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51 ANO I N” 2 JUL/DEZ 2001 FORTE DE COIMBRA FORTE DE COIMBRA História e todos os antigos fortes de fronteira, que assi- nalaram e asseguraram a expansão do Brasil para o Norte e para o Oeste, somente o Forte de Coimbra, no barranco Oeste do Rio Paraguai, ao Sul de Mato Grosso, desempenhou papel ativo em operações de guerra, defrontando-se e lutando, valen- temente, por duas vezes, contra forças inimigas pode- rosas. Tentaram subjugá-lo pelas armas, visando a apoderar-se da região meridional de Mato Grosso, por elas ardentemente cobiçada. Mas o Forte de Coimbra resistiu por duas vezes, a primeira, na guerra de 1801, e, a segunda, na do Paraguai, de 1864 a 1870, a mais encarniçada da América do Sul. O primeiro tiro disparado nessa guerra foi contra ele. Nesse primeiro ataque, a uma guarnição brasileira, jorrou o primeiro sangue, quando os canhões e fuzis do Forte causaram a morte de 42 inimigos e feriram 164. Em 1775, a Capitania de Mato Grosso decidiu voltar a atenção para a parte do Sul do seu território. A região se achava despovoada e indefesa. Havia ameaça em cair em poder dos castelhanos, que a cobiçavam. O governador da província resolveu então promover a ocupação e a fortificação de um ponto importante do Rio Paraguai. O local escolhido foi o Fecho dos Morros, uma paragem montanhosa mag- nífica, avançada para o Sul, até Cuiabá eram vinte dias de canoa, o veículo fluvial usado em Mato Grosso. Foi designado para cumprir a missão o Capitão Matias Ribeiro da Costa. Ele partiu de Cuiabá e, cerca de um mês após, chegou à atual região de Coimbra, no estreito do Rio, que fica entre o Morro da Marinha e o Morro de Coimbra. Acreditando ser essa a região D

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51ANO I � Nº 2 � JUL/DEZ 2001

FORTE DE COIMBRAFORTE DE COIMBRA

História

e todos os antigos fortes de fronteira, que assi-nalaram e asseguraram a expansão do Brasil parao Norte e para o Oeste, somente o Forte deCoimbra, no barranco Oeste do Rio Paraguai,

ao Sul de Mato Grosso, desempenhou papel ativo emoperações de guerra, defrontando-se e lutando, valen-temente, por duas vezes, contra forças inimigas pode-rosas. Tentaram subjugá-lo pelas armas, visando aapoderar-se da região meridional de Mato Grosso,por elas ardentemente cobiçada. Mas o Forte deCoimbra resistiu por duas vezes, a primeira, na guerrade 1801, e, a segunda, na do Paraguai, de 1864 a 1870,a mais encarniçada da América do Sul. O primeirotiro disparado nessa guerra foi contra ele. Nesseprimeiro ataque, a uma guarnição brasileira, jorrou

o primeiro sangue, quando os canhões e fuzis do Fortecausaram a morte de 42 inimigos e feriram 164.

Em 1775, a Capitania de Mato Grosso decidiuvoltar a atenção para a parte do Sul do seu território.A região se achava despovoada e indefesa. Haviaameaça em cair em poder dos castelhanos, que acobiçavam. O governador da província resolveu entãopromover a ocupação e a fortificação de um pontoimportante do Rio Paraguai. O local escolhido foi oFecho dos Morros, uma paragem montanhosa mag-nífica, avançada para o Sul, até Cuiabá eram vintedias de canoa, o veículo fluvial usado em Mato Grosso.

Foi designado para cumprir a missão o CapitãoMatias Ribeiro da Costa. Ele partiu de Cuiabá e, cercade um mês após, chegou à atual região de Coimbra,no estreito do Rio, que fica entre o Morro da Marinhae o Morro de Coimbra. Acreditando ser essa a região

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O local escolhido para a construção do Forte foi na região de Coimbra, no estreito do Rio, que fica entreo Morro da Marinha e o Morro de Coimbra. Na foto, o pôr-do-sol visto do Forte.

de Fecho dos Morros, iniciou a fortificação que foi cha-mada de presídio de Coimbra (naquela época presídiosignificava fortificação militar). E como era de costu-me, foi adotado um santo protetor, no caso foi NossaSenhora do Carmo.

O equívoco do local, no entanto, foi benéfico econverteu-se em acerto, porque, em Fecho, bem maisperto dos castelhanos e bem mais longe da mais próxi-ma guarnição portuguesa, e vizinho das aldeias dosíndios guaicurus, de modo algum se poderia sustentar adefesa naquele ponto. Em suma,Fecho não seria o local mais ade-quado para edificar a fortalezapara defender e manter o domí-nio meridional de Mato Grosso.

