fractais, caos e Álgebra linear - autenticação · corrosão podem ser modelados utilizando...

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Fractais, Caos e Álgebra Linear Autor: Rita Mendonça e Costa Nº80784 Engenharia Aeroespacial Álgebra Linear Professor Paulo Pinto Instituto Superior Técnico Janeiro 2015 Um pouco de História No final do século XIX e no início do século XX, múltiplos (e bizarros) conjuntos de pontos do plano Euclidiano começaram a aparecer na Matemática. Ainda que, inicialmente, fossem apenas curiosidades, estes conjuntos – designados fractais – rapidamente ganharam importância. Actualmente, reconhece-se que estes conjuntos revelam e descortinam fenómenos biológicos e físicos anteriormente considerados aleatórios, barulhentos, ou caóticos. O termo fractal é da autoria de Benoît Mandelbrot, e provém do latim frangere (verbo que significa partir/fragmentar). Esta origem revela-se bastante legítima, tendo em conta que muitos fractais podem ser transformados em fragmentos mais pequenos (que são semelhantes ao fractal maior). Ainda assim, quando um fractal é «aumentado», mantém-se tão complexo quanto a figura original! Desta forma, os fractais retratam perfeitamente a noção de «mundos dentro de mundos». Quanto mais ampliado estiver um fractal, maior detalhe é possível distinguir. Na realidade, estas figuras resultam de múltiplas iterações da aplicação de modelos matemáticos, sendo que o princípio de auto-semelhança representa a chave para a criação de fractais. Gaston Julia (1893-1978) descobriu grande parte dos conceitos em que a geometria de fractais se baseia. Aos 25 anos, o matemático publicou o trabalho que o tornaria conhecido durante muito tempo; ainda assim, Julia deixou as suas investigações estagnarem durante os 60 anos seguintes. Só mais tarde (com Mandelbrot) foi possível retomar os estudos de Gaston Julia; no final da década de 70, com a popularização dos computadores, Benoît Mandelbrot pôde desenvolver a parte gráfica associada aos fractais, juntando os resultados da sua pesquisa ao trabalho de Julia. Nascera assim a geometria de fractais. Presentes na Natureza em diversas manifestações, os fractais têm ocupado os interesses e o estudo de inúmeros matemáticos, que, nas suas investigações, têm exposto resultados extraordinários e surpreendentes acerca destes fenómenos.

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Fractais, Caos e Álgebra Linear

Autor:

Rita Mendonça e Costa

Nº80784

Engenharia Aeroespacial

Álgebra Linear

Professor Paulo Pinto

Instituto Superior Técnico

Janeiro 2015

Um pouco de História

No final do século XIX e no início do século XX, múltiplos (e bizarros) conjuntos de pontos

do plano Euclidiano começaram a aparecer na Matemática. Ainda que, inicialmente,

fossem apenas curiosidades, estes conjuntos – designados fractais – rapidamente

ganharam importância. Actualmente, reconhece-se que estes conjuntos revelam e

descortinam fenómenos biológicos e físicos anteriormente considerados aleatórios,

barulhentos, ou caóticos.

O termo fractal é da autoria de Benoît Mandelbrot, e provém do latim frangere (verbo que

significa partir/fragmentar). Esta origem revela-se bastante legítima, tendo em conta que

muitos fractais podem ser transformados em fragmentos mais pequenos (que são

semelhantes ao fractal maior). Ainda assim, quando um fractal é «aumentado», mantém-se

tão complexo quanto a figura original! Desta forma, os fractais retratam perfeitamente a

noção de «mundos dentro de mundos».

Quanto mais ampliado estiver um fractal, maior detalhe é possível distinguir. Na realidade,

estas figuras resultam de múltiplas iterações da aplicação de modelos matemáticos, sendo

que o princípio de auto-semelhança representa a chave para a criação de fractais.

