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1 A primeira fortaleza de Bissau teve, como origem, um acto de pirataria de três navios franceses cuja tripulação pretendeu construir, num local da embocadura do rio Geba - já então regularmente frequentado por comerciantes portugueses - um forte que lhes protegesse a feitoria e porto que ali queriam edificar. Através de ofertas ao régulo papel da região, de nome Bacampolco, conseguiram os nossos negociantes que fosse negada aos estrangeiros a pretendida edificação, sendo aqueles obrigados, pelos indígenas, a embarcar os materiais de construção que já tinham colocado em terra. Certamente que este acontecimento foi comunicado ao Rei de Portugal, porque D. Pedro II se apressou, por intermédio do governador de Cabo Verde, a enviar ao régulo Bacampolco régios presentes, que foram agradecidos por uma carta, datada de 4 de Abril de 1687, na qual também se comunicava que os portugueses poderiam, à vontade, construir no porto de Bissau uma fortaleza. Ante esta concessão, o primeiro capitão-mor de Cacheu, António Barros Bezerra, logo

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A primeira fortaleza de Bissau teve, como origem, um acto de p irataria de três

navios franceses cuja tripulação pretendeu construi r, num local da embocadura do rio Geba - já então regularmente frequentado por comerc iantes portugueses - um forte que lhes protegesse a feitoria e porto que ali quer iam edificar.

Através de ofertas ao régulo papel da região, de no me Bacampolco, conseguiram os nossos negociantes que fosse negada aos estrange iros a pretendida edificação, sendo aqueles obrigados, pelos indígenas, a embarca r os materiais de construção que já tinham colocado em terra.

Certamente que este acontecimento foi comunicado ao Rei de Portugal, porque D. Pedro II se apressou, por intermédio do governador de Cabo Verde, a enviar ao régulo Bacampolco régios presentes, que foram agradecidos por uma carta, datada de 4 de Abril de 1687, na qual também se comunicava que os portugueses poderi am, à vontade, construir no porto de Bissau uma fortaleza.

Ante esta concessão, o primeiro capitão-mor de Cach eu, António Barros Bezerra, logo

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enviou Manuel Teles, com alguns soldados e duas peç as, para garantir a autoridade portuguesa naquele local e iniciar a construção de um posto militar, que seria o núcleo de uma futura fortaleza.

Para a construção do «forte e outras despesas» fora m enviados, de Lisboa, 6.000$000 réis, mas, ao que parece, esta quantia fo i absorvida noutros gastos da Província de Cabo Verde e Guiné.

Em Lisboa, no dia 21 de Dezembro de 1695, publicou- se um decreto autorizando o Conselho Ultramarino a encarregar a Companhia de Ca cheu e Cabo Verde, recém-formada, da «administração da fábrica da fortaleza de N.a S. a da Conceição de Bissau» ( CHRISTIANO

JOSÉ DE SENNA BARCELOS, Subsídios para a história de Cabo Verde e Guiné. II. p. 114.). Meses depois, a 7 de Março de 1696, o Rei confirmou este decreto e, a 17 do mesmo

mês, o Conde de Alvor, como presidente do Conselho Ultramarino, e Gaspar de Andrade, como administrador-geral da Companhia, assinaram ( lbid . p. 123. ). o respectivo contrato para a construção da fortaleza.

Já, em 23 de Fevereiro de 1696, o engenheiro das fo rtificações do Alentejo, João Coutinho, com a função de Capitão de Engenharia de Cabo Verde e Guiné, ganhando 25$000 réis por mês, tinha sido nomeado para dirigir a construç ão de um forte em Bissau.

Após uma curta paragem pela ilha de Santiago, este engenheiro chegou ao seu destino, onde, imediatamente, traçou um grandioso p rojecto para a fortaleza que pretendia construir.

Este plano não mereceu a aprovação do Capitão José Pinheiro e do Bispo D. Vitoriano. que pretendiam - certamente guiados pela experiência e conhecimento da Guiné - uma fortificação muito mais simples e modes ta.

Em 26 de Agosto desse ano, uns escassos dois meses após a sua chegada, morreu o engenheiro João Coutinho e, ao que parece, com um a certa satisfação do Capitão José Pinheiro, pois este, num dos seus escritos, co mentou que aquela morte «tinha sido uma providência, porque João Coutinho daria cabo de todos os cabedais, por querer meia Bissau por fortaleza.

O Capitão José Pinheiro desenhou, então, o projecto de um forte que se limitava a um simples quadrado abaluartado, rodeado de uma cava.

Conforme Lopes de Lima ( Ensaios sobre a statistica das Posessões Portuguezas, Livro I, Parte 11, p.

104.), «desde 1690 a Companhia de Cacheu e Cabo Verde c omeçou a fazer muito caso do porto de Bissau aonde em 1696 por mandado d'El-Reí D. Pedro 2.°, se estabelleceu uma Feitoria Portugueza fortificada, e nesse mesmo temp o allí foi, levado pelo seu zelo apostolíco, o venerando Bispo D. Fr. Victoriano do Porto, o qual fez construir de pedra a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Candelaria e o Ho spicio dos Capuchos, de que já ha muito nem vestígios existem».

No dia 16 de Outubro de 1696, com grande solenidade e na presença do bispo D. Vitoriano da Costa, lançou-se a primeira pedra da f utura fortaleza que, como a pequenina capela construída por Fr. José de Beque, ficava sob a protecção de N.a S.a da Conceição.

Trabalhou-se, naquelas obras, com o mesmo afinco e titânico esforço que levou os portugueses de 1500 a espalharem pelo mundo os marc os indestrutíveis da sua presença - as Fortalezas de Portugal. Assim, dos terrenos late ríticos das proximidades de Bissau

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extraiu-se a pedra, que depois foi transportada ou a dorso, de homens, ou a baste de pequenos burros, ou ainda através das águas nas típ icas canoas guineenses, cujo formato ainda hoje se mantém. Junto às margens do Geba fize ram-se fornos para a preparação de cal, que ficava ao preço de 1$500 réis por pipa, se ndo possível que - conforme se praticava na construção das fortalezas da Índia - fossem tamb ém utilizadas muitas toneladas de cascas de ostras, pacientemente esmagadas e reduzid as a pó (Segundo LOPES DE LIMA, algumas

das casas de Cacheu eram «caiadas com cal d'ostra, que alli se fabrica bem, e sahe barata». Op. clt , p. 95. Em crioulo

esta cal chama-se «combé». ). Ao fim de quatro meses, as obras indispensáveis da fortaleza estavam prontas e, meio

ano depois do lançamento da primeira pedra - em Mar ço de 1697 - EI-Rei D. Pedro II foi informado pelo Capitão José Pinheiro da Câmara que «a fortaleza era importante para aquella terra, com os seus 140 pés de cada comprime nto; que faz em redondeza 560 pés, com 4 baluartes com suas pontas de diamante, dois p ara a banda do mar e dois para a terra; cada um deles pode levar 8 peças de artilhar ia, fora uma cortina para o mar entre os dois baluartes, que pode levar 12 peças».

Numa carta escrita um mês depois, a 17 de Abril, Jo sé Pinheiro dava a seguinte e interessante notícia ( SENNA BARCELOS. Subsídios para a história de Cabo Verde e Guiné. II, p. 135.):

«... a fortaleza de Sua Magestade fica em bom terre no, porque estas águas ficam já da

banda de dentro, que lhe ffirmo a V. S.a que em Afr ica não tem Sua Magestade outro como

ella porque todas teem falta d'agua e se valem de c isternas; e vendo eu que este gentio

não tinha com que nos fazer mal que em tolher-nos a agua, me resolvi abrir um poço muito

largo, que quiz a minha fortuna que com quatro braç as e meia achei agua com abundancia

e a melhor que tem hoje Bissau para beber, isto den tro da fortaleza, que os mesmos

gentios, vendo que abri agua, me pozeram de feitice iro e ficaram com grande magoa.»

Muitos anos mais tarde, quase meio século depois, e m ofício de 12 de Março de 1752,

Francisco Roque de Sotto Mayor, capitão-mor de Cach eu, referiu-se a esta fortificação do

seguinte modo:

«Era a dita fortaleza eregida em hú pequeno tezo ju nto ao principal porto d'aquella

ilha, regularmente feita, e neIla montadas 18 ou 20 pessas de artilharia; seguia-se a

fortificação de marinha, com sete ou outo baluartes , e em cada hü 4 ou 5 pessass

(BERNARDlNO ANTÓNIO ÁLVARES DE ANDRADE. Planta da Praça de Bissau e Suas Adjacentes, p. 73.) Voltando à construção da fortaleza, as obras arrastaram-se por mais alguns anos,

possivelmente em acabamentos e construções internas para habitação das guarnições, além dos melhoramentos que a prática aconselharia.

Em Dezembro de 1697, dois patachos ingleses fundear am nas águas lodosas do Geba e pretenderam desembarcar vários produtos para tran sacções comerciais. O Capitão José Pinheiro não consentiu e intimou-os a abandonarem o porto, o que foi cumprido.

No entanto, este acto legítimo do Comandante da Pra ça de Bissau levou à primeira revolta dos indígenas da região, que, sob a chefia de um novo régulo, chamado Incinhate, cercaram a povoação, impedindo o reabastecimento de víveres.

O Capitão José Pinheiro viu-se na necessidade de pe dir socorro aos moradores das margens do Geba e ao Capitão-mor de Cacheu, Vidigal Castanho, que, prontamente,

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acorreu a Bissau com 92 soldados transportados em t rês lanchas. Contactado o régulo rebelde, segundo o relatório de Vidigal Castanho, datado de 21

de Março de 1698, este provou a sua amizade a Portu gal e o seu consentimento para a permanência do forte. No entanto, queria, em troca, a substituição do Capitão-mor José Pinheiro da Câmara e que lhe fosse pago o terreno o nde se construíra a fortaleza, além de lhe ser garantido o livre comércio com a navegação estrangeira.

É de salientar a informação do Capitão Vidigal Castan ho, referindo que «a fortaleza é

de pequena capacidade, feita de pedra e terra; dize m os que entendem que promete pouca

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defesa»... Ainda nesse relatório, Vidigal Castanho informava o Rei de Portugal que a maioria dos

soldados da guarnição de Bissau tinha desertado, pe lo que deviam ser substituídos com urgência.

De acordo com o orçamento económico referente ao an o de 1696-1697, a guarnição da Praça de Bissau seria constituída pelo Capitão-mor, um alferes ou tenente, um ajudante, um sargento, três cabos de esquadra, quarenta solda dos, um tambor, um condestável e dois artilheiros, além de vários indivíduos civis c om funções burocráticas.

Em Janeiro de 1698, sendo presentes, além do Capitã o-mor José Pinheiro e do capitão-tenente João de Almeida Coimbra, os escrivã es Francisco Lourenço e José Correia de Sá e o régulo Incinhate, seus acólitos e intérpr ete, foi lavrado, no Livro de Registo da Alfândega de Bissau, o auto da compra do terreno on de fora construída a fortaleza, adquirido pela importância de 300 barafulas, ou sej a. 60$000 réis.

Precisamente um mês depois desta cerimónia, um novo episódio, relacionado com o comércio livre, provocou outra rebelião dos indígen as.

