fourier, o socialismo do prazer

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  • 7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer

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    F O U R I E R

    O SO C I LI SM O

    DO

    PR ZER

    Gaucel e de seu ex-patro em Lyon) Bousquet. Em 1826assumiu um

    posto na firma norte-americana Curtis c Lamb, incumbindo-se da cor

    respondncia da filialparisiense,que porm foifechada umano e pouco

    depois pela empresa.

    Aproveitava a execuo da tarefa da redao de cartas comerciais

    para escrevertambm cartas pessoais.Escreveu a numerosas personali

    dades, solicitando-lhesapoio financeiro para a experincia do falanst-

    rio. Encaminhou apelos, por exemplo, ao duque de Devonshire,ingls,

    ao milionrio norte-americando RufusKing, aopresidente deSantoDo

    mingo, Boyer, vivadelorde Byron, a prncipesrussos,a GeorgeSand,

    Chateaubriand e SimnBolvar. No obtevenenhuma resposta.

    Levava uma vida frugal. Comia em restaurantesbaratos e bebia vi

    nho ordinrio sempre resmungando que estava sendo envenenado).

    Tomava uma xcara de caf depois do jantar e gostava de jogar bilhar.

    Permaneceu solteiro. Protegiacuidadosamente sua vidaparticular, sua

    intimidade; contudo, h razespara crer quetevealgumas ligaesamo

    rosas. Emile Lehouck chega a indicar o nome de uma de suas provveis

    namoradas, Louise Lacombe Lehouck, 1978, p. 215).

    Teve diversos endereos residenciais em Paris, todos prximo ao

    Palais-Royal, que o deslumbrou desde a primeira vez em que estevena

    cidade, aos vinte anos de idade. Todas assuashabitaes eram modestas.

    No ltimo apartamento onde morou e onde morreu) vivia cercado de

    plantas e gatos. Os vizinhose a porteira do prdio simpatizavamcom

    ele, porm todos o achavambizarro. O insuspeito Pellarin,que lhe de

    dicavauma admirao imensa, informa que Fourier andava pela rua

    falando sozinho

    Pellarin,

    1843, p. 177). ^

    Escreviamuito, todos os dias. Atendendo a insistentes pedidos de

    seusamigos,dedicou-sea preparar um resumo

    abrg)

    de sua doutrina.

    O resumo se transformou no livro O ovo

    mundo

    industrial, que saiu

    em 1829. Na realidade, no era um mero resumo, porque trazia uma

    importante inovao no seu pensamento: preocupado com a definio

    de um caminho prtico para a transio nova sociedade, Fourier in

    veste suas energias intelectuais no planejamento de um falanstrio

    palavra composta de falange e monastrio ), onde se realizaria a

    V I D

    experincia

    da

    organizao

    de um

    ncleo

    antecipador das novas condi

    es

    de vida. Essa experincia demonstrariaaos contemporneos as van-

    tagens do novo modelo e,ao se multiplicar, promoveria a verdadeira

    transformao da sociedade.

    Em 1830, para

    divulgar

    o novo

    livro, Fourier lanou

    um

    folheto

    intitulado Annciodo ovomundo industrial . Maisumavezse de

    frontou com uma reao desfavorvel. A revista catlica Universel

    o

    estigmatizou

    como materialista

    e

    bufo .

    EnaReme

    Franaise

    uma

    resenha

    no

    assinada equiparou-o

    a

    Saint-Simon

    e aRobert

    Owen,

    in

    sinuando

    quea nica

    coisa que

    o

    distinguia

    dos

    outros

    dois erao

    estilo

    grotesco em que escrevia.

    A

    resenha annima

    daRevue Franaise

    foi

    a quemais

    aborreceu

    o

    escritor, que

    detestou

    serposto nomesmosaco queOweneSaint-Simon.

    Fourier atribuiu

    a

    perfdia

    a

    Franois Guizot, influente historiador

    e

    poltico, que era

    colaborador

    regular da publicao. Sua raiva foi to

    grande que ele

    nem

    chegou a se alegrar muito

    com

    o primeiro comen

    trio favorvel

    e

    bem fundamentado sobre

    o

    seu trabalho, que saiu

    no

    Mercam

    de

    France

    au

    X me

    Sicle,

    assinado

    por

    um novo discpulo:

    Victor onsidrant

    A

    concorrncia das seitas de

    Saint-Simon e Owen o

    preocupava

    cada

    vezmais. Num

    primeiro momento tinha ficado

    bem impressionado

    com as

    iniciativas prticas

    de

    Owen

    na

    Inglaterra

    e chegou a se

    oferecer

    para assessor-lo

    o

    oferecimento

    foi

    delicadamente recusado).

    Depois

    de algumas

    conversas

    com

    saint-simonianos

    Saint-Simon ti

    nha morrido em 1825), leu uns

    poucos textos publicados

    por eles, com

    pareceu

    a

    uma assemblia

    da

    seita

    e

    escreveu

    o

    panfleto

    Armadilhas

    charlatanismo das seitasde Saint-SimonOwen, publicado em 1831.

    Alguns

    entre os

    saint-simonianos estavam organizados

    de

    forma

    coesa e

    centralizada,

    como uma

    igreja ,

    em torno da liderana de

    Pros-

    per

    Enfantin;

    outros,

    porm,

    preservavam

    sua

    autonomia,

    sua

    reflexo

    crtica. E dois

    intelectuais

    saint-simonianos

    independentes

    publicaram

    artigos nos quais divulgavam com simpatia as idias

    de

    Fourier:

    Jules

    Lechevalier eAbel Transon. Omestre noseentusiasmou, mas osdisc

    pulosficaram gratospela

    ajuda.

    3

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    A

    Harmonia

    no

    homogeneizar

    no pasteurizar os

    prazeres

    mas

    tambm noexacerbarartificialmente

    seus aspectos mais contraditrios e com isso criaruma

    situao muito diferente daquela

    que

    existe na civilizao.

    Otempo

    do prazer se modificar adequando-se

    a novas

    potencialidades humanas. As formas do

    prazer

    se

    diversificaro

    se

    multiplicaro

    atravs de uma expanso

    das expresses

    mais

    sutis

    do desejo que atualmente

    so

    cerceadas

    pela

    presso do produtivismo

    pela

    perseguio obsessiva da

    rentabilidade e pelas

    contingncias civilizadas.

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    Este talvez

    seja

    um

    dos

    raros

    casos de

    um livro que engrandecesua orelha

    Foi com

    esse

    sentimento

    que recebi

    o

    gentil convite para escrev-la e com

    essacertezaque me dirijo ao

    leitor

    na

    condio de aprendiz que fala do livro

    de

    seu

    mestre e

    amigo.

    Sim porque

    Leandro Konder no

    precisa

    de

    apresentaes

    Filsofo

    to conhecido

    entre ns pensador

    sem

    preconceitos

    sempre fiel

    a

    leituras no

    dogmticas de

    autores

    importantes aberto a buscar o

    novo

    que ficara escondido em outras

    pocas e

    sempre

    disposto a

    conhecer

    idias de

    autores pouco valorizados.

    Leandro rejuvenesce

    as

    idias ensina

    que

    o

    novo se alimenta do velho

    e que

    presente e futuro noprescindem de

    uma viso

    crtica do passado. este

    trao

    o leitor ir

    encontrar fortemente

    tambm neste livro sobre Fourier.

    Leandro filsofo

    escritor

    e ensasta

    no

    abre

    mo da sua tarefa

    de

    professor

    que faz

    mapas

    para nos aventurarmos

    pela obra freqent-la descobrir

    atalhos. Com este livro sobre Fourier

    o

    leitor pode

    conhecer

    a

    vida

    o pensamento e o legado desse

    bizarro

    pensador francs que tem muito

    a

    dizer

    sobre

    os anseios desejos

    temores

    crenas e utopias do mundo

    contemporneo esse socialista utpico

    em quem

    socialismo e utopia eram to

    especficos mas que foi pioneiro em

    vrios

    aspectos do

    marxismo.

    Embora

    no fosse

    revolucionrio

    do ponto de

    vista poltico Fourier

    propunha

    rupturas

    de costumes

    preconceitos

    e

    valores do seu

    tempo. Como

    situ-lo

    pergunta

    Leandro

    no

    quadro

    das

    posies

    de

    esquerda de que dispomos

    hoje? Sero

    as

    atuais categorias

    satisfatrias

    paradele formular um

    juzo? Provavelmente no. Entretanto

    esse

    excntrico filsofo

    que Fourier

    com posies questionveis e uma

    teoria discutvel considerado

    louco

    por

    alguns

    pode

    comsua vitalidade

    suscitar modos mais criativose

    bem-humorados

    depensar a realidade

    atual

    na sua

    ambigidade e incoerncia.

    Todos

    aqueles que seatreveram

    um dia

    e

    ainda

    se

    atrevem

    a

    sonhar com

    uma sociedade mais generosa e

    solidria

    onde justia

    social

    e fim de

    qualquer tipo de

    opresso

    possam

    conviver

    com

    desejo

    paixo e

    harmonia;

    todos osquese

    inquietam

    e

    teimam

    em questionaro mundo e em buscar

    alternativas devida

    mais

    humanas

    certamente

    encontraro

    em ourier

    socialismo do pr z r material

    para

    uma

    profunda e instigante reflexo.

    nia

    ramer

    copo vtlynGiumocli

    Imeroco

    Nillon Kanulho

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    COPYRIGHT OLeandroKonder,

    1998.

    CAPA

    velyn rumach

    PROJETO GRFICO

    velyn rumach

    oode Souza

    Leite

    PREPARAO DE

    ORIGINAIS

    Luiz Cavalcanti de Menezes

    Guerra

    EDITORAO ELETRNICA

    magem

    Virtual

    t

    CATAL0GAC0.NA F0NTE

    SINDICATO

    NACIONAL

    DOS EDITORES DELIVROS. RJ.

    KK.f

    98-074

    Kcimler. Leandro, I93fi-

    FurkTsocinlislm,lIopr.1Zer/LcaIldtoKonllcr-Ri

    tfc Janeiro: ClWItao Brasileira.

    1998.

    Inclui bibliografia

    ISBN: K5-2 l )- )46fi^)

    1l ? CI lr CS 772~m7 2. Socialismo.

    t-ilosolia francesa.

    I.Ttulo.

