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Formação dos Magistrados: raça, Gênero e interseccionalide Laura Moutinho (USP) EMAG 16 de outubro de 2018

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Formação dos Magistrados:

raça, Gênero e

interseccionalide

Laura Moutinho (USP)

EMAG

16 de outubro de 2018

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Tempo Panóptico e espaço anacrônico

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Como nos tornamos “nós”? Como nos tornamos “eles”? Como

alguns se tornam “nós” e outros “eles”? Ou, talvez a melhor

forma de formular esta pergunta seja: de que modo os

dispositivos de poder produzem a diferença entre o “nós” e

“eles”?

Muitas das recentes reflexões acerca da produção da

diferença e da análise da desigualdade social vêm investindo

na articulação dos chamados “marcadores sociais da

diferença”. As questões acima colocadas informam de modo

ora explícita, ora implicitamente esse campo de análise.

Neste amplo cenário, que envolve os debates acerca dos

direitos diferenciados e das políticas de reconhecimento, da

produção de novas sensibilidades e da concomitante

ressemantização de antigas formas de exclusão, a intersecção

entre raça, nação, sexualidade e gênero ganha destaque.

(Moutinho, 2014).

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Focaremos três eixos: 1) o da (re)construção dos Estados

nacionais e de certas representações de nação; 2) o campo dos

direitos humanos: da regulação à construção de sujeitos de

direitos; e 3) o das identidades subjetivas, do cuidado de si e da

inserção em novas ou renovadas redes de sociabilidade.

Perpassam os três eixos ideias a respeito de identidades em

diferentes matizes, mas a questão chave articuladora é a análise

da produção da diferença e da desigualdade. (Moutinho, 2014)

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“Interseccionalidade” tem uma marca: traz um

aporte feminista e anti-racista”

Kimberle Crenshaw escreveu um breve ensaio, que viria a ser

ampliado posteriormente, no qual coloca em perspectiva “the

tendency to treat race and gender as mutually exclusive

categories of experience and analysis” (1989: 39). Suas análises

operam na intersecção de dois eixos: raça e gênero e justiça e

violência.

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Foco da análise: como a Corte estadunidense vinha

interpretando processos enquadrados na Civil Rights Acts of

1964.

Em casos legais analisados Crenshaw desvela a forma como os

advogados manejam raça e gênero em casos levados à Corte, ou

seja, ela mostra como a dupla discriminação opera no interior

do sistema legal norte-americano.

A autora disserta sobre a discriminação ora baseada na raça, ora

no gênero: “mulheres negras experimentam às vezes a

discriminação de modo similar ao experimentado pelas

mulheres brancas; às vezes, elas partilham experiências

similares às dos homens negros”; às vezes, a experiência da

dupla discriminação é vivida com base no gênero e na raça” e,

por fim, destaca que em alguns momentos elas experimentam a

discriminação como “mulheres negras”: “não a soma de

discriminação por raça e sexo, mas como mulheres negras”

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Feminist standpoint

“Segundo essa teoria, a experiência da opressão

sexista é dada pela posição que ocupamos numa

matriz de dominação onde raça gênero e classe social

se interceptam em diferentes pontos. Assim, uma

mulher negra trabalhadora não é triplamente

oprimida ou mais oprimida do que uma mulher

branca na mesma classe social, mas experimenta a

opressão a partir de um lugar que proporciona um

ponto de vista diferente sobre o que é ser mulher

numa sociedade desigual racista e sexista. [...] Mais

especificamente, nossa posição pode ser melhor

compreendida através do lugar ocupado pelas

empregadas domésticas Um trabalho que permitiu a

mulher negra ver a elite branca a partir de uma

perspectiva que nem os homens negros e nem mesmo

os próprios brancos tiveram acesso” (Bairros, 1995:6

e 7)

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Classificação por cor/raça

Quatro eixos classificatórios:

1)Oficial – IBGE/ cinco categorias –

autoclassificação.

2)Popular – mais de 100 categorias (relacionais,

comparativas, contextuais, espaço e terriotório -

da diferença a discriminação)

3)Político/Ativista movimentos sociais

4)Legal – negro/preto/pardo – o “colorismo”

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1º eixo: Construções dos Estados Nacionais - Representações

de Nação.

