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Revista Brasileira de Educação 5

As sociedades se transformam, fazem-se e des-fazem-se. As tecnologias mudam o trabalho, a co-municação, a vida cotidiana e mesmo o pensamen-to. As desigualdades se deslocam, agravam-se e re-criam-se em novos territórios. Os atores estão li-gados a múltiplos campos sociais, a modernidadenão permite a ninguém proteger-se das contradi-ções do mundo.

Quais as lições que daí podem ser tiradas paraa formação de professores? Certamente, convém re-forçar sua preparação para uma prática reflexiva,para a inovação e a cooperação. Talvez importe, so-bretudo, favorecer uma relação menos temerosa eindividualista com a sociedade. Se os professoresnão chegam a ser os intelectuais, no sentido estritodo termo, são ao menos os mediadores e intérpre-tes ativos das culturas, dos valores e do saber emtransformação. Se não se perceberem como depo-sitários da tradição ou precursores do futuro, nãosaberão desempenhar esse papel por si mesmos.

Prática reflexiva e participação crítica serãoentendidas aqui como orientações prioritárias daformação de professores. Mas, antes de desenvol-

ver essa dupla tese, questionemos, de início, a pró-pria idéia de que as transformações da sociedadeclamam automaticamente por evoluções na escolae na formação de profissionais.

A escola pode ficar imóvel emcontextos sociais em transformação?

O bom senso leva a pensar que, se a socieda-de muda, a escola só pode evoluir com ela, anteci-par, até mesmo inspirar as transformações culturais.Isso significa esquecer que o sistema educativo be-neficia-se de uma autonomia relativa (Bourdieu ePasseron, 1970), e que a forma escolar (Vincent,1994) é em parte construída para proteger mestrese alunos do furor do mundo.

Sem dúvida, os professores, os alunos e seuspais fazem parte do mundo do trabalho e, eviden-temente, da sociedade civil. Assim, por meio deles,retomando a fórmula de Suzanne Mollo (1970), asociedade está dentro da escola tanto quanto o in-verso. No entanto, a escola não poderia cumprir suamissão se mudasse de finalidades a cada mudança

Formar professores emcontextos sociais em mudançaPrática reflexiva e participação crítica

Philippe PerrenoudFaculdade de Psicologia e Ciências da Educação, Universidade de Genebra

Tradução de Denice Barbara CataniTrabalho apresentado na XXII Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, setembro de 1999.

Jose Lucio
Text box
http://www.grobo.com.br/rogeriobarreto/mesuneb/Formar_professores_em_contextos_sociais_de_mudan_a_PHILIPPE_PERRENOUD.pdf 20 de Julho de 2009
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Philippe Perrenoud

de governo e tremesse sobre suas bases cada vez quea sociedade fosse tomada por uma crise ou por con-flitos graves. É importante que a escola seja, emparte, um oásis e que ela continue a funcionar nascircunstâncias mais movimentadas, mesmo em casode guerra ou de grande crise econômica. Ela perma-nece, senão um “santuário”, pelo menos um lugarcujo estatuto “protegido” é reconhecido. Quandoa violência urbana ou a repressão policial chegamàs escolas, os espíritos ficam chocados.

A escola não tem vocação para ser o instru-mento de uma facção, e nem mesmo de partidos nopoder. Ela pertence a todos. Até mesmo os regimestotalitários tentam preservar essa aparência de neu-tralidade e paz. Compete ao sistema educativo en-contrar um justo equilíbrio entre uma abertura des-truidora dos conflitos e sobressaltos da sociedadee um fechamento mortífero, que o isolaria do res-tante da vida coletiva.

Um outro fator intervém: a despeito das no-vas tecnologias, da modernização dos currículos, darenovação das idéias pedagógicas, o trabalho dosprofessores evolui lentamente porque depende pou-co do progresso técnico, porque a relação educativaobedece a uma trama bastante estável e porque suascondições de trabalho e sua cultura profissional ins-talam os professores em rotinas. É por isso que aevolução dos problemas e dos contextos sociais nãose traduz ipso facto por uma evolução das práticaspedagógicas.

Um viajante que voltasse à vida depois de umséculo de hibernação veria a cidade, a indústria, ostransportes, a alimentação, a agricultura, as comu-nicações de massa, os costumes, a medicina e as ati-vidades domésticas consideravelmente mudadas.Entrando numa escola, ao acaso, encontraria umasala de aula, um quadro-negro e um professor di-rigindo-se a um grupo de alunos. Sem dúvida, oprofessor não estaria mais de “sobrecasaca” ou deavental. Os alunos não estariam mais de uniformesou de tamancos. O professor teria descido de suacátedra e o visitante acharia os alunos impertinen-tes demais. Uma vez começada a aula, talvez elepercebesse alguns traços de uma pedagogia mais

interativa e construtivista, de uma relação mais ca-lorosa ou igualitária do que na sua época. Mas, aseus olhos, não haveria nenhuma dúvida de queencontrava-se em uma escola.

Talvez houvesse um computador na sala, co-nectado a uma rede. Mas o visitante observaria queele é usado para propor exercícios na tela e prepa-rar conferências “surfando” em páginas da Web. Otriângulo didático estaria no lugar, imutável e ossaberes eruditos, muito pouco modernizados, alionde teriam passado a matemática dos conjuntosou a nova gramática.

A escola existe nas sociedades agrárias comonas megalópoles, sob os regimes totalitários, comona democracia, nos bairros elegantes e nas favelas eapesar dos equipamentos desiguais, dos professoresmais ou menos formados, dos alunos mais ou me-nos cooperativos, as semelhanças saltam aos olhos.

Por que seria preciso formar os professores deoutro modo se o seu trabalho é imutável ou qua-se? Muda-se o ofício de padre no ritmo que mudaa sociedade? A matemática, a língua, as outras dis-ciplinas, as notas, as lições de casa, as punições so-brevivem a todos os regimes e atravessam todas ascrises. Não basta continuar a formar professoresque sabem um pouco mais do que os seus alunos emostram um pouco de método para transmitir seusaber? Sem excluir toda transformação curricularou tecnológica, por que diabos se mudaria de para-digma? Esse que prevalece permite escolarizar asmassas sem pagar muito caro pelos professores.Não é assim mesmo?

Que muitos jovens saiam da escola pouco ins-truídos, às vezes iletrados, a quem isso incomodaconcretamente, entre os privilegiados? A ignorân-cia dos outros é como a fome no mundo: cada umdeplora esses flagelos e continua a dedicar-se àssuas ocupações. A “miséria do mundo” (Bourdieu,1993) não impede a Terra de girar e só faz sofrerverdadeiramente aqueles que são suas vítimas di-retas. Alguns dos nossos contemporâneos aindapensam, sem ousar mais dizer em voz alta: se to-dos fossem instruídos, quem varreria as ruas? Ou-tros não vêem porque dispensar a todos formações

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de alto nível quando os empregos disponíveis nãoo exigem.