    CDD

    194

    CDU-1 44

    mK,o Branco 99

    /20o andar,

    20040-004,

    Riode

    Janeiro

    RI Brasil

    Telefone (021)

    263-2082,

    Fax

    /

    Vendas

    (021)

    263-4606

    PEDIDOS PELOREEMBOLSO POSTAL

    Caixa Postal

    23.052,

    RJ0

    deJaneiro, RJ, 20922-970

    Impressono Brasil

    1998

    dedico

    otrabalho ameu

    flho cSo

    * ^

    **

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    Sumrio

    INTRODUO xi

    Vida

    1 FONTES 3

    INFN I

    E

    UVENTUDE

    4

    3 GNESE DA TEORIA 6

    4 OPRIMEIRO

    LIVRO

    7

    5

    DA PROVNCIA

    A

    PARIS

    9

    6

    A

    FALANGE EXPERIMENTAL

    7 OS

    LTIMOS

    ANOS 4

    Pensamento

    7

    1PENSAMENTO ELINGUAGEM 9

    2 AATRAO PASSIONAL

    3 A

    IVILIZ O

    E

    S MULHERES 3

    4 PERIODIZ O DO MOVIMENTO SOQ L

    7

    5 ASPAIXES

    6 O

    AMOR

    7 EROTISMO EGASTROSOFIA 33

    8

    AS

    SRIES

    5

    9 0FALANSTRIO 6

    10 A

    EDUCAO

    8

    11 AHARMONIA 4

    12 APERSPECTIVA

    44

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    FOURIER

    O

    SOCI LISMO

    DO PR ZEi

    O legado

    49

    1. NOSCULO XIX SI

    2 .NOSCULO

    XX

    3.NO

    SCULO

    XXI?

    9

    Vitalidade

    6

    1. ARGUMENTOS

    O DESEJO 7

    BIBLIOGRAFIA

    7

    introduo

    Oome

    de Charles Fourier

    est

    associadoaduas palavras explosivas -

    utpoT6

    Ie

    VSt

    Cm

    Um

    dS ampe S d S0dalism

    Oprprio Fourier, contudo,

    no se reconheceria

    nessa designao:

    nao se apresentava como socialista

    e

    fazia restries

    utopia

    O

    nome socialista passou

    a

    ser usado

    nos

    anos trinta

    do

    sculo

    XIX,

    quando Fourier estava

    velho, eera adotado,

    predominantemente,

    pelos saint simonianos que

    ele considerava mistificadores.

    Fourier se v ia

    como

    ura descobridor como um inventor , Para

    ele os

    inventores

    no precisavam dispor de conhecimentos

    eruditos

    ou

    de

    formao

    acadmica. Afirmava: Quanto mais um

    inventor

    for ile-

    trado, incapazde desenvolver de maneira adequada suas invenes, tan

    to mais importante

    que

    ocorpo sociallhe asseguremeiosparapS

    a prova

    (OC

    X, p. 25). Estava convencido de que muitas vezes as

    invenes ou

    descobertas se

    devem apessoas simples, como ele, que

    se

    orgulhava de

    ser

    autodidata, um mero

    caixeiro . E

    advertia- se as in

    venes no forem aproveitadas, se

    as

    descobertas forem desmoralizadas

    pela

    ironia dos eruditos, quem sair perdendo ser

    a

    sociedade

    Arande

    descoberta

    de

    Fourier, segundo ele, foi ada lei da atrao

    passional E

    sua

    maior inveno foi ado caminho a

    ser seguido para

    que,

    com base nessa

    lei,

    a

    humanidade

    venha

    a

    superar

    a

    civilizao

    e

    seja

    capaz de criara Harmonia .

    Como

    a

    referida

    inveno se inseriu

    no movimento histrico

    das

    ide.associahstas,

    Fourier

    acabou

    sendo

    inevitavelmente considerado

    por

    todo mundo um terico socialista.

  • 7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer

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    FOURIER

    O

    SOCI LISMO

    DO

    PR ZER

    Adescoberta da lei da

    atrao passional , entretanto,

    lhe confere

    caractersticas extremamente originais. Fourier demonstra uma

    notvel

    confiana

    nas

    paixes humanas, quer

    que

    opoder

    delas

    seja plenamente

    liberado e

    rejeita

    qualquer

    represso

    sobre seu

    desencadeamento.

    No

    admite

    que

    sofram presses externas

    moderadoras. Diz:

    No

    com

    moderao

    que

    so feitas grandes coisas OC, I, p. 186).

    A

    enftica valorizao

    daspaixes manifesta,

    com

    certeza,

    a

    dimen

    so romntica da perspectiva do filsofo caixeiro . Dentro do

    movi

    mento gerai do romantismo, contudo, sua posio original. Michael

    Lwy eRobert Sayre oincluem no socialismo utpico-humanista , ao

    lado de Cabet, Pierre Leroux,

    Enfantin,

    George Sand eoutros Lwy

    Sayre, 1993,

    p.

    32). Mas

    sua incluso

    nessa

    categoria

    genrica corre o

    risco de sacrificar elementos altamente peculiares do que ele

    criou

    de

    mais especificamente significativo.

    Temos

    boas razes para

    classificar

    Fourier como humanista , po

    rm devemos imediatamente lembrarquesua radicalvalorizao

    da

    cria

    tividade humana est ligada vinculao do

    ser

    humano aos desgnios

    de Deus e

    Providncia

    Divina. Eessa vinculao faz

    dele

    um

    humanista

    bastante especial.

    Temos tambm

    razes

    convincentes para

    classific-lo como

    utpi

    co . No entanto, no podemos deixar de registrar o

    fato

    de

    que

    ele

    definia

    a

    utopia como o sonho do

    bem sem

    meio de execuo, sem

    mtodo eficaz OC, XI,

    p.

    356 . Como estava absolutamente seguro

    de ter um

    mtodo

    eficaz

    edispor

    do meio adequado,

    nada

    mais natural

    que no se considerasse utpico.

    A

    utopia,

    afinal, nasceu

    sob o

    signo da ambigidade..Na prpria

    origem da palavra

    se

    encontra

    um

    livro que expressa ao mesmo tempo

    inconformismo e impotncia: Utopia de

    Thomas

    Morus,

    denunciava

    em

    1516

    a ociosidade

    parasitria

    da aristocracia e o culto

    burgus

    do

    dinheiro,

    combatia ao

    mesmo

    tempo

    o

    feudalismo

    ea

    lgica embrionria

    do que vir ia

    a

    ser

    o

    capitalismo,

    porm

    no conseguia deixar de

    repro

    duzir, no interior mesmo doprotesto, algumas das caractersticas

    mais

    repressivas do

    quadro institucional vigente

    como,

    por exemplo, aacei

    tao da escravido).

    INTRODUO

    Na

    esteira

    do livro de Thomas Morus foram escritas

    cidadedo sol

    de

    Tommaso Campanela,enova tlntida

    de

    Francis

    Bacon,

    nas quais

    se manifestaa

    mesma

    ambigidade: por um lado, aprofunda insatisfao l

    com asituao

    existente,

    com aorganizao da

    sociedade,

    com algumas

    das

    caractersticas

    da

    ideologia dominante; por outro, areproduo

    de

    critrios comprometidos com

    a

    ideologia contestada

    e

    com

    a

    estreiteza dos

    horizontes da sociedade

    que estava

    sendo contestada.

    No

    perodo

    que

    se

    segue

    Revoluo

    Francesa e

    noqual

    se realizam

    importantes avanos

    na

    revoluo industrial,

    a

    utopia comea

    a

    se re

    vestir

    com as cores

    do socialismo moderno, sem

    perc^rluTcnffadito-

    riedade intrnseca. Esse movimento perceptvel

    na

    Conjurao dos

    Iguais ,

    de Gracchus Babeuf,

    com

    sua proposta de

    uma

    ltima revolu-

    o _capaz de impor aigualdade poltica escio-econmcITTper-

    ceptvel tambm na trajetria

    de

    Henri

    de

    Saint-Simon, que levado a

    conclamar

    os cidados a uma reorganizao econmica da sociedade

    atravs de reformas adequadas

    a

    promover

    o

    progresso.

    Em Babeuf,agenerosidade do programaigualitrio tinha

    como

    con

    trapartida

    um

    programa ditatorial

    de

    confiscos

    e

    violncia repressiva,

    que

    deveria

    ser posto

    em

    prtica inexoravelmente por uma liderana5

    revolucionria

    asctica,

    abnegada,

    com

    caractersticas que poderiam res

    valarpara o fanatismo.

    Em Saint-Simon,

    o

    esforo

    no

    sentido de isolar

    os

    parasitas da Corte

    eda alta

    Magistratura,

    acpula da

    hierarquia

    eclesistica eos

    grandes

    proprietrios

    de

    terras,

    leva oreformador a

    misturar

    numa mobilizao

    conjunta os trabalhadores

    eos

    empresrios,

    as mulheres e os

    grandes

    comerciantes, oslojistas e

    os

    banqueiros.

    Fourier divergia radicalmente tanto da proposta

    de

    revoluo poltica

    de

    Babeufcomo do

    programa

    reformista

    de

    Saint-Simon. Contudo,

    por

    mais

    enftico que

    tenha

    sido

    na

    expresso de suas divergncias,

    o

    nosso

    caixeiro-filsofo

    acabou sendo

    posto ao

    lado daqueles

    que

    criticava

    com

    aspereza:

    aos

    olhos

    da

    imensa maioria dos

    seus contemporneos

    e, mais

    ainda, aos olhos das

    geraessubseqentes,

    ele

    foi

    visto

    como elaborador

    de

    uma utopia.

    Foi

    includo entre

    os

    socialistas

    utpicos .

  • 7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer

    10/49

    F O U R IE R O SO I LISMO

    DO

    PRAZER

    Quando

    nos

    defrontamos

    hoje

    com

    essa designao, somos

    levados

    a associ-la a algumas dasnossasapreenses mais

    vivas.

    O conceito de

    socialismo

    est

    sendo rediscutido

    luzda

    extino

    da experincia sovitica, do colapso do marxismo-leninismo , da

    crise

    dasexperincias empreendidas pelossocialistas aolongodo

    sculo

    XX.

    O

    conceito

    de utopia tambm estsendoreavaliado soba

    presso

    dos que temem asconseqncias das

    tentativas de

    realizao dos sonhos

    e a

    violncia

    daqueles quesedispem a acarretar grandes sacrifcios em

    nome daconcretizao de

    ideais sublimes.

    Alguns crticos sustentam

    que

    na utopia se

    manifesta,

    mais doque uma impossibilidade prtica, uma

    impossibilidade conceituai

    (Berlim,

    1991 .

    Muitaspessoas se perguntam: os utopistas no tendema se tornar

    intolerantes

    e

    autoritrios em

    face daqueles que no

    os acompanham

    nas tentativas de efetivarem suasquimeras? Ossocialistas no acabam

    sobrepondo seu compromisso

    com

    a sociedade nova ao respeito

    aos

    princpios democrticos na sociedade atual imperfeita?

    Ascondies em que os socialistas atuamhoje so extremamente

    delicadas.

    Para

    ter eficcia, um projeto transformador comprometido

    com

    a

    superao

    das

    injustias

    precisa

    levar

    emconta

    mltiplas

    objees,

    numerosas dvidas.

    Nessas condies,

    somos

    levados a indagar: o que teria a

    teoria

    de

    Fourier

    a nos oferecer, nasbatalhas que

    estamos travando,

    em

    circunstn

    ciasmuito distintas daquelasem que elese encontrava h doissculos?

