fragmentos de pensamento e de paixão humildemente, como o último dos homens que sou, eu vos...

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    Fragmentos De Pensamento E De Paixo

    Pietro Ubaldi

    Primeira Parte APRESENTACO Apresento-me como homem. A Entidade que me inspira mediunicamente e sobre mim exerce autoridade, no pensamento e na ao deve ter um representante terreno, algum que assuma todo o peso da luta e da responsabilidade; que totalmente se exponha, moral e fisicamente, aos perigos de uma realizao novssima, ao trabalho que toda grande conquista e todo progresso impem, os necessria tenso para ultrapassar todos os obstculos. Tal sou e assim me coloco hoje, ao ingressar nos vida pblica. Nada possuo alm do meu trabalho para viver e da minha obra para triunfar no bem. Dentro de mim e acima de mim, porm, vibra uma Voz que infunde respeito, que me arrasta e a todos irresistivelmente arrastar, voz que eu escuto e a que devo obedecer. J no mais o momento de dizer o tempo vir, mas, sim, de afirmar o tempo chegou. Chegou a hora da grande ressurreio espiritual do mundo. Eis o que sou: o servo desta Potncia, o servo de todos, a servio de todos, para o bem de todos. Nada mais me pertence, nem alma nem corpo: perteno ao bem da humanidade. Deverei ser o primeiro no trabalho, na dor, na fadiga e no perigo; e o primeiro serei nesse caminho e me esgotarei at a ltima dose de minha energia, at o ltimo espasmo de meu lamento, at a ltima exploso de minha paixo. Sou fraco, culpado e indigno; no tenho, porm, mais fora para sufocar 'esta Voz que deseja explodir e falar ao mundo, arrastar os povos, abalar os poderosos, convencer os doutos e todos conduzir a uma vida de bem e de felicidade. Serei considerado louco, bem o sei. Mas, Sua Voz tem um poder ao qual no mais sei resistir. E eu, o ltimo dos homens, falarei ao mundo com palavras novas, num tom altssimo, de coisas grandes e tremendas, em nome de Deus. Estremeo e choro, ao escrever estas palavras. E o sinal positivo de que Ele, o Esprito que me assiste, esta junto de mim e me faz escrever coisas que so incrveis.

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    No obstante, as almas simples sentem, com um sentido que a cincia no tem e nunca ter, sentem por intuio de afetos e por penetrao de amor, a completa naturalidade e a perfeita credibilidade destas coisas incrveis. To intensamente profunda essa intuio que a alma juvenil dos povos do outro hemisfrio a sentiu, rpida, vibrante, espontnea, num reconhecimento que dizia: eu sei, em face da demorada, duvidosa e sofstica anlise cientfica da velha Europa E que a cincia analisa, toca e mede, mas no tem alma e somente com o crebro nada se pode "sentir". Brasil, terra prometida da nova revelao, terra escolhida para a primeira compreenso, terra abenoada por Deus para a primeira expanso de luz no mundo! J um incndio l se levanta; instantnea e profunda foi a compreenso. Foi um reconhecimento sem anlise, de quem sabe porque sente, de quem tom certeza porque v. Os humildes, no solicitados compreenderam e se afirmaram os primeiros, sem provas, sem discusses, no terreno em que a cincia que tudo sabe nunca cessa de exigi-las. A profunda emoo que me invade ao falar-vos o espasmo de paixo que me arrebata, o rasgar-se de meu corao a cada palavra no se podem medir nem calcular; mas, vs o sentis, embora a to grande distncia de tempo e de espao! As lgrimas que me comovem enquanto escrevo, e caem sobre este papel, destas palavras ressurgiro e cobriro vossos olhos quando as lerdes. E direis, irresistivelmente: " verdade". E atravs dos anos convencero e arrastaro outras almas que as vo ler e que, como vs, tambm diro, irresistivelmente: " verdade". Porque a fora que me arrebata tambm vos arrasta, a paixo que me inflama tambm vos incendeia e nos une a todos, num s esforo, numa tenso e num trabalho comuns, em favor do Bem. Como grande e bela esta felicidade ilimitada de nos sentirmos todos irmos, profundamente irmos, diante dessa maravilhosa Voz que do Infinito a todos nos alimenta! Como doce, diante Dela, ensarilhar as tristes armas da rivalidade e da competio que pesam sobre ns e nos amarguram a vida Que grandioso e sentirmo-nos todos unidos, numa s Humanidade, num compacto organismo; no mais como pobres seres solitrios num mundo inimigo, mas cidados de um grande universo, onde cada ato tem um alvo, onde toda vida constitui misso. A Voz me arrebata neste momento e senhoreia-se de minha mo, como o faz sempre que deseja falar por meu intermdio. Eu A sigo, pequenino, confuso maravilhado por imensas vises. Agora Ela me apresenta o planeta envolto numa faixa de luz e me faz ver uma humanidade mais feliz e mais sbia, ressurgindo das runas da gerao de hoje; mas, tambm a ela pertenceremos e, quem houver semeado, colher. Acima de ns

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    que, lutando e sofrendo, semeamos, uma falange de Espritos Puros estende-nos os braos, encorajando-nos e ajudando-nos. Somos os operrios de um grande trabalho, do maior trabalho que o mundo jamais realizou: a fundao da nova civilizao do terceiro milnio. Mos obra! Levantai-vos chegado o momento. A palavra de Sua Voz encerra uma fora misteriosa, intrnseca, invisvel, mas poderosa; impondervel, mas irresistvel, e por ela sozinha avana, sabendo por si mesma escolher os meios humanos, solicitando-os a todos, convidando colaborao todos os homens de boa vontade. Ela avana e atinge os coraes; persuade e convence, possuindo e ofertando a cada momento, de si mesma, uma prova evidente, o fato inegvel de sua automtica divulgao. Mos obra! Espera-me, espera-nos um tremendo trabalho, mas tambm uma imensa vitria. Somente sob a direo de um Chefe sobre-humano o mundo poderia empreender uma obra to gigantesca. Temos um Chefe no cu. Ele no traz seno a paz, o amor, o respeito a todas as crenas. Nada tem Ele a destruir do que seja terreno; a ningum Ele agride; no toca a forma, que no o essencial: encara a substncia. Nada tem Ele a modificar do que seja terreno neste mundo; tudo quer vivificar com uma chama de f, quer tudo aquecer com uma nova paixo de amor puro o amor de Cristo esquecido. Nada tem a temer as autoridades nem o organismos humanos. to velho e intil o expediente de modificar as organizaes! No mais criaes de sistemas sempre novos e sempre velhos, mas criao do homem novo, que tem origem, no ntimo, onde est a alma e no no exterior. Toda organizao e boa quando o homem bom; m quando mau o homem. O novo Reino no deste mundo e jamais se tocar no que lhe pertence. No est surgindo um novo organismo humano, com chefes e subordinados, com cargos e funes, com propriedades e direitos. No. Absolutamente nada disso. Trata-se, eu vos digo do Reino de Deus, do Reino que o mundo ainda espera, que o mundo ainda invoca: Veniat Regnum tuum1. um reino de almas, de amor e de paz; no possui sedes, no tem riquezas, nada possui; no tem seno a tarefa do dever, o amor do bem, a paixo do sacrifcio, a grandeza do martrio. E quem for o primeiro nesse caminho ser o maior nesse Reino de Deus. Almas distantes, que no Brasil tudo compreendestes, distantes pelo espao, mas to perto do corao, que o meu abrao vos chegue forte, profundo, imenso, como eu o sinto agora, nesta solido montanhosa de Gbio, no mais alto silncio da noite, com minha alma nua diante de Cristo, cujo olhar me penetra, me envolve e me vence.

    1 Venha o Teu Reino uma das peties da Orao Dominical. (N. do T.)

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    Humildemente, como o ltimo dos homens que sou, eu vos suplico, pela compaixo que pode inclinar-vos para o mais frgil e abatido dos seres: ajudai-me a compreender este mistrio tremendo que em mim se processa, ajudai-me a cumprir esta obra imensa cujos limites no alcano.

    Gbio (Itlia), na noite de 6 de fevereiro de 1934 PROGRAMA Ama a teu prximo como a ti mesmo Depois do escrito anterior Apresentao importa, de imediato, precisar os conceitos para evitar mal-entendidos, falsas interpretaes, transposio de metas e de princpios. O conceito de Sua Voz claro e exato. Aqui o exponho com o menor numero possvel de palavras, cristalino e adamantino qual o sinto explodir em mim, para que resista a todo choque e a qualquer desvio. O principio e o contedo do movimento so estrita e exclusivamente evanglicos. Tudo aquilo que no pode permanecer no Evangelho de Cristo no pode igualmente permanecer neste movimento. No possvel distorcer em nenhum sentido estas palavras. As conseqncias so, de igual modo, simples e evidentes. O movimento e quantos dele participam devem manter-se dentro do princpio fundamental do Evangelho: "Ama a teu prximo como a ti mesmo". No existe outro caminho possvel. Quem no puder assimilar este princpio espiritual naturalmente estar excludo. O movimento, qual o Evangelho, apoltico e supernacional. simplesmente humano em sua universalidade. E interior e espiritual, no externo nem material, a no ser em suas ltimas e inevitveis conseqncias, as quais no tocam, de modo algum, nas normas humanas, absolutamente fora de seus objetivos e de qualquer discusso. Assim sendo, o movimento tambm super-religioso, pois no atinge nenhuma expresso religiosa, mas as respeita todas, antes de tudo reconhecendo-as, tanto que as envolve todas num nico amplexo. assim faz do dividido pensamento humano uma potncia de concepo unitria, das separadas e multiformes crenas um mpeto concorde de f, de esperana e de paixo para um Deus que deve ser o mesmo e uma Verdade que deve ser a mesma, para todos. Como tal, o movimento a todos convoca para que todos se unam em colaborao. Eis porque no existiro, como j se disse no precedente escrito, nem chefes, nem subordinados, nem cargos, nem funes, nem propriedades, nem direitos, nem

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    sedes, nem riquezas. A edificao deve efetuar-se, para cada um, no intimo da prpria alma, qual obra e construo sua. Indistintamente, todos so chamados colaborao, para que cada um seja o criador, na prprio corao, do Reino de Deus. Os meios humanos so, portanto, todos excludos, porque no necessrios. O novo Reino deve nascer, no nas organizaes humanas, mas no corao dos homens. E cada um deve realizar essa criao antes de tudo em si mesmo, tornando-se melhor. No , pois, preciso outro Chefe seno Deus, nem outro comando exceto a voz justa da conscincia. Dir-me-eis, porm: Isto no basta para fazer uma religio. E eu vos digo: No se trata de uma religio, mas de uma fora que deve reavivar todas as religies existentes. Para quem discordar, no existe qualquer dispositivo de coero como nas normas humanas, seno o perda automtica da posio privilegiada de seguidor de Cristo a perda da proteo da Lei justa de Deus. Isso significa uma rendio feroz lei terrestre da luta e da fora sem justia. A Lei Divina, sempre presente, no interior das coisas e dos seres, no admite mentiras, porquanto imanente na conscincia. No admite violaes nem fugas, por situar-se no mais ntimo do esprito humano. Eis a absoluta novidade deste movimento na histria de todas as experincias humanas. Dele so excludos: comando, riqueza, fora. Ele construo eterna e no pode, por isso, usar seno materiais eternos. Cada empreendimento uma construo cuja durabilidade depende dos materiais utilizados. Quem usar da espada perecer pela espada; quem usar da violncia pela violncia perecer, pois os meios usados como causa recaem depois, por fora da Lei Eterna, inexoravelmente, como efeito sobre seu agente. Se o movimento no atender a estes princpios ser ilusrio e caduco, como todas as coisas humanas E qualquer elemento humano que nele introduzirdes ser-lhe- como um caruncho destruidor, uma fora lenta continuamente em tenso para a destruio. Como movimento social, inspira-se, portanto, em princpios nunca usados pelo homem na histria do mundo. Por estas caractersticas, reconhecereis que ele vem do Alto, de um mundo no vosso, porque nenhum elemento vosso nele introduzido nem nele est contido; ao contrrio cuidadosamente excludo. A imediata conseqncia prtica desta clarssima tomada de posio diante do mundo a seguinte: Se todos so admitidos, contanto que puros e honestos de corao, so automaticamente excludos aqueles que tais no so. Depurao, portanto, por fora intima da realidade. Vs, da Terra,2 acostumados como sois a mover-vos constantemente num mundo de imposio e de fora, sem nada poderdes obter sem estes meios, dificilmente 2 Aqui, o pensamento da Entidade Espiritual Sua Voz se substitui imprevistamente ao do autor. (N. do A.)