Minha argumentação não é cínica. Ela visasomente a demonstrar que a vontade de mudar aescola para adaptá-la a contextos sociais em trans-formação, ou melhor, democratizar o acesso ao sa-ber, não é bem partilhado e que essa vontade fre-qüentemente é frágil e se limita a discursos que nãopassam à ação.

Hoje, é de bom-tom preocupar-se com a eficá-cia, a eficiência e a qualidade da educação escolar.Não nos enganemos: o objetivo é conservar o ad-quirido, gastando menos, uma vez que os Estadosnão têm mais os meios de desenvolver a educaçãocomo nos tempos de crescimento. Fazer melhor commenos; tal é a divisa dos governos há alguns anos.

Quem faz absoluta questão de que o sistemaeducativo mantenha todas as suas promessas? Quan-do a sociedade se preocupa verdadeiramente emelevar o nível cultural das gerações, em geral, é pararesponder à demanda de educação dos pais das clas-ses médias. Uma vez que obtenham o que querem,isto é, o acesso aos percursos escolares que permi-tem às suas crianças enfrentar os estudos superio-res, a escola lhes parece cumprir a sua missão. Ademocratização dos estudos atingiu, hoje, um limiarque, em numerosos países, coloca as classes médiasao lado dos favorecidos. Os desfavorecidos são me-nos numerosos, mas ainda mais desfavorecidos doque antes. Sua expressão política tem uma influên-cia limitada, não somente porque são imigrados semdireitos políticos, mas mais globalmente porque suapobreza e seu escasso nível de instrução não lhes dámuitas oportunidades de se fazer ouvir e nem mes-mo de compreender os mecanismos que fabricamo fracasso escolar de suas crianças. O cúmulo daalienação, sabe-se bem, é sentir-se o único respon-sável por sua situação infeliz, de vê-la como conse-qüência “lógica” e portanto “justa” de sua própriaincapacidade de vencer.

Praticamente não existem forças sociais impor-tantes para exigir uma escola mais eficaz. Parado-xalmente, são certos governos e alguns meios eco-nômicos lúcidos que medem os riscos de uma escola

inerte e parcialmente ineficaz. Eles podem contarcom o apoio ativo de certas organizações interna-cionais, de movimentos pedagógicos, da pesquisaem educação e das “forças de esquerda”.

Não é verdade que o contexto de transforma-ção em que se encontra a escola produza mudan-ças automáticas. Esta transformação deve ser lidae decodificada para incitar a escola à mudança. Ora,os professores e os pais que se apegam ao statusquo não tem nenhum interesse em fazer essa leitu-ra. Por outras razões, todos os que acham que aescola custa caro demais e que os impostos são mui-to pesados colocam-se no campo dos conservado-res. As forças que querem adaptar a escola à evo-lução da sociedade então são pouco numerosas econstituem uma aliança instável. Em outras pala-vras, a idéia de que a escola deva formar o maiornúmero de pessoas levando em conta a evolução dasociedade não é combatida abertamente, mas ela sóé um princípio motor para aqueles que a tomam ver-dadeiramente a sério e fazem disso uma prioridade.

Seria, então, absurdo sustentar que porque asociedade muda, a escola vá mobilizar toda sua in-teligência e segui-la, isto é, antecipar essas mudan-ças. Sem dúvida, as evoluções demográficas, econô-micas, políticas e culturais transformam os públi-cos escolares e as condições de escolarização e aca-bam por obrigar a escola a mudar. Ela se adapta,então, mas o mais tarde possível, de modo defensi-vo. Na ausência da adesão massiva das pessoas daescola a uma política de educação visionária e au-daciosa, a mudança social adquire, antes de tudo,aparências de uma imposição a ser ignorada pelomaior tempo possível.

Os numerosos atores e grupos sociais que nãomantêm nenhuma ambição nova com relação à es-cola e, além disso, não têm mais a impressão deque ela fracasse em suas missões tradicionais, nãotêm nenhuma razão de querer que se forme me-lhor, que se considere mais e que se pague melhoros professores.

Realmente, mesmo aqueles que estão conven-cidos de que a escola deve se adaptar à “vida mo-derna” e “tornar-se mais eficaz” não estão prontos

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para elevar o nível de formação e de profissionaliza-ção dos professores. Eles mantêm novas expectati-vas com relação ao sistema educativo, mas recusam-se a admitir que isso custe um centavo a mais. Suaambivalência tem um duplo fundamento:

> sabem que não se pode formar profes-sores com um nível mais alto e dar-lhes maisresponsabilidades sem pagá-los melhor; ora, osporta-vozes da economia sempre sonharamcom uma eficácia crescente que não exigissenenhum novo investimento;

> eles temem que os professores forma-dos numa prática reflexiva, para a participa-ção crítica e para a cooperação, tornem-se oscontestadores em potencial ou, pelo menos,interlocutores incômodos.

Para os idealistas, como eu, o progresso da es-cola é indissociável de uma profissionalização cres-cente dos professores. Sejamos lúcidos o suficientepara saber que esse paradigma e os seus corolários,em termos de estatuto, de ganhos, de nível de for-mação, de atitude reflexiva, de empowerment,1 demobilização coletiva, de gestão de estabelecimen-tos e de pensamento crítico, longe estão de obterunanimidade, mesmo entre aqueles a quem o statusquo não satisfaz.

Sejamos bastante lúcidos, também, para saberque esse paradigma (profissionalização, prática re-flexiva e participação crítica) não corresponde:

> nem à identidade ou ao ideal da maio-ria dos professores em função;

> nem ao projeto ou à vocação da maio-ria daqueles que se dirigem para o ensino.

É claro que ninguém é indiferente aos benefí-cios simbólicos e materiais de uma profissionaliza-ção crescente, e nenhum professor opõe-se a reivin-

dicar mais autonomia, com a condição de que nãotenha de pagar seu preço: acréscimo de responsa-bilidades, de cooperação, de transparência e, semdúvida, de trabalho...

Seria uma razão para renunciar ao paradigmado professor reflexivo e crítico? Não acredito. Mes-mo se há poucas chances de realizá-lo integralmen-te, a curto ou mesmo a médio prazo, pode-se con-tribuir para orientar as reformas da formação ini-cial, num sentido que prepare o futuro.

Esse paradigma pode parecer ainda mais irrea-lista nos países que nem mesmo têm os meios derecrutar ou formar de modo suficiente professoressimplesmente qualificados. É verdade que os deba-tes internacionais priorizam os modelos que corres-pondem melhor aos países industrializados. Esta-ríamos errados, então, se acreditásemos que o de-senvolvimento econômico assegura a profissionali-zação: todos os países de alto nível econômico brin-cam com essa idéia, mas os progressos são muitolentos. Ao contrário, eu diria que uma das desvanta-gens das sociedades desenvolvidas é que ela são hi-perescolarizadas. O sistema educativo é uma imensaburocracia e uma parte do corpo docente instalou-se numa visão bastante conservadora do ofício.