Neste eixo, seria necessário operar um corte entre a forma como

autores clássicos trabalharam com o tema e a maneira como tais

marcadores vem sendo manejados contemporaneamente. Raça,

mestiçagem, erotismo, nação, gênero e sexualidade estão

presentes em autores como Gilberto Freyre, Paulo Prado, Sérgio

Buarque de Holanda, Nina Rodrigues, entre outros que

enfrentavam, criticaram e construíram o “nós nacional”.

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2º eixo: Da regulação de práticas e

personagens à construção de sujeitos de

direitos.

Do “nós nacional” ao “outro social”

Da nação a nacionalidade – de categoria imaginada a prática e

praticada.

Interseccionalidade entre raça, sexo, gênero nos Estados nacionais tem

se desenvolvido a partir de três grandes lógicas: 1) a da repressão –

criminaliza-se a homossexualidade, a prostituição, a infidelidade, os

casamentos e o sexo inter-raciais; 2) o não-reconhecimento público:

confinamento na esfera privada e não reconhecimento público da

sexualidade não normativa – ignora-se, por exemplo, a

homossexualidade e, em certos contextos, os mestiços e suas famílias;

3) e a lógica da defesa social – o foco, nesse caso, é na sexualidade

como algo que diz respeito à nação, à saúde publica e à espécie

(Carrara, 1996). A regulação das uniões legais e do sexo inter-raciais na

África do Sul, por exemplo, e toda a preocupação com a pureza racial

ou de sangue que a sustentava se inscreve neste campo. (Moutinho,

2010 e 2014)

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Razão, Cor e Desejo – interseccionalidade sob a

égide de uma razão de Estado(Foto: Moutinho,

2004)

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A liberdade é negra, a igualdade é branca

– um olhar sobre as politicas publicas

a interseccionalidade obedece a dinâmicas diversas e multifacetadas: as grandes convenções e acordos\programas sociais que foram, sem dúvida, construídos na articulação com movimentos sociais. Neste percurso, uma série de reivindicações dos movimentos sociais (negro, LGBT e de mulheres) ganhou o status tanto de premissas legislativas quanto de programas e políticas sociais, inscrevendo-se em um novo campo semântico, cuja ênfase se centra na construção e legitimação de um certo ideário calcado concomitantemente na responsabilidade, na reparação e no reconhecimento. Faz-se necessário explicitar que compreendemos as “reivindicações” dos movimentos sociais focalizados como parte de uma arena complexa de disputas que envolvem um conjunto amplo e variado de atores.

Os limites da modernidade e os ideários igualitários são confrontados com as ideias de diferença e desigualdade.

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3o eixo: socialidades e subjetividades: a

construção e o cuidado de si e o espaço

de agência – ressentimento, violência e

a reinvençao de si.

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Uma das principais facetas da desigualdade racial no Brasil é a forte

concentração de homicídios na população negra. Quando calculadas dentro de

grupos populacionais de negros (pretos e pardos) e não negros (brancos, amarelos

e indígenas), as taxas de homicídio revelam a magnitude da desigualdade. É como

se, em relação à violência letal, negros e não negros vivessem em países

completamente distintos. Em 2016, por exemplo, a taxa de homicídios de negros

foi duas vezes e meia superior à de não negros (16,0% contra 40,2%). Em um

período de uma década, entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios de negros cresceu

23,1%. No mesmo período, a taxa entre os não negros teve uma redução de 6,8%.

Cabe também comentar que a taxa de homicídios de mulheres negras foi 71%

superior à de mulheres não negras.

As maiores taxas de homicídios de negros encontram-se nos estados de

Sergipe (79,0%) e do Rio Grande do Norte (70,5%). Na década 2006-2016, esses

estados foram também onde a taxa mais cresceu: 172,3% e 321,1%,

respectivamente. Já as menores taxas de homicídios de negros foram encontradas

nos estados de São Paulo (13,5%), do Paraná (19,0%) e de Santa Catarina (22,4%).