Gaston Julia (1893-1978) descobriu grande parte dos conceitos em que a geometria de

fractais se baseia. Aos 25 anos, o matemático publicou o trabalho que o tornaria conhecido

durante muito tempo; ainda assim, Julia deixou as suas investigações estagnarem durante

os 60 anos seguintes.

Só mais tarde (com Mandelbrot) foi possível retomar os estudos de Gaston Julia; no final

da década de 70, com a popularização dos computadores, Benoît Mandelbrot pôde

desenvolver a parte gráfica associada aos fractais, juntando os resultados da sua pesquisa

ao trabalho de Julia. Nascera assim a geometria de fractais.

Presentes na Natureza em diversas manifestações, os fractais têm ocupado os interesses e

o estudo de inúmeros matemáticos, que, nas suas investigações, têm exposto resultados

extraordinários e surpreendentes acerca destes fenómenos.

Conjuntos auto-semelhantes

Um conjunto em R2 é considerado limitado se for possível rodeá-lo por um círculo

adequadamente grande e fechado se contiver todos os pontos da sua fronteira com o

exterior.

Já dois conjuntos em R2 dizem-se congruentes se puderem tornar-se coincidentes apenas

através de rotações e translações apropriadas em R2. Consideraremos também as noções

de conjuntos disjuntos e não disjuntos.

Definição: Seja T: R2→R2 a transformação linear que efectua o escalamento de um factor s.

Se Q é um conjunto em R2, então T (Q) (o conjunto das imagens dos pontos em Q, através

da transformação T) é uma dilatação (se s> 1) e uma contracção (se 0<s<1). Em ambos os

casos, dizemos que T (Q) é o conjunto Q escalado de um factor s.

Aplicações de Fractais

Medicina: Actualmente, sabe-se os pulmões, o vírus da SIDA, as fracturas ósseas e os

batimentos cardíacos são de natureza fractal.

Ciência: A utilização da geometria de fractais tem-se revelado particularmente útil na

localização de petróleo, na identificação de falhas geológicas e na previsão de sismos.

Por outro lado, sabe-se também que o comportamento das chuvas ácidas e a evolução da

corrosão podem ser modelados utilizando geometria fractal. Até a Teoria do Big Bang e a

compreensão da estrutura do Universo podem ser melhorados com fractais !!

Indústria: No fabrico de molas, utiliza-se geometria fractal para testar os produtos com

maior rapidez (por exemplo, é agora possível testar molas em 3 minutos, em vez de 3

dias…). Existem também modelos estatísticos (baseados em geometria de fractais)

utilizados para testar a tensão aplicada em plataformas petrolíferas e os efeitos da

turbulência em aeronaves.

Sabe-se também que os algoritmos associados à compressão de imagens e de modificação

da sua definição envolvem geometria de fractais. Finalmente, é ainda aceite que a

meteorologia (mais concretamente, o estudo dos fenómenos atmosféricos) e a bolsa

tenham uma natureza profundamente fractal…

Militar: Uma «pegada» fractal pode ser utilizada para distinguir características naturais de

um lugar de aspectos construídos pelo Homem (em mapeamento por rádio e na

localização de submarinos, por exemplo).

Natureza: Em cristais de gelo, em conchas…até na couve-flor! (ver imagem página 4).

Cinema: A utilização de fractais na construção de paisagens e de texturas na indústria

cinematográfica é recorrente. Por exemplo, no filme Parque Jurássico, as gotas de chuva na

pele dos dinossauros foram dispostas num padrão utilizando um modelo fractal.

Fractais, Caos e o Efeito Borboleta Muitas aplicações matemáticas e modelos físicos assumem, à primeira vista, um

comportamento caótico e aleatório. No entanto, estes sistemas escondem um elemento de

ordem mais profundo (por exemplo, a criação de números aleatórios, a arritmia

cardíaca…até mesmo as mudanças na mancha vermelha de Júpiter e os desvios na órbita

de Plutão!). Nas palavras de James Gleick:

«Na última década, físicos, biólogos, astrónomos e economistas têm criado uma nova

forma de compreender o crescimento da complexidade da Natureza. Esta nova ciência, o

caos, oferece uma nova forma de encontrar ordem e padrões onde anteriormente só o

aleatório, o errático e o imprevisível – em suma, o caótico – tinham sido encontrados.»