Pode ser então, paradoxalmente, que os paí-ses que devem formar novos professores em gran-de número, por motivos demográficos ou para de-senvolver a escolarização de massa, tenham maisoportunidades de romper com as tradições e con-sigam inscrever de saída a profissionalização naconcepção de base do ofício de professor. Os de-safios com que se defrontam os países em desen-volvimento reclamam uma forma de prática refle-xiva e de participação crítica, enquanto os paísesmais desenvolvidos parecem não esperar grandecoisa de seus professores, a não ser que dêem aula.No entanto, não sonhemos: a profissionalização,a prática reflexiva e a participação crítica vão alémdo “saber fazer” profissional de base, mas supõemsua aquisição prévia. Se os países em transforma-ção estão prontos para mobilizar seus professoresna aventura do desenvolvimento, nem sempre temos meios de formá-los...

1 Em inglês, no original. Significa “investimento depoder” (N. E.).

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Certamente, nenhum pensamento mágico re-solverá esse problema. Se um país não tem os meiosde formar todos os seus professores, pode parecersurrealista defender uma prática reflexiva. De fato,veremos que é menos absurdo do que parece.

Primeiro,as competências de base

Qualquer um que é que projetado numa situa-ção difícil, sem formação, desenvolve uma atitudereflexiva por necessidade. Os professores cujas com-petências disciplinares, didáticas e transversais sãofrágeis arriscam-se, no cotidiano, a perder o domí-nio de sua aula e tentam então desenvolver estra-tégias mais eficazes, aprendendo da experiência.

Mas que desperdício! Com efeito:

> por um lado, eles descobrem por ensaioe erro, não sem sofrimento, os conhecimentoselementares que poderiam ter construído du-rante sua formação profissional, por exemplo,que as crianças não são adultos, que são todasdiferentes, que têm necessidade de confiança,que elas próprias constroem seus saberes etc.

> por outro lado, para sobreviver, desen-volvem práticas defensivas que, se não levama aprender, lhes permitem pelo menos conser-var o controle da situação; assim sendo, algunsse fecham, permanentemente, aos métodos ati-vos e ao diálogo com outros profissionais.

É preciso, então, ancorar a prática reflexiva so-bre uma base de competências profissionais. Quais?Tentei descrever dez tipos de competências novasligadas às transformações do ofício de professor: 1.organizar e animar as situações de aprendizagem;2. gerir o progresso das aprendizagens; 3. concebere fazer evoluir os dispositivos de diferenciação; 4.envolver os alunos nas suas aprendizagens e no seutrabalho; 5. trabalhar em equipe; 6. participar da ges-tão da escola; 7. informar e envolver os pais; 8. ser-vir-se de novas tecnologias; 9. enfrentar os deverese dilemas éticos da profissão; 10. gerir sua própria

formação contínua (Perrenoud, 1999 a). Encontra-se, em anexo, um inventário mais detalhado.

Pode-se discutir, infindavelmente, esse refe-rencial, como qualquer outro. O importante é:

1. Que exista um que suscite consenso amploao término de um verdadeiro debate e torne-se umverdadeiro instrumento de trabalho para os estu-dantes, os formadores e as pessoas do campo (exe-cutivos, professores associados).

2. Que se apóie em competências e que consi-dere os conhecimentos, sejam eles disciplinares, pro-fissionais ou advindos das ciências humanas, comorecursos a serviço dessas competências mais do quecomo fins em si mesmos.

3. Que as competências profissionais situem-se claramente para além do domínio acadêmicodos saberes a ensinar, que elas abarquem sua trans-posição didática em classe, a organização do traba-lho de apropriação, a avaliação, a diferenciação doensino.

4. Que as dimensões transversais do ofício se-jam honradas para além de algumas horas de “for-mação comum”, de “pedagogia geral” ou de sensi-bilização para aspectos relacionais, que os compo-nentes transversais constituam o objeto de aportesteóricos e de aprofundamentos em estágio, do mes-mo modo que as didáticas das disciplinas.

5. Que a formação e o referencial de competên-cias considerem toda a realidade do ofício valendo-se de uma análise rigorosa das práticas, em sua di-versidade, sem esquecer isso que jamais é dito clara-mente, mas que pesa terrivelmente na vida cotidia-na de professores e de alunos: o tédio, o medo, a se-dução, a desordem, o poder etc. (Perrenoud, 1996a).

6. Que o referencial de competências exerçaum avanço “otimizador” sobre o estado das práti-cas, sem fazer dos novos professores pobres kami-kazes, condenados a sofrerem com o sarcasmo ouo ostracismo por parte dos professores veteranos;importa dar-lhes os meios de explorar as novas viasabertas pela pesquisa em educação, por equipes ino-vadoras ou movimentos pedagógicos.

7. Que essas competências sejam susceptíveisde serem desenvolvidas desde a formação inicial,

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num verdadeiro dispositivo de alternância e de ar-ticulação teórico-prática, mas que elas guiem tam-bém o desenvolvimento profissional, seja no inte-rior dos estabelecimentos ou no âmbito da forma-ção contínua.

8. Que o referencial seja um instrumento muitoclaro para sustentar a concepção e a gestão de pla-nos e dispositivos de formação tanto quanto de ava-liação de competências efetivas de estudantes ouprofessores formados.

9. Que a dimensão reflexiva seja prontamen-te inscrita na própria concepção das competências;que se renuncie então às prescrições fechadas ou àsreceitas, para propor conhecimentos argutos sobreos processos de ensino-aprendizagem, instrumen-tos de inteligibilidade de situações educativas com-plexas e um pequeno número de princípios queorientem a ação pedagógica (construtivismo, inte-racionismo, atenção dirigida para o sentido dos sa-beres, negociação e normatização do contrato di-dático etc.).

10. Que a participação crítica e a interrogaçãoética sejam constantemente conduzidas de formaparalela, a partir das próprias situações, desenvol-vendo um discernimento profissional sempre situa-do na encruzilhada da inteligência das situações edo cuidado com o outro, isto é, da solicitude da qualfala Philippe Meirieu.

Vê-se, mais claramente ainda com essas últi-mas teses, que a prática reflexiva e a participaçãocrítica não poderiam se apresentar como pedaçosenxertados, e nem mesmo como andares acrescidosao edifício das competências. São, ao contrário, fioscondutores do conjunto da formação, das atitudesque deveriam ser adotadas, visadas e desenvolvidaspelo conjunto dos formadores e das unidades deformação, segundo diversas modalidades.

Meu propósito, aqui, não é desenvolver os dis-positivos de formação (Perrenoud, 1996b, 1998c).Basta dizer que as competências profissionais sópodem, na verdade, ser construídas graças a umaprática reflexiva e na qual haja participação que seassegure desde o início dos estudos. Em outras pa-

lavras, esses dois componentes que foram apresen-tados até aqui como os objetivos da formação sãotambém suas maiores alavancas: é funcionando nu-ma postura reflexiva e numa participação críticaque os estudantes tirarão o melhor proveito de umaformação em alternância.