Guaicurus

Os índios guaicurus habi-tavam a região e eram aguerri-dos, dominadores dos campos edas vias navegáveis do Sul de MatoGrosso, sendo, a um tempo, há-beis canoeiros e cavaleiros. Ha-viam sofrido ataques e massacres,infligidos por expedições arma-

das, enviadas de Cuiabá, com o fimde fustigá-los e afugentá-los, emrazão dos danos que eles mesmoscausavam a colonos rio acima. Nu-triam ódio aos portugueses. Com aconstrução do Forte, esperavam umaoportunidade para se vingar.

Certo dia, aproximaram-sedo Forte simulando paz e recon-ciliação. Levavam consigo mulherese produtos, para barganha, de suasindústrias domésticas. Atraindopara fora do Forte a soldadesca eusando as mulheres para envolvê-los, os índios trucidaram, facilmen-te, e sem luta, 54 soldados, fugindorapidamente, sem tempo de reação

possível dos companheiros aquartelados no Forte.Apesar do ocorrido, a ordem do capitão-general era:não molestá-los, mas atraí-los pacificamente e entreterrelações de amizade com eles; conquistá-los à custa deagrados e benefícios. Difícil foi seguir a política, poisos índios continuavam hostis. Após 12 anos, forampacificados e tornaram-se amigos e aliados, contri-buindo, eficazmente, nas missões de reconhecimentoe segurança ao longo do Rio Paraguai, em especialnos dois ataques que o Forte sofreu. Em homenagem

Os índios guaicurus, exímios cavaleiros e guerreiros, partindo para o ataque.

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intimados a se render. O Tenente-Coronel Ricardo Fran-co respondeu com a frase que está na muralha inferiordo Forte: “rrrrrepepepepepelir o inimigo ou sepultarelir o inimigo ou sepultarelir o inimigo ou sepultarelir o inimigo ou sepultarelir o inimigo ou sepultar-se debaix-se debaix-se debaix-se debaix-se debaixooooodas rdas rdas rdas rdas ruínas do Fuínas do Fuínas do Fuínas do Fuínas do Fororororortetetetete”.

Após essa resposta, os espanhóis reiniciaram obombardeio que durou até o anoitecer do dia 24,

quando, inesperadamente, retornaram para Assunção.Supõe-se que não acreditavam na resistência encontradana guarnição do Forte e não haviam, por isso, trans-portado os suprimentos nescessários para manter ocombate. Além disso, na noite do dia 22 para o dia 23,uma forte tempestade provocou avarias em muitas dassuas embarcações. Também não puderam ser supridospor Assunção devido à longa distância. Em conse-qüência, foram obrigados a se retirar.

ao grande apoio recebido da nação indígena, o Exér-cito denominou a 4a Brigada de Cavalaria Mecanizadasediada em Cuiabá de Brigada Guaicurus.

Primeiro Ataque � (1801)

Em 1797, sob o comando do Tenente-CoronelRicardo Franco, iniciou-se a construção de alvenariado Forte. Em 1801, encontrava-se, ainda, inacabada.Em setembro, daquele ano, o comandante foi avisadopelos índios que os espanhóis estavam subindo o RioParaguai para expulsar os portugueses da guarniçãode Coimbra, já que, pelo Tratado de Madri, essas terraspertenciam aos espanhóis.

No dia 16 de setembro, os castelhanos chegaramem Coimbra. O ataque era comandado por D. Lázarode Ribeira, o Governador de Assunção.

O efetivo do inimigo era bem superior ao dosportugueses, como também o armamento de arti-lharia e infantaria.

Os espanhóis bombardearam o Forte durante odia 16 e, na manhã do dia seguinte, os portugueses foram

Carta do Tenente-Coronel Ricardo Franco ao Governador de Assunção Canhões coloniais que defenderam o Forte em 1801

Placa de bronze existente no Forte homenageandoo Tenente-Coronel Ricardo Franco

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somente 11 estavam funcionando e apenas 6 puderamser guarnecidos, em razão do número de combatentesdisponíveis. Os brasileiros dispunham também dacanhoneira Anhambaí.

Nesse dia, o Tenente-Coronel HermenegildoPortocarrero realizava uma inspeção de rotina, acom-panhado de sua esposa e filha. Quando os paraguaiosforam avistados, o Tenente-Coronel Portocarrero assu-miu o comando do Forte e preparou-se para a defesa.