    A resposta a essa pergunta

    no

    nada fcil.Umaleiturahonesta dos

    textos deFourierapresentapara nsenormesdificuldades. s

    vezes

    ele

    parece, decididamente, incompreensvel.

    Eem

    algumas

    ocasies oleitor

    contemporneo pode

    passar

    porum trecho

    pitoresco

    eser

    levado

    a ter

    a impresso equivocada de que o entendeu,sem contudo t-loefetiva

    mente digerido, pondo-o em conexo com outras

    passagens capazes

    de

    esclarec lo.

    O filsofo hngaro

    Georg Lukcs,

    em seu

    ltimo livro,

    ontologi

    do ser

    soci l

    no

    volume

    dedicado a

    Hegel,

    advertia

    para

    o

    fato

    de que

    uma

    boa

    leitura

    do

    pensador francs precisaria averiguar

    o que est no

    fundo dassuas

    generalizaes

    inslitas . Esugeria:

    Uma

    anlise

    crtica

    X i V

    INTRODUO

    filosfica das categorias

    presentes na

    concepo econmico social

    que

    Fourier

    tinha do presente seriauma das tarefas

    mais importantes

    e

    mais

    atuais da histria da filosofia do sculo

    XIX

    (Lukcs,

    1971).

    Talvez

    o

    desafio

    ainda

    seja mais

    srio do

    que

    Lukcs

    reconheceu:

    possvel

    que, para chegarmos

    a

    compreender

    o

    nosso autor em profun

    didade, sejamos

    obrigadosadecifrar no

    s as

    categorias econmico-so-

    ciais

    que

    ele

    utilizou,

    mas

    tambm

    o

    que

    est

    por trs

    de suas

    fantasiosas

    categorias cosmolgicas.

    Fourier muito

    desconcertante.

    Sua

    obra

    tem comportado leituras

    diversas, contraditrias.

    Muitos crticos recuaram

    diante

    dela, descarta

    ram-na,

    preferiram no

    coment-la. H

    casos em

    que aqueles que

    en

    travamem contato com as idias de Fourier se limitaram a rir delas.

    Existem cronistas

    que

    extraram

    das

    inslitas concepes matria

    para

    crnicas bem-humoradas. Opoeta brasileiro Olavo Bilac, numa crnica

    de 1907,

    falou

    de uma rua tranqila

    do

    Rio de Janeiro queera

    lugar

    de

    reunio de cachorros felizes

    de

    todos

    os

    tipos,

    e

    acrescentou: Aquela

    rua era

    o

    falanstrio dos cachorros. Fourier, se

    a

    visse

    teria a

    satisfao

    de ver

    realizada por cachorros,

    a

    bela idia que

    no

    viu

    realizada

    por

    homens. Ali de fato, de

    acordo

    com adoutrina

    fourierista, capital,

    tra

    balho e talento eram comuns (Bilac, 1996, p.

    765).

    Alguns

    escritores (como Flaubert eRalph

    Waldo

    Emerson) abomi

    naram a

    doutrina. Outros

    poucos

    entusiasmaram-se com ela. Da

    niel

    Gurin

    chegou a

    sustentar que

    as

    bases

    da

    revoluo

    sexual

    lanada

    por

    Fourier so

    to

    audaciosas

    que,

    comparados com ele,

    Freud

    eWi-

    Iliclm Reich quase parecem tmidos (Gurin, 1975, p. 13).

    Ainda

    que

    Daniel

    Gurin possa

    ter

    exagerado, sua avaliao d con

    ta

    da

    radicalidade do mpeto inovador de Fourier.

    E

    curioso que

    um

    pensador que recusava

    firmemente

    qualquer idia de revoluo poltica

    (como

    est claro

    na crtica feita

    a

    Babeuf) chegue

    a

    ser encarado

    na nossa

    ('poa

    comoumadrstica

    expresso

    de

    revolucionarismo.

    Como poderamos

    situar Fourier

    nos quadros

    conceituais elaborados

    para omapeamento das

    posies tericas

    da esquerdanasituao

    atual?

    Podemos,

    de

    algum

    modo, considerar satisfatrias

    as

    categorias

    de

    ~\

    XV

  • 7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer

    11/49

    FOURIER

    O SO I LISMO DO PRAZER

    que

    dispomos

    para

    formular

    um

    juzo

    global

    sobre

    a

    filosofia

    desse

    pen

    sador?

    O

    crtico

    portugus

    Ernesto Sampaio, no prefcio que escreveupara

    uma antologia, afirmou: Fourier insuscetvel de reabilitao porque

    est fora de todos

    os

    discursos dominantes do nosso tempo Sampaio,

    1996,

    p

    9).

    afirmao deixa prudentemente aberta

    a

    possibilidade

    de

    um resgate feito

    a partir

    de um

    discurso

    radical

    de

    oposio no ab

    sorvido pelos

    critrios

    dominantes.

    Noentanto, no

    podemos

    deixar de

    formular

    para

    ns

    mesmos uma questo

    que vai alm

    daquela que foi

    abordada pelo crtico portugus: em

    que consistiria

    o discurso

    con-

    testador capaz de resgatar Fourier

    hoje?

    Decididamente, Fourier

    nos

    escapa. Somos obrigados

    a

    reconhecer

    que no podemos

    confiar

    inteiramente no

    mapa que utilizamos

    para

    atravessar o territrio doseupensamento

    O

    presente livro

    tenta proporcionar aos

    leitores alguns elementos

    para um maior contato com o enigma Fourier , sem alimentar a pre

    tenso

    de decifr-lo .

    primeira parte est

    dedicada

    a

    relembrar

    algumas

    experincias

    vi

    vidas

    que marcam

    a

    trajetria do filsofo. Na segunda

    parte

    abordado

    omovimentodo seu pensamento.terceira ea quartapartetentam refletir

    sobre

    oseu legado e

    sobre

    a

    vitalidade que

    podevir aterasuacontribuio

    para osdebates filosficos dos

    socialistas

    contemporneos.

    De

    maneira geral, acabei

    aceitando a

    caracterizao

    do pensador

    como

    um socialista utpico ,

    mas

    procurei mostrar

    em que consiste

    a

    espe ifi id de da utopia em Fourier eme empenhei em reconstituir a

    origin lid de da sua fundamentao terica deum so i lismo do

    pr zer

    x v i

    Vida

  • 7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer

    12/49

    I FONT S

    Informaes

    sobre a

    vida de

    Franois Marie Charles Fourier podem ser

    obtidas

    principalmente

    atravs da leitura de trs livros.

    primeiro se intitula

    Charles

    Fourier

    sa

    vie

    et

    ses

    thories Seu

    amor Charles Pellarin era discpulo

    de

    Fourierelanou aobra

    em 1838

    pia Ltbrairie

    de 1 cole

    socitaire. Cinco

    anos depois

    em 1843) saiu

    mn.i segunda

    edio revista

    eampliada. um trabalho prejudicado por

    ria

    ingenuidade

    presente na preocupao de sublinhar as

    qualidades

    lu

    mestre,

    omitindo

    e

    suprimindo

    fatos

    e

    circunstncias

    que pudessemparecer um

    tanto

    excessivamente

    perturbadores

    aos olhos

    de um

    amplo

    publico

    leitor.

    Apesar disso,

    um

    texto

    pioneiro

    e uma

    preciosa fonte

    Ir informaes.Asegunda

    edio

    em especial utiliza dados

    extrados

    kfl cartas trocadas entre Fourier eseu

    mais

    antigo discpulo, Just

    Mui-

    on, uma correspondncia

    que depois se

    perdeu e

    no

    pode

    mais ser

  • 7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer

    13/49

    FOURIER O SOC IAL I SMO DO

    PRAZER

    of CalifrniaPresse a mais completa biografiadisponveldo escritor

    francs. Beecherassumesuaadmiraopor Fourier,masprope, a partir

    do exame da trajetria do seu biografado, algumas questes que vo

    alm daquelas comqueLehouck j se haviadefrontado.

    Nas pginas que se seguemutilizamos dados colhidos nessestrs

    livros

    2 INFNCIA

    E

    JUVENTUDE

    FranoisMarie Charles Fourier nasceu no dia 7 de abril de 1772, em

    Besanon, uma cidade atrasada, que tinha na poca cerca de 35 mil

    habitantes. Na regio, a maiorproprietriade terrasera a IgrejaCat

    lica.Aolongodo sculoXVIIIBesanonsemantevefechada influncia

    do iluminismo e repeliu as inquietaes e inovaestericas trazidas

    pelas LuzesdaRazo .Balzac emseu romance lbert Savarusdizque

    nenhuma

    cidade

    ofereceu um a

    resistncia mais surda

    e

    mais muda ao

    progresso .

    Ospaisde Charles Fourier essefoi, afinal,o nome comque passou

    a ser chamado) eram abastados. O pai, de quem herdou o nome, cha

    mava-se Charles Fourrier comdois erres ; smaistarde que o filho

    suprimiria um erre do sobrenome): era um comerciante prspero,

    moravanumcasaro detrsandares na principalrua da cidade. Morreu

    em 1781,aos 49 anos de idade.O filho,ento, ficourfo depai antes

    de completar dez anos.

    Ame, Marie Muguet, vinha de umafamliade comerciantesricos

    eeraumasenhoramuito catlica,muito conservadora.AlmdeCharles,

    transformado no nico varo da casa a viva tinha quatro filhas as

    irms do futuro escritor,que sechamavamMariette, Antoinette, Lubine

    e Sophie.

    Sabe se pouqussimo da

    infncia

    de Charles.

    Pellarin

    relataalguns

    episdiosedificantessobreatitudescorajosas tomadaspelo garoto fran

    zinoem lutacontra meninosmaiores, valentes, sempredefendendoos

    VIDA

    mais fracos.

    Mais confiveis parecem ser as informaes

    proporcionadas

    pelo

    prprio

    Fourier anos mais tarde

    quando recorda momentosda

    sua

    revolta infantil

    contra

    aqueles que

    o

    obrigavam

    a

    comer coisas que ele

    abominava como nabo

    e

    alho por.

    Desde cedo Charles manifestou sua repulsa ao comrcio

    que

    era a

    profisso de

    seu

    pai equal ele estava

    destinado

    segundo o

    testamento

    paterno.

    Desde

    cedo tambm ele

    deixou

    transparecer

    sua desconfiana

    em

    relao estreiteza do catolicismo adotado

    por

    sua

    me com aqual

    entretanto, evitava polemizar).

    Para escapar

    ao

    comrcio pretendeu estudar engenharia na Escola

    Militar de

    Mzires

    mas o ingresso no

    lhe

    foi autorizado porque se

    tratava

    de

    uma instituio destinada exclusivamente aos descendentes

    de nobres. Pensou tambm

    em

    estudar direito na Universidade

    de

    Be

    sanon mas logo se convenceu de que as disciplinas jurdicas no

    lhe

    despertavam nenhum interesse.

    Acabou

    portanto empurrado

    para

    as atividades comerciais que no

    lhe agradavam. Com odinheiro que recebeu da herana do pai tratou

    de

    fazer

    negcios

    comprando mercadorias para

    revend las.