A prática reflexivacomo domínio da complexidade

O conceito é conhecido desde as obras deSchon (1983, 1987, 1991). Entretanto, apesar dostrabalhos mais centrados na formação de profes-sores, persiste uma confusão entre:

> por um lado, a prática reflexiva espon-tânea de todo ser humano que enfrenta umobstáculo, um problema, uma decisão a tomar,um fracasso ou qualquer resistência do real aoseu pensamento ou a sua ação;

> por outro lado, prática reflexiva metó-dica e coletiva que os profissionais usam du-rante o tempo em que os objetivos postos nãosão atingidos.

Um sentimento de fracasso, de impotência, dedesconforto, de sofrimento desencadeia uma refle-xão espontânea para todo ser humano e tambémpara o profissional. Mas esse último também refletequando está bem, uma vez que haver-se com situa-ções desconfortáveis não é seu único motor; suareflexão é alimentada também pela vontade de fa-zer seu trabalho de modo mais eficaz e ao mesmotempo o mais próximo possível de sua ética.

Num “ofício impossível”, os objetivos rara-mente são atingidos. É pouco freqüente que todosos alunos de uma classe ou de um estabelecimentodominem perfeitamente os saberes e as competên-cias visados. Por isso, no ensino, a prática reflexi-va sem ser permanente não poderia se limitar à re-solução das crises, de problemas ou de dilemas atro-zes. É melhor imaginá-la como um funcionamentoestável, necessário em “velocidade de cruzeiro” evital em casos de “turbulência”.

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Outra diferença muito importante: um profis-sional reflexivo2 aceita fazer parte do problema.Reflete sobre sua própria relação com o saber, comas pessoas, o poder, as instituições, as tecnologias,o tempo que passa, a cooperação, tanto quanto so-bre o modo de superar as limitações ou de tornarseus gestos técnicos mais eficazes.

Enfim, uma prática reflexiva metódica inscre-ve-se no tempo de trabalho, como uma rotina. Nãouma rotina sonífera; uma rotina paradoxal, um es-tado de alerta permanente. Por isso, ela tem neces-sidade de disciplina e de métodos para observar,memorizar, escrever, analisar após compreender,escolher opções novas.

Pode-se acrescentar que uma prática reflexivaprofissional jamais é inteiramente solitária. Ela seapóia em conversas informais, momentos organi-zados de profissionalização interativa (Gather Thur-ler, 1996), em práticas de feedback3 metódico, dedebriefing4, de análise do trabalho, de reflexão so-bre sua qualidade, de avaliação do que se faz. Aprática reflexiva até pode ser solitária, mas ela passatambém pelos grupos, apela para especialistas ex-ternos, insere-se em redes, isto é, apóia-se sobre for-mações, oferecendo os instrumentos ou as basesteóricas para melhor compreender os processos emjogo e melhor compreender a si mesmo.

Por que seria necessário inscrever a atitude re-flexiva na identidade profissional dos professores?Responderei inicialmente: para liberar os profis-sionais do trabalho prescrito, para convidá-los aconstruir suas próprias iniciativas, em função dosalunos, do campo, do meio ambiente, das parceriase cooperações possíveis, dos recursos e das limita-ções próprias do estabelecimento, dos obstáculosencontrados ou previsíveis.

Admite-se, certamente, que a parte do trabalhoprescrito decresce, em princípio, num processo deprofissionalização. Resta compreender porque essaparte deveria decrescer no ofício do professor. Umaparte dos sistemas educativos ainda apostam numaforma de proletarização do ofício do professor (Per-renoud, 1996c) classificando os professores no quea OCDE chamou de “prestação de serviços”5.

Podem-se enunciar três argumentos em favorda profissionalização:

1. As condições e os contextos de ensino evo-luem cada vez mais depressa, fazendo com que sejaimpossível viver com as aquisições de uma forma-ção inicial que rapidamente se torna obsoleta e queseja mais realista imaginar que uma formação con-tínua bem pensada dará novas receitas quando asantigas “não funcionarem mais”; o professor devetornar-se alguém que concebe sua própria práticapara enfrentar eficazmente a variabilidade e a trans-formação de suas condições de trabalho.

2. Se se quer que todos alcancem os objetivos,não basta mais ensinar, é preciso fazer com que cadaum aprenda encontrando o processo apropriado.Esse ensino “sob medida” está além de todas asprescrições.

3. As competências profissionais são cada vezmais coletivas no âmbito de uma equipe ou de umestabelecimento, o que requer sólidas competên-cias de comunicação e de conciliação, logo, de re-gulação reflexiva.

A atitude e a competência reflexivas apresen-tam várias facetas:

> Na ação, a reflexão permite desvincu-lar-se da planificação inicial, corrigi-la cons-tantemente, compreender o que acarreta pro-blemas, descentralizar-se, regular o processoem curso sem se sentir ligado a procedimen-tos prontos, por exemplo, para apreciar umerro ou punir uma indisciplina.

2 “Praticien réflexif”, no original. (N. E.)

3 Em inglês, no original. Significa “retroalimentação”.(N. E.)

4 Em inglês, no original. Significa “responder a inter-rogações após a realização de tarefas”. (N. E.) 5 “Livraison de services”, no original. (N. E.)

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> A posteriori, a reflexão permite anali-sar mais tranqüilamente os acontecimentos,construir saberes que cobrem situações com-paráveis que podem ocorrer.

> Num ofício em que os problemas sãorecorrentes, a reflexão se desenvolve tambémantes da ação, não somente para planificar econstruir os cenários, mas também para pre-parar o professor para acolher os imprevistos(Perrenoud, 1999 b) e guardar maior lucidez.

Talvez caiba sublinhar a forte independênciadesses diversos momentos. A “reflexão na ação”(Schon, 1983) tem claramente, por função:

1. Construir a memória das observações, ques-tões e problemas que são impossíveis de serem exa-minados em campo;

2. Preparar uma reflexão mais distanciada, doprofissional, sobre o seu próprio sistema de ação eseu habitus (Perrenoud, 1998d, 1999d).

Sem entrar aqui na questão dos processos deformação pela prática reflexiva (estudo de caso,análise de práticas, discussões, escrita clínica, porexemplo) cabe sublinhar que ela exige vários tiposde capitais:

> de saberes metodológicos e teóricos;

> de atitudes e de uma relação autênticacom o ofício e com o real;

> de competências que se apóiam sobreesses saberes e atitudes, permitindo mobilizá-los em situação de trabalho e aliá-los à intui-ção e à improvisação, como na própria práti-ca pedagógica.

Os saberes metodológicos incluem a observa-ção, a interpretação, a análise, a antecipação, mastambém a memorização, a comunicação oral e escri-ta e até mesmo o vídeo, uma vez que a reflexão nemsempre se desenvolve em circuito fechado nem noimediato. Insistirei sobre os saberes teóricos: o bomsenso apoiado sobre capacidades de observação ede raciocínio permite um primeiro nível de reflexão.

Para ir mais longe, importa sempre dispor de umacultura em ciências humanas, tanto didática comotransversal. Em certos casos, o domínio dos saberesa ensinar é crucial, se este falha, alguns problemasnão podem ser colocados. Por exemplo, a interpre-tação de alguns erros de compreensão é esclarecidapela história e pela epistomologia da disciplina.