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    vos inteirais da interveno de quais foras sutis, invisveis e ntimas, poderosssimas e inviolveis, seja feito este movimento. Destes princpios aqui enunciados emana imediatamente esta conseqncia pratica e evidente: no podem tomar parte neste movimento os inaptos. Por ser ele alicerado sobre aqueles princpios, os gananciosos de riqueza, de mando, de glria e poder, sempre prontos e espera para fazer especulao de tudo, at das coisas de Deus, no encontraro alimento algum, o mnimo ponto de apoio e por si mesmos se afastaro. Obtm-se, ento, automaticamente, sem demora, sem gasto de energia, o afastamento da primeira ameaa que surge em qualquer movimento humano a possibilidade de desfrute. Evita-se que o mal possa aninhar-se nele, e obtm-se, ainda, que seja imediatamente eliminado Vede qual potncia contm o impondervel fator moral, tambm nas organizaes humanas. Esse poder tal que pode substituir esplendidamente, se genuno, todos os vossos exrcitos, as vossas complexas transaes econmicas, todo esse tremendo equipamento de obrigaes e vnculos que demonstram no vossa fora, mas vossa fraqueza. E por caminhos assim to simples conseguireis vantagens e uma perfeio que nenhuma organizao humana pode alcanar. Aqui no existem atritos, pois no h luta nem fora, nem pode haver traio, porquanto no existe mentira. O inimigo externo: o mal; mas, o mal no se vence com outro mal, mas, sim, com o bem. As rodas sobre as quais avana este organismo so altrusmo (e no egosmo), pobreza, dever, amor, sacrifcio e, se necessrio for, o martrio. Ante o perfume destas grandes coisas as almas perversas fogem e, numa atmosfera assim rarefeita, os indignos sufocam e velozmente se afastam para nunca mais se aproximarem. Eis as bases. Eis o tesouro que vos dar alimento e poder, eis o exrcito que vos defen-der. esta, pois, uma cruzada de homens honestos, simplesmente honestos. No importa cincia, nem riqueza, nem poderio. Disso no temos necessidade. Atras do justo, existe uma fora tremenda a Lei Divina, que o protege. No vos preocupeis se no perceberdes essa Lei. Ela a mais profunda realidade da vida. No temais se esta realidade permanecer sufocada em vosso baixo mundo de dor, encoberta pela vossa densa atmosfera de culpa. Cada homem a sente no profundo de sua conscincia com um instinto incoercvel. Mas, o justo, logo haja alcanado os mais altos nveis de vida, de imediato a encontra e a sente com absoluta confiana e por ela se reconhece seguramente amparado. Esta cruzada de homens novos se constitui hoje no mundo para sua salvao. Seus componentes se recrutaro em todas as classes, em todas as crenas, em todos os pases.

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    No se trata de vs utopias. So possibilidades lgicas e reais, baseadas sobre foras concretas, embora sejam para vs imponderveis. Uma s coisa basta: ser honesto E basta s-lo para sentir-se irmo e unido aos irmos honestos. No vos reconhecereis por sinais exteriores, mas somente por essa ntima sensao que vos lanar irresistivelmente uns nos braos dos outros. No vos fatigueis, como sempre tendes feito, a escavar abismos entre vs em todos os campos, mas lutai para reencontrar-vos todos nesta unidade substancial de espritos. Ela urgente, pois que so iminentes e tremendos os tempos que a impem como questo de vida ou de morte. Nestas palavras, no minhas, mas de Sua Voz, tudo construtivo. Nunca atacam e se h alguma coisa para destruir, elas com isso no se preocupam, mas a deixam em abandono para que caia por si: no existe mais ativo agente de destruio do intil do que um novo organismo vital em funcionamento. Se um corpo velho e moribundo, afadigar-vos-eis em destru-lo? O que verdadeiramente intil cair por si mesmo, sem necessidade de se acionar uma causa de destruio violenta, que recairia depois inexoravelmente sobre quem a movimentou. Acreditais que para demolir aquilo que intil, seja mesmo indispensvel a interveno do homem e que ele seja capaz de guiar e escolher com segurana, e que a Lei no contenha em si os meios para afastar aquilo que no tem razo de ser? Como podeis crer seja isso possvel num organismo totalmente regido por um perfeito equilbrio, qual o universo? A condio para ser admitido neste movimento um simples exame de conscincia perante Deus. Coisa simples, profunda e imensa, fcil e tremenda. Mas, isto nada , dir o mundo. Entretanto, isto tudo, diz o Esprito. Experimentai seriamente e sentireis que verdade. esta coisa simples e tremenda que o homem deve hoje fazer, margem do abismo onde, se no se detiver, cair de maneira terrvel. E se vs, almas sedentas de ao exterior, de movimento e de sensaes, quereis evadir-vos desta ntima vida do esprito para ingressar em vossa exterior realidade humana e trabalhar, clamar, conquistar e vencer tambm com os braos e com a ao, ento vos digo: "Sa, sa de casa; ide ao vosso inimigo mais cruel, quele que mais vos tem trado e torturado e, em nome de Cristo, perdoai-lhe e abraai-o; ide quele que mais vos tem roubado e cancelai-lhe o dbito, e mais, entregai-lhe quanto possus; ide aquele que mais vos insultou e dizei-lhe, em nome de Cristo: Eu te amo como a mim mesmo, porque s meu irmo. Direis: Isso absurdo, loucura, desastroso; impossvel sobre a Terra esta deposio de armas. Mas, eu vos digo: Vs sereis homens novos somente quando usardes mtodos e recursos novos. De outra forma, no saireis nunca do ciclo das velhas condenaes que eternamente puniro a sociedade das suas prprias culpas. Pela mesma razo pela qual Cristo se ofereceu na cruz, hoje a humanidade deve

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    sacrificar-se a si mesma por esta sua nova, profunda, absoluta e definitiva redeno. Porque sem holocausto nunca haver redeno. O mundo louco arma-se contra si mesmo, com perspectivas sempre mais desastrosas, de recursos tremendos em face dos atuais progressos cientficos. Uma conflagrao blica no deixar mais nenhum homem salvo sobre a Terra, se a loucura humana no se detiver a tempo. Onde o homem assim procede no existe seno uma extrema defesa: o abandono de todas as armas. Dizeis: Mas, ns temos o dever de viver. E eu vos digo: Quando vs, com nimo puro, disserdes Em nome de Deus ento, tremer a Terra porque as foras do Universo se movero; quando fordes verdadeiramente justos, quando inocentes, se a violncia vos ferir, triunfando momentaneamente, o Infinito precipitar-se- aos vossos ps para dar-vos a vitria e levantar-vos ao Alto, na condio de triunfadores na Eternidade, bem longe do timo de tempo em que a violncia venceu. Eis os princpios que Sua Voz me transmite desta vez no mais sob forma afetuosa, mas feitos de poder e conceito. Eis o que Sua: Voz pede a alma do mundo. Sua alma coletiva, una e livre como uma alma individual, pode escolher e dessa escolha depender o futuro. Sua Voz afasta-se, em silncio, de quem no A segue. Eis o que Sua Voz pede, primeiramente ao Brasil, escolhido para a primeira afirmao destes princpios no mundo. E esta afirmao deve ser um imenso amplexo de amor cristo. Ser a primeira centelha de um incndio que nos deve inflamar de bondade para dissolver o gelo de dio e rivalidade que divide, esfomeia e atormenta o mundo. Este o esprito dos novos tempos. Somente quando virmos este esprito voltar vida dos povos, que poderemos dizer que Cristo voltou outra vez e esta presente entre ns.

    Gbio (Itlia), na noite de 12 de fevereiro de 1934 PRINCPIOS

    (1952) O primeiro dever de uma revista que nasce orientar, claramente, seu pensamento e declarar com sinceridade seus objetivos: uma linha de conduta segundo princpios aos quais, depois, devera permanecer fiel. O escopo desta revista operar a transformao desses princpios em vida vivida, isto , ajudar a nascer, do homem de hoje, tipo biolgico mais evolvido, representado pelo homem novo do Terceiro Milnio.

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    Este movimento inicia-se no Brasil, tendo lambem em vista sua futura grandeza como nao. Enunciar um princpio, aqui, significa, pois, viv-lo. Antes de iniciar o argumento, faz-se necessria uma premissa. O signatrio pede desculpas se algumas vezes tiver de pronunciar a palavra eu. Por essa razo bom esclarecer e estabelecer desde o princpio que ele nada pede jamais para si e no quer absolutamente ser chefe de coisa alguma. Quis, por isso, que a denominao ABAPU (Associao Brasileira dos Amigos de Pietro Ubaldi) fosse substituda pela de ABUC (Associao Brasileira da Universalidade de Cristo)3, para que a idia se antepusesse a qualquer personalismo. E este j um princpio geral para ser vivido. Outro princpio geral: o que importa no a pessoa, mas a idia. Estes princpios j definem a posio do subscritor que dever ser sempre o primeiro a aplic-los, vivendo-os. Sua posio de oferecer, apenas oferecer, o produto de sua inspirao. Isto ele j o tem feito ao mundo. O Brasil, em primeiro lugar, o compreendeu e o aceitou. O signatrio deseja, apenas, uma coisa: que isto seja para a grandeza desta nao que ele agora aprendeu a amar imensamente. Sua posio, ele o quer, deve ser, apenas, esta: a daquele que serve e no a de quem servido; a de quem se pe a servio dos outros e no a de quem os subordina ao prprio orgulho, domnio ou egosmo; a posio daquele que obedece e no a de quem comanda. Ele serve ao prximo e obedece a Deus outro princpio geral para ser vivido. Cada ato de nossa vida deve ser inspirado por estes princpios e pelos que exporemos depois. Aquele que est em posio mais elevada, mais dever viv-los, mais responsvel diante de Deus e dos homens. Com tudo isto, estamos recordando que todos ns temos o dever do exemplo, primeiro dever, somente com o qual se podem pregar quaisquer princpios, demonstrando, antes com fatos que com palavras, que eles podem ser vividos. De outra maneira no se tem o direito de pregar outro princpio geral. O leitor v como, desde a primeira enunciao, os princpios aqui se apresentam, no tericos e abstratos, mas numa forma vivida ou para viver. Quem quiser buscar-lhes a justificao sistemtica e racional poder aprofundar-se em seu estudo nos volumes do subscritor, tambm oferecidos ao mundo para que os que amam o conhecimento aprendam, saciando a inteligncia. Ele apenas oferece, por uma convico espontnea, sem jamais impor.