    Suas

    operaes mercantis coincidiram contudo com

    os

    anos agita

    dos da

    Revoluo

    Francesa.

    H

    indcios de que

    Charles

    acompanhou

    inicialmente com simpatia

    a

    insurreio

    popular

    eo

    movimento que

    ps

    fim monarquia.

    Logo porm

    os conflitos se

    generalizaram

    aguerra

    civil se

    espalhou por

    todo oterritrio francs eo jovem

    comerciante

    se

    viu envolvido nas aes militares.

    Em 1793 aos 21 anos

    de idade

    estava em Lyon

    para receber

    um

    carregamento de

    acar

    caf arroz e

    algodo que

    vinha de Marseille

    quando

    se

    desencadeou na

    cidade

    uma rebelio contra ogoverno repu

    blicano de Paris sob

    aliderana

    do general

    monarquista Prcy. Para

    sua

    maisviva

    irritao

    Charles foi

    compulsoriamente recrutado pelas tropas

    rebeladas

    e

    suas mercadorias foram confiscadas

    e

    usadas

    nos hospitais.

    Poucos meses

    depois

    os sublevados

    foram derrotadosese renderam

    de

    modo

    que

    Charles passou aser prisioneiro das

    foras

    republicanas

    vitoriosas. Conseguiu

    convencer

    seus captores

    de

    que

    era

    inocente havia

    sido

    mobilizado

    contra asua vontade porm continuou a ser conside

  • 7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer

    14/49

    >

    FOURIER O SOCIALISMO DO

    PRAZER

    rado suspeito de traio

    e foi

    posto sobvigilncia, sujeito

    a

    perquisies

    policiais

    Acabou sendo

    recrutado

    novamente

    e

    mandado para

    participar

    da

    campanha

    militar do

    exrcito

    republicano

    na Alemanha, na

    regio do

    Reno, ondepermaneceu algum tempo,

    em

    1794-1795, at darbaixa

    por

    deficincias de

    sade

    3

    GNESE DA TEORIA

    Aquela

    altura

    dos

    acontecimentos

    no

    podia

    retomar os negcios que

    empreendia por conta prpria, porque estava sem capital: alm

    da

    perda

    das

    mercadorias

    confiscadas

    em

    Lyon, tinha perdido outra parte da sua

    herana emmercadorias importadas

    que

    estavam a

    bordo de um

    navio

    que

    naufragou

    perto do portode Livorno, na

    Itlia.

    Decidiu ento trabalhar para

    um

    comerciante, Bousquet, em

    con

    dies

    quelhe

    permitiriam,

    como

    umaespcie de

    caixeiro-viajante,

    fazer

    algodequegostava:

    viajar.

    Estava

    convencido

    de

    que

    aRevoluoFrancesa tinha sido um

    equ

    voco. Partindo

    da

    percepo lcida

    e

    aguda de que era preciso transfor

    mar asociedade,

    porque

    os

    seres

    humanos

    estavam submetidos presso

    de

    instituies injustificveis, os revolucionrios

    haviam metido os

    ps

    pelas

    mos e tinham acabado

    por

    no mudar coisa

    alguma.

    Analisando as

    relaes

    do

    escritor

    com

    aRevoluo Francesa, mile

    Lehouck,

    no clima

    de entusiasmo

    esquerdista

    de

    alguns ativistas

    po

    lticos

    dos anos

    sessenta

    e

    setenta, chegou

    asustentar

    que

    Fourier sim

    plesmente ultrapassou

    a

    Revoluo pela esquerda porque

    descobriu

    que

    oreformismo no

    levava

    a

    nada Lehouck,

    1978,

    pp. 62

    e79). Na

    realidade,

    ascoisas nosepassaram

    exatamente

    como

    Lehouck

    asca

    racterizou.

    Se,

    por

    um

    lado, Fourier, no

    plano

    ide l

    tinha

    exigncias

    mais radicais do

    que

    aquelas

    que

    predominaram

    na

    conduo do pro

    cesso

    revolucionrio, no devemos ignorar que, por outro lado, no pla

    no estrit mente poltico

    ele

    no tinha nenhum programa definido que

    VI

    DA

    opusesse

    esquerda

    dos

    jacobinos ou da Conjurao dos

    Iguais lide

    rada

    por

    Gracchus Babeuf

    Fourier se

    torna

    descrente

    em

    relao

    luta

    poltica, em geral, tal

    como era praticada; e

    se

    dispe abuscar ocaminho

    pelo

    qual aimpres

    cindvel transformao da sociedade poderia se viabilizar. No final do

    sculo XVIII,

    ele, de fato, estava empenhado em avaliar as

    causas

    da

    situao

    em

    que

    se

    encontrava

    a

    humanidade,

    uma situao que lhe

    parecia profundamente deplorvel.

    Em 1799,

    na poca em que Hegel est formulando em

    Frankfurt

    a

    idia

    bsica

    da sua dialtica (a busca de uma

    razo

    que

    fosse

    a

    unio da

    unio e

    da

    desunio ),

    Fourier,

    sem conhecimento

    algum do que

    oseu

    contemporneo estava fazendo,

    faz a descoberta do

    princpio

    daquilo

    que

    ele

    desenvolveria em

    seguida

    como asua crtica

    civilizao .

    Oprprio Fourier narra de maneira pitoresca oincidente

    em

    que

    ele

    fez

    asua descoberta: num restaurante,

    ao

    pagar uma conta, ele des

    cobriu que ama que havia

    sido

    comida por seu amigo e eventual

    companheiro

    de

    mesa vinha de

    Besanon;

    e

    que

    em Par is e la

    custava

    mais de cem vezes

    o

    que valia

    na

    sua terra de origem. Tal como

    para

    Newton, uma ma

    se

    tornou para

    mim uma

    bssola

    capaz

    de

    orientar

    meus clculos

    (OC,

    X,

    p.

    17). Essa ma considerada

    digna

    de

    se

    tornar famosa . includa entre

    as

    quatro mas

    clebres,

    duas

    pelos

    desastres que

    causaram, ade

    Ado

    ea

    de Paris,

    e

    duas

    pelos

    servios que

    prestaram

    cincia,

    a de

    Newton

    ea

    minha (OC, X , p. 17). Fourier

    afirma que foi a

    partir

    da

    sua

    ma que

    se

    deu conta da

    desordem

    fundamental do mecanismo industrial e comeou a desenvolver sua

    denncia sistemtica dos males inerentes civilizao .

    4 PRIMEIRO LIVRO

    Como no

    tinha

    condies para comerciar por conta prpria, passou

    a

    trabalhar

    para

    Franois Antoine Bousquet.

    Como commis

    voyageuf

    v j v

    muito

    e

    tinha

    a

    satisfao de conversar

    com

    gente

    comum ,

  • 7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer

    15/49

    >

    F O U R IE R

    O

    S O C I L IS MO

    DO

    PR ZER

    pessoas que conhecia

    por

    acaso nas diligncias e nos refeitrios onde

    comia. Maistarde escreveria: Setive xitono estudo da atrao,devo

    issoemparte ao cuidadocom que observei as pessoas comuns, ao fato

    de ter me colocado emlugares de onde podia ouvir as conversasdelas

    OC, VIII, p. 189).

    Quando no

    estava

    viajando,comparecia pontualmenteao escrit

    rio do seupatro, ajudava-o na contabilidade. E cultivava em

    Lyon

    um

    crculo de amigoscom os quais se divertia e aos quais expunha suas

    idias. Os companheiros entre os quais

    estavam

    Henri Brun,J. B.

    Dumas, J.

    B.

    Gaucel, Louis

    Desarbres

    e

    Aim

    Martin ficavam

    impres

    sionados comas teorias que lhes eram expostas, masno

    chegavam

    a

    aderir a

    elas

    Em 1803 Fourier comeou a publicar algunsartigos no jornalBul

    letin de

    yon Pela primeira vez

    passou

    a exporpor escrito algumas das

    suas idias. Afianava que a civilizao noera o destino da humani

    dadee simuma formaparticular de organizao da vidaem sociedade,

    uma formaque estavaimpedindo os sereshumanos de se relacionarem

    de modo harmnico unscom os outros e todos com a

    natureza

    Insistiu

    na tesede que Deusregia o mundo no pelacoero e sim pela lei da

    atrao universal . Assim como no cosmo os astros se mantinham em

    equilbrioporqueeramatrados unspelosoutros,a sociedade precisava

    alcanar seu equilbrio atravs de um sistema a Harmonia no

    qualos

    indivduos

    pudessem liberartodasas suas

    paixes,

    que natural

    mente se equilibrariam umas s outras.

    Asteorias provocaram algumasreaesirritadas.Leitoresdo jornal

    fizeram

    pelaprimeira veza Fourier uma

    acusao

    queele viriaaenfren

    tar muitasvezes: a de que era louco. O escritorrespondeu lembrando

    orgulhosamente que Colombo e Galileu tambmhaviam sido conside

    rados malucos

    Fourierse

    gabava

    deconhecerbema

    geografia

    daEuropa,que havia

    estudado na escola, mas tambm ao longo de

    suas

    mltiplas

    viagens.

    Apoiado em seus conhecimentos geogrficos, tambm seanimava aopi

    nar sobrequestesestratgicas afinal, conhecia o exrcitopor dentro).

    E,ao dar seus palpites, suscitava

    desconfiana

    nasautoridades, quesus

    V I D

    peitavam

    sem

    razo) queeleestivesse

    fazendo

    crticas veladas aosdiri

    gentes das campanhasnapolenicas.

    Ao

    que

    tudo indicaFourierno

    era

    adepto

    da

    poltica

    de

    Napoleo,

    porm

    no

    se

    pode dizer que

    fosse

    hostil

    a

    ele.

    Em alguns

    momentos

    dava a

    impresso de

    que oautoritarismo bonapartista

    poderia encami

    nhar

    transformaes sociais

    importantes,

    que talvez ajudassem aprepa

    rar o terreno para a criao da Harmonia .

    Quando Napoleo

    foi

    derrotado,

    em

    1814,

    Fourier fez uma

    tenta

    tiva

    de entrar em contato

    com

    ele, atravs de

    uma

    carta que foi

    inter

    ceptada. O

    conde

    Beugnot,

    ministro da

    Polcia mandou seus agentes

    prenderem

    e

    interrogarem

    o

    escritor;

    depois

    de

    receber orelatrio, po

    rm,

    comunicou ao

    rei Lus XVIII

    quemandara soltar

    o

    elemento, por

    quesetratavade um

    visionrio,

    ummaluco inofensivo .

    Fourier

    teve problemas

    tanto com

    a polcia do imperador na

    era

    napolenica) quanto

    com

    apolcia do

    rei na

    poca da restaurao mo

    nrquica).

    Em 1807 terminou de escrever

    e

    em seguida publicou seuprimeiro

    livro

    intitulado

    teori dos qu tro movimentos

    pesar dos

    esforos

    do

    autor

    e de

    seus amigos,

    vendeu pouqussimo.

