com ensinamentos loucos. Todavia, esses têm esperança de fazer penitência. 6 Vês que muitos dentre eles já fizeram penitência, desde quando lhes falaste sobre os meus preceitos. Outros ainda farão penitência, e todos aqueles que não fizerem penitência, já perderam a vida. 7 Aqueles que fizeram penitência tornando-se bons, têm sua morada nas primeiras muralhas; alguns subiram à torre. Vês, portanto, que a penitência dos pecadores traz vida, e a impenitência, traz morte”.

CAPÍTULO 73

1 Escuta também sobre aqueles que devolveram os ramos metade secos e fendidos. Aqueles cujos ramos estavam somente secos pela metade, são os que duvidam; não estão nem vivos nem mortos. 2 Os que os tinham secos pela metade e fendidos, são os que duvidam e murmuram, e que nunca estão em paz entre si, mas sempre em discórdia. Também esses ainda têm possibilidade de fazer penitência. Vês que alguns deles já fizeram penitência e ainda há esperança de penitência para eles. 3 Todos os que dentre eles fizeram penitência, têm sua morada na torre. Aqueles, porém, que se arrependerem demasiadamente tarde, habitarão nos muros; aqueles que não fizerem penitência, persistindo em suas ações, certamente morrerão. 4 Aqueles que devolveram ramos verdes,

mas fendidos, sempre foram fiéis e bons, mas têm entre si inveja pelos primeiros lugares e por alguma honraria. Todos eles são loucos em rivalizarem entre si pelos primeiros lugares.5 Todavia, depois de terem ouvido meus mandamentos, como eram bons, eles se purificaram e logo fizeram penitência. A morada deles foi na torre. Contudo, se um deles voltar novamente à discórdia, será expulso da torre e perderá a própria vida. 6 A vida pertence a todos os que observam os mandamentos do Senhor. Ora, nesses mandamentos nada se diz de primeiros lugares, nem de alguma honraria, mas fala-se da paciência e humildade do homem. Nessas pessoas, portanto, está a vida do Senhor; nos que provocam discórdia e violam a lei, está a morte”.

CAPÍTULO 74

1 “Aqueles que devolveram seus ramos metade verdes e metade secos, são os que estavam imersos em seus negócios e não se juntavam aos santos. Por isso, metade neles estava viva, e metade estava morta. 2 Todavia, depois de terem ouvido meus mandamentos, fizeram penitência e foram morar na torre. Alguns outros se afastaram definitivamente, e não têm possibilidade de fazer penitência. Com efeito, por causa de seus negócios, eles blasfemaram o Senhor e o renegaram. Portanto, perderam a vida, por causa da maldade que praticaram. 3 Muitos dentre eles são vacilantes; esses ainda têm possibilidade de fazer penitência, se logo se arrependerem, e sua morada será na torre. Se levarem demasiado tempo para fazerem

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penitência, irão morar nas muralhas; se não fizerem penitência, também eles já terão perdido a vida. 4 Aqueles que devolveram os ramos dois terços verdes e no resto secos, são aqueles que renegaram de diversas formas. 5 Muitos deles fizeram penitência e foram morar na torre. Outros se afastaram definitivamente de Deus; esses perderam definitivamente a vida. Alguns deles duvidaram e provocaram discórdia; estes ainda têm possibilidade de fazer penitência, se a fizerem logo, sem persistir em seus prazeres. Mas, se eles se obstinarem em suas ações, estarão trabalhando para a própria morte”.

CAPÍTULO 75

1 “Aqueles que devolveram ramos com dois terços secos e no resto verdes, são os que foram fiéis, mas que se enriqueceram e adquiriram honra entre os pagãos. Revestiram-se de grande orgulho, tornaram-se arrogantes, abandonaram a verdade e se separaram dos justos. Ao contrário, conviveram com os pagãos, e esse caminho lhes pareceu mais agradável. Eles não se afastaram de Deus, permaneceram na fé, mas não praticaram as obras da fé. 2 Muitos deles fizeram penitência e tiveram sua morada na torre. 3 Outros, convivendo inteiramente com os pagãos e arrastados pelas suas glórias vãs junto aos pagãos, afastaram-se de Deus e praticaram as obras dos pagãos; esses foram contados como pagãos. 4 Outros entre e les f icaram na dúvida, porque não esperavam mais ser salvos, por causa das ações que

haviam praticado. Outros ainda, não só duvidaram, mas fomentaram divisões entre si.

5 Para esses indivíduos e para aqueles que permaneceram na dúvida por causa de suas ações, ainda há possibilidade de penitência. Mas a sua penitência deve ser rápida, para que a morada deles seja dentro da torre. 6 Para os que não fazem penitência, mas permanecem nos seus prazeres, a morte está próxima”.

CAPÍTULO 76

1 “Os que devolveram ramos verdes, mas com a ponta seca e fendida, são

os que sempre foram bons, fiéis e gloriosos junto de Deus, mas pecaram

um pouco, por leve concupiscência e leves rancores mútuos. Depois de ouvirem minhas palavras, a maioria deles arrependeu-se logo, e tiveram

sua morada na torre. 2 Alguns duvidaram, e outros, por causa de sua dúvida, promoveram maiores divisões. Estes ainda têm esperança de penitência, pois sempre foram bons; é difícil que um deles morra. 3 Aqueles que devolveram seus ramos secos e com uma pequenina parte verde, são os que apenas creram, mas praticaram as obras da iniquidade. Nunca se afastaram de Deus, levaram com alegria o Nome, e receberam com alegria os servos de Deus em sua casa. Ouvindo o anúncio desta penitência, arrependeram-se sem hesitação e praticam toda a virtude da justiça. 4 Alguns até sofrem e são atribulados com alegria, pois conhecem as ações que praticaram. A morada de todos esses será na torre”.

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CAPÍTULO 77

Nova pregação sobre a penitência1 Quando terminou de explicar acerca de todos os ramos, o pastor me disse: “Vai e dize a todos que façam penitência, e viverão em Deus. De fato, o Senhor teve compaixão, e me enviou para oferecer a ocasião de penitência a todos, embora alguns, por causa de suas obras, sejam indignos da salvação. O Senhor, porém, é paciente e quer que o chamado feito pelo Filho não seja invalidado”. 2 Eu lhe disse: “Senhor, espero que, depois de ouvir essas coisas, todos farão penitência. Estou persuadido de que cada um, conhecendo suas ações e temendo a Deus, faça penitência”. 3 Ele me respondeu: “Todos os que se arrependerem do fundo do coração, se purificarem dos pecados anteriormente assinalados e não acrescentarem mais nada a seus pecados, receberão do Senhor a cura de seus pecados passados, se não duvidarem a respeito desses mandamentos; então eles viverão em Deus. Todos aqueles, porém, que aumentarem seus pecados e caminharem nas paixões deste mundo, se condenarão à morte. 4 Quanto a ti, caminha segundo os meus mandamentos e viverás em Deus. Do mesmo modo, aquele que andar no caminho dos mandamentos e os praticar retamente, viverá em Deus. 5 Depois de meter mostrado tudo isso, ele me disse: “O resto, eu te explicarei dentro de poucos dias”.

NONA PARÁBOLACAPÍTULO 78

Preludio a nova visão - A visão dos doze

montes de Arcádia 112

1 Depois que escrevi os mandamentos e as parábolas do pastor, anjo da penitência, ele veio a mim e disse: “Quero te mostrar tudo o que te mostrou o Espírito Santo, que te falou na figura da Igreja. Esse Espírito é o Filho de Deus. 2 Estavas muito fraco na carne e, por isso, não te foi revelado por meio de anjo. Contudo, quando ficaste fortalecido pelo Espírito e tu mesmo tiveste a força para poderes ver um anjo, então te foi revelada, por meio da Igreja, a construção da torre. Viste bem e santamente, qual uma virgem, todas as coisas. Agora, graças a um anjo, vês por meio do próprio Espírito. 3 E preciso que compreendas tudo, por meu intermédio, de modo mais preciso. O anjo glorioso me conferiu a missão de habitar em tua casa, para que vejas tudo com coragem, e não mais como acovardados, como antes. 4 Então me transportou para a Arcádia, sobre um monte de forma cônica. Fez-me sentar no topo da montanha, e me mostrou uma grande planície e, ao redor da planície, outras doze montanhas, cada uma com aspecto diferente. 5 A primeira era negra como fuligem; a segunda, seca e sem vegetação; a terceira, cheia de espinhos e cardos. 6 A quarta, com vegetação meio seca, verde na parte de cima e seca junto às raízes; quando o sol brilhava, parte da vegetação secava. 7 A quinta montanha era muito rochosa, 112. Arcádia é uma região da Grécia, localizada na península do Peloponeso, ao sul do país. Sua capital é a cidade de Tripolis. O nome remete ao semideus Arcas, filho de Zeus e da ninfa Calisto.

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mas tinha vegetação verde. A sexta montanha estava cheia de fendas, algumas pequenas, outras grandes; nas fendas havia vegetação, mas não era muito verdejante: parecia antes estar murcha. 8 A sétima montanha tinha vegetação cheia de viço e a montanha toda era exuberante; todas as espécies de rebanhos e aves se alimentavam sobre a montanha e, quanto mais os rebanhos e aves comiam, tanto mais a vegetação brotava da montanha. A oitava montanha estava cheia de fontes, e todas as espécies da criação do Senhor vinham beber nessas fontes da montanha. 9 A nona montanha não tinha água nenhuma, e estava completamente deserta; havia nela animais selvagens e répteis mortíferos, que provocam a morte dos homens. Na décima montanha havia árvores gigantes e estava coberta de sombras; debaixo das sombras estavam deitadas muitas ovelhas, que repousavam e ruminavam. 10 A décima primeira montanha era coberta de árvores, as quais eram frutíferas e carregadas de frutas de toda espécie, e quem as via, desejava comê-las. A décima segunda montanha era inteiramente branca; seu aspecto era muito exuberante, e a montanha em si mesma era belíssima.

CAPÍTULO 79

1 No meio da planície, ele me mostrou uma grande rocha branca que se erguia da planície. Era mais alta que as montanhas, e quadrada, de modo a conter o mundo inteiro. 2 A rocha era antiga, e havia nela uma

porta escavada, que parecia ter sido escavada recentemente. Resplandecia mais do que o sol, e eu me maravilhava com tal esplendor. 3 Ao redor da porta estavam doze virgens. As quatro que havia nos cantos me pareciam mais gloriosas, mas as outras o eram também. As virgens estavam nos quatro lados da porta, duas a duas, à meia distância das quatro primeiras. 4 Vestiam túnica de linho, belamente cingidas, com o ombro direi to descoberto, como para transportar algum peso. Estavam prontas, alegres e animadas. 5 Vendo isso, fiquei admirado pelas coisas grandes e gloriosas que via. Além disso, fiquei perplexo com essas virgens, que eram delicadas, mas que se comportavam virilmente, como se devessem sustentar todo o céu. 6 Então o pastor me disse: “Em que estás pensando, preocupando-te e causando tristeza a ti mesmo? As coisas que não consegues compreender, não as trates como se fosses inteligente. Pede antes ao Senhor que te dê inteligência para compreender essas coisas. 7 Não podes ver o que está atrás de ti, mas vês o que está diante de ti; não te atormentes pelo que não podes ver. Procura dominar as coisas que vês, e não te angusties com o resto. Explicarei tudo o que te vou mostrar. Vê, portanto, o resto.

CAPÍTULO 80

Nova Construção da Torre1 Então vi que haviam chegado seis homens altos, gloriosos e de aspecto semelhante. Chamaram uma multidão

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de homens. Estes recém-chegados eram de grande estatura, muito belos e fortes. Os seis homens lhes deram ordens de construir uma torre sobre a rocha. Os homens que vieram construir a torre fizeram então grande tumulto, correndo de cá para lá ao redor da porta. 2 As virgens que estavam ao redor da porta diziam aos homens que apressassem a construção da torre. Elas estendiam as mãos, como se devessem receber alguma coisa dos homens. 3 Os seis homens ordenaram que subissem pedras de um abismo e se colocassem na construção da torre. Então subiram dez pedras quadradas e brilhantes, não lavradas. 4 Os seis homens chamaram as virgens e lhes disseram que carregassem todas as pedras que haviam de entrar na construção da torre, que as passassem através da porta, e entregassem aos homens que iriam construir a torre. 5 As virgens então carregaram sobre si, mutuamente, as dez primeiras pedras que haviam subido do abismo, e as transportaram juntas, pedra por pedra.

CAPÍTULO 81

1 Elas carregavam as pedras na mesma ordem em que estavam ao redor da porta: as virgens que pareciam vigorosas, se colocavam nos ângulos da pedra; as outras se colocavam dos lados. E assim carregavam todas as pedras, passando pela porta, conforme lhes fora ordenado, e as entregavam aos homens na torre, os quais recebiam as pedras e construíam. 2 A torre era construída sobre a grande rocha e em cima da porta. As dez pedras foram então ajustadas e cobriram toda a rocha, tornando-se, desse modo, o

alicerce da construção da torre. A rocha e a porta suportavam toda a torre. 3 Depois das dez pedras, subiram do abismo outras vinte e cinco. Elas também foram ajustadas à construção, carregadas pelas virgens como as anteriores. Depois, subiram trinta e cinco pedras, que foram igualmente ajustadas à torre. A seguir, subiram outras quarenta pedras, e todas foram também empregadas na construção da torre. Desse modo, formaram-se quatro camadas no alicerce da torre. 4 Pararam então de subir do abismo, e os construtores descansaram um pouco. Depois, os seis homens ordenaram à multidão numerosa que trouxesse pedras das montanhas, a fim de construir a torre. 5 Eram trazidas de todas as montanhas, de cores variadas, lavradas pelos homens, e entregues às virgens, as quais as transportavam pela porta e as entregavam para a construção da torre. Quando essas pedras de cores diferentes eram colocadas na construção, tornavam-se igualmente brancas, mudando as cores precedentes. 6 Algumas pedras eram entregues aos homens para a construção, mas não se tornavam brilhantes; continuavam tais como eram antes, pois não tinham sido entregues pelas virgens, nem tinham passado pela porta. Tais pedras, portanto, destoavam na construção da torre. 7 Os seis homens viram que essas pedras destoavam na construção, e ordenaram que fossem retiradas, levadas para baixo, para o lugar de onde tinham sido transportadas. 8 Então disseram aos homens que

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transportavam as pedras: “De modo nenhum, não entregueis vós mesmos pedras aos construtores. Colocai-as perto da torre, para que as virgens, fazendo-as passar pela porta, as entreguem para a construção. Com efeito, se elas não passarem a porta pelas mãos das virgens, não poderão mudar suas cores. Portanto, não vos afadigueis em vão”.

CAPÍTULO 82

1 Terminou naquele dia o trabalho de construção, mas a torre não ficou concluída. Devia-se retomar a construção, mas houve uma pausa. Os seis homens mandaram que todos os construtores se retirassem um pouco e descansassem; às virgens, porém, ordenaram que não se afastassem da torre. Parecia-me que as virgens foram deixadas aí para guardá-la. 2 Depois que todos se retiraram para descansar, eu perguntei ao pastor: “Senhor, por que não foi terminada a construção da torre?” Ele respondeu: “A torre não pode ser terminada enquanto o seu proprietário não vier examinar a construção, para trocar as pedras que estiverem corroídas. A torre foi construída segunda a vontade dele”. 3 Eu então pedi: “Senhor, desejaria saber o que significa a construção da torre e a rocha, a porta, as montanhas, as virgens e as pedras que subiram do abismo, porque não foram lavradas, mas entraram na construção tais quais eram. 4 Também desejaria saber por que primeiro foram postas no alicerce dez pedras, depois vinte e cinco, trinta e cinco, e quarenta. E também o que significam as pedras que entraram na

construção e depois foram logo retiradas e recolocadas em seu lugar. “Senhor, tranquiliza a minha alma sobre tudo isso, e explica-me tudo”. 5 Ele respondeu: “Se tua curiosidade não for considerada vã, conhecerás tudo. Daqui a poucos dias voltaremos aqui, e verás o resto do que acontecerá a esta torre, e saberás completamente todas as parábolas”. 6 Poucos dias depois, voltamos ao lugar onde estivéramos sentados, e ele me disse: “Vamos até à torre, pois o proprietário virá examiná-la”. Então fomos até à torre, e perto dela não havia absolutamente ninguém, exceto as virgens. 7 O pastor perguntou às virgens se o proprietário da torre estava aí, e elas responderam que ele chegaria para examinar a construção.

CAPÍTULO 83

O Senhor da Torre inspeciona a Obra1 Eis que pouco depois vejo um cortejo de muitos homens chegando, e no meio deles um homem tão alto que ultrapassava a torre. 2 Os seis homens que trabalharam na construção caminhavam com ele à direita e à esquerda, e todos os que trabalharam na construção estavam com ele, e muitos outros, gloriosos, ao seu redor. As virgens que guardavam a torre correram ao seu encontro, o beijaram e começaram a caminhar com ele ao redor da torre. 3 E s s e h o m e m e x a m i n a v a minuciosamente a construção, a ponto de apalpar pedra por pedra; com um bastão na mão, batia em cada uma das pedras da construção.

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4 À medida que batia nelas, algumas ficavam negras como fuligem; outras, corroídas, ou fendidas, ou mutiladas, ou nem brancas nem negras; outras, desiguais, já não se harmonizavam com as demais pedras; e outras ainda, cheias de manchas. Tais foram às variedades de pedras achadas inúteis para a construção. 5 E ele ordenou retirá-las todas da torre, colocá-las junto dela e trazer outras para substituí-las. 6 Os construtores lhe perguntaram de qual montanha ele queria que tirassem as pedras para colocar no lugar das outras. Ele ordenou que fossem tiradas, não das montanhas, mas de uma planície vizinha. 7 Cavou-se então a planície e foram encontradas pedras br i lhantes , quadradas, e algumas redondas. Todas as pedras encontradas nessa planície foram trazidas, e as virgens as transportaram através da porta. 8 As pedras quadradas foram lavradas e colocadas no lugar das que tinham sido tiradas; as redondas não foram colocadas na construção, porque eram duras, e o trabalho de lavrá-las era lento. Foram colocadas perto da torre, pois deviam ser lavradas para serem colocadas na construção, já que eram muito brilhantes.

CAPÍTULO 84

Novo trabalho das pedras rejeitadas1 Terminando isso, o homem glorioso e senhor de toda a torre chamou o pastor e lhe entregou todas as pedras que se achavam perto da torre e que foram tiradas da construção, e lhe disse: 2 “Limpa cuidadosamente todas essas

pedras, e emprega na construção da torre as que se ajustam às outras; as que não se ajustarem, atira-as para longe da torre”. 3 Depois de ordenar isso ao pastor, foi embora, acompanhado de todos os que tinham vindo com ele; as virgens, porém, permaneceram ao redor da torre, para guardá-la. 4 Eu perguntei ao pastor: “Como podem essas pedras, que foram rejeitadas como indignas, voltar à construção da torre?” Ele me respondeu: “Vês estas pedras?” Eu disse: “Sim, senhor, estou vendo”. Ele continuou: “Lavrarei a maior parte delas e as empregarei na construção, e elas se ajustarão às outras”. 5 Eu perguntei: “Senhor, como poderão, depois de esquadradas, preencher o mesmo lugar?” Ele me respondeu: “As que forem achadas pequenas serão colocadas no interior da construção; as maiores serão colocadas no lado externo e sustentarão as outras”. 6 Dito isso, continuou: “Vamos embora. Dentro de dois dias voltaremos, l imparemos essas pedras e as colocaremos na construção. E preciso limpar tudo ao redor da torre, pois, se o proprietário vier de improviso e encontrar tudo sujo ao redor da torre, ficará irritado. Nesse caso, essas pedras não entrariam na construção da torre, e aos olhos do proprietário eu pareceria negligente”. 7 Dois dias depois, voltamos à torre e ele me disse: “Examinemos todas as pedras e vejamos quais delas podem entrar na construção”. Eu respondi: “Sim, senhor, vamos examiná-las”.

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CAPÍTULO 85

1 Para começar, examinamos primeiro as pedras negras. Da forma como foram retiradas da torre, assim as encontramos. O pastor ordenou que fossem levadas embora da torre e colocadas à parte. 2 Depois, examinou as corroídas. Pegou muitas delas, lavrou-as e ordenou que as virgens as levantassem e as colocassem na construção. As virgens as levantaram e as colocaram no interior da construção da torre. Ele ordenou então que as restantes fossem colocadas com as pretas, pois elas também foram encontradas pretas. 3 Em seguida, examinou as fendidas. Lavrou muitas e mandou que as virgens as levassem para a construção. Puseram-nas, porém, no lado externo, pois eram mais sólidas. As outras, como tinham muitas fendas, não puderam ser lavradas e, por isso, foram excluídas da construção da torre. 4 Examinou depois as mutiladas. Entre elas se encontraram muitas pedras pretas, e algumas com grandes fendas, e ele mandou que também essas fossem colocadas com as rejeitadas. Quanto às restantes, ele as limpou, lavrou e mandou colocar na construção. As virgens as levantaram e as ajustaram no meio da construção, pois eram muito fracas. 5 Depois, examinou as meio brancas e meio pretas, e muitas delas foram encontradas pretas. Mandou que também essas fossem levantadas e colocadas junto com as que tinham sido rejeitadas. Todas as outras foram levantadas pelas virgens. Como eram brancas, foram ajustadas à construção

pelas próprias virgens. Foram postas no lado externo da muralha, pois foram encontradas sólidas, de modo que podiam sustentar as que eram colocadas no meio. Nada foi cortado delas. 6 Em seguida, examinou as que eram duras e ásperas, e algumas delas foram rejeitadas; não era possível lavra-las, porque eram muito duras. As outras foram lavradas, levantadas pelas virgens, e ajustadas no interior da construção da torre, pois eram mais fracas. 7 Em seguida, ele examinou as que tinham manchas, e delas poucas ficaram pretas e foram rejeitadas com as outras. As que restaram foram encontradas brilhantes e sólidas, ajustadas pelas virgens à construção; foram colocadas no lado externo, porque eram resistentes.

CAPÍTULO 86

1 Em seguida, ele foi examinar as pedras brancas e redondas, e me disse: “Que faremos com essas pedras?” Eu respondi: “Que sei eu, senhor?” (Ele continuou:) “Não tens nenhuma ideia sobre isso?” 2 Eu respondi: “Senhor, não conheço esse ofício, não sou talhador de pedras, nem consigo entender nada”. Ele continuou: “Não vês que elas são redondas e que, se eu quiser deixá-las quadradas, será preciso cortar bastante? Contudo, é preciso que algumas delas entrem na construção”. 3 Eu perguntei: “Senhor, se é necessário, por que te preocupas? Por que não escolhes para a construção aquelas que preferes e as ajustas na construção?” Ele escolheu as maiores e mais brilhantes delas, e as lavrou. As virgens as

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levantaram e as ajustaram no lado externo da construção. 4 As restantes foram levantadas e colocadas na planície, de onde tinham sido tiradas. Não foram, porém, reprovadas. Ele me disse: “Porque resta ainda um pouco da torre para construir, e o proprietário dela quer de todo modo que essas pedras sejam ajustadas à construção, pois são muito brilhantes”. 5 Então ele chamou doze mulheres muito belas, vestidas de preto e cingidas, com os ombros descobertos e os cabelos soltos. Elas me pareceram selvagens, e o pastor ordenou que levantassem as pedras rejeitadas da construção e as levassem para as montanhas de onde tinham sido tiradas. 6 Elas as levantaram, alegres, e transportaram todas e as puseram no lugar de onde haviam sido tiradas. Quando todas as pedras foram retiradas, e não restou nenhuma pedra ao redor da torre, o pastor me disse: “Percorramos ao redor da torre, para ver se não há nenhum defeito”. Dei a volta com ele. 7 Vendo que a torre era bela em sua construção, o pastor ficou muito contente. Com efeito, a torre era tão bem construída, que eu experimentei o desejo de habitá-la, pois ela era construída como se fosse uma pedra única, sem a mínima juntura. A pedra parecia ter sido cortada da rocha, pois me parecia formar um único bloco.

CAPÍTULO 87

Limpeza da torre. Ele é o pastor1 Andando com ele, eu estava contente de ver coisas tão boas. E o pastor me disse: “Vai me buscar cal e cacos para igualar as formas das pedras que foram

levantadas e empregadas na construção. E preciso que todo o contorno da torre fique igualado”. 2 Fiz conforme ele ordenou e lhe trouxe tudo. Ele pediu: “Ajuda-me, para que a obra fique logo terminada”. Então ele igualou as formas das pedras que entraram na construção; depois mandou varrer e limpar ao redor da torre. 3 As virgens pegaram vassouras e varreram, tirando toda a sujeira da torre, e espalharam água. Então o lugar da torre ficou alegre e muito belo. 4 O pastor me disse: “Tudo foi lavado. Se o proprietário vier examinar a torre, não terá nada a nos reprovar”. Dito isso, queria ir embora. 5 Eu, porém, o segurei pelo bornal e comecei a conjurá-lo, pelo Senhor, que me explicasse o que me mostrara. Ele me disse: “Ainda tenho coisas para fazer. Depois te explicarei tudo. Espera-me aqui até que eu volte”. 6 Eu lhe perguntei: “Senhor, que farei aqui sozinho?” Ele respondeu: “Não estás sozinho. As virgens estão contigo”. Eu lhe pedi: “Recomenda-me então a elas”. Então o pastor as chamou, e lhes disse: “Confio a vós este homem, até que eu volte”. E foi embora. 7 Fiquei sozinho com as virgens. Elas estavam muito contentes, e me trataram com muita atenção, principalmente as quatro mais gloriosas.

CAPÍTULO 88

Ontem à noite, entre a Virgens1 As virgens me disseram: “O pastor não voltará aqui hoje”. Eu perguntei: “Então, o que é que eu faço?” Elas responderam: “Espera-o até à tarde. Se ele vier, falará contigo; se não vier,

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ficarás até que ele volte”. 2 Eu lhes disse: “Vou esperá-lo até à tarde. Se não vier, voltarei para casa e retornarei amanhã de manhã”. Elas responderam: “Foste confiado a nós. Portanto, não podes sair de perto de nós”. 3 Eu perguntei: “Onde ficarei?” Elas responderam: “Dormirás conosco, como irmão, e não como marido, pois tu és nosso irmão e, doravante, habitaremos contigo, porque te amamos muito”. Eu fiquei envergonhado de permanecer com elas. 4 Então, aquela que me parecia ser a primeira delas começou a beijar-me e abraçar-me. As outras, vendo-a abraçar-me, começaram também a beijar-me, a andar ao redor da torre e a brincar comigo. 5 De minha parte , eu me sent i rejuvenescido, e também comecei a brincar com elas. Umas formavam coros de danças, outras dançavam e outras cantavam. Eu fiquei em silêncio, passeava com elas ao redor da torre, e estava alegre com elas. 6 Chegando a tarde, quis retirar-me para casa. Elas, porém, não me deixaram e me retiveram. Fiquei com elas à noite e dormi perto da torre. 7 As virgens estenderam no chão suas túnicas de linho e me fizeram deitar no meio delas. E nada mais fizeram do que rezar. Eu comecei a rezar sem cessar com elas, e não menos que elas. As virgens se alegraram, vendo-me rezar assim. Permaneci aí com as virgens até à manhã seguinte, pela décima hora. 8 Em seguida, o pastor chegou e perguntou: “Não lhe fizestes nenhuma insolência?” Elas responderam: “Pergunta a ele mesmo”. Eu lhe respondi:

“Senhor, estou muito contente de ter ficado com elas”. Ele me perguntou: “O que você comeu?” Eu respondi: “Comi palavras do Senhor a noite inteira”. Ele perguntou: “Elas te receberam bem?” Eu respondi: “Sim, senhor”. 9 Ele continuou: “Agora, o que queres ouvir em primeiro lugar?” Eu disse: “Senhor, quero ouvir na mesma ordem que me mostraste desde o começo. Peço-te, senhor, que me expliques à medida que eu for perguntando”. Ele me disse: “Explicarei como quiseres e não esconderei de ti absolutamente nada”.

CAPÍTULO 89

Explicação da visão da torre1 Eu perguntei: “Antes de tudo, explica-me o que representam a rocha e a porta”. Ele me respondeu: “A rocha e a porta são o Filho de Deus”. Eu continuei: “Como é que a rocha é antiga e a porta é recente?” Ele explicou: “Escuta, homem insensato, e compreende. 2 O Filho de Deus nasceu antes de toda a criação, embora ele tenha sido o conselheiro de seu Pai para a criação. E por isso que a rocha é antiga”. Eu lhe perguntei: “E por que a porta é nova, senhor?”3 Ele respondeu: “Por que e le se manifestou nos últimos dias da consumação . Apor ta fo i f e i t a recentemente, para que os que devem salvar-se entrem por ela no Reino de Deus”. 4 Viste que as pedras que passaram pela porta foram utilizadas na construção da torre, mas as que não passaram por ela foram rejeitadas para seu antigo lugar?” Eu respondi: “Sim, senhor, eu vi”. Ele continuou: “Da mesma forma, ninguém

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entrará no Reino de Deus, se não tiver recebido o seu nome santo. 5 Se quiseres entrar numa cidade e ela for cercada de muralhas e só houver uma porta, poderias entrar nela sem ser pela única porta que tem?” Eu respondi: “Como poderia ser de outra maneira, senhor?” Ele continuou: “Da mesma forma que não poderias entrar na cidade a não ser pela sua porta, também o homem não pode entrar no Reino de Deus senão pelo nome de seu Filho amado. 6 Viste a multidão que construía a torre?” Eu respondi: “Sim, senhor, eu vi”. Ele continuou: “Todos eles são anjos gloriosos. E por meio deles que o Senhor foi cercado com muralha. A porta é o Filho de Deus. É a única entrada para o Senhor. Ninguém chegará até ele, senão por meio de seu Filho. 7 Viste os seis homens e, no meio deles, um homem grande e glorioso, que andava ao redor da torre e que rejeitou como indignas as pedras da construção?” Eu disse: “Sim, senhor, eu vi”. 8 Ele explicou: “O homem glorioso é o Filho de Deus, e os outros seis são os anjos gloriosos que o escoltam, à sua direita e à sua esquerda. Sem ele, nenhum desses anjos gloriosos poderá entrar para junto de Deus. Quem não tiver recebido o nome dele, não entrará no Reino de Deus”.

CAPÍTULO 90

As Virgens em torno da torre1 Eu perguntei: “O que é a torre?” Ele disse: “A torre é a Igreja”.2 (Eu perguntei:) “E quem são as

virgens?” Ele respondeu: “São espíritos santos. Um homem não pode entrar de outra forma no Reino de Deus, se essas virgens não o revestirem com a própria veste delas. Se receberes apenas o nome, mas não a veste, nada adiantará, porque essas virgens são os poderes do Filho de Deus. Se levas o nome, mas não a força dele, é em vão que serás o portador do nome.3As pedras que viste rejeitadas, são as pessoas que levaram o nome, mas não foram revestidas com as vestes das virgens”. Eu perguntei: “Senhor, qual é a veste delas?” Ele, respondeu: “O próprio nome delas é sua veste. Aquele que leva o nome do Filho de Deus, deve levar também os nomes delas, porque o próprio Filho de Deus leva o nome dessas virgens. 4 Todas as pedras que viste entrar na construção da torre, levadas pela mão delas, e aí permanecem, são pessoas revestidas com o poder dessas virgens. 5 Por isso vês a torre formar um só bloco com a rocha. O mesmo acontece com os que acreditaram no Senhor por meio do seu Filho e, revestidos com esses espíritos, formarão um só espírito, um só corpo, e suas vestes terão uma só cor. Tais pessoas que portam o nome das virgens têm sua morada na torre”. 6 Eu perguntei: “Senhor, e as pedras que foram rejeitadas? Por que o foram? Elas tinham passado pela porta e foram colocadas na construção da torre pela mão das virgens”. Ele respondeu: “Uma vez que te preocupas de tudo e pesquisas acuradamente, escuta o que se refere às pedras rejeitadas. 7 Todos esses indivíduos receberam o nome do Filho de Deus e também o

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poder das virgens. Acolhendo esses espíritos, eles foram fortalecidos e se encontraram entre os servos de Deus. Tinham um só espírito, um só corpo e uma só veste, pois todos pensavam a mesma coisa e praticavam a justiça. 8 Depois de certo tempo, porém, foram seduzidos pelas mulheres que viste vestidas de preto, com os ombros descobertos, cabelos soltos e belos. Vendo-as, eles as desejaram e se revestiram com o poder delas, rejeitando a veste e o poder das virgens. 9 Esses foram rejeitados da casa de Deus e entregues a essas mulheres. Mas os que não se deixaram seduzir pela beleza delas, permaneceram na casa de Deus. Aí tens a explicação das pedras rejeitadas”.

CAPÍTULO 91

A Penitência; A torre sobre a rocha o Nomes das virgens e mulheres1 Eu perguntei: “Senhor, se esses homens, mesmo que sejam assim, fizerem penitência, rejeitarem o desejo por essas mulheres e voltarem às virgens, andando conforme seus poderes e suas obras não entrarão na casa de Deus?” 2 Ele respondeu: “Eles entrarão se renunciarem às obras dessas mulheres, assumirem o poder das virgens e andarem em suas obras. Houve uma pausa na construção, justamente para que eles pudessem, no caso de se arrependerem, entrar de novo na construção da torre. Caso não fizerem penitência, outros entrarão, e eles serão definitivamente rejeitados”. 3 Dei graças ao Senhor por todas essas coisas, por se ter compadecido de

todos os que são chamados pelo nome dele, por nos ter enviado o anjo da penitência, a nós que pecamos contra ele; por ter concedido nova vida, a nós que já estávamos corrompidos e sem esperança de viver. 4 Eu disse: “Agora, Senhor, explica-me por que a torre não está construída no chão, mas sobre a rocha e sobre a porta”. Ele respondeu: “Ainda és idiota e insensato!” Eu repliquei: “Senhor, tenho necessidade de perguntar tudo, pois não consigo compreender absolutamente nada. Essas coisas são grandes, gloriosas e difíceis para os homens compreenderem”. 5 Ele explicou: “Escuta. O nome do Filho de Deus é grande, imenso e sustenta o mundo inteiro. Se toda a criação é sustentada pelo Filho de Deus, o que pensar então daqueles que foram chamados por ele, que levam o nome do Filho de Deus e andam conforme os seus mandamentos? 6 Estás vendo, portanto, os que ele sustenta? São os que levam o seu nome de todo o coração. Por isso, ele se constituiu alicerce deles e, para ele é uma alegria sustentá-los, pois eles não se envergonham de levar o nome dele”.

CAPÍTULO 92

1 Eu pedi: “Senhor, dize-me o nome das virgens e das mulheres trajadas de preto”. Ele respondeu: “Escuta o nome das virgens mais fortes, que estão nos ângulos (da porta). 2 A primeira é a Fé; a segunda, a Temperança; a terceira, a Força; a quarta, a Paciência. As outras, colocadas entre

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as primeiras, chamam-se: Simplicidade, Inocência, Castidade, Alegria, Verdade, Inteligência, Concórdia, Caridade. Aquele que leva esses nomes e também o nome do Filho de Deus, poderá entrar no Reino de Deus. 3 Escuta também os nomes das mulheres trajadas de preto. Quatro delas são mais fortes: a primeira é a Incredulidade; a segunda, Intemperança; a terceira, Desobediência; a quarta, Engano. As que se seguem chamam-se: Tristeza, Maldade, Dissolução, Cólera, Falsidade, Insensatez, Maledicência e Ódio. O servo de Deus que leva esses nomes verá o Reino de Deus, mas nele não entrará”. 4 Eu perguntei: “Senhor, e as pedras que saíram do abismo e foram ajustadas à construção? Quem são elas?” Ele respondeu: “As dez primeiras, colocadas no alicerce, é a primeira geração; as vinte e cinco seguintes são a segunda geração de homens justos; as trinta e cinco seguintes são os profetas de Deus e seus servos; as quarenta são os apóstolos e doutores que anunciaram o Filho de Deus”. 5 Eu perguntei: “Senhor, por que as virgens passaram as pedras pela porta, para entregá-las aos construtores da torre?” 6 Ele respondeu: “Porque eles foram os primeiros a levar esses espíritos e não se separaram uns dos outros; nem os espíritos se separaram dos homens; nem os homens, dos espíritos. Os espíritos permaneceram com eles até a morte. Se não levassem em si esses espíritos, tais homens não teriam sido úteis à construção da torre”.

CAPÍTULO 93

1 Eu pedi: “Senhor, explica-me mais ainda”. Ele respondeu: “O que procuras mais?” Eu continuei: “Senhor, por que as pedras tiveram que subir do fundo, para ser colocadas na construção da torre, embora tivessem esses espíritos?” 2 Ele respondeu: “Era preciso que saíssem da água, para receber a vida. Elas não podiam entrar no Reino de Deus, senão deixando a mortalidade da vida anterior. 3 Tais mortos receberam o selo do Filho de Deus e entraram no Reino de Deus. De fato, antes de levar o nome do Filho de Deus o homem está morto. Quando recebe o selo, deixa a morte e retoma a vida. 4 O selo é a água: eles descem à água e daí saem vivos. Também a eles foi anunciado esse selo, e eles o usaram para entrar no Reino de Deus”. 5 Eu perguntei: “Senhor, por que as quarenta pedras também sobem com eles do abismo, visto que estas já haviam recebido o selo?” Ele respondeu”. “Porque esses apóstolos e doutores que anunciaram o nome do Filho de Deus, adormecidos no poder e na fé do Filho de Deus, o anunciaram também àqueles que tinham morrido antes deles, e lhes deram o selo do anúncio. 6 Desceram com eles à água e novamente subiram. Contudo, desceram vivos e subiram vivos, enquanto os que estavam mortos antes deles desceram mortos e subiram vivos. E graças a eles que estes últimos receberam o nome do Filho de Deus. 7 Por isso, subiram com eles, foram

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ajustados à construção da torre, e colocados sem ser lavrados, porque morreram na justiça e na pureza. Apenas não tinham o selo. Agora tens a explicação dessas coisas”. Eu respondi: “Sim, senhor”.

CAPÍTULO 94

Simbolismo dos montes1 (Eu perguntei): “Senhor, explica-me agora a respeito das montanhas. Por que são tão diferentes entre si e suas formas variadas?” Ele respondeu: “Escuta. Essas doze montanhas são as doze tribos, que habitam o mundo inteiro. O Filho de Deus lhes foi anunciado por meio dos apóstolos”. 2 (Eu pedi): “Porque as montanhas têm formas variadas entre si? Explica-me, senhor”. Ele respondeu: “Escuta. Essas doze tribos que habitam o mundo inteiro são doze nações. Elas são diferentes no sentimento e no pensamento. Assim como são diversas as montanhas que vês, também o são as qualidades do pensamento e do sentimento das nações. Eu te explicarei, porém, o comportamento de cada uma em particular”. 3 Eu pedi: “Senhor, explica-me primeiramente porque, apesar da diversidade dessas montanhas, as pedras, quando colocadas na construção, se tornaram brilhantes e com a mesma cor branca, como as pedras que subiram do abismo”. 4 Ele me respondeu: “E porque todas as nações que habitam debaixo do céu, tendo ouvido e acreditado, foram chamadas com o nome do Filho de Deus. Depor de terem recebido o selo,

tiveram todas um só sentimento e um só pensamento, uma só fé e uma só caridade. Com o nome levaram também os espíritos das virgens. Por isso, a construção da torre tornou-se de uma só cor, brilhante como o sol. 5 Mas, depois de terem entrado para o mesmo lugar e terem formado um só corpo, alguns deles se contaminaram. Foram excluídos do povo dos justos e se tornaram como antes, ou talvez piores”.

CAPÍTULO 95

1 Eu perguntei: “Senhor, como puderam tornar-se piores, depois de conhecer a Deus?” Ele respondeu: “Aquele que não conhece a Deus e pratica o mal, merece alguma punição por seu mal. Contudo, aquele que conhece a Deus não deve praticar o mal, e sim o bem. 2 Se aquele que deve praticar o bem, pratica o mal, não te parece que comete erro maior do que aquele que não conhece a Deus? Por isso, aqueles que não conhecem a Deus e praticam o mal, são condenados à morte. Mas os que conhecem a Deus, que viram sua grandeza, e ainda praticam o mal, serão duplamente castigados, e morrerão para sempre. É desse modo que a Igreja de Deus será purificada. 3 Viste essas pedras tiradas da torre, entregues aos espíri tos maus e rejeitadas dela. Aqueles que tiverem sido purificados, formarão um só corpo. Desse modo, a torre, depois de purificada, ficou aparentemente como de uma só pedra. Igualmente acontecerá com a Igreja de Deus, depois que for purificada e forem expulsos os maus,

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os hipócritas, os blasfemadores, os vacilantes e os que tiverem praticado todo tipo de mal. 4 Depois da exclusão deles, a Igreja de Deus será um só corpo, um só sentimento, um só pensamento, uma só fé, uma só caridade. Então, o Filho de Deus se alegrará e se regozijará com eles por ter encontrado puro o seu povo”. Eu disse: “Senhor, tudo isso é grande e glorioso. 5 Mas agora, Senhor, mostra-me o poder e a conduta de cada uma das montanhas, a fim de que cada alma fiel ao Senhor, ouvindo isso, glorifique o seu nome grande, admirável e glorioso”. Ele respondeu: “Escuta a respeito da diversidade das montanhas e das doze nações”.

CAPÍTULO 96

1 “Os fiéis que vieram da primeira montanha, a preta, são apóstatas, pessoas que blasfemaram contra o Senhor e traíram os servos de Deus. Para esses não há penitência, mas a morte; são pretos porque é geração sem lei. 2 Os fiéis que vieram da segunda montanha, a seca, são hipócritas e mestres do mal. São semelhantes aos anteriores: não produziam nenhum fruto de justiça. Com efeito, assim como a montanha deles é infrutífera, tais homens possuem o nome, mas são vazios de fé, e neles não há nenhum fruto de verdade. A penitência é possível para eles, caso se arrependam logo; porém, se tardarem, a morte será o destino deles, junto aos primeiros”. 3 Eu perguntei: “Senhor, por que existe penitência para estes, enquanto para os

primeiros não? Até certo ponto, as ações deles são semelhantes”. Ele respondeu: “A penitência é possível para eles, porque não blasfemaram o seu Senhor, nem traíram os servos de Deus. 4 Agiram hipocritamente pelo desejo do lucro, e cada um ensinou conforme os desejos dos homens pecadores. Por isso, sofrerão alguma pena. Para eles há possibilidade de penitência, porque não foram blasfemadores, nem traidores”.

CAPÍTULO 97

1 Os fiéis que vieram da terceira montanha, a coberta de espinhos e cardos, são estes: alguns deles são ricos e outros enredados em numerosos negócios. Os cardos simbolizam os ricos, e os espinhos são os que se enredaram em múltiplos negócios. 2 Estes últimos, enredados em múltiplos negócios, não se ligam aos servos de Deus, mas se extraviam, afogados em seus negócios. Os ricos dificilmente se ligam aos servos de Deus, porque temem que alguém lhes peça alguma coisa e, por isso, dificilmente entrarão no Reino de Deus. 3 Assim como é difícil andar descalço sobre os cardos, também o é para eles entrar no Reino de Deus.4 Todavia, para todos esses existe possibilidade de penitência, com a condição de que seja logo, para recuperar nesses dias o que não fizeram no passado, e assim praticar alguma coisa boa. 5 Se fizerem penitência e praticarem algo de bom, viverão em Deus; mas, se persistirem obstinados em suas obras,

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serão entregues àquelas mulheres que os matarão.

CAPÍTULO 98

1 “Os fiéis que vieram da quarta montanha, a que possui muita vegetação verde na ponta e seca perto das raízes, e alguma ressequida pelo sol, são os seguintes: alguns são vacilantes, outros têm o Senhor nos lábios, mas não no coração. 2 Por isso, a base deles é seca e sem força; somente suas palavras são vivas, mas suas obras são mortas. Tais pessoas não estão vivas, nem mortas; são parecidas com os vacilantes, que não são nem verdes, nem secos, pois eles não vivem nem estão mortos. 3 Assim como essa vegetação seca ao ver o sol, também os vacilantes, quando ouvem falar de perseguição, por causa de sua covardia, sacrificam aos ídolos e se envergonham do nome do seu Senhor. 4 Eles, portanto, nem vivem, nem estão mortos. Contudo, também eles, se fizerem logo penitência, viverão; se não fizerem penitência, porém, já estão entregues às mulheres que lhes tirarão a vida”.

CAPÍTULO 99

1 “Os fiéis que vieram da quinta montanha, que tinha vegetação verde e era pedregosa, são os seguintes: indóceis, arrogantes, cheios de si; querem saber tudo, mas não sabem nada. 2 Por causa de sua presunção, a inteligência se afastou deles e a loucura

insensata neles penetrou. Gabam-se de como se tivessem inteligência e desejam ser mestres, quando são apenas insensatos. 3 Por causa desse orgulho, muitos, enaltecendo a si mesmos, acabaram se esvaziando. De fato, a presunção e a vaidade são um grande demônio. Muitos deles, foram rejeitados; alguns fizeram penitência, creram e, reconhecendo sua própria insensatez, submeteram-se aos que têm inteligência. 4 Os outros também ainda podem fazer penitência, pois não eram maus, mas idiotas e insensatos. Se fizerem penitência, viverão em Deus; mas, se não fizerem penitência, habitarão com as mulheres que lhes fazem mal”.

CAPÍTULO 100

1 “Os fiéis que vieram da sexta montanha, a que tem grandes e pequenas fendas e vegetação murcha nas fendas, são os seguintes: os que têm pequenas fendas são os que guardam algum rancor mútuo e, por causa de suas maledicências recíprocas, estão murchos na fé.2 Muitos deles, porém, fizeram penitência; outros a farão quando ouvirem os meus mandamentos, pois suas maledicências são pequenas e eles se arrependerão logo. 3 Os que têm grandes fendas, obstinam-se na maledicência, tornam-se rancorosos e furiosos uns com os outros. Esses foram rejeitados para longe da torre e julgados indignos da sua construção. Tais homens dificilmente viverão. 4 Deus nosso Senhor, que domina tudo

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e tem poder sobre toda a sua criação, não guarda rancor para com os que confessam seus pecados. Se ele é misericordioso, por que o homem, que é mortal e cheio de pecados, guarda rancor contra o homem, como se tivesse poder de destruí-lo ou salvá-lo? 5 Eu, o anjo da penitência, vos digo: Vós que tendes essa tendência, afastai-a e fazei penitência. O Senhor curará vossos pecados passados, se vos purificardes desse demônio; caso contrário, sereis entregues a ele para a morte”.

CAPÍTULO 101

1 “Os fiéis da sétima montanha, onde crescia vegetação verde e viçosa, e onde tudo era exuberante, todo tipo de rebanho e aves se alimentavam da vegetação dessa montanha, e cuja vegetação, quanto mais era cortada, mais abundante brotava, são os seguintes: 2 aqueles que sempre foram simples, inocentes, felizes, sem rancor mútuo, sempre satisfeitos com os servos de Deus e revestidos com o santo espírito dessas virgens, sempre cheios de compaixão para com todos os homens e, graças a seus esforços, puderam socorrer a todos, sem altivez e sem hesitação. 3 O Senhor, vendo sua simplicidade e candura, multiplicou o fruto do trabalho de suas mãos e os favoreceu em todas as ações. 4 Eu, o anjo da penitência, digo a vós que assim sois: permanecei assim, e vossa descendência jamais será destruída. 5 Com efeito, o Senhor vos experimentou e vos inscreveu no número dos nossos,

e toda a vossa posteridade habitará com o Filho de Deus, pois recebestes do seu Espírito”.

CAPÍTULO 1021“Os fiéis que vieram da oitava montanha, cheia de fontes, nas quais ia beber toda a criação do Senhor, são os seguintes: 2 apóstolos e doutores que anunciaram no mundo inteiro e que ensinaram, com santidade e pureza, a palavra do Senhor. 3 Não se deixaram de modo algum desviar por paixão má, mas sempre caminharam na justiça e na verdade, conforme o Espírito Santo que receberam. O lugar desses homens é ao lado dos anjos”.

CAPÍTULO 103

1“Os fiéis que vieram da nona montanha, repleta de répteis e feras que causam a morte do homem, são os seguintes: 2 aqueles que têm manchas são diáconos que administraram mal a sua função, roubando a subsistência de viúvas e órfãos Enriqueceram-se com os recursos que receberam para socorrer. Se continuarem nessa ambição, já estão mortos e não têm mais nenhuma esperança de viver. Contudo, se fizerem penitência e desempenharem retamente seu ministério, poderão viver. 3 Os que têm sarna são aqueles que renegaram seu Senhor e não se converteram a ele. Tornando-se áridos e solitários, não se vinculam aos servos de Deus, mas vivem isolados e perdem a vida. 4 A vinha abandonada em alguma parte degenera por falta de cuidados; sufocada

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pelas ervas daninhas, com o tempo ela se torna selvagem, e seus frutos não são mais úteis para o seu dono. Da mesma forma, esses homens, abandonados a si mesmos, tornam-se selvagens e inúteis para o seu Senhor. 5 Eles ainda podem fazer penitência, se não tiverem de coração renegado o Senhor; contudo, se alguém o tiver renegado de coração, não sei se poderá viver. 6 O que digo não vale para o tempo presente, de modo que alguém o negue e faça penitência. Para aqueles que o renegaram no passado é que parece haver possibilidade de penitência. Portanto, se alguém quiser fazer penitência, que a faça logo, antes que a torre esteja terminada. Caso contrário, será morto pelas mulheres. 7 Os mutilados são os espertos e maledicentes; eles são as feras que viste na montanha. Essas feras, com seu veneno, matam e destroem o homem. Da mesma forma, as palavras dessas pessoas envenenam o homem e o fazem morrer. 8 Eles estão mutilados na fé, por causa da conduta que assumem. Alguns fizeram penitência e foram salvos; os outros, sendo como são, podem ser salvos, se se arrependerem. Se não fizerem penitência, morrerão vitimados pelas mulheres, das quais têm o poder”.

CAPÍTULO 104

1 “Os fiéis que vieram da décima montanha, onde as arvores abrigavam ovelhas, são os seguintes: 2 bispos e pessoas hospitaleiras, que sempre receberam com prazer os servos de Deus em sua casa, sem

nenhuma hipocrisia. Os bispos, com seu ministério, continuamente protegeram os necessitados e as viúvas, e sempre levaram vida pura. 3 Eles serão, por sua vez, protegidos pelo Senhor, para sempre. Os que assim agiram são gloriosos junto de Deus; seu lugar já é junto com os anjos, se perseverarem até o fim no serviço ao Senhor.

CAPÍTULO 105

1 “Os fiéis que vieram da décima primeira montanha, cujas árvores estavam cheias de frutos de várias espécies, são os seguintes: 2 homens que sofreram por causa do nome do Filho de Deus, que sofreram corajosamente, de todo o coração, entregando a própria vida”. 3 Eu perguntei: “Senhor, por que todas essas árvores têm frutos e, algumas delas, frutos mais belos?” Ele respondeu: “Escuta. Todos aqueles que sofreram por causa do Nome são gloriosos junto de Deus. Os pecados de todos eles foram perdoados, porque sofreram por causa do nome do Filho de Deus. Escuta, porém, por que os frutos deles são variados, e alguns deles melhores. 4 Aqueles que foram arrastados diante das autoridades, submetidos a interrogatórios e não renegaram, mas sofreram corajosamente, são muito mais gloriosos junto do Senhor, e o fruto deles é o melhor. Aqueles, porém, que tremeram e hesitaram e interrogavam no coração se renegariam ou confessariam, e sofreram, esses levam frutos inferiores, por lhes ter

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entrado essa intenção no coração. Com efeito, é má intenção um servo renegar seu próprio Senhor. 5 Vigiai, portanto, vós que tendes essa intenção, para que ela não permaneça em vosso coração, e morrais para Deus. Vós que sofreis por causa do Nome deveis glorificar a Deus, por vos ter julgado dignos de levar seu nome e ser curados de todos os vossos pecados. 6 Felicitai-vos, portanto, e crede também que realizastes grande obra, quando algum de vós sofrer por causa de Deus. O Senhor vos agracia com a vida, e vós não compreendeis. De fato, os vossos pecados se tornaram pesados, e se não sofrêsseis pelo nome do Senhor, estaríeis mortos para Deus por causa de vossos pecados. 7 Digo isso a vós que hesitais em negar ou confessar. Confessai que tendes um Senhor, pois, se o negardes, sereis entregues à prisão. 8Se os pagãos punem o escravo que renega seu senhor, o que pensais que fará convosco o vosso Senhor, que tem poder sobre todas as coisas? Afastai esses desejos de vossos corações, a fim de viver eternamente para Deus”.

CAPÍTULO 106

1 Os fiéis que vieram da décima segunda montanha, a branca, são os seguintes: são como crianças pequeninas, em cujo coração não entra maldade nenhuma. Eles nem sequer sabem o que é o mal, e sempre permaneceram na inocência. 2 Tais homens certamente habitarão no Reino de Deus, pois em nada violaram os mandamentos de Deus, mas

perseveraram todos os dias de sua vida na inocência e no mesmo sentimento. 3 Todos vós que assim perseverardes e fordes sem malícia, como crianças pequenas, sereis mais gloriosos do que todos os anteriores. Com efeito, todas as crianças são gloriosas diante de Deus e os primeiras diante dele. Felizes, portanto, sereis vós, se arrancardes de vós mesmos o mal e vos revestirdes da inocência, pois sereis os primeiros de todos a viver em Deus”. 4 Depois que ele terminou (de explicar) as parábolas a respeito das montanhas, eu lhe pedi: “Senhor, explica-me agora o que são as pedras tiradas da planície e colocadas no lugar das pedras que foram tiradas da torre, e também as pedras redondas que foram colocadas na construção, e aquelas que ainda são redondas”.

CAPÍTULO 107Simbolismo das Pedras

1 Ele respondeu: “Escuta também o sentido de todas essas coisas. As pedras tiradas da planície e que entraram na construção da torre, no lugar das pedras que foram tiradas, são as raízes dessa montanha branca. 2 Como os fiéis que vieram dessa montanha branca foram todos encontrados inocentes, o Senhor da torre mandou empregar, na construção da torre, pedras que vieram das raízes dessa montanha. De fato, ele sabia que se essas pedras entrassem na construção da torpe, elas permaneceriam brilhantes, e nenhuma delas escureceria.