    3 Associao instituda em Campos. RJ, no Natal de 1949. (N. da E.)

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    Eis-nos diante de outro princpio geral para ser vivido: Oferecer, nunca impor a verdade. Eis o patrimnio espiritual de cada conscincia. Nunca introduzir-se na alma alheia com a violncia da argumentao, numa guerra de idias, para subjugar o semelhante; antes, procurar todos os meios de comunicao que conduzem a compreenso. lei vital que a poca dos absolutismos, dos dogmatismos, dos imperialismos ideolgicos hoje, se v superando e eliminando. A nova era a da bondade na compreenso recproca; da convico de todos no seio de um mesmo Deus: a era do amor. O princpio : Procurar o que une e evitar o que divide. Devendo ns vivermos tudo isto, conclui-se que aqui ser sempre evitado o esprito de polmica, pois este considerado como expresso da psicologia de um tipo biolgico atrasado, que est sendo, cada vez reais, superado pela evoluo. Nosso mtodo , pois, o de no oferecer nunca aos vidos de polmica a resistncia de outra polmica, isto , o mau exemplo de luta e guerra. Seja nosso mtodo o do Evangelho. Este o mtodo dos evolvidos, ao passo que o outro o mtodo que logo revela o involudo, biologicamente atrasado. o nico mtodo que vence porque, enquanto na luta ambas as partes se dilaceram, ganhando apenas em ferocidade e perversida-de! com nosso mtodo, o antagonista, no encontrando alimento para seu esprito de agresso, por si mesmo se desarma e cai. Como se v, os nossos princpios no so uma novidade, pois que so os conhecidssimos princpios do Evangelho. Propomo-nos, apenas, a viv-los seriamente, convencidos de que disso pode nascer hoje o homem novo e, com ele, uma nova gerao e uma grande nao. Deve ser o mtodo usado, pois o que revela a prpria natureza, o prprio tipo biolgico de evolvido ou envolvido, a prpria superioridade ou inferioridade. A idia de vencer esmagando o adversrio revela imediatamente o involvido. Ainda quando isto se faa em nome de verdades absolutas e assim se justifique, na realidade exprime biologicamente instintos de agresso. Compreendamos que a verdade relativa e progressiva e que nos foge em seu aspecto absoluto. Ns, relativos, no podemos possu-la seno por progressivas aproximaes. Existe um outro princpio que se segue a este: Sejamos sempre construtivos, isto , operemos em sentido positivo, unitrio, como o bem, e jamais sejamos destrutivos, isto , nunca ajamos em sentido negativo, separatista, como o mal. Tudo o que agressividade satnico; O Evangelho no o nunca. Seja nossa obra todo um amplexo ao mundo e, unicamente, um amplexo de amor.

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    Guerra, jamais, a ningum, por nenhuma razo. A vitria estvel e verdadeira obtm-se apenas com a bondade, o amor, o exemplo, a convico. Que o Evangelho, to pouco vivido at hoje, se transforme na forma de vida do homem novo, num novo mtodo de viver, que penetre cada ato nosso, demonstre que somos evolvidos e se manifeste com nosso exemplo a cada momento. Que no terreno filosfico, poltico, religioso, isso signifique tolerncia. No, porm, uma tolerncia raivosa, na atitude de quem suporta com desdm o erro alheio; ao contrrio, uma, tolerncia que busca os pontos de contato, os pontos comuns, e se alegra quando pode dizer: "Mas, ento, concordamos em muitas coisas! No estamos, pois, to distanciados quanto nos parecia. Podemos entender-nos um pouco e no h necessidade de contenda". Em sua saudao repetida em quase todas as conferncias no Brasil, o signatrio afirmou seus dois princpios fundamentais: universalidade e imparcialidade. Que significam eles? So o emblema do homem novo. Sua Voz, j na primeira Mensagem do Natal, em 1931, estabelecia estes princpios fundamentais que so, depois, desenvolvidos em toda a obra: "Falo hoje a todos os justos da terra e os chamo de todas as partes do mundo a fim de unificarem suas aspiraes e preces numa oblata que se eleve ao cu. Que nenhuma barreira de religio, de nacionalidade ou de raa os divida, porque no est longe o dia em que somente uma ser a diviso entre os homens: justos e injustos... Minha palavra universal... Uma grande transformao se aproxima para a vida do mundo..." Brevemente o mundo se organizar sobre um princpio novo que no ser dado por um imperialismo religioso, isto , pela vitria de uma religio que, por absolutismo, se imponha a todas as outras. No por este caminho que se chegar a unidade, a saber, um s rebanho e um s pastor. O nico pastor ser Cristo e o nico rebanho ser formado por uma humanidade em que as vrias religies no se combatam e no se condenem mais reciprocamente; ao contrrio, se compreendam e coordenem, fazendo dos homens todos filhos diante de um nico Deus, um s Deus, pai de todos. Esta compreenso e coordenao a primeira forma em que se revelar o amor, em sua era que est para surgir a nova civilizao, o reino de Deus. Como aplicaremos este princpio? Fraternizando. Se os outros condenam, perdoemos e amemos. Como respondeu Cristo aos agressores? O seu mtodo seja o nosso mtodo. Aos ataques, s polmicas, as condenaes, respondamos com o exemplo da compreenso. Demonstremos com os fatos que e homem novo possui um novo mtodo de vida e abandonemos o velho mtodo ao homem do tipo do passado.

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    Este vive mais no exterior que no interior. Suas inclinaes se dirigem, de preferncia, s manifestaes exteriores da f: seguir determinada escola, igreja ou grupo, dar-se a certas prticas visveis. Aquele que compreende e tem a fora de renunciar s manifestaes, indispensveis aos primitivos, recolha-se o mais que puder na religio de substn-cia, que interior, sozinho quando for necessrio, para eliminar ataques e dissdios da religio de forma que exterior. A maioria no sabe pensar seno fisicamente, com movimentos do corpo e da boca. O evolvido, porm, sabe que a religio de substncia, me de todas as religies, est acima da forma e de toda manifestao sensria: uma religio mais profunda, sentida e vivida, feita de alma e de ao, no de prticas materiais, na qual todas as religies encontram lugar. Esta, verdadeiramente, a religio. As religies tem trs fases. A primeira, a mais antiga, a terrorstica, feita de um Deus vingativo que se faz obedecer inexoravelmente, punindo com a lei de talio. A segunda, mais recente,. a tico-jurdica, feita de uma codificao de normas de vida. o evolver da natureza humana inferior que pode permitir uma manifestao de Deus, a fazer transparecer cada vez mais Sua Bondade. Somente hoje a maturao humana pode permitir que, sem o perigo de abusos, antes temveis, se possa passar a terceira fase, da compreenso, na qual as religies so livres e convictas, cada vez mais transformadas da forma, em que lutam os interesses, em substncia, que amor. Elas se sucedem, no porque sejam sancionadas por penalidades (inferno), mas porque se compreende que significam o nosso bem. Nesta fase cai e perde a significao o terror de um Deus vingativo. Assim, por evoluo, do conceito de um Deus todo fora, o senhor com o azorrague, como era o homem com seus escravos, rbitro absoluto de tudo con-forme seu capricho, passa-se ao Deus justo que respeita completamente a Lei que Ele estabeleceu, como o homem moderno que deve respeitar as leis que ele cria para si mesmo no Estado. Desse modo, por evoluo, passa-se agora ao conceito de um Deus no s justo, mas tambm bom, que nos ama para a nossa felicidade, como o homem civilizado e compreensivo de amanh amar seu prximo, nas grandes unidades sociais do futuro. Assim, por lento transformismo, o terror, na progressiva reabsoro do mal, operada pela evoluo, desfaz-se na justia e esta se aperfeioa e se enriquece no amor. Hoje se passa da segunda a terceira fase. Ainda se funde e se confunde o til com a verdade. O interesse predomina, porque predomina a forma. O rebanho para ser

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    apascentado, a que tanto aspiram as religies, tem-se transformado muitas vezes em rebanho para mungir, propriedade do pastor. Pelo princpio das grandes unidades, a evoluo leva unificao e guia hoje o mundo em todos os campos, logo, tambm no religioso, a fase orgnica, em que no h luta de rivais, mas colaborao de irmos. Penetra-se na fase do amor. O mundo se distancia cada vez mais da primitiva fase catica e a ordem se faz sempre mais compreendida, convincente, espontnea. O Brasil, dentre suas qualidades, tem, sobretudo, a da tolerncia recproca: ausncia de intransigncia de absolutismos, de racismo. , pois, acima de tudo, a terra do amor, ainda que este esteja, muitas vezes, apenas em suas manifestaes mais elementares. J , contudo, amor e pode subir. Como representa a fuso das raas, tambm representa a capacidade de fuso de idias. Esta capacidade do Brasil, de amar em todos os nveis, se for desenvolvida em direo ao esprito, poder amanh fazer do Brasil a Nao mais capaz de compreender, representar e divulgar no mundo aquela que aqui chamamos a religio, isto , religio de substncia, que a religio do exemplo, da bondade e do amor. A VERDADEIRA RELIGIO

    (1952) Encontrei-me, viajando pelo mundo, em todos os ambientes. Achei-me entre catlicos e os observei. Muitos deles eram sinceros e convictos e viviam aplicando, realmente, os princpios de sua religio. Sua verdadeira f me encheu de admirao. Outros deles, porem, embora verbalmente se confessassem e nas prticas religiosas se manifestassem perfeitamente ortodoxos, no viviam inteiramente seus princpios, demonstrando com fatos que, em realidade, neles no acreditavam de modo absoluto. Isso me encheu de tristeza. Achei-me, depois, entre os protestantes e os observei. Muitos deles eram sinceros e convictos e viviam aplicando, realmente, os princpios de sua religio. Sua verdadeira f me encheu de admirao Outros deles, porm, embora verbalmente se confessassem e nas prticas religiosas se manifestassem perfeitamente ortodoxos, no viviam inteiramente seus princpios, demonstrando com fatos que, em realidade, neles no acreditavam de modo absoluto. Isso me encheu de tristeza. Achei-me, tambm, entre os espiritistas e os observei. Muitos deles eram sinceros e convictos e viviam aplicando, realmente, os princpios de sua doutrina. Sua verdadeira f me encheu de admirao. Outros deles, porm, embora verbalmente se confessassem e nas prticas formais se manifestassem aderentes sua doutrina,