    Um

    livreiro observou

    que

    o

    ttulo no ajudava,

    dava a

    impresso de que era

    um

    livro de ma

    temtica.

    Beecher

    diz

    que

    o

    mais obscuro

    e

    enigmtico

    dos trabalhos

    de

    Fourier Beecher, 1986,

    p. 116). A

    crtica foi devastadora:

    umrese-

    nhador escreveu

    que se

    tratava

    com

    certeza de um texto redigido no

    hospcio e

    outro

    pediu uma

    imediata interveno

    do

    Ministrio

    da

    Sade

    Pblica para internar o doente.

    5. DA PROVNCIA A PARIS

    Fourier, desgostoso, passou

    vrios anos

    sempublicar

    coisa alguma. Com

    a

    morte de

    sua me,

    em

    1812,

    herdou

    algum dinheiro

    e

    deixou

    seu

    trabalho na firma

    de

    Bousquet.

    Mudou-se para

    a regio onde

    viviam

    duas das suas irms, procurando se reaproximar delas e de suas sobri-

  • 7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer

    16/49

    FOURIER O SOCIALISMO

    DO

    PR ZER

    nhas.De 1816a 1820viveu em casa delas. Foiumperodode intensos

    estudos. Escreveu

    todo um

    livro sobre

    as

    atraes amorosas

    e sexuais

    entre as pessoasna Harmonia , procurando determinar em que con

    dies seria

    possvel

    assegurar

    umpatamar

    razovel

    de

    satisfao

    erti

    ca, no

    futuro

    para

    todos

    os

    indivduos homens

    e

    mulheres jovens

    e

    velhos.

    Esse

    texto O novo mundo

    amoroso

    permaneceu indito

    at 1967,

    quando foi finalmente publicado

    por

    Simone Debout.

    Alm

    disso

    empenhou-se na preparao deumnovo livro queviria

    a sairem1822,como ttulodeTratado

    associao

    domstica agrcola

    e que maistarde viria a ser reeditadocom o ttulo de Teoria uni e

    universal .

    Mas tambmfoi um perodo de conflitoscomsuasobrinha

    Hortense, filha da irm Mariette: embora defendesse o amor livre e o

    direito dasmulheres

    ao

    prazer Fourier ficou chocado com

    o

    fato de que

    a solteiraHortense, na ausncia dame passasse asnoitesfora decasa.

    Segundo informao dePellarin em 1816 oescritor tinha um

    plano

    de trabalho que o deveria levar a escrever

    nove

    volumes que teriam

    respectivamente, os

    seguintes

    temas: 1)a doutrinaabstratada atraoe

    das paixes; 2) a sntese da atrao e dos equilbrios; 3) a anlise das

    doze

    paixes fundamentais

    dos

    seres humanos e dos 810 carteres

    que

    eles

    podem

    ter;4)a sntese domtodo e a

    teoria

    da transcendncia; 5)

    a anlise crtica do

    comrcio mentiroso

    edaconcorrncia

    complicadora;

    6) o

    exame

    da contramarcha das

    paixes;

    7)a teoriada

    analogia

    uni

    versal

    e da cosmogonia aplicada; 8)a teoriaintegral da imortalidade da

    alma; e 9) um repertrio e dicionrio.

    Nos

    anos

    quese

    seguiram

    elaborao desse

    plano

    Fourier foi

    pro

    curado porum

    funcionrio

    pblico que havia

    lido

    sua

    Teoria

    dosquatro

    movimentos

    e

    ficara

    fascinado:

    Just

    Muiron

    quesetornouseu

    primeiro

    discpulo.

    Como

    Muiron era completamente surdo

    e

    no

    conseguia

    fa

    zer leitura

    labial

    ou falar

    com

    clareza o mestre e o discpulo se comu

    nicavam

    por escrito,

    atravs

    decartase bilhetes mesmo quandoestavam

    frente a frente

    O ambiente poltico na Frana estava muito tenso. Amonarquia

    restaurada se sentia ameaada. Oassassinato doduque deBerry impor

    tante

    figura

    na

    sucesso

    dinstica foi seguido poruma ondade repres-

    VIDA

    so.

    O

    poeta

    Branger foi processado.

    Henri

    de Saint-Simon que

    logo

    se tornaria uma celebridade eviria aser considerado um dos expoentes

    do socialismo utpico foi acusado como

    inspirador do

    crime.

    A

    censura

    se

    tornou

    mais severa

    Fourier teve medo de que

    o seu

    Tratado

    da associao domstica

    agrcola fosse

    proibido. Just

    Muiron

    levou os

    originais para serem sub

    metidos a uma censura prvia eo censor

    opinou: A leitura

    de

    to

    es

    tranhos

    paradoxos apresenta tantas

    dificuldades que

    o

    livro no

    pode

    ser considerado perigoso.

    OTratado

    ento foi

    publicado. Apublicao entretanto

    no foi

    um

    sucesso. Quatro resenhas saram

    na

    imprensa.

    Os

    resenhadores no

    foram

    to hostis como os que haviam comentado o livro publicado an

    teriormente

    mas assumiram

    um

    tom

    condescendente

    irnico

    e

    inter

    pretaram a

    obra como uma

    espcie

    de

    stira.

    Essa

    interpretao no

    agradou nemum poucoao autor.

    Fourier decidiu se

    instalar

    em Paris a partir de

    1823 para

    cuidar

    pessoalmente

    da divulgao

    de suas

    idias

    ede

    seus

    escritos em

    contato

    direto com os livreiros

    e

    algumas

    personalidades

    da capital. Redigiu um

    folheto

    intitulado

    Sumrios

    e

    anncio

    do

    Tratado

    da associao doms

    tica-agrcola insistindo na seriedade de seus propsitos

    e

    reclamando

    da

    falta

    de seriedade dos

    jornalistas:

    distribuiu-o

    a

    inmeras pessoas

    encaminhando-o atravs de cartas personalizadas.

    O

    esforo

    foi

    intil;

    a

    esmagadora maioria dos destinatrios no respondeu

    s

    cartas

    e

    os que

    responderam no manifestaram

    em geral

    interesse pela

    obra. Oautor

    comunicou melancolicamente ao amigo Muiron que

    a

    ofensiva propa-

    gandstica

    resultar

    na venda de trs exemplares do Tratado.

    6. A FALANGE EXPERIMENTAL

    Como seu patrimnio

    tinha

    ficado reduzido retomou as atividades co

    merciais que abominava

    mas

    podiam assegurar sua subsistncia. Para

    sobreviver em

    Paris

    contou inicialmente com a ajuda de Muiron de

  • 7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer

    17/49

    F O U R I E R O S O C I L IS MO

    DO PR ZER

    Gaucel e de seu ex-patro (em Lyon) Bousquet. Em 1826 assumiu um

    posto na firma norte-americana Curtis cLamb, incumbindo-se da cor

    respondnciada filialparisiense,que pormfoi fechadaum ano e pouco

    depois pela empresa.

    Aproveitavaa execuoda tarefa da redao de cartas comerciais

    para escrever tambm cartas pessoais. Escreveua numerosas personali

    dades, solicitando-lhesapoio financeiro paraa experincia do falanst-

    rio. Encaminhou

    apelos,

    por exemplo,ao duquede Devonshire,

    ingls,

    ao milionrio norte-americando Rufus King,ao presidente de Santo Do

    mingo,Boyer,vivadelorde Byron,a prncipesrussos,a George Sand,

    Chateaubriand e SimnBolvar. No obteve nenhuma resposta.

    Levava umavida frugal. Comia em restaurantesbaratos e bebiavi

    nho ordinrio (sempre resmungando que estava sendo envenenado).

    Tomavauma xcara de cafdepois do jantar e gostava de jogar bilhar.

    Permaneceu solteiro. Protegia cuidadosamente sua vida particular, sua

    intimidade; contudo, h razespara crerque tevealgumasligaesamo

    rosas. Emile Lehouck chega a indicar o nome de uma de suasprovveis

    namoradas, Louise Lacombe (Lehouck, 1978, p. 215).

    Teve diversos endereos residenciais em Paris, todos prximo ao

    Palais-Royal, que o deslumbrou desde a primeira vezem que estevena

    cidade, aosvinte anos de idade. Todas as suashabitaes eram modestas.

    No ltimo apartamento onde morou (eonde morreu) vivia cercado de

    plantas e gatos. Os vizinhos e a porteira do prdio simpatizavam com

    ele, porm todos o achavam bizarro. O insuspeito Pellarin, que lhe de

    dicava uma admirao imensa, informa que Fourier andava pela rua

    falando sozinho (Pellarin, 1843, p. 177).

    Escrevia muito, todos os dias. Atendendo a insistentes pedidos de

    seusamigos,dedicou-sea preparar um resumo abrg) de suadoutrina.

    O resumo se transformou no livro O novo mundo industrial que saiu

    em

    1829.

    Na

    realidade,

    no

    era

    um mero

    resumo, porque trazia

    uma

    importante inovaono seupensamento: preocupado coma definio

    de um caminho prtico para a transio nova sociedade, Fourier in

    veste suas energias intelectuais no planejamento de um falanstrio

    (palavra composta de falange e monastrio ), onde se realizaria a

    1 2

    V I D

    experincia daorganizao deum ncleo antecipador

    das novas

    condi

    es de vida. Essa experincia demonstraria aos contemporneos asvan-

    tgens do

    novo modelo

    e,

    ao se

    multiplicar,

    promoveria

    a

    verdadeira

    transformao da sociedade.

    Em 1830, para divulgar o novo livro, Fourier lanou um folheto

    intitulado Anncio do novo mundo industrial .

    Mais

    uma

    vez sede

    frontou com uma reao

    desfavorvel.

    A revista catlicaUniversel o

    estigmatizou

    como materialista

    e

    bufo .

    E

    na

    Revue

    Franaise uma

    resenha no assinada equiparou-o aSaint-Simon e aRobert Owen, in

    sinuando

    quea nica

    coisa que

    o

    distinguia

    dosoutros

    dois

    erao

    estilo

    grotesco em que escrevia.

    A resenha

    annima

    daRevue

    Franaise

    foi a

    que mais aborreceu

    o

    escritor, que detestouser postonomesmo saco queOwen

    e

    Saint-Simon.

    Fourier

    atribuiu a perfdia a

    Franois

    Guizot, influente historiador e

    poltico, que

    era

    colaborador regular

    da

    publicao. Sua raiva

    foi

    to

    grande que ele nem chegou a se

    alegrar

    muito com o primeiro comen

    trio

    favorvel e bem

    fundamentado

    sobre o seu trabalho, que saiu no

    Mercure

    de rance au X me

    Sicle, assinado por um novo discpulo:

    Victor

    Considrant

    Aconcorrncia

    das

    seitas

    de

    Saint-Simon e

    Owen

    o

    preocupava

    cada vezmais. Num primeiro momento

    tinha

    ficado bem

    impressionado

    com s iniciativas prticas de wen

    n

    Inglaterra echegou a

    se oferecer

    /

    para assessor-lo

    o

    oferecimento

    foi

    delicadamente recusado).