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3 Se ele tivesse acrescentado pedras vindas de outras montanhas ter-lhe-ia sido necessário examinar e purificar a torre novamente. Estes, porém, foram encontrados brancos, tanto os que creram, como os que creriam, pois eles pertencem à mesma geração. Feliz essa geração, pois ela é inocente! 4 Escuta agora o que se refere às pedras redondas e brilhantes. Elas vêm todas dessa montanha branca. Escuta, porém, por que foram encontradas redondas. Suas riquezas os obscureceram um pouco na verdade e os ofuscaram; porém, nunca se afastaram de Deus, nem saiu palavra má, de sua boca, mas sempre a equidade e a virtude da verdade. 5 Vendo, pela mente deles, que poderiam servir à verdade permanecendo bons, o Senhor mandou cortar suas riquezas, sem as tirar de todo, para que pudessem fazer algum bem com o que lhes restava. Essas pessoas viverão em Deus, porque são de índole boa. E por isso que essas pedras foram cortadas ligeiramente, e depois colocadas na construção dessa torre”.

CAPÍTULO 108Exortação Final

1 “Quanto às outras, que até agora se conservaram redondas e não foram ajustadas à construção, porque não tinham ainda recebido o selo, foram recolocadas em seu lugar; de fato, foram encontradas demasiadamente redondas. 2 É preciso cortá-los deste século e da vaidade de suas riquezas, e então se adaptarão ao Reino de Deus. De

fato, é necessário que eles entrem no Reino de Deus, pois o Senhor abençoou essa geração inocente. Dessa geração, ninguém perecerá. Pode ser que alguém deles, seduzido pelo diabo infame, cometa algum pecado e imediatamente recorra a seu Senhor. 3 Eu, o anjo da penitência, vos julgo todos felizes. Sois inocentes como as crianças, pois vossa herança é boa e honrada diante de Deus. 4 Digo a todos vós, que recebestes esse selo: sede simples, esquecei as ofensas, não permaneçais em vossa malícia ou na lembrança amarga das ofensas. Tende um só espírito, remediai e tirai de vós essas más divisões, a fim de que o Senhor das ovelhas se alegre com isso. 5 Ele ficará contente, se encontrar todas as suas ovelhas, e nenhuma transviada. Ai, porém, dos pastores, se ele encontrar transviada alguma delas. 6 Se os próprios pastores forem encontrados desviados, o que poderão dizer ao Senhor do rebanho? Poderão talvez dizer que foram desviados pelas ovelhas? 7 Não se dará crédito a eles, pois é incrível que o pastor sofra alguma coisa por parte das ovelhas. Será mais gravemente punido por causa de sua mentira. Eu também sou pastor, e é preciso que eu preste rigorosamente conta de vós”.

CAPÍTULO 109

1“Curai-vos, portanto, enquanto a torre ainda está em construção. 2 O Senhor habita nos homens que amam a paz, pois de fato a paz lhe é

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agradável, e ele se afasta para bem longe dos que brigam e dos que se perderam pela malícia. Devolvei-lhe, portanto, o espírito íntegro, como o recebestes. 3 Se entregas ao lavadeiro uma roupa nova e intacta, esperas recebê-la de volta intacta. Se o lavadeiro te devolver a roupa rasgada, tu a receberás? Não te irritarás e o perseguirás com reprovação, dizendo: “Eu te entreguei uma roupa intacta. Por que a rasgaste, tornando-a inútil? Por causa do rasgão que nela fizeste, agora não pode ser mais usada”. Não dirás tudo isso ao lavadeiro, por causa do rasgão que ele fez em tua roupa? 4 Se ficas aborrecido assim com a tua roupa e te lamentas, por não tê-la recebido intacta, o que julgas que te fará o Senhor, que te deu espírito intacto, e tu o devolves completamente inútil, a ponto de não servir para mais nada ao teu Senhor? De fato, ele se tornou inútil, desde o dia em que o corrompeste. O Senhor desse espírito não te fará morrer por teres feito isso?” 5 Eu respondi: “Certamente. Ele tratará assim todos aqueles que conservarem o rancor”. Ele concluiu: “Não calceis nos pés a clemência dele, mas glorificai-o por ser tão paciente frente aos vossos pecados e por não ser semelhante a vós. Fazei, portanto, penitência útil para vós”.

CAPÍTULO 110

1 Eu, o pastor, o anjo da penitência, mostrei e expliquei aos servos de Deus todas essas coisas, que estão acima escritas. Portanto, podereis

viver se acreditardes e ouvirdes as minhas palavras, se caminhardes nelas e corrigirdes os vossos caminhos. No entanto, se permanecerdes na malícia e no rancor, não vivereis em Deus. Tudo o que devia dizer, eu vos disse. 2 Então o pastor me disse: “Fizeste-me todas as perguntas?” Eu respondi: “Sim, senhor”. (Então ele me perguntou:) “Por que não me perguntaste sobre a forma das pedras recolocadas na construção, das quais melhoramos as formas?” Eu respondi: “Senhor, eu esqueci”. 3 Ele explicou: “Escuta agora sobre elas. São aqueles que ouviram os meus mandamentos e fizeram penitência de todo o coração. Tendo visto que a penitência deles era boa e pura, e que podiam nela perseverar, o Senhor mandou apagar seus pecados anteriores. Aquelas formas eram os pecados deles, e foram igualadas, para que não aparecessem mais”.

DÉCIMA PARÁBOLACAPÍTULO 111Olhando para trás

1 Quando terminei de escrever este livro, o anjo que me confiara a esse pastor, veio à casa onde eu me encontrava, e sentou sobre o leito. O pastor apareceu de pé à direita. Então o anjo me chamou, e disse: 2 “Eu te confiei a esse pastor a ti e à tua casa, para que fosses protegido por ele”. Eu respondi: “Sim, senhor”. Ele continuou: “Se queres, portanto, ser protegido de toda tribulação e violência, ter sucesso em toda boa obra e palavra, e

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ter toda a virtude da equidade, caminha nos seus mandamentos que te dei, e poderás dominar todo mal. 3Com efeito, se guardares os seus mandamentos, toda ambição e delícias deste mundo serão dominadas, e o sucesso te acompanhará em toda boa obra. Acolhe em ti a sua santidade e a sua modéstia e dize a todos que ele goza de grande honra e dignidade junto ao Senhor. 4 Ele detém grande poder, e a sua função é forte. Somente a ele foi conferido o poder da penitência para o mundo inteiro. Não te parece poderoso? “Mas vós desprezais a sua santidade e moderação, que ele tem para convosco”.

CAPÍTULO 112

1 Eu disse: “Senhor, pergunta ao pastor se eu fiz alguma coisa errada desde que ele está em minha casa”. 2 O anjo respondeu: “(quanto a mim, sei que não fizeste nada de errado e que também não o farás. Eu te digo isso para que perseveres. O pastor disse-me que tem boa impressão de ti. Quanto a ti, transmitirás essas palavras aos outros, para que aqueles que fizeram ou estão para fazer penitência, tenham os mesmos sentimentos que tu. Dessa forma, o pastor falará bem deles para mim, e eu ao Senhor”.3 Eu disse: “Senhor, de minha parte mostrarei a todo homem as grandezas do Senhor. E espero que todos os que outrora pecaram, ao ouvirem essas coisas, façam espontaneamente penitência, para recuperar a vida”. 4 Ele me disse: “Permanece nessa missão, realizando-a até o fim. Todos

aqueles que praticam os mandamentos do pastor, terão vida e grande honra junto ao Senhor. Por outro lado, todos aqueles que não observam seus mandamentos, afastam-se da vida e desprezam o pastor. No entanto, o pastor, tem a sua honra junto de Deus. 5 Todos aqueles que o desprezam e não observam seus mandamentos, se entregam à morte, e cada um deles se torna réu do seu próprio sangue. “Digo-te mais uma vez: coloca-te a serviço desses mandamentos e terás o remédio para os seus pecados”.

CAPÍTULO 113As Virgens auxiliadoras

1 “Eu te enviei essas virgens, para que habitem contigo; percebi que são afáveis contigo. Tu as tens como auxiliares, de modo que possas observar melhor os mandamentos do pastor. Não é possível observar esses mandamentos, sem essas virgens. Vejo, porém, que elas estão contigo de boa vontade; mas ordenei-lhes que de modo algum se afastem de tua casa. 2 Apenas limpa bem a tua casa, pois elas habitarão com prazerem casa limpa. Elas são limpas e castas, ativas, e todas gozam de grande crédito junto ao Senhor. Portanto, se encontrarem tua casa limpa, permanecerão contigo. “Se houver, porém, alguma coisa poluída, imediatamente elas deixarão tua casa, pois essas virgens não gostam de nenhum tipo de poluição”. 3 Eu lhe respondi: “Senhor, espero poder agradar-lhes, de modo que elas habitem sempre em minha casa de boa vontade.

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O pastor, a quem me confiaste, não se queixa de mim; elas também não se queixarão de mim”. 4 O anjo disse ao pastor: “Vejo que o servo de Deus quer viver, que guardará esses mandamentos, e instalará as virgens numa casa limpa”. 5 Tendo dito isso, confiou-me de novo ao pastor, chamou as virgens e lhes disse: “Como estou vendo que habitais com satisfação na casa desse homem, eu vo-lo recomendo, tanto a ele como à sua casa, para que não vos afasteis da casa dele”. Elas, por sua vez, ouviram com prazer essas palavras.

CAPÍTULO 114Recomendações Posteriores: A

Caridade

1 Em seguida, ele me disse: “Sê forte nesse ministério, mostra a todos os homens as grandezas do Senhor, e alcançarás a graça nesse ministério. Todo aquele que se comportar conforme esses mandamentos, viverá, e será feliz em sua vida. Por outro lado, quem os deixar à margem, não viverá, e será infeliz em sua vida. 2 Dize a todos que não deixem de fazer tudo o que puderem praticar de bom, porque praticar boas obras é útil para eles. Digo também que é necessário arrancar da miséria todo homem. O necessitado e que sofre revezes em sua vida cotidiana está em grande tormento e angústia. 3 Aquele, pois, que livrar uma pessoa da necessidade, adquire para si uma grande alegria. Com efeito, quem se encontra

na miséria, sofre o mesmo tormento e as mesmas torturas que alguém que está na prisão. Muitos, não podendo suportar essas calamidades, se suicidam. Aquele, portanto, que conhece a miséria de tal homem e dela não o retira, comete grande pecado e se torna réu do sangue dele. 4 Fazei, portanto, boas obras, todos vós que recebestes bens do Senhor, para que a construção da torre não termine, enquanto tardais em praticá-las. E por vossa causa que os trabalhos da construção foram interrompidos. Portanto, se não vos apressais em agir bem, a torre será terminada, e vós sereis excluídos dela”. 5 Quando ele terminou de falar comigo, o anjo se ergueu do leito e, tomando consigo o pastor e as virgens, retirou-se. Disse-me, porém, que me enviaria de novo o pastor e as virgens à minha casa.

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12. Diatesseron

A redação dos Evangelhos de Taciano

Vida

Patrístico grego do período pré-nissênico nascido em Adiabena, Mesopotâmia, de família pagã, que depois se tornou gnóstico. 113 De origem pagã, foi educado fortemente na cultura grega.

Pesquisador inquieto, estudou várias religiões e se iniciou nos mistérios. Mais tarde (152), conheceu as Escrituras cristãs e se converteu ao cristianismo, provavelmente após chegar à Roma sob Aniceto (155-165). Foi em Roma que encontrou Justino o Mártir e frequentou sua escola, onde se destacou como discípulo brilhante e escreveu seu Discurso aos Gregos. Após o martírio de seu mestre (165), começou a se afastar da Igreja, inclinando-se para a heresia encratista (‘autocontrolados’), que condenava especificamente o casamento.

Os participantes desse movimento eram chamados de encratitas (abstinentes). Montano, seu principal propagador, exigia que os cristãos não só se oferecessem voluntariamente ao martírio, como tinham de provocá-lo para provarem sua fé em Jesus. Montano se dizia assessorado diretamente pelo Espírito Santo e deste recebia mensagens, juntamente com as duas “médiuns”, Priscila e Maximila, que afirmavam receber mensagens proféticas e ver rostos de Espíritos. Montano e muitos outros “heréticos” criticavam severamente a Igreja por causa de sua suposta frouxidão e pouca moral. Esses dois líderes iam tão longe com suas exigências que não pediam, mas exigiam renúncia absoluta à carne, ao vinho e ao casamento. Algumas dessas exigências apresentadas por estas e muitas outras “heresias” foram adaptadas e melhoradas, fazendo parte da Igreja por intermédio do Monaquismo. 114

113. Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades, Verbete: Gnóstico.114. Ibid., Verbete: Heresias.

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Pregação

Para alguns autores a pregação do encratismo115 não foi uma heresia no sentido doutrinal do termo, acentuava o pessimismo quanto à queda do homem, desprezava a matéria, tinha o matrimônio como fornicação e pregava a abstinência da carne e do vinho. Seu rigorismo na observância desta abstinência levou-o a substituir vinho pela água na celebração da eucaristia. Esse costume levou-o e a seus seguidores a receberem o apelido de aquáticos. Sentindo-se mais próximo do radicalismo oriental, retornou a sua terra natal (170), onde passou a difundir suas concepções encratitas da Antioquia até a Pisídia, onde provavelmente morreu. Segundo testemunhas da antiguidade, teria escrito várias obras, mas de todos os seus escritos somente dois foram conservados: Discurso contra os gregos (160), em Roma, e Diatessaron (172), no Oriente. Esta última assegurou-lhe grande renome, sobretudo no Oriente, até o século V. Tratava-se da fusão dos quatro evangelhos para formar um único evangelho, e embora a obra tivesse traços das tendências heréticas, ou seja, encratista anti-judaíca, nunca foi condenada pela Igreja. Embora Irineu, apresente-o como iniciador do encratismo, deve-se observar que este movimento apareceu em toda a esfera da missão judeu-cristã. Foi notável no Egito de Valentim e Oriente Próximo de Marcião e, pela correspondência de Dionísio de Corintos de Pínito de Gnossa, também existiu em Creta. É preciso, sem dúvida, ver neste encratismo uma continuação da influência judaica.O Diatesseron trata-se de uma compilação com aproximações entre os quatro evangelhos, feita com o objetivo de apresentá-los em um único relato de maneira continua. Parece que foi utilizado na liturgia. Sua tradução para o latim foi “possivelmente” a primeira versão latina do Evangelho. Resolvemos não colocar o texto do Diatesseron neste trabalho por um motivo bem palpável. O texto é muito extenso e apresentam uma compilação dos evangelhos editados na bíblia, sem nenhum tipo de interpretação ou mesmo adendos. Assim, apenas repetiríamos o que já existe nos textos do Novo testamento sem acrescentar nada e cansaríamos os leitores.

115. Enkratéia (continência) é considerado um movimento de cunho religioso cristão que se manifestou em áreas mediterrâneas e no Oriente Médio entre os séculos II e V. O encratismo foi fundado por Taciano, que tinha como adeptos os encratitas ou continentes. De acordo com os ideais deste grupo, os cristãos de verdade deveriam ser contidos no que se refere à prática sexual e à ingestão de alimentos como vinho e a carne, que, segundo eles, levariam a um estado animalesco e propiciariam a relação amorosa.

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13. anotações sobre o Livro dos segredos de enoch

Conheceu Caim a sua mulher, a qual concebeu, e deu à luz a Enoque. Caim edificou uma cidade, e lhe deu o nome do filho, Enoque (Gênesis, 4:17).E andou Enoque com Deus, depois que gerou a Matusalém, trezentos anos e gerou filhos e filhas. E foram todos os dias de Enoque trezentos e sessenta e cinco anos. E andou Enoque com Deus; e não se viu mais, porquanto Deus para si o tomou (Gênesis; 5:22-24).A lei da verdade esteve na sua boca, e a iniquidade não se achou nos seus lábios; andou comigo em paz e em retidão e apartou a muitos da iniquidade (Malaquias; 2:6).Pela fé, Enoque foi trasladado para não ver a morte e não foi achado, porque Deus o trasladara, visto como, antes da sua trasladação, alcançou testemunho de que agradara a Deus. Ora, sem fé é impossível agradar-lhe, porque é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que é galardoador dos que o buscam (Hebreus; 11:5-6). “O SENHOR jurou e não se arrependerá: Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque” (Salmos; 110:4).

O Nome Enoque, Enoch, Henoch ou Henoc aparece no Antigo Testamento nos Livros do Gênesis 4:17; 4:18; 5:18; 5:19; 5:21; 5:22; 5:23; 5:24; 25:4; 46:9, Êxodo 6:14, Números

26:5, I Crônicas 1:3;33 e 5:3. O Livro de Enoch é Parusiano 116 e como toda escatologia 117 é um livro de crise, por outro lado é um texto considerado como apócrifo e é mencionado algumas vezes no Novo Testamento (Lucas 3:37, Hebreus 11:5-6, Judas 1:14). Como todo herói mítico, Enoque foi tomado e arrebatado aos céus (Gênesis; 5:24), passando antes pelos horrores

116. A segunda vinda de Jesus Cristo a Terra, conforme textos do Novo Testamento, sobretudo as cartas do apóstolo Paulo. O Reino está em crescimento até a Parusia (Mt 9,37s; 11,12s; 13; 25,34; Mc 2,19; Jo 4,35; 2,1-11; At 1,9s; Lc 21,31; 22,14s.17s).117. Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbetes: Escatologia, Restituição e Resto.

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do Inferno. “Todos esses personagens recordam a passagem (a ida) para o além, as perigosas descidas aos infernos. Quando são os seres vivos os que empreendem tais viagens, trata-se sempre de provas que fazem parte de uma iniciação. Ao assumir os riscos dessa descida aos infernos, o herói persegue (busca) na realidade a conquista da imortalidade ou de outro bem igualmente extraordinário”. 118 Até a elaboração da Vulgata, por volta do ano 400, os primeiros seguidores de Jesus, possivelmente o movimento Palestino, o mencionavam abertamente em seus textos e o aceitavam como real. Após a Vulgata ele caiu no esquecimento. Entretanto, o livro é muito interessante e parece real. O livro de Enoch foi preservado somente em uma cópia, na totalidade, em etíope e, por esta razão, também é chamado de Enoch etíope. Este documento foi encontrado, incompleto, entre os Manuscritos do Mar Morto.

Não temos dados históricos sobre esse patriarca, porém com o tempo ele se tornou um ancestral simbolicamente divinizado da piedade hebraica, tendo seu nome envolvido em muitos escritos espiritualistas, cabalista, esotéricos e um apócrifo de nome Livro dos Segredos de Enoch. A esse herói miticamente divinizado é creditado à suposta invenção do alfabeto hebraico e do calendário judaico. Devido sua suposta ascensão algumas escolas de mistérios consideram-no como o primeiro astronauta da história, que foi “elevado a face do senhor” (22:1-11) que lhe mostrou “os grandes segredos da terra e do céu” (24). Como estamos falando possivelmente de um pensamento milenarista e messiânico, seu Livro dos Segredos fala de sua ascensão e volta como um rei que fará justiça na terra com “pesos e medidas” para toda a humanidade. “Mas o povo viu e não entendeu como Enoch foi levado para glorificar a Deus, e eles encontraram um pergaminho enrolado no qual estava escrito: ‘Deus invisível’, e todos foram para casa” (67: 2). Algumas culturas vieram a conhecer esse herói mítico com outros nomes como é o caso dos egípcios que o tinham como Thoth, o ‘Senhor da Magia e do tempo’, os gregos como Hermes, ‘mensageiro dos deuses’, nos Celtas ele aparece na enigmática figura do mago Merlim, que desaparece em uma macieira para a mítica Avalon, buscando o segredo da imortalidade e prometendo voltar. 119

118 Eliade, M. Historia de las creencias y las ideas religiosas. Vol. III, p. 144 Tradução de Emília Coutinho.119 Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbete: Enoch.

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Algumas das mais antigas e das mais importantes composições apócrifas se encontram incluídas no ciclo de escritos centrados em torno da figura de Enoque e recopilados na obra designada como Enoque ou Enoque etíope. O Livro de Enoque é composto pelo Livro de Enoque original, citado por Judas; pelo Livro de Noé, que é um fragmento do Livro de Lameque; pelo Apocalipse das Semanas; e pelo Apocalipse dos Símbolos dos Animais. O livro original, que não é de autoria de Enoque (bem como o Livro de Lameque não é de Lameque), gozava de credibilidade nos primeiros ensinamentos da Igreja Primitiva.

Encontra-se composta de cinco composições de épocas e de origens diversas.

1. Enoque astronômico: ensinamentos astronômicos onde Enoch recebe o anjo Uriel:

2. Livro dos Vigilantes: narra à queda dos anjos e das viagens de Enoque para interceder por eles. Remonta aos finais do século III A.E.C.;

3. Livro dos Sonhos: Enoque conta a seu filho duas visões sobre a destruição que viria do dilúvio e outra sobre a história do povo eleito, simbolizada por vários animais.

4. Epístola de Enoque: exultação de Enoque aos seus filhos, incluindo a Apocalipse das Semanas em que resume a história do mundo. Foram escritos provavelmente nas primeiras décadas do século II A.E.C. 120 Já neste século (e antes da composição do Livro dos Jubileus) ao menos as quatro composições numeradas haviam sido colecionadas em uma composição pseudo-epígrafes atribuída a Enoque. Esta obra continha os mais antigos apocalípticos conhecidos, tanto do tipo cósmico como do tipo histórico (anteriores ao livro de Daniel) e incluía extratos do Livro de Noé, hoje perdido.

5. Livro das Parábolas, incluído também no Enoque etíope, contem três versões: na primeira Enoque visita o firmamento e a residência celeste dos justos; na segunda lhe é explicado o mistério do “Filho

120. Buckland, A. R. Dicionário bíblico universal, p. 136.

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do Homem”, e o juízo que exercerá sobre o mundo; e na terceira descreve a felicidade eterna dos eleitos e se conclui com a ascensão de Enoque ao céu.

Hoje em dia a maioria dos investigadores se inclinam a considerar também o livro das Parábolas como uma obra judia, escrita nos meados do século I E.C. Em conjunto se pode dizer que os Livros de Enoque tiveram um grande influxo dentro da literatura do Período Intertestamentário 121, no Novo Testamento e nos escritos cristãos primitivos. Até a Igreja Católica o banir no Século VI. Lendo atentamente o Livro de Enoque somos capazes de observar que realmente deve ter sido escrito entre os anos 400 e 100 (Período Intertestamentário), pois apresenta claramente alusão a uma Nova Era, Nova Terra, Novo Céu, etc., como são comuns nos autores do “Segundo” Isaías, Daniel, Malaquias, “Segundo” Zacarias e todos os profetas de escritas messiânicas existentes nesse período.122

121. São os chamados 400 anos de silêncio entre o último livro do ‘Antigo Testamento’ e o início da história do ‘Novo Testamento’. Esse período de ‘silencio’ é na realidade o início da construção social da Thanah Shorev, ou melhor, o ‘Antigo Testamento’. Foram neste período de 400 anos que foi composto e estruturado o ‘Antigo Testamento’ com seus textos, contos, aforismos, profecias e apocalipses. Cada livro foi composto e posto de forma a tentar explicar a realidade social vivida por cada tribo, como é o caso das duas criações que aparecem logo no início do livro do Gênesis. (Gottwald, N. K. As tribos de Iahweh. Partes III e IV).122. “O Segundo Isaías (40 a 55) não mais relata um Deus zangado e que pune seus filhos, mas um Deus compassivo que promete a consolação e abundância aos seus eleitos e a nova Erez Israel – Consolai, consolai o meu povo, diz o vosso Deus. Aqui já aparece o gênero literário apocalíptico e a característica clara do rei messiânico. “Pelo que lhe darei o seu quinhão com os grandes, e com os poderosos repartirá ele o despojo; porquanto derramou a sua alma até a morte, e foi contado com os transgressores; mas ele levou sobre si o pecado de muitos, e pelos transgressores intercedeu” (53:12). Exemplos desse gênero literário (messiânico) aparecem também em Ezequiel (38-39); Zacarias ou Dêutero-Zacarias (9-14). Porém, esse tipo de literatura será amplamente usado no livro de Daniel, no Apocalipse e na literatura apócrifa judaica e cristã” (Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbete: Isaías).

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O Livro de EnoqueCapítulo 1 (Santo e Poderoso)

1 As palavras das bênçãos de Enoque, com as quais ele abençoou os eleitos e os justos, os quais devem existir nos tempos da tribulação, rejeitando toda iniquidade e mundanismo. 123 Enoque, um homem justo, o qual estava com Deus, respondeu e fala com Deus enquanto seus olhos estavam abertos, e enquanto via uma santa visão dos céus. Isto os anjos me mostraram. 2 Deles eu ouvi todas as coisas e entendi o que vi; coisas que não terão lugar nesta geração, mas numa geração que deve acontecer num tempo distante, por causa dos eleitos. 3 A respeito deles eu falei e conversei com Ele, o qual virá de Sua habitação, o Santo e Poderoso, o Deus do mundo. 4 O qual pisará sobre o Monte Sinai; aparecerá com Suas hostes e se manifestará com a força do Seu poder dos céus. 5 Todos estarão temerosos e as Sentinelas estarão aterrorizadas. 6 Grande temor e tremor se apoderarão deles, mesmo aos confins da terra. As alturas das montanhas serão abaladas, e os altos montes serão abatidos, derretidos como o favo de mel na chama de fogo. A terra será imersa e todas as coisas que nela estão perecerão; enquanto julgamento virá sobre todos, mesmo sobre todos os justos:123. “Senhor, tem misericórdia de nós! Por ti temos esperado; sê tu o nosso braço cada manhã, como também a nossa salvação em tempos de tribulação. Ao ruído do tumulto, fugirão os povos; à tua exaltação as nações serão dispersas” (Isaias 33:2-3).

7 Mas a eles será dada paz: Ele preservará os eleitos e para com eles exercitará clemência.8 Então todos pertencerão a Deus, serão felizes e abençoados, e o esplendor da Divindade os iluminará.

Capítulo 2 (O Julgamento)

1 Eis que Ele vem com dezenas de milhares dos Seus santos para executar julgamento sobre os pecadores e destruir o iníquo, e reprovar toda coisa carnal e toda coisa pecaminosa e mundana que foi feita, e cometida contra Ele. 124

Capítulo 3 (A Terra)

1 Todos os que estão nos céus sabem o que transcorre lá.2 Eles sabem que as luminárias celestes não mudam seus caminhos; que cada uma nasce e se põe regularmente, cada uma a seu próprio tempo, sem transgredir os mandamentos que receberam. A VISÃO da terra, e entendem o que deve acontecer, desde o princípio até o seu fim.3 Eles veem que toda obra de Deus é invariável no período de seu aparecimento. Eles veem o verão e o inverno: percebendo que toda terra está repleta de água; e que a nuvem, o orvalho, e a chuva refrescam-na.

124. “E destes profetizou também Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que é vindo o Senhor com milhares de seus santos. Para fazer juízo contra todos e condenar dentre eles todos os ímpios, por todas as suas obras de impiedade, que impiamente cometeram, e por todas as duras palavras que ímpios pecadores disseram contra ele” (Judas 1:14-15).

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Capítulo 4 (AS Folhas)

1 Eles consideram e veem cada árvore, como aparecem para depois murchar, e toda folha, para depois cair, exceto de quatorze árvores, as quais não são efêmeras, e esperam pelo aparecimento das folhas novas por dois ou três invernos.

Capítulo 5 (O Sol)

1 Novamente eles consideram os dias de verão, que o sol está sobre a terra desde o princípio; enquanto tu procuras por uma cobertura e por um lugar sombreado por causa do sol ardente; enquanto a terra é queimada com calor fervente, e tu te tornas incapaz de andar sobre a terra ou sobre as rochas em consequência do calor.

Capítulo 6 (Os Frutos)

1 Eles consideram como as árvores, quando elas dão suas folhas verdes, cobrem-se e produzem frutos ; entendendo tudo, e sabendo que Ele, o qual vive para sempre, faz todas estas coisas por causa de vós:2 Que as obras desde o princípio de todo ano existente, que todas as suas obras são obedientes a Ele e invariáveis; assim como Deus determinou, assim todas as coisas acontecem.3 Eles veem também como os mares e os rios juntos completam suas respectivas operações:4 Mas tu resistes impacientemente, não cumpres os mandamentos do Senhor, mas transgrides e calunias a Sua grandiosidade; e malditas são as

palavras em tua boca poluída contra Sua majestade. 125

5 Tu, murcho de coração, a paz não estará contigo!6 Portanto teus dias te amaldiçoarão, e os anos de tua vida perecerão; execração perpétua se multiplicará, e não obterás misericórdia.7 Nestes dias tu resignas tua paz com a eterna maldição de todos os justos, e os pecadores perpetuamente te execrarão;8 Eles te execrarão com tudo o que não é divino.9 Os eleitos possuirão luz, alegria e paz; e herdarão a terra. 126

10 Mas tu, que não és santo, serás amaldiçoado.11 Então a sabedoria será dada aos eleitos, todos os que viverão, e não transgredirão por impiedade ou orgulho, mas humilhar-se-ão, processando prudência, e não repetirão transgressão.12 Eles não condenarão todo o período das suas vidas, não morrerão em tormento e indignação; mas a soma dos seus dias se completará, e envelhecerão em paz; enquanto os anos de sua felicidade se multiplicarão em alegria, e com paz, para sempre, em toda a duração de sua existência.

125. “Estes, pois, ficaram, para por eles o Senhor provar a Israel, para saber se dariam ouvidos aos seus mandamentos que tinha ordenado a seus pais pelo ministério de Moisés” (Juízes; 3:4).126. “Porque os malfeitores serão desarraigados; mas aqueles que esperam no Senhor herdarão a terra. Mas os mansos herdarão a terra e se deleitarão na abundância de paz. Porque aqueles que ele abençoa herdarão a terra, e aqueles que forem por ele amaldiçoados serão desarraigados. Os justos herdarão a terra e habitarão nela para sempre” (Salmos; 37:9, 11, 22 e 29).

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Capítulo 7 (os anjos) 127

1 E aconteceu depois que os filhos dos homens se multiplicaram naqueles dias, nasceram-lhe filhas, elegantes e belas.2 E quando os anjos, os filhos dos céus, viram-nas, enamoraram-se delas, dizendo uns para os outros: Vinde, selecionemos para nós mesmos esposas da progênie dos homens, e geremos filhos.3 Então seu líder Samyaza 128 disse-lhes: Eu temo que talvez possais indispor-vos na realização deste empreendimento;4 E que só eu sofrerei por tão grave crime.5 Mas eles responderam-lhe e disseram: Nós todos juramos;6 (e amarraram-se por mútuos juramentos), que nós não mudaremos nossa intenção, mas executamos nosso empreendimento projetado.7 Então eles juraram todos juntos, e todos se amarraram (ou uniram) por mútuo juramento. Todo seu número era duzentos, os quais descendiam de Ardis,

127. “Não são porventura todos eles espíritos ministradores, enviados para servir a favor daqueles que hão de herdar a salvação?” (Hebreus; 1:14).128. Samyaza, Semihazah, Shemyazaz, Sêmîazâz, Semjâzâ, Samjâzâ, Shemyaza e Shemhazai – O nome Shemyaza significa, ‘rebelião’, ‘infame’ ou ‘arrogância’. É um dos anjos caído da tradição judaica e cristã apócrifa que classificou de celeste hierarquia como um dos Grigori (‘Vigilante’). Líder do Pacto do monte Armon ou Monte Hermon. Possui sobre seu domínio mais de 200 sentinelas. Ensinou todo o tipo sortilégios aos homens. Michael Knibb alista-o como ‘o nome (ou minha) tem visto’ ou ‘ele vê o nome’. A coisa interessante sobre a segunda interpretação é que há um conto sobre Semjâzâ sobre descobrir o nome explícito de Deus.

o qual é o topo do monte Armon 129.8 Aquele monte, portanto foi chamado Armon, porque eles tinham jurado sobre ele, e amarraram-se por mútuo juramento.9 Estes são os nomes de seus chefes: Samyaza, que era o seu l íder, Urakabarameel, Akibeel, Tamiel, Ramuel, Danel, Azkeel, Saraknyal, Asael, Armers, Batraal, Anane, Zavebe, Samsaveel, Ertael, Turel, Yomyael, Arazyal. Estes eram os prefeitos dos duzentos anjos, e os restantes estavam todos com eles. 130 10 Então eles tomaram esposas, cada um escolhendo por si mesmo; as quais eles começaram a abordar, e com as quais eles coabitaram, ensinando-lhes sortilégios, encantamentos, e a divisão de raízes e árvores.11 E as mulheres conceberam e geraram gigantes.131

129. O Monte Hérmon - ‘montanha sagrada’. É uma montanha localizada na porção terminal sul da cordilheira do Antilíbano, na fronteira entre Síria e Líbano. Com 2814 metros de altitude, o seu pico está quase sempre coberto de neve, enquanto as terras ao redor queimam pelo sol de verão. O Monte Hérmon foi chamado também de Baal-Hermon (Jz 33; 1Cr 523). Seu nome aparece na poesia hebraica (Sl 8912; 1333; Ct 48). É talvez o ‘alto monte’ de Mt 171; Mc 92 e Lc 928, o monte da transfiguração.130. O texto aramaico preserva uma lista anterior dos nomes destes Guardiões ou Sentinelas: Semihazah; Artqoph; Ramtel; Kokabel; Ramel; Danieal; Zeqiel; Baraqel; Asael; Hermoni; Matarel; Ananel; Stawel; Samsiel; Sahriel; Tummiel; Turiel; Yomiel; Yhaddiel.131. O texto grego varia consideravelmente do etíope aqui. Um manuscrito grego acrescenta a esta seção, “E elas [as mulheres] geraram a eles [as Sentinelas] três raças: os grandes gigantes. Os gigantes trouxeram [alguns dizem ‘mataram’] os Naphelim, e os Naphelim

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12 Cuja estatura era de trezentos cúbitos. Estes devoravam tudo o que o labor dos homens produzia e tornou-se impossível alimentá-los;13 Então eles voltaram-se contra os homens, a fim de devorá-los;14 E começaram a ferir pássaros, animais, répteis e peixes, para comer sua carne, um depois do outro, e para beber seu sangue.15 Então a terra reprovou os injustos.

Capítulo 8 (utensílios)

1 Além disso, Azazyel 132 ensinou os homens a fazerem espadas, facas, escudos, armaduras (ou peitorais), a fabricação de espelhos e a manufatura de braceletes e ornamentos, o uso de pinturas, o embelezamento das sobrancelhas, o uso de todo tipo selecionado de pedras valiosas, e toda sorte de corantes, para que o mundo fosse alterado. 133

2 A impiedade foi aumentada, a fornicação multiplicada; e eles transgrediram e corromperam todos os

trouxeram [ou ‘mataram’] os Elioud. E eles sobreviveram, crescendo em poder de acordo com a sua grandeza”. “Também vimos ali gigantes, filhos de Enoque, descendentes dos gigantes; e éramos aos nossos olhos como gafanhotos, e assim também éramos aos seus olhos” (Números; 13:33).132. Após desafiar os Anjos Miguel e Gabriel, Azazyel foi amarrado e subjugado pelo Anjo Rafael com a permissão de Javé.133. Sempre são os – heróis míticos – Ancestrais simbolicamente divinizados (Verger, 1957 e L'Espinay, 1982) da cultura que ensinam de uma forma indireta (revelação) ou direta (intuição) “os homens a fazer ferramentas e o fogo e a cozinhar a comida, e revelaram-lhes também as instituições sociais e religiosas” (Eliade, M. Origens, p. 106)

seus caminhos.3 Amazarak ensinou todos os sortilégios, e divisores de raízes:4 Armers ensinou a solução de sortilégios;5 Barkayal ensinou os observadores das estrelas (‘Astrólogos’), 6 Akibeel ensinou sinais;7 Tamiel ensinou astronomia;8 E Asaradel ensinou o movimento da lua, 9 E os homens, sendo destruídos, clamaram, e suas vozes romperam os céus.

Capítulo 9 (clamor da terra)

1 Então Miguel 134 e Gabriel 135, Radael,

134. É considerado na literatura sagrada judaico-cristã como o chefe dos Arcanjos. “Mas o arcanjo Miguel, quando contendia com o diabo, e disputava a respeito do corpo de Moisés, não ousou pronunciar juízo de maldição contra ele; mas disse: O Senhor te repreenda” (Judas; 1:9).135. No Judaísmo, Gabriel aparece como o Anjo do Senhor ou da Morte e não como Arcanjo. Daniel 8:16 E ouvi uma voz de homem entre as margens do Ulai, a qual gritou, e disse: Gabriel, dá a entender a este a visão. Daniel 9:21 Estando eu, digo, ainda falando na oração, o homem Gabriel, que eu tinha visto na minha visão ao princípio, veio, voando rapidamente, e tocou-me, à hora do sacrifício da tarde. Segundo o cristianismo, ao anjo Gabriel foi confiada a missão mais alta que jamais havia sido confiada a alguém: anunciar o nascimento do Filho de Deus. Por isso, é muito admirado desde a antiguidade. O termo de apresentação quando apareceu a Zacarias para anunciar-lhe que ia ter por filho João Batista foi este: “Eu sou Gabriel, o que está na presença de Deus. Foi enviado por Deus o anjo Gabriel a uma cidade da Galiléia, a uma virgem chamada Maria, e chegando junto a ela, disse-lhe: ‘Salve Maria, cheia de graça, o Senhor está contigo’. Ela ficou confusa, mas disse-lhe o anjo: “Não

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Suryal, e Uriel 136, olharam abaixo desde os céus, e viram a quantidade de sangue que era derramada na terra, e toda a iniquidade que era praticada sobre ela, tenhas medo, Maria, porque estais na graça do Senhor. Conceberás um filho a quem porás o nome de Jesus. Ele será filho do Altíssimo e seu Reino não terá fim” (Lucas 1:19-26). Segundo o Islamismo, “quem for inimigo de Deus, de Seus anjos, dos Seus mensageiros, de Gabriel e de Miguel, saiba que Deus é adversário dos incrédulos” (Alcorão; 2:98). Para o muçulmano foi o anjo Gabriel que fez a revelação direta do Corão ao profeta Mohammad (ou Maomé), o que teria ocorrido em uma ocasião em que Mohammad orava e meditava em uma montanha em Meca. E com base nas revelações desse episódio, é que Maomé teria começado sua saga de divulgação das obras de Deus, no que viria a ser o Islamismo. “A natureza das revelações impunha ao Profeta repeti-las constantemente em suas recitações, e revisar continuamente a forma que as coleções dos fragmentos teria que tomar. Todos os doutos afirmam, com autoridade, que o Profeta recitava todos os anos, no mês de Ramadan, perante o anjo Gabriel, aparte do Alcorão até então revelada, e que no último ano de sua vida Gabriel pediu-lhe que o recitasse inteiro duas vezes. O Profeta concluiu, desde então, que iria, em breve, despedir-se da vida. O Profeta costumava revisar, nos meses do jejum, os versículos e as suratas, e colocá-las em sua sequência adequada. Isto era necessário por causa da continuidade das novas revelações. É também sabido que o Profeta tinha o hábito de celebrar uma prática adicional de oração durante os meses do jejum, todas as noites, às vezes mesmo em congregação, na qual ele recitava o Alcorão do princípio ao fim, tarefa esta que era completada ao cabo de um mês. Esta prática, chamada de Tarawih, continua a ser observada com grande devoção até estes nossos dias” (Samir El-Hayek, Introdução ao Alcorão Sagrado). Gabriel também é mencionado em vários outros pensamentos religiosos, como é o caso da Fé Bahá'í.136. Radael, Suryal, e Uriel não aparecem como Anjos, Arcanjos ou querubins nos textos bíblicos, mas nos livros e textos Apócrifos.

e disseram um ao outro; Esta é a voz de seus clamores;2 A terra desprovida de seus filhos tem clamado, mesmo até os portões do céu.3 E agora a ti, ó Santo dos céus, as almas dos homens queixam-se, dizendo: Obtém justiça para conosco com o Altíssimo. Então eles disseram ao seu Senhor, o Rei: Tu és Senhor dos senhores, Deus dos deuses, Rei dos reis. O trono de Tua glória é para sempre e sempre, e para sempre seja Teu nome santificado e glorificado. 137

4 Tu fizeste todas as coisas; Tu possuis poder sobre todas as coisas; e todas as coisas estão abertas e manifestas diante de Ti. Tu vês todas as coisas e nada pode esconder-se de Ti.5 Tu viste o que Azazyel tem feito, como ele tem ensinado toda espécie de iniquidade sobre a terra, e tem aberto ao mundo todas as coisas secretas que são feitas nos céus.6 Samyaza também tem ensinado sortilégios, para quem Tu deste autoridade sobre aqueles que estão associados Contigo. Eles tem ido juntos às filhas dos homens, têm-se deitado com elas; têm-se contaminado;7 E têm descoberto crimes a elas (‘revelado estes sinais’). 8 As mulheres igualmente têm gerado gigantes. 138

9 Assim toda a terra tem se enchido de sangue e iniquidade.137. “Seja glorificado o Senhor, para que vejamos a vossa alegria; mas eles serão confundidos” (Isaías; 66:5).138. “Havia naqueles dias gigantes na terra; e também depois, quando os filhos de Deus entraram às filhas dos homens e delas geraram filhos; estes eram os valentes que houve na antiguidade, os homens de fama”. (Gênesis 6:4).

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10 E agora, vês que as almas daqueles que estão mortos clamam.11 E queixam-se até ao portão do céu.12 Seus gemidos sobem; nem podem eles escapar da injustiça que é cometida na terra. Tu conheces todas as coisas, antes de elas existirem.13 Tu conheces estas coisas, e o que tem sido feito por eles; já Tu não falas a nós.14 O que, por conta destas coisas, devemos fazer contra eles?

Capítulo 10 (a voz)

1 Então o Altíssimo, o Grande e Santo falou, 2 E enviou a Arsayalalyur 139 ao filho de Lameque 140. 3 Dizendo: Diz a eles em Meu nome: Esconde-te.4 Então lhe explicou a consumação que está preste a acontecer; pois toda a terra perecerá; as águas do dilúvio virão sobre toda a terra, e todas os que estão

139. Arsayalalyur. No texto em grego lê-se ‘Uriel’.140. “E a Enoque nasceu Irade, e Irade gerou a Meujael, e Meujael gerou a Metusael e Metusael gerou a Lameque. E tomou Lameque para si duas mulheres; o nome de uma era Ada, e o nome da outra, Zilá. E disse Lameque a suas mulheres Ada e Zilá: Ouvi a minha voz; vós, mulheres de Lameque, escutai as minhas palavras; porque eu matei um homem por me ferir, e um jovem por me pisar. Porque sete vezes Caim será castigado; mas Lameque setenta vezes sete. E viveu Matusalém cento e oitenta e sete anos, e gerou a Lameque. E viveu Matusalém, depois que gerou a Lameque, setecentos e oitenta e dois anos, e gerou filhos e filhas. E viveu Lameque cento e oitenta e dois anos, e gerou um filho. E viveu Lameque, depois que gerou a Noé, quinhentos e noventa e cinco anos, e gerou filhos e filhas. E foram todos os dias de Lameque setecentos e setenta e sete anos, e morreu” (Gênesis 4:18, 19, 23 e 24, 5:25, 26, 28, 30 e 31).

nela serão destruídos.5 E agora, ensina-o como ele pode escapar, e como sua semente pode permanecer em toda a terra.6 Novamente o Senhor disse a Rafael: Amarra a Azazyel 141, mãos e pés; 141. Azazil, Azaziel, Azazyel, Azazel ou Azael são as mesmas referências para a construção social do mal (Demônio). Azazel é provavelmente o famoso demônio da religião hebraica, nesse caso, satanás, o próprio diabo no cristianismo e Iblis no Islamismo. (Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbetes: Demonologia, Diabo, Diabologia, Lilith, Lúcifer e Satanás). “O conceito cristão do Diabo foi influenciado por elementos folclóricos, algumas das culturas mais velhas, mediterrâneas e outras das religiões célticas, teutônicas e eslavas do norte. Ideias pagãs penetraram no Cristianismo enquanto Ideias cristãs penetraram no paganismo. O folclore faz sombra à religião popular, mas o posterior é mais autoconsciente, deliberado e coerente. Religião popular consiste nas convicções e práticas das pessoas simples ou de pouco conhecimento. A tradição mística dos sufis (árabe), também arraigada na via negativa, enfatizava que o propósito de Iblis e seu papel no Cosmos excede nossa compreensão. Al-Hallaj (857-922) disse que quando foi pedido a Iblis para se curvar diante de Adão ele recusou porque soube que só Alá deveria ser adorado. Hallaj foi profundo para declarar que em todo o mundo o único ser que tinha muito respeito por Deus, como fez Iblis, e que era um completo monoteísta, era Muhammad. Por razões inescrutáveis, Deus teve que dar a Iblis uma tarefa impossível: ‘Deus o lançou no mar com as mãos amarradas e disse: seja precavido para que não se molhe’. Deus mandou que Iblis fizesse o que Ele tinha ordenado estritamente que não fizesse: Ele, o único o qual devia curvar-se, lhe ordenou que se submetesse a Adão. No pensamento místico posterior, Iblis se tornou o modelo do amante perfeito que preferiria ser separado de Deus e da vontade de Deus do que ficar unido com Deus contra a vontade de Deus. Para alguns místicos ele se tornou um modelo de lealdade perfeita e devoção. As percepções do Alcorão e do hadith e dos grandes teólogos

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lança-o na escuridão; e abrindo o deserto que está em Dudael, lança-o nele.7 Arremessa sobre ele pedras agudas, cobrindo-o com escuridão;8 Lá ele permanecerá para sempre; cobre sua face, para que ele não possa ver a luz.9 E no grande dia do julgamento lança-o ao fogo.10 Restaura a terra, a qual os anjos corromperam; e anuncia vida a ela, para que Eu possa recebê-la.11 Todos os filhos dos homens, sua descendência, não perecerão em consequência de todo segredo, pelo qual as Sentinelas têm destruído, e o que eles ensinaram;12 Toda a terra tem se corrompido pelos efeitos dos ensinamentos de Azazyel. A ele, portanto, se atribui todo crime.13 A Gabriel também o Senhor disse: Vai aos bastardos, aos réprobos, aos filhos da fornicação; e destrói os filhos da fornicação, a descendência das Sentinelas de entre os homens; traga-os e excita-os uns contra os outros. Faça-os perecer por mútua matança; pois o prolongamento de dias não será deles.14 Eles rogarão a ti, mas seus pais não obterão seus desejos com respeito a eles; pois eles esperaram por vida eterna, e que eles possam viver, cada um deles, quinhentos anos. 142

15 A Miguel, igualmente o Senhor disse: Vai e anuncia seus próprios crimes

muçulmanos como Al-Ghazali, ressonando como eles fazem com as percepções da tradição cristã, confirmam a significância do conceito do Diabo na religião monoteísta ocidental” (Russell, J. B. Lúcifer: O diabo na Idade Média, p. 58-59).142. Gênesis; 5:32 e 11:11.

a Samyaza, e aos outros que estão com ele, os quais têm se associado às mulheres para que se contaminem com toda sua impureza. E quando todos os seus filhos forem mortos, quando eles virem a perdição dos seus bem-amados, amarra-os por setenta gerações debaixo da terra, mesmo até o dia do julgamento, e da consumação, até o julgamento, cujo efeito que dura para sempre, seja completado.16 Então eles serão levados para as mais baixas profundezas do fogo em tormentos; lá eles serão encerrados em confinamento para sempre.17 Imediatamente depois disso ele (Samyaza), juntamente com os outros, queimarão e perecerão; eles serão amarrados até a consumação de muitas gerações.18 Destrói todas as almas viciadas na luxúria 143, e a descendência das

143. A luxúria (do latim luxuriae) é o desejo passional e egoísta por todo o prazer sensual e material. Também pode ser entendido em seu sentido original: “deixar-se dominar pelas paixões”. Segundo a Doutrina Católica, é um dos sete pecados capitais e consiste no apego aos prazeres carnais, corrupção de costumes; sexualidade extrema, lascívia e sensualidade. A luxúria é um pecado capital, ou seja, um pecado mais forte que segundo a doutrina católica, serve de “porta” para levar a outros pecados, no caso da luxúria há diversas ramificações como, por exemplo, a prostituição, sodomia, pornografia, incesto, pedofilia, zoofilia ou bestialismo, masturbação, fetichismo, sadismo (busca de prazer infligindo dor ao parceiro) e masoquismo (busca de prazer recebendo do parceiro punições que envolvem dor), desvios sexuais, e tantos outros pecados relacionados com a carne. A luxúria segundo a mesma doutrina pode acarretar em consequências como por exemplo o estímulo ao aborto (no caso de gravidez indesejada), transmissão de doenças sexualmente transmissíveis, abuso

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Sentinelas, pois eles tiranizam a humanidade.19 Que todo opressor pereça na face da terra;20 Que toda má obra seja destruída;21 A semente da justiça e da retidão apareça, e o que é produtivo torne-se uma bênção.22 Justiça e retidão serão plantadas para sempre com prazer.23 E então todos os santos darão graças, e viverão até terem gerado milhares de filhos, enquanto todo o período de sua juventude, e seus sábados, serão completados em paz. Naqueles dias toda a terra será cultivada em retidão; ela será totalmente cultivada com árvores, e será cheia de bendições; toda árvore de delícias será plantada nela.24 Vinhas serão plantadas; e a vinha que nela será plantada produzirá frutos para saciedade; toda semente que nela será semeada produzirá mil por uma medida; e uma medida de olivas produzirá dez prensas de óleo.25 Purifica a terra de toda opressão, de toda injustiça, de todo crime, de toda impiedade, e de toda impureza que é cometida sobre ela. Extermina-os da terra. 144

26 Então todos os filhos dos homens serão

sexual (no caso de pessoas com desvios sexuais que buscam na submissão do outro o seu prazer ou em pessoas que sofreram na infância tais abusos). Portanto a luxúria seria uma porta de acesso a outros pecados (desvios morais). No Bhagavad-Gita (3:37), “a luxúria gerada pela paixão que mais tarde se transforma em ira, a grande inimiga pecaminosa e voraz devoradora de tudo. Conheça-a como o inimigo”.144. “E viu Deus a terra, e eis que estava corrompida; porque toda carne havia corrompido o seu caminho sobre a terra” (Genesis; 6:12).

justos, e todas as nações me pagarão divinas honras, e Me abençoarão; e todos Me adorarão.27 A terra será limpa de toda corrupção, de toda punição e de todo sofrimento; Eu não enviarei novamente dilúvio sobre ela, de geração em geração para sempre. 145

28 Naqueles dias Eu abrirei tesouros de bênçãos que estão nos céus, para fazê-los descer sobre a terra, e sobre todos os trabalhos e labores do homem.29 Paz e equidade se associarão aos filhos dos homens todos os dias do mundo, em cada uma de suas gerações.

Capítulo 11 (Não tem)

Capítulo 12 (a visão)

1 Antes de todas estas coisas acontecerem, Enoque esteve escondido; e nenhum dos filhos dos homens sabia onde ele estava, onde ele havia estado, e o que havia acontecido.2 Ele esteve totalmente engajado com os santos, e com as Sentinelas em seus dias.3 Eu, Enoque, fui abençoado pelo grande Senhor e Rei da paz.4 E eis que as Sentinelas chamaram-me Enoque, o escriba.5 Então o Senhor disse-me: Enoque, escriba da retidão, vai e dize às Sentinelas dos céus, os quais desertaram o alto céu e seu santo e eterno estado,

145. “E acontecerá que, quando eu trouxer nuvens sobre a terra, aparecerá o arco nas nuvens. Então, me lembrarei do meu concerto, que está entre mim e vós e ainda toda alma vivente de toda carne; e as águas não se tornarão mais em dilúvio, para destruir toda carne” (Genesis 9:14-15).

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os quais foram contaminados com mulheres.6 E fizeram como os filhos dos homens fazem, tomando para si esposas, e os quais têm sido grandemente corrompidos na terra;7 Que na terra eles nunca obterão paz e remissão de pecados. Pois eles não se regozijarão em sua descendência; eles verão a matança dos seus bem-amados; lamentarão a destruição dos seus filhos e farão petição para sempre; mas não obterão misericórdia e paz.

Capítulo 13 (o castigo)

1 Então Enoque, passando ali, disse a Azazyel: Tu não obterás paz. Uma grande sentença há contra ti. Ele te amarrará;2 Socorro, misericórdia e súplica não estarão contigo por causa da opressão que tens ensinado;3 E por causa de todo ato de blasfêmia, tirania e pecado que tens descoberto aos filhos dos homens.4 Então partindo dele, falei a eles todos juntos;5 E eles todos ficaram apavorados, e tremeram;6 Abençoando-me por escrever por eles um memorial de súplica, para que eles pudessem obter perdão; e que eu fizesse um memorial de suas orações ascendendo diante do Deus do céu; porque eles, por si mesmos, desde então não podiam se dirigir a Ele, nem levantar seus olhos aos céus por causa da infame ofensa com a qual eles foram julgados.7 Então eu escrevi um memorial de suas orações e súplicas, por seus espíritos,

por tudo o que eles haviam feito, e pelo assunto de sua solicitação, para que eles obtivessem remissão e descanso.8 Procedendo nisso, eu continuei sobre as águas de Danbadan, as quais estão da direita para o oeste de Armon, lendo o memorial de suas orações, até que caí adormecido.9 E eis que um sonho veio a mim, e visões apareceram acima de mim. E caí e vi uma visão de castigos, para que eu pudesse relatar aos filhos dos céus, e reprová-los. Quando eu acordei fui até eles. Todos estavam reunidos chorando em Oubelseyael, que está situada entre o Líbano e Seneser 146, com suas faces escondidas.10 E relatei em sua presença todas as visões que eu havia visto, e meu sonho;11 E comecei a pronunciar estas palavras de retidão, reprovando as Sentinelas do céu.