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    no viviam inteiramente seus princpios, demonstrando com fatos que, em realidade, neles no acreditavam de modo absoluto. Isso me encheu de tristeza. Achei-me, depois, entre os teosofistas, os maons, es maometanos, os budistas etc. e observei o mesmo fenmeno. Encontrei-me at entre ateus, materialistas convictos. No obstante, entre eles encontrei os que procuravam viver segundo superiores princpios de retido. Senti respeito por eles. Qualquer convico vivida com retida o merece respeito. O que me encheu de tristeza foi ver o ateu, materialista animalescamente envolvido, somente animado de instintos egostas para prejudicar o prximo. Observando-os todos, perguntei a mim mesmo, ento: a diviso real, verdadeira, entre os homens, a de uma religio, doutrina ou crena, ou , antes, entre o homem sincero e honesto e o homem falso e desonesto, que se encontram no seio de todas as religies, doutrinas e crenas? Embora as vrias divises humanas, em cada uma delas sempre encontrei esta outra divisa o universal de bons e maus. Perguntemos a ns mesmos, ento: no ser esta a verdadeira distino, muito mais real que a outra em que tanto se insiste? Pertencer ao primeiro tipo de homem, antes que ao segundo, no ser muito mais importante e decisivo do que pertencer a um determinado agrupamento religioso? Que importa pertencer a esta ou aquela religio, quando no se e sincero nem honesto? No o fundamental em qualquer campo? E no , ento, esta a mais importante entre todas as divises humanas, muito mais do que a atualmente aceita? No ser essa a diviso que Deus mais assinala, de preferncia a outra, que se refere, mais que a bondade do homem, aos interesses humanos que em torno dela se agrupam? Qual o fato mais decisivo para a edificao do homem (isso constitui o objetivo de todas as crenas) os pormenores dogmticos e doutrinrios, a ortodoxia da letra ou o haver compreendido o simplicssimo princpio do bem e do mal, princpio universal, existente em todas as religies, inscrito no esprito humano e, sobretudo, viver esse princpio? A verdadeira distino, nesse caso, no a atualmente vigorante em nosso mundo catlicos, protestantes, espiritistas, teosofistas, maons, maometanos, budistas etc. mas, sim, o justo e o injusto. Esta a distino substancial, a que tem valor diante de Deus, muito mais importante que a outra, que pode ser apenas formal. Na segunda se pode mentir e ela, ento, fictcia; nunca na primeira, que real. Por que, ento, tantas lutas religiosas e doutrinrias? No tm elas outro valor seno o de defender o patrimnio conceptual do grupo e os interesses que dele dependem. Por que, ento, no reduzir todas as crenas a esse seu denominador comum, que a sua substncia, em que todas se encontram, alm de todas as divises? E por que no achar nessa substncia a ponte que as une todas numa caracterstica comum, em lugar de procurar em especulaes sutis que pode dividi-

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    las? Por que no parar e insistir no que importa acima de tudo; a bondade e a evoluo do homem? Tudo isso importantssimo para a fuso das almas no caminho da unificao, que o futuro do mundo em todos os campos. Da nasceria um grande respeito recproco, uma nova possibilidade de compreenso, um superior esprito de fraternidade. O cioso amor ortodoxia, justificvel em outros tempos, excitado at o ponto de preferir a letra ao esprito, pode significar uma satnica falsificao da f na psicologia farisaica, enfermidade de todos os tempos e de todas as religies. Pode, ento, acontecer que se faa da religio o que sempre se tem feito do amor a ptria que, embora santo em si, se transforma em agressividade e guerras contra outras ptrias. Ora, como esse tipo de amor nacional est hoje em vias de desaparecimento, superado pela vida que caminha para a unificao social, do mesmo modo a vida superar o esprito de absolutismo e intransigncia, pois ela se dirige para a unificao religiosa. necessrio, assim, abandonar o esprito separatista de domnio, em nome de absolutismos, numa verdade que na Terra, para o homem, no pode deixar de ser relativa e progressiva, isto , em funo de sua capacidade evolutiva. A vida hoje caminha para a colaborao por compreenso em todos os campos e os imperialismos, polticos ou religiosos, pertencem a fases que esta o sendo superadas. Os imperialismos espirituais retardam a unificao, que se situa justamente no campo das convices e das conscincias e que no se pode obter com o esprito de absolutismo e de domnio. Qual , pois, a religio de substncia em que podero pacificar-se todas as distines humanas, encontrando-se em seu denominador comum? A religio de substncia somente uma. A ela pertencem todos os honestos que crem sinceramente e vivem suas crenas, sejam catlicos, protestantes, espiritistas, teosofistas, maons, maometanos, budistas etc.. Esto, ao contrrio, fora da religio, todos os falsos, os injustos, os que interiormente no crem (embora formalmente em seus lugares), os que no vivem suas crenas, sejam catlicos, protestantes, espiritistas, teosofistas, maons, maometanos, budistas etc. Estes se igualam no representar a traio a idia que professam. Na "Mensagem de Natal" de 1931, diz Sua Voz: ...no est longe o dia em que somente uma ser a diviso entre os homens: justos e injustos. Na Terra, em todos os campos, existem sempre dois tipos humanos: o evolvido e o involvido Encontram-se em todas as filosofias, governos, religies, hierarquias e povos. O envolvido vive sempre no nvel animal, animado pelo esprito de dominao e, por isso, intransigente e agressivo; fecha-se na forma, desprezando a substncia; mais ligado a terra que ao cu. julga-se, em todos os campos, sempre com a posse

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    da verdade e da parte de Deus, julgando todos os outros como situados no erro e da parte de Satans. Tende a egocntrica monopolizao da Divindade. O evolvido tem caractersticas opostas. Vivendo num nvel mais alto, animado pelo esprito de fraternal compreenso; tolera e auxilia; fala com o exemplo, dando e no dominando; mais aderente substncia que forma, mais unido ao cu que terra. No julga nem condena. Tende a anular seu eu em Deus e no amor ao prximo. No se faz paladino da verdade para exigir virtude dos outros, mas comea por pratic-la, ele mesmo: ilumina, no impe, pois respeita as conscincias. No pretende ser o nico que tem Deus consigo. No identifica com o mal tudo que est fora de seu eu, do seu grupo ou hierarquia nem o condena em defesa prpria. No se faz representante de Deus para dominar com sua personalidade, mas reconhece em Deus o Pai de todos. O homem est evolvendo e a religio dos justos ser a religio unitria que a todos entrelaar. O estado vigente at hoje corresponde fase catica do mundo. Ele caminha, porm, para a fase orgnica na qual, em todos os campos, os relativos pontos de vista se coordenar o numa verdade universal. A religio una ser a substancial, a religio do bem e dos bons, que se compreendero, por serem evolvidos. Para essa compreenso os insolvidos ainda no esto maduros, pois s podem crer que a salvao depende apenas da filiao a esta ou aquela forma da verdade, sem cuidar da substncia, que pode estar em todas as formas. Tudo isso, porm, ser fatalmente superado. lei de evoluo que o dualismo, em que se dividiu nosso universo, gradativamente, em todos os campos se v reconstituindo em sua originria uni-dade de que o esprito caiu na ciso, na forma, na matria. fatal lei de evoluo que chegue finalmente Terra a to esperada realizao do Reino de Deus. CARTA ABERTA A TODOS

    (1933) Completam-se, hoje, dois anos desde que Sua Voz comeou a falar. Noite de Natal e eu me afasto por um momento da reunio familiar para meditar e escrever. Este um exame pblico de conscincia que efetuo na hora solene em que se aguarda, para comemorar, uma vez mais, o nascimento do Salvador do Mundo. No sei qual imenso espanto me invade nesta hora solene, na qual o homem vencido pela maravilhosa Voz de Cristo. Extasio-me na viso de um mundo regenerado por Essa Voz e detenho-me, nela buscando descanso. a noite encantada na qual o grande signo do amor adquire realidade tambm sobre a Terra. Cristo est aqui conosco, esta noite, para nossa paz.

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    Amanh terei que volver a empreender a caminhada, sozinho, exausto, com uma imensa viso na alma, uma febre incessante no corao, um estalido de paixo em cada pensamento. Sinto-me oprimido pela minha debilidade e pela imensidade do programa. Quem sou eu para atrever-me a tais tarefas? Haver algum mais aterrorizado e mais aniquilado do que eu? Cumprirei totalmente com o meu dever e hei de cumpri-lo no futuro? Terei foras bastantes para faz-lo? Vou mendigando um consolo a todas as almas boas para que me sirvam de apoio a minha debilidade. Se Sua Voz me abandonasse, eu me sentiria completamente arruinado. Entretanto, hoje se completam dois anos que Essa Voz retumba no mundo e o mundo a escuta. Nada me havia causado jamais tanto assombro como esta afirmao decisiva, sem preparao alguma de minha parte, nem vontade, num mundo onde, com freqncia, as coisas mais sabiamente preparados e mais intensamente queridas no obtm xito. Como pode avanar tudo isso com a abstrao da minha debilidade e hesitao? Como pode produzir efeito e arrastar meu pensamento, que deveria ser sua causa? Que fora convincente reside naquelas palavras escritas improvisadamente, sem que delas eu me desse conta, para conseguir o assentimento de tantos? Que sensao de infinito despertam e abalam os espritos? Tremo e, entretanto, avano. Quisera resistir por um instinto de objetividade, e vejo-me arrastado. Quem , ento, que me guia? E quem, por mim, conhece a estrada e o futuro? Sofro desalentos terrveis e, apesar disso, tudo prossegue do mesmo modo. Que sou eu diante do imenso torvelinho de foras que me rodeiam? Que outro grande mundo existe alm deste que todos vem e crem ser o nico? Parece indubitvel que meu trabalho faa parte de um grande programa de renovao mundial que ignoro e que no pode deter-se. Rebelar-me ou vacilar seria em vo. Isto j toda a minha vida. No conheo o futuro, mas sei muito bem que todo movimento iniciado no se poder deter, a menos que tenha completado sua trajetria. Nesta Noite de Natal, todos vs, homens de boa vontade, que sentis uma f viva, uma paixo de bondade, uma alma aberta s palavras de Cristo no importa como a sintais e a manifesteis, desde que essa paixo arda dentro de vs em substancia ajudai-me a orar junto ao Bero para que o Santo Menino nos faa compreender esta sublime maravilha, que desceu do cu sobre a Terra e que o amor fraternal. Parece-me ver o Grande Rei, que veio Terra por amor, ir mendigando de porta em porta, por este nosso triste mundo, implorando-nos por caridade, pelo amor de Deus, um pensamento de bondade para os nossos semelhantes.