O comandante de uma nau holandesa, armada com 26 peça s, sob o pretexto de comerciar com os nativos da região mas com a finali dade de formar, em território sob a nossa soberania, uma feitoria, fundeou nas águas do Geba. O comandante da fortaleza intimou o navio estrangeiro a levantar ferro e, com o não fosse obedecido, atacou-o a tiro de canhão, obrigando-o a retirar-se.

No dia seguinte a fortaleza estava cercada e um emi ssário dos rebeldes informou o Capitão-mor que «se continuasse na sua teimosia (o régulo), derrubaria as muralhas, cortando a cabeça aos moradores»,

A paz só se conseguiu através de várias concessões, entre as quais a autorização de livre comércio e a substituição do Capitão-mor José Pinheiro da Câmara pelo Capitão Rodrigues de Oliveira Fonseca.

O régulo Incinhate, logo que viu satisfeitas as sua s pretensões, escreveu a El-Rei, em 23 de Maio de 1698, agradecendo e pedindo novas con cessões, que, em parte, foram atendidas,

Ao iniciar-se o século XVIII, o Capitão-mor Oliveir a Fonseca teve um conflito com o gerente de uma firma francesa, estabelecida em Biss au. Esta desavença foi logo explorada pelos franceses, que, alegando razões sem fundament o, pretenderam construir nas margens do Geba uma feitoria e um forte com vistas a aniquilarem o comércio e poderio português em Bissau.

Assim, em 13 de Março de 1700, surgiu no porto de B issau um navio de guerra francês, o Anna, ameaçando o seu comandante que desembarcaria 200 ho mens para garantir a manutenção dos direitos da firma da sua nacionalidade e salvaguarda dos seus concidadãos.

A semelhante arbitrariedade retorquiu Oliveira Fons eca que impediria qualquer desembarque e, acto contínuo, mandou que os canhões da fortaleza fossem assestados sobre o navio estrangeiro. Como um dos princípios d a guerra naval daquela época era que «poderia bastar um só tiro de uma fortaleza para af undar um navio, enquanto que nem cem

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tiros de um barco destruiriam uma fortificação», o comandante francês, ante a ameaça dos canhões portugueses, mudou de ideias. Assim, vendo que não poderia demover o Capitão Oliveira Fonseca, procurou aliciar os Indígenas par a que atacassem a fortaleza.

Não contou, porém, com a lealdade do régulo Incinha te, que, categoricamente, se recusou a trair a confiança que o Rei de Portugal d epunha nele e nos seus súbditos.

Foi este o último episódio da fortaleza de N.ª S.ª da Conceição de Bissau. Em 1707, o Capitão-mor de Cacheu, Paulo Gomes de Ab reu e Lima, num relatório

sobre a Guiné - e que hoje nos parece um tanto ou q uanto incompreensível - afirmava que Bissau era «terra muito ambicionada pelos franceses , que nessa ocasião empregavam os maiores esforços para ali levantarem uma fortaleza e se tal conseguissem tornar-se-iam senhores de toda a Guiné». No entanto, apesar desta s sensatas afirmações, acabava por preconizar que a fortaleza de Bissau fosse arrasada .

D. João V, embebido com o sonho das minas preciosas do Brasil, pura e simplesmente, em 5 de Dezembro de 1707, mandou demo lir a fortaleza de N.ª S.ª da Conceição de Bissau, o que se realizou em 1708.

O Capitão-mor de Cacheu, Francisco de Sotto-Mayor, mais tarde, em 1752 ( Oficio de 12

de Março. Vide ÁLVARES DE ANDRADE op. cit . p. 74.), explicava a decisão de D. João V da seguinte maneira:

«A causa de demolirce foram certas dífferenças que o capitão-mor desta Praça Santos Vidigal Castanho teve com o capitão-mor da d ita ilha, Rodrigo de Oliveira da Fonseca, sobre materia de mais ou menos interesses nos seus negócios,»

Em breves dias foi demolida a fortaleza de N.ª S,a da Conceição de Bissau, que representava não só 20 anos de soberania como també m o sacrifício de muitas vidas de portugueses. A sua artilharia foi enviada para Cach eu, ficando abandonadas 6 peças, que se consideraram incapazes (Oficio de 12 de Março. Vide ÁLVARES DE ANDRADE op. cit . p. 74.).

Assim, desapareceu a primeira fortaleza de Bissau, com grande descontentamento de todos os residentes da região, incluindo os próprio s indígenas.

Estes, através do seu régulo, recusaram sempre aos franceses as necessárias autorizações para construírem, nas margens do Geba, uma feitoria e forte, alegando que «haviam dado aquele terreno ao Rei de Portugal e qu e não faltariam à sua palavra».

Apesar da insistência francesa e da lealdade dos pa péis, os membros do Conselho Ultramarino, falando em nome do Rei, afirmavam em 1 718, perante um pedido para a construção de uma nova fortaleza, que:

«Portugal não tinha meios para conservar e sustenta r o presídio, e também pela inconstância dos negros e reis de Bissau, motivos p or que tinha EI-Rei mandado demoli-lo.»

Em 1723, só devido ao naufrágio de um navio que transportava os materiais de construção, é que a França não viu realizadas as suas aspirações de ter a sua bandeira a flutuar aos ventos de Bissau, onde prete ndia construir um forte «à viva força, se necessário fosse». Talvez essa a razão de o Conselho Ultramari no, pouco tempo depois, ter emitido o parecer de «mandar-se r eefícar em Bissau a fortaleza que nelIa houve», mas o Procurador da Fazenda contrario u a ideia, alegando «não saber

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qual seja a utilidade que possamos tirar desta ilha » (Cf. ÁLVARES DE Ar.llRADE. ob. cit., p. 71.). E mais uma vez foi posta de parte a construção de uma nova fortificação.

No mês de Abril de 1739 dois navios franceses funde aram nas águas do Geba e a sua tripulação procurou, por todos os meios, captar as boas graças dos nativos para poderem construir a tão almejada feitoria e forte.

No entanto, não foram felizes e, antes de se fazere m ao mar, ameaçaram que voltariam no ano seguinte e então, com a força dos seus canhões e das armas dos seus soldados, a bem ou a mal, construiriam uma for taleza.

Numa carta escrita ao Capítâo-mor de Cacheu - e que posteriormente chegou ao conhecimento de D. João V - o régulo de Bissau decl arava que «enquanto ele fosse vivo, jamais a França teria um forte nas suas terras». Ma s também, ao que parece, enquanto D. João V existisse não haveria em Bissau qualquer for taleza de Portugal.

Após a morte do régulo Incinhate, em 18 de Setembro de 1746, os franceses foram autorizados, pelos nativos, a construir, no ilhéu d o Reí, uma feitoria fortificada, mas, apesar disso, El-Reí D. João V manteve a sua vontade, baseado no parecer do Procurador da Fazenda de que «não se devia levantar de novo a fortaleza» e apoiado na informação do Conselho Ultramarino de que. para a sua construção, seria «preciso mandar um engenheiro com patente de capitão-mor e promessa de que findos os trabalhos se lhe daria o governo de Cabo Verde, o que levava a exclu ir a ideia de uma nova fortaleza em Bissau.

Após a morte de D. João V, o seu sucessor, D. José I - certamente como consequência do ofício de 12 de Março de 1752 do Ca pitão-mor Francisco Roque Sotto Mayor - mandou, em Janeiro de 1753, uma pequena esq uadra de quatro navios - N.ª S.ª da Guia e Santo António, Santa Margarida e Ventura de Amigo - sob pavilhão do Capitão de mar e guerra Guilherme Kínray, embarcado na nau de guerra Nossa Senhora da Estrela, com a missão de se construir em Bissau uma fortalez a (Cf. ALVARES DE ANDRADE, ob. cit. p, 77.).

Esta seria planeada pelo Capitão-engenheiro Francisco Xavier Pais de Menezes, tendo-lhe sido indicado pelo Ministro da Marinha e Ultramar que: «verá V. Mercê a dita ilha, tirará um plano della e fará o desenho da fortifica ção que n'ella se pode fazer, com .defensa, e sem muitas obras exteriores, e só assim aquellas precisas e necessárias para o poder pôr em execução quando o dito capítam-mor lhe disser que se pode executar».

Quando o régulo Incinhate mostrava o maior interess e pela presença portuguesa no seu chão, o Rei D. João V opunha-se a essa ideia. A pós a morte destes dois personagens, os papéis inverteram-se - o novo Rei de Portugal qu eria mandar edificar uma fortaleza em Bissau e o novo Régulo papel de nome Palanca não qu eria, ou, pelo menos, não se mostrava interessado.

Embora contra a má vontade dos indígenas, em 17 de Fevereiro de 1753, .o régulo Palanca acabou por assinar "um auto de fidelidade a Portugal e de consentimento da construção de uma fortaleza, cuja primeira pedra fo i lançada, com grande solenidade, nesse mesmo dia.

Durante cerca de dois meses, muitas centenas de hom ens trabalharam afincadamente na construção da nova fortificação, lutando contra o mau clima da região e contra os constantes atritos com os nativos e, ao que consta, nessas escaramuças morreram 9

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europeus e, vítimas do clima, cerca de 500 indígena s e operários. A 22 de Março de 1753 as principais e indispensávei s obras de defesa estavam

prontas, mas, oito anos depois, ainda se trabalhava na construção da fortaleza, desaparecendo, durante este espaço de tempo, as «py ramides com as armas reaes» enviadas de Lisboa a bordo da nau «Nossa Senhora da Estrela» e que tinham sido desembarcadas em Bissau.

Talvez que a lentidão destes trabalhos fosse motiva da, pela grande mortandade dos obreiros, vitimados pelo escorbuto, paludismo e febre-amarela - a que chamavam o «vómito negro». As mortes chegaram a ultrapassar as dezenas por dia e, entre elas contou-se a do Capitão-engenheiro Pais de Menezes, que planeou e d eu início à fortificação.

Em 16 de Novembro de 1753 foi atribuída a primeira guarnição à fortaleza, que ficou sob o comando do Capitão-mor Nicolau Pinheiro de Araújo, subordinado à capitania -mor de Cacheu. O armamento atribuído nessa ocasião foi de 34 peças de artilharia - conforme Sotto Mayor tinha solicitado em 1752 - que foram ex pedidas de Lisboa em Dezembro de 1753. No entanto, em 22 de Março de 1776, o tenente António Alvares de Andrade, ao solicitar os «reparos para a artilharia que se acha descavalgada na ditta praça de Bissau» faz pressupor que as peças existentes eram as segui ntes: 12 de calibre 18, 12 de calibre 12, 12 de calibre 6 (todas de ferro) e 6 peças colo mbrinas de bronze, das quais 3 de calibre 3 e as outras de calibre 6 ( Cf. ÁLVARES DE ANDRADE. ob. Cit., pp. 79 e125.).

Em Janeiro de 1754 a guarnição de Bissau recebeu um a leva de 50 soldados degredados de Cabo Verde, mas, passados quatro anos , estes estavam reduzidos a 20 - a maioria tinha morrido e os outros desertaram.