E, na famosa série de debates com Niels Bohr, acerca da Física Quântica, Albert Einstein

declarou que «Deus não joga aos dados com o Universo». Contudo, o caos implica, segundo

Joseph Ford (Instituto de Tecnologia da Geórgia):

«Deus joga aos dados com o Universo. Mas são dados viciados. E o maior objectivo da

Física neste momento é descobrir as regras segundo as quais estes foram viciados…e usá-

las em nosso próprio proveito.».

A noção de caos desenvolveu-se significativamente a partir dos estudos do meteorologista

Edward Lorenz, que trabalhava no MIT. Em 1960, utilizando um computador equipado

com tecnologia de ponta, Lorenz criou uma simulação meteorológica utilizando um

sistema simples de equações (tendo em conta que a máquina utilizada não possuía poder

computacional nem memória para um modelo matemático mais sofisticado).

Introduzidas as condições iniciais e realizada a simulação, o cientista procurou analisar

um caso particular em maior detalhe. Deste modo, reintroduziu as condições iniciais.

No entanto, diminuindo a exactidão dos valores em apenas algumas casas decimais,

Lorenz ficou abismado com a diferença de resultados obtida. Esperando apenas pequenas

diferenças, o meteorologista verificou, perplexo, que o segundo modelo rapidamente

divergia do primeiro.

A partir daqui, formou-se a noção de que os sistemas muitíssimo complexos (como por

exemplo, a meteorologia) são extremamente sensíveis às condições iniciais. Erros

pequenos propagam-se rapidamente!

Lorenz chamou a este fenómeno O Efeito Borboleta: «o bater das asas de uma borboleta na

China poderia causar uma tempestade de neve em Chicago!».

Só aquando da publicação do artigo O Período Três implica o Caos (Period Three Implies

Chaos, James Yorke e Tien-Yien Li) é que a palavra «caos» foi cunhada com o significado

matemático que hoje lhe conhecemos.

Imagens

Enquanto a matéria é composta por unidades discretas (átomos – que por sua vez são

também constituídos por unidades discretas mais pequenas), também as imagens são

constituídas por unidades discretas – pixels.

Um pixel é um quadrado pequeno, que representa um determinado valor de cor. Quando

reunidos, os pixels que compõem uma imagem formam um mosaico (a própria imagem).

A imagem pode ser representada por uma matriz m x n, em que m representa o número de

linhas de pixels e n representa o número de colunas. Assim, cada entrada da matriz – que

contém um determinado valor numérico – representa uma determinada cor. Se

designarmos por A a imagem abaixo,

A= [150 ⋯ 200⋮ ⋱ ⋮

340 ⋯ 290] representa a imagem acima. (Nota: as entradas da matriz têm, neste

caso, valores arbitrários).

Arnold’s Cat Map

Um exemplo particular do caos é uma aplicação designada Arnold’s Cat Map (em

homenagem ao matemático russo Vladimir I. Arnold, que descobriu este fenómeno

utilizando a imagem de um gato). É uma demonstração simples e elegante, e ilustra alguns

dos princípios fundamentais do caos – nomeadamente, a ordem escondida por detrás de

uma evolução aparentemente aleatória de um sistema. Neste processo, uma imagem sofre

uma transformação que, à primeira vista, torna aleatória a organização original de pixels.

Contudo, se sofrer transformações (aliás, iterações) suficientes, a imagem primitiva

reaparece (como que por magia…).