Capítulo 14 (visão do céu)

1 Este é o livro das palavras de retidão, e de reprovação das Sentinelas, os quais pertencem ao mundo (‘os quais (são) da eternidade’), de acordo com o que Ele, que é santo e grande, ordenou na visão. Eu percebi em meu sonho que eu estava então falando com a língua da carne, e com meu fôlego, que o Poderoso colocou na boca dos homens, para que eles pudessem conversar com Ele.2 Eu entendi com o coração. Assim como Ele havia criado e dado aos homens o poder de compreender a palavra de entendimento, assim criou, e deu a mim o poder de reprovar as Sentinelas, a geração dos céus. E escrevi sua petição;

146. Líbano e Senir (próximo a Damasco).

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e na minha visão foi-me mostrado que seu pedido não lhes será atendido enquanto o mundo perdurar.3 Julgamento passou sobre vós: vosso pedido não vos será atendido.4 De agora em diante, nunca ascendereis ao céu; Ele o disse que na terra Ele vos amarrará tanto tempo quanto o mundo existir.5 Mas antes destas coisas tu verás a destruição dos vossos bem-amados filhos; não os possuireis, maseles cairão diante de vós pela espada.6 Nem pedireis por eles, nem por vós mesmos;7 Mas chorareis e suplicareis em silêncio. As palavras do livro que eu escrevi. 8 Uma visão então me apareceu.9 Eis que naquela visão, nuvens e névoa convidaram-me; estrelas agitadas e brilho de relâmpagos impeliram-me e pressionaram-me adiante, enquanto ventos na visão assistiram meu vôo, acelerando meu progresso.10 Eles elevaram-me no alto ao céu. Eu prossegui, até que cheguei próximo dum muro construído com pedras de cristal. Uma chama de fogo vibrante 147 rodeou-o, a qual começou a golpear-me com terror.11 Nesta chama de fogo vibrante eu entrei;12 E aproximei-me de uma espaçosa habitação, também construída com pedras de cristal. Seus muros também, bem como o pavimento, eram formados com pedras de cristal, e de cristal também era o piso. Seu telhado tinha a aparência de estrelas agitadas e 147. Chama de fogo vibrante ou ‘uma língua de fogo’. “E apareceram, distribuídas entre eles, línguas, como de fogo, e pousou uma sobre cada um deles” (Atos; 2:3).

brilhos de relâmpagos; e entre eles haviam querubins de fogo num céu tempestuoso. 148 Uma chama queimava ao redor dos muros; e seu portal queimava com fogo. Quando eu entrei nesta habitação, ela era quente como fogo e frio como o gelo. Nenhum traço de encanto ou de vida havia lá. O terror sobrepujou-me, e um tremor de medo apoderou-se de mim. 149

13 Violentamente agitado e tremendo, eu caí sobre minha face. Na visão eu olhei. 150

148. Seres da mitologia babilônica que guardavam os portais dos templos e palácios (Gn 3,24; 2Sm 22,11; Ez 10,2). Nos apocalipses judaicos e no cristianismo foram equiparados aos anjos e algumas vezes aos arcanjos. “Os querubins estenderão as suas asas por cima do propiciatório, cobrindo-o com as asas, tendo as faces voltadas um para o outro; as faces dos querubins estarão voltadas para o propiciatório” (Êxodo; 25:20)..149. “Tudo que tenha intervindo de forma incompreendida e atemorizante na atuação humana, tudo que em processos naturais, eventos, pessoas, animais ou plantas tenha causado estranheza, espanto ou estarrecimento, principalmente quando associado a poder ou terror, sempre despertou e atraiu inicialmente receio demoníaco e depois receio sagrado, transformando-se em portento, prodígio, milagre. Somente assim é que pode surgir o miraculoso. E inversamente, da mesma forma como acima o tremendum passou a ser, para a fantasia e o imaginário, estímulo para optar pelo terrível como meio de expressão, ou para inventá-lo criativamente, assim o misterioso passou a ser o mais poderoso estímulo para a fantasia ingênua esperar, inventar, narrar o ‘milagre’, passou a ser o incansável impulso para a inesgotável inventividade em contos, mitos, lendas e sagas, permeando rito e culto, sendo até hoje o mais potente fator em narrativas e no culto a manter o sentimento religioso em pessoas de índole ingênua”. (Otto, R. O Sagrado, p. 103).150. “Mas o Senhor Deus é a verdade; ele

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14 E vi que lá havia outra habitação mais espaçosa que a primeira, cada entrada da qual estava aberta diante de mim, elevada no meio da chama vibrante.15 Tão grandemente superou em todos os pontos, em glória, em magnificência, em magnitude, que é impossível descrever-vos o esplendor ou a extensão dela.16 Seus pisos eram de fogo, acima havia relâmpagos e estrelas agitadas, enquanto o telhado exibia um fogo ardente.17 Eu examinei-a atentamente e vi que ela continha um trono exaltado;18 A aparência do qual era semelhante à da geada, enquanto que sua circunferência assemelhava-se à órbita do sol brilhante; e havia a voz de um querubim.19 Debaixo desse poderoso trono saíam rios de fogo flamejante. 151

20 Olhar para ele foi impossível. 152

mesmo é o Deus vivo e o Rei eterno; ao seu furor treme a terra, e as nações não podem suportar a sua indignação. Mas nunca mais vos lembrareis do peso do Senhor; porque a cada um lhe servirá de peso a sua própria palavra; pois torceis as palavras do Deus vivo, do Senhor dos Exércitos, o nosso Deus” (Jeremias; 10:10 e 23:36 ). 151. “Eu continuei olhando, até que foram postos uns tronos, e um ancião de dias se assentou; a sua veste era branca como a neve, e o cabelo da sua cabeça como a pura lã; e seu trono era de chamas de fogo, e as suas rodas de fogo ardente” (Daniel 7:9).152. “Porque, quem há de toda a carne, que ouviu a voz do Deus vivente falando do meio do fogo, como nós, e ficou vivo?” (Deuteronômio; 5:26). “Nisto conhecereis que o Deus vivo está no meio de vós; e que certamente lançará de diante de vós aos cananeus, e aos heteus, e aos heveus, e aos perizeus, e aos girgaseus, e aos amorreus, e aos jebuseus” (Josué; 3:10). “Então falou Davi aos homens que estavam com ele, dizendo: Que farão àquele homem, que ferir a este filisteu, e tirar a afronta de sobre

21 Alguém grande em glória assentava-se sobre ele, 22 cujo manto era mais brilhante que o sol, e mais branco que a neve.23 Nenhum anjo era capaz de penetrar para olhar a Sua face, o Glorioso e Efulgente; nem podia algum mortal vê-Lo. Um fogo flamejante rodeava-O.24 Também um fogo de grande extensão continuava a elevar-se diante d’Ele; de modo que nenhum daqueles que estavam ao redor d’Ele eram capazes de aproximar-se d’Ele, entre as miríades de miríades 153 que estavam diante d’Ele. Para Ele santa consulta era desnecessária. Contudo, o Santificado, que estava próximo d’Ele, não apartou-se d’Ele nem de noite nem de dia; nem eram eles tirados de diante d’Ele. Eu também estava tão adiantado, com um véu sobre minha face, e trêmulo. Então o Senhor com sua própria boca chamou-me, dizendo: Aproxima-se aqui acima, Enoque, à minha santa palavra.25 E Ele ergueu-me, fazendo aproximar-me, mesmo até a entrada. Meus olhos estavam dirigidos para o chão.

Capítulo 15 (o pecado)

1 Então se dirigindo para mim, Ele

Israel? Quem é, pois, este incircunciso filisteu, para afrontar os exércitos do Deus vivo? Assim feria o teu servo o leão, como o urso; assim será este incircunciso filisteu como um deles; porquanto afrontou os exércitos do Deus vivo” (1 Samuel 17:26 e 36). “E se, para nos punir e corrigir, o Deus vivo e Senhor nosso se irou por pouco tempo contra nós, ele há de se reconciliar de novo com seus servos”. (2 Macabeus; 7:33).153. Miríades de miríades, ‘dez mil vezes dez mil’. Grande quantidade, grande número de coisas.

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falou e disse: Ouve, não se atemorize, justo Enoque, tu escriba da retidão: aproxima-te para cá, e ouve a minha voz. Vai, dize às Sentinelas do céu, a quem te enviei para rogar por eles; tu deves rogar pelos homens, e não os homens por ti.2 Portanto, deves abandonar o sublime e santo céu, o qual permanece para sempre; deitastes com mulheres; corrompestes-vos com as filhas dos homens; tomastes para ti esposas; agiste igual aos filhos da terra, e gerastes uma ímpia descendência. 154

3 Sois espirituais, santos, e possuidores de uma vida que é eterna; vos contaminastes com mulheres, procriastes em sangue carnal; cobiçastes o sangue de homens; e fizestes como aqueles que são carne e sangue fazem.4 Estes, contudo, morrem e perecem.5 Portanto, de agora em diante Eu dou-vos esposas, para que possais coabitar com elas; para que filhos nasçam delas; e que isto seja negociado sobre a terra. 155

6 Mas desde o princípio fostes feitos espirituais, possuindo uma vida que é eterna, e não sujeito à morte para sempre.7 Portanto, eu não fiz esposas para vós, porque, sendo espirituais, vossa habitação está no céu, 8 Agora, os gigantes que têm nascido de espírito e de carne, serão chamados sobre a terra de maus espíritos, e na terra estará a sua habitação. Maus

154. ‘naquele tempo havia gigantes na terra’ (Gênesis; 6:4).155. “E abençoou Deus a Noé e seus filhos, e disse-lhes: Frutificai e multiplicai-vos e enchei a terra” (Ibid., 9:1).

espíritos procederão de sua carne, porque eles foram criados de cima; dos santos Sentinelas foi seu princípio e a sua primeira fundação. Maus espíritos eles serão sobre a terra, e de espíritos da maldade eles serão chamados. A habitação dos espíritos do céu será no céu, mas sobre a terra estará à habitação dos espíritos terrestriais, os quais são nascidos na terra. 9 Os espíritos dos gigantes serão semelhantes às nuvens 156, os quais oprimem, corrompem, caem, contendem e confundem sobre a terra. 157

10 Eles causarão lamentação. Nenhuma comida eles comerão; e terão sede; eles se esconderão e se levantarão contra os filhos dos homens, e contra as mulheres; pois eles virão durante os dias da matança e da destruição. 158

Capítulo 16 (o Aviso)

1 E quanto à morte dos gigantes, onde quer que seus espíritos se apartem de seus corpos; que sua carne, que é perecível, esteja sem julgamento. Assim eles perecerão, até o dia da grande consumação do mundo. Uma destruição das Sentinelas e dos ímpios acontecerá.2 E então às Sentinelas, aos quais 156. A palavra grega para “nuvem” aqui, nephelas, pode ocultar a mais antiga leitura, Napheleim (Nephilim).157. “E viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente” (Gênesis; 6:5).158. “Nem a sua prata nem o seu ouro os poderá livrar no dia da indignação do Senhor; mas pelo fogo do seu zelo será devorada toda a terra; porque certamente fará de todos os moradores da terra uma destruição total e apressada” (Sofonias; 1:18).

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enviei-te para rogar por eles, os quais no princípio estavam no céu, 3 Dize: No céu tens estado; coisas secretas, entretanto, não têm sido manifestadas a ti; contudo tens conhecido um reprovável mistério.4 E isto tem relatado às mulheres na dureza do vosso coração, e por aquele mistério as mulheres e a humanidade têm multiplicado males sobre a terra.5 Dize a eles: Nunca, portanto, obtereis paz.

Capítulo 17 (rio de Fogo)

1 Eles levaram-me a um certo lugar, onde lá havia a aparência de um fogo fervente; e quando eles se agradaram assumiram a semelhança de homens.2 Eles levaram-me a um lugar alto, a uma montanha, cujo topo alcançava o céu. 159

159. “Numerosas culturas falam-nos dessas montanhas – míticas ou reais – situadas no Centro do Mundo: é o caso do Meru, na Índia, de Haraberezaiti, no Irã, da montanha mítica ‘Monte dos Países’, na Mesopotâmia, de Gerizim, na Palestina, que se chamava, aliás ‘Umbigo da Terra’. Visto que a montanha sagrada é um Axis mundi que liga a Terra ao Céu, ela toca de algum modo o Céu e marca o ponto mais alto do mundo; daí resulta, pois, que o território que a cerca, e que constitui o ‘nosso mundo’, é considerado como a região mais alta. É o que proclama a tradição israelita: a Palestina, sendo a região mais elevada, não foi submersa pelo Dilúvio. Segundo a tradição islâmica, o lugar mais elevado da Terra é a Caaba, pois ‘a estrela polar testemunha que ela se encontra defronte do centro do Céu’. Para os cristãos, é o Golgota que se encontra no cume da Montanha cósmica. Todas essas crenças exprimem um mesmo sentimento, que é profundamente religioso: ‘nosso mundo’ é uma terra santa porque é o lugar mais próximo do Céu, porque daqui, dentre nós, pode se atingir o Céu; nosso mundo é, pois, um ‘lugar alto’. Em

3 E eu vi os receptáculos da luz e do trovão nas extremidades do lugar, onde ele era profundo. Havia um arco de fogo, e flechas em seu vibrar, uma espada de fogo, e toda espécie de relâmpagos.4 Então eles levaram-me a um arroio murmurante, e a um fogo no oeste, o qual recebeu todo pôr-do-sol. Eu vim a um rio de fogo, o qual fluiu como água, e desaguou no grande mar para o oeste.5 Eu vi todo largo rio, até que cheguei à grande escuridão. Eu fui para onde toda carne migra; e vi as montanhas da escuridão as quais constituem o inverno, e o lugar do qual flui a água em cada abismo.6 Eu vi também as bocas de todos os rios no mundo, e as bocas das profundezas.

Capítulo 18 (casa de deus)

1 Eu então examinei os receptáculos de todos os ventos, percebendo que eles contribuem para adornar toda criação, e para preservar a fundação da terra.2 Eu examinei a pedra que apóia os cantos da terra.3 Também vi os quatro ventos, os quais sustêm a terra, e o firmamento do céu. 4 E eu vi os ventos ocupando o céu exaltado, 5 Surgindo no meio do céu e da terra, e constituindo os pilares do céu.6 Eu vi os ventos que giram no céu, os quais ocasionam e determinam a órbita do sol e de todas as estrelas; e sobre a terra eu vi os ventos que mantêm as nuvens.termos cosmológicos, essa concepção religiosa traduz se pela projeção do território privilegiado que é o nosso no cume da montanha cósmica”. (Eliade, M. O Sagrado e o Profano, p. 25).

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7 Eu vi o caminho dos anjos.8 Percebi na extremidade da terra o firmamento do céu acima dele. Então passei para a direção do sul, 9 Onde queimam, tanto de dia quanto de noite, seis montanhas formadas de gloriosas pedras, três em direção ao leste, e três em direção ao sul.10 Aquelas que estão em direção ao leste eram de pedra multicolorida, uma das quais era de margarite, e outra de antimônio. Aquelas em direção ao sul eram de uma pedra vermelha. A do meio aproximava-se do céu como o trono de Deus; um trono composto de alabastro, o topo do qual era de safira. Vi também um fogo flamejante suspenso sobre todas as montanhas.11 E lá eu vi um lugar do outro lado de um extenso território, onde águas foram coletadas.12 Também vi fontes terrestriais, profundas em colunas ardentes do céu.13 E nas colunas do céu eu vi fogos, os quais desciam sem número, mas nem no alto, ou no profundo. Sobre estas fontes também percebi um lugar onde não havia nem o firmamento do céu acima d’Ele, nem o Sólido chão abaixo d’Ele; nem havia água acima; ou nada no vento; mas o lugar era desolado. 160

14 E lá eu vi sete estrelas, semelhantes a grandes montanhas, e como espíritos suplicando-me.15 Então o anjo disse: Este lugar, até a consumação do céu e da terra, será a prisão das estrelas, e das hostes do céu.16 As estrelas que rolam sobre fogo são aquelas que transgrediram o mandamento de Deus antes que seu 160. “Quão terrível é este lugar! Este não é outro lugar senão a casa de Deus; e esta é a porta dos céus” (Gênesis; 28:17).

tempo chegasse; pois elas não vieram em sua própria estação. Portanto, Ele ofendeu-se com elas, e amarrou-as até o período da consumação dos seus crimes no ano secreto.

Capítulo 19 (o fim)

1 Então Uriel disse: Eis aqui os anjos que coabitaram com mulheres, escolheram seus líderes;2 E sendo numerosos em aparência profanaram os homens e fizeram com que errassem; assim eles sacrificaram aos demônios como aos deuses. Pois no grande dia haverá um julgamento, no qual eles serão julgados, até que sejam consumidos; e suas esposas também serão julgadas, as quais levaram desencaminhadamente os anjos do céu para que as saudassem.3 E eu, Enoque, só vi a aparência do fim de todas as coisas. Não tendo visto nenhum homem enquanto via as coisas.

Capítulo 20 (geração de anjos)

1 Estes são os nomes dos anjos Sentinelas:2 Uriel, um dos santos anjos, o qual preside sobre o clamor e o terror.3 Rafael, um dos santos anjos, o qual preside sobre os espíritos dos homens.4 Raguel, um dos santos anjos, o qual inflige punição ao mundo e às luminárias.5 Miguel, um dos santos anjos, o qual, presidindo sobre a virtude humana, comanda as ações.6 Sarakiel, um dos santos anjos, o qual preside sobre os espíritos dos filhos dos homens que transgridem.7 Gabriel, um dos santos anjos, o qual preside sobre Ikisat (serpentes de fogo),

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sobre o paraíso e sobre o querubim. 161

Capítulo 21 (grande ascensão)

1 Então eu fiz um circuito para um lugar no qual nada estava completo. 162

2 E lá eu não vi nem as tremendas manufaturas do um céu exaltado, nem de uma terra estabelecida, mas um lugar desolado, preparado e terrível.3 Lá também vi sete estrelas do céu amarradas juntas, semelhantes a grandes montanhas, e semelhante ao fogo fervente. Eu exclamei: Por que espécie de crime elas foram amarradas, e por que foram removidas de seu lugar? Então Uriel, um dos santos anjos que estava comigo, e o qual me conduzia, respondeu: Enoque, por que 161. E o anjo do Senhor estendeu a ponta do cajado, que estava na sua mão, e tocou a carne e os pães ázimos; então subiu o fogo da penha, e consumiu a carne e os pães ázimos; e o anjo do Senhor desapareceu de seus olhos” (Juízes; 6:21).162. “Uma outra experiência xamânica fundamental é a da ascensão celeste: por meio da Árvore Cósmica, plantada no ‘Centro do Munido’, o xamã penetra no Céu e aí encontra o deus supremo. Todos os místicos como se sabe, utilizam o simbolismo da ascensão para representar a elevação da própria alma humana e a união com Deus. Nada permite identificar a ascensão celeste do xamã com as ascensões de Buda, de Maomé ou de Cristo: o próprio conteúdo das experiências extáticas respectivas é diferente. O que não impede que a noção de transcendência se exprima universalmente por uma Imagem de elevação, e que a experiência mística, seja qual for o berço religioso, implique sempre uma ascensão celeste. Melhor: certos êxtases xamânicos fazem intervir experiências (óticas que se assemelham, a ponto de se confundirem, com experiências similares dos grandes místicos históricos: índia, Extremo-Oriente, mundo mediterrânico, cristianismo”. (Eliade, M. Imagens e Símbolos, p. 159).

perguntas; por que arrazoas consigo mesmo, e ansiosamente indagas? Estas são aquelas estrelas que transgrediram o mandamento do altíssimo Deus; e estão aqui amarradas, até que o número infinito dos dias dos seus crimes esteja completo.4 Dali eu passei depois para um outro lugar terrível;5 Onde eu vi a operação de um grande fogo flamejante e resplandecente, no meio do qual havia uma divisão. Colunas de fogo lutando juntas para o fim do abismo, e profunda era sua descida. 163 Mas sua medida e magnitude eu não fui capaz de descobrir, nem pude perceber sua origem. Então exclamei: ‘Quão terrível é este lugar, e quão difícil explorá-lo’! 6 Uriel, um dos santos anjos que estava comigo, respondeu e disse: Enoque, por que estás alarmado e maravilhado com este terrível lugar, à vista deste lugar de sofrimento? Isto, disse ele, é a prisão dos anjos; e aqui eles serão mantidos para sempre.

Capítulo 22 (grande julgamento)

1 Dali eu me dirigi para outro lugar, onde vi a oeste uma grande e elevada montanha, uma forte rocha, e quatro lugares deleitosos.2 Internamente ele era profundo, espaçoso e plano: ele era profundo e escuro à vista.

163. “E criará o Senhor sobre todo o lugar do monte de Sião, e sobre as suas assembleias, uma nuvem de dia e uma fumaça, e um resplendor de fogo flamejante de noite; porque sobre toda a glória haverá proteção. E haverá um tabernáculo para sombra contra o calor do dia; e para refúgio e esconderijo contra a tempestade e a chuva” (Isaías; 4:5-6).

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3 Então Rafael, um dos santos anjos que estava comigo, respondeu e disse: Estes são os lugares deleitosos onde os espíritos, as almas dos mortos, serão reunidos; para eles ele foi formado e aqui serão reunidas todas as almas dos filhos dos homens.4 Estes lugares, nos quais habitam, eles ocuparão até o dia do julgamento, e até seu período escolhido.5 Seu período escolhido será longo, mesmo até o grande julgamento. E vi os espíritos dos filhos dos homens que estão mortos; e suas vozes rompem o céu, enquanto eles são acusados.6 Então inquiri de Rafael, o anjo que estava comigo, e disse: Que espírito é aquele, a voz do qual alcança o céu, e acusa?7 Ele respondeu, dizendo: Este é o espírito de Abel o qual foi morto por Caim seu irmão; o qual acusará aquele irmão, até que sua semente seja destruída da face da terra;8 Até que sua semente desapareça da semente da raça humana.9 Naquele tempo, portanto eu inquiri a respeito d’Ele, e a respeito do julgamento geral, dizendo: Por que um está separado ou outro? Ele respondeu: Três separações foram feitas entre os espíritos dos mortos, e assim os espíritos dos justos foram separados, 10 Nomeadamente, por uma fenda na terra, por água, e por luz acima dela.11 E da mesma maneira os pecadores são separados quando morrem, e são sepultados na terra; julgamento não os surpreenderá em seu tempo de vida.12 Aqui suas almas estão separadas. Além disso, abundante é seu sofrimento até o tempo do grande julgamento,

o castigo, e o tormento daqueles que eternamente execraram, cujas almas são munidas e amarradas lá para sempre.13 E assim tem sido desde o princípio do mundo. Assim, existe uma separação entre as almas daqueles que proferem reclamações, e daqueles que vigiam pela sua destruição, para sua matança no dia dos pecadores.14 Um receptáculo deste tipo foi formado para as almas dos injustos, e dos pecadores; daqueles que cometeram crime, e se associaram aos ímpios, com os quais eles se assemelham. Suas almas não serão aniquiladas naquele dia de julgamento, nem se levantarão deste lugar. Então eu bendisse a Deus, 15 E falei: Abençoado seja o meu Senhor, o Senhor da glória e da retidão, cujo reino será para sempre e sempre.

Capítulo 23 (rio de fogo)

1 Dali eu fui para outro lugar, em direção ao oeste, até às extremidades da terra, 2 Onde vi um fogo resplandecente correndo ao longo sem cessar, com um curso não intermitente, nem de dia nem de noite; mas sempre o mesmo, continuadamente.3 Eu indaguei, dizendo: O que é isto, que nunca cessa?4 Então Raguel, um dos santos anjos que estava comigo, respondeu, 5 E disse: Este fogo flamejante que tu vês correndo em direção ao oeste é aquele de todas as luminárias do céu.

Capítulo 24 (três montanhas)

1 Eu fui dali para outro lugar, e vi uma montanha de fogo que resplandece

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tanto de dia quanto de noite. Fui em direção a ela e percebi sete esplêndidas montanhas, as quais eram diferentes umas das outras.2 Suas pedras eram brilhantes e belas; todas eram brilhantes e esplêndidas à vista e formosa era sua superfície. Três montanhas estavam em direção ao leste, consolidadas e fortalecidas por estarem colocadas uma sobre a outra; três estavam em direção ao sul, consolidadas de maneira similar. Três eram igualmente vales profundos, os quais não se acercavam uma da outra. A sétima montanha estava no meio delas. Em comprimento elas todas se assemelhavam ao assento de um trono, e árvores odoríferas rodeavam-nas.3 Entre estas havia uma árvore de um odor incessante; nem daquelas que estavam no Éden, havia lá alguma, de todas as árvores de fragrância, que cheirava como esta. Suas folhas, suas flores, nunca ficam murchas, e seu fruto era belo.4 Seu fruto assemelhava-se ao cacho da palmeira. Eu exclamei: Vê! Esta árvore é vistosa de aspecto, agradável em suas folhas, e o aspecto de seus frutos é delicioso à vista. 5 Então Miguel, um dos santos anjos que estava comigo, e um dos que presidem sobre elas, respondeu, e disse: ‘Enoque, por que inquires a respeito do odor desta árvore?’6 Por que estás inquisitivo para sabê-lo?7 Então eu, Enoque, respondi-lhe, e disse:

Concernente a tudo eu estou desejoso de instrução, mas particularmente com respeito a esta árvore. 164

8 Ele respondeu-me dizendo: A montanha que tu vês o prolongamento da qual se assemelha ao assento do Senhor, será o assento no qual se assentará o Santo e grande Senhor da glória, o eterno Rei 165, quando Ele virá e descerá para visitar a terra com bondade. 166

9 E aquela árvore de agradável aroma, não de um odor carnal; lá ninguém terá poder para tocá-la até o tempo do grande julgamento. Quando todos serão punidos e consumidos para sempre; isto será conferido sobre os justos e humildes. O fruto da árvore será dado ao eleito. Pois em direção ao norte, vida será plantada no santo lugar, em direção à habitação do eterno Rei.

164. “É árvore da vida para os que dela lançam mão, e bem-aventurado é todo aquele que a retém” (Provérbios; 3:18).165. Rei Messiânico. “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; e o governo estará sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai Eterno, Príncipe da Paz”. (Isaías; 9:6).166. Antepassado mítico. “Essa mitificação dos protótipos históricos, que deram às canções épicas populares os seus heróis, acontece de acordo com um padrão exemplar; as figuras são ‘produzidas conforme a imagem’ dos heróis do mito primitivo. Todos se parecem uns com os outros, no fato de seu nascimento milagroso; e, do mesmo modo que encontramos no Mahabharata e nos poemas homéricos, pelo menos um dos seus pais é divino. Da mesma forma que acontece nas canções épicas dos tártaros e dos polinésios, esses heróis realizam uma viagem para o céu ou descem ao inferno” Eliade, M. Mito do Eterno Retorno, p. 43).

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10 Então eles se regozijarão grandemente e exultarão o Santo. 167 O doce odor entrará em seus ossos; e eles viverão uma longa vida na terra como seus antepassados; em seus dias não haverá tristeza, angústia, aborrecimento e nem punição os afligirá.11 E eu, Enoque, abençoei o Senhor da glória, o eterno Rei, porque ele preparou esta árvore para os santos, formou-a, e declarou que Ele a daria para eles.

Capítulo 25 (paraíso) 168

1 Dali eu fui para o meio da terra, e vi um feliz e fértil lugar, o qual continha ramos espalhando-se continuamente das árvores que estavam plantadas nele. Ali eu vi uma santa montanha, e debaixo dela a água do lado de traz fluía em direção ao sul. Eu vi no oriente outra montanha tão alta quanto aquela; e entre elas havia um profundo, mas não largo vale.2 Água corria para a montanha para o ocidente dela; e debaixo dela havia igualmente outra montanha.3 Lá havia um vale, mas não um vale largo, abaixo; e no meio deles havia outro profundo e seco vale em direção da extremidade da árvore. Todos esses vales, que eram profundos, mas não 167. “Os meus lábios exultarão quando eu cantar os teus louvores, assim como a minha alma, que tu remiste” (Salmos; 71:23).168. “Ao que vencer, dar-lhe-ei a comer da árvore da vida, que está no paraíso de Deus” (Malaquias; 4:7 e Apocalipse; 22:7). “Eis a descrição do Paraíso, prometido aos tementes, abaixo do qual correm os rios; seus frutos são inesgotáveis, assim como suas sombras. Tal será o destino dos tementes. O destino dos incrédulos, porém, será o Fogo” (Alcorão; 13:35).

oblíquo, consistia de uma forte rocha, com a árvore que estava plantada nela. E eu maravilhei-me com a rocha e o vale, ficando extremamente surpreso.

Capítulo 26 (Árvore Sagrada) 169

169. A árvore tem desenvolvido aspectos sagrados, místicos e mágico-religiosos há séculos na humanidade, é possível verificar tal fenômeno nas culturas e crenças; Babilônicas, Assírias, Egípcias, Fenícias, Sírias, Persas, Greco-romanas, Sicilianas, Maias, Astecas, Javanesas, Japonesas, Chinesas, Judeus, Cristãos, Indianas etc. “Intermediário entre o mundo dos humanos e o mundo divino o poste ou a árvore sagrada estão presentes tanto nas iniciações de puberdade como nas festas das comunidades e nas sessões xamânicas de cura.” (Eliade, M. Ritos de Iniciação e sociedades Secretas, p. 121). No judaísmo, a Árvore mágica do bem e do mal e da vida eterna está vinculada desde os primeiros textos do Gênesis (2:9), “É árvore de vida para os que a alcançam, e felizes são todos os que a retêm” (Provérbios; 3:18) e “Eram assim as visões da minha cabeça quando eu estava no meu leito: eu estava olhando e vi uma árvore no meio da terra, cuja altura era grande; crescia a árvore e se tornava forte, de maneira que a sua altura chegava até ao céu; e era vista até aos confins da terra. A sua folhagem era formosa, e o seu fruto, abundante, e havia nela sustento para todos; debaixo dela os animais do campo achavam sombra, e as aves do céu faziam morada nos seus ramos, e todos os seres viventes se mantinham dela” (Daniel 4:10-12). No cristianismo, a Árvore aparece várias vezes com aspectos de vida (‘árvore boa dará bons frutos’) ou morte (‘árvore má será cortada e lançada no fogo’). “O cristianismo utilizou, interpretou, alargou este símbolo. A Cruz, feita da madeira da Árvore do Bem e do Mal, substitui a Árvore Cósmica; o próprio Cristo é descrito como uma Árvore (Orígenes). Uma homilia do pseudo-Crisóstomo evoca a cruz como uma árvore que sobe da terra aos céus. Planta imortal, ela ergue-se no centro do Céu e da Terra: firme sustentáculo do universo, elo de todas as coisas, suporte de toda a terra habitada, entrelaçamento cósmico, contendo em si toda a variedade da natureza humana”. (Eliade, M. Imagens e símbolos, p. 157). Os

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1 Então eu disse: O que significa esta terra abençoada, e todas estas altas árvores, e o vale amaldiçoado entre elas?2 Então Uriel, um dos santos anjos que estava comigo, respondeu: Este vale é o amaldiçoado dos amaldiçoados para sempre. Aqui serão reunidos todos os que pronunciaram com suas bocas linguagem impróprias contra Deus, e falaram rudes coisas da Sua glória. Aqui eles serão reunidos. Aqui será seu território.3 Nos últimos dias um exemplo de julgamento será feito em retidão diante dos santos, enquanto aqueles que receberam misericórdia, para sempre, persas acreditavam que uma Árvore possua a haoma, cuja resina conferia a imortalidade. As tradições chinesas mencionam a árvore pessegueiro que ‘conferia a imortalidade pelo seu fruto’, que por sinal quase foi roubada pelo Sun Wu-Kung (Rei Macaco). Os escandinavos (celtas/nórdicos) acreditavam na árvore sagrada chamada Yggdrasil, sob uma das raízes da qual se dizia manar uma fonte em que residiam todo o conhecimento e toda a sabedoria. Foi essa mesma Árvore que Odin/Wotan passou por experiências místicas pendurado de cabeça para baixo e conseguindo assim conquistar o direito as Runas (Marques e Coutinho Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbete: Runas). Outra lenda nórdica confere a ‘árvore da vida’ a produção das Maçãs da Imortalidade, das quais os deuses partilhavam a fim de renovar sua juventude. “A árvore ou o poste são considerados como mediadores ente os humanos e a divindade (o Ser supremo ou o Deus solar, o Herói civilizador, o Antepassado mítico, etc.), ou como representantes ou ainda, por vezes, a encarnação da divindade. Por outras palavras, a comunicação efetiva com a divindade realiza-se, sobretudo, se não exclusivamente, por intermédio de uma árvore ou poste sagrados. É possível reconhecer esta ideia fundamental mesmo nas cerimônias que não inclui escalada ritual” (Eliade, M. Ritos de Iniciação e sociedades Secretas, p. 119).

todos os dias, abençoarão a Deus, o eterno Deus.4 E no período do julgamento eles abençoarão a Ele por sua misericórdia, como Ele distribuiu-a a eles. Então eu abençoei a Deus, dirigindo-me a Ele, e fazendo menção, como foi reconhecida, Sua grandiosidade.

Capítulo 27 (o jardim)

1 Dali eu fui à direção do leste para o meio da montanha no deserto, do qual somente o nível da superfície eu percebi.2 Ele estava cheio de árvores da semente aludida; e água jorrava sobre ela.3 Ali apareceu uma catarata composta de muitas cachoeiras voltadas tanto para o oriente quanto para o ocidente. Sobre um lado havia árvores; sobre o outro, água e orvalho.

Capítulo 28 (o perfume)

1 Então eu fui para outro lugar do deserto; em direção ao leste daquela montanha da qual eu havia me aproximado.2 Ali eu vi árvores escolhidas, particularmente aquelas que produzem o cheiro doce opiato 170, incenso e mirra; e árvores diferentes umas das outras.3 E sobre elas havia a elevação da montanha ocidental, a não grande distância.

Capítulo 29 (doce odor)

1 Igualmente vi outro lugar com vales de água que nunca param,

170. Eletuário Opiáceo; medicamento que contém ópio em proporção variável.

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2 Onde percebi uma agradável árvore, a qual em odor assemelha-se a Zasakinon171.3 Em direção ao vale eu percebi o cinamomo 172 de doce odor. Sobre eles avancei em direção ao leste.

Capítulo 30 (o fruto)

1 Então vi outra montanha contendo árvores, da qual água fluía como Néctar. Seus nomes eram Sarira, e Kalboneba. 173 E sobre esta montanha eu vi outra montanha, sobre a qual havia árvores de Alva. 2 Estas árvores estavam cheias como amendoeiras, e fortes; e quando elas produziam frutos eram superiores a toda redondeza.

Capítulo 31 (o conhecimento)

1 Depois destas coisas, inspecionando as 171. Árvore Mastic (Pistacia Lentiscus), vive cerca de 100 anos e inicia a produção de uma extraordinária resina a partir do quinto ou sexto ano, produzindo entre 60 a 400g de Mastic (em 6 a 8 semanas). O Mastic apresenta extraordinárias propriedades antibacterianas e fungicidas. A árvore Mastic cresce unicamente no sul da ilha de Ghios, na Grécia. Tentativas de plantação desta árvore noutros países e até mesmo noutras ilhas da Grécia saíram goradas. A árvore cresce, mas não produz Mastic. Mastic contém uma pequena porção de óleo volátil, 9% de resina solúvel em álcool e éter e 10% de resina insolúvel em álcool. 172. Gênero (Cinnamomum) da fam. das lauráceas, que inclui árvores e arbustos nativos da Ásia e Oceania, dos quais (esp. as cascas) se extraem substâncias aromatizantes e medicinais, como a canela e a cânfora (Aulete – Dicionário Digital). 173. Embora de uso comum estes termos geralmente se referem a uma espécie de pérola ou cristal.

entradas do norte acima das montanhas, vi montanhas e percebi sete montanhas repletas de puro nardo 174, árvores odoríferas e papiro. 2 Dali eu passei acima dos picos daquelas montanhas a alguma distância para o leste, e fui sobre o mar da Eritréia. 175 E quando eu havia avançado para longe, além dele, passei ao longo, acima do anjo Zateel, e cheguei ao jardim da justiça. Neste jardim eu vi outras árvores, as quais eram numerosas e grandes, e floresciam ali.3 Sua fragrância era agradável e poderosa e sua aparência era tanto agradável quanto elegante. A árvore do conhecimento também estava ali, do qual se alguém comesse, tornava-se dotado de grande sabedoria. 176

4 Ela era semelhante às espécies da 174. Planta da família das valerianáceas (Nardostachys grandiflora), originária do Himalaia, de raiz aromática. “Enquanto o rei está assentado à sua mesa, o meu nardo exala o seu perfume”. (Cânticos; 1:12).175. A Eritréia faz fronteira com o Sudão a oeste, a Etiópia ao sul, e Djibouti ao sudeste. O leste e nordeste do país têm um litoral banhado pelo Mar Vermelho, tendo contato direto com a Arábia Saudita e Iémen. O arquipélago Dahlak e as ilhas Hanish são parte da Eritréia. Seu tamanho é de cerca de 118 000 km², com uma população estimada em cerca de 5 milhões de habitantes. A capital é Asmará. Mar da Eritréia é o vulgo Mar Vermelho (Mar de Juncos). O ‘Mar dos Juncos’, segundo a história do Livro do Êxodo é à saída do povo Hebreu do Egito e a sua suposta travessia por esse mar. (Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbete: Mar Vermelho).176. “E o SenhorR Deus fez brotar da terra toda a árvore agradável à vista, e boa para comida; e a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem e do mal. Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gênesis 2:9 e 17).

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tamareira, dando frutos semelhantes à uva extremamente fina, e sua fragrância estendia-se a considerável distância. Eu exclamei: Que bela é esta árvore e quão deleitável é sua aparência!5 Então o santo Rafael, um anjo que estava comigo, respondeu e disse: Esta é a árvore do conhecimento, da qual vosso antigo pai e vossa mãe comeram, os quais foram antes de ti e que obtendo conhecimento, seus olhos sendo abertos, e descobrindo que estavam nus, foram expulsos do jardim.

Capítulo 32 (o portão)

1 Dali eu fui na direção das extremidades da terra, onde vi grandes feras diferentes umas das outras, e pássaros variados em suas aparências e formas, bem como com notas de diferentes sons.2 Para a direita destas feras eu percebi as extremidades da terra, onde os céus cessam. Os portões do céu estavam abertos e vi as estrelas celestiais vindo. Eu enumerei-as enquanto elas procediam do portão e escrevi-as todas, enquanto elas saiam uma por uma, de acordo com seu número. Eu escrevi seus nomes completamente, seus tempos e estações, enquanto o anjo Uriel, que estava comigo, mostrava-as a mim.3 Ele as mostrou todas a mim, e escrevi uma conta delas.4 Ele também escreveu para mim seus nomes, seus regulamentos, e suas operações.

Capítulo 33 (os ventos)

1 Dali eu avancei em direção ao norte, para as extremidades da terra.

2 E ali vi a grande e gloriosa maravilha das extremidades de toda terra.3 Vi ali portões celestiais abertos para o céu, três dos quais distintamente separados. Os ventos do norte procediam deles, soprando frio, granizo, geada, neve, orvalho e chuva.4 De um dos portões eles sopravam suavemente, mas quando eles sopravam dos dois outros portões, ele era violento e forte. Eles sopravam sobre a terra fortemente.

Capítulo 34 (o norte)

1 Dali eu fui para as extremidades do mundo para o oeste;2 Ali percebi três portões abertos, enquanto eu estava olhando no norte; os portões e passagens através deles era de igual magnitude.

Capítulo 35 (os Portões)

1 Então eu segui às extremidades da terra ao sul, onde vi três portões abertos para o sul, do qual provinha orvalho, chuva e vento.2 Dali eu fui para as extremidades do céu oriental, onde vi três portões celestiais abertos para o leste, os quais tinham portões menores dentro deles. Através de cada um desses portões menores as estrelas do céu passavam, e passaram para o oeste por um caminho que foi visto por elas, e todo o período de seu aparecimento.3 Quando eu as vi, as abençoei cada vez que elas apareceram, e abençoei o Senhor da glória177 que tinha feito 177. “Como o aspecto do arco que aparece na nuvem no dia da chuva, assim era o aspecto

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estes grandes e esplêndidos sinais, para que eles pudessem mostrar a magnificência de suas obras aos anjos e às almas dos homens, e para que estes pudessem glorificar todas as suas obras e operações, pudessem ver os efeitos do seu poder; pudessem glorificar o grande labor de suas mãos e abençoá-lo para sempre.

Capítulo 36 (não tem)

Capítulo 37 (Genealogia)

1 A visão que ele viu, a segunda visão de sabedoria, que Enoque viu, o filho de Jared, filho de Malaleel, o filho de Canan, filho de Enos, filho de Seth, filho de Adão. Este é o começo da palavra de sabedoria, a qual eu recebi para declarar e dizer àqueles que habitam sobre a terra. Ouvi desde o princípio, e entendei até o fim, as santas coisas que eu pronuncio na presença do Senhor dos espíritos. 178 Aqueles que eram

do resplendor em redor. Este era o aspecto da semelhança da glória do Senhor; e, vendo isso, caí com o rosto em terra, e ouvi uma voz de quem falava” (Ezequiel; 1:26).178. A palavra ‘Senhor dos espíritos’ ou ‘Deus dos espíritos’ em algumas traduções como ‘Pai espiritual’, aparece quatro vezes no texto bíblico. “Mas eles caíram com os rostos em terra, e disseram: ó Deus, Deus dos espíritos de toda a carne, pecará um só homem, e indignar-te-ás tu contra toda esta congregação?” (Números; 16:22). “Que o Senhor, Deus dos espíritos de toda a carne, ponha um homem sobre a congregação” (Números; 27:16). “Além disto, tivemos nossos pais segundo a carne, para nos corrigirem, e os olhávamos com respeito; não nos sujeitaremos muito mais ao Pai dos espíritos, e viveremos?” (Hebreus; 12:9). “E disse-me: Estas palavras são fiéis e verdadeiras; e o Senhor, o Deus dos espíritos

antes de nós pensaram-nas boas para se pronunciar;2 E nós, que viemos depois, obstruímos o princípio da sabedoria. Até ao presente tempo nunca aconteceu ter sido dado diante do Senhor dos espíritos o que eu recebi, sabedoria de acordo com a capacidade do meu intelecto, e de acordo com o prazer do Senhor dos espíritos; o que eu recebi d’Ele, uma porção da vida eterna.3 E eu obtive três parábolas, as quais eu declarei aos habitantes do mundo.

Capítulo 38 (parábolas) 179

1 A primeira parábola. Quando a congregação dos justos for manifestada e os pecadores forem julgados por seus crimes, e forem afligidos à vista do

dos profetas, enviou o seu anjo, para mostrar aos seus servos as coisas que em breve hão de acontecer” (Revelação; 22:6).179. “Parábola – do latim parabola; do gr. parabolé: histórias ou narrativas imaginadas ou verdadeiras que transmitem uma mensagem indireta, por meio de comparação ou analogia e que utilizamos com o fim de ensinar, redarguir ou exemplificar acerca de um conceito ou fato. A parábola difere essencialmente do provérbio por seus ensinamentos. A Parábola é mais narrativa e com maiores detalhes em relação ao fim que se quer atingir, ao passo que o Provérbio é mais filosófico e requer maior concentração acerca de seus ensinamentos. Difere também do Mito na linguagem e no enredo dos comentários, pois a Parábola não apresenta nada mágico e sobrenatural e seus finais não são trágicos como no Mito grego por exemplo. Difere da Fábula, visto que a Parábola apresenta narrativas humanas e as Fábulas ou Contos apresentam situações totalmente fora de conceitos humanos, terminando sempre em finais felizes”. (Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbete: Parábola).

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mundo;2 Quando os justos forem manifestados 180 na presença dos mesmos justos, os quais serão eleitos por suas boas obras corretamente pesada pelo Senhor dos espíritos, e quando a luz dos justos e dos eleitos, os quais habitam na terra for manifestada; onde será a habitação dos pecadores? E qual será o lugar de descanso daqueles que rejeitaram o Senhor dos espíritos? Seria melhor para eles se nunca tivessem nascido.3 Quando os segredos dos justos também forem revelados, então os pecadores serão julgados e os ímpios serão afligidos na presença dos justos e eleitos.4 Daquele tempo, aqueles que possuírem a terra deixarão de ser poderosos e exaltados. Nem serão capazes de olhar para o semblante do santo, pois a luz dos semblantes dos santos, dos justos, e dos eleitos, terá sido visto pelo Senhor dos espíritos.5 Então os reis poderosos daquele tempo serão destruídos, mas serão entregues nas mãos dos retos e santos.6 Desde então n inguém obterá compaixão do Senhor dos espíritos, porque suas vidas neste mundo terão sido completadas.

Capítulo 39 (outra visão)

1 Naqueles dias a raça eleita e santa descerá do céu e sua semente estará com os filhos dos homens. Enoque recebeu livros de indignação e ira, e livros de pressa e agitação.2 Nunca obterão misericórdia, diz o

180. “Então, os justos resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai” (Mateus; 13:43).

Senhor dos espíritos.3 Uma nuvem então me arrebatou, e o vento elevou-me acima da superfície da terra, colocando-me na extremidade dos céus.4 Lá eu vi outra visão, e vi as habitações e os lugares de descanso dos santos. Meus olhos viram suas habitações com os anjos, e seus lugares de descanso com os santos. Eles estavam entrando, suplicando e orando pelos filhos dos homens; enquanto a justiça fluía como a água diante deles, e a misericórdia se espalhava sobre a terra como o orvalho. E assim será para com eles para sempre e sempre.5 Naquele tempo os meus olhos viram a habitação do eleito, da verdade, fé e retidão. 181

6 Sem conta será o número dos santos e eleitos na presença de Deus para sempre e sempre.7 Sua residência eu vi sob as asas do Senhor dos espíritos. Todos os santos e eleitos cantavam diante d’Ele, com a aparência semelhante à chama de fogo; suas bocas estavam cheias de bênçãos e seus lábios glorificavam o

181. No Antigo Testamento, a aliança se dá através da escolha da nação de Israel, como seu próprio povo (Dt 14,2). Esta eleição está relacionada com o êxodo do Egito (Am 9,7; Os 13,4; Mq 6,3-5; Ez 20,5s), mas já teve início com os patriarcas (Jr 11,5; 33,26). Em virtude da eleição divina são chamados eleitos os patriarcas (Gn 12,1-7), Moisés, os levitas, o rei (2Sm 7,14-16) e os membros do povo de Deus em geral (Ex 19,1-9). A eleição, porém, não é mérito e sim fruto do amor imerecido de Deus (Dt 7,6-8 e notas). No Novo Testamento os eleitos são os que do judaísmo se converteram ao cristianismo (Rm 9,27; 11,5-7), os cristãos em geral (1Pd 2,9), os apóstolos (Lc 6,13; Jo 6,70), especialmente Pedro (At 15,7) e Paulo (9,15).

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nome do Senhor dos Espíritos. E retidão incessantemente habitava diante d’Ele.8 Eu quis permanecer ali, e minha alma desejou aquela habitação. Ali estava minha antecedente herança, pois deste modo eu prevaleci diante do Senhor dos espíritos.9 Neste momento eu glorifiquei e exaltei o nome do Senhor dos espíritos com louvor e exaltação, pois Ele o tem estabelecido com bênção e com exaltação, de acordo com Sua própria boa vontade.10 Meus olhos contemplaram aquele espaçoso lugar. Eu o bendisse e falei: Abençoado seja, abençoado desde o princípio e para sempre. No princípio, antes que o mundo fosse criado, e sem fim é seu conhecimento.11 Qual é este mundo? De toda geração existente, eles abençoarão aquele que não dorme espiritualmente 182, mas permanece diante da Tua glória, abençoando, glorificando, exaltando-te, e dizendo: Santo, santo, o Senhor dos espíritos encheu o mundo todo de espíritos.12 Ali meus olhos viram a todos que, sem dormir, permanecem diante d’Ele e abençoam-no dizendo: Abençoado sejas, e abençoado seja o nome de Deus para sempre e sempre. Então meu semblante ficou mudado, até que fiquei incapaz de continuar vendo.

Capítulo 40 (os quatro anjos)

1 Depois disto eu vi milhares de milhares e miríades de miríades, e um número infinito de pessoas, em pé, diante do Senhor dos espíritos.182. “Desperta, tu que dormes” (Efésios; 5:14).

2 Igualmente, nas quatro asas do Senhor dos espíritos, nos quatro lados, percebi outros, ao lado daqueles que estavam em pé diante d’Ele. Seus nomes também eu sei porque o anjo que estava comigo declarou-os a mim, revelando-me toda coisa secreta.3 Então ouvi as vozes daqueles sobre os quatro lados, magnificando o Senhor da glória.4 A primeira voz abençoou o Senhor dos espíritos para sempre e sempre.5 A segunda voz eu ouvi abençoando ao Eleito e aos eleitos que sofrem pela causa do Senhor dos espíritos.6 A terceira voz eu ouvi pedindo e orando em favor daqueles que habitam sobre a terra, e suplicam no nome do Senhor dos espíritos.7 A quarta voz eu ouvi expulsando os anjos ímpios 183, e proibindo-os de

183. Anjos ímpios. Ha-satan em Hebreu (“o Adversário”) foi originalmente o título de um ofício, não o nome de um anjo. “No Antigo Testamento o termo hebraico Satã, ou Satanás, significa “acusador”, “adversário” (Jó 1, 6). Após o domínio persa e a influência mazdeista e o maniqueísmo zurvanista sobre os judeus, passou a designar algo externo a Deus, o inimigo de Deus e do homem (Zc 3, 1), tornando-se o nome próprio do anjo decaído e tentador do homem (Sb 2, 24 e Ap 12, 9). O cristianismo surgiu em era messiânica e apocalíptica, adotou todos os sentidos judeus para esse termo. No Novo Testamento este termo tomou sentido ainda mais forte, transmutou-se no principal opositor de Deus ou de seu reino. Para as Igrejas cristãs, Jesus inaugurou o Reino de Deus neste mundo, pondo “fim” ao reino de Satanás (Mt 12, 28; Lc 10, 18; Jo 12, 31). Jesus venceu as tentações de Satanás, que o queria desviar de sua missão (Mt 4, 1-11; Lc 22, 28). O cristão participa desta vitória de Cristo (2Cor 6, 14; 1Jo 5, 18s), que no fim dos tempos será definitiva (Ap 12-20)”. (Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades.

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entrarem na presença do Senhor dos espíritos para proferirem acusações contra os habitantes da terra. 8 Depois disso eu pedi ao anjo da paz, que prosseguia comigo, para explicar tudo o que estava escondido. Eu disse-lhe: Quem são aqueles que eu havia visto nos quatro lados e que palavras eram aquelas que eu havia ouvido e escrito? Ele respondeu: O primeiro é o misericordioso, o paciente, o santo Miguel.9 O segundo é aquele que preside sobre todo sofrimento e toda aflição dos filhos dos homens, o santo Rafael. O terceiro, o qual preside sobre tudo o que é poderoso é Gabriel. E o quarto, o qual preside sobre o arrependimento e a esperança daqueles que herdarão a vida eterna, é Fanuel (face de Deus). Estes são os quatro anjos do Altíssimo Deus e suas quatro vozes, as quais naquele momento eu ouvi.

Capítulo 41 (Os segredos)

1 Depois disso eu vi os segredos do céu e do paraíso, de acordo com suas divisões, e das ações humanas enquanto eles pesavam-nas em balanças. Vi as habitações dos eleitos e as habitações dos santos. E ali meus olhos viram todos os pecadores que haviam negado o Senhor da glória e como eles foram expelidos dali, e arrastados para fora, como eles estiveram ali; nenhuma punição procedeu contra eles vinda do Senhor dos espíritos.2 Ali também meus olhos viram os segredos do raio e do trovão e os segredos dos ventos, como eles são Verbetes: Angra Mainyu e Satanás).

distribuídos quando eles sopram sobre a terra: os segredos dos ventos, do orvalho, e das nuvens. Ali eu vi o lugar de onde eles saem e tornam-se saturados com o pó da terra.3 Ali eu vi os receptáculos de madeira nos quais os ventos são separados, o receptáculo do granizo, o receptáculo da neve, o receptáculo das nuvens, e a própria nuvem, a qual continuava sobre a terra antes da criação do mundo.4 Eu vi também os receptáculos da lua, de onde elas vêm, para onde elas vão, seus gloriosos retornos e como uma se torna mais esplêndida do que a outra. Eu marquei seu rico progresso, seu imutável progresso, sua divisão e não diminuído progresso; sua observância de uma fidelidade mútua por um juramento estável; seu procedimento diante do sol e sua aderência ao caminho que lhes foi distribuído, em obediência ao comando do Senhor dos espíritos. Potente é seu nome para sempre e sempre.5 Depois eu vi que o caminho da lua, tanto oculto quanto manifesto; e também o progresso dessa trajetória foi completado dia a dia, e à noite; enquanto cada uma, junto com a outra, olhou para o Senhor dos espíritos, magnificando-O e exaltando-O sem cessar, já que exaltá-lO, para eles, é repouso; pois no esplêndido sol há uma frequente alteração para bênção e para maldição. 6 O curso do caminho da lua para com os retos é luz, mas para os pecadores

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é escuridão; no nome do Senhor dos espíritos, o qual criou uma divisão entre luz e escuridão, e separando os espíritos dos homens, fortalecendo os espíritos dos justos em nome de sua própria retidão. 184

7 O anjo não previne isto, nem é ele dotado de poder para preveni-lo, pois o Juiz vê a todos, e julga-os a todos na própria presença deles.

Capítulo 42 (a sabedoria)

1 A sabedoria não encontrou um lugar na terra onde pudesse habitar; sua habitação, portanto está no céu. 185

2 A sabedoria saiu para habitar entre os filhos dos homens, mas ela não obteve habitação. A sabedoria retornou ao seu lugar e assentou-se no meio dos anjos. Mas a iniquidade 184. “Dia de trevas e de escuridão; dia de nuvens e densas trevas, como a alva espalhada sobre os montes; povo grande e poderoso, qual nunca houve desde o tempo antigo, nem depois dele haverá pelos anos adiante, de geração em geração” (Joel 2:2).185. “Resplandecente é a Sabedoria, e sua beleza é inalterável: os que a amam, descobrem-na facilmente. Os que a procuram encontram-na. Ela antecipa-se aos que a desejam. Quem, para possuí-la, levanta-se de madrugada, não terá trabalho, porque a encontrará sentada à sua porta. Fazê-la objeto de seus pensamentos é a prudência perfeita, e quem Eu por ela vigia, em breve não terá mais cuidado. Ela mesma vai à procura dos que são dignos dela; ela lhes aparece nos caminhos cheia de benevolência, e vai ao encontro deles em todos os seus pensamentos, porque, verdadeiramente, desde o começo, seu desejo é instruir, e desejar instruir-se é amá-la”. (Sabedoria; 6:12-17).

186 saiu depois do seu retorno, a qual de má vontade encontrou uma habitação e residiu entre eles como chuva no deserto, e como o orvalho na terra seca.