Nessa ocasião, as obras concluídas em 1753 já ameaç avam ruína. Na falta de um técnico responsável não só pela reconstrução como t ambém pela conclusão da Fortaleza, foi nomeado Frei Manuel Vinhais Sarmento, que se li mitou a mandar fazer algumas obras, provisórias e imperfeitas (CRISTIANQ BARCELOS. III. ob. Cit.,. p, 26, indica que «Frei Manuel V. Sarmento deu

começo à reconstrução da fortaleza. segundo um plano seu ». ). Em 19 de Julho de 1755, o Conselho Ultramarino, baseando-se numa carta do Capitão-mor de Bissau, Nicolau de Pina Araújo, pronunciou-se que «para povoar e fortalecer aquela ilha, era necessario hum enginheiro para delinear a fortificação e com elle officiaes p ara executarem e gente para a guarnição».

Com a data de 15 de Junho de 1757, Frei Manuel Vinh ais Sarmento escreveu (Transcrita no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. VI (1951) 979) a seguinte carta:

«... q. está isto em hü total dezamparo: as artelharias q. he a que só existe nesta praça estão arruinadas, mas não encravadas. som.te depois da morte do deffunto tem os negros com gr.de ouzadía desmontado quasi todas quebrando carretas. e tirandolhe as ferrages chamando lhe suas, o que tinhão princip iado antes que morresse o cap.m mór outras estavam em terra desde q. sahirão p' terra.»

A 13 de Maio de 1758, o Capitão-mor de Cacheu ( Cf. ÁLVARES DE ANDRADE. ob. cit.. p. 82.) indicava para a corte de Lisboa que a direcção das obras da fortaleza devia ser entregue ao Capitão Anastácio Domingos Pontes, pois era «sujeit o em quem concorre o predicado de

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ter bastante noticia da sciencia de fortificação e ser pratico d' estes países». A situação da Fortaleza, caminhando rapidamente par a uma ruína total, foi exposta ao

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Rei D. José I, tendo, em 6 de Agosto de 1765, os moradores de Biss au solicitado a autorização para construírem uma nova fortificação a erigir «na ilha de Bissau ou no ilhéo que fica defronte».

E tão confiantes estavam na anuência real, que enca rregaram o Capitão-mor da ilha do Fogo, Manuel Germano da Mata - que se dizia enge nheiro - de a planear, o que este fez, mas «tão irregular, que. examinada por pessoas prát icas do paiz, que foram sobre ella ouvidas, se assentou que não se devia mandar execut ar» (Ibid . p. 83.).

D. José I tomou medidas imediatas para que se abandonassem as obras em curso e, por sua resolução de 12 de Agosto de 1765, foi dete rminado que se construísse uma nova fortaleza em Bissau.

Para isso, em fins desse ano, chegou ao porto de Sa ntiago a corveta «Nossa Senhora da Esperança» com ordem de arrebanhar, por todo o C abo Verde e Guiné, os vadios e condenados por crimes comuns e levá-los para Bissau . Aqui, em regime de liberdade, trabalhariam nas obras da nova fortificação, recebe ndo um salário diário de 180 réis, além da comida e uma ração de aguardente - na altura con siderada essencial e indispensável na luta contra as febres palustres. Muitos anos mais t arde, em 13 de Abril de 1790, João Gomes Pereira apresentou ao Conselho Ultramarino a seguinte informação ( Cí, ALVARES DE

ANDRADE, ob. Cit,. p. 147.): « ... (que) em 11 de Dezembro do dito ano (1765) remeti p ara Bissau na fragata Nossa

Senhora da Penha de França, e nas embarcações da Co mpanhia que a acompanhavão com 720 criminosos com as suas espadas largas e zagaias mui to luzentes.»

Outros escritores referem que o efectivo era formad o por 270 vadios e criminosos, juntamente com 450 soldados retirados das 30 compan hias que então existiam pela Província, além de 1 cirurgião, 25 cabos, 10 pedrei ros e 20 carpinteiros, sem contar o chefe da construção e o seu adjunto, respectivamente João da Costa Ataíde Teive e Tenente de granadeiros Bernardino Alvares de Almada.

Este pessoal teria desembarcado em Bissau no dia 26 de Dezembro, tendo sido transportado numa esquadra de cinco navios, sob o c omando de Frei Luís Caetano de Castro com o cargo de capitão de mar e guerra, cons tituída pela fragata Nossa Senhora da Penha de França; nau Nossa Senhora do Cabo; galera São Sebastião, corveta Nossa Senhora das Necessidades e a escuna (ou corveta) No ssa Senhora da Esperança, além de um bergantim ( Cf. ÁLVARES DE ANDRADE. ob. Cit., p, 87.).

Com a ajuda de um milhar de indígenas, o então.sarq ento-mor Manuel Germano da Mata, a 30 de Dezembro de 1765, deu «princípio a co rtar as árvores e mato e a limpar o plano para se lançarem as primeiras linhas» ( Ibid .. p. 97.) de uma fortaleza de que ele era o autor do projecto.

Pouco tempo depois, a Companhia do Grão-Pará - enti dade concessionária da

exploração da Província de Cabo Verde e Guiné e cuj as despesas da construção da

fortaleza corriam a seu risco - expressou por escri to o seu contentamento pelo «bom

sucesso do princípio da fundação da fortaleza», lev antada junto às margens lodosas do

Geba, «a cousa de 100 passos das suas águas».

Em 11 de Abril de 1766, Germano da Mata teria prete ndido modificar o traçado,

avisando a Companhia do Grão-Pará da «mudança que fez na planta do risco que da

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Fortaleza levou desta corte». Imediatamente os Dire ctores daquela Companhia

escreveram-lhe, não concordando com essa alteração, pois «verdade he q. o discurso

natural nos quer persuadir q. um quadrado não póde defender bem os lados sem quatro

Baluartes nos anglos; os dous Baluartes q. estão á frente do mar bem defendem essa

parte; porem o baluarte, q. está só no meio do lado na frente do gentio, de q.m devemos

recear continuos assaltos, não duvidamos possão def ender os dous flancos lateraes:

porem sempre nos parece q. os Lados Lateraes a esses flancos ficam com fraquez a se por

ahi forem attacados».

Calcula-se que a primeira fase das obras de constru ção tivesse importado em 50

contos de réis, mas em vidas humanas, o custo foi e levadíssimo. Mais de 1000 operários e

obreiros - incluindo o cirurgião, o boticário, capa tazes, etc, - ficaram para sempre

sepultados no cemitério que existia perto da fortal eza. Devido a essa mortandade -

atribuída ao paludismo e ao «vómito negro» - e aind a ao facto de a Companhia do Grão-

Pará, que pagava os salários e custeava as despesas , ter esgotado os seus recursos, as

obras diminuíram consideravelmente de ritmo, aument ando, em contrapartida, a

indisciplina de operários e tropas, a ponto de ter que desembarcar uma força de marinha,

sob o comando do Capitão-Tenente João da Costa Ataí de Teive, para «disciplinar a tropa e

organizar a gente de trabalho» ( Cf. ÁLVARES DE ANDRADE. ob. cit., p. 94.).

Segundo o tenente-coronel Germano da Mata, quatro m eses após o início dos

trabalhos já se levantavam «o quadrado fortificado com 67 braças de lado e 4 baluartes,

que foram designados pelos nomes de Bandeira, Poana , Onça e Balança.

No entanto, uma testemunha contemporânea refere-se, somente, à existência de «três

baluartes pequenos para terra, e as cortinas da mes ma de três palmos de largo, feytas de pedra e cal...» ( Ibid. p. 111.).

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Com a retirada de Ataíde Teíve, o autor do projecto , Germano da Mata. assumiu a direcção da obra, sendo ajudado pelo Capitão-mor de Cacheu, Sebastião da Cunha Sotto Mayor - visto que o tenente de granadeiros Alvares de Andrade fora chefiar a botica. Além disso, ajudava também nas obras o Capitão-cabo da P raça de Ziguinchor, Carlos de Carvalho Alvarenga.

Em Agosto de 1766, Germano da Mata comunicou para L isboa que tinha prontas a ser inauguradas as principais obras defensivas e, meses depois - a 17 de Fevereiro do ano seguinte - informou que «a obra da' fortaleza se va y continuando na abertura do fosso».

Ao que parece, a abertura deste fosso deu origem a grandes problemas, porquanto, mais tarde, numa reclamação apresentada pelo Capitão de engenheiros Carlos Andreis, afirmava-se o seguinte( Cf. ÁLVARES DE ANDRADE, ob. cit., p. 106.):

«... que por baxo de dois e tres dedos de terra se encontra huma pisarra e roxa, que seria percizo, par fazer só o foço deter minado, de sessenta palmos de largo e duas braços e meia de fundo, ao menos dous annos atendendo que no tempo das agoas se não pode trabalhar.»

Mas, precisamente um ano após a informação de Germa no da Mata, em 14 de Fevereiro de 1768, o Capitão de mar e guerra João da Silva indicava qu e «os baluartes donde se acha a artilharia montada tem dezabado mui ta parte dellas com as agoas passadas, e como se não repararão, na occaslão pres ente pode facilmente dismontar a artilharia, caindo por terra, pois os ditos balua rtes não tem resistencia á calamidade do tempo».

No entanto, Germano da Mata continuava a mandar par a Lisboa optimistas informações sobre o andamento dos trabalhos, referí ndo-se à conclusão da «casa do governo a padrasto sobre a porta de armas, os quartéis dos officiaes e da guarnição, as instalações hospitalares», além de uma pequena c apela que passava a ter como orago S. José.

A consulta dos documentos da época mostra-nos, por ém, uma situaç ão muito diferente daquela descrita por Germano da Mata.

Este, ao que parece, era um indivíduo sem qualquer capacidade de trabalho, incompetente e quezilento - a ponto de um marinheir o euro, peu lhe ter dado com uma picareta na cabeça, que o ia matando, e, de outra v ez, ter sido agredido pelos operários. No entanto, alardeava profundos conhecim entos e prática, atributos esses de que era destituído.

O seu imediato, capitão com exercício de engenheiro . António Carlos Andreis, era, de facto. muito competente mas, em contraparti da, um alcoólico crónico, de espírito tempestuoso.

Entre Germano da Mata e Carlos Andreis havia uma ri validade enorme e, só quando era de todo impossível, o que um fazia o out ro não desfazia ou dizia mal.

Esta situação ter-se-la mantido ao longo de alguns anos, até que Germano da Mata, em 1769, foi obrigado a ir a Lisboa justificar-se d os seus trabalhos, tendo conseguido, graças a um enorme favoritismo e protecção, juntame nte com a imensa propaganda que fazia de si próprio, obter uma alta recompensa pelo s seus trabalhos na edificação da

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fortaleza de São José de Bissau. Como consequência, o Capitão Carlos Andreis obteve, por decreto de 6 de Novembro

de 1766, o desterro para a ilha de Santiago, donde saiu trinta anos depois, sendo restituído à liberdade, ao seu soldo e às honras do seu posto por despacho régio de 27 de Outubro de 1799, isto é, quando já estava às portas da mort e.