A participação crítica comoresponsabilidade da cidadania

Que um professor reflexivo mantenha uma re-lação de envolvimento com a sua própria prática éo mínimo que se exige, na perspectiva da profissio-nalização. Aqui, trata-se de uma outra forma deenvolvimento, de um compromisso crítico no deba-te social sobre as finalidades da escola e seu papelna sociedade.

Hoje, um professor relativamente competen-te e eficaz em classe pode estar ausente de qualqueroutra cena:

> não trabalha em equipe ou em rede;

> não participa da vida e do projeto doestabelecimento;

> mantém-se afastado das atividades sin-dicais e corporativas no âmbito da profissão;

> investe muito pouco na vida social, cul-tural, política e econômica local, regional ounacional.

Cada professor, segundo esses quatro crité-rios, tem um perfil que lhe é próprio. Entre os quese envolvem em todos os níveis e os que se mantêma distância de tudo, acham-se práticas diferenciadas.Assim, pode-se trabalhar em equipe sem se preo-cupar com a política educacional ou pode-se ser mi-litante sindical ou político sem se envolver com oseu estabelecimento de ensino. A participação ati-va e crítica, para a qual conviria preparar os pro-fessores, se expressaria nesses quatro níveis.

Aprender a cooperar e a atuar em rede. Atual-mente, o quadro das atribuições dos professores não

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os obriga a trabalhar em conjunto, mesmo se coexis-tem no mesmo andar e se tomam café, todos os dias,à mesma mesa (Dutercq, 1993). A formação deveater-se ao individualismo dos professores, à vontadede cada um de ser “o único comandante a bordo”.Importa trabalhar as representações da cooperaçãoe forjar instrumentos para evitar seus obstáculos aela e encontrar os usos que lhe são mais oportunos.

Aprender a viver a escola como uma comuni-dade educativa. O estabelecimento escolar tende atornar-se uma pessoa moral dotada de certa auto-nomia. Esta última não tem sentido se o responsá-vel pela escola for o único a beneficiar-se dela, as-sumindo também sozinho os riscos e as responsa-bilidades do poder. Se se quer que o estabelecimentose torne uma comunidade educativa relativamentedemocrática, é preciso formar os professores nessesentido, prepará-los para negociar e conduzir pro-jetos, dar-lhe as competências para um entendimen-to relativamente sereno com outros adultos, inclu-sive com os pais (Derouet e Dutercq, 1997; GatherThurler, 1998, 2000; Perrenoud, 1999c).

Aprender a sentir-se membro de uma verda-deira profissão e responsável por ela. Nesse nível,a participação não deveria limitar-se a uma ativi-dade sindical, mas estender-se à política de umaprofissão emergente. Quando um ofício se profis-sionaliza no sentido anglo-saxão, que opõe ofícioe profissão, os índices mais seguros dessa evoluçãosão um crescente controle coletivo dos profissionaissobre a formação inicial e contínua e uma influên-cia mais forte sobre as políticas públicas que estru-turam o seu campo de trabalho.

Aprender a dialogar com a sociedade. Isso ain-da é uma outra coisa. Uma parte dos professoresengaja-se na vida política como cidadãos. A ques-tão é que eles se envolvam como professores. Não,primeiramente, como membros de um grupo pro-fissional que defende interesses da categoria, mascomo profissionais que colocam sua especialidadea serviço do debate sobre as políticas educacionais.

Nesses quatro níveis, é difícil envolver-se sal-vaguardando uma estrita neutralidade ideológica.Não defendo, entretanto, uma politização extrema

dos professores como aquela que existe em certosmomentos da história ou em algumas sociedades.Certamente, em caso de guerra, de ocupação ou detomada do poder por um governo autoritário pode-se esperar que os professores estejam do lado dosdireitos humanos e participem da dissidência e daresistência. Todavia, em tempos de paz, uma par-ticipação crítica não passa necessariamente por umenvolvimento militante, no sentido político da ex-pressão, nem por uma crítica sistemática das opçõesgovernamentais. Envolver-se, é em princípio, inte-ressar-se, informar-se, participar do debate, expli-car, mostrar. Ora, isso não é óbvio. Faça-se a ex-periência: escolha um período de debate intensosobre a escola e tente, num estabelecimento esco-lar de certo porte, avaliar a proporção de profes-sores que acompanham o debate e até participamativamente. Que os professores fizessem lobby se-ria preferível, no final das contas, à grande indife-rença de muitos dentre eles quanto às decisões queremodelam o sistema educativo. Talvez a defesa deinteresses corporativos seja um primeiro passo parauma participação crítica mais desinteressada.

Essa participação é tanto mais necessária, nes-se âmbito, uma vez que as sociedades contemporâ-neas não sabem mais muito bem quais finalidadesdestinar à educação escolar. Ouvem-se discursosmuito contraditórios sobre a escola. Uns mantêmexpectativas irreais e loucas esperanças: restabele-cer o vínculo social, lutar contra a violência e a po-breza. Outros perderam toda a confiança e criticamviolentamente o sistema educativo: escola ineficaz,esclerosada, burocrática, arcaica, fechada... Ondeestão os professores nesses debates? Certamente,descobrem-se alguns nos partidos, nas mídias, al-guns fazem carreira, são eleitos, principalmente nonível local. Isto continua sendo uma influência mar-ginal e individual. Enquanto os médicos exercemuma forte influência sobre a concepção da saúdepública e das políticas sanitárias, não se observanada de equivalente entre os professores.

É seguramente uma questão de status, de po-der, de relações de força. É também uma questão:

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Philippe Perrenoud

> de identidade individual e coletiva;

> de competências.

Sobre esses dois pontos, a formação poderiaagir e incitar os futuros professores a sair de sua “pas-sividade cívica” enquanto profissionais da educação.

Como? A operação é delicada, uma vez que nãoé uma questão de engajar os futuros professores nu-ma visão única da educação. É preciso buscar umavia equivalente a essa messagem “cívica” que se di-rige aos eleitores para dizer-lhes: “Vote em quemvocê quiser, mas vote!”

Mais do que doutrinação, trata-se de análise,de compreensão do que está em jogo. Nesse senti-do, uma formação mínima em filosofia da educa-ção, em economia, em história, em ciências sociaisnão é um luxo, mesmo se esses saberes não são di-retamente investidos na aula. Quantos professoresnão viram nada chegando quando o fascismo ins-talou-se em seu país? Muitos não tem qualquer idéiado custo real da educação e nem mesmo do seu or-çamento. A maioria só conhece rudimentos da his-tória do sistema educativo ou não tem nenhumavisão clara das desigualdades sociais e dos mecanis-mos que as perpetuam.

Formar para a compreensão dos mecanismossociais não é neutro, mesmo se se evita doutrinar.Pode-se esperar uma formação equivalente a pro-pósito da cooperação, das organizações e das pro-fissões, temas ainda mais legítimos para futurosprofessores.