Capítulo 43 (o esplendor)

1 Eu vi outro esplendor, e as estrelas do céu. Eu observei que ele chamou-as todas por seus respectivos nomes, e que elas ouviram. Vi que ele pesou-as numa justa balança por sua luz e amplitude de seus lugares, o dia de seu aparecimento, e suas conversões. Esplendor produziu esplendor; e sua conversão foi o número dos anjos, e dos fiéis. 2 Então eu perguntei ao anjo, que prosseguia comigo, e ele explicou-me coisas secretas, e quais eram seus nomes. Ele respondeu: O Senhor dos espíritos mostrou a ti uma similaridade disto. Eles são nomes dos justos que habitaram na terra, os quais acreditam no nome do Senhor dos espíritos para sempre e sempre.

Capítulo 44 (Esplendor)

1 Outra coisa também vi com respeito ao esplendor; que ele sobe por causa

186. Esta palavra quer dizer maldade. Mas não se trata de uma maldade ocasional ou fortuita e sim, perversidade contumaz, contínua, fruto de uma extrema injustiça e pervertida personalidade. “O teu caminho e as tuas obras te fizeram estas coisas; esta é a tua maldade, e amargosa é, que te chega até ao coração” (Jeremias; 4:18).

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das estrelas e torna-se esplendor, sendo incapaz de abandoná-las.

Capítulo 45 (a negação)

1 A segunda parábola, a respeito daqueles que negam o nome da habitação dos santos e do Senhor dos espíritos.2 Aos céus eles não ascenderão nem virão sobre a terra. Esta será a porção dos pecadores que negam o nome do Senhor dos espíritos e que estão assim reservados para o dia da punição e da aflição.3 Naquele dia o Eleito se assentará sobre um trono de glória e escolherá suas condições e suas incontáveis habitações, enquanto seus espíritos neles serão fortalecidos quando eles virem meu Eleito, pois esses fugiram por proteção para meu santo e glorioso nome.4 Naquele dia eu farei com que meu Eleito habite no meio deles; mudarei a face do céu; o abençoarei e o iluminarei para sempre.5 Eu também mudarei a face da terra, a abençoarei; e farei com que aqueles a quem elegi habitem sobre ela. Mas aqueles que cometeram pecado e iniquidade não habitarão nela, pois Eu marquei seus procedimentos. Meus justos Eu satisfarei com paz, colocando-os diante de Mim; mas a condenação dos pecadores se aproximará, para que Eu possa

destruí-los da face da terra.

Capítulo 46 (Ancião)

1 Ali eu vi o Ancião de dias, cuja cabeça era igual à branca lã, e com ele outro, cujo semblante assemelhava-se àquele do homem. 187 Seu semblante era cheio de graça, igual àquele dos santos anjos. Então eu inquiri dos anjos que estavam comigo, e que me mostravam toda coisa secreta concernente a este Filho do homem, o qual foi; de onde Ele era e porque Ele acompanhou o Ancião de dias. 188 2 Ele respondeu-me e disse: Este é o Filho do homem, ao qual a justiça pertence, com o qual a retidão tem habitado e o qual revelou todos os tesouros do que é escondido: pois o Senhor dos espíritos o tem escolhido e sua porção tem excedido a tudo diante do Senhor dos espíritos em eterna ascensão.3 Este Filho do homem, que tu vês, levantará reis e poderosos de seus lugares de habitação, e os poderosos de seus tronos; soltará as rédeas do

187. “O Velho Sábio é presença constante nos mitos e contos de fadas, cujas palavras ajudam o herói nas provas e terrores da fantástica aventura. É ele que aparece e indica a brilhante espada mágica que matará o dragão-terror; ele conta sobre a noiva que espera e sobre o castelo dos mil tesouros, aplica o bálsamo curativo nas feridas quase fatais e, por fim, leva o conquistador de volta ao mundo da vida normal após a grande aventura na noite encantada” (Campbell. J. O Homem de mil faces, p. 8).188. “Eu estava olhando nas minhas visões da noite, e eis que vinha nas nuvens do céu um como o filho do homem; e dirigiu-se ao ancião de dias, e o fizeram chegar até ele” (Daniel 7:13).

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poderoso, e quebrará em pedaços os dentes dos pecadores.4 Ele lançará reis dos seus tronos e de seus domínios porque eles não O exaltarão, O louvarão, nem se humilham diante d’Ele, pelo Qual seus reinos lhes foram dados. Igualmente o semblante do poderoso Ele lançará abaixo, enchendo-os de confusão. Escura será sua habitação e vermes será sua cama; deste seu leito eles não esperam levantar-se novamente porque eles não exaltam o nome do Senhor dos espíritos.5 Eles condenarão as estrelas do céu, elevarão suas mãos contra o Altíssimo, caminham e habitam sobre a terra, exibindo todos os seus atos de iniquidade, mesmo suas obras de iniquidade. Sua força estará em suas riquezas e sua fé nos bens que têm formado com suas próprias mãos.Eles negarão o nome do Senhor dos espíritos e o expulsarão de seus templos, nos quais eles se reúnem; 6 E com Ele o fiel, o qual sofre em nome do Senhor dos espíritos.7 Naquele dia a oração dos santos e dos justos e o sangue dos íntegros ascenderão da terra até a presença do Senhor dos espíritos.8 Naquele dia os santos se reunirão, os quais habitam nos céus, e com vozes unidas de petição, suplica, oração, louvor e bênção ao nome do Senhor dos espíritos, por conta do sangue dos justos que tem sido derramado, para que a oração dos justos não seja descontinuada diante do Senhor dos espíritos, para que por eles se execute julgamento; e para que sua paciência possa perdurar para sempre.9 Naquele tempo eu vi o Ancião de

dias enquanto ele se assentava sobre o trono da sua glória, enquanto o livro dos vivos foi aberto na sua presença e enquanto todos os poderes que estão acima dos céus permanecem ao redor e diante d’Ele.10 Então os corações dos santos estavam cheios de alegria, por causa da consumação da justiça que havia chegado, a súplica dos santos foi ouvida e o sangue dos justos apreciado pelo Senhor dos espíritos.

Capítulo 47 (filho do homem) 189

1 Naquele lugar eu vi uma fonte de retidão, a qual nunca falha, envolta em muitas fontes de sabedoria. Delas todos os sedentos beberam e foram cheios de sabedoria tendo sua habitação com os retos, eleitos e santos.2 Naquela hora o Filho do homem foi invocado diante do Senhor dos espíritos e seu nome na presença do Ancião de dias.3 Antes que o sol e os sinais fossem criados, antes que as estrelas do céu tivessem sido formadas, seu nome era invocado na presença do Senhor 189. A expressão bíblica ‘Filho do Homem’, significa simplesmente a condição ‘humana’, ‘criatura pequena, frágil’, ‘um vermezinho’ (Sl 8,5; 51,12; Jó 25,6). O profeta Ezequiel é chamado pelo Senhor de ‘Filho do homem, põe-te em pé, e falarei contigo’ (2,1), para acentuar a distância entre Deus e o homem. Em Daniel a expressão indica os israelitas (2 Rs 7:24), “os santos do Altíssimo” (Dn 7,18). No novo Testamento Jesus aplicou esta expressão a si mesmo, para afastar as falsas esperanças de um messianismo político. Deste modo sublinhava ao mesmo tempo sua fragilidade humana, enquanto Servo Sofredor (Mc 8,31; 10,45; Is 53,10) e sua grandeza sobrenatural (Mc 8,38; 12,36; 14,62). Após a ressurreição a expressão ‘Filho do Homem’ foi entendida em sentido messiânico (At 7,56; Ap 1,13).

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dos espíritos. Ele será um apoio para os justos e santos se encostarem, sem falhar; e ele será a luz das nações.4 Ele será a esperança daqueles cujos corações estão temerosos. Todos os que habitam na terra cairão diante d’Ele; O abençoarão e glorificarão, e cantarão orações ao nome do Senhor dos espíritos.5 Portanto o Eleito e Escondido subsistiu em sua presença, antes que o mundo fosse formado, e para sempre.6 Na Sua presença Ele existiu, e revelou aos santos e aos justos a sabedoria do Senhor dos espíritos; pois Ele preservou o lugar dos retos, porque eles iraram e rejeitaram este mundo de iniquidade, e detestaram todas as suas obras e caminhos, no nome do Senhor dos espíritos.7 Pois em seu nome eles serão preservados e sua será a vida. Naqueles dias os reis da terra e os homens poderosos, os quais ganharam o mundo por suas realizações, se tornarão humildes em seus semblantes.8 Pois no dia de sua ansiedade e angústia, suas almas não serão salvas, e eles estarão em sujeição daquele a quem eu escolhi.9 Eu os lançarei como a palha ao fogo e como chumbo, na água. Assim eles queimarão na presença dos justos e afundarão na presença dos santos; nem a décima parte deles será encontrada.10 Mas no dia da tribulação o mundo ganhará tranquilidade.11 Em sua presença eles falharão e não serão levantados novamente; nem haverá alguém para tomá-los por suas mãos e levantá-los; pois eles negaram o Senhor dos espíritos e seu Messias. O

nome do Senhor será abençoado.

Capítulo 48 (o eleito)

1 Sabedoria verteu como água e glória não falta diante d’Ele para sempre e sempre, pois potente é Ele em todos os segredos de retidão.2 Mas a iniquidade passa como uma sombra e não possui uma estação fixa, pois o Eleito permanece diante do Senhor dos espíritos e Sua glória é para sempre e sempre, e Seu poder de geração em geração.3 Com Ele habitam os espíritos da sabedoria intelectual, o espírito da instrução e do poder e o espíritos dos que dormem em retidão; Ele julgará coisas secretas.4 Ninguém será capaz de pronunciar uma única palavra diante d’Ele, pois o Eleito está na presença do Senhor dos espíritos de acordo com Seu próprio prazer.

Capítulo 49 (iniquidade)

1 Naqueles dias os santos e os escolhidos sofrerão uma mudança. A luz do dia descansará sobre eles e o esplendor e a glória dos santos será transformada.2 Naquele dia de tribulação o mal será amontoado sobre os pecadores, mas os justos triunfarão no nome do Senhor dos espíritos.3 Outros serão levados a ver que devem arrepender-se e desistir das obras das suas mãos, e que a glória não os espera na presença do Senhor dos espíritos já que por Seu nome eles podem ser salvos. O Senhor dos espíritos terá compaixão deles, pois grande é a

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Sua misericórdia e a justiça está em Seu julgamento; na presença de Sua glória, em seu julgamento a iniquidade não permanecerá. Aquele que não se arrepende em Sua presença perecerá.4 Daqui em diante Eu não terei misericórdia deles, diz o Senhor dos espíritos.

Capítulo 50 (julgamento)

1 Naqueles dias a terra entregará de seu ventre e o inferno entregará de si aqueles a quem recebeu, e a destruição restaurará àqueles a quem ela deve.2 Ele selecionará os justos e santos de entre eles, pois o dia de sua salvação se tem aproximado.190

3 E naqueles dias o Eleito se assentará sobre seu trono, enquanto todo segredo de sabedoria intelectual procederá da sua boca, pois o Senhor dos espíritos lhe concedeu e glorificou.4 Naqueles dias as montanhas saltarão como as rãs e os montes pularão como jovens ovelhas 191 saciadas com leite; e todos os justos se tornarão iguais aos anjos nos céu.5 Seu semblante se iluminará de alegria, pois naqueles dias o Eleito será exaltado. A terra se regozijará; os justos habitarão nela e a possuirão. 192

190. “E os reis da terra, e os grandes, e os chefes militares, e os ricos, e os poderosos, e todo escravo, e todo livre, se esconderam nas cavernas e nas rochas das montanhas”. (Revelação; 6:15).191. “Os montes saltaram como carneiros, e as colinas, como cordeiros do rebanho” (Salmos; 114:4).192. “E todos os do teu povo serão justos, para sempre herdarão a terra; serão renovos por mim plantados, obra das minhas mãos, para que eu seja glorificado” (Isaías; 60:21).

Capítulo 51 (o oeste)

1 Depois desse tempo, no lugar onde eu havia visto toda visão secreta, fui arrebatado em um redemoinho de vento e transportado para o oeste.2 Lá meus olhos viram os segredos do céu e tudo o que existe na terra; uma montanha de fogo, uma montanha de cobre, uma montanha de prata, uma montanha de ouro, uma montanha de metal fundido, e uma montanha de chumbo.3 E eu perguntei ao anjo que foi comigo, dizendo: O que são estas coisas, que em segrego eu vi?4 Ele disse: Todas as coisas que tu viste serão para o domínio do Messias, para que ele possa comandar e ser poderoso sobre a terra.5 E aquele anjo de paz respondeu-me dizendo: Espera um pouco de tempo e entenderás, e cada coisa secreta te será revelada, o que o Senhor dos espíritos tem decretado. Aquelas montanhas que tu viste, a montanha de ferro, a montanha de cobre, a montanha de prata, a montanha de ouro, a montanha de metal fluido e a montanha de chumbo, todas estas na presença do Eleito serão como o favo de mel diante do fogo, e como a água descendo de cima sobre estas montanhas, e se tornarão debilitadas diante de seus pés. 6 Naqueles dias os homens não serão salvos por ouro e por prata. 193

7 Nem eles o terão em seu poder para assegurar-se, e voar.8 Lá não haverá nem ferro, nem casaco 193. “Por cobre trarei ouro, e por ferro trarei prata, e por madeira, bronze, e por pedras, ferro; e farei pacíficos os teus oficiais e justos os teus exatores” (Isaías; 60:17).

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de malha para o peito.9 Cobre será inútil; inútil também será o que não enferruja nem se consome; e levar não será desejado.10 Todas estas coisas serão rejeitadas, e perecem na terra, quando o Eleito aparecer na presença do Senhor dos espíritos.

Capítulo 52 (anjos de punição)

1 Ali meus olhos viram um profundo vale, e larga era sua entrada.2 Todos os que habitam na terra, no mar, e nas ilhas, trarão para ele dons, presentes e oferendas; contudo aquele profundo vale não se encherá. Suas mãos cometerão iniquidade. Tudo quanto eles produzirem por labor será devorado pelos pecadores por crime. Mas eles perecerão de diante da face do Senhor dos espíritos e da face de sua terra. Eles se levantarão, e não falharão para sempre.3 Eu vi anjos de punição, os quais estavam habitando ali, e preparando todos os instrumentos de Satã. 194

194. “No Antigo Testamento o termo hebraico Satã, ou Satanás, significa “acusador”, “adversário” (Jó 1,6). Após o domínio persa e a influência mazdeista e o maniqueísmo zurvanista sobre os judeus, passou a designar algo externo a Deus, o ‘inimigo de Deus e do homem’ (Zc 3,1), tornando-se o nome próprio do ‘anjo decaído’ e tentador do homem (Sb 2,24 e Ap 12,9). O cristianismo surgiu em era messiânica e apocalíptica, adotou todos os sentidos judeus para esse termo. No Novo Testamento este termo tomou sentido ainda mais forte, transmutou-se no principal opositor de Deus ou de seu reino. Para as Igrejas cristãs, Jesus inaugurou o Reino de Deus neste mundo, pondo “fim” ao reino de Satanás (Mt 12,28; Lc 10,18; Jo 12,31). Jesus venceu as tentações de Satanás, que o queria desviar de sua missão

4 Então perguntei ao anjo da paz que continuava comigo, para quem aqueles instrumentos eram preparados.5 Ele disse: Estes são preparados para os reis e poderosos da terra, para que assim eles pereçam.6 Depois que os justos e a casa escolhida de sua congregação aparecerão, e desde então serão imutáveis no nome do Senhor dos espíritos.7 Nem aquelas montanhas existirão na sua presença como a terra e os montes, como as fontes de água existem. E os justos serão aliviados da vexação dos pecadores.

Capítulo 53 (vale de fogo)

1 Então eu olhei e me virei para outra parte da terra, onde vi um profundo vale de fogo ardente.2 Para esse vale, eles levaram os monarcas e os poderosos.3 Ali meus olhos viram os instrumentos que eles fizeram, correntes de ferro sem peso. 4 Então eu perguntei ao anjo da paz que estava comigo, dizendo: Para quem essas correntes são preparadas?5 Ele respondeu: Estas são preparadas para as hostes de Azazel, para que eles sejam entregues e julgados a uma menor condenação, e para que seus anjos sejam subjugados com pedras arremessadas, como o Senhor dos espíritos ordenou.6 Miguel e Gabriel, Rafael e Fanuel serão fortalecidos naquele dia, e então os lançarão numa fornalha de fogo (Mt 4,1-11; Lc 22,28). O cristão participa desta vitória de Cristo (2Cor 6,14; 1Jo 5,18s), que no fim dos tempos será definitiva (Ap 12-20)” (Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbete: Satanás).

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ardente para que o Senhor dos espíritos possa ser vingado pelos crimes que eles cometeram; porque eles se tornaram ministro de Satã, e seduziram aqueles que habitam sobre a terra.7 Naqueles dias punição virá do Senhor dos espíritos, e os receptáculos de água que estão acima nos céus serão abertos, e igualmente as fontes que estão sob a terra.8 Todas as águas, que estão nos céus e abaixo deles, serão reunidas e se misturarão. 195

9 A água que está acima no céu será o agente; 10 E a água que está sob a terra será o recipiente, e todos os que habitam sobre a terra serão destruídos e os que habitam sob as extremidades do céu.11 Por esses meios eles entenderão a iniquidade que cometeram na terra, e por esses meios perecerão.

Capítulo 54 (O decreto)

1 Depois disso o Ancião de dias arrependeu-se, e disse: Em vão eu destruí todos os habitantes da terra.2 E ele jurou por seu grande nome, dizendo: De agora em diante eu não agirei mais assim para com todos aqueles que habitam sobre a terra.3 Mas eu colocarei um sinal nos céus 196; e ele será uma fiel testemunha entre mim e eles para sempre, tantos quantos os dias do céu durarem sobre a terra.4 Depois disso, de acordo com esse meu 195. “Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num lugar; e apareça a porção seca; e assim foi” (Gênesis; 1:9).196. “Porei nas nuvens o meu arco; será por sinal da aliança entre mim e a terra” (Gênesis; 9:13).

decreto, quando eu estiver disposto a prendê-los antecipadamente, pela instrumentalidade dos anjos, no dia da aflição e da perturbação, minha ira e minha punição permanecerá sobre eles, minha punição e minha ira, diz Deus, o Senhor dos espíritos.5 Ó vós reis, ó vós poderosos, que habitam o mundo, vereis meu Eleito, assentado sobre o trono da minha glória. E Ele julgará Azazel, todos seus associados, em nome do Senhor dos espíritos.6 Ali igualmente eu vi as hostes dos anjos que estavam se movendo em punição, confinadas numa rede de ferro e bronze. Então eu perguntei ao anjo da paz, que estava comigo: Para quem estes sob confinamento estão indo.7 Ele disse: Para todos os seus eleitos e seus amados, para que eles possam ser lançados nas fontes e profundas fendas do abismo. 197

8 E aquele vale será cheio com seus eleitos e amados; os dias cuja vida serão consumados, mas os dias de seus erros serão inumeráveis.9 Então príncipes (ou Anjos) se combinarão e juntos conspirarão. Os chefes do leste, entre os Partos e Medos, removerão reis, nos quais um espírito de 197. “Lugar profundíssimo, sem fundo. Grande abismo. Em Gn 1.2 a palavra representa as águas primitivas; em Gn 7.11, o reservatório subterrâneo das águas (Êx 20.4). Em Is 51 . 10 quer dizer o mar. Em Rm 10.7 refere-se ao lugar dos mortos. Em Luc. 8.31 e 16.26, os que querem passar... não podem. Ap 9.1, 2, 11; 11.7.8; 20.1, 3 significa a prisão dos espíritos maus. Deve-se distinguir esta do lugar onde se lançarão, por fim, a besta, o falso profeta e o diabo (‘o ardente lago de fogo e enxôfre’, Ap. 19.20; 20.10)” (Boyer, O. S. Pequena Enciclopédia Bíblica, p. 12).

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perturbação entrará. Ele os lançará de seus tronos, saltando como leões de seus esconderijos, e como lobos famintos no meio do rebanho.10 Eles subirão e pisarão na terra de seus eleitos. A terra de seus eleitos estará diante deles. A eira, a senda e a cidade do meu povo justo imperarão o progresso de seus cavalos. Eles se levantarão para destruir uns aos outros; sua mão direita se estenderá; o homem não conhecerá seu amigo ou seu irmão;11 Nem o filho de seu pai ou de sua mãe; até que o número dos corpos de seus mortos seja completado, pela sua morte e punição. Nem isto acontecerá sem causa.12 Naqueles dias a boca do inferno será aberta, na qual eles serão imersos; o inferno destruirá e tragará os pegadores da face dos eleitos.

Capítulo 55 (carruagens)

1 Depois disto eu vi outro exército de carruagens com homens dirigindo-as.2 E eles vieram sobre o vento do leste, desde o oeste, e do sul.3 O som do barulho de suas carruagens foi ouvido.4 E quando aquela agitação aconteceu os santos fora do céu perceberam-na; o pilar da terra abalou-se desde a sua fundação e o som foi ouvido desde as extremidades da terra até as extremidades do céu ao mesmo tempo. 5 Então eles caíram e adoraram o Senhor dos espíritos.6 Este é o fim da segunda parábola.

Capítulo 56 (terceira parábola)

1 Então eu comecei a proferir a terceira parábola, concernente aos santos e aos eleitos.2 Abençoados sois vós, ó santos e eleitos, pois glorioso é o vosso lugar.3 Os santos existirão na luz do sol e os eleitos na luz da vida eterna, cujos dias de vida nunca terminarão nem os dias dos santos serão enumerados, os quais procuram pela luz e obtêm retidão com o Senhor dos espíritos. 4 Paz seja aos santos com o Senhor do mundo.5 Daqui em diante aos santos seja dito que procure nos céu os segredos da retidão, a porção da fé; semelhante ao sol nascido sobre a terra, enquanto a escuridão se vai. Ali haverá luz interminável; eles não entrarão em contagem de tempo, pois a escuridão será previamente destruída e a luz aumentará diante do Senhor dos espíritos; diante do Senhor dos espíritos a luz da honradez aumentará para sempre.

Capítulo 57 (as habitações)

1 Naqueles dias meus olhos viram os segredos dos relâmpagos e seu esplendor, e o julgamento a eles pertencente.2 Eles iluminam por bênção e por maldição, de acordo com a vontade do Senhor dos espíritos.3 Ali eu vi os segredos do trovão quando ele agita-se acima no céu e seu som é ouvido.4 As habitações da terra também foram mostradas a mim. O som do trovão é para paz e para bênção, tanto para o bem quanto para maldição, de acordo com a

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palavra do Senhor dos espíritos.5 Depois disso, todo segredo dos esplendores e dos trovões foram vistos por mim. Para bênção e para fertilidade eles iluminam. 198

Capítulo 58 (misericórdia)

1 No quinquagésimo ano, no sétimo mês, no décimo quarto dia da vida de Enoque, naquela parábola eu vi o céu dos céus tremerem, que ele tremeu violentamente e que os poderes do Altíssimo e dos anjos, milhares de milhares, e miríades de miríades, ficaram agitados com grande agitação. E quando eu olhei o Ancião de dias estava assentado no trono de sua glória enquanto os anjos e santos estavam em pé ao redor d’Ele. Um grande tremor veio sobre mim. Meus lombos foram curvados e soltos, meus rins foram dissolvidos; e eu cai sobre minha face. O santo Miguel, outro santo anjo, um dos santos, foi enviado, o qual levantou-me.2 E quando ele levantou-me, meu espírito retornou, pois eu fui incapaz de suportar essa visão de violência, sua agitação e o choque do céu.3 Então o santo Miguel disse-me: Por que estás perturbado com essa visão?4 Desde en tão t em ex i s t ido o dia da misericórdia; Ele tem sido 198. “A fertilidade da terra e a fecundidade da mulher se solidarizam; em consequência, as mulheres se convertem em responsáveis pela abundância das colheitas, pois elas são as que conhecem os ‘mistérios’ da criação. Trata-se de um mistério religioso que rege a origem da vida, o processo de da alimentação e a morte. O solo fértil se assemelha a mulher. Mais tarde, depois do descobrimento do arado, o trabalho agrícola se assemelhará ai ato sexual”. (Eliade, M. Historia de las creencias y de las ideas religiosas, Vol. I, p. 69).

misericordioso e magnânimo com todos os que habitam sobre a terra.5 Mas quando o tempo vier, então o poder, a punição, e o julgamento tomarão lugar, o qual o Senhor dos espíritos preparou para aqueles que se prostrarem para o julgamento da retidão, para aqueles que renunciarem àquele julgamento, e para aqueles que tomam seu nome em vão.6 Aquele dia foi preparado para os eleitos como um dia de convênio e para os pecadores como um dia de inquisição. 199

7 Naquele dia dois monstros serão distribuídos como alimento, um monstro fêmea, cujo nome é Leviatã 200, habitando nas profundezas do mar, 199. ‘Castigo’. “O mau, é evidente, não ficará sem castigo, mas a geração dos justos é livre” (Provérbios; 11:21). “E irão estes para o castigo eterno, porém os justos, para a vida eterna” (Mateus; 25:46). 200. ‘Leviatã – do hebr. liwjathan, ‘animal que se enrosca’, pelo lat. bíblico Leviathan. No Antigo Testamento a imagem do Leviatã é retratada pela primeira vez no Livro de Jó, capítulo 3:8 Sua descrição na referida passagem é breve. Uma nota explicativa revela uma primeira definição: “monstro que se representa sob a forma de crocodilo, segundo a mitologia fenícia” (Velho Testamento, 1957: 614). Não se deve perder de vista que nas diversas descrições no Velho Testamento ele é caracterizado sob diferentes formas, uma vez que se funde com outros animais’ (Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbete: Leviatã). “Certos sinais do cenário primitivo de combate e vitória da divindade sobre o monstro marinho, a encarnação do caos, também podem ser encontrados no cerimonial judaico do Ano Novo, do modo como tem sido preservado no culto de Jerusalém. Estudos recentes (por exemplo, Mowinckel, Pedersen, Hans Schmidt, A. R. Johnson) definiram os elementos rituais e as implicações cosmogônico-escatológicas dos Salmos, e mostraram o papel

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acima das fontes de águas;8 E um monstro macho, cujo nome é Behemoth 201, o qual possui, movendo-se em seu ventre, o deserto invisível.9 Seu nome era Dendayen. A leste do jardim, onde os eleitos e os justos habitarão, onde ele recebeu-o de meu ancestral, desde Adão o primeiro dos homens, cujo homem o Senhor dos espíritos fez.10 Então eu pedi a outro anjo que me mostrasse o poder daqueles monstros, como eles se separaram naquele mesmo dia, um estando nas profundezas do mar, e o outro no seco deserto.desempenhado pelo rei no festival do Ano Novo, que comemorava o triunfo de Yahveh, líder das forças da luz, sobre as forças das trevas (o caos do mar, o monstro primordial Rahab). Esse triunfo seguiu-se da coroação de Iahveh como rei, e da repetição do ato cosmogônico. A matança do monstro Rahab e a vitória sobre as águas (significando a organização do mundo), eram equivalentes à criação do Cosmo, e, ao mesmo tempo, à ‘salvação’ do homem (à vitória sobre a ‘morte’, à garantia de alimento para o ano seguinte, e assim por diante). De todos esses diversos sinais de cultos arcaicos, nós devemos por enquanto ter em mente apenas a repetição periódica da Criação (na ‘passagem do ano’, Êxodo 34:22; no ‘fim do ano’, 23:16); porque, o combate com Rahab, pressupõe a reatualização do caos primordial, enquanto a vitória sobre as águas só pode significar o estabelecimento de ‘formas estáveis’, isto é, a Criação. Teremos oportunidade de ver adiante que, na consciência do povo hebreu, essa vitória cosmogônica transforma-se em vitória sobre os reis estrangeiros presentes e até futuros; a cosmogonia justifica o messianismo e o Apocalipse, e, assim, estabelece as fundações para uma filosofia da história”. (Eliade, M. Mito do Eterno Retorno, p. 63).201. Behemoth é o nome de uma criatura imaginária descrita no Livro de Jó, 40:15-24 “Contempla agora o Behemoth (hipopótamo?), que eu criei contigo, que come a erva como o boi”.

11 E ele disse: Tu, filho do homem, estás aqui desejoso de entendimento das coisas secretas.12 E o anjo da paz, o qual estava comigo disse: Estes dois monstros estão preparados pelo poder de Deus para tornarem-se alimento, para que a punição de Deus não seja em vão. 202

13 Então crianças serão mortas com suas mães, e os filhos com seus pais.14 E quando a punição do Senhor dos espíritos continuarem, sobre eles ela continuará, para que a punição do Senhor dos espíritos não aconteça em vão. Depois do quê, o julgamento existirá com misericórdia e longanimidade.

Capítulo 59 (O espírito)

1 Então outro anjo, o qual estava comigo, me falou, 2 E mostrou-me o primeiro e o último dos segredos em cima no céu, e nas profundezas da terra:3 Nas extremidades do céu e nas fundações dela, e no receptáculo dos céus.4 E l e m o s t r o u - m e c o m o s e u s espíritos foram divididos; como

202. “Na verdade, em certas cosmogonias arcaicas, o mundo recebeu existência por meio do sacrifício de um monstro primordial, simbolizando o caos (Tiamat), ou através do sacrifício de um gigante cósmico (Ymir, Pan-Ku, Purusa). Para garantir a realidade e a durabilidade de uma construção, existe uma repetição do ato divino da construção perfeita: a Criação dos mundos e do homem. Como primeiro passo, a ‘realidade’ do lugar é garantida por intermédio da consagração do terreno, isto é, por sua transformação em um Centro; então, a validade do ato de construção é confirmada pela repetição do sacrifício divino”. (Eliade, M. Mito do Eterno Retorno, p. 25).

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eles foram balançados e como ambas as fontes e os ventos foram contados de acordo com a força de seu espírito.5 Ele me mostrou o poder da luz da lua, que seu poder é justo; bem como as divisões das estrelas, de acordo com seus respectivos nomes;6 Que cada divisão é separada; que os relâmpagos iluminam;7 Que suas tropas imediatamente obedecem e que uma cessação toma lugar durante o trovão em continuação de seu som. Não são separados o trovão e o raio; nem eles se movem com um espírito, já que eles não são separados.8 Pois quando os raios iluminam, o trovão soa e o espír i to a um próprio período faz pausa, fazendo uma igual divisão entre eles, pois o receptáculo sobre o qual seus períodos dependem é solto como a areia. Cada um deles à sua própria estação é restringido com uma rédea e virado pelo poder do espírito, que assim impele-os de acordo com a espaçosa extensão da terra.9 O espírito do mar é igualmente potente e forte, e um poder tão forte o faz vazar; assim ele é dirigido adiante e espalha-se cont ra as montanhas da terra. O espírito da geada tem seu anjo; no espírito do granizo ele é um bom anjo; o espírito da neve cessa em sua força e um espírito solitário está nele, o qual ascende dele como vapor, e é chamado refrigeração. 203

203. No mundo “primitivo” – entenda-se aqui o primitivo não como atrasado, como a maioria das pessoas tende a entender, mas como as Religiões Antigas (“Primeiras”) quando em

10 O espír i to da névoa também habita com eles em seu receptáculo, mas ele tem um receptáculo para si mesmo, pois seu progresso está no esplendor, 11 Na luz e na escuridão, no inverno e no verão . Seu receptáculo é brilho, e um anjo esta nele.12 O espírito do orvalho tem seu domicí l io nas extremidades do céu, em conexão com o receptáculo da chuva e seu progresso es tá no inverno e no verão. A nuvem produzida por ele e a nuvem do meio se tornam unidos , um dá ao outro; e quando o espírito da chuva está em movimento de seu receptáculo, anjos vêm e, abrindo seu receptáculo, o traz adiante. 204

algumas regiões se davam “alma” a fenômenos naturais, aludindo ser estes fenômenos manifestações hierofanicas de deuses ou Espíritos. Porém, com o tempo percebeu-se que tal afirmação não era totalmente correta, pois nem todas as religiosidades antigas tinham ou aludiam “almas” a fenômenos naturais. (Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbete: Animismo).204. “Serafins estavam por cima dele; cada um tinha seis asas; com duas cobriam os seus rostos, e com duas cobriam os seus pés, e com duas voavam. E clamavam uns aos outros, dizendo: Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória. E os umbrais das portas se moveram à voz do que clamava, e a casa se encheu de fumaça. Então disse eu: Ai de mim! Pois estou perdido; porque sou um homem de lábios impuros, e habito no meio de um povo de impuros lábios; os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos. Porém um dos serafins voou para mim, trazendo na sua mão uma brasa viva, que tirara do altar com uma tenaz; E com a brasa tocou a minha boca, e disse: Eis que isto tocou os teus lábios; e a tua iniquidade foi tirada, e expiado o teu pecado. Depois disto ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós?

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13 Quando igualmente ele é borrifado sobre toda a terra ele forma uma união com todo tipo de água no chão; pois as águas ficam na terra, porque eles fornecem nutrição para a terra desde o Altíssimo, o qual está no céu.14 Sobre este informe, portanto há uma regulamentação na qualidade da chuva que os anjos recebem.15 Estas coisas eu vi, todas elas, até o paraíso. 205

Capítulo 60 (as medidas)

1 Naqueles dias eu vi que longos mantos foram dados àqueles anjos, os quais tomaram suas asas e fugiram em direção ao norte.2 Eu perguntei ao anjo, dizendo: Para Então disse eu: Eis-me aqui, envia-me a mim. Então disse ele: Vai, e dize a este povo: Ouvis, de fato, e não entendeis, e vedes, em verdade, mas não percebeis. Engorda o coração deste povo, e faze-lhe pesados os ouvidos, e fecha-lhe os olhos; para que ele não veja com os seus olhos, e não ouça com os seus ouvidos, nem entenda com o seu coração, nem se converta e seja sarado. Então disse eu: Até quando Senhor? E respondeu: Até que sejam desoladas as cidades e fiquem sem habitantes, e as casas sem moradores, e a terra seja de todo assolada. E o Senhor afaste dela os homens, e no meio da terra seja grande o desamparo. Porém ainda a décima parte ficará nela, e tornará a ser pastada; e como o carvalho, e como a azinheira, que depois de se desfolharem, ainda ficam firmes, assim a santa semente será a firmeza dela (Isaías; 6:2-13).205. “O Tempo mítico que o homem se esforça por reatualizar periodicamente é um Tempo santificado pela presença divina, e pode se dizer que o desejo de viver na presença divina e num mundo perfeito (porque recém nascido) corresponde à nostalgia de uma situação paradisíaca”. (Eliade, M. O Sagrado e o Profano, p. 49).

onde eles levaram aqueles longos mantos e para onde se foram? Ele disse: Eles foram medir.3 O anjo, o qual continuava comigo, disse: Estas são as medidas dos justos e cordas serão trazidas para que eles possam confiar no nome do Senhor dos espíritos para sempre e sempre.4 O eleito começará a habitar com o eleito.5 Estas são as medidas que serão dadas pela fé, as quais fortalecerão as palavras de retidão.6 Estas medidas revelarão todos os segredos nas profundezas da terra.7 E acontecerá que aqueles que foram destruídos no deserto e os que foram devorados pelos peixes do mar e pelas bestas do campo, retornarão e confiarão no dia do Eleito, pois ninguém perecerá na presença do Senhor dos espíritos, nem ninguém será capaz de perecer.8 Então eles receberam o mandamento, todos os quais estavam nos céus acima, para quem foi dado um poder combinado, voz e esplendor, semelhante ao fogo.9 E primeiro, com suas vozes eles abençoaram-no , exa l ta ram-no , glorificaram-no com sabedoria e atribuíram a Ele sabedoria com a palavra e com o sopro da vida.10 Então o Senhor dos espíritos assentado sobre o trono de sua glória, o Eleito, 11 O qual julgará todas as obras do Santo acima no céu, e numa balança Ele pesará suas ações. 206 E quando Ele 206. O peso do coração parece ser uma situação recorrente no mundo antigo. Os antigos consideravam o coração a sede das emoções e dos sentimentos. Não é esse órgão que produz as emoções, mas como a maioria das emoções afeta os batimentos cardíacos,

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levantar Seu semblante para julgar seus caminhos secretos na palavra do nome do Senhor dos espíritos, e seu progresso no caminho do justo julgamento do altíssimo Deus;12 Eles falarão com vozes unidas; abençoarão, glorificarão, exaltarão, e orarão em nome do Senhor dos espíritos.13 Ele chamará a todo poder dos céus, a todo santo acima, e ao poder de Deus. O Querubim, o Serafim, o Ofanim (Ophanim) 207, todos os anjos de poder

acredita-se que ele seria o seu causador. “Os egípcios acreditavam que no julgamento de um morto era pesado seu coração e a pena da verdade (como podemos ver em muitas gravuras egípcias). Anúbis era quem guiava a alma dos mortos no Além. Costuma ser representado como um homem com cabeça de cachorro ou como um cachorro (chacal) selvagem. A sua mãe é Néftis, que, durante uma briga com o marido Seth, passou-se por Isis e teve relações com Osíris. Anúbis é pai de Qeb-hwt, também conhecida como Kebechet. Em épocas mais tardias, Anúbis foi combinado com o deus grego Hermes, surgindo assim Hermanúbis”. (Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbete: Anúbis).207. Ophan – ‘roda’. Os Ophanins têm sido associados no Antigo Testamento com “aspecto das rodas e a sua estrutura eram brilhantes como o berilo; tinha as quatro à mesma aparência, cujo aspecto e estrutura eram como se estivera uma roda dentro da outra” (Ezequiel 1:15-21) e, mais uma vez “continuei olhando, até que foram postos uns tronos, e o Ancião de Dias se assentou; sua veste era branca como a neve, e os cabelos da cabeça, como a pura lã; o seu trono eram chamas de fogo, e suas rodas eram fogo ardente” (Daniel; 7:9). Alguns místicos acreditam que essas ‘rodas’ são as mesmas que fazem ‘girar’ as asas dos Querubins. Maimônides posiciona os Ophanins ocupando o segundo de dez fileiras de anjos em sua exposição da hierarquia angélica judaica. Eles são os portadores do trono de Deus. “Razão por que se acham diante do trono de Deus e o servem de dia e de noite no seu santuário; e aquele que

e todos os anjos dos Senhores, a saber, do Eleito, e do outro Poder, o qual estava sobre a água naquele dia.14 E levarão suas vozes unidas; abençoarão, glorificarão, orarão, e exaltarão com o espírito da fé, com o espírito da sabedoria e da paciência, com o espírito da misericórdia, com o espírito do julgamento e da paz, e com o espírito da benevolência; todos dirão com vozes unidas: Abençoado é Ele; e o nome do Senhor dos espíritos será abençoado para sempre e sempre; todos, os quais não dormem, o abençoarão acima no céu.15 Todo santo no céu o abençoará; todo o eleito que habita no jardim da vida e todo espírito de luz que é capaz de abençoar, glorificar, exaltar, e orar em seu santo nome e todo homem mortal, mais do que os poderes do céu, glorificará e abençoará seu nome para sempre e sempre.16 Pois grande é a misericórdia do Senhor dos espíritos; magnânimo Ele é; e todas as suas obras, todo o seu poder, grande como são as coisas que Ele tem feito, tem revelado aos santos e eleitos, em nome do Senhor dos espíritos.

Capítulo 61 (as vozes)

1 Então o Senhor ordenou os reis, os príncipes, os exaltados e aqueles que habitam na terra dizendo: Abri vossos se assenta no trono estenderá sobre eles o seu tabernáculo” (Revelação; 7:15). No entanto, eles podem ou não ser o mesmo Thrones citado por Paulo em Colossenses: “pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele” (1:16).

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olhos, e elevai vossas vozes se sois capazes de compreender o Eleito.2 O Senhor dos espíritos assentou-se sobre o trono de sua glória.3 E o espírito de retidão foi colocado sobre ele.4 A palavra de sua boca destruirá todos os pecadores e todos os mundanos, os quais perecerão na sua presença.5 Naquele dia todos os reis, os príncipes, os exaltados e todos os que possuem a terra se colocarão em pé, verão e perceberão Aquele que está assentado no trono da sua glória, que diante d’Ele os santos serão julgados em retidão, 6 E que nada que será falado diante d’Ele, será falado em vão.7 Inquietação virá sobre eles, como sobre uma mulher em trabalho de parto, cujo labor é severo, quando seu filho vem à boca do ventre e ela encontra-se em dificuldade de dar a luz.8 Uma porção deles olhará para a outra. Eles ficarão atônitos e baixarão seu semblante, 9 E aflição os prenderá quando eles virem o Filho da mulher assentado sobre o seu trono de glória.10 Então os reis, os príncipes e todos os que possuem a terra glorificarão Aquele que tem domínio sobre todas as coisas, Aquele que esteve em conselho; pois desde o princípio o Filho do homem existiu em segredo, o qual o Altíssimo preservou na presença do Seu poder e foi revelado aos eleitos. 11 Ele semeará a congregação dos santos

e dos eleitos, e todo eleito ficará diante d’Ele naquele dia.12 Todos os reis, príncipes, o exaltado e aqueles que governam sobre toda a terra cairão sobre suas faces diante d’Ele, e O adorarão.13 Eles colocarão suas esperanças neste Filho do homem orarão a Ele e implorarão por misericórdia.14 Então o Senhor dos espíritos se apressará em expeli-los da Sua presença. Suas faces ficarão cheias de confusão e suas faces se cobrirão de escuridão. Os anjos os tomarão para castigo, aquela vingança poderá ser infligida naqueles que têm oprimido Seus filhos e Seus eleitos. E eles se tornarão como um exemplo aos santos aos Seus eleitos. Através deles estes serão feitos jubilosos, pois a ira do Senhor dos espíritos descansará sobre eles.15 Então a espada do Senhor dos espíritos se embebedará com seu sangue, mas os santos e eleitos serão salvos naquele dia; a face dos pecadores e dos mundanos daquele tempo em diante eles não verão. 208

16 O Senhor dos espíritos permanecerá sobre eles:17 E com este Filho do homem eles habitarão, comerão, dei tarão e levantarão, para sempre e sempre.18 Os santos e eleitos têm se levantado

208. “A espada do Senhor está cheia de sangue, está engordurada da gordura do sangue de cordeiros e de bodes, da gordura dos rins de carneiros; porque o Senhor tem sacrifício em Bozra, e grande matança na terra de Edom” (Isaias; 34:6).

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da terra. Têm deixado de deprimir seus semblantes e terão sido vestidos com a vestimenta da vida. Aqueles vestidos da vida estão com o Senhor dos espíritos, em cuja presença suas vestimentas não envelhecerão nem será diminuída sua glória.

Capítulo 62 (os abastados)

1 Naqueles dias os reis que possuíram a terra serão punidos pelos anjos de Sua ira, onde quer que eles lhes sejam entregues, para que Ele possa dar descanso por um curto período de tempo; e para que eles se prostem diante d’Ele e adorem o Senhor dos espíritos, confessando seus pecados diante d'Ele.2 Eles abençoarão e glorificarão o Senhor dos espíritos dizendo: Abençoado é o Senhor dos espíritos, o Senhor dos reis, o Senhor dos espíritos, o Senhor dos ricos, o Senhor da glória, e o Senhor da sabedoria.3 Ele iluminará toda coisa secreta.4 Seu poder é de geração a geração e Sua glória para sempre e sempre.5 Profundos são todos os Seus segredos e incontáveis; sua retidão não pode ser calculada.6 Agora nós sabemos que devemos glorificar e abençoar o Senhor dos reis o qual é Rei sobre todas as coisas.7 Eles também dirão: Quem nos tem permitido ficar para glorificar, louvar, abençoar, e confessar na presença da Sua glória?8 E agora pequeno é o repouso que nós desejamos, mas nós não o encontramos; nós rejeitamos e não o possuímos. Luz passou diante de nós e escuridão tem coberto nossos tronos para sempre.

9 Pois nós não confessamos diante d’Ele; não temos glorificado o nome do Senhor dos reis; não temos glorificado o Senhor em todas as Suas obras, mas temos confiado no cetro do nosso próprio domínio e da nossa glória.10 Naquele dia do nosso sofrimento e da nossa angústia Ele não nos salvará, nem encontraremos descanso. Confessamos que nosso Senhor é fiel em todas as Suas obras, em todos os Seus julgamentos e em Sua retidão.11 Em Seus julgamentos ele não paga nenhum respeito a pessoas; e nós devemos apartar-nos de sua presença por causa de nossos maus atos.12 Todos os nossos pecados são verdadeiramente sem número.13 Então eles dirão a si mesmos: Nossas almas estão saciadas com os instrumentos de crime;14 Mas que não nos impede de descer ao ventre flamejante do inferno. 209

209. Inferno – do latim cristão infernu: lugar subterrâneo onde estão as almas dos mortos. Segundo as Ecclesias (Igrejas) Cristãs, é o lugar ou situação pessoal em que se encontram os que morreram em estado de pecado, expressão simbólica de reprovação divina e privação definitiva da comunhão com Deus. (Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbete: Inferno).“Há quatro palavras traduzidas inferno, na Edição Revista e Atualizada da Bíblia: Sheol, Hades, Gehenna e Tartaroo. 1. Sheol (hebraico) ‘o mundo dos mortos’. Arderá até o mais profundo do inferno, Dt 32.22. Cadeias infernais me cingiram, 2 Sm 22.6; SI 18.5. Os perversos serão lançados no inferno, S1 9.17. Angústias do inferno se apoderaram de mim, SI 116.3. Os seus passos conduzem-na ao inferno, Pv 5.5. Os seus convidados estão nas profundezas do inferno, Pv 9.18. Livrarás a sua alma do inferno, Pv 23.14. O inferno e o abismo nunca se fartam, Pv 27.20. Eu os remirei do poder do inferno, Os 13.14.

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15 Daí em diante seus semblantes se encherão de escuridão e confusão diante do Filho do homem, de cuja presença eles serão expulsos e diante do qual a espada permanecerá expelindo-os.16 Assim diz o Senhor dos espíritos: Este decreto e o julgamento contra os príncipes, os reis, os exaltados, e aqueles que possuem a terra, na presença do Senhor dos espíritos.

Capítulo 63 (a sedução)

1 Eu vi outros semblantes naquele lugar 2. Hades (Grego) ‘corresponde a Sheol hebraico’. O lugar das almas que partiram deste mundo. Descerás até ao inferno, Mt 11.23; Lc 10.15. As portas do inferno não prevalecerão contra ela, Mt 16.18. No inferno, estando em tormentos, Lc 16.23. Tenho as chaves da morte e do inferno, Ap 1.18. O inferno o estava seguindo, Ap 6.8. A morte e o inferno foram lançados, Ap 20.14. 3. Gehenna (Grego) ‘Vale de Hinom, um vale de Jerusalém, termo usado para designar um lugar de suplício eterno, Inferno’. Estará sujeito ao de fogo, Mt 5.22. Todo o seu corpo lançado no inferno, Mt 5.29,30. Perecer no inferno tanto a alma como o corpo, Mt 10.28. Seres lançado no inferno de fogo, Mt 18.9. Uma vez feito o tornais filho do inferno, Mt 23.15. Como escapareis da condenação do inferno? Mt 23.33. Tem autoridade para lançar no inferno, Lc 12.5. Posta ela em chamas pelo inferno, Tg 3.6. 4. Tártaro (Grego) ‘Derivado de tártaros, o mais profundo abismo do hades’. Tártaro quer dizer, encarcerar no suplício eterno; precipitar ao inferno o lugar mais profundo do inferno. Precipitando-os no inferno, 2 Pe 2.4, horror eterno, Dn 12.2; fornalha acesa, Mt 13.42; o fogo eterno, Mt 25.41; o castigo eterno, Mt 25.46; eterna destruição, 2 Ts 1.9; o juízo eterno, Elb 6.2; o seu fim é ser queimado, Mb 6.8; em algemas eternas, Jd 6; fogo eterno, Jd 7; fogo e enxofre, Ap 14. 10; 20.10; 21.8; a fumaça do seu tormento sobe pelos séculos dos séculos, Ap 14.11; lago de fogo, Ap 19.20; 20.14,15; a segunda morte, Ap 20.14”. (Boyer, O. S. Pequena Enciclopédia Bíblica, p. 327).

secreto. Ouvi a voz de um anjo, dizendo: Estes são os anjos que desceram do céu à terra, revelaram segredos aos filhos dos homens e seduziram os filhos dos homens para cometerem de pecado. 210

Capítulo 64 (Noé)

1 Naqueles dias Noé viu que a terra inclinou-se, e que destruição aproximava-se.2 Então ele levantou seus pés e foi para os confins da terra, para a habitação do seu bisavô Enoque.3 E Noé clamou com uma amarga voz: Ouvi-me, ouvi-me, ouvi-me, três vezes. E ele disse: Dize-me o que está ocorrendo sobre a terra, pois a terra trabalha e é violentamente abalada. Certamente eu perecerei com ela.4 Depois disso houve uma grande perturbação na terra e uma voz foi ouvida desde o céu. Eu caí sobre minha face, então meu bisavô Enoque veio e colocou-se ao meu lado.5 Ele disse-me: Por que clamas a mim com um amargo clamor e lamentação?6 Um mandamento partiu do Senhor contra aqueles que habitam na terra para que eles sejam destruídos, pois eles conhecem todo segredo dos anjos, toda obra opressiva, o poder secreto dos demônios e todo poder daqueles que cometem sortilégios, tanto quanto daqueles que fazem imagens fundidas em toda a terra. 211

210. “Filho meu, se os pecadores procuram te atrair com agrados, não aceites. Assim, o seduziu com palavras muito suaves e o persuadiu com as lisonjas dos seus lábios” (Provérbios; 1:10 e 7:21).211. Para que não vos corrompais, e vos façais alguma imagem esculpida na forma de qualquer

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7 Eles sabem como a prata é produzida do pó da terra e como na terra a gota metálica existe, pois o chumbo e o estanho não são produzidos da terra como fonte primária de sua produção.8 Há um anjo colocado sobre ela, e o anjo luta para prevalecer.9 Depois disso meu bisavô Enoque agarrou-me com sua mão, levantando-me e disse-me: Vai, pois eu pedi ao Senhor dos espíritos a respeito desta perturbação da terra; o qual respondeu: Por conta da impiedade deles seus inumeráveis julgamentos foram consumados diante de mim. Com respeito às luas eles inquiriram, e têm conhecimento de que a terra perecerá com aqueles que habitam sobre ela, e que estes não terão lugar de refúgio para sempre. 212

10 Eles descobriram segredos, e eles são aqueles que têm sido julgados; mas não você, meu filho. O Senhor dos espíritos sabe que tu és puro e bom,

figura, semelhança de homem ou mulher; Figura de algum animal que haja na terra; figura de alguma ave alada que voa pelos céus. Figura de algum animal que se arrasta sobre a terra; figura de algum peixe que esteja nas águas debaixo da terra (Deuteronômio; 4:16-18). Por isso te anunciei desde então, e te fiz ouvir antes que acontecesse, para que não dissesses: O meu ídolo fez estas coisas, e a minha imagem de escultura, e a minha imagem de fundição as mandou (Isaías; 48:5).212. “O Senhor está no seu santo templo, o trono do Senhor está nos céus; os seus olhos estão atentos, e as suas pálpebras provam os filhos dos homens. O Senhor prova o justo; porém ao ímpio e ao que ama a violência odeia a sua alma. Sobre os ímpios fará chover laços, fogo, enxofre e vento tempestuoso; isto será a porção do seu copo. Porque o Senhor é justo, e ama a justiça; o seu rosto olha para os retos” (Salmos; 11:4-5).

livre da reprovação do descobrimento de segredos.11 Ele, o Santo, estabelecerá Seu nome no meio dos santos e te preservará daqueles que habitam sobre a terra. Ele estabelecerá tua semente em retidão com domínio e grande glória, e da tua semente se espalhará retidão, e homens santos sem número para sempre.

Capítulo 65 (as águas da Morte)

1 Depois disso ele mostrou-me os anjos de punição, os quais estão preparados para vir e abrir todas as águas poderosas sob a terra. 213

2 Que elas podem ser para julgamento e para destruição de todos aqueles que permanecem e habitam sobre a terra.3 O Senhor dos espíritos ordenou os anjos que saíram, para não tomar os homens, e preservá-los, 4 Pois aqueles anjos presidem sobre todas as poderosas águas. Então eu saí da presença de Enoque.

213. “Tudo se reencontra ali: Noé e o Dilúvio tiveram como recíproco, em inúmeras tradições, o cataclismo que pôs fim a uma ‘humanidade’ (‘sociedade’), à exceção de um único homem, que se tornou o Antepassado mítico de uma nova humanidade. As ‘Águas da Morte’ são um leitmotiv (do alemão, motivo condutor ou motivo de ligação) das mitologias paleorientais, asiáticas e oceânicas. A Água ‘mata’ por excelência: dissolve, abole toda forma. É justamente por isso que é rica em ‘germes’, criadora. O simbolismo da nudez batismal já não é o privilégio da tradição judaico-cristã. A nudez ritual equivale à integridade e à plenitude; o ‘Paraíso’ implica a ausência das ‘vestes’, quer dizer, a ausência do ‘uso’ (imagem arquetípica do Tempo). Toda nudez ritual implica um modelo atemporal, uma imagem paradisíaca”. (Eliade, M. O Sagrado e o Profano, p. 67).