Para descrever esta aplicação, é necessário introduzir algumas noções sobre aritmética

modular. Se 𝑥 é um número real, então a notação 𝑥 𝑚𝑜𝑑 1 designa o único número no

intervalo [0, 1[ que difere de 𝑥 por um número inteiro. Por exemplo:

2.3 𝑚𝑜𝑑 1 = 0.3

0.9 𝑚𝑜𝑑 1 = 0.9

−3.7 𝑚𝑜𝑑 1 = 0.3

2.0 𝑚𝑜𝑑 1 = 0

Se 𝑥 é um número não negativo, então 𝑥 𝑚𝑜𝑑 é simplesmente a parte fraccionária de 𝑥. Se

(𝑥, 𝑦) for um par ordenado de números reais, então a notação (𝑥, 𝑦) 𝑚𝑜𝑑 1 é equivalente a

(𝑥 𝑚𝑜𝑑 1, 𝑦 𝑚𝑜𝑑 1). Por exemplo:

(2.3, −7.9) 𝑚𝑜𝑑 1 = (0.3, 0.1)

Observe-se que para todo o número real 𝑥, o ponto 𝑥 𝑚𝑜𝑑 1 encontra-se no intervalo [0,1[

e que para cada par ordenado (𝑥, 𝑦), o ponto (𝑥, 𝑦) 𝑚𝑜𝑑 1 encontra-se no quadrado

unitário (isto é, os quadrados cujos vértices são os pontos (0,0); (1,0); (0,1); (1,1)).

No caso da aplicação de Arnold, esta é uma transformação de R2 para R2 definida por

T: (x,y)→(x+y, x+2y) mod 1

Ou, em notação matricial:

T ([𝒙𝒚]) =[

𝟏 𝟏𝟏 𝟐

] [𝒙𝒚] 𝒎𝒐𝒅 𝟏

Factorizando:

T ([𝒙𝒚]) =[

𝟏 𝟎𝟏 𝟏

] [𝟏 𝟏𝟎 𝟏

] [𝒙𝒚] 𝒎𝒐𝒅 𝟏

Esta última expressão exprime com clareza que a aplicação de Arnold é, no fundo, uma

composição de um cisalhamento na direcção do eixo 𝑥 (de factor 1) com um cisalhamento

na direcção do eixo 𝑦. Como as aplicações estão sujeitas ao factor 𝑚𝑜𝑑 1, todos os pontos

sofrem transformações no interior do quadrado unitário.

Nota: É irrelevante se a aplicação 𝒎𝒐𝒅 𝟏 é aplicada antes ou depois do cisalhamento.

1ºPasso: Fazer (𝑥, 𝑦) → (𝑥 + 𝑦, 𝑦)

2ºPasso: Fazer (𝑥, 𝑦) → (𝑥. 𝑥 + 𝑦)

3ºPasso: Fazer (𝑥, 𝑦) → (𝑥, 𝑦) 𝑚𝑜𝑑 1 (para que a imagem transformada possa ter

dimensão igual à imagem de partida, e para que assim se possam fazer novas iterações).

Para aplicações de carácter computacional, verifica-se que é bastante mais conveniente

aplicar a transformação 𝑚𝑜𝑑 1 após cada um dos passos, em vez de a aplicar apenas no

final da iteração. Ficam, portanto, os dois passos seguintes:

1ºPasso: Fazer (𝑥, 𝑦) → (𝑥 + 𝑦, 𝑦) 𝑚𝑜𝑑 1

2ºPasso: Fazer (𝑥, 𝑦) → (𝑥. 𝑥 + 𝑦) 𝑚𝑜𝑑 1

Aplicações repetidas

As aplicações caóticas (como é o caso da aplicação de Arnold) surgem normalmente em

modelos físicos em que uma determinada operação é aplicada repetidamente. Por

exemplo, as cartas num baralho são misturadas quando são baralhadas sucessivamente!