    Depois de algumas conversas com saint-simonianos Saint-Simon ti

    nha morrido em 1825),

    leu

    uns poucos textos publicados

    por

    eles, com

    pareceu a uma assemblia da seita e escreveu o

    panfleto Armadilhas

    e

    charlatanismodas

    seitas de Saint-Simon eOwen, publicado em

    1831.

    Alguns entre

    os

    saint-simonianos estavam organizados de forma \

    coesa

    e

    centralizada, como

    uma

    igreja , em torno da liderana de Pros-

    per

    Enfantin; outros, porm,

    preservavam sua

    autonomia,

    sua

    reflexo

    crtica. E dois

    intelectuais

    saint-simonianos

    independentes publicaram

    artigos nos quais divulgavam com

    simpatia

    as idias de Fourier: Jules

    LechevaliereAbel Transon. O

    mestre

    no

    se entusiasmou,

    mas osdisc

    pulos

    ficaram gratospela ajuda.

  • 7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer

    18/49

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    FOURIER

    O SO I LISMO DO PRAZER

    7. OS

    LTIMOS

    ANOS

    Pouco a poucoo escritor comeava aatrairummaior nmerode leitores

    e admiradores. Diversas mulheres, impressionadas coma dennciados

    prejuzos

    que a

    civilizao

    acarretava para o sexo feminino, aproxi

    mavam-se do tericoda Harmonia : ClarisseVigoureux,LouiseCour-

    voisier, Desire

    Veret,

    Flora Tristan,

    etc.

    Tambm

    alguns jovens

    deou

    trospases vierambater suaportae depois

    divulgaram

    suasconcepes

    em

    seus respectivos pases

    de

    origem,

    como

    Albert Brisbane

    Estados

    Unidos daAmrica doNorte),HughDohertyInglaterra),

    Ludwig

    Gall

    Alemanha), Giuseppe Bucelatti Itlia) e TeodorDiamant Romnia).

    Formou-se um

    ncleo

    de fourieristas que comeou a editarumse

    manrio, intitulado O

    Falanstrio.

    Fourier encaminhava artigos para a

    publicao, mas osseus seguidores noapreciavam suacolaborao.Ten

    taram emvoconvenc-lo a se expressar numestilo mais acessvel, mais

    simples, maisjornalstico. Pediram-lhe inutilmenteque no insistisse nas

    speras crticas que

    fazia aos

    saint-simonianos.

    O

    resultado

    desse empenho

    foi

    queo

    mestre

    se

    irritou

    com

    os

    discpulos;

    e,

    numa

    cartaao editorda

    Gazette

    deFrance

    fez questodeesclarecer, emdezembrode 1835: Nun

    ca aceiteio termo fourierist Beecher,1986, p. 487).

    Para

    Fourier,

    suas

    teorias precisavam passar pelotestede umaapli

    cao

    prtica

    para

    finalmente demonstrarem para

    todoo

    mundo

    oacer

    to e a seriedade do seupensamento. A experincia da falangeexperi

    mental ou falanstrio seria

    decisiva.

    Em 1832 articulou-seuma tentativa de organizaro primeiro falans

    trio.Baudet-Dulary, umdeputadoda regio deSeine et

    Oise,

    cedeuum

    terreno em Cond-sur-Vesgre e se disps a financiar parte das obras

    necessrias. O jornallanou umacampanha para arrecadar os recursos

    que

    faltavam.

    No

    entanto,

    o

    empreendimento

    passou

    asedefrontar

    com

    dificuldades cada vez maiores. O arquitetoGengembre no gostava da

    idiade se fazer ruas-galerias no vastoprdioonde se instalariam os

    pioneiros

    e

    Fourier

    insistia

    na

    defesa

    dasua

    concepo acabou

    achando

    queo arquiteto era

    um

    sabotador).

    O dinheiro arrecadado pelo jornal

    1 4

    VID

    foi

    insuficientee Baudet-Dulary, depois de gastar mais do que havia

    prometido, resolveususpenderseu financiamento.Atentativa fracassou.

    Nova tentativa se fez na Romnia. O discpulo Teodor Diamant

    conseguiu convencerum certoManolaite Emanuel Balaceanu a financiar

    a experincia em terras que lhe pertenciam. No se sabe exatamente o

    que aconteceu, mas o empreendimento no deslanchou e Diamant es

    creveu a Fourier, em 1836, se queixando amargamente do outro Bee

    cher, 1986, p. 483).

    Fourierno desistia. Ato fim procurava um patrocinador. Como

    disse francamente aMuiron, estava

    convencido

    dequeum grande pro

    tetor era prefervel a cempigmeus . Enquantopde, enviou cartasa

    grandes personalidades, homens ricose poderosos, dirigentes polticos

    de diversas filiaes partidrias. Tinha

    vivido

    no

    Ancien

    Regime naRe

    voluo, no Imprio, na Restaurao Monrquica e nos seus ltimos

    anosviviasob o governodo rei-cidado Louis-Philippe, entronizado

    cm 1830. Achava que nada de essencial havia se modificadoe que a

    sociedade s se transformaria, de fato, quando fosse encaminhada a

    superao da civilizao , de acordo comas teorias que expunha.

    Em 1834entregou-se redao de uma carta aos deputados e aca

    bouredigindooutro livro,que foi publicado emseguida: falsa inds

    tria. Era um apelo veemente mudana. O escritorMichel Butor, 136

    anosmais tarde, o caracterizariacomo amensagem de umagarrafa lan

    adaao mar por um nufrago Butor,1970).

    Sua sade se tornou extremamente precria. Sentia dores no est

    mago, urinava comdificuldade, tinhanuseas. Levou umaqueda,com

    suspeita de fratura no crnio.O braodireitoficouparalisado.Os ami

    gos,

    preocupados,erammantidosa certadistncia: insistiaem

    passar

    as

    noites sozinho.

    Namanhde 10de outubro de1837,aporteirao encontroumorto,

    inteiramentevestidocomroupa de domingo,de joelhos, debruadoso

    br e a

    cama.

    1 5

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    19/49

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    1. PENSAMENTO E LINGUAGEM

    O pensamento de Fourier no uma construo terica de fcil acesso.

    Mesmo em

    seus

    aspectos aparentemente

    mais

    simples,

    ele

    de fato,

    muitomaiscomplexo do que parece.

    Sua

    coerncia mais profunda no

    ostensiva e

    pode

    escapar

    ava

    liao

    rpida de um

    leitor

    menos

    cuidadoso. H

    momentos

    em

    que

    Fou

    rier se

    compraz

    em

    misturar intuies fulgurantes com longas digresses

    argumentativas. Ou se diverte empr lado a lado vises entusisticas

    c cansativas demonstraes lgico-cientficas, cheias de clculos.

    Aleitura dostextos de

    Fourier

    , com

    freqncia,

    irritante. Eeles

    vezes d

    a

    impresso de

    no

    estar nem um pouco preocupado em

    ser

    coerente. No entanto, um exame mais atentodas relaes entre os di

    versos textos mostra que as idias expostas em distintos contextos se

    encaixam

    umas nas

    outras

    e

    mantm

    uma

    perfeita coerncia

    com o

    peculiar modo depensar donosso

    bizarro terico,

    que

    Henri Lefebvre

    caracterizou como

    semilouco Lefebvre,

    1975,p. 5 .

    Uma

    das

    caractersticas que

    o

    leitor

    mais

    atento no pode perder

    de

    vista

    ada importncia dalinguagem naobra de

    Fourier.

    RolandBarthes

    |

    chamou a

    ateno para isso

    Barthes,

    1971).

    A

    maneira

    pela

    qual

    ele

    expressa

    est

    sempre

    fortemente

    ligada

    quilo

    que elequer

    dizer. Para

    entendermos

    efetivamente o

    que

    est sendo

    dito

    precisamos

    observar

    nto

    l o est izen o

    m determinados trechos

    deseusescritos

    podemos perceber que

    ele

    as vezes

    ch to por

    convico.

    Recusa-se a

    pavimentar

    com recursos

    retricos agradveis o caminho pelo qual insiste em ver

    seus

    leitores

    1 9

  • 7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer

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    FOURIER O SOCIALISMO DO

    PR ZER

    avanaremcom esprito honesto e predispostosa compreender a pro

    fundidade dos problemas que nos cercam. \

    Para sublinhar a

    novidade do que est

    revelando

    ao

    leitor,

    permite-

    ]

    se eventualmente bombarde-locom neologismos, comose o advertisse

    deques

    assimilando

    a nova terminologia Fourier um criadorde ;

    linguagem , lembra Barthes) lhe ser possvel digerir o carooda nova

    teoria

    Maso curioso queo mesmoescritorque seempenhaemespicaar

    o leitor com a chatice de seus esquemas minuciosos, suas insistentes

    explicaes cientficas e seusneologismos umescritor que tambm

    mantm umarelao ldica, prazerosa, divertida comas

    palavras^

    H uma carta de Fourier que s veioa ser publicada recentemente

    e que umaexpressoeloqente de como elebrinca comas palavras.

    Aproveitando uma caracterstica da lngua francesa, o fato de que em

    francs a palavra escrita s vezes se distancia muitodo somda palavra

    falada, o filsofo redigiu umacarta,aparentemente dirigida a umaso

    brinha

    Laura),

    aceitandoumconvite parajantarnodiaseguinte. Acarta

    est datada de sbado, 24 de agosto de 1827 (em francs:

    Samedi, 24

    aot,dix-huit centvingt-sept).

    Sque o signatrio escreveu:

    amedit

    24, ah ou dix-huit tes envintcette(Issomediz24, ah ou ento dezoito

    te veio esta).

    Acarta est toda redigidadesse modo.Emlugar de domingoento

    teremos a alegria de te abraar (em francs:dimanche

    on auradoncIa

    joiedefembrasser), o quesel: Dix

    manchons

    nosrats dont Vage oie

    deux temps bras

    serre

    dez

    regalos nossos ratoscujaidadegansa dois

    tempos brao

    aperta).

    Mais adiante aparece a referncia a uma tiaque

    insiste

    emestofarela

    mesma

    suas

    cadeiras

    em

    francs:

    tousses

    fauteuils

    sont

    tapisss

    par

    elle-mme); e isso vira toussait

    faute oeil

    sont

    pisser

    pas,

    raie lem aime (tossia, faltaolho, nosoparaserem mijados, eli

    mina

    o me ama ).

    SimoneDebout, impressionada comesta carta, chegou a lhe dedicar

    todo umlivro,na convico de que setrata deumabrincadeira significa

    tiva, desmistificadora: Aspalavras diferentes quese precipitam a partir

    dasmesmasfazemsurgiro quea conscincia e amoralreprovam, o

    avesso

    PENS MENTO

    assustador

    dos

    grandes sentimentos

    e dos

    pensamentos

    nobres. Ebem

    esse

    oobjetivo que

    se

    pretendia alcanar (Debout, 1974, p. 33).