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Capítulo 66 (O justo)

1 Naqueles dias a palavra de Deus veio a mim, e disse: Vê Noé, tua sorte ascendeu a Mim, uma sorte imune de crime, uma sorte amada e superior. 214

2 Agora então os anjos trabalharão as árvores, mas enquanto eles procedem nisto eu colocarei minha mão sobre elas e as preservarei.3 A semente da vida se erguerá dela e uma mudança tomará lugar para que a terra seca não seja deixada vazia. Eu estabelecerei tua semente diante de mim para sempre e sempre, e a semente daqueles que habitarem contigo na superfície da terra. Ela será abençoada e multiplicada na presença da terra, em nome do Senhor.4 Eles confinarão aqueles anjos que descobriram impiedade. Naquele vale ardente é que eles serão confinados, o qual a princípio meu bisavô Enoque mostrou-me no oeste , onde há montanhas de ouro e prata, de ferro, de metal fluído, e de estanho. 215

5 Eu vi aquele vale no qual há uma grande perturbação e onde as águas são agitadas.6 E quando tudo isto foi executado, da massa fluída de fogo e na perturbação que prevaleceu naquele lugar, levantou-se um forte cheiro de enxofre que se misturou com as águas; e o vale dos anjos que haviam sido culpados de sedução, queimou-se debaixo da terra. 7 Através daquele vale rios de fogo

214. Gênesis; 6:9-22.215. “Um rio de fogo manava e saía de diante dele; milhares de milhares o serviam, e milhões de milhões assistiam diante dele; assentou-se o juízo, e abriram-se os livros” (Daniel; 7:10).

também estavam fluindo, para os quais aqueles anjos serão condenados, os quais seduziram os habitantes da terra.8 E naqueles dias estas águas serão para os reis, aos príncipes, aos exaltados e para os habitantes da terra, para a cura da alma e do corpo e para o julgamento do espírito. 9 Seus espíritos serão cheios de luxúria para que eles possam ser julgados em seus corpos; porque eles negaram o Senhor dos espíritos, e apesar de eles perceberem sua condenação dia após dia, não acreditaram em seu nome. 216

10 E como a inflamação 217 de seus corpos será grande, assim seus espíritos sofrerão uma transformação para sempre.11 Pois nenhuma palavra que é pronunciada diante do Senhor dos espíritos será em vão.12 Julgamento veio sobre eles porque eles confiaram em sua luxúria carnal, e negaram o Senhor dos espíritos.13 Naqueles dias as águas daquele vale serão transformadas, pois enquanto os anjos forem julgados, o calor daquelas fontes de água sofrem uma alteração.14 E enquanto os anjos ascenderem, a água das fontes novamente sofrem uma alteração e congelam. Então eu ouvi o santo Miguel respondendo e dizendo: Este julgamento, com o qual os anjos serão julgados, dará testemunho contra

216. “E contenderei com ele por meio da peste e do sangue; e uma chuva inundante, e grandes pedras de saraiva, fogo, e enxofre farei chover sobre ele, e sobre as suas tropas, e sobre os muitos povos que estiverem com ele. Assim eu me engrandecerei e me santificarei, e me darei a conhecer aos olhos de muitas nações; e saberão que eu sou o Senhor” (Ezequiel; 38:22-23).217. Fazer arder em chamas (Daniel; 3:22).

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os reis, príncipes e aqueles que possuem a terra.15 Pois estas águas de julgamento serão para sua cura e para a morte de seus corpos. Mas eles não perceberão e não acreditarão que as águas serão transformadas e tornadas como fogo, que arderá para sempre.

Capítulo 67 (Os sinais)

1 Depois disto ele deu-me as marcas características de todas as coisas secretas do livro do meu bisavô Enoque, e nas parábolas que haviam sido dadas a ele; inserindo-as para mim entre as palavras do livro das parábolas.2 Naquele momento o santo Miguel respondeu e disse a Rafael: O poder do espírito precipita-me daqui e impele-me para fora. A severidade do julgamento, do secreto julgamento dos anjos, quem é capaz de observar a resistência daquele severo julgamento que aconteceu e se tornou permanente sem ser dissolvido no seu lugar? Novamente o santo Miguel respondeu e disse ao santo Rafael: Quem está lá, cujo coração não se abrandou por isto, e cujos rins não se afligiram com esta coisa?3 Julgamento saiu contra eles por aqueles que assim nos arrastaram para fora; e que se foram, quando eles estavam na presença do Senhor dos espíritos.4 De igual maneira também o santo Miguel disse a Rafael: Eles não estarão diante do olho do Senhor já que o Senhor dos espíritos foi ofendido por eles, pois como Senhores eles têm-se conduzido. Portanto Ele traz sobre eles um secreto julgamento para sempre e sempre.

5 Pois nem o anjo, nem o homem recebem uma porção d’Ele, mas eles só receberão seu próprio julgamento para sempre e sempre.

Capítulo 68 (Os nomes)

1 Depois deste julgamento eles estarão assombrados e irritados, pois serão exibidos aos habitantes da terra.2 Eis os nomes destes anjos. Estes são seus nomes: O primeiro deles é Samyaza; o segundo é Arstikapha; o terceiro é Armen; o quarto, Kakabael; o quinto, Turel; o sexto, Rumyel; o sétimo, Danyal; o oitavo, Kael; o nono, Barakel; o décimo, Azazel; o décimo primeiro, Armers; o décimo segundo, Bataryal; o décimo terceiro, Basasael; o décimo quarto, Ananel; o décimo quinto, Turyal; o décimo sexto, Simapiseel; o décimo sétimo, Yetarel; o décimo oitavo, Tumael; o décimo nono, Tarel; o vigésimo, Rumel; o vigésimo primeiro, Azazyel. 218

218. Aqui parece que Azazyel é um Anjo decaído e Azazel é outro. Porém, ambos aparecem como anjos Decaídos. “Como caíste do céu, ó estrela da manhã, filho da alva! Como foste lançado por terra, tu que debilitavas as nações! Tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu; acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono e no monte da congregação me assentarei, nas extremidades do Norte; subirei acima das mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo. Contudo, serás precipitado para o reino dos mortos, no mais profundo do abismo. Os que te virem te contemplarão, hão de fitar-te e dizer-te: É este o homem que fazia estremecer a terra e tremer os reinos? Que punha o mundo como um deserto e assolava as suas cidades? Que a seus cativos não deixava ir para casa? Todos os reis das nações, sim, todos eles, jazem com honra, cada um, no seu túmulo. Mas tu és lançado fora da tua sepultura, como um renovo

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3 Estes são os principais (chefes) dos anjos, e os nomes dos líderes de suas centenas, e seus líderes de cinquenta, e os líderes de suas dezenas.4 O nome do primeiro é Yekun (‘o rebelde’): ele foi quem seduziu todos os filhos dos santos anjos e fez com que descessem à terra, conduzindo desencaminhadamente a descendência dos homens.5 O nome do segundo é Kesabel 219, o qual apontou mau conselho aos

bastardo, coberto de mortos traspassados à espada, cujo cadáver desce à cova e é pisado de pedras. Com eles não te reunirás na sepultura, porque destruíste a tua terra e mataste o teu povo; a descendência dos malignos jamais será nomeada. Preparai a matança para os filhos, por causa da maldade de seus pais, para que não se levantem, e possuam a terra, e encham o mundo de cidades”. (Isaías; 14:12-21). O poema acima do primeiro Isaías, segundo alguns escritores está se referindo ao rei da Babilônia e não há uma possível rebelião e expulsão de anjos. A mesma terminologia é usada em Ezequiel; 28:12 para descrever o rei de Tiro. No grego etimológico Lúcifer (Eósforo ‘portador da luz’) é usado para a estrela da manhã em 2 Pedro; 1:19 e em outros lugares, sem qualquer referência a Anjo Decaído ou Satanás. A história dos Anjos Decaídos, que a maioria das religiões cristãs conta, não é bíblica, e sim uma lenda do folclore judaico. Não existe nada na Bíblia que mostre um Anjo sendo expulso dos céus por Deus. Segundo contam, esse Anjo, planejando uma suposta revolução no céu, queria ser maior que Deus e tomar o seu lugar, sendo expulso dos Céus pelo Arcanjo Miguel com seu séquito e constituindo dessa forma o Inferno. Outra história é que Satanás foi expulso porque Deus exigiu que ele se postasse diante sua criação, os humanos. Como se negou, foi expulso do céu e vagou por tempos na terra e depois se alojou no Inferno. Essa mesma história de uma guerra entre o bem e o mal aparece em todos os conceitos religiosos maniqueísta. 219. Foi ele o primeiro a incentivar os anjos a terem relações sexuais com os seres humanos.

filhos dos santos anjos e conduziu-os a corromperem seus corpos gerando humanos.6 O nome do terceiro é Gadrel: ele descobriu todo golpe de morte aos filhos dos homens.7 Ele seduziu Eva e descobriu aos filhos dos homens os instrumentos de morte, o casaco de malha, o escudo, e a espada para matança; todo instrumento de morte para os filhos dos homens.8 Estas coisas derivaram de suas mãos para os que habitam sobre a terra daquele período para sempre.9 O nome do quarto é Penemue: ele descobriu aos filhos dos homens o amargor e a doçura, 10 E mostrou a eles todo segredo de sua sabedoria.11 Ele ensinou os homens a entenderem o escrito e o uso de tinta e papel.12 Portanto, numerosos tem sido aqueles que têm se extraviado em todo período do mundo, mesmo até este dia.13 Os homens não nasceram para isto, assim com pena e tinta, para confirmar sua fé;14 Desde então eles não criaram, exceto que, como os anjos, eles podem permanecer retos e puros.15 Nem poderiam morrer, o que destrói tudo, tem afetado-os;16 Mas por este seu conhecimento eles perecem, e por isto também seu poder os consome.17 O nome do quinto é Kasyade: ele descobriu aos filhos dos homens todo iníquo golpe de espíritos e de demônios:18 O golpe do embrião no ventre, para diminuí-lo; o golpe do espírito pela mordida da serpente, e o golpe que é dado ao meio-dia pelo filho da serpente,

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cujo nome é Tabaet (‘macho’ ou ‘forte’).19 Este é o número de Kasbel; a parte principal do juramento que o Altíssimo, habitando em glória, revelou aos santos.20 Seu nome é Beka. Ele falou ao santo Miguel para que revelasse a eles o nome sagrado, para que eles pudessem entender o sagrado nome e assim lembrar do juramento; e para que aqueles que apontaram toda coisa secreta aos filhos dos homens possam tremer sob aquele nome e juramento.21 Este é o poder do juramento; pois poderoso ele é, e forte.22 E estabelecido este juramento de Akae pela instrumentalidade do santo Miguel.23 Estes são os segredos deste juramento, e por ele eles foram confirmados.24 Os céus estiveram em suspenso por ele antes que o mundo fosse feito, para sempre.25 Por ele a terra foi inundada no dilúvio enquanto das partes escondidas dos montes as águas agitadas as águas saíram desde a criação até o fim do mundo.26 Por este juramento o mar foi formado e a sua fundação.27 Durante o período desta fúria ele estabeleceu a areia contra ele, a qual continua imutável para sempre, e por este juramento o abismo foi feito forte; e não é removível de sua estação para sempre e sempre.28 Por este juramento o sol e a lua completam seu progresso nunca se desviando do comando que lhes foi dado para sempre e sempre.29 Por este juramento as estrelas completam seu progresso, 30 E quando seus nomes forem chamados eles retornarão em resposta, para

sempre e sempre.31 Então nos céus tomam lugar os sopros dos ventos: todos eles têm respiração e efetuam uma completa combinação de respirações.32 Ali os tesouros do trovão são mantidos e o esplendor do relâmpago.33 Ali são guardados os tesouros do granizo e da neblina, os tesouros da neve, os tesouros da chuva e do orvalho.34 Todos estes confessam e louvam diante do Senhor dos espíritos.35 Eles glorificam com todo seu poder de súplica; e Ele os sustém em todo aquele ato de agradecimento enquanto eles louvam, glorificam e exaltam o nome do Senhor dos espíritos para sempre e sempre.36 E com eles ele estabelece este juramento, pelo qual eles e seus caminhos são preservados, e seus progressos não perecem.37 Grande foi sua alegria.38 Eles abençoaram, glorificaram, e exaltaram porque o nome do Filho do homem lhes foi revelado.39 Ele assentou-se sobre o trono de Sua glória, e a parte principal do julgamento foi designada e Ele, o Filho do homem. Os pecadores perecerão e desaparecerão da face da terra, enquanto aqueles que os seduziram serão amarrados com correntes para sempre.40 De acordo com seus graus de corrupção eles serão aprisionados, e todas as suas obras desaparecerão da face da terra; desde então ali não haverá ninguém para corromper, pois o Filho do homem foi visto assentado sobre Seu trono de glória.41 Toda iniquidade desaparecerá e se apartará de diante de Sua face; a palavra

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do Filho do homem se tornará poderosa na presença do Senhor dos espíritos.42 Esta é a terceira parábola de Enoque.

Capítulo 69 (Eleitos e Justos)

1 Depois disto o nome do Filho do homem, vivendo com o Senhor dos espíritos, foi exaltado pelos habitantes da terra.2 Ele foi exaltado nas carruagens do Espírito e o seu nome estava no meio deles.3 Desde aquele tempo eu não fui arrancado do meio deles; mas Ele assentou-se entre dois espíritos, entre o norte e o oeste, onde os anjos receberam seus cordões, para medir o lugar para os eleitos e os justos.4 Ali eu vi os pais dos primeiros homens e os santos que habitam naquele lugar para sempre.

Capítulo 70 (chefe dos anjos)

1 Depois disso meu espírito foi ocultado, ascendendo aos céus. Eu vi os filhos dos santos anjos andando em chamas de fogo, cujas vestimentas e mantos eram brancos e cujos semblantes eram transparentes como cristal.2 Eu vi dois rios de fogo brilhando como o jacinto.3 Então caí sobre minha face diante do Senhor dos espíritos.4 E Miguel, um dos arcanjos, tomou-me pela mão direita e levantou-me, e trouxe-me para onde estava todo segredo de misericórdia e retidão.5 Ele me mostrou todas as coisas ocultas das extremidades do céu, todos os receptáculos das estrelas e o seu

esplendor, desde quando elas saíram de diante da face do Santo.6 Ele escondeu o espírito de Enoque no céu dos céus.7 Ali eu vi no meio daquela luz uma construção levantada com pedras de gelo, 8 E no meio destas pedras vi línguas de fogo vivo. Meu espírito viu ao redor o círculo desta habitação flamejante em uma de suas extremidades; que ali havia rios cheios de fogo vivo, o qual a cercava.9 Então o Serafim, o Querubim, e o Ophanim rodearam-na: estes são aqueles que nunca adormecem, mas vigiam o trono de Sua glória.10 Eu vi inumeráveis anjos, milhares de milhares, e miríades de miríades, as quais rodeavam aquela habitação.11 Miguel, Rafael, Gabriel, Phanuel e os santos anjos que estavam acima nos céus foram e saíram dele. Miguel, Rafael, e Gabriel saíram daquela habitação, e santos anjos inumeráveis.220 220. “ANJO, gr. Mensageiro: Personagem sobrenatural e celestial enviado por Deus como mensageiro aos homens, para executar Sua vontade. “São todos eles espíritos ministradores enviados para serviço, a favor dos que hão de herdar a salvação”, Hb 1.14; Dn 7.10; Si 91.11. A palavra no original, tanto no grego como no hebraico, refere-se, às vezes, a mensageiros humanos, como em 1 Rs 19.2; Lc 7.24: Ag 1.13. Os anjos geralmente aparecem na figura de homens, Gn 18; At 1.10. Às vezes revestidos de glória, Dn 10.5, 6; Lc 24.4. Os serafins e os querubins têm asas, Is 6.2; Ez 1.6. Gabriel semelhantemente as tem, Dan 9.21. E o anjo de Ap 14.6 tem asas. Cada pessoa tem seu anjo da guarda, Mt 18.10. Cada igreja o tem, Ap 2. 1, 8, 12, 18; 3.1, 7, 14. E cada nação o tem, Êx 23.20; Dn 10.13, 20. Miguel é o anjo da guarda de Israel, Dn 12.1. Os anjos são mais elevados em dignidade que os homens, Hb 2.7. Não se casam nem se dão em casamento, Mt 22.30. Os santos hão de julgar anjos, 1 Co 6.3. 11 Há

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12 Estava com eles o Ancião de dias, cuja cabeça era branca como o algodão, e pura, e seu manto era indescritível. 221

13 Então eu caí sobre minha face enquanto toda minha carne era dissolvida, e meu espírito tornou-se transformado. 222

várias ordens de anjos: Querubins e serafins, Gn 3.24; Ez 10.3; Is 6.2. As Escrituras dão o nome de apenas um arcanjo, Miguel, Jd 9. Os livros apócrifos acrescentam os nomes de Rafael e Uriel. Considera-se Gabriel um Arcanjo. Os anjos são, em geral. considerados bons, 1 Sm 29.9. Contudo há anjos caídos, Jd 6; 2 Pe 2.4. Satanás tem os seus anjos, Ap 12.9. Há grandes multidões de anjos, Gn 28.12; 32.1; Lc 2.13; Hb 12.22; Ap. 5.11. Aparecimentos e comunicações de anjos: A Agar, Gn 16.7. A Abraão, Gn 18.2; 22.11-18. A Ló, Gn 19.1-17. A Jacó, Gen 28.12; 32.1. A Moisés, Êx 3.2. Aos israelitas, Êx 14.19; Jz 2.1. A Balaão, Nm 22.31. A Josué, Js 5.15. A Gideão, Jz 6.11-22. A Manoá, 13.6, 15-20. A Davi, 2 Sm 24.16, 17. A Elias, 1 Rs 19.5. A Ezequiel, Ez 1. A Daniel, Dn 6.22. A Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, Dn 3.25. A Zacarias, Zc 2.3. A José, Mt 1.20. A Zacarias, Lc 1.11. Aos pastores, Lc 2.9, 13. A Cristo, Mt 4.11. Aos enfermos do tanque de Betesda, Jo 5.4. Às mulheres no sepulcro, Mt 28.2-5. Aos discípulos na ascensão, At 1.10. A Pedro e João, At 5.19. A Felipe, At 8.26. A Pedro, At 12.7. A Cornélio, At 10.3. A Paulo, At 27.23. A João, Ap 1.1”. (Boyer. O. S. Pequena Enciclopédia Bíblica, p.54).221. “A partir da mais elementar hierofania – por exemplo, a manifestação do sagrado num objeto qualquer, urna pedra ou uma árvore – e até a hierofania suprema, que é, para um cristão, a encarnação de Deus em Jesus Cristo, não existe solução de continuidade. Encontramo-nos diante do mesmo ato misterioso: a manifestação de algo “de ordem diferente” – de uma realidade que não pertence ao nosso mundo – em objetos que fazem parte integrante do nosso mundo ‘natural’, ‘profano’” (Eliade, M. O Sagrado e o Profano, p. 12).222. “A maioria das provas iniciáticas implica de maneira mais ou menos transparente, uma morte ritual seguida de uma ressurreição ou de um novo nascimento. O momento central de qualquer iniciação é representado pela

14 Eu clamei com alta voz com um poderoso espírito, abençoando, glorificando, e exaltando.15 E aquelas bênçãos que procediam da minha boca tornaram-se aceitáveis na presença do Ancião de dias.16 O Ancião de dias veio com Miguel, Gabriel, Rafael e Phanuel, com milhares de milhares, e miríades de miríades, que não podiam ser enumerados.17 Então aquele anjo veio a mim, com sua voz saudou-me, dizendo: Tu és o Filho do homem, o qual é nascido para retidão, e retidão descansou sobre ti.18 A retidão do ancião de dias não te esquecerá.19 Ele disse: Em ti Ele conferirá paz em nome do mundo existente; por isso a paz tem existido desde que o mundo foi criado.20 E assim acontecerá a ti para sempre e sempre.21 Todos os que existirão e caminharão em seus caminhos de retidão, não te esquecerão para sempre.22 Contigo estarão suas habitações, contigo seu destino; de ti eles não serão separados para sempre e sempre.23 E assim o prolongamento dos dias estará com o Filho do homem.24 A paz será para os justos e os retos possuirão o caminho da integridade, em nome do Senhor dos espíritos, para sempre e sempre.

Capítulo 71 (as luminárias)

1 O livro das revoluções das luminárias

cerimônia que simboliza a morte do neófito e o seu regresso aos vivos. Mas regressa à vida um homem novo (transformado), assumindo um outro modo de ser. A morte iniciática significa simultaneamente o fim da infância, da ignorância e da condição profana” (Eliade, M. Ritos de Iniciação e sociedades Secretas, p. 16).

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dos céus 223, de acordo com suas 223. A mitologia lunar e solar é bem comum em todos os processos religiosos, inclusive no cristianismo: ‘Eu sou a luz do mundo’ (João; 8:12). ‘E foi transfigurado diante deles; o seu rosto resplandeceu como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz’ (Mateus; 17:2). Hoje sabemos que existe uma força gravitacional que age sobre a Terra e causa o efeito das marés, principalmente nas luas nova e cheia, pois é neste período que os astros Terra, Lua e Sol estão alinhados. “Uma é a glória do sol, outra a glória da lua e outra a glória das estrelas; porque uma estrela difere em glória de outra estrela” (1 Coríntios; 15:41). Tal fenômeno faz com que as águas dos oceanos de todo planeta “subam” devido à atração gravitacional da lua. As forças gravitacionais exercidas pela Lua e o Sol somam-se, no entanto nas luas minguante e crescente a posição do Sol e Lua formam um ângulo de noventa graus, prevalecendo assim à força da Lua, embora a atração do Sol (maré solar) minimize a maré lunar com pouca intensidade. Hoje sabemos sobre a atração Sol-Lua, Lua-Sol, mas os povos das sociedades arcaicas e nossos antepassados só contavam com seus sonhos, fantasias, percepções, ‘intuições’ e alguns pouquíssimos instrumentos sem precisão alguma para explicar fenômenos até então inexplicáveis. Como esses povos entendiam e explicavam os fenômenos como um sismo, uma atividade vulcânica, um meteorito, etc.? Todo fenômeno natural desconhecido (sobrenatural) era para eles causado por algum tipo de agente (deus, deusa ou semideus). Devido possivelmente a desastres naturais o homem arcaico desenvolveu sacrifícios e oferendas a natureza, aos astros e bem posteriormente aos deuses com o intuito de abrandar suas iras. Para a sociedade arcaica a reverencia, bem como, os sacrifícios foram propostos inicialmente para apaziguar os fenômenos de origem natural. Os deuses só começaram a surgir para a mente arcaica posteriormente, quando o humano acreditou que a natureza já não era dona de si, ou seja, ela tinha um jardineiro (criador). Para dar um exemplo atual é só pensarmos o que esses povos antigos pensariam se sofressem um Tsunami que tem ondas de até trinta metros de altura, causando grande destruição e eliminado

respectivas classes, seus respectivos poderes, seus respectivos períodos, seus respectivos nomes, os lugares conde elas começam seu progresso e seus respectivos meses, que Uriel, o santo anjo que estava comigo, explicou-me; aquele que as administra. Toda a conta delas de acordo com o exato ano do mundo para sempre, até que um novo trabalho seja efetuado, o qual será eterno.2 Esta é a primeira lei das luminárias. O sol e a luz chegam aos portões que estão ao leste, ao oeste e no oeste dele, nos portões ocidentais do céu.3 Eu vi os portões onde o sol sai e os portões onde o sol se põe, a grande maioria da população. Para eles com certeza a explicação mais sensata seria a ira dos deuses sobre todos nós e o fim do mundo. Para nós que supostamente somos mais racionais é um fenômeno da natureza que não tem nada a ver com os deuses, porém a “culpa” é do homem por destruir a natureza. Entretanto, sabe-se que os primeiros Tsunamis pesquisados já ocorriam no século XV A.E.C.. Como resultado de um tsunami por volta de 1600, a costa norte da ilha de Creta foi devastada até 70 km da mesma. Esta onda eliminou a grande maioria da população minóica que habitava ao longo da zona norte da ilha. Nessa época os homens também já destruíam a natureza? Causavam o efeito Estufa? Como somos mais “racionais”, tiramos a culpa dos deuses por eventos catastróficos. Mas se deus ou os deuses que cuidam da Natureza, quem causa os Tsunamis, os furacões, maremotos, terremotos, etc.? De quem é a responsabilidade pelas várias vítimas da destruição? Teologicamente, se o homem não destrói a natureza através de poluição, efeito estufa, etc., é “punido” por ser culpado e “desobediente”, como ocorreu com Sodoma e Gomorra. “Então o Senhor, da sua parte, fez chover do céu enxofre e fogo sobre Sodoma e Gomorra”. (Genesis; 19:24). Aqui não é o local adequado para se discutir obediência e suposta desobediência humana.

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4 Em cujos portões também a lua nasce e se põe; Eu vi os condutores das estrelas, entre aqueles que precedem-nas; seis portões estão no nascente, e seis no poente do sol.5 Todos estes, respectivamente, um depois do outro, estão em nível; e numerosas janelas estão ao lado direito e ao lado esquerdo destes portões.6 Primeiro avança aquela grande luminária, a qual é chamada Sol, cuja órbita é a órbita do céu, toda ela está repleta com esplêndido e flamejante fogo.7 Sua carruagem, onde ela ascende, o vento sopra.8 O Sol se põe no céu e retornando pelo norte, para seguir em direção ao leste, é conduzido assim enquanto entra por aquele portão e ilumina a face do céu.9 Da mesma maneira ele sai no primeiro mês pelo grande portão.10 Ele sai através do quarto daqueles seis portões, que estão ao nascente do Sol.11 E no quarto portão, através do qual o Sol com a lua prosseguem, na primeira parte d’Ele, lá existem doze janelas abertas das quais sai uma chama quando elas estão abertas em seus próprios períodos.12 Quando o sol se levanta no céu ele sai através deste quarto portão por três dias, e pelo quarto portão ao oeste do céu no nível em que ele descende.13 Durante aquele período o dia é prolongado durante o dia, e a noite encurtado durante a noite por trinta dias. E então o dia é mais longo que a noite por duas partes. 224

224. Solstício – Época do ano em que o Sol, em seu movimento aparente no céu, está mais afastado do equador, o que ocorre em 21 ou 23

14 O dia é precisamente, dez partes, e a noite é oito.15 O sol sai através deste quarto portão, se põe nele e volta para o quinto portão durante trinta dias, depois do quê ele prossegue e se põe nele, o quinto portão.16 Então o dia se torna prolongado por uma segunda porção de modo que ele é doze partes, enquanto a noite se torna encurtada, e é apenas sete partes.17 O sol então retorna para o leste, entrando no sexto portão, e nasce e se põe no sexto portão trinta e um dias, na contagem de seus sinais.18 Naquele período o dia é mais longo que a noite, sendo duas vezes tão longo quanto a noite, e chega a ser de doze partes;19 Mas a noite é encurtada e se torna em seis partes. Então o sol nasce para que o dia possa ser encurtado e a noite prolongada.20 E o sol retorna para o leste entrando pelo sexto portão, onde ele nasce e se põe por trinta dias.21 Quando aquele período é completado o dia chega a ser encurtado precisamente uma parte, de modo que ele é de doze partes, enquanto que a noite é de sete partes.22 Então o sol vai do oeste, daquele sexto portão, e prossegue em direção ao leste nascendo no quinto portão por trinta dias e se pondo novamente ao oeste no quinto portão do oeste.23 Naquele período o dia chega a ser encurtado duas partes, e é de dez partes, enquanto que a noite é de oito partes.

de junho (solstício de inverno no hemisfério sul, e de verão no hemisfério norte) e em 21 e 23 de dezembro (solstício de verão no hemisfério sul, e de inverno no hemisfério norte).

24 Então o sol vai do quinto portão, enquanto se põe no sexto portão do oeste e nasce no quarto portão por trinta e um dias, na conta de seus sinais, se pondo a oeste.25 Naquele período o dia é feito igual à noite e, sendo igual a ela, a noite torna-se a nove partes, e o dia nove partes.26 Então o sol vai daquele portão enquanto ele se põe no oeste, e retornando pelo leste prossegue pelo terceiro portão por trinta dias, se pondo no oeste no terceiro portão.27 Naquele período a noite é prolongado desde o dia durante trinta manhãs, e o dia é encurtado desde o dia durante trinta dias; a noite sendo precisamente de dez partes, e o dia oito partes28 O sol então sai do terceiro portão, enquanto ele se põe no terceiro portão no oeste; mas retornando para o leste. Ele prossegue pelo segundo portão do leste por trinta dias.29 De igual maneira ele também se põe no segundo portão na direção oeste do céu.30 Naquele período a noite é onze partes, e o dia sete partes.31 Então o sol sai naquele tempo pelo segundo portão, enquanto se põe no segundo portão no oeste, mas retorna para o leste, prosseguindo pelo primeiro portão, por trinta e um dias.32 E se pões no oeste no primeiro portão.33 Naquele período a noite é novamente prolongada tanto quanto o dia.34 Ela é precisamente de doze partes, enquanto que o dia é seis partes.35 O sol tem assim completado seus começos, e uma segunda vez de volta desde estes começos.36 Naquele primeiro portão ele entra por

trinta dias, e se põe no oeste, defronte do céu.37 Naquele período a noite é contraída em seu comprimento uma quarta parte, que é, uma porção, e se torna onze partes.38 O dia é de sete partes.39 Então o sol retorna, e entra no segundo portão ao leste.40 Ele retorna por estes começos trinta dias, nascendo e se pondo.41 Naquele período, a noite é encurtado em seu comprimento. Ela se torna dez partes, e o dia oito partes. Então o sol sai do segundo portão, e se põe a oeste; mas retorna pelo leste, e nasce no leste, no terceiro portão, trinta e um dias, se pondo no oeste do céu.42 Naquele período a noite se torna encurtada, Ela é nove partes. E a noite é igual ao dia. O ano é precisamente trezentos e sessenta e quatro dias43 Prolongamentos do dia e da noite, e a contração do dia e da noite, são feitos diferentes um do outro pelo progresso do sol.44 Por meio deste progresso o dia é diariamente prolongada, e a noite grandemente encurtada.45 Esta é a lei e o progresso do sol, e suas voltas, quando ele retorna, voltando durante sessenta dias, e seguindo em frente. Esta é a grande perpétua luminária, aquela que ele chama o sol para sempre e sempre.46 Este também é a grande luminária, e a qual é chamada segundo seu tipo peculiar, como Deus ordenou.47 E assim ele entra e sai, nem afrouxando nem descansando; mas correndo em sua carruagem de dia e de noite. Ele brilha com uma sétima (sete vezes mais)

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porção da luz da lua; mas as dimensões de ambos são iguais.

Capítulo 72 (A Lua)

1 Depois disso eu vi outra lei, uma luminária inferior, o nome da qual é a lua, e a órbita da qual é como a órbita do céu.2 Sua carruagem, a qual secretamente ascende, o vento sopra; e luz é dada a ela por medida.3 Cada mês em sua saída e entrada ela torna-se transformada; e seus períodos são como os períodos do sol. E quando de igual maneira sua luz é para existir, sua luz é uma sétima porção da luz do sol.4 Assim ela nasce, e seu começo em direção ao leste sai por trinta dias.5 Naquele tempo ela aparece, e torna-se para você o começo do mês. Trinta dias ela está com o sol no portão do qual o sol nasce.6 Metade dela está em prolongamento sete porções, uma metade; e o total de sua órbita é sem luz, exceto uma sétima porção de quatorze porções de sua luz. E de dia ela recebe uma sétima porção, ou a metade daquela porção, de sua luz. Sua luz é por sete, por uma porção, e pela metade de uma porção. Seus crepúsculos com o sol.7 E quando o sol nasce, a lua nasce com ele; e recebe metade de uma porção de luz.8 Nesta noite, quando ela começa seu período, previamente para o dia do mês, a lua se põe com o sol.9 E naquela noite ela é escura em suas décimas quartas porções, que é, em cada metade; mas ela nasce naquele dia com

uma sétima porção aproximadamente, e em seu progresso declina do nascer do sol.10 Durante o restante de seu período sua luz aumenta em quatorze porções.

Capítulo 73 (O Progresso lunar)

1 Então eu vi outro progresso e regulações que Ele efetuou na lei da lua. O progresso das luas, e tudo o que se relaciona com ela, Uriel mostrou-me, o santo anjo que administra a todos.2 Suas estações eu escrevi enquanto ele mostrava-os a mim.3 Eu escrevi teus meses, como eles ocorrem, e a aparência de sua luz, até que ela é completada em quinze dias.4 Em cada um de seus dois sétimos de porções ela completa toda sua luz ao nascer e se pôr.5 Em determinados meses ela muda seus crepúsculos; e em determinados meses ela faz seu progresso através de cada portão. Em dois portões a lua se põe com o sol. Naqueles dois portões que estão no meio, no terceiro e no quarto portão. Do terceiro portão ela sai por sete dias, e faz seu circuito.6 Novamente ela retorna para o portão do qual o sol nasce, e naquele ela completa toda a sua luz. Então ela declina do sol, e entra por oito dias no sexto portão, e retorna em sete dias para o terceiro portão, no qual o sol nasce.7 Quando o sol prossegue para o quarto portão, a lua sai por sete dias, até ela passar do quinto portão.8 Novamente ela retorna em sete dias para o quarto portão, e completando toda a sua luz, declina, e passa pelo primeiro portão em oito dias;

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9 E retorna em sete dias para o quarto portão, do qual o sol nasceu.10 Assim eu vi suas estações, como de acordo com a ordem fixada dos meses o sol nasce e se põe.11 Nesses tempos há um excesso de trinta dias pertencentes ao sol em cinco anos; todos os dias pertencentes a cada ano de cinco anos, quando completados, somam trezentos e sessenta e quatro dias; e ao sol e às estrelas; deles em cada um dos cinco anos; assim trinta dias pertencem a eles;12 De modo que a lua tem trinta dias a menos que o sol e as estrelas.13 A lua traz em todos os anos exatamente, para que suas estações possam vir nem tão adiante nem tão para traz um simples dia; mas que os anos possam ser mudados com correta precisão nos trezentos e sessenta e quatro dias. Em três anos os dias são mil e noventa e dois; em cinco anos eles são mil oitocentos e vinte; e em oito anos dois mil novecentos e vinte dias.14 Para a lua só corresponde em três anos mil e sessenta e dois dias; em cinco anos ela tem cinquenta dias menos que o sol, pois uma adição sendo feita a mil e sessenta e dois dias, em cinco anos há mil setecentos e setenta dias; e os dias da lua em oito anos são dois mil oitocentos e trinta e dois dias15 Pois os seus dias em oito anos são menos que aqueles do sol por oitenta dias, cujos oitenta dias são sua diminuição em oito anos.16 O ano então se torna verdadeiramente completo de acordo com a estação da lua, e a estação do sol; o qual nasce em diferentes portões; o qual nasce e se pões neles por trinta dias.

Capítulo 74 (carruagem do céu)

1 Estes são os líderes dos chefes dos milhares, os quais presidem sobre toda criação, e sobre todas as estrelas; com os quatro dias que são adicionados e nunca se separam do lugar a eles determinados, de acordo com o cálculo completo do ano.2 E estes servem quatro dias, os quais não são contados no cálculo do ano.3 Com respeito a eles, os homens erram grandemente, pois estas luminárias verdadeiramente servem, no lugar de habitação do mundo, um dia no primeiro portão, um dia no terceiro portão, um dia no quarto portão, e um dia no sexto portão.4 E a harmonia do mundo torna-se completo a cada trezentos e sessenta e quatro estados dele. Para os sinais.5 As estações, 6 Os anos, 7 E Uriel me mostrou os dias; o anjo que o Senhor da glória escolheu sobre todas as luminárias.8 Do céu no céu, e no mundo; para que possa governar na face do céu, e aparecendo sobre a terra, se tornam9 Condutores dos dias e noites: o sol, a lua, as estrelas, e todas as luminárias do céu, que fazem seu circuito com todas as carruagens do céu. 225

225. Os carros ou carruagens na antiguidade eram sinônimo de poder. “Os carros dos Egípcios destruídos no mar Vermelho, Êx 14.17. Os cananeus tinham carros armados do ferro, Js 17.16. Jz 1.19. Jabim tinha 900 carros de ferro, Jz 4.3. Sísera convocou os seus 900 carros de ferro, Jz 4.13. Davi introduziu carros de guerra em Israel, os quais tomara nas suas conquistas, 2 Sm 8.4. Salomão tinha grande

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10 Então Uriel me mostrou doze portões abertos para o circuito das carruagens do sol no céu, no qual os raios do sol batem.11 Deles procede calor sobre a terra, quando eles são abertos em suas determinadas estações. Eles são estão para os ventos, e o espírito da neblina, quando em suas estações eles são abertos; abertos no céu nas suas extremidades.12 Doze portões eu vi no céu, nas extremidades da terra, através do qual o sol, a lua e estrelas, e todas as obras do céu, procedem no seu nascer e no seu crepúsculo.13 Muitas janelas também são abertas à direita e à esquerda.14 Uma janela numa certa estação se torna extremamente quente. Assim também estão portões dos quais as estrelas saem quando são comandadas, e nos quais se põem de acordo com seu número.15 Eu vi igualmente as carruagens do céu, correndo no mundo acima daqueles portões nos quais se movimentam as número de carros, 1 Rs 4.26; 9.19. Os carros do sol que induziram o povo a idolatria flagrante foram queimados pelo rei Josias, 2 Rs 23.11. Três homens andavam em cada carro; um para conduzir o carro, outro guerreava com espada e lança e o terceiro servia como escudeiro. O carro símbolo de poder: Um carro de fogo, 2 Rs 2.11; o monte cheio de cavalos e carros de fogo, 2 Rs 6.17; carros de Israel, e seus cavaleiros, 2 Rs 13.14; confiam em carros, SI 20.7; os carros de Deus são vinte mil, Si 68.17; tomas as nuvens por teu carro, SI I04.3; os seus carros como tempestade, Jr 4.13; nos teus carros de vitória, Hc 3.8. A visão dos quatro carros, Zc 6.1-8. Aproxima-se desse carro, At 8.29. O barulho de carros, quando correm à peleja, Ap 9.9” (Boyer, O. S. Pequena Enciclopédia Bíblica, p. 129).

estrelas que jamais declinam. Um deles é maior de todos, que vai ao redor de todo o mundo.

Capítulo 75 (os doze portões)

1 E nas extremidades da terra eu vi doze portões abertos para todos os ventos, dos quais eles saem e sopram sobre a terra.2 Três deles estão abertos em frente do céu, três no oeste, três no lado direito do céu, e três no lado esquerdo. Os três primeiros são aqueles que estão virados para o leste, três estão virados para o norte, três atrás daqueles que estão sobre a esquerda, virados para o sul, e três para o oeste.3 De quatro deles saem ventos de bênção, e de cura; e de oito vêm ventos de punição ou castigo; quando eles são enviados para destruir a terra, e o céu acima dela, todos os seus habitantes, e e tudo o que está nas águas, ou na terra seca.4 O primeiro destes ventos procede do portão oriental, através do primeiro portão ao leste, o qual se inclina para o sul. Deste portão saem à destruição, a aridez, o calor e a perdição.5 Do segundo portão, o do meio, procede à equidade. d’Ele emanam a chuva, a abundância, a saúde e o orvalho; e do terceiro portão ao norte, vêm o frio e a seca.6 Depois destes procedem aos ventos do sul através de três principais portões; através do seu primeiro portão, que se inclina para o leste, vem um vento quente.7 Mas do portão do meio vem um agradável odor, orvalho, chuva, saúde e vida.

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8 Do terceiro portão, que está ao oeste, vem orvalho, chuva, ruína e destruição.9 Depois desses estão os ventos do norte, que é chamado mar. Eles vêm dos três portões. O primeiro portão é aquele que está ao leste, inclinando-se ao sul; deste vem orvalho, chuva, ruína e destruição. Direto do portão do meio vem chuva, orvalho, vida e saúde. E do terceiro portão, que está ao leste, inclinando-se ao sul, vem névoa, geada, neve, chuva, orvalho e destruição.10 Depois destes, no quarto quadrante estão os ventos do oeste. Do primeiro portão, inclinando-se ao norte, vem orvalho, chuva, geada, neve e frio; do portão do meio vem chuva, saúde e bênção;11 E do último portão, que está ao sul, vem seca, destruição, queima e perdição.12 O informe dos doze portões dos quatro quadrantes do céu está terminada.13 Todas as suas leis, todas as suas imposições de punição, e a saúde produzida por eles, eu expliquei a ti, meu filho Matusalém. 226

Capítulo 76 (grande mar)

1 O primeiro vento é chamado oriental, porque é o primeiro.2 O segundo é chamado do sul, porque o Altíssimo desce, e frequentemente ali desce aquele que é abençoado para sempre.3 O vento ocidental tem o nome de diminuição, porque ali todas as

226. “Enoque viveu sessenta e cinco anos, e gerou a Matusalém” (Gênesis; 5:21). Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades. Verbete: Matusalém.

luminárias do céu estão diminuídas, e descem.4 O quarto portão, cujo nome é do norte, é dividido em três partes; uma das quais é para a habitação do homem; outra parte para mares de águas, com vales, bosques, rios, lugares sombrios, e neve, e a terceira parte contém o paraíso.5 Sete altas montanhas eu vi, mais altas do que todas as montanhas da terra, de onde o congelamento procede; enquanto os dias, estações, e anos passam.6 Sete rios eu vi sobre a terra, maiores que todos os rios, um dos quais toma seu curso do oeste; para um grande mar suas águas fluem.7 Dois vêm do norte para o mar, suas águas fluem para o Mar da Eritréia, no leste. 227 E com respeito aos outros quatro, eles tomam seu curso na cavidade do norte, dois para seu mar, o mar da Eritréia, e dois são derramados num grande mar, onde também é dito que é um deserto.8 Sete grandes ilhas eu vi no mar da terra. Sete no grande mar.

Capítulo 77 (porção de luz)

1 Os nomes do sol são estes: um é Aryares, o outro Tomas.2 A lua tem quatro nomes. O primeiro é Asonya; o segundo, Ebla; o terceiro, Benase; e o quarto, Erae.

227. A Eritréia faz fronteira com o Sudão a oeste, a Etiópia ao sul, e Djibouti ao sudeste. O leste e nordeste do país têm um litoral banhado pelo Mar Vermelho, tendo contato direto com a Arábia Saudita e Iémen. O arquipélago Dahlak e as ilhas Hanish são parte da Eritreia. Seu tamanho é de cerca de 118 000 km², com uma população estimada em cerca de 5 milhões de habitantes. A capital é Asmara.

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3 Estes são as duas grandes luminárias, cujas órbitas são como as órbitas do céu; e as dimensões de ambos são iguais.4 Na órbita do sol há uma sétima porção de luz, a qual é adicionada àquela que vem da lua. Elas se põem, entram no portão ocidental, circulam pelo norte, e através do portão oriental passam pela face do céu.5 Quando a lua nasce ela aparece no céu; e a metade da sétima porção de luz é tudo o que está nela.6 Em quarenta dias toda a sua luz é completada.7 Por três quíntuplos de luz são colocados nela, até que em quinze dias sua luz é completada, de acordo com os sinais do ano; ela tem três quíntuplos.8 A lua tem a metade de uma sétima porção.9 Durante sua diminuição no primeiro dia sua luz decresce uma décima quarta parte; no segundo dia é diminuída uma décima terceira parte; no terceiro dia uma décima segunda parte; no quarto dia uma décima primeira parte; no quinto dia uma décima parte; no sexto dia uma nona parte; no sétimo dia ela decresce uma oitava parte; no oitavo dia ela decresce uma sétima parte; no nono dia ela decresce uma sexta parte; no décimo dia ela decresce uma quinta parte; no décimo primeiro dia ela decresce uma quarta parte; no décimo segundo dia ela decresce uma terceira parte; no décimo terceiro dia ela decresce uma segunda parte; no décimo quarto dia ela decresce a metade de uma sétima parte; e no décimo quinto dia todo o restante da sua luz é consumido.10 Nos meses declarados a lua tem vinte e nove dias.

11 Ela também tem um período de vinte e oito dias.12 Uriel igualmente mostrou-me outro regulamento, quando a luz é derramada nela vinda do sol.13 Todo o tempo em que a lua está em progresso com a sua luz, que é consumida na presença do sol, até que sua luz em quatorze dias seja completada no céu.14 E quando é totalmente extinta, sua luz é consumida no céu; e no primeiro dia ela é chamada lua nova, pois naquele dia luz é recebida nela.15 Ela torna-se precisamente completa no dia em que o sol desce no oeste, enquanto a lua sobe à noite do leste.16 A lua então brilha toda a noite, até que o sol se levante diante dela; quando a lua desaparece diante do sol17 De onde a luz vem para a lua, ali novamente ela decresce, até que toda sua luz sema extinguida, e os dias da lua passam.18 Então sua órbita permanece solitária sem luz.19 Durante três meses ela efetua em trinta dias, a cada mês seu período; e durante mais três meses ela efetua-o em vinte e nove dias. Estes são os tempos nos quais ela efetua seu decréscimo em seu primeiro período, e no primeiro portão, nomeadamente, e, cento e setenta e sete dias.20 E no tempo de seu andamento durante três meses ela aprece trinta dias cada, e durante mais três meses ela aparece vinte e nove dias cada.21 À noite ela aparece a cada vinte dias como a face de um homem, e no dia como o céu; pois ela não é nada além de sua luz.

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Capítulo 78 (a ordem de tudo)

1 E então, meu filho Matusalém, eu te mostrei tudo; e o relato de toda ordenança das estrelas do céu está terminado.2 Ele mostrou-me todo decreto com respeito a elas, o que toma lugar em todos os tempos e em todas as estações sob cada influência, em todos os anos, na chegada e sob a regra de cada, durante cada mês e a cada semana. Ele mostrou-me e também o decréscimo da lua, que é efetuada no sexto portão; pois naquele sexto portão sua luz é consumida.3 E lá é o começo do mês; e seu decréscimo é efetuado no sexto portão em seu período, até cento e setenta e sete dias são completados; de acordo com o modo do cálculo pelas semanas, vinte e cinco semanas e dois dias.4 Seus períodos são menos que os do sol, de acordo com a regra das estrelas, por cinco dias em meio ano precisamente.5 Quando aquela sua visível situação é completada. Assim é o aparecimento e a semelhança de toda luminária, que Uriel, o grande anjo que as conduz, mostrou-me.

Capítulo 79 (a esterilidade)

1 Naqueles dias Uriel respondeu-me e disse: Eu mostrei-te todas as coisas, oh! Enoque.2 E todas as coisas eu te revelei. Você viu o sol, a lua, e aqueles que conduzem as estrelas do céu, que ocasionam todas as suas operações, estações, e chegadas para retorno.

3 Nos dias dos pecadores os anos serão encurtados. 228

4 Sua semente será retroagida em seu prolífico solo; e tudo o que é feito na terra será subvertido, e desaparecem em suas estações. A chuva será restringida, e o céu ainda permanecerá.5 Naqueles dias os frutos da terra serão tardios, e não florescerão na sua estação; e em sua estação os frutos das árvores serão retidos.6 A lua mudará suas leis, e não será vista em seu período. Mas naqueles dias o céu será vista; e esterilidade tomará lugar nas fronteiras das grandes carruagens 228. “Bem-aventurado o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores. Antes tem o seu prazer na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite. Pois será como a árvore plantada junto a ribeiros de águas, a qual dá o seu fruto no seu tempo; as suas folhas não cairão, e tudo quanto fizer prosperará. Não são assim os ímpios; mas são como a moinha que o vento espalha. Por isso os ímpios não subsistirão no juízo, nem os pecadores na congregação dos justos. Porque o Senhor conhece o caminho dos justos; porém o caminho dos ímpios perecerá” (Salmos; 1:1-6). “Filho meu, se os pecadores procuram te atrair com agrados, não aceites” (Provérbios; 1:10). “Mas os transgressores e os pecadores serão juntamente destruídos; e os que deixarem o Senhor serão consumidos. Porque vos envergonhareis pelos carvalhos que cobiçastes, e sereis confundidos pelos jardins que escolhestes. Porque sereis como o carvalho, ao qual caem as folhas, e como o jardim que não tem água. E o forte se tornará em estopa, e a sua obra em faísca; e ambos arderão juntamente, e não haverá quem os apague” (Isaias; 1:28-31). “Todos os pecadores do meu povo morrerão à espada, os que dizem: Não nos alcançará nem nos encontrará o mal. Naquele dia tornarei a levantar o tabernáculo caído de Davi, e repararei as suas brechas, e tornarei a levantar as suas ruínas, e o edificarei como nos dias da antiguidade” (Amós; 9:10-11).

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no oeste. O céu brilhará mais do que quando iluminado por ordem da luz; enquanto muitos chefes entre as estrelas de autoridade errarão, pervertendo seus caminhos e obras.7 Elas não aparecerão na sua estação, que lhes foi ordenada, e todas as classes de estrelas serão fechadas contra os pecadores.8 Os pensamentos daqueles que habitam na terra transgredirão dentro deles; e eles se perverterão em todos os seus caminhos.9 Eles transgredirão, e considerarão a si mesmos deuses; enquanto que o mal se multiplicará entre eles.10 E castigo virá sobre eles, para que todos eles sejam destruídos.

Capítulo 80 (o livro)

1 Ele disse: Oh! Enoque. Olha no livro que o céu tem gradualmente derramado; e, lendo o que está escrito nele, entenda toda parte dele. 229

2 Então eu olhei em tudo o que está escrito, e entendi tudo, lendo o livro e todas as coisas escritas nele, e entendi tudo, todas as obras do homem;3 E de todos os filhos da carne sobre a terra, durante as gerações do mundo.4 Imediatamente depois eu vi o Senhor, o Rei da glória, o qual tem assim para sempre o Governante de toda a criação.5 E eu glorifiquei o Senhor, por conta de 229. Os árabes também acreditam que “O Alcorão é a palavra incriada de Deus e, por conseguinte, preexistente em relação ao mundo e ao homem, cujo arquétipo está guardado no céu, liberada para os árabes, em sua língua, através da transmissão pelo profeta Maomé”. (Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades, Verbete: Corão).

sua longanimidade e bênçãos para com os filhos do mundo.6 Naquele tempo eu disse: Abençoado é o homem que morre justo e bom, contra quem nenhuma relação de crime foi escrito, e em quem iniquidade não é encontrada.7 Então aqueles três santos 230 fizeram com que eu me aproximasse, e colocaram-me na terra, diante da porta da minha casa.8 E eles disseram-me: Explica tudo a Matusalém, teu filho; e informa a todos os teus filhos, que nenhuma carne será justificada diante do Senhor; pois Ele é seu Criador.9 Durante um ano nós te deixaremos com teus filhos, até que tenhas novamente retomado suas forças, para que possas instruir tua família, escreve estas coisas e explica-as aos teus filhos. Mas em outro ano tu serás tomado do meio deles; e seus corações serão fortalecidos; pois os eleitos apontarão a retidão para outros eleitos; os justos com os justos se regozijarão231, congratulando-se uns com os outros, mas os pecadores com os pecadores morrerão, 10 E os pervertidos com os pervertidos serão afogados.11 Aqueles que também agiram retamente morrerão por conta das obras dos homens, e serão reunidos por causa das obras dos iníquos.12 Naqueles dias eles terminaram de 230. Possivelmente uma referencia a tríade: ‘Gabriel (Dn 8:16), Miguel (Dn 10:13 e 21) e Rafael (e Uriel só aparecem nos apócrifos como Anjos, Arcanjos ou Querubins’. 231. “E os que habitam sobre a terra se regozijarão sobre eles, e se alegrarão; e mandarão presentes uns aos outros, porquanto estes dois profetas atormentaram os que habitam sobre a terra” (Revelação; 11:10).

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conversar comigo.13 E eu retornei para meus companheiros, abençoando o Senhor dos mundos.

Capítulo 81 (LIVRO DO ESPLENDOR)

1 Agora, meu filho Matusalém, todas estas coisas eu te falei, e te escrevi. A você eu revelei tudo, e Te dei os livros de tudo.2 Preserve, meu filho Matusalém, os livros escritos por teu pai; para que possas revelá-los às futuras gerações.3 Eu tenho dado a ti sabedoria, aos teus filhos e à tua posteridade, para que eles possam revelar aos seus filhos, por gerações para sempre, esta sabedoria em suas palavras; e para que aqueles que compreendem não duraram, mas ouçam com seus ouvidos; para que eles possam aprender sabedoria, e sejam considerados dignos de comer esta saudável comida.4 Abençoados são todos os justos, abençoados são todos os que andam em retidão, nos quais crime não é encontrado, como nos pecadores, quando todos os seus dias são contados.5 Com respeito ao progresso do sol no céu, ele entra e sai de cada portão por trinta dias, com os líderes de milhares de estrelas; com quatro que são adicionadas, e aparecem nos quatro quartos do ano, os quais conduzem-nos, e acompanham-nos em seus quatro períodos.6 Com respeito a eles, os homens erram grandemente, e não calculam-nos nos cálculos de cada era; pois eles grandemente erram com respeito a eles; os homens conhecem acuradamente o

que eles são no cálculo do ano. Mas certamente eles são marcados a menos para sempre; um no primeiro portão, um no terceiro, um no quarto, e um no sexto:7 Para que o ano esteja completo em trezentos e sessenta e quatro dias.8 Verdade i ramen te t emos s ido declarados, e acuradamente tem sido calculado o que está marcado; pois as luminárias, os meses, os períodos fixados, os anos, e os dias, Uriel explicou a mim, e comunicou a mim; a quem o Senhor de toda criação, por consideração de mim, ordenou, (de acordo com o poder do céu, e o poder que ele possui tanto de dia quanto de noite) pra explicar as leis da luz ao homem, do sol, da lua, e das estrelas, e de todo o poder do céu, que está voltado em suas respectivas órbitas.9 Esta é a ordenança das estrelas, que se põem em seus lugares, em suas estações, em seus períodos, em seus dias, e em seus meses.10 Estes são os nomes daqueles que as conduzem, que vigiam e entram em suas estações de acordo com suas ordenanças e seus períodos, em seus meses, nos tempos de sua influência, e em suas estações.11 Quatro condutores deles entram primeiro, os quais separam os quatro quartos do ano. Depois destes, doze condutores de suas classes, que separam os meses e o ano em trezentos e sessenta e quatro dias, com os líderes de mil, os quais distinguem entre os dias, tanto quanto entre os quatro adicionais; os quais, como condutores, dividem os quatro quartos do ano.12 Estes líderes de mil estão no meio

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dos condutores, e aos condutores são adicionados atrás de sua estação, e seus condutores fazem a separação. Estes são os nomes dos condutores, os quais separam os quatro quartos do ano, os quais são escolhidos sobre eles: Melkel, Helammelak, 13 Meliyal e Narel.14 E Os nomes dos que os conduzem são Adnarel, Jyasusal, e Jyelumeal.15 Estes são os três que seguem os condutores das classes de estrelas; cada um seguindo os três condutores de classes, os quais seguem aqueles condutores das estações, que dividem os quatro quartos do ano. 232

16 Na primeira parte do ano levantam-se e governa Melkyas, que é chamado Tamani, e Zahay. 17 Todos os dias de sua influência,

232. “O mito revela a sacralidade absoluta porque relata a atividade criadora dos deuses, desvenda a sacralidade da obra deles. Em outras palavras, o mito descreve as diversas e às vezes dramáticas irrupções do sagrado do mundo. Por esta razão, entre muitos primitivos, os mitos não podem ser recitados indiferentemente em qualquer lugar e época, mas apenas durante as estações ritualmente mais ricas (outono, inverno) ou no intervalo das cerimônias religiosas – numa palavra, num lapso de tempo sagrado. É a irrupção do sagrado no mundo, irrupção contada pelo mito, que funda realmente o mundo. Cada mito mostra como uma realidade veio à existência, seja ela a realidade total, o Cosmos, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, uma instituição humana. Narrando como vieram à existência as coisas, o homens explica as e responde indiretamente a uma outra questão: por que elas vieram à existência? O ‘por que’ insere se sempre no ‘como’. E isto pela simples razão de que, ao se contar Como uma coisa nasceu, revela se a irrupção do sagrado no inundo, causa última de toda existência real” (Eliade, M. O Sagrado e o Profano, p, 51).

durante os quais ele governa, são noventa e um dias.18 E estes são os sinais dos dias que são vistos sobre a terra. Nos dias de sua influência há transpiração, calor e dificuldade. Todas as árvores se tornam frutíferas; as folhas de cada árvore aparecem; o milho é colhido; a rosa e todas as espécies de flores florescem no campo; e as árvores do inverno são secadas.19 Estes são os nomes dos condutores que estão sob eles: Barkel, Zelsabel; e outro condutor adicional de mil é chamado Heloyalef, os dias de cuja influência tem sido completados. O outro condutor depois deles é Helemmelek, cujo nome eles chamam o esplêndido Zahay.20 Todos os dias de sua luz são noventa e um dias.21 Estes são os sinais dos dias sobre a terra, calor e seca; enquanto as árvores dão seus frutos, aquecidas e preparadas, e dão seus frutos para seca.22 Os rebanhos seguem e criam. Acasalam e dão filhos. Todos os frutos da terra são colhidos, com tudo nos campos, e as vinhas são pisadas. Isto acontece durante o tempo de sua influência.23 Estes são seus nomes e ordens, e os nomes dos condutores que estão sob eles, dos que são chefes de mil: Gedaeyal, Keel, Heel.24 E o nome do líder adicional de mil é Asphael.25 Os dias de sua influência foi completado.