Assim laureou-se um incompetente e desprezou-se um técnico de certo valor, numa altura em que a Guiné tanto precisava de homens vál idos. O Governador Sotto Mayor, num ofício datado de 3 de Junho de 1769, dirigido ao Mi nistro da Marinha e Ultramar critica abertamente a acção de Germano da Mata, referindo q ue a fortaleza «se achava irregular no que respeita aos terraplenos dos baluartes e cor tinas, porque achando-se os ditos doies baluartes fronteyros à campanha em altura tão proporcionada, que ficam os tiros das pessas de artilharia orizontaes à campanha, e em al gumas partes ainda ficão mais baixos do que a mesma campanha ... e n'esta forma se achão os ditos doies baluartes do mar com os de campanha, é trez cortinas a ellas contíguas, que qualquer embarcação do meyo do porto as domina, como tambem os ditos baluartes», c oncluindo por responsabilizar o autor do projecto e director das obras de edificação «des te tão grande descuido achar-se agora esta fortaleza por todos os lados arruinada. dezaba ndo por húa e outra parte» ( Cf.

BERNARDINO ÁLVARES DE ANDRADE. P/anta da Praça de Bissau e Suas Adjacentes. Pp. 107 e seguintes. ). Aliás a planta da fortaleza de Bissau também não fo i muito do agrado do Marquês de

Pombal, que, entre várias coisas, estranhou a falta de canhoneiras, pois Germano da Mata entendera ser «mais fácil laborar com artilharia po r cima dos parapeitos para todas as partes».

O primeiro documento que alude à conclusão da fortale za de São José de Bissau é datado de 30 de Novembro de 1773. No entanto, jà em 10 de Maio do mesmo ano a Junta de Administração da Companhia Geral de Grão-Pará e Mar anhão tinha providenciado para o despedimento dos operários e demais obreiros, além de ter proposto a respectiva guarnição. Esta foi nomeada por decreto real de 28 de Novembro de 1774, que era do seguinte teor:

«Relação dos officiaes que Sua Magestade he servido nomear para guarnição da Praça de Bíssao.

Para sargento mor da dita Praça o capitão della Lui z da Silva Cardozo. Para ajudante da mesma, o cadette do regimento de S etuval Antonio de Braun. Para capitão da primeira Companhia de infantaria da guarni ção da dita Praça o cadette

do regimento de Setuval José Lufz de Braun. Para tenente da mesma companhia Bernardino Antonio Alvares da Andrade. Para alferes da mesma o sargento José Joaquim Perei ra. Para capitão da segunda companhia de infantaria da guarnição da dita Praça Luiz da

Veiga Barros. Para tenente da dita companhia Domingos da Veiga.»

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Assim nasceu a fortaleza de São José de Bissau. cuj o custo de construção atingiu o montante de 147690$763 réis. No entanto. para que s e mantivesse de pé durante os seus dois séculos de uma história mais ou menos agitada. foi necessário. quase de 50 em 50 anos, recons truí-la de novo.

A guarnição da fortaleza era da ordem dos 250 homen s, distribuídos por duas companhias de Infantaria e uma de Artilharia a 80 h omens cada. No entanto, os efectivos andavam à volta de 200 homens, sendo estes, na maioria, deste rrados ou mesmo criminosos, e, no dizer de Lopes de Lima ( Ensaios sobre a statistica das Possessões Porluguezas. livro I.

cap. VI, p. 126), «mal vestidos, mal nutridos, mal disciplinados, enervados pelo vício, e pelas doenças inseparaveis delle, que alli ha longos anno s vegetam languidamente, antes para envergonhar, que para defender a Bandeira Portuguez a».

Antes de embarcar para a Guiné, a 22 de Março de 17 76, o Tenente Alvares de Andrade deu ao Conselho Ultramarino um parecer sobr e a situação da fortaleza de Bissau (ÁLVARES DE ANDRADE. ob. Cit., pp. 79 e 125.), ao qual lhe juntou uma «Relação de que he mais necessario para a praça de S. José de Bissau pello que pertence á artilharia e munições para a infantaria».

Desta relação constava que eram necessárias as segu intes peças de artilharia e respectivos «prettences»:

«16 Pessas de artelharia, de 24 ou 36, comlombrinas 8 ditas de dezoito do mesmo género 16 ditas de nove 4 Pessas píquenas para sahirem ao campo. Bailas de 3. 6. 9. 12. 18. 24 ou 36 Díttas meudas para ce empinharem Breu e pó de pedra para se fazerem as pinhas e curd el de piam Ferro velho para a mitralha Algumas bailas emcadiadas dos sobreditos calibres Algumas palanquettas.» Entretanto, a fortaleza de S. José de Bissau contin uava a desmoronar-se. De um relatório de Dezembro de 1777 constava que «. .. estava completamente

acabada... porém os reparos estão arruinados». No a no seguinte, em 2 de Novembro, o Capitão-mor de Cacheu, António Vaz de Araújo, escre via que «a fortaleza de Bissau he de pedra e cal, tem quatro baluartes, toda mal fabrica da, e de pouca duração, e só hum pedaço que fez o engenheiro António Félix de Amaral está bom; o mais é qualquer parede»...

São raras as descrições sobre a velha fortaleza de São José de Bissau onde não constem alusões que a mesma está em ruínas, e são v ários os relatórios que aludem a importantes obras de restauro e sem os quais as sua s muralhas e outras edificações ter-se-iam desmoronado.

A vida da fortaleza, quase se pode dizer que até ao s nossos dias, decorreu entre amotinações da sua guarnição e obras de restauro.

A primeira insubordinação deu-se em 1783, tendo o C omandante da Praça Capitão José António Pinto, fugido para algures do Geba, co nseguindo assim salvar a vida. O seu

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substituto foí o Capitão João das Neves Leão, que tomou posse em 1 799, mas pouco tempo depois abandonava aquele cargo, seguindo-se-l he o Capitão António Cardoso Faria, que, em 1803, foi envenenado pela soldadesca. Em pr incípios de 1805 foi nomeado para comandante da capitania de Bissau e da Praça Manuel Pinto Gouveia, que trouxe uma nova guarnição, constituída por 150 criminosos retirados da cadeia do Limoeiro, em Lisboa, e 80 vadios e condenados por crimes comuns trazidos de C abo Verde, os quais, conforme escreveu Cristiano Barcelos ( Ob. cit.. III. P. 326.), juntamente com os «230 soldados indisciplinados em Bissau formavam um Batalhão de 4 50 desordeiros».

Esta escolha fora motivada pela razão de não haver soldados que, voluntariamente ou por obrigação, quisessem ir prestar serviço na Guin é, nomeadamente em Bissau.

O facto de, desde 1807, os soldos serem pagos em fa zendas - e mesmo assim com muito atraso - originava constantes protestos das g uarnições militares.

Alegando essa razão, em 14 de Abril de 1811, a trop a da fortaleza sublevou-se contra o seu comandante, Capitão António Cardoso Figueired o, exigindo-lhe o pagamento dos seus soldos, «pois tinham fome e andavam rotos e de scalços».

O Governador de Cacheu teve que arranjar um emprést imo - feito a título particular, pois não o conseguiu em nome do Governo - para paga r aos sublevados, alguns dos quais já não recebiam há quatro anos, aliás como sucedia ao próprio Governador.

Ao que parece, esta intentona fora fomentada pelo c omerciante Tomás da Costa Ribeiro, que, em 12 de Julho desse ano, conseguiu o riginar nova revolta.

Cristiano Barcelos ( Ibid., p. 173. Consulte-se também a IV parte, p. 72, onde o mesmo autor escreveu o

seguinte: «Caetano José Nozolinl reuniu 60 manjacos e com estes cahíu sobre os soldados indisciplinados, prendendo-

os e restituindo à liberdade o Governador e offíclaes, e assim se rest abeleceu o sossego em Bíssau», ) fez o seguinte descrição da fortaleza de Bissau, referent e ao ano de 1821:

« ... tinha os muros mui damnificados; em mau estado e te lhado do quartel dos offícíaes e em ruínas o dos soldados, vivendo estes em improv isadas barracas que construíram de paus e esteiras, estando os muros da fortaleza cheios de furos que recebiam os paus; n'estas habitações viviam os sold ados com suas mulheres gentias, contando alguns seis mulheres; não havia hospital, nem médico; a egreja, que outrora fora coberta de telha, estava coberta com palha e as par edes ameaçando ruínas; a artilharia constava de cincoenta peças, estando onze desmontad as, de calibre 9, 12 e 18; cavalgadas em reparos novos dez, e as restantes vinte e nove, de vários calibres, montadas em reparos velhos; os soldados no effectivo de cento e setenta e sete homens formavam três companhias de infantaria ... »

Dez anos depois, em 16 de Junho de 1831, na ilha da Boa Vista, Manuel António Martins, na sua Memória ( Transcrita no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. XIII (1958) 206.), faz a seguinte descrição da fortaleza de São José de Bissau:

«Tem huma cappela dentro da fortaleza, aonde hum pa dre, com o nome de vigário, vai celebrar o Santo Sacrifício da Missa aos domingos e dias santo s, a que assiste a pouca tropa da praça, e todos os que da povoação querem e ntrar nesses dias, ou para a ouvir, ou com esse pretexto, prática esta bem estranha, e que há-de resultar em grande prejuízo.

O vigário he mandado de Cabo Verde para allí, e ger almente escolhido entre os maos

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... como espécie de castigo. Tem a praça de Bissau 64 peças em número, famoza ar tilharia, muita parte della de

calibre 18, reforçadas em 24, algumas de 12, e pouc as de 6: e em o numero de 64 entram 6

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comlumbrinas de bronze de calibre 9, e duas de camp anha de 6. De toda esta artilharia, não se acha huma só peça c apazmente montada para dar fogo

huma hora succesiva, e assim mesmo a maior parte po r terra desmontada ou cahida para a banda com parte da carreta, excepto todas as de bro nze, que nem signal de carretas tem.

Enquanto ao armamento de tropa, entra em questão de duvida haver doze armas perfeitas, ou capazes de cada huma dar dous tiros.»

Devido ao estado em que se encontrava a fortaleza, não é para admirar que, nos princípios de 1822, se tivesse dado, em pleno porto de Bissau, um ultraje à soberania portuguesa, e que Senna Barcelos ( Ob. Cit., III, p. 278.) descreve da seguinte maneira:

«Em 25 de fevereiro de 1822 communicaram os membros da Junta da Praça de S. José aos da Praia o ataque que um batelão e dois es caleres, com tripulantes armados e com peças de artilharia, deram no porto da mesma Praça à escuna portugueza Conde de ViIla Flor, alli fundeada, na noite de 21 d'aquelle mes...

... Estavam todos já a bordo e a escuna devia deixa r esse porto em que foi atacada por aquellas embarcações, que ficaram atrac adas ao costado da refferida escuna, ao abrigo dos tiros da Praça; cortaram-lhe a amarra e fizeram-se de vela, sendo conduzida para o canal do Geba, onde estava f undeada uma fragata ingleza com quarenta e oito peças. Da Praça, de que era cap itão-mor João Hygino Curvo Semedo, não foi possivel socorrel-a por falta de em barcações e pela impossibilidade de se fazerem tiros, que poderíam metter no fundo a escuna, morrendo não só os inglezes, mas os portuguezes...