    De acordo com

    Simone

    Debout, ofilsofo se comprazia em esboar

    brincalhonamente ambigidades que no cabiam nos esquemas inter-

    pretativos

    usuais dos civilizados . E, na linha de

    Fourier,

    a ensasta

    sublinha

    a

    ambivalncia

    do

    som

    da

    palavra esboar

    em francs:

    griffon

    ner

    (que

    soa

    como

    griffe au nez agarra no

    nariz...).

    2.A

    ATRAO PASSIONAL

    Mas oponto de

    partida

    de Fourierno propriamente uma filosofia da

    linguagem: uma

    intuio ontolgica

    que o

    convence de que tudo no

    universo

    est ligado atudo. Todas as_coisas esto postas

    numa

    relao

    de interdependncia. O

    que

    se

    passa amsro,

    srTrmmnos, tem aver

    com o que sepassa

    com

    a natureza emgeral eatmesmo

    com

    osastros

    no cu.

    As

    vicissitudes do

    ser

    humano afetam oequilbrio do cosmo.

    A

    fora

    que

    move

    o

    universo

    e

    garante

    o

    equilbrio

    ea

    magnfica

    sincronizao nos

    movimentos de todos os

    seres oque

    Fourier

    chama

    de atraopassional.

    OTmplso amoroso que leva

    os

    seres vivos a

    se

    sentirem atrados

    uns pelos outros omesmo

    impulso

    que Isaac Newton

    descreveu na

    fsica,

    na

    forma da

    atrao

    gravitacional. Faltou aNewton, entretanto,

    disposio para examin-lo tal como ele age

    tanto no

    cosmo

    como na

    vida

    social.

    Foi

    com base

    nesse

    impulso

    que

    Deus

    organizou

    omundo.

    S

    que,

    enquanto

    os

    astros obedecem

    aos desgnios de Deus,

    os

    seres

    humanos

    aqui naTerra, se afastaram dos caminhos que

    lhes

    convinham eque lhes

    estavam

    indicados

    pela

    infinita bondade

    divina.

    A

    civilizao ,

    com sua

    peculiar mistura

    de

    lgica egosta eirracionalidade, criou condies ins

    titucionais que

    acarretam

    graves prejuzos expresso da

    atrao

    uni

    versal.

    A

    atrao devia serreconhecida

    como oimpulsonatural anterior

    reflexo , que

    persiste apesar

    da oposio da

    razo

    (OC, VI, p.

    57).

    2

  • 7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer

    22/49

    FOURIER O SOCIALISMO DO PRAZER

    O grande desafio que Fourier prope humanidade ode superar

    essa situao.

    A

    sociedade precisa

    ser

    transformada para

    que

    os

    homens

    venhama ser felizes, atendendo demanda de seus sentimentosmais

    naturais . 5^

    SimoneDebout enfatizaa originalidade da fundamentao terica

    dessa proposta

    de

    ao transformadora: Fourier une a

    teoria

    do

    senti

    mento teoria das transformaes sociais (Debout, 1978,p. 171 .

    Como

    intuio

    ontolgica,

    a

    atrao

    passional

    precisava ser

    escla

    recida, trabalhada pela reflexo,

    eFourier

    tinha clara

    conscincia disso.

    Ao

    mesmo tempo,

    contudo, o filsofo insistia, ao

    longo

    da

    elaborao

    da sua obra, na sua

    convico

    de

    que a. v.erdade

    daatrao

    passional

    no estava sujeita

    aprovao

    por

    parte dos idelogos , quer dizer,

    dos intelectuais civilizados pernsticos, sofistas , que

    agiam

    aseuver

    como prepotentes profissionais da argumentao.

    Fourier no

    admitia

    quelheviessem impor padres

    sancionados

    em

    orne da cincia , critrios preestabelecidos doquedevia serconside-

    ido certo ou errado .Seospretensos sbios noentendiam a im

    portncia daatrao

    passional,

    pior

    para eles;

    isso

    seria

    um sinal de

    que

    haviamadotado idiasacumpliciadas coma represso e no conseguiam

    se assumir comosujeitos desejantes. O autor da

    Teoria

    dos quatro

    mo

    vimentos, ento, era

    perfeitamente coerente

    ao entender que

    seria

    ab

    surdo abrir mo de sua

    condio

    de sujeito desejante assumido, cons

    ciente do poder da atrao passional que sentiaestar presenteem sua

    prpria

    pessoa,

    para se impor o

    respeito

    descabido lgica

    de criaturas

    cujo horizonte estava comprometido com

    a

    cegueira

    da

    civilizao .

    emtorno desse caroo ,

    dessa

    intuio ontolgica, que o pensa

    mento

    de

    Fourier se organiza. Ele

    no se desenvolve a

    partir

    de

    uma

    construo doutrinria predefinida, mas

    em

    funo da

    recusa radical

    da

    civilizao e da confiana naatrao passional.

    Procuremos lembrar aqui alguns dos

    marcos

    domovimento dopen

    samento

    de Fourier.

    P N S M NTO

    3. A

    CIVILIZAO

    E

    AS

    MULHERES

    Acivilizao teve, em seus primeiros tempos,

    certa

    eficincia naintro

    duo

    de

    novas

    tcnicas

    e novos

    procedimentos organizativos na eco

    nomia,

    contribuindo

    parao

    aumento

    da

    produo

    de bens

    materiais.

    Desde

    o

    comeo, porm,

    esses

    avanos foram acompanhados

    de

    efeitos

    colateraisbastante negativos.

    Os

    civilizados eram

    incitados

    a

    buscar

    o

    enriquecimento

    a

    qualquer

    preo

    e

    isso acabava

    por

    lan-los

    numa

    competio

    desenfreada

    uns

    contra

    os

    outros,

    tornando-os cnicos,

    egostas,

    calculistas, desprovidos

    de

    sentimentos comunitrios.

    As

    diferenas

    naturais

    e

    fecundas entre

    indivduos e grupos acabaram se transformando emmonstruosas desi

    gualdades. sleis

    e

    as instituies passaram

    a

    ser elementos de legitima

    o

    da opresso

    e

    dos privilgios.

    A

    ordem social

    passou a servir para

    assegurar condies

    nas quais uma parte dos

    seres

    humanos

    podia

    satis

    fazer

    seus desejos em detrimento

    dos mais

    pobres

    e dos mais fracos:

    Essa

    situao

    vem

    gerando tenses internas

    cada vez mais

    graves

    no

    interiordassociedades. Numtextode 1806,intitulado O descaminho

    da razo

    Ugarement de

    raison ,

    Fourieradvertianum tom sinistro

    os

    detentores

    do

    poder

    eda

    riqueza, dizendo-lhes

    queos

    tronos

    estavam

    assentados

    sobre

    barris

    deplvora,exploses revolucionrias sedelinea

    vam nohorizonte; e acrescentava: Quando

    pensardes

    nessas verdades

    terrveis, soberanos e proprietrios, estremecei (OC,

    XII,

    p. 670).

    .

    Nas

    condies criadas

    e

    mantidas pelo

    regime

    civilizado, as desi

    gualdades sociais se acentuavam e as liberdades se tornavam ilusrias.

    Seno geral, aliberdade ilusria (OC,

    III, p.

    162).

    Os privilegiados,

    oprimindoos pobres,impediam-nos de seremefetivamentelivres. Fou

    rier

    denunciava:

    Toda a classe

    pobre

    est

    inteiramente

    privada da li

    berdade poltica ou

    social,

    reduzida a submeter-se a trabalhos

    assalaria

    dos

    que

    aprisionam tanto

    a

    alma como

    o

    corpo.

    Um

    subalterno que

    tivesse

    opinies contrrias

    sdo

    seu chefe

    seria demitido, perderia

    o

    emprego. Ele no tem, portanto, liberdade social ativa, notem

    direito

    de opinio, nem mesmo nos limites do senso comum (OC, III,

    p.

    158).

    Acivilizao est cada

    vez mais

    dominada pelo esprito

    mesquinho

  • 7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer

    23/49

    F O U R IE R

    O S O C I L IS MO DO PRAZER

    dos comerciantes. Com a idia fixa de obterem lucro a qualquer custo,

    oscomerciantessetornaramriqussimoseextremamentepoderosos, em

    certoscasosmais poderososque algunsreis.Fourierimprecava: O co

    merciante um corsrio industrial OC, III, p. 217). E explicava:

    Hoje,

    os

    comerciantes

    so

    livres,

    mas o

    corpo social

    no livre nas

    relaes com eles, pois somos forados

    a fazer

    compras,

    no

    podemos

    deixar de adquiriralimentos e roupas. Com

    isso,

    ficamos nasmosdos

    vendedores, entregues velhacariadeles OC, III, p. 195).

    ^~ Astransformaesocorridas nacivilizao ao longo dosculo

    XVIII

    foramcontraditrias. Porum lado, houve

    alguns

    avanos tecnolgicos

    dignos de nota; por outro,contudo, o fortalecimento do esprito mer

    cantil

    agravou

    os

    males

    do regime civilizado. Ele

    passou

    a dar claros

    sinais

    deque

    estava durando muito

    mais do que

    seria razovel

    quedu

    rasse. Com o prolongamento antinatural de sua existncia, o sistema

    vinhaacarretando conseqncias especialmente deletriaspara a massa

    dostrabalhadores e paraametade feminina da humanidade.

    Defato, a civilizao impunhaaos trabalhadores condies inspi

    tasde trabalho,jornadaspenosas e cansativas, atividades mecnicas nada

    criativas; paralelamente, consagravao casamentomonogmico,manti

    nha formasrudes de coerona organizaoda vidafamiliare impunha

    smulheresuma situaoinsuportvel.

    Na civilizao,afirmava Fourier,a mulher pressionada para esco

    lher entre a prostituiomais oumenosevidente ou disfarada e a es

    cravido

    conjugai

    OC,

    I,p. 150).A Revoluo

    Francesa

    teria dado

    uma prova eloqente

    dasua inpcia ao

    recuar diante

    dodesafio de

    abolir

    o

    casamento

    monogmico, umainstituio queparecia ter sido inven

    tada parapremiaros

    perversos.

    Quanto mais um

    homem

    astucioso e

    sedutor, mais fcil paraele

    alcanar

    pormeio do

    casamento

    a fortuna

    e a respeitabilidade

    OC, V

    p.

    99

    O

    resultado

    da

    preservao

    dessa

    instituio era

    previsvel:

    o

    amor,

    para

    subsistir,

    era

    obrigado

    a neg-la,

    tornando-se subversivo. No tendo outro caminho para satisfazer-se,

    o amor setorna um conspirador permanente,que trabalha demaneira

    infatigvel

    na desorganizao da sociedade, desrespeitando todosos li

    mites colocados pela legislao OC, V, p. 211).