    Perusa (Perugia, Itlia). Viglia do Natal de 1933

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    Segunda Parte

    EVOLUO ESPIRITUAL

    (1932) (PREMISSA) Tratarei, nesta monografia, da evoluo espiritual. F-lo-ei em forma de trilogia, com o objetivo de dar equilibro e proporo estrutura conceptual e nexo lgico ao desenvolvimento do tema, tratando: I Concepo; II - Os meios; III A Realizao da Evoluo Espiritual. A necessidade de tratar numa nica monografia um argumento to vasto, que no poderia esgotar-se em muitos volumes, imps-me uma sntese que concluir sem poder se deter nas interminveis particularidades de uma anlise, sem poder completar-se com o desenvolvimento de questes colaterais, ao que tive de renunciar inexoravelmente. No obstante este contnuo esforo de condensao de pensamento, a vastido do tema nos far percorrer os campos mais diversos dos conhecimentos humanos, desde as concepes da cincia moderna histria comparada das religies; desde o contedo espiritual destas e desde o pensamento dos grandes campees da humanidade, at o estudo psicolgico da introspeco, que nos levar s misteriosas profundidades do esprito. De maneira que mesmo quando se queira considerar este escrito somente sob ponto de vista cultural, no duvido que possa interessar s mentalidades maduras, convidando-as ao exame de argumentos, ultra-modernos, interessantes e importantes, porquanto constituem o campo inexplorado ao redor do qual trabalham a filosofia, as religies, a cincia e as arte: o campo dos futuros descobrimentos e das criaes intelectuais e morais. Este escrito, porm, no to-somente um ato de estudo e investigao; no somente um trabalho mental, seno tambm um trabalho de sentimento e de paixo. Nele reside sua maior importncia. No se trata da mentira literria de costume, com que freqentemente um escritor prefere mascarar mais do que revelar seu prprio esprito. coisa bem rara, especialmente hoje um ato de grande sinceridade. Os conceitos que exporei, buscados ansiosamente durante vinte anos de estudo (pois que vida no deve interessar to-somente a soluo dos problemas econmicos, seno tambm o intelectual e moral) foram captados e no extrados dos trabalhos de outrem, no ambiente, nas correntes espirituais da humanidade

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    passada e presente. Achei-os e reconheci-os qual uma estranha recordao nos arcanos insondveis de meu esprito So, para mim, a revelao de uma recndita personalidade prpria; diria, quase, de um oculto eu interior que vive e obra alm dos limites da vida e da morte. Estes conceitos se me manifestaram gradualmente como por uma interna revelao que, a cada choque da vida, a cada recndita dor da experincia, se tornou mais clara. Assim foi aumentando, completando-se num organismo ideolgico, solidificando-se sob o fogo das provas. Depois do largo aprendizado na escola da experincia, em contato com a realidade, invadiram minha psique racional e humana, e agora, depois da total assimilao, dominam-na conferindo-lhe ante os mais graves e intrincados problemas do pensamento humano a segurana que somente pode outorgar a viso direta. No mais pois, vs ideologias, porm, sim, a sabedoria expressa pela luta e pela dor; a experincia provada e concluda com objetividade, mesmo quando pessoal, controlada e direta; no mais uma abstrao, seno o que mais interessante um caso vivido. O leitor se encontrar, portanto, diante da realidade de um drama, e senti-lo-, se lograr ler profundamente, ultrapassando o sentido superficial, lgico e racional que precisei escolher para a demonstrao e o desenvolvimento da tese. Um drama sobretudo, verdadeiro; um drama que, sem dvida, existiu tambm em muitos espritos, perdurando ainda em muitos outros, se bem que encoberto pelo silncio. Um drama que talvez seja o maior que a humanidade conhea, porm que poucos o vivem intensamente e percebem com clareza. Um drama que dever ser desenvolvido pela nova filosofia, pelas novas religies, pela nova cincia, pela nova arte do futuro, e que poder ser expresso por uma srie de argumentaes racionais com a magnificncia do simbolismo e do rito, ou com a concatenao de frmulas matemticas e em expresso pictrica ou potica das sensaes do sub-consciente ai onde est o futuro da alma e da arte ou com a orquestrao sinfnica, tal como foi concebida por Wagner. Wagner vinculou estas concepes ao pensamento coletivo, demonstrando-me a universalidade das mesmas; concedeu-lhes uma importncia que excede a minha contribuio pessoal. Publico-as induzido por um misterioso, indefinvel mandato interior, sob a atrao das correntes psquicas coletivas em via de rpida condensao, ou sob a sensao da madureza dos tempos que invocam e reclamam intrpretes. S o percebe a alma que se preparou no silncio e na solido, sozinha num mundo espiritualmente ausente e alucinado por outras miragens. Grandes tempestades ntimas, filhas do mistrio, junto ao umbral do infinito, desenrolaram-se silenciosamente sob a forma exterior da indiferena, em meio de um mundo superficial e absolutamente incapaz de admiti-las e compreend-las e que, sem embargo, representam um. esforo

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    enorme. Uma luta agnica na qual o homem se encontra sozinho frente a frente aos maiores mistrios! Tudo isto, se reduz o indivduo a uma vida aparentemente insignificante, pois o afasta de toda a afirmao exterior; se absorve suas melhores energias, privando-o das vitrias que os outros podem alcanar, termina, contudo, por acumular nele tanto caudal de fora moral que um dia lhe criar uma vida nova, iluminada numa exploso de luz, como uma ressurreio. Assim, esta monografia poder interessar, tambm, como estudo de um caso psicolgico e de um determinado tipo de personalidade humana. A EVOLUO ESPIRITUAL 1 - A Evoluo Espiritual na Cincia e nas Religies Sintetizo alguns conceitos fundamentais a fim de enquadrar o argumento em minha concepo cosmognica. No agora a oportunidade de entrar em explicaes, nem muito menos em demonstraes, que nos poderiam levar muito longe. Tudo quanto podemos perceber no Universo resume-se a trs elementos fundamentais: Matria, que a sua estrutura esqueltica, o Universo fsico e o dinamismo mecnico que o sustm; Vida, um dinamismo mais complexo, concebida, porm, num sentido imensamente mais vasto, desde o mineral ao homem, existente tambm em outros corpos celestes; Pensamento, um dinamismo ainda mais elevado, representado pelo psiquismo humano, atravs dos nervos, crebro e esprito. difcil separar um elemento do outro, pois a passagem se efetua por evoluo, sem soluo de continuidade. No fundo, trata-se de uma mesma substncia, cuja maneira de existir o transformismo evolutivo contnuo, e que, portanto, se nos manifesta sob forma distinta. Se a consideramos em uma primeira fase, que vai da nebulosa a origem da vida, conceba-la-emos como matria; na segunda fase, que parte do incio da vida ao nascimento do psiquismo humano, chamar-lhe-emos vida; no terceiro perodo, no qual este psiquismo se torna autnomo e cria um novo ser e uma nova vida, teremos o pensamento. O Universo se nos manifesta, desta maneira, uno, ao mesmo tempo composto: trs universos concntricos que se compenetram e se encontram intimamente ligados uns aos outros, pois se sustm mutuamente para elevar-se um sobre a outro a vida sobre a matria, o esprito sobre a vida; encontram-se em relao de filiao ou gnese sucessiva, por evoluo.

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    O Universo assim concebido pode definir-se como um fsio-dnamo-psiquismo. Se indicarmos com M, matria, com V, vida, com P, pensamento e com S, substncia, poderemos explicar-nos tambm com esta equao:

    (M=V=P)=S.

    ou seja, para significar que estes trs elementos, transformando-se por evoluo um em outro, equivalem-se como formas sucessivas na mesma e nica substncia. Sem nos determos em convalidar este conceito com argumentaes cientficas, comparando-o com a idia de "Trindade-Una" que se encontra em muitas religies, interessa-nos agora destacar esta circunstncia fundamental: que a forma de existncia nica, indestrutvel , e no pode ser outra, a de um incessante transformismo progressivo, quase uma irresistvel necessidade inerente natureza mesma. Chegamos assim ao conceito de evoluo: evoluo da matria, evoluo da vida, evoluo do esprito. Eis-nos aqui ante a evoluo espiritual, que o nosso tema. Observemo-la agora mais de perto, relacionando-a com a evoluo orgnica tal como foi exposta por Darwin, de que ia se falou bastante. O conceito, lanado por Darwin, da evoluo da vida, foi, logo, ampliado, concebendo-se uma evoluo (csmica, geolgica, qumica) da matria. No necessitamos voltar a estes conceitos, ia aceitos pela cincia, os quais nos serviro de ponto de partida para proceder ao exame de uma nova evoluo a espiritual ignorada em grande parte pela cincia, ou quando menos ainda no admitida oficialmente por esta. O fenmeno da evoluo espiritual somente se manifesta no ltimo escalo do reino animal que, no conjunto, se encontra muito distante dela, observando-se unicamente no homem. Se o homem, como um microcosmo, reflete em si a construo do Universo e uno em sua personalidade num organismo trplice, composto de uma estrutura ssea (matria), de um conjunto muscular (organismo, vida), e de um sistema nervoso-cerebral (organismo psquico), trs partes que se sustm e se erguem uma sobre a outra, interessa-nos no tanto pelo que representa seu passado, mas porque, encontrando-se no alto da escala de evoluo, deixou de construir-se como matria e como vida, e na sua fase atual obra e cria no campo da evoluo espiritual. Com efeito, a evoluo orgnica no nosso planeta superou o perodo de maior impulso e de novas criaes, permanece estvel, tal como, j anteriormente, se havia estabilizado a evoluo geolgica. Estabilizar-se significa equilibrar-se em formas definitivas ou quase, que no tendem a novas transformaes radicais, por ter alcanado forma de maior rendimento. Assim como um dia se detiveram os

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    grandes movimentos da massa terrestre e a crosta do planeta se solidificou em forma quase definitiva, cristalizando-se os organismos na individualidade alcan-ada, tal como hoje os vemos. A evoluo orgnica, tendo cumprido seu enorme trabalho para chegar ao homem, deteve-se. Deteve-se? Porm, o transformismo ascensional inerente existncia mesma. Os seres continuaram e continuam existindo. Existir significa progredir. Onde? Se no possvel que a evoluo se detenha, qual a nova forma a assumir, especialmente para o homem, que se encontra no ponto mais elevado da escala? Darwin demonstrou ao mundo cientfico a evoluo orgnica do mundo animal at o homem. Com isso, ilustrou todo o passado, toda a histria do organismo humano. Porm, depois?... Atingido o homem, Darwin calou-se, no se atrevendo a olhar o futuro, no sentindo e nem intuindo nada mais alm da evoluo orgnica j cumprida pelo homem. Sem embargo, se existe um caminho ascensional j empreendido e que no pode deter-se, lcito inquirir qual forma tenha de assumir a continuao deste caminho, este incoercvel e progressivo transformismo ascensional que a evoluo; sobre que parte do organismo humano h de intensificar preferentemente sua ao evolutiva, esta grande elaboradora de formas que a Vida? A cincia moderna j considerou como insuficiente o sistema darwiniano de matar a vida para estud-la, ou seja de examinar nos animais, anatomicamente, as partes de um organismo morto, no como cadveres dissecados, porm como seres vivos e em funo, com o propsito de observ-los sob outro ponto de vista, analis-los mais profundamente, descobrir seus instintos, penetrar no mecanismo quase psquico que os anima e os vivifica, intuindo que tudo isso constitui uma forma de vida muito mais importante do que a orgnica. Se esta mudana de observao foi necessria para com os animais inferiores, que devemos inferir para com os homens que os supera a todos? Para o homem, o estudo anatmico dos rgos poder revelar-nos seu passado, mas no sua verdadeira natureza e o segredo do seu futuro. Sua natureza e seu futuro so um psiquismo cada vez em maior desenvolvimento e que tende a libertar-se cada vez mais de todo o suporte orgnico. Se o sistema nervoso e cerebral ainda seu rgo principal, este levado pelas condies da vida moderna, to distinta da primitiva, a funcionar com tal prevalncia sobre todos os rgos e portanto a elaborar-se com tal rapidez que mui prontamente h de invadir todo o campo da vida. Resultar da um psiquismo to intenso e preponderante, que em breve dominar todo o ser, revestindo e definindo toda a sua individualidade, constituindo-lhe uma forma de existncia nova, refazendo-o e transformando-o em um ser diferente. Tal como se fosse uma nova potncia espiritual que exista e evolucione, separada independentemente de