Capítulo 82 (O arrebatamento)

1 E agora e te mostrei, meu filho

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Matusalém, toda visão que eu vi antes de você nascer. Eu relatarei outra visão, que eu vi antes que eu fosse casado; elas assemelham-se uma à outra.2 A primeira foi quando eu estava aprendendo de um livro; e a outra eu estava casado com tua mãe. Eu vi uma potente visão;3 E por conta destas coisas eu supliquei ao Senhor.4 Eu estava deitado na casa de meu avô Malalel, quando eu vi numa visão o céu se purificando, e sendo arrebatado. 233

233. O conceito de arrebatamento está presente em algumas interpretações de escatologia cristã, inclusive o dispensacionalismo. É uma interpretação de vários livros bíblicos, como por exemplo, o Apocalipse, livro da revelação dada ao apóstolo João sobre o suposto futuro da humanidade. Trata-se de um momento no qual Jesus resgataria os salvos para o reino dos céus da Nova Jerusalém, deixando na Terra os demais seres humanos que não o aceitaram como salvador. De acordo com a maioria das pessoas que advogam essa tese, após o arrebatamento, haverá um grande caos na terra durante 7 anos (3 anos e meio de falsa paz e 3 anos e meio de guerras), com o governo do Anticristo (líder político mundial), do Falso Profeta (líder religioso ecumênico) e da Besta (O deus da religião do futuro). Esse período é chamado de Grande Tribulação. Após os sete anos Jesus voltaria novamente junto com os salvos para reinar no nosso planeta por mil anos. Após o milênio irá acontecer o juízo final e a construção do “novo céu” e da “nova Terra”. Segundo algumas interpretações de certas passagens bíblicas – tais como a Primeira Epístola aos Tessalonicenses 4, 13-17, 1 Coríntios 15, 51-52 e Mateus 24, 40-41 – alguns textos bíblico apresentam esta doutrina como uma realidade que impulsiona a fé e a esperança de um futuro sem dores, tristeza e morte. Essa seria a grande verdade, pois todos os cristãos têm uma esperança bendita da manifestação da glória de Deus (Tessalonicenses; 2:13). A exegese católica não crê em um arrebatamento nestes termos e tampouco nos mil anos literalmente

5 E caindo sobre a terra, eu vi igualmente a terra sendo absorvida por um grande abismo; e montanhas suspendidas sobre montanhas.6 Montanhas foram afundadas sobre colinas, árvores imponentes planaram sobre seus troncos, e estavam no ato de serem projetadas, e de serem arremessadas para o abismo.7 Estando alarmado por estas coisas, minha voz hesitou. Eu clamei e disse: A terra é destruída. Então meu avô Malalel levantou e disse-me: Por que clamas, meu filho? E por que lamentas?8 Eu relatei a ele toda a visão que eu havia visto. Ele disse-me: Confirmado está o que tu tem visto, meu filho.9 E potente a visão do teu sonho com respeito a todo pecado secreto da terra. Sua substância será submersa no abismo, e grande destruição acontecerá.10 Agora, meu filho, levanta; e suplica ao Senhor da glória (pois tu és fiel), para que um remanescente possa ser deixado sobre a terra, e que ele possa não destruí-lo totalmente. Meu filho, falando que, para a mesma, consistiriam no lapso de tempo entre a Ascensão de Jesus e os tempos em que vivemos, mas na Parusia, que é a segunda vinda de Jesus no final dos tempos e sua manifestação gloriosa ao mundo para julgar pessoalmente cada homem segundo sua fé e obras e a História humana. Os justos seriam salvos e gozariam a vida eterna, a criação será renovada e os maus condenados à eternidade sem Deus, que é o inferno. No Antigo Testamento também se refere o arrebatamento de Elias, não sendo muito claro o significado deste acontecimento. O conceito popularizou-se em anos recentes, tanto pelos avanços dos esforços missionários pentecostais quanto pela difusão de obras de ficção escatológica, das quais a mais notável em 13 volumes é a série Deixados Para Trás dos autores Tim Lahaye e Jerry B. Jenkins.

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toda esta calamidade sobre a terra descerá do céu; sobre a terra haverá grande destruição. 11 Então eu levantei, orei, e implorei; e escrevi minha oração para as gerações do mundo, explicando tudo ao meu filho Matusalém.12 Quando eu desci abaixo, e olhando para o céu, vi o sol vindo do leste, a lua descendo do oeste, e algumas estrelas espalhadas, e tudo o que Deus tem conhecido desde o princípio, eu abençoei o Senhor do julgamento, e magnifiquei-o: porque ele tem enviado o sol dos aposentos do leste; para que, ascendendo e levantando na face do céu, possa crescer e seguir o caminho que foi apontado para ele.

Capítulo 83 (deus do céu)

1 Eu elevei minhas mãos em retidão, e abençoei o santo, e o Grande. Eu falei com o sopro da minha boca, e com a língua da carne, que Deus havia formado para todos os filhos dos homens mortais, para que eles possam falar; dando-lhes fôlego, boca, e língua para conversar. 2 Abençoado és tu, Ó Senhor, o Rei, grande e poderoso em sua grandeza, Senhor de toda criatura do céu, Rei dos reis, Deus de todo o mundo, cujo reinado, e cujo reino e majestade duram para sempre e sempre. 234

234. Celeste – ‘deus do céu’, ‘Pai nosso que estai no céu’, ‘acima’. “O Senhor tem estabelecido o seu trono nos céu” (Salmos; 103:19). São todos aqueles deuses que estão no céu, no alto, no reino distante, em cima, mas ao mesmo tempo intercedem e se apiedam da humanidade. Esses deuses ‘protegem’ seus fiéis, abençoam suas plantações e colheitas, bem como, guerreiam ao

3 De geração a geração teu domínio existirá. Todos os céus são teu trono para sempre, e toda a terra o escabelo de teus pés para sempre e sempre.4 Pois tu os fez, e sobre todos reinas. Nenhum ato excede teu poder. Com tua sabedoria és imutável, nem do teu trono, nem de tua presença ela nunca se desvia. Tu sabes todas as coisas, vês e ouve-as; nada se esconde de ti; pois tu percebes todas as coisas.5 Os anjos de teus céus transgrediram, e em carne mortal tua ira permanece, até o dia do grande julgamento. 6 Então, Ó Deus, Senhor e poderoso Rei, eu imploro-te, e suplico-te que respondas minha oração, para que uma posteridade me possa ser deixada na terra, e que toda a raça humana não pereça;7 Para que a terra não seja deixada

lado do seu povo contra os inimigos. “Levanta-te, SENHOR na tua ira; exalta-te por causa do furor dos meus opressores; e desperta por mim para o juízo que ordenaste” (Salmos; 7:6). São deuses poderosos, onipotentes, oniscientes, zeladores e vingativos. “Ó Senhor, Deus da vingança, ó Deus da vingança, resplandece!” (Salmos; 94:1). Criaram o universo e podem destruí-lo quando acharem conveniente ou quando se arrependem de haver feito a humanidade, ou quando esses não lhe retribuem favores com bons sacrifícios (oferendas). Os deuses Celestes apresentam-se como pastor, monarca único que produz grandes maravilhas, benignidade que duram para sempre aos olhos de seu povo. “Estas coisas fareis ao SENHOR nas vossas solenidades além dos vossos votos, e das vossas ofertas voluntárias, com os vossos holocaustos, e com as vossas ofertas de alimentos, e com as vossas libações, e com as vossas ofertas pacíficas” (Num.; 29:39). Com o tempo esses deuses do céu se tornam deuses otiosus, distantes que voltam para as alturas e logo são substituídos por outros deuses, semideuses ou enviados.

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destituída, e destruição tome lugar para sempre.8 Ó meu Senhor, que pereça da terra a raça que tem te ofendido, mas que uma justa e reta raça estabeleça por uma posteridade para sempre. Não escondas tua face, ó Senhor, da oração do teu servo. 235

235. Otiosus – ‘Deus Inativo’. Dio otiosi é um conceito usado para descrever a crença em um Deus Criador que se retira há parte do mundo e não está mais envolvido em suas operações diárias, um eixo central do deísmo. “Sou peregrino na terra; não escondas de mim os teus mandamentos. Ouve-me depressa, ó Senhor; o meu espírito desmaia. Não escondas de mim a tua face, para que não seja semelhante aos que descem à cova” (Salmos; 119:19 e 143:7). Um conceito semelhante é o do deus absconditus ou ‘deus escondido’, de Aquino. “Ouviste a minha voz; não escondas o teu ouvido ao meu suspiro, ao meu clamor” (Lamentações; 3:56). “Levanta-te, ó Deus, julga a terra, pois tu possuis todas as nações” (Salmos; 82:8). Apesar de católico e não um deísta, o seu conceito de ‘deus escondido’ como o conceito de ‘deus ocioso’ referem-se a uma deidade cuja existência não é facilmente reconhecível pelos seres humanos através de pensamentos puramente racionais ou de contemplações das ações divinas. O conceito de deus otiosus frequentemente sugere um deus que tem ficado cansado do envolvimento neste mundo (Gênesis; 6:6) e que foi substituído por um deus ou deuses mais jovens, mais ativos, ao passo que, o deus absconditus sugere um deus que tenha conscientemente deixado este mundo para se esconder em outro local (Gênesis; 2:2). Na religião grega, os mais velhos deuses como Urano, Gaia e Cronos são substituídos pelo Olímpico Zeus e Hera. “O demiurgo de Platão deixa a manutenção do universo para a alma do mundo, delegando-lhe até mesmo a criação dos seres vivos, inclusive o homem, uma vez que o divino oleiro considera a criação de um arcabouço material algo que está abaixo de sua dignidade e além do seu poder” (Hooykaas, R. A Religião e o Desenvolvimento da Ciência Moderna, p. 28). Na suméria, En-lil e En-ki são os jovens deuses que substituem o deus otiosus

Capítulo 84 (as Vacas)

1 Depois disto eu vi outro sonho, e expliquei-o todo a ti, meu filho. Enoque levantou e disse a seu filho Matusalém: A ti, meu filho, eu falarei. Ouvi minha palavra, e inclina teu ouvido ao sonho visionário de teu pai. Antes que eu tivesse casado com Edna, tua mãe, eu vi uma visão em minha cama; 2 E vi, uma vaca crescer da terra;3 E esta vaca era branca. 236

4 Depois disso uma novilha fêmea cresceu; e com ela outro bezerro: Um deles era negro, e outro era vermelho. 5 O bezerro negro então golpeou o vermelho, e o perseguiu sobre a terra.6 Daquele tempo em diante eu não pude ver nada mais a respeito do bezerro vermelho; mas o negro aumentou de tamanho, e uma novilha fêmea veio com ele.7 Depois disto eu vi muitas vacas procederam, reunindo-se a ele, e seguindo após ele.8 A primeira jovem fêmea também Um. No hinduísmo, Indra aparece como um deus otiosus, enquanto Shiva e Vishnu são seus mais jovens sucessores, mais ativos e mais facilmente reconhecidos e adorados. No cristianismo, Lutero utilizou a noção de Deus absconditus para explicar o mistério e afastamento de Deus da humanidade pecadora. “O fato é que o Deus Supremo primitivo se tornara um deus otiosus e se cria ter-se retirado para o mais elevado dos céus, completamente indiferente aos assuntos humanos. Por outras palavras, morre – não que haja mitos que relatem a sua morte, mas desaparece por completo da vida religiosa e, subsequentemente, até mesmo dos mitos” (Eliade, M. Origens, 66 e Mito e Realidade, p. 86).236. Veja a semelhança com os Cavalos do Apocalipse; 6.

saiu da presença da primeira vaca; e procurou o bezerro vermelho, mas não o encontrou.9 E ela lamentou com grande lamentação, enquanto ela procurava por ele.10 Então eu olhei até que aquela primeira vaca veio até ela, e desse tempo em diante, ela se tornou silente, e cessou de lamentar.11 Depois disso, ela pariu outra vaca branca.12 E novamente pariu muitas vacas e bezerros negros.13 Em meu sonho eu também percebi um touro branco, o qual de igual maneira cresceu, e se tornou um enorme animal.14 Depois dele muitas vacas brancas vieram, se juntando a ele.15 E eles começaram a parir muitas outras vacas brancas, que se assemelharam a eles e seguiram umas às outras.

Capítulo 85 (Geração diferente)

1 Novamente eu olhei atentamente, enquanto dormindo, e examinei o céu acima.2 E vi uma estrela cair do céu.3 A qual estando levantada, comeu e fugiu de entre aquelas vacas.4 Depois disso eu vi outras grandes e vacas magras; e vi todas elas mudarem suas baias e pastagens, e vi seus jovens começam a lamentar um com o outro. Novamente eu vi em minha visão, e examinei o céu; então vi muitas estrelas descendo, e projetando-se do céu para onde a primeira estrela estava, 5 No meio destes jovens; enquanto as vacas estavam com eles, alimentando-se no meio deles.6 Eu olhei e observei-os; quando olhei,

eles todos agiram segundo a maneira dos cavalos, e começaram a se aproximar das vacas novas, e todas elas ficaram prenhes, e geraram elefantes, camelos e asnos7 Nisto todas as vacas ficaram alarmadas e apavoradas; quando elas começaram morder com seis dentes, tragando e golpeando com seus chifres.8 Elas começaram também a devorar as vacas; e vi todos os filhos da terra tremerem, chocados com o terror deles, e de repente fugiram.

Capítulo 86 (a segunda visão)

1 Novamente eu percebi-os, quando eles começaram a morder e devorar um ao outro; e a terraclamou. Então eu levantei meus olhos uma segunda vez em direção ao céu, e vi numa visão que, eis que vieram do céu como se fosse a semelhança de homens brancos. Um veio, e três com ele.2 Aqueles três, que vieram por último, pegaram-me pela minha mão; e ergueram-me das gerações da terra, elevaram-me a uma alta estação.3 Então eles mostraram-me uma elevada torre na terra, enquanto todo monte tornou-se diminuído. E eles disseram: Permanece aqui, até que perceba o que virá sobre esses elefantes, camelos, e asnos, sobre as estrelas, e sobre as vacas.

Capítulo 87 (vale da Morte)

1 Então eu olhei para um dos quatro homens brancos, que veio primeiro.2 Ele segurou a primeira estrela que caiu do céu.

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3 E amarrando-a, mãos e pés, lançou-a a um vale; um vale estreito, profundo, estupendo, e escuro.4 Então um deles puxou sua espada, e deu-a aos elefantes, camelos, e asnos, que começaram a morder um ao outro. E toda a terra tremeu por causa deles.5 E enquanto eu via a visão, eis, um daqueles quatro anjos que vieram, lançado do céu, reuniu e tocou todas as grandes estrelas, cuja forma assemelha-se parcialmente à dos cavalos; e amarrando-os todos, mãos e pés, lançou-as nas cavidades da terra.

Capítulo 88 (a arca)

1 Então um daqueles quatro foi para as vacas brancas, e ensinou a elas um mistério. Enquanto as vacas estavam tremendo, ele nasceu e tornou-se um homem (Noé), e fabricou para si um grande barco. Nele ele habitou, e três vacas (Sem, Cam, e Jafé.) habitaram com ele naquele barco, que cobriu-os.2 Novamente eu elevei meus olhos para o céu, e vi um oponente telhado. Acima dele havia sete cataratas, que derramavam numa certa vila muita água.3 Novamente eu olhei, e vi que haviam fontes abertas na terra naquela grande vila.4 A água começou a ferver, e elevar-se sobre a terra; de modo que a vila não foi vista, enquanto todo o solo foi coberto com água.5 Muita água saiu dela, escuridão, e nuvens. Então eu examine a altura desta água, e ela estava elevada acima da vila.6 Ela fluiu sobre a vila, e ficou mais alta do que a terra.

7 Então todas as vacas que estavam juntas lá, enquanto eu olhava para elas, foram submersas, tragadas, e destruídas na água.8 Mas o barco flutuou sobre ela. Todas as vacas, os elefantes, os camelos, e os anos foram afogados na terra, e todo gado. Eu não pude vê-los. Nem eles foram capazes de fugir, mas pereceram, e afundaram no abismo.9 Novamente eu vi numa missão até aquelas cataratas foram removidas daquele elevado telhado, e as fontes da terra se tornaram equalizadas, enquanto outros abismos foram abertos;10 Para os quais as águas começaram a descer, até a terra seca aparecer.11 O barco permaneceu na terra; a escuridão retrocedeu; e se tornou em luz.12 Então a vaca branca, que se tornou num homem, saiu do barco, e três vacas com ele.13 Uma das três vacas era branca, assemelhando-se àquela vaca, uma delas era vermelha como sangue; e uma delas era negra. E a vaca branca deixou-as.14 Então feras selvagens e pássaros começaram a surgir.15 De todos esses tipos diferentes reuniram-se, leões, tigres, lobos, cães, javalis selvagens, raposas, coelhos e porcos.16 Corujas, corvos e milhafres. 237

17 Então a vaca branca nasceu no meio 237. Espécie de águia também conhecido por milhano ou bilhano, é a designação comum dada às aves do gênero Milvus e Circus da família Accipitridae. Nos Açores a designação corresponde às aves da espécie Buteo buteo, rothschildi, também chamadas queimado ou águia-de-asa-redonda.

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deles.18 E eles começaram a morder um ao outro, enquanto a vaca branca, que havia nascido no meio deles, trouxe um asno selvagem e uma vaca branca ao mesmo tempo e depois daquele muitos asnos selvagens. Então a vaca branca, a qual nasceu, deu uma porca negra (Esaú) selvagem e um cordeiro branco (Jacó). 238

19 Aquela porca selvagem também deu muitos suínos. 239

20 E aquele cordeiro deu doze cordeiros. 21 Quando aqueles doze cordeiros cresceram, eles entregaram um deles (José) aos asnos (Midianitas). 240

238. “Saiu o primeiro, ruivo, todo ele como um vestido de pelo; e chamaram-lhe Esaú. Depois saiu o seu irmão, agarrada sua mão ao calcanhar de Esaú; pelo que foi chamado Jacó.” (Gênesis; 25:25 e 26).239. Gênesis; 36:1-30 e Deuteronômio; 23:7.240. “Passando, pois, os mercadores Midianitas, tiraram e alçaram a José da cova, e venderam José por vinte moedas de prata, aos Ismaelitas, os quais levaram José ao Egito”. (Gênesis; 37:28). Segundo o Antigo Testamento, Midianitas (ou Madianitas) são descendentes de Abraão e sua esposa Quetura, que este desposou após a morte de Sara. “E Abraão tomou outra mulher; e o seu nome era Quetura” (Gênesis; 25:1). Os filhos deste segundo casamento, entre eles Midiã, foram enviados para uma terra distante, longe de Isaque, o assim chamado filho da promessa. Tais descendentes de Abraão, então, deram origem à tribo dos Midianitas, que mais tarde são mencionados em conjunto com os Ismaelitas. Essa segunda tribo também seria descendente de Abraão, porém através de sua escrava egípcia - Hagar - que lhe deu um filho a quem deu o nome de Ismael (Gen 16:15), e que foi enviado ao deserto com uma promessa de Deus de que também seria Pai de uma grande nação. Segundo a cultura árabe, são eles. “Lembrai-vos que estabelecemos a Casa, para o congresso e local de segurança para a

22 Novamente aqueles asnos entregaram aquele cordeiro aos lobos (Egípcios).23 E ele (José) cresceu no meio deles. 241

24 Então o Senhor trouxe as outras doze ovelhas, para que pudessem habitar e alimentar-se com ele no meio dos lobos.25 Eles multiplicaram-se, e houve abundância de pastos para eles.26 Mas os lobos começaram a ficar amedrontados e oprimiram-nos enquanto eles destruíam seus jovens.27 E eles deixaram seu jovem em torrentes de água profunda.28 Então as ovelhas começara, a clamar por causa de seus filhos, e fugiram para refugiar o seu Senhor. Um, (Moisés), entretanto, que foi salvo, escapou e foi para os asnos selvagens.29 Eu vi a ovelha gemendo, chorando, e implorando ao seu Senhor.30 Com todo o seu poder, até que o Senhor das ovelhas desceu à sua voz da sua elevada habitação; foi a eles; e examinou-as.31 Ele chamou aquela ovelha que foi secretamente furtado dos lobos, e disse-lhe para fazer os lobos entenderem que eles não deviam tocar as ovelhas.32 Então aquela ovelha foi aos lobos com a palavra do Senhor, quando outro o encontrou, (Aarão) e continuou com ele.33 Ambos entraram junto na habitação dos lobos; e conversando com eles fizeram-nos entender, que daí em diante

humanidade: Adotai a Estância de Abraão por oratório. E estipulamos a Abraão e a Ismael, dizendo-lhes: Purificai Minha Casa, para os circundantes (da Caaba), os retraídos, os que genuflectem e se prostram”. (Alcorão; 2:125).241. “E José foi levado ao Egito, e Potifar, oficial de Faraó, capitão da guarda, homem egípcio, comprou-o da mão dos ismaelitas que o tinham levado lá” (Gênesis; 39:1).

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eles não deviam tocar nas ovelhas.34 Depois disso eu percebi os lobos prevalecendo grandemente sobre as ovelhas com toda a sua força. O rebanho clamou; e seu Senhor veio até eles.35 Ele começou a ferir os lobos, que começaram uma grave lamentação; mas as ovelhas ficaram silentes, nem daquele tempo elas clamaram.36 Então eu olhei para elas, até elas apartarem-se dos lobos. Os olhos dos lobos estavam cegos, os quais saíram e seguiram-nas com todo o seu poder. Mas o Senhor das ovelhas continuou com elas, e as conduziu.37 Todo o seu rebanho o seguiu.38 Seu semblante ficou terrível e esplêndido, e glorioso era seu aspecto. Então os lobos começaram a seguir as ovelhas, até que eles alcançaram-nas num certo lago de água. 39 Então aquele lago ficou dividido; a água erguendo-se em ambos os lados diante de sua face.40 E enquanto seu Senhor estava conduzindo-as, ele colocou-se entre elas e os lobos.41 Os lobos, entretanto não perceberam as ovelhas, mas foram no meio do lago, seguindo-as, e correndo atrás delas no lago de água.42 Mas quando eles viram o Senhor das ovelhas, eles voltaram para fugir de diante de sua face. 242

43 Então a água do lago retornou, e repentinamente, de acordo com sua natureza. Ela se tornou cheia, e

242. “Assim diz o Senhor ao seu ungido, a Ciro, a quem tomo pela mão direita, para abater as nações diante de sua face, e descingir os lombos dos reis, para abrir diante dele as portas, e as portas não se fecharão” (Isaías; 45:1).

levantou-se, até que cobriu os lobos. E eu vi que todos eles que haviam seguido as ovelhas pereceram e foram afogados.44 Mas as ovelhas passaram sobre esta água, continuando para o deserto, que estava sem água e grama. E eles começaram a abrir seus olhos e a ver.45 Então eu vi o Senhor das ovelhas examinando-as, e dando-lhes água e grama.46 As ove lhas já mencionadas continuavam com elas, e conduzindo-as.47 E quando ele tinha subido ao topo de uma alta rocha, o Senhor das ovelhas enviou-o a elas.48 Depois disso eu vi seu Senhor colocado diante delas, com um aspecto terrível e severo.49 E quando elas viram-no, elas ficaram amedrontadas com seu semblante.50 Todas elas ficaram alarmadas, e tremeram. Elas clamaram para aquela ovelha; e para aquela outra ovelha que estava com ele, e o qual estava no meio delas, dizendo: Nós somos capazes de permanecer diante do nosso Senhor, ou de olhar para ele.51 Então aquela ovelha que os conduziu saiu, e subiu ao topo da rocha;52 Enquanto as ovelhas que restaram começaram a ficar cegas, e a vagar pelo caminho que ele lhes havia mostrado; mas ele não o soube.53 Seu Senhor, entretanto, estava movido de grande indignação contra eles; e quando aquela ovelha soube o qual havia acontecido, 54 Ele desceu do topo da rocha, e veio a eles, descobriu que havia muitos, 55 Que se tornaram cegos;56 E tinham desviado de seu caminho.

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Tão logo elas viram-no, temeram, e tremeram na sua presença;57 E ficaram desejosos de retornar ao seu rebanho, 58 Então aquela ovelha, tomando consigo outra ovelha, foi àqueles que tinham se perdido.59 E depois disso começou a matá-los. Eles ficaram aflitos ao seu semblante. Então ele fez com que aqueles que tinham se desviado retornassem; os quais voltaram para seu rebanho.60 Eu igualmente vi naquela visão, que esta ovelha se tornou num homem, construiu uma casa para o Senhor do rebanho, e fez todos eles ficarem na casa. 243

61 Eu vi também que aquela ovelha que procedeu a encontrar esta ovelha, seu condutor, morreu. Eu vi também que toda grande ovelha pereceu, enquanto que as menores subiram eu seu lugar, entraram num pasto, e aproximaram-se de um rio de água. 244

62 Então aquela ovelha, seu condutor, que se tornou num homem, foi separado delas, e morreu.63 Todo o rebanho procurou por ele, e clamou por ele com amarga lamentação.64 Eu vi também que eles cessaram de clamar por aquela ovelha e passaram sobre o rio de água.65 E que lá se levantou outra ovelha, todas de quem as conduziu 245, em vez

243. “Meu tabernáculo permanecerá com eles; e eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo”. (Ezequiel; 37:27).244. “Chegando eles à eira de Atade, que está além do Jordão, fizeram ali um grande e forte pranto; assim fez José por seu pai um grande pranto por sete dias” (Gênesis, 50:10).245. “Por todas as partes por onde tenho andado com todo o Israel, porventura falei

daqueles que foram mortos, os quais tinham previamente conduzido-as.66 Então eu vi que aquela ovelha entrou a um agradável lugar, e um deleitável e glorioso território.67 Eu vi também que eles ficaram satisfeitos; que sua casa estava no meio daquele deleitável território; e que algumas vezes seus olhos estavam abertos, e que algumas vezes eles ficavam cegos; até que outra ovelha levantou-se e conduziu-as. Ele trouxe-os todos de volta; e seus olhos foram abertos. 246

68 Então cães, lobos, e javalis selvagens devoraram-nos, até novamente outra ovelha levantar 247, o mestre do rebanho; um deles mesmos, um carneiro, para conduzi-los. Este carneiro começou a chifrar em todo lado aqueles cães, lobos, javalis selvagens, até que todos eles pereceram. Seus olhos, e vi o carneiro no meio deles, os quais tinham deixaram de lado sua glória.70 E ele (Saul) começou a ferir o rebanho, pisando sobre eles, e comportando-se sem dignidade. 248

71 Então seu Senhor enviou a antiga ovelha novamente para um still diferente

eu jamais uma palavra a algum dos juízes de Israel, a quem ordenei que apascentasse o meu povo, dizendo: Por que não me tendes edificado uma casa de cedro?” (1 Crônicas; 17:6).246. “Samuel, porém, ministrava perante o Senhor, sendo ainda menino, vestido de um éfode (Vestes Sacerdotais) de linho”. (1 Samuel; 2:18).247. “Tinha este um filho, chamado Saul, jovem e tão belo que entre os filhos de Israel não havia outro homem mais belo de que ele; desde os ombros para cima sobressaía em altura a todo o povo”. (1 Samuel; 9:2).248. 1 Samuel; 18:7-15,e 22:6,7,9,12,13 - 1Crônicas 12:1 e 2, 28:3-7.

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FRAGMENTOS ITextos Religiosos Antigos sob a ótica Fenomenológica da História das Religiões

ovelha (Davi) 249, e levantou-o para ser um carneiro, e para conduzi-las no lugar daquela ovelha que tinha deixado de lado sua glória.72 Indo então a ele, e conversando com ele só, ele levantou o carneiro, e fez dele um príncipe e líder do rebanho. Todo o tempo aqueles cães (Filisteus) aborreceram a ovelha, 73 O primeiro carneiro pagou respeito a este último carneiro.74 Então o último carneiro levantou e fugiu de diante de sua face. 250 E eu vi que aqueles cães fizeram o primeiro carneiro cair.75 Mas o último carneiro levantou, e conduziu o carneiro menor.76 Aquele carneiro também gerou muitas ovelhas, e morreu.77 Então houve uma ovelha menor, (Salomão) um carneiro, no lugar dele, que se tornou um príncipe e líder, conduzindo o rebanho.78 E a ovelha aumentou de tamanho, e multiplicou.79 E todos os cães, lobos, e javalis selvagens temeram, e fugiram dele.80 Aquele carneiro também golpeou e matou todas as bestas feras, de modo que eles não pudessem novamente prevalecer no meio das ovelhas, nem em nenhum tempo arrebate-as.81 E aquela casa foi feita grande e larga; uma imponente torre sendo construída

249. “Então Samuel tomou o vaso de azeite, e o ungiu no meio de seus irmãos; e daquele dia em diante o Espírito do Senhor se apoderou de Davi. Depois Samuel se levantou, e foi para Rama”. (1 Samuel; 16:13).250. “Assim, Davi fugiu, e escapou, e veio a Samuel, a Ramá, e lhe participou tudo quanto Saul lhe fizera; e foram, ele e Samuel, e ficaram em Naiote” (1 Samuel 19:18).

sobre ela pelas ovelhas, para o Senhor das ovelhas.82 A casa era baixa, mas a torre era elevada e muito alta.83 Então o Senhor das ovelhas colocou-se sobre a torre, e fez uma mesa cheia aproximar-se diante dele.84 Novamente eu vi que aquela ovelha perdeu-se, e foi para vários caminhos, esquecendo-se daquela sua casa;85 E que seu Senhor chamou alguns entre eles, os quais ele enviou-as (profetas) a eles.86 Mas a estes as ovelhas começaram a matar. E quando um deles foi salvo da matança (Elias) ele saltou, e clamou contra aqueles que estavam desejosos de matá-los.87 Mas o Senhor das ovelhas livrou-o das suas mãos, e o fez subir a ele, e permanecer com ele.88 Ele enviou muitos outros a elas, para testificar, e com lamentações para clamar contra eles.89 Novamente eu vi, quando alguns deles esqueceram a casa do seu Senhor, e sua torre, vagando em todos os lugares, e crescendo cegos, 90 Eu vi que o Senhor das ovelhas fez uma grande matança entre eles em suas pastagens, até que eles clamaram a ele em consequência da matança. Então ele apartou-as do lugar de sua habitação, e os deixou no poder dos leões, tigres, lobos, e das Hienas, e ao poder das raposas, e de todo animal.91 E os animais selvagens começaram a despedaçá-los.92 Eu vi, também, que eles esqueceram a casa de seus pais, e sua torre, dando-os todos ao poder dos leões para despedaçá-los e devorá-los; até ao poder

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de todo animal.93 Então eu comecei a clamar com todo meu poder, implorando ao Senhor das ovelhas, e mostrando-lhe como as ovelhas eram devoradas por todos os animais de rapina.94 Mas ele olhou em silêncio, regozijando-se de que elas fossem devoradas, engolidas, e carregadas; e deixando-as ao poder de todo animal por comida. Ele chamou também setenta pastores, e designou-os ao cuidado das ovelhas, para que eles possam cuidar delas;95 Dizendo a eles e aos seus associados: Todos vós, de agora em diante todos vós cuideis das ovelhas, e a todos eu ordeno; fazei; e eu os entrego para as enumerarem.96 Eu vos direi qual delas serão mortas; a estas destruís. E ele entregou as ovelhas a eles.97 Então ele chamou a outro, e disse: Entende, e cuida de tudo o que os pastores farão a estas ovelhas; pois muitas delas perecerão depois que eu ordenei.98 De todo excesso e matança, que os pastores cometerão, haverá uma conta; como, quantas pereceram pelo meu comando, e quantos eles destruíram por sua própria cabeça.99 De toda destruição trazida por cada um dos pastores haverá uma contagem; e de acordo com o número eu farei com que um recital seja feito diante de mim, quantas eles destruíram por suas próprias cabeças, e quantas eles entregaram à destruição, para que eu possa ter esse testemunho contra eles; para que eu possa saber todos os seus procedimentos; e que, entregando as ovelhas a eles, eu possa ver o que

eles farão; se eles agirão como eu lhes ordenei, ou não.100 Disto, portanto, eles serão ignorantes; nem farás qualquer explanação a eles, nem os reprovarás; mas haverá uma contagem de toda destruição feita por eles em suas respectivas estações. Então eles começarão a matar, e a destruir mais do que lhes for ordenado. 251

101 E eles deixaram as ovelhas sob o poder dos leões, assim que muitos deles foram devorados e engolidos pelos leões e tigres; e javalis selvagens caíram sobre eles para depredá-los. Aquela torre eles queimaram, e derrubaram aquela casa.102 Então eu me afligi extremamente por causa da torre, e porque a casa das ovelhas foi derrubada. 252

103 Nem fui, depois disso, capaz de perceber se eles entraram novamente naquela casa.104 Os pastores igualmente, e seus associados, entregaram-nos a todos os animais selvagens, para que os devorassem. Cada um deles em sua estação, de acordo com seu número, foi entregue; cada um deles, um com o outro, foram descritos num livro, como 251. “Todos os gêneros literários apocalíptico surgem em momentos de crise. O gênero literário apocalíptico foi amplamente difundido no judaísmo do séc. II A.E.C. ao II E.C. Tal literatura caracterizou-se por uma fantasia exuberante e mesmo bizarra. Nela, animais simbolizam pessoas e povos; números têm valor simbólico e a revelação sobre a história futura é feita por meio de visões explicadas por anjos intérpretes, apresentadas como homens. Exemplos deste gênero literário já aparecem em Is 24-27; Ez 38-39; Zc 9-14. Mas ele é amplamente usado no livro de Daniel, no Apocalipse e na literatura apócrifa judaica e cristã” (Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades, p. 33-34). 252. Queda de Jerusalém em 587.

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muitos deles, um com o outro, foram destruídos, num livro. 253

105 Mais, porém, do que foi ordenado, cada pastor matou e destruiu.106 Então eu comecei a chorar, e fiquei grandemente indignado, por causa dos pastores.107 De igual maneira, também vi na visão aquele que escreveu, como ele escreveu um, destruído pelos pastores, todo dia. Ele subiu, permaneceu, e exibiu cada um de seus livros para o Senhor das ovelhas, contendo tudo o que eles haviam feito, e tudo o que cada um deles tinha feito;108 E todos os que eles haviam entregue à destruição.109 Ele tomou o livro em suas mãos, amarrou-o, selou-o e depositou-o.110 Depois disso, por doze horas, os pastores negligenciaram as ordens do senhor.111 E eis que três das ovelhas (Zorobabel, Josué e Neemias) separadas, chegaram, entraram; e começaram construindo tudo o que estava caído daquela casa. 11 2 M a s o s j a v a l i s s e l v a g e n s (Samaritanos) estorvaram-nos, apesar de que eles não prevaleceram.113 Novamente eles começaram a construir como antes, e levantaram aquela torre que foi chamada: ‘a torre elevada’. 254

114 E novamente eles começaram a colocar diante da torre uma mesa, com todo tipo de pães impuros e sujos sobre ela.253. Livro dos Reis e Livro das Crônicas.254. “Disseram mais: Eia, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo cume toque no céu, e façamo-nos um nome, para que não sejamos espalhados sobre a face de toda a terra” (Gênesis; 11:4).

115 Além disso, também todas as ovelhas eram cegas, e não podiam ver, como também eram os pastores.116 Assim elas foram entregues aos pastores para uma grande destruição, que as pisaram sob seus pés, e devoraram-nas.117 Contudo o seu Senhor estava ciente, até que toda ovelha no campo foi destruída. Os pastores e as ovelhas foram todos mesclados, juntos, mas eles não salvaram-nos do poder dos animais.118 Então aquele que escreveu o livro subiu, exibiu-o e leu-o na residência do Senhor das ovelhas. Ele pediu-lhe por eles, e orou, apontando cada ato dos pastores, e testificando diante dele contra todos eles. Então, tomando o livro, ele guardou-o consigo, e apartou-se.

Capítulo 89 (os pastores)

1 E eu observei durante o tempo, que assim trinta e sete pastores 255

255. Entre 1020 e 587 A.E.C., tivemos quarenta e um pastores (Reis) de Israel e Judá e não trinta e sete como se pronuncia o texto. A Monarquia Unida: Saul (1020-1000), Davi (1000-961) e Salomão (961-922). A Monarquia Dividida, Reis de Judá (922-587): Roboão (922-915), Abias (915-913), Asa (913-873), Josafá (873-849), Jeorão (849-843), Acazias (843-842), Atalia (842-837), Joás (837-800), Amazias (800-783), Uzias/Azarias (783-742), Jotão (742-735), Acaz (735-715), Ezequias (715-687), Manassés (687-642), Amom (642-640), Josias (640-609), Jeoacaz (609), Jeoiaquim (609-598), Joaquim (598/7), Zedequias (597-587) e a Queda de Jerusalém (587). Reis de Israel (922-722): Jeroboão I (922-901), Nadabe (901-900), Baasa (900-877), Elá (877-876), Zinri (876), Onri (876-869), Acabe (869-850), Acazias (850-849), Jorão (849-842), Jeú (842-815), Jeoacaz (815-802), Jeoás (802-786),

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estiveram inspecionando, todos dos quais terminaram em seus respectivos períodos como o primeiro. Outros então receberam-nos em suas mãos, para que pudessem cuidar delas em seus respectivos períodos, cada pastor em seu próprio período.2 Depois disso eu vi na visão, que todos os pássaros do céu chegaram; águias, o viveiro, o papagaio e corvos. A água instruiu a todas.3 Elas começaram a devorar as ovelhas, a picar seus olhos, e a comer seus corpos.4 A ovelha então clamou; pois seus corpos foram devorados pelos pássaros.5 Eu também clamei, e gemi em meu sono contra os pastores que cuidavam do rebanho.6 E olhei, enquanto as ovelhas eram comidas pelos cães, pelas águias e pelos corvos. Eles não deixaram seus corpos, nem sua pele, nem seus músculos, e somente seus ossos restaram; até seus ossos caíram sobre o chão. E a ovelha ficou diminuída.7 Eu também observei durante o tempo, que vinte e três pastores estavam cuidando, os quais completaram seus respectivos períodos, cinquenta e oito períodos.8 Então pequenos cordeiros nasceram daquela ovelha branca; que começaram a abrir seus olhos e a ver, chorando pela ovelha.9 A ovelha, porém, não clamou a eles, nem ouviu o que eles lhe diziam, mas Jeroboão II (786-746), Zacarias (746-745), Salum (745), Menaém (745-737), Pecaías (737-736), Peca (736-732), Oséias (732-724) e a Queda de Samária (722). (Marques, L. A. História das Religiões e a Dialética do Sagrado, p. 131-136).

ficou muda, cega e obstinada em maior intensidade.10 Eu vi na visão que corvos voaram sobre aqueles cordeiros;11 Que eles agarraram-nos; e que seguraram um deles, e rasgaram a ovelha em pedaços, e os devoraram.12 Eu vi também, que chifres cresceram nos cordeiros; e que os corvos pousavam sobre seus chifres.13 Eu vi, também, que um grande chifre brotou num animal entre as ovelhas, e que seus olhos estavam abertos.14 Ele olhou para elas. Seus olhos estavam bem abertos; e ele clamava para elas.15 Então o íbex 256 viu-o; todos eles correram para ele.16 E enquanto isso, todas as águias, os

256. O íbex (Capra ibex) é uma espécie de mamífero bovídeo caprino, em estado selvagem na Europa. Esta espécie habita as regiões montanhosas dos Alpes, em zonas de vegetação esparsa. Também é conhecido pelo nome de íbex-dos-alpes. Para alguns escritores o íbex estaria simbolizando Alexandre (356 A.E.C), o Grande. Desde a antiguidade em muitas culturas o chifre era reverenciado com respeito. “E Zedequias, filho de Quenaaná, fez para si uns chifres de ferro, e disse: Assim diz o Senhor: Com estes ferirás os sírios, até que sejam consumidos” (2 Crônicas; 18:10). Ele representa a grandeza, superioridade, elevação e poder. O chifre, como o cajado, o martelo, a vara é sinônimo de poder. Todos os deuses, semideuses, profetas, santos, anjos e etc. sempre ou quase sempre se apresentam com algo na cabeça ou nas mãos em sinônimo de poder. O chifre exibe o poder e a autoridade de quem o possui. Muitos reis e guerreiros exibiam chifres, geralmente após ganhar batalhas, como os gauleses ou mesmo os soldados romanos que colocavam pequeninos chifres em seus capacetes após vencer uma batalha. Como é o caso do diabo que com o tempo e seu progresso cultural, ganhou chifres em algumas épocas.

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corvos e os papagaios estavam ainda levando a ovelha, voando sobre ela, e devorando-a. A ovelha ficou em silêncio, mas o íbex lamentou e chorou.17 Então os corvos contenderam, e lutaram com ela.18 Eles desejaram entre eles quebrar seu chifre; mas eles não prevaleceram contra ele.19 Eu olhei para eles, até os pastores, as águias, o abutres, e os papagaios vieram.20 Os quais clamaram aos corvos para quebrar o chifre do íbex; para contender com ele; e para matá-lo. Mas ele lutou com eles, e clamou, para que ajuda pudesse vir a ele.21 Então eu percebi que o homem veio, o que escreveu os nomes dos pastores, o qual subiu diante do Senhor das ovelhas.22 Ele trouxe assistentes, e fez com que cada um o visse descendo para ajudar o íbex.23 Eu percebi também que o Senhor das ovelhas veio a elas com ira, enquanto todos aqueles que o viram fugiram; todos caíram em seu tabernáculo diante de sua face; enquanto todas as águias, os corvos, e papagaios se reuniram e trouxeram com eles todas as ovelhas do campo.24 Todos vieram juntos, e impediram de quebrar o chifre do íbex.25 Então eu vi aquele homem que escreveu o livro à palavra do Senhor, abriu o livro da destruição, daquela destruição com os últimos doze pastores 257; e o mostrou diante do Senhor das

257. Possivelmente uma referencia aos príncipes nativos de Judá depois de sua libertação do cativeiro Assírio (722 A.E.C.).

ovelhas, para que eles destruíssem mais do que aqueles que os precederam.26 Eu vi também que o Senhor das ovelhas veio a elas, e tomando em sua mão o cetro de sua ira preso na terra, que se dividiu ao meio; enquanto todos os animais e pássaros do céu caíram sobre as ovelhas, e afundaram na terra, que fechou-se sobre eles.27 Eu vi, também, que uma grande espada foi dada às ovelhas, que saíram contra todos os animais do campo para matá-los.28 Mas todos os animais e pássaros do céu fugiram de diante da sua face.29 E eu vi um trono erguido numa terra deleitável;30 Sobre ele assentava-se o Senhor das ovelhas, o qual recebeu todos os livros selados;31 Os quais foram abertos diante dele. 258

32 Então o Senhor chamou os primeiros sete brancos, e ordenou-os trazerem diante dele a primeira de todas as estrelas, a qual precedeu as estrelas que se assemelhavam parcialmente à forma de cavalos; a primeira estrela, que caiu primeiro; e eles trouxeram-na “Quando o Senhor trouxe do cativeiro os que voltaram a Sião, estávamos como os que sonham. Então a nossa boca se encheu de riso e a nossa língua de cântico; então se dizia entre os gentios: Grandes coisas fez o Senhor a estes. Grandes coisas fez o Senhor por nós, pelas quais estamos alegres. Traze-nos outra vez, ó Senhor, do cativeiro, como as correntes das águas no sul. Os que semeiam em lágrimas segarão com alegria. Aquele que leva a preciosa semente, andando e chorando, voltará, sem dúvida, com alegria, trazendo consigo os seus molhos” (Salmos; 126).258. “Um rio de fogo manava e saía de diante dele; milhares de milhares o serviam, e milhões de milhões assistiam diante dele; assentou-se o juízo, e abriram-se os livros” (Daniel 7:10).

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diante dele.33 E ele falou ao homem que escreveu em sua presença, o qual era um dos sete brancos, dizendo: Toma aqueles setenta pastores, aos quais eu entreguei as ovelhas, e os quais recebendo-as mataram mais delas do que eu ordenei. Eis que, eu vi-os todos amarrados, em pé diante dele. Primeiro veio no julgamento das estrelas, que sendo julgadas, e consideradas culpadas, foram para o lugar da punição. Elas confiaram-nas a um lugar, profundo, e cheio de chamas de pilares de fogo. Então os setenta pastores foram julgados, e considerados culpados, foram confiados às chamas do abismo.34 Neste tempo igualmente eu vi, que o abismo estava assim aberto no meio da terra, que estava cheia de fogo.35 E a ela foram trazidas as ovelhas cegas; as quais sendo julgadas, e consideradas culpadas, foram todas confiadas àquele abismo de fogo na terra, e queimaram.36 O abismo ficava à direita daquela casa.37 E eu vi as ovelhas queimando, e seus ossos sendo consumidos.38 Eu fiquei olhando-o imergir aquela antiga casa, enquanto eles trouxeram seus pilares, cada planta nela, e o marfim ali contido. Eles trouxeram-no para fora, e depositaram-no no lugar ao lado direito da terra.39 Eu também vi, que o Senhor das ovelhas produziu uma nova casa, grande e mais elevada do que a anterior, a qual ele ligou com o antigo lugar circular. Todos os seus pilares eram novos, e seu mármore novo, também mais abundante do que o antigo mármore, que ele havia

trazido.40 E enquanto todas as ovelhas que foram deixadas no meio dela, todos os animais da terra, e todas as aves do céu, prostraram-se e adoraram-no, implorando a ele, e obedecendo-o em tudo.41 Então aqueles três, que estavam vestidos de branco, e os quais, segurando-me pela minha mão, tinham antes me feito subir, enquanto a mão daquele que falava comigo me segurava; e colocava-me no meio das ovelhas, antes que o julgamento acontecesse.42 A ovelha era toda branca, com lã longa e pura. Então todas as que tinham perecido, e tinham sido destruídos, todo animal do campo, e toda ave do céu, reuniram-se naquela casa: enquanto o Senhor das ovelhas regozijou-se com grande alegria, porque todas estavam bem, e tinham voltado novamente para sua habitação.43 E eu vi que elas abaixaram a espada que havia sido dada às ovelhas, e retornou à sua casa, selando-a na presença do Senhor.44 Todas as ovelhas haviam sido fechadas naquela casa, tinha sido capaz de contê-las; e os olhos de todas foram abertos, contemplando o Bondoso; não houve entre elas quem não o viu.45 Eu igualmente percebi que a casa era grande, larga e extremamente cheia. Eu vi também, que a vaca branca havia nascido, cujos chifres eram grandes; e que todos os animais do campo, e todas as aves do céu, estavam alarmadas com ele, e imploraram a ele todas as vezes.46 Então eu vi que a natureza deles foi mudada, e que eles se tornaram vacas brancas;

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47 E que o primeiro, o qual estava no meio deles, falou, quando aquela palavra tornou-se um grande animal, sobre cuja cabeça havia grandes chifres negros;48 Enquanto o Senhor das ovelhas regozijou-se por causa delas, e de todas as vacas.49 Eu caí no meio deles: Eu acordei; e vi o todo. Esta é a visão que eu vi, descendo e despertando. Então eu abençoei o Senhor da justiça, e dei glória a Ele.5 0 D e p o i s d i s s o e u c h o r e i abundantemente, não cessaram minhas lágrimas, de modo que eu tornei-me incapaz de suportá-lo. Enquanto eu estava olhando, eles fluíram por causa do que eu vi; pois tudo estava vindo e indo; cada circunstância individual com respeito à conduta da humanidade que estava sendo vista por mim.51 Naquela noite eu relembrei meus sonhos anteriores; e então chorei e me afligi, por causa do que eu tinha visto na visão.

Capítulo 90 (punição do céu)

1 E agora, meu filho Matusalém, chama para mim todos os teus irmãos, e reúne para mim todos os filhos de tua mãe; pois uma voz me chama, e o espírito está colocado sobre mim para que eu possa mostrar-te tudo o que te acontecerá para sempre.2 Então Matusalém foi, chamou-lhes todos os seus irmãos, e reuniu seus filhos.3 E conversando com todos seus filhos na verdade, 4 Enoque disse: Ouve, meu filho,

toda palavra de teu pai, e escuta com honradez a voz da minha boca; pois eu gostaria de obter tua atenção, enquanto me dirijo a ti. Meu amado, estejas ligado à integridade, e anda nela.5 Não te aproximes da integridade com um coração duplo; nem te associes a homens com mente dupla: mas anda, meu filho, em retidão, a qual te conduzirá em bons caminhos; e seja a verdade a tua companhia.6 Pois eu sei , que opressão existirá e prevalecerá na terra; que no fim grande punição na terra acontecerá; e que haverá uma consumação de toda iniquidade, que será cortada com suas raízes, e toda estrutura que levantou-se passará. Iniquidade, entretanto, será renovada novamente, e consumida na terra. Todo ato de crime, e todo ato de opressão e impiedade serão abraçados uma segunda vez.7 Quando então a iniquidade, pecado, blasfêmia, tirania, e toda má obra, aumentar, e quando transgressão, impiedade, impureza também aumentar, então sobre eles toda grande punição será infligida desde o céu.8 O santo Senhor irá em ira, e sobre eles toda grande punição do céu será infligida.9 O santo Senhor sairá em ira, e com punição, para que possa executar julgamento sobre a terra.10 Naqueles dias opressão será cortada em suas raízes, e iniquidade com fraude será erradicada, perecendo de sob o céu.11 Todo lugar de força será rodeado com seus habitantes; com fogo ele será queimado. 259 Eles serão trazidos de toda 259. “Então o Senhor, da sua parte, fez chover do céu enxofre e fogo sobre Sodoma e

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parte da terra, e serão lançados num julgamento de fogo. Eles perecerão em ira, e por um julgamento dominando-os para sempre. 260

12 Retidão se levantará do descanso; e sabedoria se levantará, e conferida sobre eles.13 Então as raízes da iniquidade serão cortadas; pecadores perecerão pela espada; e blasfemadores serão aniquilados em todos os lugares.14 Aqueles que meditam opressão, e aqueles que blasfemam, pela espada perecerão.15 E agora, meu filho, eu descreverei e mostrarei a ti o caminho da retidão e o caminho da opressão.16 Eu novamente os apontarei para ti, para que possas saber o que está por vir.17 Ouvi agora, meu filho, e anda no caminho da retidão, mas evita aquele da opressão; pois todo o que anda no caminho da iniquidade perecerá para sempre.

Capítulo 91 (eterna luz)

1 Aquilo que foi escrito por Enoque. Ele escreveu toda esta instrução de sabedoria para todo homem de dignidade, e todo juiz da terra; para todos os meus filhos que habitarão sobre a terra, e para subsequentes gerações, conduzindo-se elevada e pacificamente.2 Não deixes que teu espírito seja afligido por causa dos tempos; pois o Gomorra” (Genesis; 19:24).260. “Pois que se derramou a tua lascívia, e se descobriu a tua nudez nas tuas prostituições com os teus amantes; por causa também de todos os ídolos das tuas abominações, e do sangue de teus filhos que lhes deste” (Ezequiel; 16:36).

santo, o Grande, prescreveu um período para tudo.3 Deixem que os homens justos se levantem do sonho, deixe-os levantar, e prossiga no caminho da retidão, em todos os seus caminhos; e deixa-os avançar em bondade e eterna clemência. 4 Misericórdia será mostrada aos homens justos; sobre eles serão conferidos integridade e poder para sempre. Em bondade e retidão eles existirão, andarão em eterna luz; mas pecado perecerá em eterna escuridão, nem será vista daquele tempo em diante eternamente.

Capítulo 92 (os eleitos)

1 Depois disto, Enoque começou a falar sobre um livro.2 E Enoque disse: Concernente aos filhos da retidão, concernente aos eleitos do mundo, e concernente à semente da retidão e integridade.3 Concernente a estas coisas eu falei, e estas coisas e explicarei a ti, meu filho: e que sou Enoque. Em consequência daquilo que me foi mostrado, de minha visão eterna e da voz dos Guardiões e Santos 261 eu tenho adquirido conhecimento; e da mesa do céu eu adquiri entendimento. 4 Enoque então começou a falar de um livro, e disse: Eu nasci o sétimo na primeira semana, enquanto julgamento

261. “Estava vendo isso nas visões da minha cabeça, estando eu na minha cama; e eis que um vigia, um santo, descia do céu. Esta sentença é por decreto dos vigias, e esta ordem por mandado dos santos, a fim de que conheçam os viventes que o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens, e o dá a quem quer, e até ao mais humilde dos homens constitui sobre ele” (Daniel; 4:13 e 17).