A aposta apresentada aqui é que a participa-ção crítica tem como condições necessárias conhe-cimentos e competências de análise, mas tambémde intervenção nos sistemas.

Quanto ao conflito identitário, ele é ainda maissensível. Seria papel dos institutos de formação de-fender uma concepção precisa do papel social doprofessor? Seria seu papel socializar na profissão?Pode-se, no mínimo, exigir debates e tomadas deconsciência. Segundo a fórmula de Hameline, pode-se esperar da formação que ela esclareça os futurosprofessores, os desembarace dessa idéia simples deque ensinar é transmitir um saber acima de qual-

quer suspeita a crianças ávidas de assimilá-lo inde-pendentemente de sua origem social. Lembramo-nos das resistências que o trabalho de Bourdieu ePasseron provocaram entre os professores francó-fonos nos anos 70, ao colocarem em evidência opapel da escola na reprodução das desigualdades.Hoje, a expressão parece tão banal que se poderiaacreditar que ela está integrada. Não é nada disto:a maioria dos futuros professores referem-se à suaformação numa visão angelical e individualista doofício. Nada garante que eles a abandonarão aolongo de seus estudos, a não ser para jogá-la narejeição e na negatividade...

Formadores reflexivos e críticospara formar professores

reflexivos e críticos...

A universidade parece ser o lugar, por excelên-cia, da reflexão e do pensamento crítico. Pode-seentão ser tentado a dizer que formar os professo-res segundo esse paradigma é uma tarefa “natural”das universidades.

Todavia, salvo em medicina, engenharia e ad-ministração, a universidade não está organizadapara desenvolver competências profissionais de altonível. Mesmo nesses domínios, Tardif (1996) mos-tra que os saberes disciplinares superam o desen-volvimento de competências. Isso levou algumasfaculdades de medicina a operarem uma revolução,introduzindo a aprendizagem por problemas, quecoloca a abordagem teórica a serviço da resoluçãodo problema clínico desde o primeiro ano. Gillet(1987) propõe, com o mesmo espírito, dar às com-petências um “direito de gestão” sobre os conheci-mentos, mas essa perspectiva contraria a tendênciamais forte das instituições de tipo escolar: criar cur-sos, multiplicar os saberes reputados como indispen-sáveis e deixar para os estágios ou o trabalho de fimde curso ou a alguns trabalhos práticos o cuidadode desencadear sua integração e sua mobilização.

Por isso é que não se pode eleger, sem uma aná-lise, a universidade como o lugar ideal da formaçãode professores. Mesmo no que concerne à prática

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Formar professores em contextos sociais em mudança

reflexiva e à participação crítica a dúvida metódicase impõe.

A prática reflexiva não é umametodologia de pesquisa

A formação para a pesquisa, própria das car-reiras universitárias de 2º e 3º ciclos, não preparaipso facto para a prática reflexiva. Devemos nosrender à evidência: quando ensinam, os pesquisa-dores podem, durante anos, entediar seus alunos,perder-se em monólogos obscuros, ir muito rapida-mente, mostrar transparências ilegíveis, organizaravaliações arcaicas e assustar os alunos pelo seunível de abstração ou sua pouca empatia ou sensode diálogo. Isso tanto pode sugerir um grande des-prezo pelo ensino quanto uma fraca capacidade re-flexiva aplicada a esse trabalho.

Mais seriamente, mesmo se há pontos comuns(Perrenoud, 1994a) pesquisa e prática reflexivaapresentam também grandes diferenças:

> Elas não têm o mesmo objeto; a pesqui-sa em educação interessa-se por todos os fa-tos, processos e sistemas educativos e por to-dos os aspectos das práticas pedagógicas. Oprofessor reflexivo dirige, prioritariamente,um olhar sobre seu próprio trabalho e seu con-texto imediato, no dia a dia, nas condiçõesconcretas e locais de seu exercício. Há, então,ao mesmo tempo limitação e localização docampo de investigação.

> Pesquisa e prática reflexiva não exigema mesma atitude. A pesquisa quer descrever eexplicar, exibindo a sua exterioridade. A prá-tica reflexiva quer compreender para regular,otimizar, ordenar, fazer evoluir uma práticaparticular a partir do seu interior.

> Pesquisa e prática reflexiva não têm amesma função. A pesquisa visa a saberes de ca-ráter geral, duráveis, integráveis a teorias e aprática reflexiva contenta-se com conscientiza-ções e saberes da experiência úteis localmente.

> Elas não possuem os mesmos critériosde validação. A pesquisa exige um método eum controle intersubjetivo, o valor da práti-ca reflexiva se julga pela qualidade das regula-ções que ela permite operar e pela sua eficá-cia na identificação e resolução de problemasprofissionais.

A universidade então não pode, só pelo fatode que ela inicia para a pesquisa, pretender formarprofissionais reflexivos, além de tudo. Se quer fazê-lo, deve desenvolver dispositivos específicos: aná-lise de práticas, estudos de caso, vídeo-formação,escrita clínica, técnicas de auto-observação e de es-clarecimento, treinamento para o trabalho sobre opróprio habitus e sobre seu “inconsciente profissio-nal” (Paquay et al., 1998).

Certamente, a formação para o espírito cien-tífico, para o rigor, para a atitude descentralizada desi, constitui trunfo que a universidade pode pôr a ser-viço da formação de professores. Igualmente, de acor-do com a concepção de pesquisa e de método quese tenha, as divergências e convergências com a prá-tica reflexiva se modulam. Tomemos dois exemplos:

1. Se a universidade se preocupasse mais emformar “pesquisadores reflexivos” encontrar-se-iamnumerosas convergências, mas a preparação meto-dológica é infelizmente, em geral, mais localizadano eixo do tratamento dos dados do que sobre a ne-gociação com o campo e a regulação de atividadese do trabalho. Na representação que se dá aos es-tudantes, a atividade concreta de pesquisa é muitomitificada e reduzida ao método. Fala-se pouco dasrelações de poder, das dimensões narcísicas, da con-corrência, da parte do acaso e do inconsciente, davida concreta nos laboratórios (Latour e Woolgar,1988). Expurga-se, então, da realidade do trabalho,tudo o que exige uma reflexão tática, ética, iden-titária, financeira e prática, fazendo como se os pes-quisadores vivessem num mundo de idéias puras,sem contingências materiais, nem paixões humanas.Toda consideração do trabalho real revelaria paren-tescos entre o ofício do professor reflexivo e o dopesquisador reflexivo...

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Philippe Perrenoud

2. Se a universidade reconhecesse mais a im-portância do contexto da conceituação e da des-coberta para a construção da teoria, mais do quefocalizar sobre os métodos de tratamento de dadose de validação, ela desenvolveria melhor a atitudereflexiva. Ela estimularia a imaginação sociológi-ca (Mills, 1967) mas também didática, pedagógica,psicanalítica, das quais o professor reflexivo tem ne-cessidade para “ver as crises banais e familiares deoutro modo”, reenquadrar os problemas, deslocá-los mentalmente, operar “rupturas epistemológicas”.