Parece que esta fragata fora a mesma que na manhã d e 4 de Março de 1823 mandara cinco lanchões bem armados atacar a escuna franceza denominada africana, tentando picar-lhe a amarra. Da Praça acudiram a te mpo, fugindo os lanchões debaixo de um nutrido fogo mandado fazer pelo capitão-mor i nterino Marcelino Pinto da Fonseca. A fragata acima referida era a L'Owen Genn dower.»

Em 7 de Abril de 1823 foi nomeado como sarqento-mor da fortaleza o Capitão Marcelino Pinto da Fonseca e, na ocasião, a guarniç ão foi reforçada com 45 soldados e 76 degredados da ilha de Santiago.

A falta de pagamento de vencimentos e a má qualidad e de rancho originaram, em Maio de 1826, nova revolta, que só foi dominada quando fundeou no porto de Bissau uma fragata inglesa e surgiu um destacamento vindo de Geba com 50 soldados.

Os rebeldes, perante as imposições da força da orde m libertaram o capitão-mor e

alguns deles entregaram-se, mas a maioria fugiu para o mato. No rescaldo da

revolução, ficaram presos 5 oficiais e 38 soldados, os quais, mais tarde, foram

julgados em tribunal militar e condenados.

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Em 1 de Maio de 1835, registou-se mais uma insubord inação militar.

Os soldados sublevaram-se, prenderam os seus superi ores e promoveram-se a

oficiais. Um deles, António Picadas, foi nomeado Go vernador, e um outro foi

promovido a general! Foi o então capitão Caetano Nozolíni que conseguiu persuadir

os revoltosos a restituírem à liberdade os seus oliciais e a desistirem dos seus

propósitos. Assim, «em 7 de Maio, para que o sosseg o se conseguisse na Praça,

houve unia convenção entre o governador e os amotin ados, fazendo-se um

juramento. pelo qual reciprocamente se obrigaram a esquecer o passado, sendo este

gracioso juramento deferido pelo capelão» (CRISTIANO BARCELOS. ob. cit., III, p. 349.).

No decorrer dos anos, a fortaleza foi-se arruinando e, em Dezembro de 1837, o

seu poder defensivo era muito reduzido.

Ante a ameaça de um ataque dos papéis, o Governador Joaquim António da Mata,

após ter ouvido em conselho todas as entidades da t erra - civis, militares e

eclesiásticas - e com o apoio unânime, mandou ao co mandante de uma corveta

francesa, surta no Geba, um patético ofício em que pedia protecção.

O oficial francês limitou-se a devolver o ofício e nem sequer lhe deu resposta.

O almejado auxílio foi então solicitado ao governo da Gâmbia, que, segundo

parece, também não ligou importância ao pedido. Coincidência curiosa. Nessa ocasião, o Governador d e Cabo Verde e Guiné,

coronel Joaquim Pereira Marinho, sem que tivesse ti do conhecimento do que se passava em Bissau, escrevia para Lisboa ( lbid., IV, p.158.), aludindo que as tropas da Guiné «eram indisciplinadas e bárbaras... caindo aqueles estabelecimentos na anarquia mais deshonrosa e de maior miséria...» o q ue, no caso da fortaleza de Bissau, era absolutamente verdadeiro. Aliás, este governado r, tendo estado desterrado, voluntariamente, em Bissau no ano de 1836, escreveu que encontrara «a Praça em estado miserável, e que a história dos últimos gove rnadores de Bissau e Cacheu é a mais deshonrosa. AlIi tudo tem sido roubado, até pedras das platafor mas; o revestimento de contra-escarpa também fora arrancad o para construções de casas dos vizinhos;... a artilharia desmontada e os ouvid os das peças alegradas pelo pessimo tratamento que tem tido...»

Em 1840 a fortaleza contava 70 soldados (pouco disc iplinados) e estava armada

com 22 peças de artilharia capazes de fazer fogo ( CRISTIANO BARCELOS . em ob. cit., IV, p. 271,

indica que nove peças estavam montadas em reparos de ferro. ). Mais ou menos nessa ocasião, Lopes

de Lima (em ob. cit., Livro I, Parte II, p. 103 ) fez a seguinte descrição: «Praça de guerra de S. José de Bissau - Reduto quad rado de boa cantaria, flanqueado

por quatro Baluartes. tendo cem passos de comprido cada uma das faces, cercado todo de boa cava (que está servindo para hortas) guarnecido com quarenta e tres Peças de ferro e nove de bronze, de diversos calibres (quase metade dellas desmontadas por falta de reparos em paíz aonde ha tão excelentes madeiras de graça).

Dentro da Praça tem Quartel para o Governador - bon s Quarteis para duzentos soldados, - e para os fficiaes correspondentes; -Ig reja - Alfandega; - e Grandes Armazens; - tudo em pedra, coberto de telha; mas carecendo de g randes concertos até as muralhas que tem quarenta pés de altura (apesar de apparecer todos os annos no Orçamento uma

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verba de concertos, que não se vêem); acha-se tambe m dentro no recinto um poço secco desde tempo immemorial, sendo aliás de primeira nec essidade, que dentro na Fortaleza haja um poço, ou cisterna de agoa potavel para a gu arnição;... A fortaleza dista uns cem passos da borda da praia, tendo em frente da porta principal dois grandes Poílões, que servem de marca aos navios, que vão dar fundo.»

Segundo o mesmo autor, a guarnição de Bissau, em 31 de Dezembro de 1843, era de um oficial superior, comandante da Praça, dois tene ntes e dois alferes, um primeiro sargento, quatro segundos sargentos, dois tambores, cinco cabos, três anspeçadas (praças para impedimentos pessoais), cinquenta e se is soldados, num total de setenta e cinco homens de força arregimentada de 1ª linha.

Quando, em Novembro de 1840, se procedia à reconstrução dos baluartes, que estavam em vias de desmoronamento, registou-se em B issau, num armazém civil de aguardente e pólvora, uma violenta explosão que pro vocou a queda da «casa do governo», da capela e de mais um ou outro edifício da fortale za (CRISTIANO BARCELOS .. ob. cit .. IV. p. 273.).

Em Novembro de 1842, tendo sido determinado aos ind ígenas de Bissau que «não se concertassem nem se levantassem mais casas junto da s muralhas da fortaleza», estes negaram-se a cumprir essa ordem, e, segundo o relat ório do governador A. José Torres, datado de 7 de Junho de 1843( Ibid . pp. 314-315.), «emboscados pelas casas fezeram os grumetes fogo para a Praça, que rompeu com o da art ilheria, obrigando-os a retirar. Até ao dia 4 de Janeiro atacavam todos os dias a Praça, se ndo repellidos... No dia 5 mandaram, como parlamentarios, dois homens grandes da Povoaçã o, para tratarem da paz...»

Em 4 de Janeiro de 1844 desembarcou em Bissau um Co nselho de Investigação (Era constituído pelo comandante do Brigue «Vouga», Francisco Assis da Silva, Chefe do Estado-maior da

Província Tenente Rosado de Faria e pelo escrivão d a Junta de Fazenda de Cabo Verde, Evaristo de Almei da.) para apreciar os casos de indisciplina da guarnição . Segundo o relatório que este Conselho elaborou, no tocante a instalações, «os aq uartelamentos estavam em ruínas, e que os soldados haviam construído na espl anada mais de 40 palhotas, onde viviam com as suas mulheres, ou exerciam a profissã o de comerciantes. Além disso, os muros da fortaleza estavam sem reboco e o fosso entupido e muitas palhotas da população avançavam até junto das muralhas, impedin do o emprego da artilharia».

Pretendeu-se então pôr em vigor varias medidas tend entes a não só impedir a

construção de mais palhotas no interior da fortific ação, como também a desafrontar as

suas muralhas. Mas, precisamente cem anos depois, a situação ainda se mantinha!

Aliás, já em Abril de 1842 tinha sido recebidas em Bissau instruções do governador-

geral para que se «abrisse o fosso e a ponte levadi ça na parte que dá acesso à Praça;

que (se) evitasse a construção de novas casas junto à mesma Praça que pudesse

prejudicar a sua defesa» (CRISTIANO BARCELOS, ob. cit .. IV. p. 280. Na ocasião foi dada ordem ao

governador de Bissau que «diligenciasse ajuntar mat eriais para se construir no ilhéu do Rei o forte qu e se mostra na

planta levantada pelo tenente de engenheiros Antóni o Maria Fontes Pereira de MeIo». Cf. C. BARCELOS. ob. cit., IV, p.

280.).

Foi a revolta dos papéis e grumetes de 1844 - e que durou poucos meses: de 11

de Setembro a 29 de Dezembro - que originou a const rução de uma «palissada,

protegida interiormente por uma parede de taipa», c ercando parte de Bissau, ou seja,

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ligando a fortaleza ao pequeno forte do Pigiguiti, também em construção e formado

por um semibaluarte, onde se montaram velhas peças de artilharia.

Ao que parece, duas destas peças foram, já em nosso s dias, levadas para junto

do Museu de Bissau, ficando a ladear a porta princi pal do edifício; uma outra teve

diferente serventia: foi enterrada na avenida margi nal, junto ao cais do Pigiguiti,

ficando só com o cascavel, a faixa e parte da culat ra de fora, para servir de cabeço de

amarração. É possível que as restantes tivessem fim ainda mais i nglório.

Foi tal o interesse dos habitantes de Bissau na con strução da «muralha», que se

levantou junto à palissada, que, segundo Cristiano Barcelos, «até as senhoras

rivalizavam com os homens, transportando ellas tamb ém pedra e barro para essa

construção da muralha». Para os papéis a revolta terminou três meses depois da sua eclosão, numa

cerimónia realizada na esplanada da fortaleza e que se caracterizou pela sua originalidade (Consulte-se, para maior desenvolvimento sobre esta rebelião dos indígenas, C. BARCELOS. ob. dt ..

IV, pp. 25 a 38.).

Seguidamente, os assistentes a semelhante cerimónia beberam aquela mixórdia

e, segundo as crenças indígenas - pelos vistos tamb ém perfiIhadas pelos europeus - a paz ficaria feita e manter-se-ía por muitos e muitos anos.

Mas, ao que parece, ou à mistura faltaram alguns ingredientes ou nem todos o s

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Num misto de religiosidade e de paganismo, um sacer dote cristão e uma

sacerdotisa (??) indígena, chamada Balobeira, benzeram uma bacia fei ta da casca de

uma enorme cabaça, onde tinham sido postos aguarden te, balas, pólvora e outros

amuletos nativos. Seguidamente os assistentes a semelhante cferimónia beberam aquela mixórdia

e, segundo as crenças indígenas – pelos vistos tamb ém perfilhadas pelos europeus – a paz ficaria feita e manter-se-ia por muitos e mui tos anos.

Mas ao que parece, ou à mistura faltaram alguns ing redientes ou nem todos os assistentes cumpriram na íntegra todo o ritual, e o resultado foi que, passados uns quatro meses, a paz já tinha desaparecido da região de Bissau.

Em Maio de 1845, a guerra estava generalizada a tod a a ilha, e os indígenas içavam a bandeira francesa, salvando-a com tiros de peças (roubadas nos nossos fortes).