Assim, estamos interessados em analisar o efeito, em S, de aplicações repetidas (isto é,

iterações) de Arnold. Utilizando sucessivamente as transformações apresentadas, verifica-

se que a imagem do gato retorna à sua forma original após 25 iterações, e que, em algumas

iterações intermédias, a fotografia é decomposta em bandas mais claras e mais escuras

que aparentam ter uma orientação particular. Tentemos, então, explicar estes fenómenos.

Pontos periódicos

O primeiro objectivo será explicar por que motivo a figura retorna à sua configuração

original após 25 iterações. Para este efeito, será talvez útil pensar numa imagem no plano

𝑥 − 𝑦 como uma atribuição de cores aos pontos do plano.

No caso das imagens geradas em ecrãs de computador ou noutros dispositivos digitais, as

limitações de hardware obrigam a que a fotografia seja dividida em unidades discretas –

pixels (ver secções anteriores). Deste modo, a atribuição de cores a cada um dos pixels

para formar uma imagem designa-se por mapa de pixels.

Se estudarmos uma figura com 101 x 101 pixels, então cada um destes é definido através

de um par de coordenadas único, da forma (m/101, n/101), que identifica o canto inferior

esquerdo de cada pixel.

Vamos agora analisar um caso mais geral: uma fotografia com p x p pixels. Temos, assim,

um mapeamento perfeitamente definido: a imagem tem p2 pixels, uniformemente

espaçados e situados a uma distância de 1/p uns dos outros, tanto na direcção do eixo 𝑥

como na direcção do eixo 𝑦. As coordenadas de cada pixel são da forma (m/p, n/p), em que

m e n são inteiros que variam entre 0 e p-1.

Na aplicação de Arnold, a transformação assume a forma:

T ([

𝒎

𝒑𝒏

𝒑]) =[

𝟏 𝟏𝟏 𝟐

] [

𝒎

𝒑𝒏

𝒑] 𝒎𝒐𝒅 𝟏 =

[

𝒎+𝒏

𝒑

𝒎+𝟐𝒏

𝒑

]

𝒎𝒐𝒅 𝟏

O par ordenado ((m+n)/p, (m+2n)/p) mod 1 é da forma (m’/p, n’/p), onde m’ e n’ variam

entre 0 e p-1. Especificamente, m’ e n’ são o resto da divisão de m+n e de m+2n por p,

respectivamente. Consequentemente, cada ponto da forma (m/p, n/p) é transformado

num ponto da mesma forma.

Como a aplicação de Arnold transforma cada pixel de S noutro pixel de S, e como existem

apenas p2 pixels diferentes, então é forçoso que cada pixel tenha de retornar à sua posição

original após p2 iterações na aplicação de Arnold (no máximo!).

Como cada um dos pontos retorna à posição inicial após a n-ésima aplicação de Arnold

(mas não antes disso), então afirma-se que esse ponto tem período n, e que o conjunto das

suas n iterações distintas forma um n-ciclo. Existem alguns casos particulares desta

aplicação; por exemplo, os pontos que têm período 1 (o ponto (0,0) é o exemplo mais

evidente) e que, por esse mesmo motivo, se designam pontos fixos. No caso da aplicação de

Arnold, é possível provar que o ponto (0,0) é o único ponto fixo.

Período do mapa de pixels

Quando escolhemos dois pontos do mapa, P1 e P2 (cujos períodos são q1 e q2), interessa-

nos saber após quanto tempo (aliás, após quantas iterações) ambos os pontos retornam às

respectivas posições iniciais. Vejamos então:

Se P1 retorna à sua posição inicial após q1 iterações (mas nunca antes disso) e P2

retorna à sua posição inicial após q2 iterações (mas nunca antes disso), então

ambos os pontos regressam às suas posições de origem em qualquer número de

iterações que seja simultaneamente um múltiplo de q1 e de q2. Em geral, esta

noção assume um papel bastante importante, e, no caso da aplicação de Arnold,

tem uma utilização concreta: após quantas iterações se consegue alcançar

novamente a imagem original?