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e retidão esperavam com paciência.5 Mas depois de mim, na segunda semana, grande iniquidade se levantou, e fraude espalhou-se.6 Naquela semana o fim do primeiro acontecerá, na qual a humanidade será salva. 262

7 Mas quando o primeiro é completado, iniquidade crescerá; e durante a segunda semana ele executará o decreto (O Dilúvio) sobre os pecadores.8 Depois disso, na terceira semana, durante sua conclusão, o homem (Davi) da planta dos justos julgamentos será selecionada; e depois dele a Planta da retidão virá para sempre. 263

9 Subsequentemente, na quarta semana, durante sua conclusão, a visão dos santos e dos justos será vista, a ordem de geração após geração tomará lugar, uma habitação será feita para eles. Então na quinta semana, durante sua conclusão, a casa da glória e da dominação será erigida para sempre. 10 Depois disso, na sexta semana, todos aqueles que existirem nele serão escurecidos, os corações de todos eles estarão esquecidos da sabedoria, e nele um Homem (Nabucodonosor) se levantará e virá. 264

262. “E há de ser que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo; porque no monte Sião e em Jerusalém haverá livramento, assim como disse o Senhor, e entre os sobreviventes, aqueles que o Senhor chamar” (Joel; 2:32).263. “Eis que vêm dias, diz o SENHOR, em que levantarei a Davi um Renovo justo; e, sendo rei, reinará e agirá sabiamente, e praticará o juízo e a justiça na terra. Naqueles dias e naquele tempo farei brotar a Davi um Renovo de justiça, e ele fará juízo e justiça na terra” (Jeremias 23:5 e 33:15).264. “No ano terceiro do reinado de Jeoiaquim, rei de Judá, veio Nabucodonosor, rei de

11 E durante sua conclusão Ele queimará a casa do domínio com fogo, e toda a raça da raiz eleita será dispersa. 265

12 Depois disso, na sétima semana, uma geração perversa (babilônicos) se levantará; abundantes serão seus feitos, e todos os seus feitos perversos. Durante sua conclusão, os justos serão selecionados dentre a eterna semente da justiça eterna; e a eles será dada a doutrina de sua criação.13 Depois haverá outra semana, a oitava (começo do oitavo Milênio), da retidão, para a qual será dada uma espada para executar julgamento e justiça sobre todos os opressores.14 Os pecadores serão entregues nas mãos dos justos, os quais durante sua conclusão adquirirão habitações para sua retidão; e a casa do grande Rei será estabelecida para celebrações para sempre. Depois disso, na nona semana, o julgamento da retidão será revelado para todo o mundo. 266

15 Toda obra de maldade desaparecerá de toda terra; o mundo será marcado para a destruição; e todos os homens estarão atentos ao caminho da integridade.16 E depois disso, no sétimo dia da décima semana, haverá um eterno julgamento, que será executado sobre Babilônia, a Jerusalém, e a sitiou” (Daniel; 1:1).265. A destruição de Jerusalém (536 A.E.C.) e o desterro daqueles que habitam naquela terra no fim do sexto (e no começo do sétimo) Milênio.266. O segundo templo, construído por Zorobabel em 515 aC, foi profanado por Antíoco Epífanes em 167 A.E.C.) (1Mc 4,59; 2Mc 1,9). Herodes o Grande o restaurou a partir do ano 20 A.E.C., tornando-o uma das construções mais grandiosas do Médio Oriente. Mas foi destruído pelos romanos no ano 70 E.C.

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as Sentinelas; e um eterno céu espaçoso brotará no meio dos anjos.17 O antigo céu se apartará e passará; um novo céu aparecerá; e os poderes celestiais brilharão com esplendor para sempre. Depois, igualmente haverá muitas semanas, que existirão em extrema bondade e retidão.18 O pecado nem será nomeado lá para sempre e sempre.19 Quem haverá lá, de todos os filhos dos homens, capaz de ouvir a voz do Santo sem emoção?20 Quem haverá, capaz de pensar seus próprios pensamentos? Quem será capaz de contemplar toda a obra do céu? Quem, de compreender os feitos do céu?21 Ele poderá ver sua animação, mas não seu espírito. Ele pode ser capaz de conversar a respeito dele, mas não sobre ele. Ele poderá ver todas as fronteiras destas coisas, e meditar sobre elas; mas ele não pode fazer nada iguais a elas.22 Qual, de todos os homens, é capaz de entender a largura e o comprimento da terra?23 Por quem tem sido visto as dimensões de todas estas coisas? Todo homem que é capaz de compreender a extensão do céu; qual é a sua elevação, e pelo que ele é apoiado?24 Quais são os números das estrelas; e onde todas as luminárias ficam no descanso?

Capítulo 93 (a retidão)

1 E agora me deixe exortar-te, meu filho, a amar a retidão e a andar nela; pois os caminhos da retidão são dignos de aceitação; mas os caminhos da

iniquidade repentinamente falharão, e serão diminuídos.2 Aos homens de note em sua geração os caminhos da opressão e morte são revelados; mas eles se mantêm longe dele.3 Agora, também, deixe-me exortar aqueles que são justos, para que não andem nos caminhos do mal e da opressão, nem nos caminhos da morte. Não se aproximem deles, para que não pereças, mas deseja, e escolhei para vós mesmos a retidão, e boa vida.4 Andai nos caminhos da paz, para que sejais encontrados dignos. Retenhais minhas palavras em vossos pensamentos secretos, e não os obliteraste de vossos corações; pois eu sei que os pecadores aconselham os homens a cometer crime astuciosamente. Eles não se encontram em todo lugar, nem todo conselho possui um pouco deles.5 Ai daqueles que constroem iniquidade e opressão, e lançam o fundamento da fraude; pois repentinamente eles são subvertidos, e nunca obtêm paz.6 Ai daqueles que constroem suas casas de crime; pois de suas próprias fundações suas casas serão demolidas, e pela espada eles mesmos cairão. Aqueles, também, que adquirem ouro e prata, justamente e repentinamente perecerão. 7 Ai de ti, que és rico, pois em tua riqueza confiaste; mas sereis removidos de tuas riquezas, porque não te lembraste do Altíssimo nos dias de tua prosperidade.8 Tu tens cometido blasfêmia e iniquidade, e estás destinado ao dia da efusão de sangue, ao dia da escuridão, e ao dia do grande julgamento.9 Isto eu declaro e aponto a ti, que aquele

que te criou te destruirá.10 Quando tu caíres, ele não te mostrará misericórdia; mas teu Criador se regozijará em tua destruição.11 Deixem aqueles, então, que serão retos entre vós naqueles dias, detestem os pecadores, e os mundanos.

Capítulo 94 (pecadores)

1 Oh! Que meus olhos estejam nublados de água, para que eu possa chorar sobre ti, e derramar minhas lágrimas como um rio, e descansar da tristeza do meu coração! 267

2 Quem te permitiu irar e transgredir? Julgamento te surpreenderá , ó pecadores.3 Os justos não temerão os iníquos; porque Deus os trará novamente com seu poder, para que possa vingar-se deles de acordo com seu prazer.4 Ai de vós que estarão tão presos por execrações, para que não possais ser soltos delas; o remédio estando longe de ser removido de ti por causa dos teus pecados. Ai de vós que recompensam vossos vizinhos com o mal; pois sereis recompensados de acordo com vossas obras.5 Ai de vós, falsas testemunhas, vós que provocais e agravais a iniquidade; pois perecereis repentinamente.6 Ai de vós, pecadores, pois rejeitais os justos; pois recebeis ou rejeitareis por prazer aqueles que cometem iniquidade; e seu jugo prevalecerá sobre vós.

Capítulo 95 (O lamento dos pecadores)

267. “O meu rosto está todo avermelhado de chorar, e sobre as minhas pálpebras está a sombra da morte” (Jó; 16:16).

1 Aguardai em esperança, vós justos; pois os pecadores perecerão diante de vós, e exercereis domínio sobre eles, de acordo com vosso prazer.2 No dia dos sofrimentos dos pecadores vossa descendência será alçada, e elevada como águias. Vossos ninhos serão mais exaltados do que os da águia; tu subirás, e entrarás nas cavidades da terra, e fendas das rochas para sempre, como os coelhos, da vista dos mundanos;3 Os quais gemerão sobre vós, e chorarão como as sirenes.4 Tu não temerás aqueles que te aborrecem; pois a restauração será tua; a esplêndida luz brilhará ao redor de ti, e a voz da tranquilidade será ouvida do céu. Ai de vós, pecadores; pois vossa riqueza vos faz assemelhar aos santos, mas vossos corações vos reprovam, sabendo que sois pecadores.Vossas palavras testificarão contra vós, como lembrança do crime.5 Ai de vós que se alimentam sobre a glória do milho, e bebem da força da mais profunda fonte, e no orgulho do seu poder pisam nos humildes.6 Ai de vós que tomam água por deleite; pois repentinamente sereis recompensados, consumidos, e murchareis, porque esquecestes da fundação da vida.7 Ai de vós que agem iniquamente, fraudulosamente, e em blasfêmia; lá haverá uma lembrança contra vós por mal.8 Ai de vós, poderosos, que com poder ferem a justiça, pois o dia de vossa destruição virá; enquanto aquele mesmo tempo muitos e bons dias será a porção dos justos, mesmo no tempo do vosso

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julgamento. 268

Capítulo 96 (oração dos justos)

1 Os justos estão confiantes que os pecadores serão desgraçados, e perecem no dia da iniquidade.2 Vós estareis cônscios dele; pois o Altíssimo vos lembrará de vossa destruição, e os anjos regozijarão sobre ela. O que farão os pecadores? E para onde fugireis no dia do julgamento, quando ouvireis as palavras da oração dos justos?3 Vós não sereis iguais àqueles que a esse respeito testemunham contra vós; vós sois associados a pecadores.4 Naqueles dias as orações dos justos virá diante do Senhor. Quando o dia do vosso julgamento chegará; e toda circunstância de vossa iniquidade será relatada diante do Grande e do Santo.5 Vossas faces se cobrirão de vergonha; enquanto todo feito, fortalecido pelo crime, será rejeitado. 269

6 Ai de vós, pecadores, que no meio do mar, e na terra seca, são aqueles contra quem um mau testemunho existe. Ai de vós que desperdiçam prata e ouro, não obtidos em retidão, e dizem: Somos ricos, possuímos abundância, e temos adquirido tudo o que desejamos.7 Então faremos tudo o que estivermos dispostos a fazer, pois amontoaremos prata; nossos celeiros estarão repletos, e 268. “Comereis a carne dos poderosos e bebereis o sangue dos príncipes da terra; dos carneiros, dos cordeiros, e dos bodes, e dos bezerros, todos cevados de Basã” (Ezequiel; 39:18).269. “Envergonhem-se e confundam-se à uma os que se alegram com o meu mal; vistam-se de vergonha e de confusão os que se engrandecem contra mim” (Salmos; 35:26).

os chefes de nossas famílias serão como água transbordante.8 Como água a falsidade passará; pois tua riqueza não será permanente, mas repentinamente ascenderá de ti, porque toda ela tua a obtiveste iniquamente, e serás entregue à extrema maldição.9 E agora eu te juro, astutos e insensatos; para que tu, frequentemente contemplando a terra, vós que sois homens vos vestis mais elegantemente que as mulheres casadas, e ambos, juntos, muito mais do que as solteiras, em todos os lugares adornando-vos em majestade, em magnificência, em autoridade, e em prata: mas ouro, púrpura, honra, e saúde, riqueza, como a água, fluirá. 270

10 Erudição, portanto, e sabedoria, não serão vossas. Assim eles perecerão, junto com suas riquezas, com toda a sua glória, e com suas honras.11 Enquanto com desgraça, com matança, e em extrema penúria, seus espíritos serão confiados à fornalha de fogo. 271

12 Eu jurei a vós, pecadores, que nem montanha, nem colina foram ou serão serviçais da mulher.13 Nem dessa maneira o crime foi enviado a vós sobre a terra, mas os homens de sua própria cabeça o inventaram; e aqueles que a ele deram eficiência, serão grandemente execrados.14 Gravidez não será previamente infligida à mulher; mas por causa das obras de suas mãos, elas morrerão sem

270. “Ai dos que são sábios a seus próprios olhos, e prudentes diante de si mesmos!” (Isaías; 5:21).271. “E qualquer que não se prostrar e não a adorar, será na mesma hora lançado dentro da fornalha de fogo ardente” (Daniel 3:6).

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filhos.15 Eu jurei a vós, pecadores, pelo Santo e pelo Grande, que todas as vossas más obras serão divulgados nos céus; e que nenhum de vossos atos opressivos serão escondidos e secretos.16 Não penseis em vossas mentes, nem digais em vossos corações, que todo crime não é manifestado e visto. No céu ele é diariamente escrito diante do Altíssimo. De agora em diante ele será manifestado; pois todo ato de opressão que vós cometerdes será diariamente registrado, até o momento da vossa condenação. 272

17 Ai de vós, ingênuos, pois perecereis na vossa simplicidade. Ao sábio não ouvireis, e aquilo que é bom, não obtereis.18 Agora, portanto, saibais que estais destinados ao dia da destruição; nem a esperança daqueles pecadores, viverá; mas com o passar do tempo morrereis; pois não sereis marcados para a redenção;19 Mas são destinados para o dia do grande julgamento, para o dia de aflição, e a extrema ignomínia de vossas almas.20 Ai de vós, obstinados de coração, que cometeis crimes, e vos alimentais de sangue. De onde é que vos alimenteis de coisas boas, bebeis e estais satisfeitos? Não é porque nosso Senhor, o Altíssimo, tem suprido abundantemente toda boa coisa sobre a terra? A vós lá não haverá paz.21 Ai de vós que amam os atos de

272. “O ímpio escarnece do juízo, e a boca dos perversos devora a iniquidade. Preparados estão os juízos para os escarnecedores, e os açoites para as costas dos tolos” (Provérbios; 19:28-29).

iniquidade. Por que esperais por aquilo que é bom? Sabei que sereis entregues nas mãos dos justos; os quais cortarão vossos pescoços, vos matarão, e não vos mostrarão compaixão.22 Ai de vós que vos regozijais no sofrimento dos íntegros; pois uma sepultura não será cavada para vós.23 Ai de vós que frustrais a palavra dos justos; pois para vós não haverá esperança de vida.24 Ai de vós que escreveis palavra de falsidade, e palavra de iniquidade; pois vossas falsidades eles lembrarão, para que eles possam ouvir e não esquecer.25 A eles não haverá paz; mas eles por certo morrerão repentinamente.

Capítulo 97 (ira do senhor)

1 Ai daqueles que agem impiamente, que louvam e honram a palavra de falsidade. Vós tendes sucumbido na perdição; e nunca tendes levado uma vida virtuosa.2 Ai de vós que mudado as palavras de integridade. Eles transgridem contra o eterno decreto 273;3 E fazem com que as cabeças daqueles que não são pecadores sejam pisadas sobre a terra.4 Naqueles dias vós, justos, terão sido julgados dignos de ter vossas orações elevadas em lembrança; e as depositarão em testemunho diante dos anjos, para que eles possam registrar os pecados dos pecadores na presença do Altíssimo. 274

273. “Então disse o Senhor a Moisés: Até quando recusareis guardar os meus mandamentos e as minhas leis?” (Gênesis; 16:28).274. “E eis que vós, uma geração de homens pecadores, vos levantastes em lugar de vossos

5 Naqueles dias as nações estarão subvertidas; mas as famílias das nações se levantarão novamente no dia da perdição.6 Naqueles dias aquelas que estiverem grávidas sairão, levarão seus filhos, e os abandonarão. Seus filhos fugirão delas, e enquanto amamentam-nos eles as esquecerão; eles nunca retornarão a elas, e elas nunca instruirão seus bem amados.7 Novamente eu juro a vós, pecadores, que crimes têm sido preparados para o dia de sangue, que nunca cessam.8 Eles adorarão às pedras, e ao ouro gravado, à prata, e às imagens de madeira. Eles adorarão espíritos impuros, demônios, e todo ídolo, nos templos; mas nenhuma ajuda será obtida por eles. Seus corações se tornarão ímpios por causa de sua loucura, e seus olhos estarão cegos com superstição mental. 275 Em seus sonhos visionários eles serão ímpios e supersticiosos, mentindo em todas as suas ações, e adorando uma pedra. Eles perecerão completamente.9 Mas naqueles dias eles serão abençoados, a quem a palavra de sabedoria é entregue; o qual aponta e procura o caminho do Altíssimo; o qual anda no caminho da retidão, e não age impiamente com os ímpios.10 Eles serão salvos.11 Ai de vós que expandem o crime de vossos vizinhos; pois no inferno sereis mortos.

pais, para ainda mais aumentardes o furor da ira do Senhor contra Israel” (Números; 32:14).275. “As minhas chagas se tornam fétidas e purulentas, por causa da minha loucura” (Salmos; 38:5).

12 Ai de vós que lançam a fundação do pecado e enganam, e sois amargos na terra; pois nela sereis consumidos.13 Ai de vós que constroem casas pelo labor dos outros, cada parte da qual é construída com tijolos e com a pedra do crime; Eu digo-vos que não obtereis paz.14 Ai de vós que desprezais a prorrogação da eterna herança de vossos pais, enquanto vossas alvas seguem atrás dos ídolos; pois para vós não haverá tranquilidade.15 Ai daqueles que cometem iniquidade, e dá ajuda à blasfêmia; que matam seus vizinhos até o dia do grande julgamento; pois vossa glória cairá; malevolência Ele colocará em vossos corações, e o espírito de ira vos incitará; para que cada um de vós pereça pela espada16 Então os justos e os santos relembrarão vossos crimes.

Capítulo 98 (a matança)

1 Naqueles dias os pais serão derrubados com seus filhos na presença uns dos outros; e os irmãos com seus irmãos cairão mortos: até que um rio fluirá de seu sangue.2 Pois um homem não conterá sua mão de seu filho, nem dos filhos dos seus filhos; sua misericórdia estará em matá-los.3 O pecador não conterá sua mão de seu irmão honrado. Desde o nascer do dia até o por do sol a matança continuará. O cavalo caminhará com dificuldade até à altura do seu peito, e a carruagem afundará até seu eixo no sangue dos pecadores.

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Capítulo 99 (fogo ardente)

1 Naqueles dias os anjos descerão aos lugares de esconderijo, e reunirão em um lugar todos os que tem ajudado no crime.2 Naquele dia o Altíssimo se levantará para executar o grande julgamento sobre todos os pecadores, e para confiar a guarda de todos os justos e santos aos santos anjos, para que eles nos protejam como à menina do olho, até que todo mal e todo crime seja aniquilado.3 Se os justos dormirem em segurança, ou não , homens sáb ios en tão verdadeiramente perceberão.4 E os filhos da terra entenderão toda palavra daquele livro, sabendo que suas riquezas não podem salvá-los da ruína de seus crimes.5 Ai de vós, pecadores, quando sereis afligidos por causa dos justos naquele dia da grande tribulação; sereis queimados no fogo; e recompensados de acordo com vossas obras.6 Ai de vós, perversos de coração, que estais cuidando para obter um acurado conhecimento do mal, e para descobrir terrores. Ninguém vos ajudará.7 Ai de vós, pecadores; pois com as palavras de vossas bocas, e com a obra de vossas mãos, tendes agido impiamente; na chama de um fogo ardente sereis queimados.8 E agora sabei, que os anjos no céu inquirirão pela vossa conduta; do céu, da lua, e das estrelas, e eles inquirirão a respeito dos vossos pecados; pois sobre a terra vós exercitareis jurisdição sobre os justos.9 Cada nuvem prestará testemunho contra vós, a neve, o orvalho, e a chuva;

pois todos eles vos serão negados, para que não desçam sobre vós, nem se tornem subservientes aos vossos crimes.10 Agora então trazei presentes de saudação à chuva; para que, não sendo retida, ela possa descer sobre vós; e ao orvalho, se ele tiver recebido de vós ouro e prata. Mas quando a geada, a neve, o frio, todo vento nevado, e cada sofrimento que pertence a eles, cair sobre vós, naqueles dias sereis totalmente incapazes de permanecer diante deles.

Capítulo 100 (as janelas)

1 Considerai atentamente o céu, todos vós progênie do céu, e todas as obras do Altíssimo; temei-o, e não vos conduzais pecaminosamente diante d’Ele.2 Se Ele fechar as janelas do céu, retendo a chuva e o orvalho, para que não desçam sobre a terra por causa de vós, o que fareis?3 E se Ele enviar ira sobre vós, e sobre todas as vossas obras, não sereis vós que podeis suplicar-lhe; vós que pronunciastes contra sua retidão, linguagem orgulhosa e potente. Para vós não haverá paz.4 Vós não vedes os comandantes dos navios, como seus barcos são arremessados contra as ondas, tornados em pedaços pelos ventos, e expostos aos maiores perigos?5 Que eles, portanto tremam, porque toda sua propriedade está embarcada com eles no oceano; e que eles reprimam o mal em seus corações, porque ele pode engoli-los, e eles podem perecer nele? 6 Não é todo o mar, todas as suas águas e todo a sua comoção, obra d’Ele, o

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Altíssimo; d’Ele que selou todas as suas extensões, e cingiu-o em todo lado com areia?7 À sua reprovação, não é ele secado, e alarmado; enquanto todos os seus peixes com tudo o que está contido nele morre? E vós, pecadores, que estão sobre a terra, não O temerão? Não é Ele o criador do céu e da terra, e de todas as coisas que neles estão? 276

8 E quem deu erudição e sabedoria a tudo o que se move e progride sobre a terra, e sob o mar?9 Não ficam os comandantes do navio aterrorizados no oceano? E não ficarão aterrorizados os pecadores diante do Altíssimo?

Capítulo 101 (não tem)

Capítulo 102 (os mandamentos)

1 Naqueles dias, quando Ele lançar a calamidade do fogo sobre vós, para onde fugireis, e onde estareis a salvo?2 E quando Ele enviar sua palavra contra vós, não sereis poupados, e aterrorizados?3 Todas as luminárias estão agitadas com grande temor; e toda a terra é poupada, enquanto elas tremem, e sofrem ansiedade.4 Todos os an jos cumprem os mandamentos que receberam d’Ele, e estão desejosos de se esconder da presença da Sua grande glória; enquanto as crianças da terra estão alarmadas e

276. “Então temerão o nome do SENHOR desde o poente, e a sua glória desde o nascente do sol; vindo o inimigo como uma corrente de águas, o Espírito do SENHOR arvorará contra ele a sua bandeira” (Isaías; 59:19).

angustiadas.5 Mas vós , pecado re s , s e r e i s amaldiçoados para sempre; para vós não haverá paz.6 Não temais, alma dos justos; mas esperai com paciência pelo dia vossa morte em retidão. Não vos aflijais porque vossas almas descem em grande sofrimento, com gemido, lamentação, tristeza, para o receptáculo dos mortos. No tempo da vossa vida vossos corpos não receberam a recompensa na proporção da vossa bondade, mas no período da vossa existência os pecadores existiram; no período da execração e da punição.7 E quando tu morreres, os pecadores dirão com respeito a ti: Como nós morremos, os justos morrem. Que proveito tem em suas obras? Eis que, igual a nós, eles expiram em tristeza e em escuridão. Que vantagem eles têm sobre nós? De hoje em diante nós somos iguais. 277

8 O que haverá dentro do seu alcance, e diante de seus olhos para sempre? Pois eis que eles estão mortos; e nunca verão a luz novamente. Eu vos digo pecadores: Vós tendes estado satisfeitos com carne e bebida, com pilhagem humana e rapina, com pecado, com aquisição de riqueza e com a visão de bons dias. 9 Não tendes observado os justos, como o seu fim é em paz? Pois nenhuma opressão é encontrada neles, mesmo no dia da sua morte. Eles perecem, como 277. “Tudo sucede igualmente a todos; o mesmo sucede ao justo e ao ímpio, ao bom e ao puro, como ao impuro; assim ao que sacrifica como ao que não sacrifica; assim ao bom como ao pecador; ao que jura como ao que teme o juramento” (Eclesiastes; 9:2).

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se não existissem, enquanto suas almas descem em tristeza ao receptáculo dos mortos. 278

Capítulo 103 (compensação dos justos)

1 Mas agora Eu juro vós, justos, pela grandeza de seu esplendor e de sua glória; por seu ilustre reino e por sua majestade, a vós Eu juro, que eu compreendo este mistério; que Eu leio a tábua do céu, tenho visto o registro dos santos, e tenho descoberto o que está escrito e impresso concernente a vós. 279

278. “Assim, concluía-se que, por trás de cada desgraça, coletiva ou individual, havia o pecado que estava sendo reparado “E depois de tudo o que nos tem sucedido por causa das nossas más obras, e da nossa grande culpa, ainda assim tu, ó nosso Deus, nos tens castigado menos do que merecem as nossas iniquidades, e ainda nos deixaste este remanescente.” (Esdras; 9:13). Os pensamentos sobre espiritualidade não estão presentes nos textos postos do pensamento judaico, que compreende a Torá e os profetas. Porém, estão expressos de forma sutil (pressuposto) nos estudos posteriores da filosofia Talmúdica, Cabalista (Zohariana) e nos místicos judeus. A esperança da ressurreição surge no Judaísmo tardiamente, no pós-exílio Babilônico, em que muitos justos morriam e eram perseguidos sem nenhuma retribuição ou recompensa temporal (Dn 12:2s; 2Mc 7:9-23; 12:44s; 14:46). No pensamento judaico, encontramos essa ideia (ressurreição) sendo semeada nas entrelinhas pelos profetas apocalípticos, quando se começou a questionar a Teologia da Retribuição” (Marques e Coutinho. Compêndio de Religiões e Espiritualidades, Verbetes: Bíblia e Espiritualidade; Teologia da Retribuição). 279. “O Mistério, conservando sempre a estrutura agrícola primitiva, já não se referia à fecundidade da gleba e ao bem-estar da comunidade, mas ao destino espiritual da cada myste individualmente. Os analistas recentes 'inovavam' no sentido em que liam nos ritos

2 Eu tenho visto que toda bondade, alegria e glória têm sido preparada para vós, e tem sido escrito pelos espíritos daqueles que morrem eminentemente justos e bons. A vós será dado em retorno pelas vossas aflições; e vossa porção de alegria excederá em muito a porção dos vivos.3 Os espíritos dos que morreram em retidão existirão e se regozijarão. Vossos espíritos exultarão; e vossa lembrança estará diante da face do Poderoso de geração em geração. Eles então não temerão a desgraça.4 Ai de vós, pecadores, quando morrerdes em vossos pecados; e aqueles, que são iguais a vós, dirão com respeito a vós: Abençoados são estes pecadores. Eles viveram todo o seu período; e agora morrem em alegria e em abundância. Angústia e matança eles não conheceram enquanto viviam; em honra eles morrem; nunca em sua vida o julgamento os surpreendeu.5 Mas, não tem sido mostrado a eles que, quando suas almas descerem ao receptáculo dos mortos, suas más obras se tornarão seu grande tormento? Em escuridão, em armadilha, e em chama, que queimará até o grande julgamento, seus espíritos entrarão; e o grande julgamento tomará efeito para sempre e sempre.6 Ai de vós; pois para vós não haverá paz. Nem podereis dizer aos justos e aos bons que vivem: Nos dias da nossa aflição nós fomos afligidos; todo tipo de tristeza nós antigos as suas próprias situações espirituais, interdependentes das profundas crises do seu tempo” (Eliade, M. Ritos de Iniciação e sociedades Secretas, p. 179).

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vimos, e muitas coisas más nós temos sofrido.7 Nossos espíritos têm sido consumidos e diminuídos.8 Nós temos perecido; nem tem havido uma possibilidade de ajuda para nós em palavra ou em obra; nós: não temos encontrado, mas temos sido atormentados e destruídos.9 Nós não temos esperado viver dia após dia.10 Nós esperamos certamente, ter sido a cabeça;11 Mas temos nos tornado a cauda. Nós temos sido afligidos, quando temos nos esforçados; mas temos sido devorados pelos pecadores e mundanos; seu jugo tem sido pesado sobre nós.12 Eles tem exercido domínio sobre nós, a quem eles detestam, e nos aferroam; e aqueles que nos odeiam têm humilhado nosso pescoço; e eles não têm mostrado compaixão para conosco.13 Nós temos desejado escapar deles, para que possamos fugir e descansar; mas não temos encontrado lugar para onde possamos fugir, e estar seguros deles. Nós temos procurado um abrigo com os príncipes em nossa angústia, e temos clamado àqueles que estão nos devorando; mas nosso clamor não tem sido considerado, nem estão eles dispostos a ouvir nossa voz;14 Mas antes, eles ajudam aqueles que saqueiam e nos devoram; aqueles que nos diminuem, e escondem sua opressão; os quais removem seu jugo de sobre nós, mas devoram, nos enfraquecem e nos

matam; os quais escondem a matança, e não lembram que tem levantado suas mãos contra nós.

Capítulo 104 (alegria futura)

1 Eu juro a vós, justos, que no céu os anjos registram vossa bondade diante da glória do Poderoso.2 Esperai com paciente e esperança; pois antigamente fostes desgraçados com o mal e com aflição; mas agora brilhareis como as luminárias do céu. Vós sereis vistos, e os portões do céu estarão abertos para vós. Vossos clamores têm clamado por julgamento; e ele tem aparecido a vós; pois um registro de vossos sofrimentos será requerido dos príncipes, e de todos os que tem ajudado vossos saqueadores.3 Esperai com paciente e esperança; não renuncieis de vossa confiança; pois grande alegria será a vossa; como aquela dos anjos no céu. Conduze-vos como podeis, still não estareis escondidos no dia do grande julgamento. Não sereis como os pecadores; e a eterna condenação estará longe de vós, enquanto o mundo existir.4 Então não temais, justos, quando virdes os pecadores florescendo e prósperos em seus caminhos.5 Não vos associeis a eles; mas mantende-vos distante de sua opressão; estejais associados às hostes do céu. Vós, pecadores, dizeis: Todas as nossas transgressões não serão tomadas em conta, e recordadas. Mas todas as vossas transgressões serão recordadas diariamente.6 E está assegurado por mim, que luz

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e escuridão, dia e noite, verão todas as vossas transgressões. Não sejais ímpios em nossos pensamentos; não mintais; não rendei a palavra de honestidade; não mintais contra a palavra do Santo e Poderoso; não glorificai vossos ídolos; pois todas as vossas mentiras e toda vossa impiedade não é para retidão, mas para crime.7 Agora eu aponto um mistério: Muitos pecadores se voltarão e transgredirão contra a palavra de honestidade.8 Eles falarão coisas más; eles pronunciarão fa l s idade; executarão grandes empreendimentos280; e comporão livros em suas próprias palavras. Mas quando eles escreverem todas as minhas palavras corretamente em suas próprias linguagens. 9 Eles não os mudarão ou os diminuirão; mas os escreverão todos corretamente; tudo o que desde o princípio eu tenho pronunciado concernente a eles.10 Outro mistério também eu aponto. Aos justos e aos sábios haverá livros de alegria de integridade e de grande sabedoria. A eles livros serão dados, nos quais eles acreditarão.11 E nos quais eles se regozijarão. E todos os justos serão recompensados, os quais deles adquirirão conhecimento de todo caminho elevado.

Capítulo 105 (filhos da terra)

280. “E toda a obra que empreendeu no serviço da casa de Deus, e de acordo com a lei e os mandamentos, para buscar o seu Deus, ele a fez de todo o seu coração e foi bem-sucedido”. (2 Crônicas; 31:21).

1 Naqueles dias, diz o Senhor, eles chamarão aos filhos da terra, e os farão ouvir a sua sabedoria, lhes mostrarão que eles são seus líderes;2 E que remuneração tomará lugar sobre toda a terra; pois Eu e meu Filho para sempre manteremos comunhão com eles nos caminhos da retidão, enquanto eles estiverem em vida. A paz será deles. Regozijai, filhos da integridade, em verdade.

Capítulo 106 (o iluminado)

1 Depois de um tempo, meu filho Matusalém tomou uma esposa para seu filho Lameque.2 Ela ficou grávida dele, e deu um filho, a carne do qual era tão branca quanto a neve, e vermelho como uma rosa; o cabelo de sua cabeça era branco como o algodão, e longo; e cujos olhos eram belos. Quando ele os abriu, ele iluminou toda a casa, como o sol; toda a casa abundou de luz. 281

3 E quando ele foi tirado da mão da parteira, Lameque seu pai ficou com medo dele; e correndo veio ao seu próprio 281. “Na concepção primitiva, uma nova era começa não só com cada novo reinado, mas também com a consumação de cada casamento, com o nascimento de uma criança, e assim por diante. Porque, o Cosmo e o homem são incessantemente regenerados, e por todos os tipos de meios, com o passado sendo destruído e os males e pecados eliminados, etc. Embora diferentes em suas fórmulas, todos esses instrumentos de regeneração tendem a caminhar para um mesmo propósito: anular o tempo passado, abolir a história por meio de um contínuo retorno in illo tempore, pela repetição do ato cosmogônico” Eliade, M. Mito do Eterno Retorno, p. 80).

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pai Matusalém e disse: Eu gerei um filho, diferente dos outros filhos. Ele não é humano; mas, assemelhando-se à geração dos anjos do céu, é de uma natureza diferente dos nossos, sendo completamente diferente de nós.4 Seus olhos são brilhantes como os raios do sol; seu semblante é glorioso, e ele parece como se não pertencesse a mim, mas aos anjos.5 Eu estou temeroso de que algo miraculoso deva acontecer na terra nestes dias.6 E agora meu pai, deixa-me pedir e requerer de ti ir ao nosso progenitor Enoque, e aprender dele a verdade; pois sua residência é com os anjos.7 Quando Matusalém ouviu as palavras de seu filho, e veio a mim nas extremidades da terra; pois ele estava informado de que eu estava lá: e ele chorou.8 Eu ouvi sua voz, e fui a ele dizendo: Vede, eu estou aqui, meu filho; já que tu vieste a mim.9 Ele respondeu e disse: Por causa de um grande evento eu venho a ti; e por causa de uma visão difícil de ser compreendida eu me aproximei de ti.10 E agora, meu pai, ouví-me; pois ao meu filho Lameque um filho nasceu, o qual não se parece com ele; e cuja natureza não é igual à natureza do homem. Sua cor é mais branca que a neve; ele é mais vermelho que a rosa; o cabelo de sua cabeça é mais branco que a lã; seus olhos são iguais aos raios do Sol; e quando ele abriu-os ele iluminou toda a casa. 282

282. O albinismo é uma condição de natureza genética em que há um defeito na produção pelo organismo de melanina. Este defeito

11 Quando ele foi tomado ma mão da parteira, seu pai Lameque temeu, e fugiu para mim, não acreditando que a criança pertencesse a ele, mas que ele se assemelha aos anjos do céu. E eis que eu vim a ti para que possas me apontar a verdade.12 Então eu, Enoque, respondi e disse: O Senhor efetuará uma nova coisa sobre a terra. Isto eu tenho explicado, e visto numa visão. Eu tenho mostrado a ti que nas gerações de Jared meu pai, aqueles que estavam no céu desconsideraram a palavra do Senhor. Eis que eles cometeram crimes; deixaram de lado sua classe, e misturaram-se com mulheres. Com elas também eles transgrediram; casaram-se com elas e geraram filhos. 283

13 Uma grande destruição, portanto virá sobre toda a terra; um dilúvio, uma grande destruição, tomará lugar em um ano.

é a ausência congênita, total ou parcial, de pigmentação dos olhos, da pele e dos pelos. Também aparecem equivalentes do albinismo nos vegetais, em que faltam alguns compostos corantes, como o caroteno. É uma condição hereditária que aparece com a combinação de genes que são recessivos nos pais. O albinismo completo se apresenta quando a carência da substância corante se percebe na pele, no cabelo e nos olhos, sendo conhecido como albinismo osculo-cutâneo ou tiroxinase-negativo. Estes indivíduos apresentam a pele e os pelos de cores brancas, e os olhos de tom rosado. Sofre de transtornos visuais, fotofobia, movimento involuntário dos olhos (nistagmus) ou estrabismo e, em casos mais severos, podem chegar à cegueira. A exposição ao sol não produz o bronzeamento, além de causar queimaduras de graus variados.283. “Buscai no livro do Senhor, e lede: nenhuma destas criaturas faltará, nenhuma será privada do seu companheiro; porque é a boca dele que o ordenou, e é o seu espírito que os ajuntou” (Isaías; 34:16).

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14 Esta criança que nasceu ao teu filho sobreviverá na terra, e seus três filhos serão salvos com ele. Enquanto toda a humanidade que está na terra morrerá, ele estará a salvo.15 E sua posteridade procriará na terra os gigantes, não espirituais, mas carnais. Sobre a terra uma grande punição será infligida, e ela será lavada de toda corrupção. Agora, portanto, informa ao teu filho Lameque que aquele que é nascido é seu filho na verdade; e seu nome será chamado Noé, pois ele será um sobrevivente. 16 Ele e seus filhos serão salvos da corrupção que tomará lugar no mundo; de todo o pecado e de toda a iniquidade que consumirá a terra em seus dias. Depois disso haverá uma impiedade maior do que aquela que antes havia se consumado na terra; pois eu estou familiarizado com santos mistérios, que o próprio Senhor descobriu e explicou a mim; e os quais eu li nas tábuas do céu.17 Nelas eu vi escrito, que geração após geração transgredirá, até que, até que uma raça de justo se levantará; até que transgressão e crime desapareçam da face da terra; até que toda bondade venha sobre ela.18 E agora, meu filho, vai dizer ao teu filho Lameque; que a criança que é nascida é na verdade seu filho; e que não há decepção.19 Quando Matusalém ouviu as palavras de seu pai Enoque, o que lhe havia mostrado toda coisa secreta, ele retornou com entendimento, e chamou o nome da criança Noé; porque ele consolou a terra

por causa de toda sua destruição.20 Outro livro, que Enoque escreveu para seu filho Matusalém, e para aqueles que deviam vir depois dele, e preservar sua pureza de conduta nos últimos dias. Tu, que tens trabalhado, esperará naqueles dias, até que os que praticam o mal sejam consumidos, e o poder do culpado seja aniquilado. Espera, até que passe o pecado; pois seus nomes serão apagados dos livros santos 284; sua semente seja destruída, e seus espíritos mortos. 21 Eles clamarão e lamentarão na vastidão invisível, e no fogo sem fundo eles queimarão.285 Ali eu percebi, como se fosse uma nuvem através da qual não se podia ver; pois das profundezas dela eu fui incapaz de olhar para cima. Eu vi também uma chama de fogo ardente brilhante, e como se fossem montanhas brilhantes passando ao redor, e agitadas de lado a lado.22 Então eu inquiri de um santo anjo que estava comigo e disse: o que é esse esplêndido objeto? Pois não é céu, mas só uma chama de fogo que queima; e nela há o clamor de exclamação, de ai, e de grande sofrimento.23 Ele disse: Ali, àquele lugar que tu viste, serão confiados os espíritos dos pecadores e blasfemadores; daqueles que praticam o mal, e perverterão tudo o que Deus disse 284. “O que faz sair o carro e o cavalo, o exército e a força; eles juntamente se deitam, e jamais se levantarão; estão extintos, apagados como uma torcida” (Isaías; 43:17).285. “E queimarão as tuas casas a fogo, e executarão juízos contra ti, à vista de muitas mulheres; e te farei cessar de ser meretriz, e paga não darás mais”. (Ezequiel; 16:41).

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pela boca dos profetas 286; tudo o que eles deviam fazer. 24 Pois com respeito a estas coisas ali haverá registros e serão impressos no céu, pára que os anjos possam lê-las e saber o que acontecerá aos pecadores e aos espíritos dos humildes; àqueles que sofreram em seus corpos, mas têm sido recompensados por Deus; os quais têm sido injuriosamente tratados pelos homens iníquos; os quais têm amado a Deus, que não tem acumulado nem ouro nem prata, nem qualquer coisa no mundo, mas deram seus corpos ao tormento;25 A estes que no período de seu nascimento não tem estado cobiçosos de riquezas terrenas; mas tem se resguardado como um alento que passa.26 Tal tem sido sua conduta; em muito o Senhor os tem provado; e seus espíritos têm sido encontrados puros, para que eles possam abençoar Seu nome. Todas as suas bênçãos eu tenho relatado num livro; e Ele os tem recompensado; pois eles têm sido encontrados a amar o céu com uma eterna aspiração. Deus tem dito: Enquanto eles têm sido pisados por homens iníquos, eles têm ouvido deles insultos e blasfêmias; e tem sido ignominiosamente tratados, enquanto eles me abençoam. 27 E agora eu chamarei os espíritos do bem da geração da luz, e mudarei aqueles que nasceram em escuridão; os quais não tem tido seus corpos recompensados em glória, como sua fé possa ter merecido.286. “O profeta é a sentinela de Efraim, o povo do meu Deus; contudo um laço de caçador de aves se acha em todos os seus caminhos, e inimizade na casa do seu Deus”. (Oséias; 9:8).

28 Eu os trarei para a esplêndida luz daqueles que amam meu santo nome: e Eu colocarei cada um deles em um trono de glória, da glória peculiarmente sua, e eles descansarão durante períodos inumeráveis. Retos são os julgamentos de Deus;29 Pois ao fiel ele dará fé nas habitações dos justos. Eles verão aqueles que têm nascido na escuridão, para a escuridão serão lançados; enquanto que os justos descansarão. Os pecadores clamarão, vendo-os, enquanto eles existem em esplendor e prosseguem em direção dos dias e períodos a eles prescritos. “Quem é sábio, para que entenda estas coisas? Prudente, para que as saiba? Porque os caminhos do Senhor são retos, e os justos andarão neles; mas os transgressores neles cairão” (Oséias; 14:9).

14. observações sobre a Carta a Diogneto

1. Quem foi Diogneto

Um pagão culto, desejoso de conhecer melhor a nova religião que se espalhava pelas províncias do império romano, impressionado pela maneira como os cristãos desprezavam

o mundo, a morte e os deuses pagãos, pelo amor com que se amavam, queria saber: que Deus era aquele em que confiavam e que gênero de culto lhe prestavam; de onde vinha aquela raça nova e por que razões apareceram na história tão tarde.287

Foi para responde a estas e outras questões de igual importância que nasceu esta “jóia da literatura cristã primitiva”, o escrito que conhecemos como a Carta a Diogneto. Respondendo às questões propostas por interlocutor, o texto se revela, simultaneamente, como crítica do paganismo e do judaísmo e defesa da superioridade do cristianismo. Tudo isso num estilo aprimorado, elegante, de maestria no manejo dos elementos retóricos. Infelizmente, permanecem muitas dúvidas em torno deste texto-documento. Elementos importantes que ajudam a determinar e caracterizar uma obra, tais como, autor, data e local da composição, destinatário e a própria integridade do manuscrito ficam na sombra. Nem mesmo o título é seguro. Alguns julgam que seja um discurso ou uma apologia, menos uma carta. Devido à indefinição do autor e da data de composição, alguns a colocam entre os Padres apostólicos, outros, entre os apologistas. De qualquer maneira, trata-se de um documento de primeira grandeza sobre a vida cristã primitiva que merece ser colocado entre as obras mais brilhantes da literatura cristã.

O Manuscrito Este texto nunca foi mencionado na antiguidade ou na Idade 287. Frangiotti, R. Coleção Patrística Vol. II, Padres Apologistas. Ed. Paulus.

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Média. Permaneceu longos séculos em silêncio, ignorado. Encontrado, casualmente, por Tomás de Arezzo, em Constantinopla, em 1436, junto a um punhado de manuscritos contendo 22 títulos de textos apologéticos. Cinco deles estavam catalogados sob o nome de Justino. Junto com o Discurso aos gregos, atribuído a Justino, estava outro manuscrito com os dizeres: “Do mesmo... a Diogneto”. Não se encontrou, até agora, nenhuma outra versão deste documento. Este manuscrito grego, único, percorreu a partir de sua descoberta, longo caminho até se alojar na Biblioteca municipal de Estrarsburgo. Mas não teve sorte muito brilhante. Em 1592, Henricus Stephanus o editou com o nome de Carta a Diogneto. Por esta época, foram feitas algumas cópias para outras bibliotecas, o que salvou texto. De fato, um incêndio provocado pela artilharia, na guerra franco-prussiana, em agosto de 1870, destruiu a Biblioteca e seu acervo.

Autor Quem é, afinal, o autor deste discurso ou apologia? Após séculos de discussões, permanece, ainda hoje, grande incógnita. Há, pelo menos, um consenso entre os especialistas: não é obra de Justino mártir. Já no século XVII, Tillemont negava esta autoria, atribuindo-a a um dos apóstolos. A partir daí, as hipóteses se multiplicaram: para uns, seria obra de Apoio, discípulo de Paulo ou de Clemente Romano, para outros, de Aristides ou de Hipólito de Roma. Há os que pensam que este escrito é uma falsificação, uma ficção literária produzida nos séculos XII ou XIII ou mesmo invenção de seu editor, Henrique Stephanus, do século XVI. Na verdade, por razões de divergências de estilo entre os escritos, em razões da argumentação de fundo, de opiniões preferidas, há palpáveis diferenças entre este discurso e os escritos dos autores propostos. Em 1938, P. A. Casamassa concluía que “o autor da Carta a Diogneto é e continua até agora desconhecido. Das tentativas que se fizeram para identificá-lo com algum escritor do século II, algumas são, certamente. errôneas, por apoiar-se em motivos falsos, por exemplo, as de Bunsen e Dräseke, que veem na carta reflexos do gnosticismo; outras não passam de hipóteses mais ou menos sedutoras”. Foi a partir de 1946 quando Paul Andriessen publicou sua tese de que “a Carta ou Discurso a Diogneto não é outra coisa que a apologia que Quadrato apresentou no imperador Adriano e dada por perdida” que surgiu nova polêmica. As provas com as quais Andriessen tenta sustentar sua

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tese podem ser resumidas no que segue: a) a obra data, indubitavelmente, dos século II ou III. Vários autores destes séculos podem ser eliminados, como Aristides, Justino, por razões de estilo, linha de pensamento que se diferenciam demasiado da Carta a Diogneto. Após examinar cada um dos escritores restantes, não nos resta senão Quadrato. Embora a Apologia de Quadrato tenha-se perdido, Eusébio de Cesaréia conservou um fragmento no qual se percebe que seu autor é dos primeiros tempos do cristianismo. Segundo a tradição dos pesquisadores, Quadrato foi de fato, um dos primeiras apologistas. Eusébio, na História Eclesiástica IV, 1-2, nos relata que: “Trajano tendo exercido o poder durante vinte anos inteiros menos seis meses, Hélio Adriano recebeu a sucessão do poder. E a este último que Quadrato remeteu um discurso que lhe havia endereçado: ele tinha composto esta apologia em favor de nossa religião porque alguns homens maus se empenhavam em perturbar os nossos Encontra-se ainda agora este livro entre muitos de nossos irmãos e também conosco. É possível ver nele provas brilhantes da inteligência do autor e de sua exatidão apostólica de doutrina. O autor revela sua antiguidade por aquilo que narra com estas palavras (...).” b) Em Diogneto, há uma lacuna entre os §§ 6-7 do capítulo 7, na qual se encaixaria perfeitamente o fragmento da Apologia, porquanto a matéria do fragmento contém o assunto que deveria ser tratado na parte perdida de Diogneto 7,7. Por uma análise detalhada, Andriessen mostra como o estilo do fragmento da Apologia de Quadrara é consoante ao do Discurso a Diogneto. “Por outra parte, o que sabemos de Quadrato por Eusébio, Jerônimo, Fócio, pelo martirológio de Beda e pela carta apócrifa de S. Tiago, dirigidos ele, concorda com o conteúdo da carta a Diogneto. A impressão que se tira acerca do autor da leitura da carta coincide com o que sabemos do apologista Quadrato pela tradição, ou seja: que foi discípulo dos apóstolos. que escreveu em estilo clássico e que não somente lutou contra o paganismo, mas também contra o judaísmo” (J. Quasten, Patrologia I, BAC, 1968, p. 246).

Quem foram os escritores eclesiásticos nos tempos de Adriano.

1. Entre estes se destacava Hegesipo. Dele já utilizamos anteriormente numerosas citações, com o fim de estabelecer, tomando de sua tradição, alguns fatos dos tempos dos apóstolos.

2. Efetivamente, em cinco livros comentou a tradição limpa de erro

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da pregação apostólica, com um estilo muito simples. O tempo em que se deu a conhecer é indicado por ele mesmo ao escrever assim dos que desde o princípio instalaram os ídolos: “Erigiam-lhes cenotáfios e templos, como até hoje. Deles é também Antino, escravo do imperador Adriano. Ainda que contemporâneo nosso, em sua honra celebram-se os jogos Antinoeus. Adriano inclusive fundou uma cidade com o nome de Antinoo e criou profetas”.

3. Também por este tempo, Justino, sincero amante da verdadeira filosofia, continuava ainda ocupado em exercitar-se nas doutrinas dos gregos. Ele mesmo indica este tempo ao escrever sua Apologia dirigida a Antonino: “Não creio que esteja fora de lugar mencionar aqui também Antinoo, que viveu em nossos dias e a quem todos se sentiam constrangidos a prestar culto como a um deus,

4. por medo, apesar de saber quem era e de onde procedia”.5. E o mesmo Justino acrescenta o seguinte, ao mencionar a guerra

de então contra os judeus: “E, de fato, na guerra judia de agora, Barkokebas, o líder da rebelião dos judeus, mandava que somente os cristãos fossem conduzidos a terríveis suplícios se não renegassem e blasfemassem contra Jesus o Cristo”.

6. Na mesma obra demonstra que sua conversão da filosofia grega à religião não se fez sem razão, mas com juízo; escreve o seguinte: “porque também eu mesmo, que me comprazia nos ensinamentos de Platão, ao ouvir as calúnias contra os cristãos e vê-los irem intrépidos para a morte e para tudo que é terrível, comecei a pensar que não era possível que aqueles homens vivessem na maldade e no amor aos prazeres. Pois, que homem amante do prazer ou incontinente ou que pensa que comer carne humana é bom poderia abraçar com alegria a morte se com ela se vê privado do objeto de seus desejos? Não tentaria por todos os meios seguir vivendo sempre sua vida daqui e ocultar-se dos governantes, em vez de delatar-se a si mesmo para ser morto?

7. O mesmo escritor conta ainda que Adriano recebeu de Serenio Graniano, lúcido governador, uma carta em favor dos cristãos, dizendo que não era justo, sem ter havido acusação nenhuma, condená-los à morte sem julgamento, apenas para dar o gosto aos gritos do povo, e que havia respondido a Minucio Fundano, procônsul da Ásia, ordenando-lhe que ninguém julgasse sem denúncia e sem acusação razoável.

8. Desta carta Justino oferece uma cópia, conservando a língua latina,

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tal como estava, e antepondo o seguinte: “Poderíamos também, pelo conteúdo de uma carta do máximo e ilustríssimo imperador Adriano, vosso pai, exigir que mandeis celebrar os julgamentos segundo nossa demanda. Mas isto não pedimos por ter sido ordenado por Adriano, mas por estarmos convencidos de que nossa reclamação é justa. No entanto, também colocamos atrás a cópia da carta de Adriano, para que saibas que também nisto dizemos a verdade. E a que segue”.

9. E em continuação ao dito, o mencionado autor põe a própria cópia latina, que nós, no entanto, traduzimos ao grego, como pudemos, e diz assim:

A Minucio Fundano: Recebi uma carta que me foi escrita por Serenio Graniano, varão claríssimo, a quem tu sucedeste. Pois bem, não me parece que devamos deixar sem examinar o assunto, para evitar que se perturbe os homens e que os delatores encontrem apoio para suas maldades. Por conseguinte, se os habitantes de uma província podem sustentar com firmeza e às claras esta demanda contra os cristãos, de tal modo que lhes seja possível responder ante um tribunal, devem ater-se a este procedimento somente, e não a meras petições e gritos. Efetivamente, é muito melhor que, se alguém quiser fazer uma acusação, tu mesmo examines o assunto. 3. Portanto, se alguém os acusa e prova que cometeram algum delito contra as leis, julga tu segundo a gravidade da falta. Se porém - por Hércules - alguém apresenta o assunto para caluniar, decide sobre esta atrocidade e cuida de castigá-la adequadamente”. Este é o transcrito de Adriano (e quem é Adriano?).

Epístola ou Discurso a Diogneto

I – Exórdio

1 – Vejo que, Excelentíssimo Diogneto, teu extraordinário interesse em conhecer a religião dos cristãos e que muito sábia e cuidadosamente tens perguntado sobre ela: primeiro, que Deus é esse em que confiam e que gênero de culto lhe tributam para que assim desdenhem todos eles o mundo e desprezem a morte, sem que, por um lado, não acreditem nos

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deuses que os gregos reconhecem, e por outro, não observam tampouco a superstição dos judeus; que amor é esse que eles têm uns pelos outros; e por que, finalmente, apareceu justamente agora e não antes no mundo esta nova raça, ou novo gênero de vida; não posso ao menos elogiar – te por seu empenho, e por isso suplico a Deus, que é quem nos concede o mesmo falar que o ouvir, que a mim me conceda falar de maneira que meu discurso redunde em proveito teu, e a ti o escutar de modo que não tenha por que entristecer-se aquele que falou.

II – Refutação da idolatria.

1 – Iniciemos. Purificado de todos os preconceitos que se ajuntam em sua mente; despojado do teu hábito enganador, e tornado, pela raiz, homem novo; e estando para escutar, como confessas, uma doutrina nova, vê não somente com os olhos, mas também com a inteligência, que sustância e que forma possuem os que dizeis que são deuses e assim os assim os considerais.

2 – Não é verdade que um é pedra, como a que pisamos; outro é bronze, não melhor que aquele que serve para fazer os utensílios que usamos; outro é madeira que já está podre; outro ainda é prata, que necessita de alguém que o guarde, para que não seja roubado; outro é ferro, consumido pela ferrugem; outro de barro, não menos escolhido que aquele usado para os serviços mais vis?

3 – Tudo isso não é de matéria corruptível? Não são lavrados com o ferro e o fogo? Não foi o ferreiro que modelou um, o ourives outro e o oleiro outro? Não é verdade que antes de serem moldados pelos artesãos na forma que agora tem, cada um deles poderia ser como agora transformado em outro? E se os mesmos artesãos trabalhassem os mesmos utensílios do mesmo material que agora vemos, não poderiam transformar-se em deuses como esses?

4 – E, ao contrário, esses que adorais, não poderiam transformar-se por mãos de homens, em utensílios semelhantes aos demais? Essas coisas todas não são cegas, surdas, inanimadas, insensíveis, imóveis?

5 – Não apodrecem todas elas? Não são destrutíveis? A essas coisas chamam de deuses, as servis, as adorais, e terminais sendo semelhante a elas.

6 – Depois, odiais os cristãos, porque não acreditam em semelhantes deuses.