O gentio pretendeu, na ocasião, destruir a recente palissada de Bíssau, e só perante a ameaça dos canhões da fortaleza e do brig ue Vouga é que desistiram das suas intenções.

No ano seguinte celebrou-se um tratado de paz com o s papéis e grumetes - que não duraria muito tempo, como era habitual - e adqu iriu-se o porto de Bandim. Além disso, registou-se, ainda em 1846, a conclusão do p equeno forte do Pigiguiti, constituído por um simples reduto quadrado: feito a pedra e cal, em que cada lado tinha cerca de 15 metros, sendo o do lado de terra rasgado num amplo acesso. Em 7 de Abril de 1846 o tenente-coronel Nozolini enviou ao governador-geral de Cabo Verde e Guiné o seguinte ofício:

«Participo a V. Ex.ª que o forte que offereci fazer no sítio de Pigiguití se acha quasi prompto, tudo de pedra e cal com casa para a guarda e arrecadação das munições de guerra; no dia 1 de Maio pretendo arvorar alli a bandeira nacional e levar para ali duas peças de artilharia. V. Ex.ª ordenará o nome que quer se ponha ao dito forte» (Em CRISTIANO BARCELOS, ob. cit., p. 73.).

Este forte devia-se aos esforços do tenente-coronel Caetano NozoIini ( Este oficiaI

nasceu em 1801 na ilha do Fogo e morreu em 22 de Ju lho de 1850 na Vila da Praia. Assentou praça em 1 d e Maio

de 1816, tendo sido promovido: a alferes em 1816; t enente em 1823; capitão em 1825; major em 1837; graduado em

tenente-coronel em 1842 e promovido a este posto em 1843. Possuía os hábitos de Aviz e da Conceição. ), que há muito estava radicado em Bissau como importante homem de negócios, tendo prestado relevantes serviços à Guiné, razão por que foi proposta para esta fortifi cação o nome deste oficial, o que não foi aceite pela corte de Lisboa, por motivos políticos.

No dia 7 de Abril de 1845 o capitão de artilharia T avares de Almeida, com «14 artistas entre carpinteiros de banco e de machado, pedreiros e canteiros», iniciou o trabalho para a construção de um forte no Ilhéu do Rei. Depois de t er sido aberto um fosso e construída uma face dos redutos, as obras foram, a 16 de Maio, interrompidas e nunca mais continuaram.

No início de 1847, começou-se a construir, dentro d a fortaleza, um novo quartel,

substituindo as antigas edificações, que estavam co mpletamente em ruínas. A falta de

verbas, porém, fez interromper as obras, que só for am concluídas mais tarde, em 1851,

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graças a dádivas do Governador Major Lobo de Ávila, de Nicolau Monteiro Macedo e de seu

irmão João Monteiro Macedo. além de mais alguns com erciantes.

A 5 de Julho de 1853, a guarnição da fortaleza, por um motivo fútil, revoltou-se. O

Governador interino, Major Maria Morais, na impossi bilidade de dominar a rebelião, pediu

socorro a um brigue francês, de nome Pellimure, sob o comando do Capitão Augusto

Bosse.

Uma força de marinheiros franceses desembarcou e ap ós ter levado os revoltosos a

submeterem-se ocupou, por um escasso mês, a fortale za de S. José, enquanto se

aguardava a chegada do vapor Mindelo, trazendo de Lisboa um contingente de tropas. Durante a estadia dos franceses em Bissau, o Comand ante Bosse mandou içar a sua

bandeira na secular fortaleza, mas, ante a oposição de todos os portugueses, militares e civis, teve que desistir da sua ideia.

Como consequência da revolta da guarnição da fortal eza, faleceu, no recontro com os revoltosos, o tenente da Marinha Imperial de França Gillardaie. O seu corpo ficou sepultado à entrada da capela da Praça de S. José de Bissau e, mais tarde, a viúva daquele oficial solicitou a anuência do Governo Português p ara que fosse colocada uma pedra, simples mas durável, sobre a campa do seu marido.

Ao que parece, este tão justo e humano pedido nunca se concretizou, pois não encontramos, nem consta da tradição popular, qualqu er alusão à existência de alguma lage sepulcral na velha fortaleza, e não há, em tod o o recinto da sua esplanada, a mais pequena memória que assinale aquela sepultura.

No dia 26 de Abril de 1859 morreu na fortaleza de B issau o grande português e guineense Honório Barreto, na ocasião governador da Guiné, por decreto de 30 de Novembro de 1858 ( Cf. JAIME WALTER, Honório Pereira Barreto, memória n.º 5 do Centro de Estudos da Guiné

Portuguesa, Bissau, 1947. ). Hoje, nem uma singela placa assinala tão infausto a contecimento e recorda a memória

de um dos mais ilustres governadores desta Provínci a - que tanto pugilou por tudo quanto dizia respeito à Guiné e sua soberania portuguesa - e que teve um es pecial interesse pela fortaleza de São José de Bissau, mandando restaurar as suas velhas muralh as e melhorar a sua artilharia, além de lhe ter dedicado, ao longo da sua vida política, várias referências e descrições, uma das quais na Memória ( HONÓRIO BARRETO. Memória sobre o estado actual da

Senegâmbia Portug uesa, escrita em Cacheu em 1842 e publicada em Lisboa em 1843. ) que publicou em Lisboa e que, segundo um seu biógrafo ( JAIME WALTER. ob. cit., p. 29.), é um «livro modelo de verdade e patriotismo, e ainda de actualidade flagrante».

Da referida memória transcrevem-se as seguintes pal avras: «Bissau é uma praça situada na Ilha deste nome. e c onstruída segundo o systema de Vauban; mas não foi acabada. Não tem obras algumas exteriores, á excepção dos fossos já quasi entulhados, e aonde se planta algod ão, milho, e indigo. Teve contra escarpa mas parece que ella e as lages das platafor mas foram arrancadas para se fazerem algumas casas dos Particulares. - Dentro ha os edifícios seguintes: - O Quartel da tropa, que está quasi a cair, e por isso a maior parte dos soldados moram em palhoças; - o indecente quartel dos Offíciais, a onde chove como na rua; - o arrui-

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nado armazem do Governo; - e a pequena, e destelha da Capella com invocação de S. José, que é o Orago da Praça. O Governador mora no quartel dos Officíais com uns quartos pequenos, e ridiculos. Deixou-se arruinar o quartel do Governo, que não era lá muito boa cousa, e que uma explosão de pólvora apen as destelhou, e lhe abalou algumas paredes podia então ser composto com pouca despeza.

Até 1912, segundo Senna Barcelos, estas nove peças - cujos reparos tinham sido adquiridos por Honório Barreto, em 1837, ao governa dor da Gâmbia - eram as únicas da fortaleza de S. José de Bissau que podiam fazer fogo.

Pouco depois da morte de Honório Barreto - que foi sentida em toda a Guiné - a cidade de Bissau foi visitada por um diplomata e es critor, Francisco Travassos Valdez, que fez a seguinte descrição da fortaleza de S. Jos é (ln Africa Occidenlal. p. 313.):

«A praça de S. José de Bissau, com os seus poílões (erio exdendron anfractorum), árvores gigantescas que se erguem com magestade nos quatro baluartes, e que os abrigam com a sua sombra, sendo de taes dimensões q ue uma d'ellas tem 18 metros de perimetro na maior grossura, está situada na foz do rio Geba, e foi construida no anno de 1766, reinando el-reí D. José I.

Até 1912, segundo Senna Barcelos, estas nove peças - cujos reparos tinham sido adquiridos por Honório Barreto, em 1837, ao governa dor da Gâmbia - eram as únicas da fortaleza de S. José de Bissau que podiam fazer fogo.

Pouco depois da morte de Honório Barreto - que foi sentida em toda a Guiné - a cidade de Bissau foi visitada por um diplomata e es critor, Francisco Travassos Valdez, que fez a seguinte descrição da fortaleza de S. Jos é (ln Africa Occidenlal. p. 313.):

«A praça de S. José de Bissau, com os seus poílões (erio exdendron anfractorum), árvores gigantescas que se erguem com magestade nos quatro baluartes, e que os abrigam com a sua sombra, sendo de taes dimensões q ue uma d'ellas tem 18 metros de perimetro na maior grossura, está situada na foz do rio Geba, e foi construida no anno de 1766, reinando el-reí D. José I.

Até 1912, segundo Senna Barcelos, estas nove peças - cujos reparos tinham sido adquiridos por Honório Barreto, em 1837, ao governa dor da Gâmbia - eram as únicas da fortaleza de S. José de Bissau que podiam fazer fogo.

Pouco depois da morte de Honório Barreto - que foi sentida em toda a Guiné - a cidade de Bissau foi visitada por um diplomata e es critor, Francisco Travassos Valdez, que fez a seguinte descrição da fortaleza de S. Jos é (ln Africa Occidenlal. p. 313.):

«A praça de S. José de Bissau, com os seus poílões (erio exdendron anfractorum), árvores gigantescas que se erguem com magestade nos quatro baluartes, e que os abrigam com a sua sombra, sendo de taes dimensões q ue uma d'ellas tem 18 metros de perimetro na maior grossura, está situada na foz do rio Geba, e foi construida no anno de 1766, reinando el-reí D. José I.

Do seu princípio teve alojamento para o governador, bons quarteis para 200 homens e officíaes correspondentes, igreja da invoc ação de S. José, alfandega, grandes armazéns, e um poço com água potável. Mas depois de tudo isto feito com grossos capitaes, pela necessidade que houve de con duzir de Lisboa muitos operários

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e grande parte dos materíaes, bem como os vasos de guerra contra o gentio papel e balanta, e para proteger a edificação da praça, que referem escríptores antigos custou a vida a mais de 2 000 portugueses, chegou este est abelecimento a uma decadência tal que ainda ha bem pouco tempo só lhe restava um casarão construido de pedra e barro, aonde o governador e officiaes estavam pessi mamente alojados e nas peiores condições higienicas, um quartel para soldados quas i em ruínas e em grande parte descoberto, uma mesquinha capella, algumas miserave is barracas cobertas de palha, destinadas ás mulheres dos soldados, e um poço chei o de entulho!

Ultimamente porém, além de se estabelecer uma nova tarifa para os soldos dos officiaes da provincia de Cabo Verde, destacados na Guiné portugueza, dando-se-lhes de augmento o equívalente á metade dos seus vencimentos, têm tido certo increme nto as obras militares.

O governador geral Fortunato José Barreiros ordenou que se procedesse á reparação da forte do Pigiguiti, da tabanca e da pa lissada, e auctorizou a construção de uma parede (guarda fogo) no paiol da pólvora.

Sob a direcção do activo e íntelligente governador de Guiné, Anton io Candído Zagallo, reconstruiu-se o quartel militar, comprehe ndendo alojamentos para os soldados e officiaes inferiores, arrecadação e cozi nha, e começaram-se também as obras para a reconstrução da casa de residencia dos governadores, cujo madeira-mento foi offerecido gratuitamente pello fallecido commendador Honorio Pereira Barreto.