Em outras palavras, um seminário de pesqui-sa, de acordo com o modo pelo qual é concebido econduzido, pode colocar os estudantes no coraçãode uma prática reflexiva ou formá-los como peque-nos soldados da ciência. Enquanto se formar os es-tudantes para a pesquisa fazendo-os recolher e sis-tematizar dados em função de hipóteses de pesquisapara cuja definição eles não contribuíram, se man-terá a ilusão de que se forma pesquisadores quan-do, na verdade, se treina técnicos.

Há aí um duplo desafio:1. Ampliar a concepção de pesquisa e de for-

mação para a pesquisa, em especial, nas ciênciashumanas. A distância entre essa formação e o de-senvolvimento de uma atitude reflexiva dependedessa ampliação.

2. Criar, nos cursos universitários, dispositi-vos que visem, especificamente, a desenvolver a prá-tica reflexiva, independentemente da pesquisa. Es-ses dispositivos poderiam também contribuir paraformar os pesquisadores, mas, de início, seriam pos-tos a serviço de um profissional engajado em umaação complexa.

Essas duas condições não bastam. A práticareflexiva só pode tornar-se uma “segunda nature-za”, em outras palavras, incorporar-se ao habitusprofissional, caso esteja no centro do plano de for-mação e se estiver integrada a todas as competên-cias profissionais visadas, tornando-se o motor daarticulação teoria-prática. Isso tem grandes conse-qüências para:

> a organização e a natureza dos estágios;

> as relações e a parceria com os professo-res em exercício como formadores em campo;

> os sentidos e as modalidades da alter-nância entre estágios e formação mais teórica;

> próprio papel de formador em campo,definido de início como um profissional refle-xivo disposto a associar um estudante estagiá-rio ao seu próprio questionamento.

Então, não se trata somente de desviar os per-cursos de formação que levam ao domínio das ciên-cias da educação, mas criar todas as etapas de no-vos percursos de formação que se pode perfeitamen-te imaginar no quadro das faculdades, sem fazerguetos ou “escolas dentro das Universidades”, semrenunciar a formar para a pesquisa e preparando,como em todas as carreiras acadêmicas dignas des-se nome, as transições para o terceiro ciclo e o dou-torado. (Perrenoud, 1996b, 1998c).

Da crítica radicalà participação crítica

A universidade parece a priori o lugar privile-giado de um olhar crítico sobre a sociedade, emfavor da autonomia e da extraterritorialidade (re-lativas!) atribuídas às universidades desde a IdadeMédia. Ainda aqui algumas nuanças se impõem:

Pode-se observar que em numerosos domíniosesse estatuto alimentou um enorme desinteresse domundo universitário com relação aos problemas dotempo presente. Uma parte dos professores vivemnesse “pequeno mundo” tão bem descrito por Da-vid Lodge ou absorvem-se com pesquisas de altonível sem se indagar demais o que lhes vale esseprivilégio. Se se concebe a universidade como uma“torre de marfim” (Huberman e Gather Thurler,1991) protegida dos murmúrios do mundo para quecada um se consagre à busca serena do saber, nãose pode esperar que os estudantes sejam estimula-dos à participação crítica.

Inversamente, a universidade, na tradição ilus-

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Formar professores em contextos sociais em mudança

trada por Marcuse, abriga intelectuais engajadosna crítica radical da sociedade que os faz viver.Eles não se sentem, assim, responsáveis pelas po-líticas e pelas práticas sociais, somente encarrega-dos de identificar, e até de denunciar as incoerên-cias, os comprometimentos, a ineficácia ou as fal-sas aparências.

Essas duas figuras da universidade não corres-pondem à concepção da participação crítica desen-volvida acima. Não basta que a universidade sejapolitizada para pretender desenvolver uma partici-pação crítica.

Por outro lado, a atitude dos professores nãose transmite magicamente aos estudantes. Para quea participação crítica se torne um componente dohabitus profissional dos professores, da mesma ma-neira que a atitude reflexiva, não basta confiar naessência da instituição, é preciso instaurar disposi-tivos de formação precisos e desenvolver competên-cias fundadas sobre saberes oriundos das ciênciashumanas.

As ciências da educaçãoe as práticas

No centro do debate, acha-se a concepção dasrelações entre as ciências humanas e as práticas edu-cativas. Se formar professores é um simples servi-ço prestado à comunidade ou até mesmo um meiode ampliar o orçamento acadêmico para investir oexcedente no terceiro ciclo e na pesquisa, pode-seduvidar de que a universidade seja o local ideal paraformar os professores.

Ao contrário, se tornar as práticas inteligíveisestá no centro do programa teórico das ciências daeducação, quer se trate de políticas educacionais, dagestão dos estabelecimentos escolares ou do traba-lho em classe, então formar os professores e os téc-nicos e dirigentes escolares é um formidável trunfopara a pesquisa fundamental. Efetivamente, a for-mação profissional obriga a validar e a aprofundaras teorias, até que elas se tornem dignas de créditoe utilizáveis. Se os trabalhos dos pesquisadores emeducação freqüentemente fazem sorrir uma parte

dos professores, é porque eles testemunham um des-conhecimento da realidade escolar no cotidiano,que torna insuportável seu discurso, quer ele sejacrítico, prescritivo, idealista ou teórico...

Além disso, como cruzamento interdiscipli-nar, as ciências da educação só se sustentam jun-tas pela sua referência comum a um campo social,a um sistema e a práticas complexas. Para além daambição interdisciplinar, o engajamento nas forma-ções profissionais é a forma mais segura de fazercom que, não somente coexistam, mas trabalhemjuntos, psicólogos, historiadores, sociólogos, antro-pólogos, psicanalistas da educação, quer seja noquadro das didáticas das disciplinas ou das abor-dagens transversais.

Estou convencido de que as ciências da edu-cação têm tudo a ganhar ao formar os profissionaisda educação e que elas podem chegar a isso semfazer concessões teóricas ou epistemológicas. É umacondição necessária para que a inserção da forma-ção dos professores na universidade tenha sentido.Se os universitários vivem a formação profissionalcomo um mal necessário, um preço a pagar, ummodo de desviá-los de suas pesquisas, a formaçãosó pode se tornar medíocre. Ela será confiada a pro-fessores que não têm outra escolha, orientados poralguns militantes.

Então é muito importante saber por que a uni-versidade quer formar professores. Se é por razõesclaramente ligadas a sua identidade e articulada àconstrução de saberes e se ela está disposta a con-ceber os percursos de formação profissional supe-rando seus hábitos e tradições didáticas, então cer-tamente ela é o lugar apropriado.

Se, ao contrário, a universidade quer se ocu-par da formação de professores apenas para nãoabandoná-la a outras instituições ou para ampliarseu público, obter subvenções ou prestar um servi-ço, então é preferível confiar a formação a institu-tos que não terão vergonha de formar profissionais.