Os paraguaios intimaram a guarnição a render-se, e o Comandante respondeu com a frase que estátranscrita na muralha superior da cidadela: “SomenteSomenteSomenteSomenteSomentepppppela sorela sorela sorela sorela sorte e honra das arte e honra das arte e honra das arte e honra das arte e honra das armas entrmas entrmas entrmas entrmas entregaregaregaregaregaremos o Femos o Femos o Femos o Femos o Fororororortetetetete”.

Os paraguaios atacaram. O ataque durou todoo dia, mas não obteve êxito.

No dia seguinte, reiniciaram o ataque. Quan-do o Forte de Coimbra estava prestes a cair, a esposado Comandante determinou que um soldado er-guesse, sobre a muralha, a imagem da padroeira NossaSenhora do Carmo. Essa atitude fez com que os pa-raguaios suspendessem as ações e se retraíssem paraprosseguir no dia seguinte.

Bateria de Canhões que defendeu heroicamente o Forte em 1864, em uma das alamedas principais

O Tenente-Coronel Ricardo Franco foi pro-movido a Coronel como prêmio por sua vitória epermaneceu no comando do Forte até 1806.

Faleceu em 1809 e seus restos mortais repousamno interior do Forte dentro de uma urna de madeira.

Segundo Ataque � (1864)

Em novembro de 1864, teve início a Guerra doParaguai, com o aprisionamento do navio Marquêsde Olinda, nas proximidades de Assunção, e adeterminação de Francisco Solano Lopez de invadir aregião de Mato Grosso, por terra e por água. Por terra,através de Ponta Porã e Bela Vista, e, por água, atravésdo Rio Paraguai, para conquistar Coimbra, Corumbáe ficar em condições de prosseguir para Cuiabá.

No dia 27 de novembro, os paraguaios che-garam em Coimbra, com um efetivo de 3.200 homens,41 canhões de artilharia, 11 navios de guerra e fartamunição, tanto de artilharia como de infantaria.

O efetivo da guarnição do Forte de Coimbraera de 149 homens. Dos 31 canhões de artilharia,

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Entrada do Forte e a frase na sua Muralha que o Tenente-Coronel, Portocarrero, seu Comandante,usou para responder o ultimato dos paraguaios para a sua rendição, em 1864

O Hotel de Trânsito oferece conforto e lazer para civis e militares

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“Não temais; nem vos assusteis porcausa desta grande multidão, pois a peleja

não é vossa, mas de Deus”. II Cr 20:15

Desfile matinal da 3ª Cia de Fronteira e Forte de Coimbra

Na noite desse dia, o Tenente-Coronel Portocarreroreuniu os oficiais e, como já estavam sem munição esem condições de reagir, decidiu pelo abandono da forti-ficação, retirando-se naquela noite para Corumbá.

Terminada a guerra, em 1870, iniciou-se a recons-trução do Forte.

Novas Instalações

Em 1907, foi ampliada a construção original,com as novas instalações do aquartelamento, concluí-das no ano seguinte.

Em 1974, o Forte foi tombado pelo Instituto doPatrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN,sendo a guarnição que, até então era de artilharia,substituída pela de infantaria. Foi ocupado inicial-mente por uma Cia do 17o Batalhão de Fronteira e,em 1994, passou a designar-se 3a Companhia de Fron-teira e Forte de Coimbra.

De todos os antigos fortes de fronteiras que asse-guraram a expansão do Brasil para o Norte e para oOeste, somente ele desempenhou papel ativo emoperações de guerra. Atalaia recostado à margem do RioParaguai e velho baluarte da nossa grandeza territorial.

Os índios guaicurus deixaram um marco nahistória do Forte. Ainda que tenham sido hostis, no

início, foram progressivamente pacificados pelos portu-gueses e tornaram-se aliados que muito ajudaram nasegurança do Forte, recebendo, até os dias de hoje, justashomenagens do Exército, pelo muito que fizeram.

Visitar as suas instalações é reviver o passado, amemória que está ali registrada nas pessoas, nos ca-nhões, na arquitetura portuguesa, nas muralhas queresistiram aos impactos das granadas do invasor, éobservar, do alto, o majestoso e sereno Rio Paraguai,por onde penetraram os navios nas operações de guer-ra que ocorreram em 1801 e 1864.

Ali está a 3a Cia de Fronteira e Forte de Coim-bra, garbosa e guerreira. Diariamente, é hasteada aBandeira do Brasil, símbolo da presença nacional emnosso território. Visitá-lo foi um grande privilégio.Existe um hotel de trânsito à disposição de todos quedesejarem conhecer o Forte de Coimbra. Vá conhecê-lo e terá oportunidade de reverenciar o que fizeramos nossos antepassados em terras tão distantes efacilmente concluirá que Deus estava com eles.

Fotos: Gilvan Geraldo de Araújo