    P E N S M E N T O

    O

    casamento

    monogmico, tal comoest institudo pelacivilizao,

    contrrio

    natureza;

    por

    isso quase

    que

    inevitavelmente acompa

    nhado pela traio. Uma incansvel campanha

    contra

    o casamento leva

    Fourier a

    se

    interessar pela figura do marido trado eo

    filsofo

    chega a

    elaborar uma lista

    contendo

    76 espcies diferentes de cornos. Entre os

    tipos de corno se destacam:

    o

    corno putativo que sofre as dores do uso

    dos chifres antes mesmode receb-los),ocorno marcial que toma drs

    ticas

    medidas militares

    dentro de casa

    para evitar que acontea o que

    afinal acaba

    acontecendo),

    o

    corno sarcstico que

    ridiculariza

    os outros

    cornos

    sem se

    dar

    conta

    de

    sua

    prpria situao), o corno resignado, o

    corno

    viajante,

    o

    corno

    excessivamente absorvido pelos negcios,

    o

    cor

    no de sade frgil, o

    corno politicamente

    hbil que faz aliana com

    um

    dos

    amantes

    da sua

    mulher para combater

    os outros),

    o

    corno tutelado

    que obedece

    a todas as ordens da

    esposa),

    ocorno mimado que

    aceita

    tudo,

    desde que o papariquem), o corno cnico, o

    corno

    perplexo, o

    corno fraternal,

    o

    corno inconformado

    que

    vive

    provocando

    escndalos,

    etc. OC,XI,

    vol.

    3,pp.249 a 272).

    Aviso satrica dos maridos trados fazia parte de

    uma

    estratgia

    de

    apoio

    s

    esposas que

    traam.

    Em

    sua

    eori

    dos

    qu tro

    movimentos

    o

    filsofo se solidarizava resolutamente com asmulheres e com a rebeldia

    delas, explicando

    que era graas persistncia

    com que

    infringiam

    as

    regras que lhes eram

    impostas

    que as

    mulheres

    proporcionavam alguma

    alegria aos homens e a

    elas

    mesmas. A

    recusa

    fidelidade

    obrigatria

    abria

    caminho

    para

    os prazeres do

    adultrio, partilhados

    pelas esposas

    e por seusamantes. A felicidade do sexo masculino se estabelecena

    proporo da

    resistncia das

    mulheres

    aos

    preceitos da

    fidelidade con-

    jugai OC,I,p.l38).

    Trata-se de uma

    rebelio

    plenamente

    justificada, j

    que sobre

    as

    costas

    das

    mulheres que pesa a civilizao,

    com

    toda a sua carga

    inuma

    na. Oscivilizados julgam as

    mulheres

    com base

    em

    seus

    costumes atuais,

    com base na

    dissimulao que

    inculcada nelas, quando

    lhes

    recusada

    toda e qualquer

    liberdade; eles acreditam

    que essa

    duplicidade

    um

    atributo

    natural e

    invarivel

    do

    sexo feminino OC,

    I,p. 90).

    Toda a

    educao nas

    sociedades civilizadas tem

    se

    empenhado

    em

    5

  • 7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer

    24/49

    FOURIER O SOCIALISMO

    PRAZER

    inculcarnas mulheres um esprito de docilidade e de obedincia. E a

    resistncia oferecidapor elasquemostra o nveldas liberdades efetiva

    mente alcanadas em cada povo.

    Fourier chegamesmo a sustentar que a posio das mulheres o

    melhor

    indicadordo

    nvel

    de

    cultura

    e deprogresso

    social

    autnticoem

    cadasociedade: O progresso social e asmudanas de perodos histri

    cos acontecem na proporo em que se realiza o avano das mulheres

    em direo liberdade; e o declnio social ocorre como um resultado

    da diminuio da liberdade das mulheres OC, I,p. 132).

    Trinta e seis anosmais tarde,emseu

    Manuscritos econmico filos

    ficos de 1844 Marx retomaria essa idia de Fourier, escrevendo: A \

    relao imediata, natural, necessriado ser humano com o ser humano

    a relao entre homem e mulher. E acrescentando: Com base nessa

    relao

    pode-se portanto

    julgar

    todoo nvel de cultura

    alcanado

    pelo

    serhumano terceiromanuscrito, Propriedadeprivadae trabalho ).

    O tom

    com que

    Fourier defende a liberdade das mulheres franca

    mente

    polmico. Aliberdade amorosa desenvolve preciosas qualidades

    nas classes que dela mais desfrutam: as senhoras da alta sociedade, as

    cortess

    debom-tom eas

    pequeno-burguesas solteiras.

    entre

    essas

    trs

    espcies de mulheres que podemser percebidos os desenvolvimentos

    mais felizes. Reunidas,

    as

    qualidades delas

    constituiriam a perfeio

    OC, I, p. 135).

    As primeiras

    so

    finas,

    galantes,

    agem com segurana,

    distinguem-se

    das

    burguesas vulgares

    e

    mesquinhas. As segundas

    so

    cordiais, generosas, simpticas, esto familiarizadas como prazer, so

    compreensivas. Eas terceiras socriaturasurbanas

    livres,

    que,recorren

    do imprescindvel dissimulao, podemdesfrutar dasaventuras veda

    das smoas de boa famlia .

    Essa posiosemantmaolongode todaa suaobra. Fourieradverte

    que uma moa inexperiente, virgem, no tem perspiccia suficiente

    paraperceber as

    hipocrisias

    de seus pretendentes, a delicadeza

    postia

    deles OC, VI, p. 274), demodoque searrisca a fazer ummau casa

    me n t o

    As moas,

    ento,

    devem

    adquirirexperincia na vida

    amorosa,

    po

    rm

    devem

    serprudentes; enquanto nose organizar a nova

    sociedade,

    PENSAMENTO

    oque

    elas

    tm a

    fazer

    cuidar

    de se

    preservar, servindo-se, quando for

    ocaso, de

    artifcios

    ementiras: evidente que

    as

    mulheres, oprimidas,

    perseguidas em todos os

    sentidos,

    no tm outra

    sada

    senoa

    falsidade;

    ea culpa

    disso cabe

    inteiramente aos seus perseguidores e civilizao

    OC, VII,p. 438).

    4. PERIODIZAO

    DO MOVIMENTO SOCIAL

    Fourier desenvolveu

    uma classificao

    esquemtica dos perodos percor

    ridos

    pela

    humanidade

    em sua

    evoluo

    social. Para

    ele,

    os seres huma

    nos

    passaram pelos perodos

    1)

    ednico ou

    primitivo), 2)

    selvagem

    ou

    de inrcia),

    3) patriarcal

    ou de

    pequena

    indstria),

    4) brbaro

    ou

    de mdia indstria) echegaram fase da 5) civilizao ou de grande

    indstria).

    Oque

    dever

    vir aps o55

    perodo?

    Aos olhos do pensador, a

    supe

    rao da civilizao apresentava

    inegveis

    dificuldades.

    Segundo ele,

    numa

    primeira etapa

    viria

    a

    transio:

    ainda

    sob

    o

    peso das

    instituies

    civiliza

    das, os seres humanos precisariam

    conquistar

    alguns

    direitos, algumas

    ga

    rantias protetoras, que

    poderiam conter

    e limitar osexcessos de

    destruti-

    vidade

    da

    civilizao.

    Essa seria aetapa do garantismo o

    62

    perodo),

    no qual dever ser encaminhada

    a

    experincia do falanstrio.

    O

    falanstrio assumiu

    no pensamento

    de Fourier

    uma

    importncia

    crescente, na

    medida

    emqueele enfrentava as

    dificuldades

    deumasu

    perao da

    civilizao

    sem

    admitir a

    hiptese de mudanas

    provocadas

    revolucionariamente.

    Excluda a

    via da

    revoluo,

    era

    preciso

    recorrer

    via do exemplo: uma experinciabcm-sucedida numa pequena comu

    nidade poderia demonstrar

    aos homens na prtica como

    eles poderiam

    viver bem

    melhor

    em

    outro

    sistema

    que no

    o

    civilizado.

    ?,anstrio ~9ue ser abordado em outro captulo, mais adiante

    abriria

    caminho

    para

    acriao

    do regime societrio , permitiria

    o

    incio do 75

    perodo,

    odo sociantismo , operodo

    da associao

    sim-

    7

  • 7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer

    25/49

    F O U R IE R O S O C I L IS MO

    PR ZER

    pies . E o perodo, ento, seria o da Harmonia ou associao

    composta .

    Ao todo, a humanidade, em sua trajetria social, atravessaria

    perodos,que seestenderiam ao longode oitenta milanos, no finaldos

    quaisse extinguiriaa vidahumana,animale vegetal, e a Terradeixaria

    de

    realizar

    seu

    movimento

    derotao. Na

    Teoria

    dosquatro movimentos

    h umcurioso quadro do cursodo movimento social que explicita a

    previso

    deumlongoperodo

    ascensional

    inauguradopelaHarmonia

    e o annciode dois longosperodosde declnio ,antes do fim.

    Fourier, contudo, recusava-se a falar sobre os perodosque viriam

    aps a Harmonia , alegando que seus contemporneos no o com

    preenderiam. Preferia, de fato, concentrar-se na

    crtica

    implacvel ci

    vilizao.

    Comojfoidito,emsua

    anlise,

    a

    civilizao

    era

    reconhecida

    como

    umaorganizao quepodiaproporcionar

    avanos

    tcnicos eprosperidade

    econmica. Impunha-se,porm, a ressalva: ela jamaisconseguiria tornar

    o trabalhoemgeraluma atividade agradvel; e jamais poderia assegurar

    bem-estar

    paratodos.

    Se

    opovo

    civilizado desfrutasse

    deummnimo de

    conforto e fartura, de alimentao e manutenogarantidas, elese entre

    garia

    ociosidade,

    porque a indstria

    civilizada

    muito

    repugnante.

    preciso,portanto, queo trabalho,noregimesocietrio,setorne toatraen

    te comoo so hojeas

    festas

    e osespetculos OC,VI,p. 13).

    Alm da vantagem de tornar-se prazeroso, o trabalho, no regime

    societrio, superaria amplamente a produtividade do trabalho civiliza

    do: pouparia energia e obteria resultados muito melhores. Uma cozinha

    societria, por exemplo, economizaria9/10 de combustvele 19/20 da

    mo-de-obra utilizada nas

    cozinhas

    civilizadas. E a produoindustrial

    seria rapidamente quadruplicada.

    Porque, ento, as pessoasseaferrams instituies civilizadas e no

    se

    dispem

    a aproveitaras possibilidades oferecidas pela superao da

    malfadada civilizao?

    Fourierexplica: Existe umavenda,umacatarata dasmais

    espessas,

    quecegao espritohumano. Essacataratase compe de500 milvolumes

    que discursam contraaspaixes e contraaatrao,emvezde estud-las

    P E N S M E N T O

    OC,

    VI, p.

    27).

    Em outro

    texto,

    ele fala de

    600

    mil volumes OC, II,

    p.

    xv). O

    nmero, afinal, no tem

    importncia. Oque importa que os

    civilizados cultos esto imbudos

    de

    uma doutrina chamada mor