Considerada em si, aquelIa praça, formada por quatr o frentes abaluartadas, traçadas sobre um quadrado de 100 metros aproxímadamente de lado, com muralhas de 10 a 12 palmos de elevação sobre o fosso que a circunda, nã o passa de uma pequena povoação mal alinhada, com algumas casas palhoças, outras de barro, e bem poucas de solida construção. Tem por limites nas du as extremidades de ENO e SSO, na primeira, uma palissada, na segunda uma tabanca, que ambas fecham a fortificação que a defende, e lhe fica superior pelo lado do N; ao NO, serve-lhe de limite o rio de Bíssau.»

Quase no final do século XIX, em Fevereiro de 1890, os papéis e qrumetes de Bissau rebelaram-se e, a 22 desse mês, atacaram a povoação, tendo sido repelido s. A luta prosseguiu até Março de 1892, tendo custado a Portugal a vida de muitos dos seus militares, dos quais dois capitães, um tenente e um alferes.

Em Dezembro de 1893 os papéis recomeçaram a guerra, mas no espaço de alguns

meses foram subjugados, em parte devido aos vários disparos dos canhões da

fortaleza, em parte devido ao revés que sofreram qu ando, a 7 de Dezembro, atacaram

Bissau e foram repelidos.

Em 28 de Novembro de 1893 o gentio de Bissau assass inou, não muito longe dos

muros da fortaleza, um civil, natural de Cabo Verde , fornecedor de pão e de géneros

para o exército.

Seguidamente os papéis e grumetes da ilha de Bissau sublevaram-se. Sendo, por

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portaria n.º 127 de 1 de Dezembro, declarado o esta do de guerra e autorizado «o

bombardeamento do interior da praça para fora da me sma contra os seus habitantes»

() Em Revista Militar , ano de 1897, p. 518. ).

Da fortaleza foram efectuados muitos disparos «diri gidos para as differentes

partes da ilha, tanto com as peças de artilharia co mo com as espingardas Snyder»,

parecendo então que a rebelião tinha si sufocada. N o entanto,. os nativos, dias depois,

atacaram com violência a cidade de Bissau, sendo a acção descrita (Alferes MIGUEL

ANTÓNIO PIMENTEL, A guerra de Bissau em 1894 , in Revista Militar , ano de 1897. ) por um oficial, que tomou

parte activa na defesa, da seguinte maneira:

«No dia 7 de Dezembro, seriam cinco horas da manhã, quando a fortaleza foi

surprehendída pelo inimigo em numero provavel de 3 000 homens (papeis e grumetes), que

durante a noite anterior, por um qualquer descuido da parte da guarnição da praça e

fortaleza, se haviam aproximado das muralhas encobe rtos com os tarafes (matto), a uma

distancia de 50 metros, pouco mais ou menos e entre o Pyjiguity e o baluarte da Onça;

travou-se então um renhidissimo combate entre os re voltosos e a guarnição da praça,

fazendo eu nessa ocasião parte da força postada no denominado baluarte da Onça, junto

com o meu illustrado camarada tenente Graça Falcão, o qual então se entretinha com

algumas peças Krupp de 7 C m/1882 com que escangalhou ainda parte das paredes dos

muros do cemiterio e creio que as cabeças de alguns papéis, enquanto eu me entretinha

com a minha espingarda Snyder ... Foi tal o effeito produzido por tão renhido ataque de 7 de Dezembro, causado pelo

demasiado estrondo das bocas de fogo e fuzilaria, q ue aterrorizou extraordinariamente todo o pessoal estranho áquelle serviço e que então se achava no interior da praça. e muito especialmente o pertencente ao sexo feminino. ..

Como felizmente a boa estrela favoreceu sempre as n ossas forças, viram-se então os rebeldes na dura necessidade de retirar em debandad a deixando a praça e ainda o campo livre, do que elles nada gostaram...

Depois do referido ataque deram-se mais alguns pequ enos combates de mais ou menos importância, mas não tão importantes como aqu elle, nos mezes de janeiro e Fevereiro, e alternadamente até á saida da columna para fora da praça ...

...Pelas tres horas da tarde do mesmo dia (27 de Ab ril)... surgiram os rebeldes nas alturas fazendo fogo vivo. A este ataque respondera m os auxiliares que se portaram razoavelmente bem, sendo o inimigo repellido pelos tiros da fortaleza e do fortim do Pyjiguity.»

A guerra de Bissau do ano de 1894, que foi pelo aut or anteriormente citado, referida como «uma das mais importantes que nas possessões u ltramarinas portuguezas se têem realizado nos ultimos anncs», terminou com a comple ta derrota dos gentios em Bassim no dia 10 de Maio, sendo a paz assinada em 22 do mesmo mês, numa cerimónia realizada no interior da fortaleza de S. José de Bissau, na pres ença do Governador, de muitos militares e povo.

Data sensivelmente do final do século passado a seg uinte descrição do capitão Barahona e Costa, feita na Revista de Engenharia Militar de 1901:

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«A fortaleza de S. José de Bissau, quando ali chegu ei, também inspirava pouca confiança aos seus defensores. Basta dizer que o pa rapeito estava quase destruído, acima do terraplano de circulação. D'este modo os pretos rebeldes podiam bem alvejar as reduzidas tropas da guarnição que fomos encontrar e xaustas por sucessivos alarmes.

A densa vegetação que circundava a praça permitia q ue o inimigo se pudesse aproximar sem ser visto.

O artilhamento da praça era simplesmente mesquinho, p ara não dizer outra coisa. Basta citar o facto de termos ido encontrar ali peç as de artilharia assestadas no parapeito sobre reparos constituídos por grossas la ges postas de cutelo!

Tanto o fortim de Pigiguiti como o forte de S. José foram convenientemente reparados durante o tempo que estive na Guiné e o a rtilhamento foi muito melhorado, o que não obstou a que poucos annos depois já ali s e vissem as peças de artilharia amarradas com cordas aos respectivos reparos!

Os capitães de artilharia Joaquim de Freitas Ramos, Jacinto I.Santos e Silva e Viriato Fonseca envidaram patrióticos esforços para organizar de vez o material

de guerra da Guiné em condições favoráveis á defens a. Como se vê, porém, ali tudo muda rapidamente...

Tendo citado aquelles tres offícíaes, não quero dei xar no olvido o nome do valente capitão Lage, que em 1891 comandava a forta leza de Bissau.

Quando em 1891 fui servir na Guiné, encontrei a for taleza de S. José de Bissau quase completamente arruinada...

Durante a minha estada na Guiné (1891-1892) procedi a importantes trabalhos na fortaleza de S. José de Bissau, que restaurei em gr ande parte, pondo-a em condições de resistir ás sortidas do gentio irrequieto que a rodêa.

O forte de S. José de Bissau tem 4 faces abaluartad as, dispostas segundo os lados de um quadrado...

As muralhas teem 12 metros de elevação sobre o foss o que a circunda. Este fosso tinha a escarpa revestida, mas quando ali cheguei a chava-se quase entulhado com os escombros da muralha e os revestimentos do fosso ti nham desaparecido.

Honório Barreto, que foi governador da Guiné, assev era, n'uma memória que escreveu sobre a Guiné, que as pedras que guarneciam a contr a escarpa, e as lages das plataformas de artilharia foram roubadas para se fazerem alguma s casas particulares ...

...em cada um dos baluartes, ao centro, havia gigan tesco poilão (erio exdendron anfractorum) que lhes dava farta sombra.

…o tronco de um desses gigantes mede na base cerca de vinte metros de perímetro. ...a povoação de Bissau fica apertada entre o forte e uma cortina que liga o baluarte da

Onça ao fortim do Pigiquiti, nome pelo qual em 1891 era conhecido o antigo forte Nozolíni, do qual, alíaz, só existia a face que olha para a c ampanha.»

Durante alguns anos uma paz relativa reinou em Biss au e a fortaleza de S. José de Bissau pouca acção teve no desenrolar das campanhas de 1908 - se bem que tivesse alojado no seu interior grande número de militares que tomaram parte na Campanha de Bissau, que foi, para todas as nossas tropas que at é então tinham actuado na Guiné, aquela que mais baixas causou.

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Em 1913 houve grande alvoroço entre os moradores de Bissau, porquanto a paliçada que ligava a fortaleza ao forte de Piguiti fora man dada demolir. Esta medida foi considerada altamente prejudicial à cidade pois, segundo se escreveu ao Ministro do Ultramar, «a defesa desta ficaria só apoiada pela v elha fortaleza de S. José».

Nos acontecimentos políticos provenientes da mudanç a de regime em Portugal, em 1910, e durante as guerras mundiais de 1914-1918 e 1939-1945, a acção da velha fortaleza foi de pequeno relevo e, desde então, praticamente só serviu de aquartelamento e depósito de tropas.

Fotografias existentes nos arquivos do Quartel-Gene ral de Bissau, datando de há pouco mais de um quarto de século, mostram a fortal eza de S. José com as suas muralhas desmoronadas, as edificações em ruínas, aparecendo, entre os destroços, ou quase cobertas pelo capim, uma ou outra peça.

Para se celebrarem as comemorações do quinto centen ário da descoberta da Guiné, a fortaleza foi parcialmente reparada, dado que algumas das principais cerimónias desenrolar-se-iam no interior das suas s eculares muralhas.

No dia 1 de Janeiro de 1946 começaram essas comemor ações, que abrangeram toda a Guiné e às quais Portugal inteiro, desde o M inho a Timor, se associou.

A primeira cerimónia teve lugar às oito horas desse dia com o içar, pelo comandante da Guarnição Militar, Major Pedro Pinto Cardoso, da Bandeira das Descobertas ( Esta bandeira encontra-se emoldurada na Biblioteca do Quartel-General do Comando Territorial

Independente da Guiné. ). Ao acto prestaram honras militares forças da Arm ada, do Exército e do Corpo da Polícia de Segurança Pública.

Finda a salva de 21 tiros, Sua Excelência o Governa dor, Comandante Sarmento Rodrigues, proferiu a sua célebre «Mensagem do Balu arte» (Em Boletim Cultural da Guiné

Portuguesa, I (1946) 349-352.). que começa com as seguintes palavras:

«do alto deste baluarte, onde a bandeira portuguesa sempre com honra se

ergueu... » Seguidamente as forças em parada desfilaram e inaug urou-se, na esplanada da

fortaleza de S. José de Bissau, um pequeno monument o dedicado «aos heróis da ocupação e pacificação da Guiné», iniciando-se, assim, as cerimónias comemorativas do quinto centenário da Província.

Em 1947 desmoronaram-se alguns lanços das muralhas da fortaleza e, no ano seguinte, deu-se a derrocada das edificações do Pav ilhão dos oficiais e arrecadações do material de guerra.

Dois anos foram necessários para se reconstruírem a s muralhas e se demolirem as ruínas das edificações. Depois, em 1951, começou a construção de duas moradias, que substituíram o velho «Quartel de officiaes» que há cem anos, pouco antes da sua morte, o governador Honório Barreto mandou reconstr uir.

Durante anos e anos os quartéis da fortaleza servir am para alojar unidades militares, quer da guarnição de Bissau, quer em trâ nsito para o interior da Província, sendo a última unidade que se abrigou no interior d as velhas muralhas o Batalhão de Intendência da Guiné.