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    seu ltimo sustentculo material, o sistema nervoso e cerebral. Este psiquismo, pois, se por um lado ter como base um sistema que , por sua vez, o produto mais, alto de toda a anterior evoluo orgnica, tender, por outro, a separar-se cada vez mais do mesmo, iniciando uma nova evoluo autnoma e tpica: a evoluo espiritual. Se queremos, pois, buscar no futuro a continuao da evoluo orgnica cumprida no passado, se queremos definir a forma da futura evoluo humana, devemos dizer que esta, logicamente, no poder ser seno psquica: evoluo espiritual, continuao lgica da evoluo orgnica. A vida do homem moderno j no tende mais, atravs da luta e da experincia, a construir rgos fsicos. Com a sensibilidade nervosa e psquica, assimilar novas idias que, depois, sero inatas, novos hbitos que ho de transformar-se em atitudes morais, elaborando este novo organismo psquico humano, que a personalidade. Ser ainda possvel, sem dvida, uma transformao orgnica, no mais, porm, como fenmeno principal que somente intente algum primeiro esboo de psiquismo, seno como fenmeno subordinado, com efeito de carter secundrio dependente da evoluo psquica e que o h de guiar como dona, considerando-o como meio para seus fins. Deste modo, o homem atende, vivendo, a construo de sua alma, ou seja, de uma alma sempre mais complexa e potente; e em tal sentido a alma pode dizer-se um produto da vida. Um organismo novo tende a adquirir uma autonomia cada vez maior, que se cria continuamente e cada dia aumenta, enriquecendo-se com todas as experincias pelas quais atravessa. Certamente, o mais alto produto da vida, o que representa o futuro da raa humana. Temos chegado, assim, ao conceito da evoluo espiritual, e o temos delineado. Observemo-lo ainda mais de perto em suas caractersticas. Pouco ou nada se tem falado no passado com referncia evoluo espiritual, porque o homem ignorou e nunca, anteriormente, viveu coletivamente em vasta escala este fenmeno. O passado no registra movimentos espirituais de massa que possam ser comparados com os atuais; no conheceu seno casos espordicos de seres intelectual e moralmente adiantados, pioneiros do futuro que viveram isolados, e apenas muito tarde, e incompletamente, foram compreendidos. Somente os tempos presentes conhecem o despertar em massa da alma humana, e isto e justamente sua caracterstica principal. Por isso a evoluo espiritual pode considerar-se como fenmeno eminentemente moderno e, indubitavelmente, o fenmeno do futuro. Tenho a mais viva sensao de que a humanidade est hoje ensaiando os primeiros esboos de novas formas do ser; formas de personalidade que sero as individualidades espirituais do futuro. E que se voltou com ardor e firmeza

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    elaborao de organismos novos de uma constituio totalmente distinta, obediente mesma lei que forou a natureza a ir buscar, atravs de repetidos ensaios, nos albores da vida, as primeiras formas orgnicas, hoje desaparecidas, reveladas pela Paleontologia Pelicossauros (Permiano), Pterossauros (Jurssico, Cretceo), Plesiossauros, Ictiossauros, Dinossauros, os mais gigantescos, entre eles o famoso Brontossaurus. Eram formas estranhas, mastodnticas, incompletas, destinadas a desaparecer logo atravs da luta pela seleo, estabilizando-se outras formas em novos equilbrios. Presentemente, tenho a sensao de uma igual efervescncia de luta, de um mesmo fervor de criao, de uma mesma rapidez na apario e na desapario das formas intentadas: monstruosidades grotescas, organismos espirituais anormais, almas es-tranhas, rapidamente eliminadas pela seleo. Sem dvida, a evoluo humana passa hoje por um perodo crtico. A evoluo (em sua primeira forma de evoluo da matria, seja csmica na histria do sistema solar, seja geolgica na histria do planeta, seja evoluo das espcies qumicas, na estequiognese) completou-se: vale dizer que alcanou seus graus mximos. A evoluo orgnica ato fundamental na histria da vida sobre nosso planeta tambm se completou, ou quase, e deteve-se. Em sua forma espiritual, a evoluo inicia hoje um novo caminho com a criao de novas espcies ps-quicas, ou seja individualizadas e distintas pelas caractersticas morfolgicas de natureza prevalentemente psquica. Este representa o fato fundamental na histria da humanidade. Classific-lo-emos num sentido mui lato um fenmeno biolgico, porquanto a evoluo espiritual, no sendo seno a continuao da orgnica, sempre vida, se bem que em forma diferente. Este fenmeno aguarda hoje um homem de cincia e de f que o divulgue e o demonstre, assim como fizera Darwin com a evoluo orgnica; aguarda o apstolo que o defenda, e o gnio que o revele, no j com os mtodos da intuio, patrimnio de alguns eleitos, seno com mtodos racionais da cincia moderna, acessveis a todos. indubitvel que a alma humana, que comeou a despertar-se, depois de um sono de quase vinte sculos, apenas consolidadas hoje as suas primeiras conquistas das grandes unidades nacionais, posta em contato com uma nova realidade criada pelos assombrosos descobrimentos da cincia moderna, est a ponto de afirmar-se definitivamente como organismo autnomo. Esta, que podemos chamar a gnese do psiquismo, representa um acontecimento novo na histria do nosso planeta e da vida; um fato que recorda, em sua grandiosidade, o primeiro condensamento da matria nas formas planetrias e o aparecimento das primeiras individualidades orgnicas da vida.

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    Trata-se de uma grande revoluo da ordem, daquelas que explodem na natureza quando um fenmeno alcanou sua madureza, depois de um lento perodo de incubao silenciosa. Trata-se de uma revoluo biolgica, ou seja, da criao, por evoluo, de um novo ser, de uma superelevao da vida, da formao em massa de seres mais evoludos, at constituir uma nova super-humanidade do futuro.. O homem no foi no passado espiritualmente falando seno uma criana em sua grande maioria, e demonstra-o o fato de que a humanidade, at agora, nunca encarou a soluo dos grandes problemas do conhecimento de forma racional, porm, acreditou no que os grandes, isolados e mais adiantados, haviam visto por si ss e revelado. Somente hoje a alma humana ousou caminhar sozinha, coordenando os esforos de todos, com mtodos externos acessveis a todos, e no revelados nos arcanos misteriosos dos templos: em uma palavra, elevando-se em massa para uma vida autnoma e constituindo-se em coletividade consciente e independente. Estas ltimas observaes nos revelam um novo aspecto da evoluo espiritual. Depois de t-la estudado como evoluo de rgos e capacidades psquicas, apercebo-me que a posso considerar tambm sob um ponto de vista distinto ou seja como a evoluo de pensamentos e ideais. Tratando-se de um fenmeno sumamente interessante, e sobretudo de igual maturao, iminente no atual momento histrico, mister no descuid-lo para chegar ao fundo da questo. Suspendamos, pois, por um momento voltaremos a este tpico, mais adiante, na segunda parte (Mtodos de Realizao) o estudo da evoluo espiritual, considerada como superao biolgica e gnese do psiquismo, e observemo-la sob outro ponto de vista, ou seja como desenvolvimento do pensamento coletivo da humanidade. Chegamos assim s portas de uma nova ordem de conceitos que nos transferir para um campo totalmente diverso: o estudo comparado das religies. Com efeito, o pensamento coletivo do passado est contido, em grande parte, nas religies. Para traar a evoluo espiritual, sob seu aspecto de "evoluo de pensamento", mister seguir a evoluo das religies. Encontraremos relaes tais entre estas, concatenadas quanto ao mesmo fim no seu desenvolvimento que nos ser dado ver e reconstruir a evoluo de um conceito nico e constante, que permanece fundamentalmente idntico, ainda quando cresce e se aperfeioa continuamente at alcanar, nos tempos modernos, uma madureza de grandes propores. Poderemos, desta maneira, observar os antecedentes histricos que prepararam a atual maturidade espiritual, at o triunfo da cincia de nossos dias. Se ligamos este estudo a outro anterior e paralelo, o conceito de evoluo espiritual, esclarecidos sob seus distintos e vrios aspectos, parecer-nos- mais completo e por termo primeira parte. Na segunda, voltaremos ao ponto de vista anterior, para

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    desenvolv-lo ainda mais e trat-lo mais miudamente: falaremos assim dos mtodos para realizar e acelerar este novssimo fenmeno da poca moderna que a transformao do homem em super-homem, e a passagem para uma ordem de vida e de leis superiores. A importncia das religies, como expoentes do pensamento coletivo, no pode ser posta em dvida As religies so as grandes filosofias coletivas, as nicas nas quais tomaram parte as massas humanas, e se do as mos e se unem como se fossem a cincia progressiva da humanidade. O pensamento delas se enriquece, adquirindo potncia e profundidade, medida que, com a evoluo, aumentam a capacidade e o poder da alma humana. Intuies progressivas da verdade em forma sempre mais vasta e completa, relaes de homens com o divino por obra de alguns eleitos e clarividentes, foram comunicadas, reveladas a uma humanidade que compreendeu e ps em prtica o que pde, e que, absolutamente ignara em relao s concepes supranormais do subconsciente, aceitou-as na forma psicologicamente passiva da f cega, a nica possvel, dado o nvel espiritual da coletividade. Sigamos, atravs da histria das religies, o desenvolvimento deste conceito nico e fundamental, e encontraremos uma religio muito mais vasta, nica e universal, e seguiremos sua evoluo, que a evoluo do pensamento humano. Religio que vai desde o Vedantismo ao Bramanismo, a Buda, se difunde pelo Egito, chega ao Mosasmo, para dilatar-se no Cristianismo at cincia moderna. Avana em va-galhes, como um oceano em tempestade, agitado e impelido pelo sopro do Eterno. Sobre esta crista espumosa das ondas relampejam pensadores, mrtires, profetas de todos os tempos e de todos os povos. Cada uma de suas formas um esforo do pensamento humano para evoluir; uma aproximao maior da verdade; uma tentativa da alma humana para erigir-se em tipo de espiritualidade cada vez mais perfeita. No possvel, neste escrito, seguir detalhadamente a histria de todas as religies da humanidade; ser mister faz-lo sinteticamente, limitando-nos s principais. A evoluo espiritual da humanidade pode dividir-se em trs grandes etapas: o Budismo, o Cristianismo e a cincia moderna. Na antiqussima ndia, o Bramanismo, filho da sabedoria vdica, havia realizado ainda quando pelo sistema de iniciao secreta a cincia do esprito, a que seguia com mtodos de meditao e de disciplina asctica, chamados Ioga. Nas profundidades do mundo interior descobrira alguns grandes conceitos, com os quais havia resolvido os mais vastos problemas do conhecimento. Tudo isto, porem, em uma humanidade ignorante, havia quedado necessariamente como privilgio de uma casta e segredo de poucos iniciados. Somente com Buda ltima flor do gnio hindu, surgido quando a civilizao bramnica, esmagada sob