Desejo vivamente, como se pode perceber, queas universidades ultrapassem esse estágio. Algumaso têm feito há décadas, mesmo tendo de defrontar-se com o “retorno do recusado”, isto é, o peso dos

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Philippe Perrenoud

saberes, as formas acadêmicas de sua transmissãoe o desprezo pelas práticas.

O que seria indefensável seria pretender for-mar os professores sem dar-lhes os meios. É por issoque o desenvolvimento de programas de formaçãode professores deveria ser objeto de parcerias sóli-das e equitativas com o sistema educativo.

Não é anormal que, para reconhecer as forma-ções, os ministérios imponham condições quanto aoperfil profissional e à qualidade das formações. Emcontrapartida, eles devem engajar-se em facilitar aarticulação teoria-prática. Não basta, no entanto,obter o acordo das instituições. Importa que a par-ceria estenda-se a associações representativas da pro-fissão. Se os poderes organizadores podem encon-trar os locais de estágio e até mesmo designar auto-ritariamente os conselheiros pedagógicos ou os su-pervisores de estágios, uma formação de qualidadesó pode funcionar à base do voluntariado de profes-sores formadores em campo, de um consenso sobrea concepção de formação e de um engajamento co-letivo em favor da profissionalização do ofício.

A universidade teme tais parcerias que podemsujeitá-las à “demanda social” e restringir sua inde-pendência. Na formação profissional, a parceria éincontornável e oferece, além disso, uma oportunida-de única de construir percursos de formação defen-sáveis, ao mesmo tempo acadêmicos e profissionais.

Em conclusão, eu diria que se a universidadeé, potencialmente, o melhor lugar para formar osprofessores para a prática reflexiva e a participaçãocrítica, ela deve, para realizar esse potencial e pro-var sua competência, evitar toda arrogância e se dis-por a trabalhar com os atores em campo. Em con-trapartida, os ministérios, as associações, as comis-sões escolares, os estabelecimentos escolares e ou-tros poderes organizadores deveriam esforçar-se,por seu lado, para abrir e manter um diálogo quenão negue as diferenças!

Desse ponto de vista, a realidade atual ofere-ce um vasto caleidoscópio, inclusive no interior deum só país. Enquanto algumas universidades estãomuito próximas de um modelo centrado sobre aprática reflexiva e a participação crítica no coração

das ciências da educação, outras lhe são antípodas.Seria um erro, portanto, simplificar o quadro. Defato, todos os dilemas e todas as contradições doensino superior se refratam na questão do papel dasuniversidades na formação dos professores.

PHILIPPE PERRENOUD, sociólogo e antropólogo,é professor da Université de Genève, Suíça, na área de cur-rículo, práticas pedagógicas e instituições de formação. Seustrabalhos sobre a construção das desigualdades e o fracas-so escolar o levaram a se interessar pela “profissão” de alu-no, pela profissão e formação de professores, pelos proces-sos de inovação e pelas políticas educacionais. Publicou inú-meras obras, sendo que oito delas encontram-se traduzidaspara o português. O último livro traduzido é Dez novas

competências para ensinar (Porto Alegre: Artmed, 2000).

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20 Set/Out/Nov/Dez 1999 N º 12

Philippe Perrenoud

Competênciasde referência

1. Organizar e coordenar assituações de aprendizagem

2. Gerir a progressão dasaprendizagens

3. Conceber e fazer evoluirdispositivos dediferenciação

4. Envolver os alunos em suaaprendizagem e seutrabalho

Competências mais específicas para seremtrabalhadas na formação contínua (exemplos)

> Conhecer, para uma dada disciplina, os conteúdos a ensinar e suatradução em objetivos de aprendizagem

> Trabalhar a partir das representações dos alunos> Construir e planificar dispositivos e seqüências didáticas> Engajar os alunos em atividades de pesquisa, em projetos de

conhecimento

> Conceber e gerir situações-problemas adequadas aos níveis epossibilidades dos alunos

> Adquirir uma visão longitudinal dos objetivos do ensino primário> Estabelecer vínculos com as teorias subjacentes às atividades de

aprendizagem> Observar e avaliar os alunos nas situações de aprendizagem,

segundo uma abordagem formativa> Fazer balanços periódicos de competências e tomar decisões de

progressão

> Gerir a heterogeneidade no interior do grupo classe> Superar barreiras, ampliar a gestão da classe para um espaço mais

vasto> Praticar o apoio integrado, trabalhar com os alunos com grande

dificuldade> Desenvolver a cooperação entre alunos e algumas formas simples

de ensino mútuo

> Suscitar o desejo de aprender, explicitar a relação com o saber, osentido do trabalho escolar e desenvolver a capacidade de auto-avaliação nas crianças

> Instituir e fazer funcionar um conselho de alunos (Conselho deClasse ou de escola) e negociar com os alunos diversos tipos deregras e contratos

> Oferecer atividades de formação optativas, de modo que o alunocomponha livremente parte de sua formação

> Favorecer a definição de um projeto pessoal do aluno

Anexo:Referencial completo

Dez domínios de competências reconhecidas como prioritáriasna formação contínua dos professores

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Revista Brasileira de Educação 21

Formar professores em contextos sociais em mudança

> Elaborar um projeto de equipe, representações comuns> Coordenar um grupo de trabalho, conduzir reuniões> Formar e renovar uma equipe pedagógica> Confrontar e analisar juntos situações complexas, práticas e

problemas profissionais> Gerir crises ou conflitos entre pessoas

> Elaborar e negociar um projeto da escola> Gerir os recursos da escola> Coordenar e estimular uma escola como todos os parceiros (pára-

escolares, do bairro, associações de pais, professores de língua ecultura de origem)

> Coordenar as reuniões de informação e de debate> Conduzir as entrevistas> Envolver os pais na valorização da construção de saberes

> Utilizar os programas de edição de textos> Explorar as potencialidades didáticas de programas com relação

aos objetivos dos vários domínios do ensino

> Prevenir a violência na escola e na cidade> Lutar contra os preconceitos e as discriminações sexuais, étnicas e

sociais> Participar na definição de regras de vida comum no tocante à

disciplina na escola, as sanções e a apreciação da conduta> Analisar a relação pedagógica, a autoridade e a comunicação em

classe> Desenvolver o senso de responsabilidade, a solidariedade, o

sentimento de justiça

> Saber explicitar suas práticas> Fazer seu próprio balanço de competências e seu programa pessoal

de formação contínua> Negociar um projeto de formação comum com os colegas (equipe,

escolas, rede)> Envolver-se em atividades no domínio de um setor do ensino ou

do DIP6

> Colher e participar da formação dos colegas

5. Trabalhar em equipe

6. Participar da gestão daescola

7. Informar e envolver os pais

8. Servir-se de novastecnologias

9. Enfrentar os deveres edilemas éticos da profissão

10. Gerir sua própriaformação contínua

Fonte: Classeur Formation Continue: programme descours (1996-1997). Genève, Enseignement primaire,Service du perfectionnement, 1996.

6 Département de l’Instruction Publique, nome dadoao órgão responsável pela Educação em alguns cantões suí-ços. (N. T.)