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Na luta que hoje se trava contra um inimigo alentad o e bem remuniciado por países estrangeiros, têm sido capturadas muitas ton eladas de armamento. O Gabinete Militar do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guin é promoveu uma exposição pública do material capturado e escolheu como local mais representativo para a apresentação desses troféus de guerra - que testemu nham bem o inegável apoio do mundo comunista aos terroristas da Guiné - o interi or da velha fortaleza de S. José de Bissau, espalhando pelo seu recinto, misturadas com seculares canhões, as mais modernas armas de fogo. Após esta exposição, em 1969, a fortaleza - vulgarm ente chamada da Amura, ou seja, o nome em crioulo de muralha - passou a servir de sed e ao Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné e, praticamente, a vida política e militar da Província voltou a irradiar, para todos os pontos guineenses. da antiga «casa do gove rno» da fortaleza de S. José de Bissau.

Hoje, uma ponte de características modernas e simpl es, atravessa o único troço de fosso, existente junto à face poente, dando acesso à porta de armas, que está ladeada por dois belos exemplares de canhões belgas, fundidos e m 1757 por L. Lefache, e por duas guaritas de cimento armado, estas sem qualquer inte resse artístico.

Um portão de ferro, tão modesto e simples que talve z fosse rejeitado em qualquer quinta um pouco mais abastada, substitui a porta qu e a fortaleza certamente devia ter possuído e que a riqueza de madeiras da região impu nha.

O túnel de passagem é baixo e curto, com uma curvat ura de tecto pouco pronunciada. Nas suas paredes laterais existem duas lápides, mod ernas e de discutível bom gosto. A da direita tem o escudo da Guiné, mas com a tradiciona l «negrinha» ( D. Afonso V, como símbolo da

posse da Guiné. fazia uso de um bastão de marfim. r ematado por uma cabeça de negra. Este bastão era con hecido pelo

DOme de cnegrinha,. e foi. mais tarde. adoptado com o emblema heráldico da provlncla da Guiné. sendo ma ntido pela

portaria ministerial de 5 de Maio de 1935. ) muito se assemelhando a um canhão - erro normalme nte seguido e que dá origem a outra interpretação deste símbolo tendo gravadas as seguintes palavras:

FORTALEZA DE S. JOSE DE BISSAU PRIMEIRAMENTE CONSTRUIDA EM 1696 PELO CAPITAO-MOR JOSE PINHEIRO. FOI INICIADA A SUA RECONSTRUÇAO EM 1753 SEGUNDO OS PLANOS DE FREI MANUEL DE VINHAIS SARMENTO E CONTI NUADA EM 1766 COM A TRAÇA DO COR MANUEL GERMANO DA MATA RECONSTRUIDA PARCIALMENTE EM 1916

Ao ler-se esta lápide quase se pode afirmar que, em cada linha, há um erro. A primeira fortaleza que existiu em Bissau tinha o nome de Nossa Senhora da

Conceição, a padroeira de Portugal e orago da capel a da fortificação que foi mandada demolir, completamente, por D. João V em 1707, e põ e-se em dúvida se, meio século depois, teria sido reconstruída.

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Deve-se a traça da segunda fortaleza de Bissau ao C apitão-Engenheiro Pais de Meneses (Cf. ofldo do Ministro da Marinha e Ultramar. transcrito por ÁLVARES DÊ ANDRADÊ. ob. cit., p. 77 e indicada na

pág. 489 deste trabalho. ) e foi só após a morte deste que Freí Vinhais Sarmen to, e por algum tempo, foi nomeado para a direcção das obras da fortaleza. Mas, como se ind icou, tudo quanto construído sob a sua direcção foi provi sório e ficou imperfeito. Da leitura de vários documentos verifica-se que a segunda fort aleza de Bissau estava de pé quando a Companhia do Grão-Pará expressou por escrito o seu contentamento pelo «bom sucesso do princípio da fundação da fortaleza» ( GERMANO DA MATA ~ categ6r1co ao

afirmar que. em 30 de Dezembro de 1765 deu «princíp io a cortar as árvores e matos e a limpar o plano p ara se lançarem

as 'primeiras I1nhas». Cf. CUNHA SARAIVA. A Fortaleza de' Bisseu e a Companhia de Grão-Parã· é MaranMo. p. 167;

ÁLVARES ANDRADE. Planta da Praça de Bissau e suas adjacentes. p. 57.). Portanto, esta foi construída em local diferente das anteriores, contrariamente ao q ue se depreende da lápide.

Por último, duvida-se da reconstrução da fortaleza em 1946, porquanto reconstruir é restaurar segundo a traça primitiva, e, nesta reconstrução, só houve a preocupação de tornar a fortaleza funcional para de terminado fim, não se atendendo ao seu passado histórico. Assim, a pequenina capeli nha de evocação a S. José desapareceu para dar origem a uma singela casa quad rada, tipo colonial, e também desapareceram os majestosos poílões que existiam em cada um dos baluartes (No

arquivo do Quartel-General existe uma fotografia de stes poilões. ), além de hoje se verem nas arestas das muralhas inestéticas guaritas de cimento, pintadas de branco, em nítido contraste com a cor enegrecida das pedras lateríticas.

Na parede do lado esquerdo do túnel de acesso à esp lanada há uma pequena placa de bronze indicando que a fortaleza foi

VISITADA PELO CHEFE DO ESTADO, GENERAL FRANCISCO HIGINO CRAVEIRO LOPES EM 3 DE MAIO DE 1955

Na esplanada, mas descentrado, ergue-se, desde 1946 , um pequeno monumento dedicado aos «heróis da ocupação e pacificação da G uiné». Está rodeado de 4 canhões de ferro, de calibre 36, montados em reparos do mesmo metal.

Dois destes canhões, os que estão voltados para a p orta de serviço, são holandeses, um tem uma coroa que parece a sueca e o outro, prov àvelmente, é de fundição inglesa.

Junto à porta de serviço - que se vê ter sido rasgada na mu ralha, em ampliação da original - há um montículo de terra, ajardinado, on de se encontram uma caronada, um ancorote e uma hélice de avião, querendo simbolizar a união dos três ramos das Forças Armadas. Para realização deste fim, julga-se que a caronada - canhão típico da marinha - devia ser substituída por uma peça.

No lado exterior da porta de serviço estão dois can hões de ferro, de calibre 24, montados nos respectivos reparos, tendo um as armas holandesas e o outro aspecto de ser de origem inglesa. Espalhados pelos parapeitos das muralhas encontram-se 24 canhões de ferro ( Em todas as descrições sobre a fortaleza de S. José d e Bissau verifica-se que o número de

canhões vem diminuindo. Conquanto em 1847 tivesse s ido dada ordem, de Lisboa, para «a inexplicável med ida do

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desartllhamento gerai» (Revista Militar. ano de 1864. p. 128), não nos constou que, quer nes sa ocasião quer em 1856 e

1877, ou datas posteriores, tivessem recolhido ao Arsenal do Exército canhões de ferro ou de bronze provenien tes da

Guiné. Assim o desaparecimento dos canhões que exis tiram na fortaleza de Bissau só se explica, para os mais pesados,

pelo abandono e consequente enterramento natural; p ara os mais pequenos, em especial os de bronze, pel o roubo. Além

das 35 peças de artilharia que se encontram na fort aleza de S. José. conhecem-se, em Bissau, mais nove bocas de fogo

antigas, cujas características e locais onde se enc ontram resumidamente se indicam: - No Balalhão de Intendência de

Angola: - Morteiro de ferro, possivelmente de fins do sécul o XVIII – 1. No munhão esquerdo tem a marca S BOWLING e

no fogão os números de referência 7 - I - 12. Está m ontado em reparo de ferro, próprio, e tem um diâmet ro de boca de 230

mm. - No Museu de Bissau: . Canhão acolumbrinado, de ferro, do inicio do século XVII – 1; . Canhão de ferro do flnal

do século XVIII – 1; . Peça de tiro de sinal, de ferro , do princípio do séc. XVIII – 1; N. B. A peça de tiro do sinal, uma das

muitas que os indígenas nos roubaram, 101, há pouco mais de cem anos, utilizada pelos mandingas suas l utas contra os

fulas. CI. Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, II (1947) 449. . Canhão de bronze com a cifra de D. Ma ria I – 1. Os dois

canhões de ferro parecem ser de origem inglesa. O c anhão de bronze tem um corte triangular em bisel, i nvertido, junto ao

«ouvido», que teria sido feito para embutir um «grã o», o que sucedia quando as peças tinham feito muito fogo . - No

Cemitério Municipal de Bissau: . Canhão de bronze, com o comprimento total de 96 c m e diâmetro de 10 cm. Alma com 6

estrias, slnistrorso. Na faixa da culatra tem a leg enda: RUELLE-AN 1863, e nos munhões, esquerdo a direito,

respectivamente, «N.º 100» e «P 101 K». . Canhão de bronze, idêntico ao anterior, com a data de 1870, t endo no munhão

esquerdo a Indlcação: «N.º 16». . Canhão de bronze, com o comprimento total de 96 cm e o diâmetro de b oca de 11.5 cm.

Tem a alma lisa e a câmara estrangulada. No munhão esquerdo tem a indicação «N.º 232» e no direito «P 9 8 K». Tem

marca de mira na bolada e na faixa da culatra, lado esquerdo superior, uns furos de adaptação de um ap arelho,

possivelmente de pontaria. Uma peça idêntica foi r oubada em' 1959, ignorando-se o seu paradeiro. - Junto ao cais do

Pigiguiti, na Avenida Marginal: . Canhão de ferro, provavelmente de calibre 36, ent errado pela boca, estando de fora o

cascavel, culatra e parte do primeiro reforço. Esta peça, bem como os dois canhões de ferro que se enco ntram no Museu

de Bissau, guarneciam o antigo forte do Pigiguiti. Por uma feliz determinação do Ex.º Secretário-Geral d a Provinda vão

recolher ao Museu de Bissau todas as peças antigas de artilharia que se encontram espalhadas pela Guin é, mesmo

aquelas que estão a ser utilizadas como cabeços de amarração ), dos quais só um ostenta as armas portuguesas – embora não tivesse sido feito em Portugal. Os restantes sã o holandeses, um possivelmente é sueco, outro deve-se às fundiçõe s belgas de Lefache, e há ainda um que tem, nos seus munhões, a característica «flôr de liz» francesa.

No interior da esplanada, em parte sombreada por ma ngueiras, encontram-se, além dos quatro canhões já aludidos que rodeiam o m onumento e da carona da perto da porta de serviço, mais duas peças deste tipo, um a das quais encravada com um pelouro de maior calibre. No chão, junto a cada uma destas bocas de fogo, existem uns quatro ou cinco pelouros de diversos tamanhos.

Na varanda da «casa do governador», voltados para o mar, encontram-se quatro pequenos canhões de 47 mm, que há meio século fazia m parte do armamento de algum navio de guerra.

Exceptuando estas quatro peças, um total de 35 velh os canhões fazem imaginar, a quem os contempla - melhor que estes simples e brev es apontamentos - o que foi a história da fortaleza de S. José de Bissau, através dos seus dois séculos de existência. Uma história atribulada, de sucessos e insucessos, de esperanças e desânimos, indelevel-mente ligados pela nossa constante vontade de perma necer na Guiné.

Page 35: Fortalezas de Bissau

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