“VIOLÊNCIA CONTRA NEGROS”- IPEA 2018

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IPEA – AtlAS DA VIOLÊNCIA

“Os dados trazidos pelo Atlas da Violência 2018 vêm complementar e atualizar o cenário de desigualdade racial em termos de violência letal no Brasil já descrito por outras publicações. É o caso do Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência, ano base 2015, que demonstrou que o risco de um jovem negro ser vítima de homicídio no Brasil é 2,7 vezes maior que o de um jovem branco. Já o Anuário Brasileiro de Segurança Pública analisou 5.896 boletins de ocorrência de mortes decorrentes de intervenções policiais entre 2015 e 2016, o que representa 78% do universo das mortes no período, e, ao descontar as vítimas cuja informação de raça/cor não estava disponível, identificou que 76,2% das vítimas de atuação da polícia são negras. A conclusão é que a desigualdade racial no Brasil se expressa de modo cristalino no que se refere à violência letal e às políticas de segurança. Os negros, especialmente os homens jovens negros, são o perfil mais frequente do homicídio no Brasil, sendo muito mais vulneráveis à violência do que os jovens não negros. Por sua vez, os negros são também as principais vítimas da ação letal das polícias e o perfil predominante da população prisional do Brasil.”

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Encarceramento – população LGBT

privada de liberdade.

“Brasil e México são os países com a maior população carcerária na América Latina: sendo respectivamente o 5º e o 11º países mais populosos do planeta, são o 3º e o 8º em relação ao número total de presos. De acordo com dados reunidos pelo Centro Internacional de Estudos Penitenciários (ICPS, na sigla em inglês) entre 2011 e 2013, o primeiro possuía 548.003 pessoas encarceradas e o segundo um total de 246.226. Neste período, as taxas de encarceramento de ambos estiveram entre as maiores do mundo: 274 detentos para cada 100 mil brasileiros e 210 para cada 100 mil mexicanos.

“As duas maiores economias da região (respectivamente a 9ª e a 15ª maiores do mundo) enfrentam desafios semelhantes no que diz respeito ao lugar do sistema de justiça penal na gestão das desigualdades sociais. Ambos os países viveram nas últimas décadas a tensão entre, por um lado, um processo de abertura política e ampliação da participação democrática e, por outro, uma escalada na violência dos conflitos sociais – com a atuação de polícias militarizadas, exércitos, narcotraficantes, e grupos paramilitares. A “era dos direitos humanos” na América Latina e o cenário internacional da “Guerra às Drogas” capitaneada pelos Estados Unidos se fizeram presentes em ambos os países e interagiram de maneira complexa.

Em 2018, as estimativas oficiais de cada país são de aproximadamente 207 milhões de brasileiros e 121 milhões de mexicanos. De acordo com o World Economic Outloook Database do FMI, o PIB do Brasil era de 1.798,62 bilhões de dólares em abril de 2017 e o do México era de 1.046,00 bilhões de dólares no mesmo período. “ Zamboni, 2018 – relatório.

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Encarceramento – população LGBT

um novo sujeito de direitos

“O sistema penitenciário é estruturado por gênero - ativistas e teóricos queer estadunidenses questionam o sistema penitenciário como um todo a partir da experiência de sujeitos não heterossexuais”.

“No contexto norte-americano, é importante lembrar que a categoria de diferença mais fundamental para entender o poder de segregação e controle social da prisão foi, historicamente, a raça. As prisões estadunidenses são ainda mais racialmente seletivas do que as brasileiras e as divisões raciais tem um lugar na produção do cotidiano do cárcere sem paralelos fáceis na américa latina. As questões de gênero e sexualidade são, portanto, pensadas sempre em relação a raça – seja em termos de uma analogia seja em termos de uma articulação”.

“Os presos LGBT constituem, em última instância, o resultado de um complexo imbricamento de demandas por justiça social no âmbito dos Direitos Humanos. Trata-se de uma espécie de encruzilhada entre os direitos da população carcerária e os direitos da chamada população LGBT. Esses dois conjuntos de direitos, embora possam ser articulados dentro do quadro mais amplo dos Direitos Humanos, possuem características e históricos sensivelmente contrastantes - além de entrarem frequentemente em conflito”. (Zamboni, 2018 – relatório).