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    o peso de seu passado, comeava a cansar-se e a declinar realizou-se publicamente o que o Bramanismo havia realizado em segredo, e lanou ao mundo fazendo-a pela primeira vez patrimnio de todos a mais profunda filosofia da vida. Foi este o primeiro passo. O Budismo divulgou dois grandes conceitos: to grandes que ainda hoje no se extinguiu o seu eco na moderna Europa. Estes conceitos so: reencarnao e carma: Reencarnao significa uma srie de vidas humanas sucessivas para a mesma personalidade espiritual. Carma significa encadeamento, sucesso lgica dessas vidas, seu desenvolvimento no tempo de acordo com uma lei de causalidade que, com perfeita justia, cria o destino individual. Foi assim, atravs do Budismo, que esta grande idia da evoluo espiritual comeou a formar-se na conscincia coletiva. Afirmada a existncia desta evoluo com os conceitos de reencarnao e carma, o Budismo comeou a realiz-la seja com a renncia, como meio de libertao e ascenso, seja com os mtodos de introspeco e anlise por intuio. Conduzindo a novas formas de viso psquica e percepo espiritual, revelando e aperfeioando os misteriosos poderes do esprito que ainda hoje permanecem vivos e vitais, em um mundo to diferente volvem a influir at entre os pregadores do materialismo cientfico, causando perplexidade ao homem moderno, acostumado a perceber to-somente com os sentidos e a investigar, exclusivamente, com a observao e a experimentao. O Cristianismo d um passo ainda mais gigantesco Se o Budismo viu, na evoluo espiritual, a fase da destruio da animalidade (supresso do desejo, renncia), o Cristianismo observou a sua fase sucessiva, a reconstruo do super-homem; se Buda disse: "a evoluo espiritual existe (reencarnao, carma); buscai-a em vs mesmos" (introspeco), somente Cristo traou no campo desta evoluo a realizao completa de nosso progresso. Porm, a distncia que separa o Cristianismo do Budismo se evidencia toda no problema da dor. As religies, realizando a evoluo, no so mais do que formas de luta contra esta grande inimiga, j que a misso da evoluo suprimi-la, embora ela signifique instrumento de felicidade, progresso e at bem-estar. No fundo, Buda e Cristo partiram da observao desta lei atroz e prpria da animalidade, da qual no est isento o homem, e que foi definida por Darwin "a luta pela seleo do mais forte"; luta que no conhece piedade, necessidade inevitvel no nvel das formas inferiores de vida, e que engendra, como mal irreparvel, a dor. Buda, movido por uma imensa piedade, foi o primeiro que exps o problema de sua supresso e buscou um sistema que cortaria o mal pela raiz, no afogamento do desejo na aniquilao a vida. Por ltimo, numa renncia completa que culmina no Nirvana, na paz absoluta da libertao. Uma fuga da vida, para

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    libertar-se dos males que lhe ao prprios; uma negao global das dores e prazeres, no estacionamento sublime da imobilidade. Assim a luta, que a causa da dor, atacada no desejo, sua primeira raiz posta no corao do homem. Sem dvida, com ele o problema da dor enfrentado com toda a energia. O Cristianismo, mesmo quando segue e completa o mesmo conceito, chega muito mais longe: o problema exposto e resolvido em forma distinta e mais radical. Se o Budismo, para destruir a causa da dor, se conforma mediante a supresso do desejo com o aniquilar a natureza inferior no homem, o Cristianismo conduzindo-o de todo a outro nvel biolgico f-lo ressurgir em um mundo novo onde a lei atroz da luta pela seleo do mais forte lei bestial da injustia e da fora superada, e com esta a dor acaba definitivamente vencida. Se o Bu-dismo se limita a explic-la, e justific-la, chegando, atravs da introspeco, aos conceitos de reencarnao e carma, e ensina, pela renncia, o modo de evit-la, o Cristianismo, dizendo paixo, redeno e ressurreio, ensina a utiliz-la e am-la como um precioso instrumento que serve de alavanca para evoluir e edificar-se em uma vida mais elevada. No Cristianismo, a dor j no a ameaa e o terror do homem, o inimigo contra o qual se luta; at que seja por assim dizer domesticada e se converta em fora amiga e til para realizar a evoluo espiritual, ou uma aproximao cada vez maior da felicidade. Ao inimigo do homem no se pode vibrar golpe mais rude. A transformao da dor, de instrumento de pena em um meio de felicidade, no s concepo nova na histria do pensamento humano, seno tambm uma estrepitosa vitria, a maior revoluo moral que jamais haja existido. Tudo isto no seno a boa nova predicada por Cristo. Nesta valorizao da dor reside o significado do Cristianismo: este a apoteose da dor e baseia-se sobre a vida do Cristo, que foi o poema da paixo. Buda no teve paixo: ele adormeceu tranqilamente no Nirvana. Eis aqui o profundo significado do drama da cruz: elevao, at os mais altos graus dos valores humanos, de tudo o que havia de mais abominvel a dor; cruz que se converte em smbolo de uma religio, santificando o que o homem havia temido e odiado. Vencer a dor, abraando-a e amando-a, e ao mesmo tempo utiliz-la como o mais ativo fator de evoluo, como um meio sempre ao alcance da mo para fazer do homem um ser novo que vive uma vida mais elevada, mais santa, mais feliz: este o significado da redeno e da ressurreio crist. O Budismo, embora o largo caminho j percorrido, no pudera de nenhum modo chegar a uma to profunda Interpretao da vida: movera todas as foras da inteligncia, porm somente o Cristianismo movimentou todas as foras do corao. Somente o Cristo ressurge. O Cristianismo uma elevao imensa e clida para a vida, entendida em uma forma

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    mais digna. As paixes humanas no so destrudas seno em sua forma inferior, e subsistem e se levantam para um nvel mais alto; o paraso cristo no somente o descanso que deriva da negao da dor e do mal, mas uma nova forma de vida da qual o homem se expande depois de sua reconstruo espiritual, que a sua ressurreio e sua redeno. No devemos, por isso, conceber um antagonismo entre Budismo e Cristianismo. Haver, no mximo, contradio nas formas e exteriormente, porm na realidade no se trata de uma verdade colocada frente de um erro Nenhuma religio constitui um erro, se ocupa o seu lugar. O Cristianismo , simplesmente, mais evoludo e mais completo do que o Budismo, sua continuao lgica, a evoluo de. um mesmo conceito que, uma vez iniciado avana consegue uma perfeio maior. Relao entre o menos, que prepara o mais, e o mais que pressupe o menos; uma complementao recproca de elementos, indispensvel para formar uma religio completa; um Cristianismo explicado pelo Budismo naquelas partes (reencarnao e carma) que o Cristianismo esqueceu em seu caminho; um Budismo completado pelo Cristianismo (redeno atravs da dor). Duas concepes no contrrias entre si, pois a maior compreende a menor em seu seio; dois mtodos, sendo o segundo mais completo do que o primeiro; duas filosofias progressivas que marcam duas etapas no caminho da evoluo espiritual da humanidade; dois graus na mesma escala do progresso humano; duas revelaes aparecidas em distintos momentos histricos nos quais a humanidade se encontrava em diferentes graus de madureza; dois ideais de diferente potencialidade que se subseguem no mesmo caminho. Deixei de mencionar, por brevidade, as outras religies do passado, que podem vincular-se a estes dois troncos principais, como ramos laterais de uma mesma rvore: seja a egpcia, que possui muita afinidade, em suas concepes da vida, com a antiga civilizao da ndia. A religio de Israel no seno a preparao do terreno em que devia nascer o Cristianismo. Estas religies se auxiliaram e se sustentaram mutuamente, confiando-se a custdia dos grandes conceitos que se deviam conservar, maturar e assimilar, transmitindo-os para que fossem aperfei-oados ainda mais, uma vez cumprida sua prpria funo histrica. Assim, profetas e povos foram elaborando, pouco a pouco como a construo de um grande edifcio a trama de uma religio mais vasta, que se levanta sobre os alicerces de uma verdade nica, que se mantiveram constantes atravs das formas mais diferentes dos tempos e lugares, manifestando-se cada vez mais luminosamente. No falo da antiga Grcia fenmeno espiritual mais complexo, que, se por um lado contm e transmite os germes conceptuais do Oriente ao Ocidente, por outro pode ser considerado na perfeita realizao conseguida do divino no humano, na mais harmnica fuso alcanada entre o esprito e a matria como um descenso

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    daquele nesta e uma pausa no caminho da evoluo espiritual. Especialmente se vinculamos o Helenismo antiga Roma (que careceu de conceitos espirituais, pois no podia possu-los o ideal do domnio material do mundo conseguido pelo sistema da organizao da fora) encontraremos nele a elaborao de um conceito distinto: aquele ao qual, mais tarde, devia nascer o materialismo utilitarista moderno. Trata-se de um materialismo primeiramente helnico, depois romano, e em seguida moderno: uma concepo pag da vida que difere das concepes religiosas do ciclo examinado na evoluo espiritual, porquanto no se prope como aquelas realizar a felicidade no mundo interno, no desenvolvendo, mas dominando o mundo e a natureza com a inteligncia e a fora. Estes so os dois extremos do pensamento humano: esprito e matria, paganismo e Cristianismo. Ocidente e Oriente o Oriente permanece indiferente ante o mundo exterior, esquivando-se ao seu contato para dedicar exclusivamente no aperfeioamento da personalidade humana, e o Ocidente que triunfa hoje na moderna civilizao europia-americana, segue o ideal oposto. As duas concepes, no Oriente e no Ocidente, tambm hoje se encontram frente a frente: o alcance da felicidade, atravs da evoluo do mundo exterior, apegando-se cada vez mais a este. Em outros termos, dois mtodos renncia e conquista, dor e trabalho; dois adversrios que se excluem, destinados, porm, quem sabe, a unir-se e a colaborar. Levar-nos-ia muito longe, porm, a explicao das complexas funes destas foras colaterais que atuam nestas civilizaes de tipo distinto. No nos cabe falar das ramificaes mais recentes que se diferenciam do Cristianismo to-somente em pormenores; volvamos, pois, ao argumento interrompido. O Cristianismo no se detm no caminho da evoluo espiritual. A idia de Cristo sobre a redeno do homem apenas se lanou na histria do mundo. Em dois mil anos a humanidade assimilou somente uma pequena parte, permanecendo pag e politesta como antes. Fixaram-se apenas, e nem sempre em forma estvel alguns conceitos nas instituies que hoje constituem o patrimnio da civilizao moderna, que a civilizao crist. Estamos ainda longe da realizao completa da idia de Cristo, aquela que os Evangelhos chamam a vinda do Reino dos Cus. Para realiz-la, importaria que a moral de Cristo saturasse totalmente as instituies, que se formasse uma humanidade organizada sobre bases distintas e radicalmente diferente sobretudo nos instintos, nas normas de vida, na f dos indivduos. A evoluo espiritual tem, pois, largo caminho a percorrer.. Entretanto, um fato novo surgiu neste ltimo sculo: a cincia. A cincia representa, depois do Budismo e do Cristianismo, um novo grande passo a frente no caminho da evoluo espiritual. A cincia moderna, se bem que tenha comeado excedendo-se, no af de concluir, arrastada pelo entusiasmo de seu primeiro aparecimento e tambm por uma natural reao corretiva do abuso que as