Ora, para um mapa de pixels, designa-se normalmente por 𝞟(p) o menor número

inteiro que é divisível pelo período de todos os pontos do mapa. Ainda que seja

relativamente previsível que 𝞟(p) aumente com o aumento de p, verifica-se,

surpreendentemente, que existem inúmeras irregularidades neste comportamento.

Por exemplo, uma imagem 101 x 101 tem um período de 25, enquanto uma imagem de

124 x 124 tem um período de 15.

Não existe, assim, nenhuma função que permita definir com clareza a relação entre

estas duas grandezas; no entanto, existem algumas regras empíricas que modelam

aproximadamente a evolução de p e de 𝞟(p).

1. 𝞟(p) = 3p se e só se p=2 x 5k, para k=1,2,…

2. 𝞟(p) = 2p se e só se p=5k ou p=6 x 5k, para k=1,2,…

3. 𝞟(p) ≤ 12p/7 para todos os outros valores de p.

O plano de mosaicos

Vamos agora pensar na aplicação de Arnold de uma maneira um pouco diferente. Como foi

definido anteriormente, sabemos que esta aplicação não é uma transformação linear

devido à aritmética modular. Contudo, existe uma maneira alternativa de definir esta

aplicação, evitando este aspecto. Consegue-se assim analisar a transformação utilizando

todas as propriedades inerentes a uma transformação linear (o que facilita sobremaneira

o estudo).

Imaginemos que o quadrado unitário, S, onde se enquadra a imagem, é um mosaico, e que

o plano 𝑥 − 𝑦 se encontra coberto de mosaicos (isto é, muitas imagens todas juntas). Se

aplicarmos a transformação que caracteriza a aplicação de Arnold a todo o plano, sem

utilizar a aritmética modular, então a porção da imagem contida em S é idêntica à imagem

que seria obtida se esta fosse utilizada. No fundo, o mapa de pixels é idêntico em ambos os

casos, mas no caso dos mosaicos a aplicação de Arnold representa uma transformação

linear!

Importa referir, contudo, que esta modificação acarreta algumas implicações; ainda que

não altere o mapa de pixels, modifica o modo como se processa a periodicidade dos pontos

do mapa. Sabíamos que, com a utilização da aritmética modular, cada ponto retornava ao

seu estado de origem após n iterações. No caso do plano de mosaicos, cada ponto de

periodicidade n é substituído por um ponto da mesma cor após n iterações.

Propriedades da aplicação de Arnold

Valores e vectores próprios da matriz associada à transformação

Como é possível verificar a partir da determinação de valores e vectores próprios da

matriz associada à transformação, em cada aplicação, o primeiro valor próprio provoca

uma expansão na direcção do primeiro vector próprio de um factor de 3+√5

2 (primeiro

valor próprio), e o segundo valor próprio provoca uma expansão na direcção do segundo

vector próprio de um factor de 3−√5

2 (segundo valor próprio).

Por exemplo, um quadrado que esteja centrado na origem e cujos lados sejam colineares

com os vectores próprios da matriz será deformado segundo estas duas direcções,

originando um rectângulo que possui exactamente a mesma área do quadrado original

(tendo em conta que o determinante da matriz é igual a 1).

Para explicar as bandas que aparecem nas sucessivas iterações da aplicação, vamos

considerar que S (o quadrado onde se encontra a imagem do gato) faz parte do «plano de

mosaicos» (ver secção anterior). Seja p um ponto de S cujo período é n. Como estamos a

analisar o plano de mosaicos, existe seguramente um ponto q, com a mesma cor de p, que

em iterações sucessivas se move em direcção à posição originalmente ocupada por p,

ocupando finalmente essa posição na n-ésima iteração.

Este ponto é q=(A-1)np=A-np, porque Anq=An(A-np)=p.

Deste modo, com as iterações sucessivas, os pontos de S vão-se afastando

progressivamente das suas posições iniciais, enquanto, ao mesmo tempo, outros pontos do

plano (com cores correspondentes), se aproximam dessas posições iniciais, completando a

sua «viagem» na iteração final do ciclo.