7 – Contudo, vós que os julgais e imaginais deuses, nãos desprezeis mais do que eles? Por acaso não zombais deles e os cobris ainda mais de injurias,

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vós que venerais deuses de pedra e de barro, sem ninguém que os guarde, enquanto fechais à chave, durante a noite, aqueles feitos de prata e de outro, e de dia colocais guardas para que não sejam roubados?

8 – Com as honras que acreditais tributar-lhes, se é que eles têm sensibilidade, na verdade os castigais com elas; por outro lado, se são insensíveis, vós os envergonhais com sacrifícios de sangue e gordura.

9 – Caso contrário, que alguém de vós prove essas coisas e permita que elas sejam feitas. Mas o homem espontaneamente, não suportaria tal suplício, porque tem sensibilidade e inteligência; a pedra, porém, suporta tudo, porque é insensível.

10 – Concluindo, poderia dizer-te outras coisas sobre o motivo que os cristãos têm para não se submeterem a esses deuses. Se o que disse parece insuficiente para alguém, creio que seja inútil dizer mais alguma coisa.

III – Refutação do culto judaico.

1 – Por outro lado, creio que desejais particularmente saber por que eles não adoram Deus à maneira dos judeus.

2 – Os judeus têm razão quando rejeitam a idolatria, de que falamos antes, e prestam cultos a um só Deus, considerando-o Senhor do Universo. Contudo, erram quando lhe prestam um culto semelhante ao dos pagãos.

3 – Assim como os gregos demonstram idiotice, sacrificando a coisas insensíveis e surdas, eles também, pensando em oferecer coisas a Deus, como se Ele tivesse necessidade delas, realizam algo que é parecido à loucura, e não um ato de culto.

4 – Quem fez o céu e a terra e tudo o que neles existe, e que prove todo aquilo de que necessitamos, não tem necessidade nenhuma desses bens. Ele próprio fornece as coisas àqueles que acreditam oferecê-las a ele.

5 – Aqueles que creem oferecer-lhes sacrifícios com sangue, gordura e holocaustos, e que o enaltecem com seus atos, não me parecem diferentes daqueles que tributam reverencia a ídolos surdos que não podem participar do culto. Os outros imaginam estar dando algo a quem de nada precisa.

IV – Inanidade das observâncias judaicas (ou o Ritualismo judaico).

1 – Não acredito que tenhas necessidade de que te informe sobre seu escrúpulo a respeito das comidas, sua superstição acerca do sábado, seu orgulho pela circuncisão, seu fingimento com jejuns e novilúnios, coisas

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tão ridículas e indignas de qualquer consideração.

2 – Não será injusto aceitares algumas das coisas cridas por deus para uso dos homens como bem criados e rejeitar outras como inúteis e supérfluas?

3 – Não é sacrilégio caluniar a Deus, imaginando que nos proíba fazer algum bem no dia de sábado?

4 – Não é digno de zombaria orgulhar-se da mutilação do corpo como sinal de eleição, acreditando, com isso ser particularmente amado por Deus? Quem não vê isso como ridículo?

5 – E o fato de estar em perpétua vigilância diante dos astros e da lua para calcular os meses e os dias, e distribuir as disposições de Deus, e dividir as mudanças das estações conforme seus próprios impulsos, umas para festa e outras para o luto? Quem consideraria isto prova de insensatez e não de religião?

6 – Penso que agora tenhas entendido suficientemente por que os cristãos estão certos em se abster da vaidade e do engano, assim como das complicadas observâncias e das vanglórias dos judeus. Não creias poder aprender do homem o mistério de sua própria religião.

V – Paradoxos cristãos.

1 – Os cristãos de fato, não se distinguem dos outros homens, nem por sua terra, nem por sua língua ou costumes.

2 – Não habitam cidades próprias, nem falam língua desconhecida, nem tem modo especial de viver.

3 – Sua doutrina não foi inventada por eles, graças ao talento e a especulação de homens curiosos, nem professam, como outros, algum ensinamento humano.

4 – Ao contrário, vivendo em casas gregas e bárbaras, conforme a sorte de cada um, e adaptando-se aos costumes do lugar quanto a roupa, ao alimento e ao resto, testemunham um modo de vida admirável e, sem dúvida surpreendente.

5 – Vivem na sua pátria, mas como forasteiros: tomam parte em tudo como cidadãos e suportam tudo como estrangeiros; toda terra estranha é para eles pátria, e toda pátria, terra estranha.

6 – Casam-se como todos e geram filhos, mas não abandonam os

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recém-nascidos.

7 – Põem a mesa em comum, mas não leito.

8 – Estão na carne, mas não vivem segundo a carne.

9 – Passam o tempo na terra, mas tem sua cidadania no céu.

10 – Obedecem as leis estabelecidas, mas com sua vida ultrapassam as leis.

11 – Amam a todos e por todos são perseguidos.

12 – São desconhecidos e por isso condenado; são mortos e deste modo recebem a vida.

13 – São pobres e enriquecem a muitos (2 Cor 6.10). Carecem de todo e tem abundancia em tudo.

14 – São desonrados e nas mesmas desonras são glorificados; são amaldiçoados e, depois, proclamados justos;

15 – São maltratados, e honram (2 Cor. 4.22).

16 – Fazem o bem, e são punidos como malfeitores; castigados com a morte e se alegram como se recebessem a vida.

17 – Pelos judeus são combatidos como estrangeiros, pelos gregos são perseguidos, e sem dúvida os mesmos que os odeiam não dizer o motivo de seu ódio.

VI – Os cristãos, alma do mundo.

1 – Em poucas palavras, assim como a alma está no corpo, assim estão os cristãos no mundo.

2 – A alma está espalhada por todas as partes do corpo, e os cristãos estão em todas as partes do mundo.

3 – A alma habita o corpo, mas não procede do corpo; assim os cristãos habitam o mundo, mas não são deste mundo.

4 – A alma invisível está contida num corpo visível; os cristãos são vistos, mas sua religião é invisível.

5 – A carne odeia e combate a alma, embora não tenha recebido nenhuma ofensa dela, porque esta a impede de gozar os prazeres; embora não tenha recebido injustiça dos cristãos, o mundo os odeia, porque eles se opõem aos prazeres.

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6 – A alma ama a carne e os membros que a odeiam; também os cristãos amam aqueles que os odeiam.

7 – A alma está encerrada no corpo, mas é ela que sustenta o corpo; também os cristãos estão no mundo como numa prisão, mas são eles que sustentam o mundo.

8 – A alma imortal habita em uma tenda mortal; também os cristãos habitam como estrangeiros em moradas que se corrompem, esperando a incorruptibilidade nos céus.

9 – A alma, maltratada em comidas e bebidas, torna-se melhor; também os cristãos, maltratados a cada dia mais se multiplicam.

10 – Tal é o posto que Deus lhes assinalou, e não é lícito desertá-lo .

VII – Origem Divina do Cristianismo.

1 – De fato, como já disse, não é invenção humana que lhes é transmitida, nem julgam digno observar com tanto cuidado um pensamento mortal, nem se lhes confiou a administração de mistérios terrenos.

2 – Ao contrário, aquele que é verdadeiramente senhor e criador de tudo, o Deus invisível, ele próprio fez descer do céu, para o meio dos homens, a verdade, a palavra santa e incompreensível, e a colocou em seus corações. Fez isso, não mandando para os homens, como alguém poderia imaginar algum dos seus servos, ou um anjo, ou algum príncipe daqueles que governam as coisas terrestres, ou algum dos que são encarregados das administrações dos céus, mas o próprio artífice e criador do universo.

Aquele por meio do qual ele criou os céus e através do qual encerrou o mar em seus limites;

Aquele cujo mistério todos os elementos guardam fielmente;

Aquele de cuja mão o sol recebeu as medidas que deve observar em seu curso cotidiano;

Aquele a quem a lua obedece, quando lhe manda brilhar durante a noite;

Aquele quem obedecem às estrelas que formam o séquito da lua em seu percurso;

Aquele que, finalmente, por meio do qual tudo foi ordenado, delimitado e disposto: os céus e as coisas que existem nos céus, a terra e as coisas que existem na terra, o mar e as coisas que existem no mar, o fogo, o ar, o

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abismo, aquilo que está no alto, o que está no profundo e o que está no meio.

Foi esse que Deus enviou.

3 – Talvez, como alguém poderia pensar, será que o enviou para que existisse uma tirania ou para infundir-nos o medo e espanto.

4 – De maneira nenhuma. Ao contrário, enviou-o com clemência e mansidão, como um rei que envia seu filho. Deus o enviou, e o enviou como homem para os homens; enviou-o para nos salvar, para persuadir, e não para violentar, pois em Deus não há violência.

5 – Enviou-o para chamar, e não para castigar; enviou-o, finalmente para amar e não para julgar.

6 – Ele o enviará para julgar, e quem poderá suportar sua presença?

Os mártires, testemunhos da divindade do Cristianismo.

7 – Não vês como são lançados as feras, para obrigá-los a renegar a seu Senhor, e não são vencidos?

8 – Não vês como, quanto mais se os castiga com a morte, mais se multiplicam?

9 – Isso não é obra dos homens; isso pertence ao poder de Deus; são provas de sua presença.

VIII – A manifestação de Deus pela Encarnação.

1 – Quem de todos os homens sabia o que é Deus, antes que ele próprio viesse?

2 – Ou quererás aceitar os discursos vazios e estúpidos dos filósofos, gente que por certo são dignos de toda fé? Alguns deles afirmaram que Deus é o fogo para onde irão estes, chamando-os de deus? Outros diziam que é água outros ainda que é dos elementos criados por Deus.

3 – Não há dúvida de que se alguma dessas afirmações é aceitável, poderíamos também afirmar que cada uma de todas as criaturas igualmente manifesta Deus

4 – Mas tudo isso não passa de monstruosidades e desvarios de feiticeiros.

5 – Nenhum homem viu, nem conheceu a Deus, mas ele próprio se revelou a nós.

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6 – Revelou-se mediante a fé, unicamente a quem é concedido o dom de ver a Deus.

7 – Deus, senhor e criador do universo, que fez todas as coisas e as estabeleceu em ordem, não só se mostrou amigo dos homens, mas também paciente.

8 – Na verdade, ele sempre foi assim, continua sendo, e o será: clemente, bom, manso e verdadeiro. Somente ele é bom.

9 – Tendo concebido grande e inefável projeto, ele o comunicou somente ao Filho.

10 – Enquanto o mantinha num mistério e guardava sua sábia vontade, parecia que não cuidava de nós, não pensava em nós.

11 – Mas quando nos foi revelado por meio de seu Filho amado e nos manifestou o que tinha estabelecido desde o principio, concedeu-nos junto todas as coisas: não só para participar de seus benefícios, como também para ver e compreender coisas que nenhum de nós teria jamais esperado.

IX – A economia Divina

1 – Quando Deus dispôs tudo em si mesmo com seu Filho, no tempo passado, ele permitiu que nós, conforme a nossa vontade, nos deixássemos arrastar por nossos impulsos desordenados levados por prazeres e concupiscências. Ele não se comprazia com os nossos pecados. Mas também os suportava, também não aprovava aquele tempo de injustiça, mas preparava o tempo atual de justiça, para que nos convencêssemos de que naquele tempo, por causa de nossas obras, éramos indignos da vida, e agora, só pela bondade de Deus, somos dignos dela. Também para que ficasse claro que por nossas próprias forças era impossível entrar no reino de Deus, e que somente pelo seu poder nos tornamos capazes disso.

2 – Quando nossa injustiça chegou ao máximo e ficou claro que a única retribuição que poderiam esperar era o castigo e a morte, chegou o tempo que Deus estabelecera para manifestar a sua bondade e o seu poder. (Oh imensa bondade e amor de Deus!) Ele não nos odiou, não nos rejeitou, nem guardou ressentimento contra nós. Pelo contrário mostrou-se paciente e nos suportou. Ele mesmo, por pura misericórdia tomou para si nossos pecados e enviou o seu Filho para nos resgatar: o santo pelos ímpios, o inocente pelos maus, o justo pelos injustos, o incorruptível pelos corruptíveis, o imortal pelos imortais.

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3 – De fato, que outra coisa poderia cobrir nossos pecados, senão a sua justiça?

4 – Por meio de quem poderíamos nós, injustos e ímpios, a não ser unicamente pelo filho de Deus?

5 – Oh! Doce troca, oh obra insondável, oh benefícios inesperados! Que a iniquidade de muitos ficara oculta em um só Justo e a injustiça de um só justificara a de muitos injustos!

6 – Ele anteriormente nos convenceu da impotência de nossa natureza para alcançar a vida, e agora mostra-nos o Salvador capaz de salvar até mesmo o impossível. Com essas duas coisas, quis que confiássemos na sua bondade e lhe mirássemos como o nosso sustentador, pai, mestre, conselheiro, médico, inteligência, luz, honra, gloria, força, vida e não andássemos preocupados pela roupa e alimento.

X – A caridade, essência da nova religião.

1– Se também desejas alcançar esta fé, primeiro deves obter o conhecimento do Pai.

2 – Porque Deus amou os homens para eles criou o mundo e a eles submeteu todas as coisas que estão sobre a terra. Deu-lhes a palavra e a razão, e só a eles permitiu contemplá-lo. Formou os homens a sua imagem, e enviou-lhes o seu Filho Unigênito, anunciou-lhes o reino do céu e o dará àqueles que o tiverem amado.

3 – Depois de conhecê-lo, tens ideia da alegria que te preencheras? Como não amarás aquele que tanto te amou?

4 – Amando-o te tornarás imitador de sua bondade. Não te maravilhes de que um homem possa se tornar imitador de Deus. Se Deus assim o quiser, poderá.

5 – A felicidade não está em oprimir o próximo, ou em querer estar por cima dos mais fracos, ou enriquecer -se e praticar violência contra os inferiores. Desta maneira, ninguém pode imitar a Deus, pois tudo isso está longe de sua grandeza.

6 – Quem toma para si o peso do próximo e naquilo que é superior procura beneficiar o inferior; aquele que dá aos necessitados o que recebeu de Deus, é como Deus para os que receberam de sua mão, é imitador de Deus.

7 – Então, ainda estando na terra, contemplarás porque Deus reina nos céus.

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Ai começaras a falar dos mistérios de Deus, amarás e admirarás os que são castigados por não querer negar a Deus. Condenarás o erro e o engano do mundo, quando realmente conheceres a vida no céu, quando desprezares esta vida que aqui parece morte, e temeres a morte verdadeira, reservada àqueles que estão condenados ao fogo eterno, que atormentarás até o fim aqueles que lhe forem entregues.

8 – Se conheceres este fogo ficará admirado, e chamarás de felizes aqueles que, com justiça suportaram o fogo passageiro.

XI – Epílogo

1 – Não falo de coisas estranhas, nem busco coisas absurdas. Discípulos dos apóstolos me tornam agora mestre das nações e transmito o que me foi entregue para aqueles que se tornem discípulos dignos da verdade.

2 – De fato quem foi realmente instruído e gerado pelo Verbo amável, não procura aprender com clareza o que o mesmo Verbo claramente mostrou aos seus discípulos? O verbo apareceu para eles, manifestando-se e falando livremente. Os incrédulos não o compreenderam, mas ele guiou os discípulos que julgou fiéis, e estes conheceram os mistérios do Pai.

3 – Deus enviou o Verbo como graça, para que se manifestasse ao mundo. Desprezado pelo povo, foi anunciado pelos apóstolos e acreditado pelos pagãos.

4 – Desde o princípio e apareceu como novo e era antigo, agora para sempre se torna o novo nos corações dos fiéis.

5 – Ele é desde sempre, e hoje é reconhecido como Filho. Por meio dele, a Igreja se enriquece e a graça se multiplica, difundindo-se nos fiéis. Essa graça inspira a sabedoria, desvela os mistérios e anuncia os tempos, alegra-se nos fiéis, entrega-se aos que buscam, sem infringir as regras da fé nem ultrapassar os limites dos Pais.

6 – Celebra-se então o temor da lei, é reconhecida a graça dos profetas, a fé nos evangelhos é conservada a tradição dos apóstolos é guardada e a graça da Igreja exultada.

7 – Não contristando essa graça, saber as o que o Verbo diz por meio dos que ele quer e quando quer.

8 – Com efeito, quantas coisas fomos levados a explicar com zelo pela vontade do Verbo que nos as inspira. Nós comunicamos por amor essas mesmas coisas que nos foram reveladas.

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XII – Árvore da vida e a Árvore do Conhecimento

1 – Se atenderes e ouvires com cuidado, conhecereis que coisas Deus prepara para os que amam com lealdade. Transformam-se em paraíso de deleites, produzindo em si mesmos uma árvore fértil e frondosa, ornados com toda variedade de frutos.

2 – Com efeito, neste lugar foi plantada a árvore da ciência e a árvore da vida; não é a árvore da ciência que mata, e sim a desobediência.

3 – Não é sem sentido que está escrito: No princípio Deus plantou a árvore da vida no meio do paraíso, indicando assim a vida por meio da ciência. Contudo, por não tê-la usado de maneira pura, os primeiros homens ficaram nus por causa da sedução da serpente.

4 – Não há vida sem ciência, nem ciência segura sem a verdadeira vida, e por isso as duas árvores foram plantadas uma perto da outra.

5 – Compreendendo essa força e lastimando a ciência que se exercita sobre a vida sem a norma da verdade, o Apóstolo diz: “A ciência incha, mas o amor edifica” (1 Coríntios; 8.1).

6 – De fato, quem pensa que sabe alguma coisa sem a verdadeira ciência, testemunha pela vida, mas não sabe nada: é enganado pela serpente, não tendo amado a vida. Aquele, porém que sabe com temor e procura a vida, planta na esperança, esperando o fruto.

7 – Que a ciência seja coração para ti: a vida seja o Verbo verdadeiramente compreendido.

8 – Levando a árvore dele e produzindo fruto, sempre colherás o que é agradável diante de Deus, o que a serpente não toca, nem se mistura em engano; nem Eva é corrompida, mas reconhecida como virgem.

9 – A salvação lhe é mostrada, os apóstolos são compreendidos, a páscoa do Senhor se adianta, os círios se reúnem, o mundo fica em harmonia e instrui os santos, o Verbo se alegra, pelo qual o pai é glorificado. A Ele a gloria pelos séculos.... Amém.

15. Livro ou escritos de Q

“Aquele que busca continue buscando até encontrar. Quando encontrar, ele se perturbará. Ao se perturbar, ficará maravilhado e reinará sobre o Todo” (Evangelho de Tomé).

Existem diversas reconstituições aproximadas sobre o que teria sido as fontes originais escritas dos ditos de Jesus que serviu de base aos evangelhos de Marcos,

Mateus e Lucas. John Kloppenborg publicou em 1988 uma edição das paralelas de Q em grego, seguindo a ordem de Lucas, com blocos numerados, uma tradução para o inglês, um conjunto de observações sobre leituras variantes, paralelas por sentenças de outros exemplares de literatura cristã primitiva e uma concordância grega. Q’ vem de ‘Quelle’ – Fonte em alemão Estas Paralelas atualmente estão sendo objeto de estudo da Sociedade de Literatura Bíblica sob a direção de James Robinson, no Instituto de Antiguidade e Cristianismo em Claremont (Estados Unidos). A primeira pergunta que nos fazem quando falamos ou discursamos sobre textos antigos, como é caso de ‘Q’, Judas, Tomé, Madalena, José o carpinteiro, etc., é: ‘Qual a verdade dessas informações’? em principio perguntamos “Que é a verdade?” (João 18,38). Se formos viver de ‘verdades’ de escritos antigos, acreditaremos em quase nada. Pois os mesmo são compilações de compilações. A essas perguntas, nós respondemos da seguinte forma: ‘O que torna um Evangelho mais importante ou sagrado do que outro depende pura e exclusivamente do ponto de vista e do modo que se encara as sacralidades investidas nestes livros ou textos’. Se formos religiosos e acreditarmos apenas nos Evangelhos Canônicos 288 288. Canônicos – do hebraico qãneh; do grego kanonikós e do latim canonicu. Literalmente quer dizer regra. Primitivamente este termo designava uma linha ou régua utilizada pelos pedreiros, com o tempo o sentido da palavra designou o que dirige, rege ou governa, passando a posteridade por meio dos concílios como a lista dos livros sagrados admitidos pela Igreja Católica Romana e Protestante que por sinal divergem em seis livros.

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afirmaremos que estes outros livros não são as verdades constituídas do cristianismo. Uma característica interessante que aparece no Evangelho de Q e em quase todos os textos desse seguimento é que muitas passagens e situações encontram-se na terceira pessoa, ou seja, alguém que não sabemos está relatando e contando histórias extraordinárias, fatos, fábulas, lendas e contos populares. Muitos estudiosos acreditam que Q era constituindo quase que inteiramente de exortações e frases de Jesus. Não poria isso de fábulas, lendas, etc.. Nos Evangelhos canônicos temos os segundos que contam e relatam algo em seus nomes, em ‘Q’ temos um desconhecido que apenas nos informa algo que foi feito ou proposto.

Escritos de ‘Q’1 – Estes são os ensinamentos de Jesus.Pregação de João (Batista).2 – Aparecimento de João (Batista).João apareceu nos campos ao longo do rio Jordão.3 – Discurso de João ás multidões.Ele dizia ás multidões, que vinham para ser afundadas (no rio): Raça de víboras! Quem disse a vocês que fugissem da ira que virá? Mudem seus modos de agir se é que mudaram mesmo seus modos de pensar. Não digam: Temos a Abraão como nosso pai. Mas eu lhes digo que Deus pode fazer nascer filhos para Abraão até destas pedras. Agora mesmo o machado está posto á raiz das árvores. Toda árvore que não produzir bons frutos será cortada e atirada ao fogo.4 – A Previsão de João de que alguém virá.Eu afundo suas cabeças na água, mas virá em breve alguém que é mais forte do que eu, alguém cujas sandálias não sou digno de tocar. Ele vai cobrir vocês com espírito santo e fogo. Ele tem nas mãos a pá com a qual vai limpar seu terreiro e guardar o trigo em seu celeiro. E a palha ele vai queimar com um fogo que ninguém pode extinguir.As tentações de Jesus 6 – Jesus é tentado pelo acusador.Então Jesus foi condenado pelo espírito até o deserto para ser julgado pelo acusador (diabolo), o anjo promotor da corte celestial. Ele jejuou por

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40 dias e teve fome. O acusador disse: se você é o filho de Deus, mande esta pedra se transformar em pão. Jesus, porém respondeu: Está escrito: Ninguém vive só de pão. Então o acusador o levou até Jerusalém e o pôs no ponto mais alto do templo, e disse: Se você é o filho de Deus, jogue-se lá embaixo, porque está escrito: Ele dará ordens a seus anjos para que protejam você. Eles o guiarão pela mão para que você não tropece numa pedra. Jesus, porém, respondeu: Está escrito: Não testará o Senhor, teu Deus. Então, o acusador o levou para uma montanha bem alta e mostrou a ele todos os reinos do mundo com todo o seu esplendor, e disse: Tudo isso eu lhe darei se você me obedecer e me reverenciar. Jesus, porém, respondeu: Está escrito: Recenseará o Senhor, teu Deus e só a ele servirá. Então o acusador o deixou..Ensinamentos de Jesus.

7- INTRODUÇÃO Vendo a multidão, disse a seus discípulos:

8 – SOBRE QUEM É FELIZFelizes são os pobres: o reino de Deus é deles.Felizes são os que têm fome; eles são saciados.Felizes aos os que estão chorando; eles hão de rir.Felizes são vocês que quando lhes repreendem como imprestáveis por causa do Filho do Homem. Alegrem-se, exultem, porque vocês têm um tesouro no céu. Era exatamente assim que tratavam os profetas.

9 – SOBRE COMO REAGIR A REPREENSÃO.Eu lhes digo que amem seus inimigos, abençoem quem os amaldiçoa, rezem por quem os trata mal. Se alguém lhe bater numa face, ofereça a outra. Se alguém lhe quiser arrancar o manto, deixe que leve também à túnica. De a qualquer um que pedir, e se alguém tomar o que é seu, não peça que devolva. Assim como desejam ser tratados, tratem os outros. Se vocês amarem quem os ama, que vantagem terão? Até os cobradores de impostos amam quem os ama, não é mesmo?E se vocês só abraçarem seus irmãos, o que farão que os outros também não façam? Todo mundo não faz o mesmo? Se emprestarem àqueles de quem esperam receber, que crédito terá obtido? Até os malfeitores emprestam a

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seus semelhantes só porque esperam ser pagos. Em vez disso, amem seus inimigos, façam o bem e emprestem sem esperar retorno. Sua recompensa há de ser grande, e vocês serão os filhos de Deus. Porque Ele faz o sol nascer para os maus e para os bons; ele atira a chuva sobre o justo e sobre o injusto.

10- SOBRE FAZER JUÍZOS.Seja misericordioso como seu pai é misericordioso.Não julguem para não serem julgados.Porque à medida que usarem será medida usada contra vocês.

11- SOBRE MESTRES E DISCÍPULOS:Pode um cego guiar outro cego? Os dois não vão cair em um buraco?.O discípulo não é superior ao Mestre. Basta a que o discípulo ser igual ao Mestre.

12- SOBRE A HIPOCRISIAComo você pode reparar em um cisco no olho de seu irmão sem se dar conta de uma trava no seu próprio olho? Como você pode dizer a seu irmão: Deixe-me tirar esse cisco do seu olho, se você não enxerga a trava no seu próprio olho? Hipócrita! Primeiro tire a trava de seu próprio olho e depois você poderá enxergar bem para retirar o cisco que está no olho de seu irmão. 13-SOBRE A INTEGRIDADE A boa árvore não dá frutos ruins, e a árvore ruim não dá bons frutos. Serão os figos colhidos de espinheiros, ou as uvas de urtigas? Cada árvore se conhece pelo fruto.O homem bom tira muita coisa boa de seu estoque de mercadorias e de seu tesouro; o homem mau tira coisas más porque a boca fala do que o coração contém.

14- SOBRE A OBEDIÊNCIA PRÁTICA Por que vocês me chamam de Mestre, mestre, mas não fazem o que eu digo?.Todo aquele que ouve minhas palavras e faz que eu diga e como um homem que construiu sua casa sobre o rochedo. Veio à chuva, deu a torrente contra a casa, e ela não caiu porque tinha os alicerces no rochedo.Mas todo aquele que ouve minhas palavras e não as pratica é como um

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homem que construiu sua casa sobre a areia. Veio à chuva deu a torrente contra a casa, e ela desabou. Foi grande a sua ruína.

O QUE JOÃO E JESUS PENSAVA UM DO OUTRO.15- O MOTIVO Depois de dizer essas palavras, Jesus entrou em Cafarnaum. Um centurião, ao ouvir falar de Jesus, foi até ele suplicando. Meu servo está de cama em casa, paralítico, á beira da morte. E Jesus respondeu: Irei lã para curá-lo. Ao que o centurião replicou: Senhor, não sou digno de recebê-lo em minha casa. Apenas diga a palavra e meu servo estará curado, pois eu sou um homem que cumpre ordens, como soldados sob o meu comando. Se eu disser para um deles: Vá, ele vai; e para outro: Venha, ele vem. Se eu disser ao meu escravo: Faça isto, ele faz. Ao ouvir estas palavras, Jesus ficou admirado e disse às pessoas que o seguiam: Olhem, nem em Israel encontrei tanta fé. Em seguida, disse ao centurião: Vá, e ao voltar para casa o centurião encontrou o servo curado.

16- A PERGUNTA DE JOÃO João ouviu falar de tudo isso e enviou seus discípulos até Jesus, para lhe perguntar: É o senhor aquele que está por vir ou devemos esperar por outro? Jesus respondeu: Vão e digam a João o que ouviram e viram: os cegos recuperam a visão, os coxos caminham, os leprosos são limpos, os surdos escutam, os mortos ressuscitam e os pobres recebem boas novas. E feliz é aquele que não se perturba ao ouvir essas coisas com relação a mim.

17- O QUE JESUS FALOU SOBRE JOÃO.Quando os discípulos de João partiram, Jesus começou a falar às multidões sobre João. O que vocês foram ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? (A resposta presumível é não). Então me contem o que foram ver. Um homem usando roupas finas? Olhem, quem usa roupas finas está nos palácios. Então o que vocês esperavam? Um profeta? Sim, é claro, e muito mais que um profeta. É dele que está escrito: Eis que envio o mensageiro à tua frente. Ele vai preparar o caminho diante de ti. Eu lhes digo: ninguém nascido de mulher é maior do que João, mas no reino de Deus é maior do que ele.

18 – O QUE JESUS FALOU SOBRE SUA GERAÇÃO. A que devo comparar esta geração? É como as crianças sentadas na praça,

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que gritam umas para as outras: Tocamos a flauta para vocês e vocês não dançaram. Cantamos um lamento e vocês não choraram. Porque João não veio comendo nem bebendo, e eles disseram: È um processo do demônio. O filho do Homem veio comendo, e eles disseram: Vejam só que glutão, que bêbado, amigo de cobradores de impostos e pecadores. Mas apesar do que eles dizem, os filhos da sabedoria mostram que ela tem razão.

INSTRUÇÕES PARA O MOVIMENTO DE JESUS 19 – SOBRE TORNAR-SE DISCÍPULO DE JESUS.Quando um homem lhe disse: Eu vou segui-lo aonde quer que o senhor vá, Jesus lhe respondeu: As raposas têm tocas, e as aves do céu, ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça.Quando outro lhe disse: Deixe que eu vá antes enterrar meu pai, Jesus respondeu: deixe que os mortos enterrem seus mortos.Outro ainda lhe disse: Eu vou segui-lo, Senhor, mas deixe que antes me despeça de minha família. Jesus então respondeu: Quem põe a mão no arado e olha para trás não está apto para o reino de Deus.

20-SOBRE SERVIR AO REINO DE DEUS Ele disse: A colheita é abundante, mas os trabalhadores são poucos; peçam então ao dono da colheita que envie mais trabalhadores para sua colheita.Vão. Mas, olhem, estou enviando vocês como cordeiros no meio de lobos.Não levem dinheiro, nem bolsas, nem sandálias. E não falem com ninguém pelo caminho.Em cada casa onde entrarem, digam: Que a paz esteja nesta casa! E se houver ali um filho da paz, a saudação de vocês será bem recebida. Se não houver, ela regressará para vocês.Fiquem nessa mesma casa, comam e bebam o que lhes oferecerem, porque o trabalhador merece o seu salário. Não fiquem mudando de uma casa para outra. E se vocês entrarem em uma cidade e forem recebidos, comam o que lhes for servido. Ajudem os doentes e digam a eles: O reino de Deus está próximo de vocês. Mas se vocês entrarem numa cidade e não forem bem recebidos, sacudam a poeira dos pés e digam quando forem embora: Mesmo assim o reinado de Deus está próximo de vocês.

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PRONUNCIAMENTOS CONTRA CIDADES QUE REJEITAM O MOVIMENTO.A CIDADE HOSTIL21- Digo a vocês que Sodoma terá recebido um castigo mais leve no dia do julgamento dessa cidade.

AS CIDADES GALILEIAS 22 – Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque se os extraordinários feitos a que vocês assistiram tivessem acontecido em Tiro ou Sidon, há muito elas teriam se convertido, vestidas de silício e sentadas sobre cinzas. No julgamento, Tiro e Sidon receberão castigo maior que o de vocês.E você acha Cafarnaum, que vai ser elevada às alturas do céu? Você vai ser mandada é para o inferno.

FELICITAÇÕES ÀQUELES QUE ACEITAM O MOVIMENTO:SOBRE AQUELE QUE ACOLHE O OPERÁRIO23 – Quem dá boas vindas a vocês dá boas vindas a mim, e quem dá boas vindas a mim àquele que me enviou.

SOBRE AQUELE QUE RECEBE REVELAÇÃO24 – Declarou Jesus: Sou grato ao Senhor, Meu Pai, Mestre do céu e da terra, porque manteve tudo isso oculto dos sábios e dos entendidos, mas o revelou aos pequeninos. Estou sinceramente grato, Pai, porque foi esta sua generosa vontade.Meu Pai conferiu a mim autoridade sobre todo o mundo. Ninguém reconhece o filho exceto o pai; e ninguém sabe quem é o pai senão o filho e aquele a quem o filho o quiser revelar.

SOBRE AQUELE QUE OUVE E VÊ.Felizes os olhos que veem o que vocês veem! Digo-lhes que muitos profetas e reis quiseram muito ver o que vocês veem e não conseguiram, quiseram ouvir o que vocês ouvem e não conseguiram.

FÉ NOS CUIDADOS DO PAI26 – DE COMO SE DEVE ORAR Em suas orações, rezem:Santificado seja seu nome, pai.

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Que se cumpre o seu domínio.Dê-nos o pão de cada dia.Perdoe nossas dívidas, assim como perdoamos nossos devedores.E não nos ponha à prova.

FÉ AO PEDIR:27 – Peçam e lhes será dado; procurem e acharão, batam à porta e ela se abrirá para vocês.Porque quem pede recebe, quem procura acha e a quem bate a porta ela se abre. Que pai, entre vocês, daria uma pedra ao filho que pede pão, ou uma cobra ao filho que pede peixe?Portanto, se vocês, embora não sejam bons, sabem dar coisas boas a seus filhos, quanto mais ao pai de céu dará aqueles que pedirem!

POLÊMICA COM ESTA GERAÇÃO.SOBRE REINOS EM CONFLITO 28 – Ele exorcizou um demônio que emudecera um homem e quando o demônio foi expulso, o mudo falou e todos ficaram maravilhados. Entretanto, alguns disseram. Ele exorciza demônios, mas por meio de Belzebu, o rei dos demônios.Conhecendo os pensamentos de todos os presentes, ele lhes disse: Todo reino dividido contra si próprio está arruinado, e toda casa dividida contra si própria será posta abaixo. Agora, se Satanás também está divido contra si próprio, como seu reino poderá se manter?Vocês dizem que é por meio de Deus que eu exorcizo demônios, então o domínio de Deus já chegou para vocês. Quando um homem forte e bem armado guarda seu palácio, seus bens estão a salvo. Mas se alguém mais forte o ataca e conquista, o mais forte derruba suas defesas e saqueia seus pertences.

DEIXANDO CLARO DE QUE LADO SE ESTÁ – QUEM ESTA A FAVOR E QUEM ESTA CONTRA 29 – Quem não está comigo está contra mim, e quem não recolher comigo, dispersa.

A VOLTA DE UM ESPÍRITO RUIM.30 – Quando um espírito impuro deixa uma pessoa, vaga por regiões áridas

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em busca de repouso, mas não encontra. Então, diz: Voltarei para minha casa, de onde vim. Chegando lá, encontra a casa varrida e arrumada. Depois ele pega outros sete espíritos piores ainda e os acomoda ali. O estado final da pessoa, então, torna-se pior do que antes.

ESCUTAR E CUMPRIR OS ENSINAMENTOS DE DEUS 31- Enquanto ele dizia essas coisas, uma mulher ergueu a voz na multidão e disse: Feliz o ventre que te gerou e felizes os seios que te amamentaram! Ele, porém, respondeu: Felizes, na verdade, são aqueles que ouvem e observam os ensinamentos de Deus!

JULGAMENTO SOBRE ESTA GERAÇÃOO SINAL DE JONAS. 32 – Algumas pessoas lhe disseram: Mestre, queremos que o Senhor nos de um sinal. 289

Ele respondeu: Uma geração ruim procura um sinal, mas nenhum sinal lhe será mostrado, exceto o sinal de Jonas.Porque assim como Jonas foi um sinal para os ninivitas, o filho do homem será o mesmo para esta geração. 290

A rainha do sul vai se levantar no julgamento e vai condenar esta geração. Ela veio dos confina da terra para ouvir a sabedoria de Salomão, mas aqui está logo maior do que Salomão.Os homens de Nínive vão se levantar no julgamento e vão condenar esta geração. Eles se arrependeram por meio da pregação de Jonas, mas aqui está algo maior do que Jonas.

A VERDADEIRA ILUMINAÇÃO.33 – Ninguém acende uma lâmpada para colocá-la sob um cesto, mas sim sobre o lampadário. Assim, quem estiver em casa verá a luz.A lâmpada do corpo é o olho. Se a luz que há em você for à escuridão, 289. Nos pensamentos antigos todos os profetas, xamãs, feiticeiros, semideuses ou enviados de alguma entidade ou deuses de uma forma ou de outra tinham não apenas o poder, mas certa obrigação de manipular magicamente as forças da natureza. Moisés não só manipulava essas forças como tinha o poder de transformar água em sangue, dividir águas, como o deus Apsu – responsável em cuidar e manipular as forças dos rios, poços, e outras fontes de água. Elias como um bom feiticeiro ou xamã fazia descer fogo do céu através dos raios, tal qual Thor e Xangô – Orixá dos Raios e Trovões. Jesus transformou água em vinho, acalmava tempestades e ventos. Em um dos muitos feitos transcendentais (milagres) de Krishna, este engoliu o fogo inteiro de uma floresta onde pastava um rebanho de vacas.290. Ser engolido por peixe, ficar preso em cavernas e sair tempos depois e mesmo, ressuscitar é um rito de iniciação antigo bastante comum.

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que grande escuridão não será.

PRONUNCIAMENTOS CONTRA OS FARISEUS:VOCÊS FARISEUS: 34 – Que vergonha, fariseus! Vocês são muito escrupulosos na hora de pagar a décima da hortelã, da arruda e do cominho, mas deixam de lado a justiça e o amor de Deus.Vocês devem fazer essas coisas, mas sem negligenciar as outras.Que vergonha, fariseus! Vocês purificam o lado de fora da taça e da louça, mas por dentro vocês estão cheios de avareza e ganância. Insensatos fariseus! Purifiquem o lado de dentro e o lado de fora também ficará puro.Que vergonha, fariseus! Vocês adoram ocupar a primeira fila das sinagogas e receber cumprimentos nas praças publicas. Que vergonha! Porque vocês são feito sepulturas, muito bonitas por fora, mas por dentro cheias de impurezas. Vocês também escribas, que vergonha! Vocês impõem aos outros pesados fardos, mas se recusam a carregar até os fardos mais leves. Que vergonha, fariseus! Vocês erguem monumentos à memória dos mesmos profetas que seus pais assassinaram. E, assim vocês testemunham e aprovam os atos de seus pais, porque eles assassinaram os profetas e vocês constroem monumentos para eles.E por isso que a sabedoria de Deus afirmou: Eu lhes enviarei profetas e sábios, alguns dos quais eles matarão e perseguirão., a fim de pedir contas a esta geração pelo sangue de todos os profetas derramando desde a criação do mundo, desde o sangue de Abel até o sangue de Zacarias, morto entre o altar e o santuário .Ê verdade, eu lhe garanto : esta geração terá que prestar contas. Que vergonha, escribas! Vocês levaram a chave do conhecimento para longe do povo. Vocês não entram no reino de Deus, nem permitem que entrem aqueles que poderiam entrar.

SOBRE A APREENSÃO E A FRANQUEZA SOBRE A FRANQUEZA 35 – Nada que esteja escondido deixará de ser revelado, nenhum segredo deixará de vir à tona. O que eu lhes digo às escuras repita à luz do dia. E o que ouvirem em meio a sussurros, proclame sobre os telhados.

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SOBRE O MEDO.36 – Não tenham medo de quem pode matar o corpo, mas não a alma.É melhor temer aquele que pode destruir tanto o corpo quanto a alma, na Geena. 291

Não podemos comprar cinco pardais com dois centavos? Nenhum deles cairá por terra sem que Deus tome conhecimento. Até os fios de cabelo de suas cabeças estão contadas. Então não se preocupem. Vocês valem mais do que muitos pardais.SOBRE AS CONFISSÕES EM PUBLICO:37- Todo aquele que admitir em público que me conhece, da mesma forma será reconhecido pelo filho do Homem 292 diante dos anjos de Deus. Mas aquele que me renegar em público será renegado pelo filho do Homem diante dos anjos de Deus. Todo aquele que fizer um discurso contra o filho do Homem será perdoado, mas aquele que falar contra o espírito santo não será perdoado. Quando levarem vocês até as assembleias do povo, não se preocupem com que terão que falar. Na hora certa, o espírito santo lhes vai mostrar o que dizer.

SOBRE OS BENS PRIVADOS.PROPRIEDADES SEM IMPORTÂNCIA.38 – Alguém em meio à multidão lhe pediu: Mestre, diga a meu irmão que reparta comigo a herança. Ele, porém, respondeu: Meu Senhor, quem disse que eu sou seu juiz ou árbitro? Então ele contou a todos uma parábola, dizendo: A terra de um homem rico

291. Forma grega do nome geográfico hebraico vale do Enom, lugar situado aos pés de Jerusalém, onde se sacrificavam crianças em homenagem a Moloc (2Rs 16,3; 21,6; Jr 32,35). Como punição pela idolatria, Jeremias anunciou que o vale seria um lugar amaldiçoado (7,30-8,3). O vale tornou-se um símbolo da punição escatológica (Is 66,22-24). Mais tarde tornou-se depósito de lixo de Jerusalém. No Novo Testamento a geena é o símbolo da condenação eterna dos pecadores (Mt 5,29; Mc 9,43). A associação do mundo subterrâneo com a fertilidade, bem como com a morte, e a conjunção dos dois no mito e no culto ligou o Diabo também à sexualidade. Ritos associados a Dioniso, à Magna Mater, Cibele, Mitras, Ísis e ao pitagorianismo, continham elementos que depois se tornaram padrão nas práticas, reais ou supostas, de hereges e bruxas. 292. A expressão bíblica significa muitas vezes simplesmente homem, criatura pequena, frágil (Sl 8,5; 51,12; Jó 25,6). O profeta Ezequiel é chamado pelo Senhor de filho do homem, para acentuar a distância entre Deus e o homem (Ez 2,1 e nota). Em Daniel a expressão indica os israelitas (Dn 7,13), os santos do Altíssimo (7,18s). Para afastar as falsas esperanças de um messianismo político, Jesus aplicou esta expressão a si mesmo. Deste modo sublinhava ao mesmo tempo sua fragilidade humana, enquanto Servo Sofredor (Mc 8,31; 10,45; Is 53,10) e sua grandeza sobrenatural, gloriosa e miraculosa (Mc 8,38; 12,36; 14,62). Após a ressurreição mágico-religiosa a expressão filho do Homem foi entendida em sentido messiânico (At 7,56; Ap 1,13).

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tinha produzido em abundância, e ele pensou consigo mesmo: E agora, o que vou fazer? Não tenho onde guardar a colheita. Em seguida, ele disse: Já sei. Vou demolir meus celeiros e construir outros, maiores, onde poderei guardar meus grãos e bens. E vou dizer a minha alma: Alma, você tem bens em estoque para muitos anos; relaxe, beba, coma e seja feliz. Mas disse Deus a ele: Insensato! Esta noite mesmo você terá a alma reclamada; e tudo o que você produziu a quem pertencerá? Isso é o que acontece com quem acumula tesouro para si próprio sem se tornar rico diante de Deus.

SOBRE A ALIMENTAÇÃO E VESTUÁRIO 39 – Por isso eu lhes digo: não se preocupem com a vida, quanto ao que vocês vão comer, nem com o corpo, quanto ao que vão vestir. Não será a vida mais que alimento, e o corpo mais que o vestuário? Vejam os corvos. Eles não semeiam nem colhem, não tem celeiro nem depósito, e mesmo assim Deus os alimenta. Não valerão vocês mais do que os pássaros? Qual de vocês com sua preocupação podem acrescentar um único dia à própria vida?E por que se preocuparem tanto com as roupas? Vejam como crescem os lírios. Eles não trabalham e nem fiam. No entanto, nem Salomão em todo seu esplendor foi tão magnífico. Se Deus deu roupas tão lindas a relava, que hoje viceja nos campos e amanhã será atirada ao fogo, como não daria de vestir a vocês, seus descrentes? Então não se preocupem, perguntando-se: O que vamos comer? Ou O que vamos vestir? Todo mundo faz isso, e seu pai sabe que vocês precisam de alimentação e vestuário.Em vez de se preocuparem, certifiquem-se de que estão sob o domínio de Deus, e tudo isso lhes será acrescentado.

SOBRE UM TESOURO NOS CÉUS.40 – Vendam seus bens e dêem tudo à caridade. Acumulem seu tesouro numa conta celestial, onde as traças e os carunchos não poderão devorá-lo, e onde os ladrões não poderão roubá-lo.Onde estiver seu tesouro, lá também estará seu coração.

O JUÍZO EMINENTE 41- Podem crer: se o dono de uma casa soubesse quando o ladrão viria, não deixaria que ela fosse arrombada. Vocês também devem se preparar porque o filho do Homem virá numa hora inesperada.

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SOBRE A FIDELIDADE 42- E quem então é o servo fiel e prudente, encarregado de servir as refeições domésticas na hora adequada? Feliz é o servo que o amo encontrar cumprindo seu dever. Com a certeza eu lhes digo: o amo vai promovê-lo e entregar a ele a responsabilidade sobre todos seus bens. Mas se esse servo pensa consigo mesmo: O amo está atrasado e começa a maltratar seus companheiros, a comer e a beber com os vagabundos, seu amo vai chegar num dia em que ele não o esperava, numa hora imprevista vai puni-lo severamente e vai entregá-lo à sorte dos desleais.

FOGO E DIVISÃO 43- Vim para atear fogo à terra; e como eu queria que ele estivesse aceso!Vocês pensam que eu vim trazer a paz à terra? Não, não vim trazer a paz, mas a espada. Vim para criar conflito entre o pai e o filho, discórdia entre mãe e filha, estranhamente entre sogra e nora. Os inimigos de uma pessoa serão seus próprios parentes.

SINAL DOS TEMPOS44 – Ele disse às multidões: Quando vocês veem uma nuvem se levantar no poente, dizem: Vem a chuva; e vem. Quando sopra o vento sul, vocês dizem Vai fazer calor: e faz. Se vocês sabem ler os sinais dos céus, por que não conseguem discernir os sinais dos tempos? Por que não decidem por si próprios o que é justo?

O ACERTO DE CONTAS45- Tente entrar em acordo com seu acusador quando estiver com ele a caminho do tribunal. Do contrário, ele vai arrastá-lo ao juiz, o juiz vai entregá-lo ao guarda e o guarda vai atirá-lo na prisão. E eu lhe asseguro: você não vai sair de lá enquanto não pagar até o último centavo.

PARÁBOLAS DO REINO O GRÃO DE MOSTARDA E O FERMENTO.46 – Ele disse: Como é o reino de Deus? A que poderei compará-lo? Ele è como um grão de mostarda que um homem pegou e plantou no quintal. Ele cresceu, tornou-se uma árvore, e as aves do céu fizeram ninhos em seus galhos.

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Ele disse ainda: o Reino de Deus é como o fermento que uma mulher pegou e misturou a três medidas de farinha, de modo que toda a massa ficou fermentada.

OS DOIS CAMINHOS A PORTA ESTREITA E A PORTA FECHADA 47 – Esforcem-se para entrar pela porta estreita, porque eu lhes digo que muitos tentarão entrar e não serão capazes. Uma vez que o dono da casa tiver fechado a porta, vocês ficarão do lado de fora, baterão à porta, e dirão: Nós comemos e bebemos com o senhor, e o senhor nos ensinou nas ruas. Mas ele lhes responderá: Não sei de onde vocês vieram. Afastem-se de mim, todos vocês que são injustos.

EXCLUSÃO DO REINO 48 – Muitos virão do Oriente e do Ocidente para que se sentar á mesa do reino de Deus.Haverá choro e ranger de dentes quando vocês virem Abraão, Isaac, Jacó e todos os profetas no reino de Deus e vocês próprios estiverem excluídos.Olhem bem: os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos.

LAMENTAÇÃO POR JERUSALÉM 49 – Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados. Quantas vezes não tentei reunir teus filhos como a galinha junta os pintinhos sob suas asas, mas não quiseste.Olho bem tua casa está abandonada. Agora, eu te asseguro que não hás de me ver outra osvez até em que disseres: Bendito aquele que vem em nome do Senhor.

OS VERDADEIROS SEGUIDORES DE JESUSSOBRE A HUMILDADE.50 – Todo aquele que se enaltece será humilhado e aquele que se humilha será enaltecido.

O GRANDE JANTAR51 – Um homem ia dar um grande jantar e tinha convidado muitas pessoas. Na hora marcada para o banquete, ele mandou seu servo dizer aos convidados: Venham, por favor, já está tudo pronto. Entretanto, todos começaram a dar desculpas para não ir. Disse o primeiro: Comprei um

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terreno e preciso ir vê-lo: Queira me desculpar. Disse outro: Acabei de comprar cinco juntas de bois e tenho que experimentá-las. Queira me desculpar. E disse um outro: Casei-me há pouco e portanto não poderei comparecer. O servo regressou e contou ao amo o que se passara. Indignado, disse o homem a seu servo: Vá depressa à cidade e traga toda a gente que encontrar pelas ruas. O servo foi à cidade e trouxe todas as pessoas que encontrou pelas ruas. E assim a casa ficou cheia de convidados.

O PREÇO QUE SE PAGA PARA SER DISCÍPULO 52 – Quem não odiar o pai e a mãe não pode aprender de mim.Quem não odiar o filho e a filha não pode pertencer à minha escola.Quem não aceitar sua cruz para se tornar meu seguidor, não pode ser um de meus discípulos.Quem tentar conservar a própria vida vai perdê-la; mas quem perde a vida por minha causa vai preservá-la.

O SAL INSOSSO 53 – O sal é bom, mas se o sal perder o gosto, como pode ser recuperado?Não presta nem para a terra nem para o estrume. Jogam-no fora.

NORMAS DA COMUNIDADE QUANDO ALEGRAR-SE54- O que vocês pensam? Se um homem tivesse cem ovelhas e perdesse uma, ele não deixaria as 99 para procurar à outra? E se ele a encontrasse, eu lhe asseguro, ficaria mais contente por ela do que pelas 99 que não se desgarraram. Ou qual a mulher que, se tivesse dez dracmas e perdesse uma, não acenderia uma lâmpada para varrer a casa e procurar a moeda até encontrá-la? E se ela a encontrasse, chamaria seus amigos e vizinhos, dizendo: Vamos, alegrem-se comigo, porque encontrei a dracma que tinha perdido.

OU ISTO OU AQUILO 55 – Ninguém pode servir a dois senhores. Ou se odiará um e se amará o outro, ou se é leal e se despreza o outro. Não se pode servir a Deus e ao dinheiro (riqueza).

O REINO E A LEI 56 – A lei de Moisés e os profetas tiveram autoridade até João. Desde então

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o reino de Deus vem sendo sobrepujado por homens violentos.Mas é fácil mais fácil passar o céu e a terra do que um único golpe da lei perder a força. Quem se divorcia da mulher comete adultério, e quem se casa com a mulher divorciada também.

SOBRE OS ESCÂNDALOS 57 – Com certeza haverá escândalos; mas ai daquele que os causar melhor seria para eleser atirado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço do que provocar o desgarramento de uma só pessoa desta gente pequenina.

SOBRE O PERDÃO. 58 – Se seu irmão pecar, você deve repreendê-lo. Se ele ouvir você, você deve perdoá-lo. Mesmo se ele pecar contra você sete vezes por dia, você deve perdoá-lo.SOBRE A FÉ59 – Se você tivesse uma fé do tamanho de um grão de mostarda, poderia dizer a esta amoreira: Vá embora dai e plante-se no mar e ela lhe obedeceria.

O JUÍZO FINAL O DIA DA SEPARAÇÃO60 – Virão os dias em que lhes dirão: Olhem, ele está no deserto. Vocês não devem ir até lá, ou então: Olhem, ele está recluso em alguma casa. Vocês não devem ir atrás dele porque da mesma forma com que um relâmpago brilha de um lado a outro do céu, vai ser assim no dia que o filho do Homem aparecer. 293

Como nos dias de Noé, assim será no dia do filho do Homem. Eles comiam, bebiam, casavam e eram dados em casamento até o dia em que Noé entrou na arca. Então veio o dilúvio e todos foram arrastados.Foi o mesmo nos dias de Ló – eles comiam, bebiam, vendiam, plantavam, construíam.Mas no dia em que Ló deixou Sodoma, choveu fogo e enxofre, e todos 293. DIA DO SENHOR – Segundo as Igrejas cristãs será o dia em que Deus virá para julgar toda a humanidade. Aqui é o próprio deus quem julga e não Jesus. Este dia em geral é visto como um dia de punição para os pagãos, para os inimigos de Deus e de seu povo, e de salvação para Israel (Is 13; Ez 7,1-27; Jl 4,9-14). Mais tarde os profetas anunciaram o dia do Senhor como punição também para Israel, para quem a eleição divina não é uma garantia incondicional (Am 3,1s; 5,18). Segundo o NT este dia vai coincidir com o da vinda gloriosa de Cristo, para o qual se volta toda a esperança cristã (1Cor 1,8; 1Ts 5,2-4).

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foram destruídos. Eu lhes digo: naquela noite haverá dois homens no campo; um será tomado e o outro deixado. Duas mulheres estarão moendo juntas. Uma será tomada e a outra, deixada.Onde estiver o cadáver, ali vão se reunir as águias (abutres).

A PRESTAÇÃO DE CONTAS:61 – Aquele dia será como um homem que partiu em viagem. Ele reuniu os servos e confiou-lhes total responsabilidade sobre suas posses. A um deles, entregou cinco talentos (uma grande soma de dinheiro), a outro, dois, a outro, um... Ao regressar, o amo chamou os servos para acertar as contas. Disse o primeiro: Senhor seus cinco talentos renderam mais cinco. E o amo respondeu: Muito bem, meu bom servo. Você se mostrou confiável em questões financeiras; vou encarregá-lo de assuntos mais importantes. Veio o segundo e disse: Senhor, seus dois talentos renderam outros dois. E o mestre respondeu: Muito bem, meu bom servo. Você se mostrou confiável em questões financeiras. Vou encarregá-lo de assuntos mais importantes. Veio o terceiro e disse: senhor, eu tive medo, porque o senhor é um homem severo. O senhor retira o que não depositou e colhe onde não semeou... Aqui está o talento que guardei com segurança para o senhor, escondido. E o amo respondeu: Seu imprestável, você não sabia que eu colho o que não semeei?Então por que não investiu meu dinheiro de modo que eu o resgatasse com juros quando voltasse? Tirem o talento dele e o entreguem àquele que tem dez talentos.Eu lhes digo: todo aquele que tem vai receber mais, e daquele que não tem, até o pouco que tem lhe será retirado.

PARA JULGAR ISRAEL 62- E vocês, que me seguiram, sentarão em tronos para julgar as doze tribos de Israel.

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