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    religies praticaram; se bem, apenas nascida, fundira-se no materialismo, infectando o mundo de utilitarismo, fazendo retrogradar o homem quela animalidade na qual somente o havia estudado, e produzindo como ltima repercusso desastres coletivos dos quais a Europa ainda demorar-se- para se refazer, apesar de tudo dizia a cincia moderna constitui um acontecimento novo na histria da alma humana. Se a necessidade de se afirmar levou-a a exagerar desde o princpio, e engendrou a atual civilizao utilitria, necessariamente truncada e unilateral, entretanto este esforo de pensar por si, com que a humanidade demonstra ter ultrapassado para sempre a idade menor da f na revelao, maravilhoso. At ento a verdade como j disse antes era oferecida, j plasmada, pelos grandes solitrios, os quais, tendo-a intudo com meios prprios e excepcionais, comunicavam-na em seguida a uma humanidade que, sendo incapaz de encontr-la por suas prprias foras, aceitava-a passivamente. A humanidade, hoje; rechaa esta forma primitiva de conhecimento, ousando olhar de frente, unicamente com suas prprias foras, o mistrio. uma humanidade em marcha para a sua idade adulta e que deseja olhar o mundo com seus prprios olhos. Eis o grande passo para a frente que a humanidade realiza hoje no caminho da evoluo espiritual: progresso, porquanto, todos so admitidos na investigao e colaboram na mesma com mtodos novos: a observao e a experimentao. Todos aqueles que desejam e sabem, podem conduzir o seu gro de areia na construo do grande edifcio da verdade, e os resultados so acessveis a todos, atravs das formas de vulgarizao do saber e a democratizao dos conhecimentos anteriormente ignorados. Isto h de conduzir a humanidade para a sua madureza intelectual, a fim de seguir, sem antagonismo, o caminho empreendido pelo Budismo e pelo Cristianismo. Sem antagonismo e, se os teve e todavia os possui, so transitrios e relativos. O objetivo fundamental da verdadeira cincia o mesmo que o das religies: a busca da verdade; e fora de a buscar, esta cincia ter de chegar necessariamente onde nunca tivera suspeitado chegar: a demonstrao da idia de Cristo. natural que se encontrem na meta, que a mesma, porquanto so somente distintas as rotas seguidas para alcan-las: por uma parte a revelao, por outra a observao. A verdade, que una, no pode variar pelo fato de ser alcanada por vias diferentes. Esta , justamente, a funo histrica da cincia moderna, e no mais a utilitria, que apenas possui como fim a realizao de uma felicidade material. Este seu significado como nova etapa na estrada da evoluo espiritual do homem: a demonstrao das verdades, at ento somente conhecidas por revelao, contidas nas religies. Estas perdero seu aspecto misterioso e inacessvel que tanto fatiga a mentalidade moderna. Preenchero suas lacunas, desaparecero seus antagonismos exteriores e

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    aparentes e suas discrepncias com vrias filosofias. Adquiriro, com a demonstrao cientifica, a evidncia, a tangibilidade que hoje atormentam e as imporo por assim diz-lo a todo ser racional. Assim, a cincia moderna, seguindo a estrada e completando a obra do Budismo e do Cristianismo, assinalar a chegada do Reino dos Cus, ou melhor, oferecer-nos- o super-homem espiritualizado do futuro e realizar uma fase ainda mais avanada da evoluo espiritual. Resumindo: o mrito de haver primeiramente afirmado a existncia da evoluo espiritual corresponde ao Budismo; ao Cristianismo o de haver ensinado os meios para realiz-la. Corresponder Cincia o de demonstr-la, divulg-la e, em seguida, realiz-la. Observamos, realmente, em nosso mundo civil, um fato sintomtico de primordial importncia para a histria da evoluo espiritual Na Europa moderna, cadinho das idias do mundo, em um perodo febril que quase raia ao neurtico, em um momento espiritualmente critico como o atual, no qual parecem agitar-se as grandes idias da Histria e das correntes espirituais da humanidade, nesta Europa dizia encontramos reunidas as trs grandes formas do pensamento humano: o Budismo, o Cristianismo, a Cincia. O Budismo antigo, ressurgido no moderno movimento teosfico, representa a idia de reencarnao e carma, o conhecimento de mtodos para encontrar uma conscincia interior atravs das escolas do pensamento, e uma primeira forma de purificao espiritual por intermdio da renncia. Estes conceitos profundos da antiga sabedoria hindu so necessrios para explicar e completar a filosofia crist que, com o correr dos sculos, os ia perdendo. A teosofia neobudista est, desta maneira, confiada uma grande misso na reconstruo espiritual da Europa moderna. O Cristianismo, nas formas de Catolicismo, Protestantismo e outras afins, representa a idia da funo criadora da dor no mundo espiritual, o conhecimento dos mtodos de evoluo das paixes e dos instintos, mtodos tendentes a realizar a transformao biolgica do homem no super-homem, isto , o aparecimento do novo homem espiritual: misso de reconstruir a humanidade, reconstruindo o indivduo. A cincia, em suas infinitas ramificaes, representa a funo da demonstrao racional das verdades reveladas, e, com isto, a obra de divulgar as idias contidas nas religies e de realizar na vida os postulados das mesmas: fecundao das idias dos grandes solitrios mediante o esforo da srie infinita dos indivduos, misso de realizar a evoluo espiritual. Se, porm, cada uma destas trs grandes foras espirituais representa uma idia, uma tarefa, um trabalho prprio, as trs juntas tendem a um fim muito maior que o de conseguir a fuso de todas as concepes em uma concepo nica e mais ampla, fuso que ser a unificao espiritual de religies, filosofias e cincia,

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    sntese de todo pensamento humano, nova religio do futuro, na qual todas as sucessivas e diversas aproximaes da verdade, conquistada paulatinamente pelo homem, encontraro seu lugar, completando-se e fundindo-se numa s verdade universal. Temos notado, atravs do desenvolvimento da idia religiosa da humanidade, a presena de um pensamento constante, mesmo quando se vai transformando no tempo, em um conceito nico e universal, se bem que plasmado diferentemente pelos distintos temperamentos dos povos. Existe, pois, apesar das distncias de tempo e espao uma concordncia de princpios fundamentais, uma relao de partes, um aumento contnuo e do mesmo ncleo primitivo que no deixam lugar a nenhuma dvida. No devemos alarmar-nos pelas aparncias, isto , se aparentemente estas trs grandes foras espirituais se encontrem em conflito, se tendem a excluir-se, se esto continuamente em luta. Lutam pela necessidade mais urgente, que a de afirmar-se a si mesmas, se bem que separadamente, ou seja, de defender antes de tudo a sua prpria existncia. Sentindo-se cada uma delas um elemento vital, indis-pensvel ao futuro do pensamento humano, defendem-se desesperadamente, como se tivessem o terrvel pressentimento de que seu prprio fim poder prejudicar a reorganizao futura dos mais altos destinos do esprito humano. Este instinto de conservao individual natural e providencial. Todavia, no fundo, se as trs foras se chocam entre si, tambm para que se conheam melhor, porque, na realidade, buscam-se para tocar-se, para sentir-se, para encontrar um encaixe que lhes permita, algum dia, a fuso. Se a preocupao pela prpria integridade e conservao , como no indivduo, a mais pertinaz, no menos viva, se bem que menos visvel, a de poder achar um meio de uma fuso futura. Estes trs princpios, o Budismo, o Cristianismo e a Cincia, acabaro por fundir-se na Europa moderna, transbordante de idias, que continua sendo o crebro do mundo, se bem que esteja bastante cansada pelo muito que lutou e viveu. Nesta Europa ultramadura, a civilizao fartamente avanada, para que no deva iniciar sua regresso, antes de extinguir-se, deseja brindar ao mundo a maior criao do pensamento humano: a religio sinttica do futuro. Outros povos do Ocidente americano, mais jovens e mais aptos para a luta, herdaro como j vm herdando toda a nossa civilizao a nova grande f, e vivero para lev-la mais adiante. Todavia, mesmo que a Europa tivesse vivido to-somente para realizar esta criao, no teria vivido inutilmente. II - Os Caminhos da Libertao

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    Delineamos, na primeira parte deste estudo, a existncia de uma evoluo espiritual, que se manifesta especialmente no atual momento histrico, como resultado de dois fenmenos; a madureza psquica do organismo humano que conduz superao da animalidade, a transformao biolgica do homem em super-homem; a maturidade do pensamento coletivo da humanidade, que ascende, atravs da evoluo das religies, para uma conscincia universal Duas madurezas: madureza de rgos psquicos, que determina a capacidade de concepes, e madureza de produtos conceptuais do pensamento coletivo Duas madurezas que se pressupem reciprocamente, se ajustam e se sustm mutuamente para levantar a humanidade ao plano da linha de evoluo espiritual, conduzindo-a a um estado de conscincia nova e mais elevada. Na terceira e ltima parte deste escrito veremos qual esta conscincia. Antes de chegar a este ponto, observemos, nesta segunda parte, quais so os caminhos que conduzem realizao da evoluo espiritual. Denominei-os, ex-professo4, caminho da libertao, para indicar de quantas qualidades humanas e subumanas devemos como almas em expiao libertar-nos antes de alcanarmos o reino do super-homem. Grandiosa ascenso humana que, partindo do inferno da animalidade (o mundo da besta), atravessa o purgatrio da dor que redime (o mundo humano), para chegar ao paraso da realizao do di-vino (o mundo super-humano). A lembrana da trilogia dantesca e da f que no pertence somente ao Poeta, mas a toda a Idade Mdia e maior religio do Ocidente na ascenso espiritual nos far uma boa companhia neste estudo que pretende ser uma demonstrao racional do espiritualismo. Demonstrao daquela mesma f, porm de acordo com os conceitos da cincia e da psicologia modernas; uma solidificao dos fundamentos desta eterna e imprecisa aspirao da alma para o Alto, batendo-a sobre a bigorna da observao objetiva; elevao, ao mesmo tempo, do materialismo para o espiritualismo, continuando e completando o primeiro, justificando racionalmente o segundo. No mais ecletismo, mas fuso entre estes dois extremos do pensamento humano, inconciliveis to-somente na aparncia e transitoriamente; e, mais do que fuso, fecundao, j que de sua unio nasce uma criatura nova, um espiritualismo cientfico, que a verdade mais completa do futuro. No sendo materialismo e nem espiritualismo, os partidrios de ambas as escolas ficaro insatisfeitos, porm no importa. Entretanto, projeta-se uma luz nova sobre os eternos problemas, agrega-se algo s filosofias do passado. Uma f viva, que no est fossilizada nas mentiras convencionais a que hoje ficaram reduzidas as mais altas idealidades, uma f mais prxima da nova psicologia dos tempos, exerce forte presso, e aquele que como eu possui uma f, mister que d o testemunho da mesma. 4 Como quem conhece a fundo a matria ou assunto; magistralmente.

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    Volvamos aos conceitos com que iniciamos este estudo, e que deixamos no meio da primeira parte para estudar a evolu