Como se verifica a partir dos cálculos, são as «linhas de corrente» situadas,

aproximadamente, nas direcções dos vectores próprios v1 e v2, que provocam o

aparecimento das bandas mais claras e mais escuras nas iterações sucessivas da aplicação

de Arnold.

Pontos não-periódicos

Até agora temos considerado apenas o efeito da aplicação de Arnold em pontos da forma

(m/p, n/p), para um número p arbitrário (inteiro e positivo). Através do raciocínio

exposto até aqui, temos a garantia de que esses pontos são periódicos.

Mas pensemos agora num ponto arbitrário, da forma (a,b), escolhido em S. Sabemos que

esse ponto será racional se e só se ambas as coordenadas forem racionais. Então – e só

nesse caso – sabemos que cada ponto racional é periódico, porque representa um pixel

desde que se faça uma escolha adequada de p (isto é, que se assuma para p um valor

adequado à dimensão da imagem).

Definição: Todos os pontos racionais são periódicos, e vice-versa.

(→): Um ponto (a/b, c/d) pode sempre ser escrito na forma ((ad)/(bd), (cb)/(bd)): basta

fazer p=b.d e está provado.

(←): Para esta implicação, um pouco mais trabalhosa, seria necessário mostrar que para

todas as soluções da equação

[𝑥𝑦] =[

1 11 2

] [𝑥𝑦] 𝑚𝑜𝑑 1, 𝑥 𝑒 𝑦 são quocientes de números reais (e portanto, racionais).

Portanto podemos concluir que, sendo os pontos irracionais não-periódicos, iterações

sucessivas destes mesmos pontos originam sempre pontos distintos em S. É possível

testar estas iterações para pontos irracionais utilizando mecanismos computacionais. Um

teste gerado a partir de computador para um ponto irracional (100.000 iterações) mostra

que as repetições não parecem agrupar-se em nenhuma região particular de S,

espalhando-se cada vez mais e formando uma mancha mais densa a cada iteração.

Assim, dizemos que um conjunto A de pontos de S é denso em S se um círculo centrado em

qualquer ponto de S abranger pontos de A, independentemente do seu raio. Sabe-se que o

conjunto dos pontos racionais é denso em S e que as iterações da maioria dos pontos

irracionais são densas em S.

Definição de Caos

Uma aplicação T de S em si próprio diz-se caótica se:

1) S contém um conjunto denso de pontos periódicos da aplicação T;

2) Existe um ponto em S cujas iterações sob T são densas em S.

Aqui temos a noção de um elemento de ordem e de um elemento de desordem, a partir da

qual se tinha criado a noção de caos! Efectivamente, no caso da aplicação de Arnold,

sabemos que os pontos periódicos se movem em ciclos regulares, mas que os pontos com

iterações densas se movem de modo desorganizado e inesperado, escondendo a

regularidade dos pontos racionais (periódicos). É esta fusão que, em última análise,

caracteriza as aplicações caóticas.

Bibliografia:

http://www.jgiesen.de/ChaosSpiel/Spiel10English.html (jogo interactivo para

criação de fractais)

http://math.youngzones.org/Fractal%20webpages/sierpinski_fractals.html

https://www.math.toronto.edu/mathnet/questionCorner/fracthist.html

http://www.ms.uky.edu/~lee/ma502/fractals/FRACTALS.html

http://pages.physics.cornell.edu/~sethna/teaching/562_S03/HW/pset02_dir/cat

map.pdf

https://ubithesis.ubi.pt/bitstream/10400.6/1875/1/Relat%C3%B3rio%20de%2

0Est%C3%A1gio%20-%20Jo%C3%A3o%20Br%C3%A1s.pdf

http://demonstrations.wolfram.com/ArnoldsCatMap/

Elementary Linear Algebra: Applications Version; Anton, H.; Rorres, C. 11th edition,

2014. Wiley.